SEBENTA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO · 2021. 3. 19. · 2020/2021 Mafalda Boavida 5...
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SEBENTA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Regente: Prof. Carlos Blanco Morais
Índice
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. 3
ANÁLISE DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ............................................................................................. 3
DEFINIÇÃO DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO .......................................................................................... 5
DIFERENÇA ENTRE COMUNIDADE INTERNACIONAL E SOCIEDADE INTERNACIONAL ....................................... 5
A JURIDICIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL ................................................................................................ 7
SISTEMA DE FONTES ..................................................................................................................................... 9
DIFERENÇA ENTRE FONTES E NORMAS ............................................................................................................. 9
ARTIGO 38º DO ESTATUTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ................................................................................... 10
FONTES MEDIATAS ......................................................................................................................................... 11
à Jurisprudência ...................................................................................................................................... 11
à Equidade ............................................................................................................................................... 11
FONTES IMEDIATAS ........................................................................................................................................ 11
à Questões de precedências aplicativas em termos de fontes imediatas: ............................................... 11
à Princípios ............................................................................................................................................. 12
à Atos Jurídicos Unilaterais .................................................................................................................... 12
à Costume ................................................................................................................................................ 14
à Tratados/Convenções Internacionais ................................................................................................... 15
PROCESSO DE CELEBRAÇÃO DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ................................................................ 17
à Convenções Bilaterais .......................................................................................................................... 17
à Convenções Multilaterais ..................................................................................................................... 20
RESERVA ........................................................................................................................................................ 22
INVALIDADE DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ........................................................................................ 26
Regime Jurídico dos Tratados Inválidos ................................................................................................... 28
VICISSITUDES NA VIGÊNCIA DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ................................................................ 31
CIRCUNSTÂNCIAS QUE PODEM POR TERMO ÀS CONVENÇÕES NÃO LIGADAS AO COMPORTAMENTO DAS
PARTES ........................................................................................................................................................... 34
REGIME DE INTERPRETAÇÃO DAS CONVENÇÕES ........................................................................... 37
RELAÇÕES JURÍDICAS ENTRE O DIREITO INTERNO E O DIREITO INTERNACIONAL ......... 37
DIREITO EUROPEU .......................................................................................................................................... 49
INTERCEÇÃO DO DIREITO EUROPEU COM O DIREITO INTERNO ...................................................................... 51
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CELEBRAÇÕES DE CONVENÇÕES INTERNACIONAIS PELO ESTADO PORTUGUÊS ............................................ 53
FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO .... 61
FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS ........................................ 62
FISCALIZAÇÃO ABSTRATA SUCESSIVA E FISCALIZAÇÃO CONCRETA ............................................................ 67
SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ......................................................................... 75
DIFERENÇA ENTRE CAPACIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL E PERSONALIDADE JURÍDICA INTERNACIONAL 75
RECONHECIMENTO DO ESTADO ..................................................................................................................... 83
RECONHECIMENTO DO GOVERNO .................................................................................................................. 86
DOMÍNIO DOS SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ANALISADOS NA ESPECIALIDADE .............. 90
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS .................................................................................................. 94
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Introdução
Análise do Direito Internacional Público
O DIP nasceu pelo facto de haver uma sociedade internacional. Onde há sociedade há
direito, isto é onde há pessoas é necessário que haja regras que as organizem.
Este é o conjunto de regras jurídicas que regem a sociedade internacional.
Há uma relação umbilical que, hoje em dia, é muito negada por alguns autores, entre o
Estado e o DIP. O DIP afirma-se quando se separam os Estados do poder papal e da igreja.
Hoje em dia, não temos só o Estado como sujeito, mas sim organizações internacionais, etc.
No entanto, o Estado não deixou de ser indispensável para a existência do Direito
Internacional.
à Períodos de evolução do Direito Internacional Público:
O primeiro período vai desde a antiguidade clássica até à revolução francesa. Este é
um período de formação em que o DIP está num limbo entre aquilo que será direito e uma
espécie de convenções que os Estados deveriam seguir.
Numa primeira fase, a Antiguidade, vivia-se um período de impérios, mas emerge ainda
assim em Roma a noção de “direito das gentes” como primícia histórica daquilo que é o DIP.
Este aplicava-se a estrangeiros e a tratados com outros povos.
Numa segunda fase, surge a Idade Média e a Idade Moderna antes do Tratado de
Vestefália. Neste período tínhamos um direito centrado na Europa. Neste período há uma
noção de que os Estados cristãos formariam a república cristã onde emergia o papel do papa,
que determinava o que era uma guerra justa e uma guerra injusta, resolvia questões religiosas,
reconhecia os territórios descobertos, etc. Iniciou-se, em seguida, o direito inter-gentes, que
teve como principal fator os descobrimentos.
E uma terceira fase, que vai da Paz de Vestefália às revoluções Americana e Francesa.
Desta paz resultaram 3 consequências: a diminuição do poder da Igreja, afirmação da
soberania do Estado (fim das relações de vassalagem) e a afirmação de um direito
internacional – regras que estabelecessem o direito na paz e na guerra.
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Entramos agora num segundo período, que inicia nas revoluções liberais e se prolonga
até ao presente.
Numa primeira fase, que vai do início da Idade Contemporânea e prossegue até ao fim da
1ª guerra, surge a noção de DIP, reafirma-se a ideia de Estado soberano, dá-se a independência
das colónias espanholas da América e a independência do Brasil dá a ideia da
autodeterminação dos povos, e surge a comunidade das nações civilizadas (a Europa, a
América, o Império Autómano, a China e o Japão). Este período foi caracterizado pela
habituação à guerra, situação esta que deu origem à 1ª Guerra Mundial.
Criou-se depois a Sociedade das Nações, que prevenia uma futura guerra e tentava garantir
a paz, e outras associações de Estado destinadas a discutir assuntos comuns. Durante este
período não se conseguiu evitar a 2ª Guerra Mundial.
Numa segunda fase, cria-se a Organização das Nações Unidas, que veio substituir a
Sociedade das Nações. Esta englobava as nações vencedoras da guerra, estendendo-se depois
a todos os outros Estados. Tinha como objetivo principal a garantia da paz internacional.
Nos anos 50, 60 e 70 segue-se um período de autodeterminação das colónias. Portugal
entendeu que não tinha colónias, mas sim províncias ultramarinas e, por isso, foi o último país
a descolonizar.
Durante este período o DIP tem um grande desenvolvimento, multiplicando-se os seus
sujeitos e passando a ter um cariz mais positivo. Passam a existir escolas do mesmo, uma
escola francesa e outra anglo-saxónica.
Numa terceira fase, temos a queda do muro de Berlim e a desintegração da união soviética.
Esta fragmentação tornou o mundo unipolar onde a única potência eram os Estados Unidos
da América. O fenómeno terrorista deu origem a uma realidade multipolar. Este
multipolarismo veio enfraquecer o Direito Internacional, uma vez que, os estados passaram a
intervir de forma diferente das regras internacionais.
Hodiernamente, encontramo-nos na terceira fase.
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Definição de Direito Internacional Público
1º Critério – Critério dos Sujeitos: conjunto de normas jurídicas que regulam o direito
entre os Estados. Hoje em dia, o DIP envolve mais que Estados (envolve as organizações
internacionais, etc.), então, não pode ser assim definido, dizendo-se que é um conjunto de
normas jurídicas que regulam o direito entre sujeitos de dto. internacional. No entanto, este
critério não pode ser aceite, uma vez que, saber quais são os sujeitos do dto. internacional é
determinar quais são as entidades para as quais resulta a norma de dto. internacional, supondo-
se assim que já esteja fixada a noção de norma de dto. internacional. Este é ainda um critério
muito extenso, pois as relações entre os sujeitos do dto. internacional podem ser reguladas
também pelo dto. interno.
2º Critério – Critério do objeto: conjunto de normas jurídicas que regulam matérias
internacionais por natureza. Este critério não foi aceite nem pela doutrina nem pelo Tribunal
Internacional, uma vez que, existe uma impossibilidade de encontrar uma fronteira nítida e
definitiva entre as questões de competência nacional e aquelas que interessam à Comunidade
Internacional.
3º Critério – Critério das fontes: conjunto de normas jurídicas produzidas e reveladas
pelo direito internacional. Mesmo sendo verdade falta saber o que é que se destinam a regular
(o objeto). Adiciona-se aqui, portanto, o critério estrutural (conjunto de normas jurídicas
que se destinam a reger relações internacionais).
Diferença entre Comunidade Internacional e Sociedade Internacional
Sociedade Internacional: em termos rigorosos sociedade internacional é um conceito mais
amplo do que o de comunidade internacional. A sociedade internacional faz parte de uma
associação inorgânica de pessoas coletivas internacionais que estabelecem entre si, relações
jurídicas de natureza pública. Ex: ONU e OMS.
Comunidade internacional: os Estados que a integram têm uma relação de pertença, mais
forte do que na sociedade; têm elementos identitários que os aproximam na promoção naquilo
que é o seu “tronco” político, cultural e económico. É algo mais coesivo do que uma sociedade
internacional.
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Na Comunidade internacional, assim caracterizada, são de diversa índole as relações que
se estabelecem entre os Estados. Estas podem ser classificadas em três grandes categorias:
Ø Relações jurídicas internacionais de subordinação: há um sujeito de Direito
Internacional que se encontra numa posição de domínio em relação a outros
sujeitos. As relações internacionais destes Estados subordinados estavam
condicionadas. Ex: Estados Vassalos (Turquia tinham vários estados que eram seus
vassalos).
Protetorados de DIP: Estado protetor exerce um certo domínio sobre o Estado
protegido. Este domínio traduz-se no facto de o Estado protegido, no âmbito das
relações internacionais, necessitar de autorização/ratificação do Estado protetor
para praticar certo tipo de atos. Às vezes essa tutela poderia ser mais intensa. Estes
protetorados tinham como base um Tratado. A permuta desta intervenção era em
caso de o Estado protetor agredir o Estado protegido, o Estado protetor assumia o
compromisso de defender o Estado protegido (ex: o protetorado espanhol e francês
em Marrocos; e os protetorados britânicos nos estados árabes do Golfo que já
terminaram).
Existem também protetorados que não são chamados de protetorados, mas são
efetivamente protetorados como é o caso da Bósnia e Herzegovina – é um Estado
federal com três estados, um croata, um sérvio e um muçulmano – têm autonomia
e há um Governo fraco e muitas vezes estão sujeitos a autorizações de um Alto de
Comissão Representante. Este Alto Representante também tem poder para destituir
titulares do poder político dos três estados federados.
Ø Relações jurídicas internacionais de reciprocidade: são relações horizontais
entre sujeitos de dto. internacional que visam satisfazer os seus interesses
recíprocos. Ex: tratado bilateral ou multilateral.
Ø Relações jurídicas internacionais de coordenação: resultam do simples
relacionamento entre Estados e da necessidade sentida por eles de satisfazerem em
conjunto interesses comuns nos diversos domínios. Ex: preservação da paz e
segurança internacionais; desarmamento; etc.
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NOTA: Às vezes há relações duvidosas. Em caso de dúvida:
Ø Se o objeto da relação for comum àquilo que são os interesses gerais da comunidade
internacional, percebe-se que estamos a tutelar relações jurídicas de coordenação
(dois estados que estabelecem regras sobre o tratamento de prisioneiros de guerra).
A Juridicidade do Direito Internacional
As regras de Direito Internacional Público geral ou comum, muitas vezes não são acatadas
pelos Estados e começa a haver problemas relativamente aquilo que é um dos elementos
fundamentais do Direito, a coercibilidade, muitas vezes os Estados incumprem e não há meios
de os fazer cumprir.
à O DIP tem verdadeira natureza jurídica? A doutrina diverge.
A escola realista (nos EUA é bastante forte) vê o DIP como uma cobertura daquilo que
são as relações de força internacional. Aqueles que são as potencias dominantes constroem as
regras de Direito à sua medida e, assim, o DIP vai evoluindo de acordo com as forças políticas
dominantes.
Esta escola não deixa de ter razão, segundo o regente (neo-realista) pois, se examinarmos
as regras de DIP elas são ditadas pelas potências dominantes, mas isso não serve para negar a
existência do Direito. Se essas potências dominantes resolveram criar um conjunto de regras,
desde que sejam acatadas pelos outros Estados destinam-se a proteger os outros Estados. O
que poderá acontecer será que os Estados que as criam não as cumprirem, mas isso terá a ver
com o problema da coercibilidade do DIP, que é o seu ponto fraco.
As posições realistas servem para compreender as relações internacionais e até a influência
destas na formação do Direito, mas não para negar a existência desse Direito.
Também existem as escolas positivistas que dizem que o DIP não é direito porque não há
um único legislador nem um único Tribunal.
Já as conceções jusnaturalistas entendem que desde há muito o Direito das gentes se
baseia naquilo que é o Direito natural e, por isso, a ordem internacional implica, tal como os
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outros ramos do Direito, uma subordinação a grandes valores jusnaturalistas (ex: dignidade
da pessoa humana, coexistência pacifica entre os Estados, condenação de guerras ilícitas…).
Na opinião do prof. Carlos Blanco Morais, entende-se que o DIP é um direito incompleto
e ainda não totalmente formado. É incompleto porque lhe faltam alguns atributos do direito
nos sistemas jurídicos internos, nomeadamente, a coercibilidade, que nos permite distinguir
por exemplo, o direito da moral. No DIP não se pode dizer que não existem mecanismos de
imposição das regras jurídicas, o problema é que muitas vezes são políticos, como é o caso
das decisões cogentes do Conselho de Segurança da ONU. Todavia, estes mecanismos são
débeis e devido a essa debilidade poderemos afirmar que o DIP é incompleto. A ideia de que
o DIP não poderá ser considerado como direito por não ter um único legislador não faz grande
sentido porque o DIP é uma realidade descentralizada.
O que temos é um DIP caracterizado pela descentralização das fontes e do modo de
produção das normas. Descentralização e pluralidade das relações jurídicas que são
produzidas por essas fontes. O DIP é reconhecido como Direito nas Constituições dos Estados,
estas referem-se às várias fontes de DIP e até se referem à sua aplicabilidade interna e ao
enforcement interno das regras internacionais por parte dos tribunais. Se as Constituições
reconhecem valor de Direito ao DIP então não há fundamento para negar esta juridicidade.
O DIP muitas vezes é desrespeitado pelos vários Estados (EUA). Há institutos que devem
ser revistos. Este é um problema crónico no DIP, mas estamos, atualmente, com uma maior
robustez nas instituições que aplicam o DIP e que sancionam os prevaricadores, mas existe
uma contínua desigualdade nas prevaricações: há Estados que quando prevaricam são logo
punidos; as médias potências nem sempre são punidas; as grandes potências raramente são
sancionadas. Este é um problema que não deverá nunca ser resolvido na sua totalidade.
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Sistema de fontes
Diferença entre fontes e normas
Uma fonte é um modo de revelação, de regulação, ou de justificação de uma norma.
Normas são critérios de decisão gerais e abstratos.
As fontes de direito internacional são modos de revelar e justificar normas jurídicas
internacionais que regem a sociedade internacional.
Fontes formais: são processos de produção e de revelação de normas jurídicas
internacionais. Podem ser voluntárias (ex: convenções e tratados) e fontes de formação
espontânea (ex: costume internacional).
Fontes materiais: aludem aos valores que fundamentam essas mesmas normas jurídicas
– princípios de DIP, que são enunciados jurídicos de valor internacional que, podem ter
origem e ser comum aos Estados (ex: princípio da proporcionalidade e boa fé) e outros são
princípios típicos, próprios e específicos das relações internacionais.
Fontes imediatas: implicam que as normas se apliquem diretamente e imediatamente a
uma relação jurídica controvertida. Antes de poder haver outros tipos de fontes, há normas
que se aplicam e têm que se aplicar a uma relação controvertida. Ex: convenções
internacionais, costume, atos jurídicos unilaterais e os próprios princípios de DIP.
Fontes mediatas: medidas de valor e ensinamentos subsidiários que sustentam a aplicação
ou não aplicação das fontes primárias. Ex: podem fundamentar a razão pela qual se aplica um
princípio ou não; se uma convenção internacional tem ou não precedência no costume; entre
duas convenções internacionais qual delas prevalece – doutrina e jurisprudência. A
jurisprudência tem ganho um papel importantíssimo devido ao precedente, os tribunais
interpretam os tratados, os costumes e os atos unilaterais e nos casos de referência há um
fundamento principal do critério de decisão do tribunal que irá ser adotado que tende a ser
considerado em casos da mesma natureza.
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Artigo 38º do Estatuto do Tribunal de Justiça
É a norma de referência para a enumeração daquilo que são as normas de DIP. É objeto
de grandes críticas (no manual).
O artigo, primeiro, faz referência às convenções internacionais, depois ao costume, depois
aos princípios de DIP, depois à jurisprudência e à doutrina e, finalmente, uma menção à
equidade.
Alguns reparos que são colocados:
Ø A linguagem está obsoleta, por exemplo, a propósito dos princípios ainda se fala
em princípios das Nações Civilizadas que é uma expressão anterior à
descolonização;
Ø Mistura entre fontes formais, materiais, diretas e indiretas (REGENTE
DISCORDA) pois haveria mistura se se falasse na mesma alínea em costume,
jurisprudência e isso não é feito;
Ø Ambiguidade quanto à hierarquia entre as fontes. O prof. Blanco Morais diz
que, supostamente não há uma hierarquia entre as fontes, poderá haver uma
hierarquia entre certas normas de DIP, mas não entre fontes. Por vezes até há
transição entre fontes, uma regra que começa por ser um princípio, depois converte-
se num costume e a acaba sendo plasmado num Tratado. Quanto muito, poderá
dizer-se que há uma precedência entre as fontes que são imediatas e as que são
mediatas.
Ø Existência de lacuna, omitem-se os atos jurídicos unilaterais que também têm
importância. Esta lacuna é fácil de integrar com auxílio de convenções
internacionais e com o costume;
Ø Problema da elevação indevida da equidade como fonte de Direito. A equidade
é uma medida de valor que visa temperar o rigor do Direito. Muitas vezes, ajusta a
norma ao caso concreto pois às vezes a aplicação pura da regra ao caso concreto
cria uma injustiça maior que a sua não aplicação. A equidade poderá não ser uma
fonte de Direito em sentido próprio quando atua interpretativamente (equidade
secundum legem). O prof. Blanco Morais tem dúvidas, mas diz que poderá não ser
fonte se tiver um papel interpretativo. A equidade contra legem, ou seja, uma
equidade que derrogue normas de tratados ou de costume cria uma regra de direito
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contrária e por isso é fonte de Direito. O prof. regente defende que, pelo menos a
equidade contra legem será fonte de Direito.
Fontes Mediatas
à Jurisprudência
A jurisprudência é uma fonte subsidiária muito importante, no sentido em que combate as
lacunas existentes no DIP. Existem vários tribunais que decidem com base em precedentes de
outros tribunais.
à Equidade
A equidade significa que muitas vezes existem certas disposições que são por vezes
causadoras de conflitos e danos nas relações internacionais que são mais graves do que a
congeneridade de situações ilícitas. Esta tempera o rigor do direito e faz com que este se
adeque ao caso concreto.
A equidade pode visar três objetivos:
Ø Atenuar a aplicação do Direito;
Ø Completar o Direito;
Ø Afastar o Direito.
A equidade intervém ainda na interpretação dos Tratados, como meio de afastar resultados
iníquos da interpretação.
Fontes Imediatas
à Questões de precedências aplicativas em termos de fontes imediatas:
As fontes não têm qualquer hierarquia, todavia, existe um enunciado que nos permite dizer
que, havendo regras escritas num Tratado, estas devem ter precedência aplicativa aos tratados,
depois ao costume e depois aos princípios, mas isto não significa que não possa haver um
costume que contrarie uma regra de um Tratado e que derrogue a regra do Tratado ou um
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princípio que leve ao afastamento de certo tipo de normas de um Tratado ou de uma regras
consuetudinárias. Precedentemente temos que aplicar o Direito mais claro e certo por isso, daí
primeiro se aplicar os tratados.
A falta de hierarquia entre as fontes, não implica que não haja hierarquia entre as normas
criadas através dessas fontes.
Ex: ius congens (art. 53 da convenção de Viena) – até hoje nenhum Estado considerou
nada como dto. cogente; existem tratados internacionais que determinam que as suas normas
não podem ser contrariadas, sob pena de exclusão; superioridade de convenções internacionais
sobre os acordos que lhes dão execução.
à Princípios
A razão da inclusão dos princípios no art. 38 parece ter sido a de evitar a denegação de
justiça pelo juiz internacional na ausência de regra expressa de dto., o que é fácil de acontecer
devido ao caráter fragmentário e à menor elaboração do dto. internacional.
Estes são uma fonte autónoma e uma importante fonte formal do dto. internacional, sem
embargo de se reconhecer que muitos deles podem ter sido revelados pela via do costume,
independentemente de o seu fundamento último ser o dto. natural.
Os Princípios são Enunciados jurídicos fortemente indeterminados que acabam por
justificar certos comandos jurídicos. Variam entre uma formação voluntária e espontânea.
Estes têm carater normativo, são mandatos de otimização e geraram-se de duas formas:
à São transplantados na sua maioria através do direito interno dos Estados. Ex: princípio
da proporcionalidade, da segurança jurídica, do ónus da prova, do abuso de direito, etc.
à Alguns princípios são gerais a todos os Estados. Ex: princípio da não agressão,
princípio da não interferência nos assuntos internos dos outros Estados, princípio da
autodeterminação dos Estados, princípio da especialidade das organizações internacionais,
etc.
à Atos Jurídicos Unilaterais
Os atos jurídicos unilaterais tanto podem ser das organizações como dos Estados. Estes
não se encontram no art. 38, mas não deixam de ser importantes.
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Os atos jurídicos unilaterais são uma decisão tomada por um só sujeito de DI e, cuja
produtividade, em termos de efeitos, atua por si própria não dependendo de nenhum outro ato
jurídico. Estes correspondem, em certa medida aos negócios jurídicos unilaterais do dto.
interno.
São uma fonte formal, imediata e de formação voluntária.
Estes atos contribuem de modo importante para a formação do costume, para o qual
servem de precedente.
Quanto aos atos jurídicos unilaterais dos Estados, podem ser:
Ø Autónomos: são manifestações de vontade que são por si próprias válidas e eficazes
não dependendo da existência de uma outra fonte de DI. Estes podem subdividir-
se em diversas categorias:
o Protesto: ato pelo qual um Estado dá a entender que não considera
determinada situação como conforme ao direito);
o Notificação: é o ato pelo qual um Estado leva ao conhecimento de outros
Estados determinado facto de cuja existência decorrem certas
consequências jurídicas;
o Renuncia: é um ato jurídico unilateral, irrevogável, extintivo de um direito
do seu autor (ex: um Estado declara que pretende não exercer mais um
direito);
o Promessa: é um compromisso assumido por um Estado de tomar no futuro
determinada atitude – ato menos definitivo que a renuncia; é uma declaração
de intensões futuras;
o Reconhecimento: é o inverso do protesto; é o ato pelo qual um Estado
constata uma situação existente e afirma que a considera conforme o Direito
(ex: quando um Estado reconhece a independência de outro);
Ø Não autónomos: a sua prática depende do regime que a esse propósito tiver sido
estabelecido numa outra fonte de DI, por exemplo, o costume ou um tratado. Ex:
denúncia, o recesso, a reserva e a adesão.
Ø Autonormativos: decisões jurídicas tomadas por um Estado, em que o mesmo é o
primeiro destinatário dessa decisão. Ex: promessa e renúncia.
Ø Heteronormativos: decisões jurídicas tomadas por um Estado, em que o
destinatário imediato são outros sujeitos de DI. Ex: reconhecimento e o protesto.
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Existe atos jurídicos unilaterais provindos de Organizações Internacionais e os emanados
de Estados. Os primeiros têm o seu fundamento no tratado de constituição da respetiva
organização e apresentam uma ainda maior diversidade de conteúdo e de forma do que os
segundos. No que toca ao seu conteúdo, os atos emanados de Organizações Internacionais
podem apresentar-se como atos jurisdicionais (quando são sentenças de tribunais pertencentes
às Organizações), atos de pura administração interna (é o caso dos atos de caráter processual
ou de gestão do respetivo pessoal) e atos de funcionamento da Organização (isto é, atos quanto
às relações internas da Organização, quanto às relações entre a Organização e os Estados
membros ou entre estes entre si, e também os relativos aos indivíduos, quando a Organização
em questão tiver competência para tanto).
à Costume
O costume é uma prática reiterada com convicção de obrigatoriedade. Este é a mais
importante fonte de dto. internacional, regendo um conjunto de matérias que constituem o
núcleo fundamental do mesmo.
Este é uma fonte formal, imediata e de formação espontânea, que produz normas e que
tem como características:
Ø o uso/prática de uma determinada conduta várias vezes, e que cria um precedente.
A conduta é assumida regularmente. Ao se verificar essa repetição, a prática
começa a ser um precedente. O uso pode evidenciar-se quer através do exame da
atividade dos órgãos externos do Estado (ex: Chefe de estado), quer dos órgãos
internos (ex: Governo) e, mais moderadamente, admite-se também que o costume
pode nascer da prática das Organizações Internacionais e até da atividade do
individuo.
Ø a convicção de obrigatoriedade é também essencial para que haja costume. É
necessário que se assuma que o critério é obrigatório, deve ser uma regra usada
futuramente. Só com a presença deste elemento é que se pode diferenciar o costume
das práticas gerais e constantes, mas não obrigatórias. Este é o elemento
psicológico.
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Existem várias teorias sobre qual das características é mais importante:
Ø Teoria do acordo tácito: sobrevaloriza o elemento psicológico (convicção de
obrigatoriedade). Só se forma uma regra consuetudinária quando os Estados têm
vontade que essa prática se converta a norma. Esta teoria não explica tudo.
Ø Teoria do comportamento habitual: sobrevaloriza o uso. A partir do momento em
que há uma prática reiterada de uma conduta chega-se a conclusão que se formou
um costume. Esta também tem diversas críticas.
Ø Teoria objetivista: teoria formalista que dá enfase a dois aspetos: primeiro, tanto o
uso como a obrigatoriedade são elementos fundamentais que se encontram numa
posição paritária, só um não se pode impor a outro; e segundo que o costume nasce
espontaneamente com a prova do tempo (a doutrina clássica defende que são 10
anos, há quem fale em 5 anos também) e não por um ato de vontade. O regente e o
manual defendem esta teoria.
Como é que o costume se forma? É difícil apresentar provas do costume. O requerente
tem a obrigação do ónus (de provar) esse mesmo costume.
Existe o costume:
à Local;
à Regional; e
à Geral.
à Tratados/Convenções Internacionais
Os Tratados Internacionais são uma fonte formal, imediata e de formação voluntária.
A grande maioria das normas de dto. internacional relativas à conclusão dos tratados, à
sua interpretação, à sua aplicação, à sua validade e à sua eficácia encontram-se codificadas na
Convenção de Viena. Existem duas convenções de Viena: a de 69 (aplica-se aos tratados
celebrados entre estados) e a de 86 (aplica-se às relações convencionais realizados entre
organizações internacionais e entre Estados e organizações). Estas convenções não se aplicam
a todos os tratados.
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Um Tratado é uma fonte de direito internacional que não existe no direito interno. Este
acaba por ser um acordo de vontade em forma estrita concluído entre dois ou mais sujeitos de
DIP que, devem ter capacidade para os celebrar e que se destina a produzir efeitos jurídicos
regidos pelo DIP.
Um indivíduo não pode celebrar tratados.
De acordo com o art. 2 alínea a) da Convenção os Tratados só podem ser celebrados
por escrito e podem encontrar se num único documento ou em vários.
Os Tratados são negócios jurídicos aos quais se aplica o regime do negócio jurídico.
Apenas os estados soberanos podem celebrar tratados.
Os Tratados devem submeter-se às regras gerais de Ordem Internacional, dai que esta
Convenção tenha uma importância superior aos Tratados que foram redigidos, na sombra da
mesma.
Quanto aos Tratados Secretos é muito duvidoso que possam vincular os Estados, tendo
mais validade politicamente do que juridicamente.
à Classificação dos Tratados:
Ø Em razão do objeto:
o Tratados lei: dá-se a criação de uma regra de Direito pela vontade conforme
das partes;
o Tratados contrato: as vontades são divergentes, não surgindo assim a
criação de uma regra geral de dto., mas a estipulação recíproca das
respetivas prestações e contraprestações; e
o Tratados mistos.
Ø Em razão da matéria:
o Tratados gerais; e
o Especiais.
Ø Em razão da pluralidade de partes:
o Tratados bilaterais: são naturalmente os celebrados entre apenas duas
partes. Mas há a notar que falamos em partes e não em Estados ou em
sujeitos de dto internacional: a coincidência de interesses pode fazer com
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que cada uma, ou apenas uma, das partes seja constituída por mais do que
um sujeito jurídico. Ex: tratados entre vencedores e vencidos; e
o Tratados multilaterais: são todos os celebrados entre mais de 2 partes.
Quando os intervenientes em tratados multilaterais são em grande número
dá-se-lhes o nome de tratados coletivos.
Ø Em razão da forma:
o Tratados solenes: são os celebrados segundo a forma tradicional,
necessitando de ratificação; e
o Acordos sobre forma simplificada: são, fundamentalmente, tratados que não
carecem de ratificação (não existem na CRP).
Processo de Celebração das Convenções internacionais
à Convenções Bilaterais
A Convenção é composta por um preambulo. Este serve como elemento interpretativo da
Convenção. Muitas vezes estas convenções têm conceitos indeterminados e algumas
ambiguidades, pelo que, é necessário perceber o que trata a Convenção, o seu objetivo e objeto
para perceber a parte jurídica, propriamente dita, da Convenção.
Depois temos o corpo normativo da Convenção – os artigos. Aquilo que ocorre com
frequência é que o primeiro artigo define o objeto da Convenção. Hoje em dia, existe um
artigo de definições, para que todos os Estados sigam a mesma definição.
Existem ainda, disposições finais que nos dizem quando é que a mesma entra em vigor,
em que termos, bem como outros aspetos que podem ser tidos como relevantes, relativamente
à sua aplicação.
Finalmente, temos os anexos – estes são muito variados e têm valor jurídico muito distinto.
Alguns são especificações do preceituado, e que tem caráter normativo. Noutras
circunstâncias, os anexos têm a ver com listagens. Existem anexos com o mesmo valor do
Tratado, outros com valor subsidiário.
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Quanto à conclusão de uma convenção internacional temos:
à 1ª fase – Negociação/elaboração do texto: a negociação é normalmente levada a cabo
pelo plenipotenciário (chefe das delegações) que, tem a vantagem perante os restantes
técnicos.
Existem situações em que o plenipotenciário pratica atos e depois se vem a verificar que
não tem competência (art. 7 da CV) quando tal acontece, dita o art. 8 do mesmo diploma que
esse ato não produz efeitos jurídicos, a menos que seja confirmado ulteriormente por esse
Estado. Muitas vezes há uma dispensa de exibição de carta de poderes, a pessoas que podem
em razão das funções que ocupam, atuar como representantes dos Estados (ex: chefes de
estado, chefes de governo, ministros dos negócios estrangeiros, etc).
A negociação pode ser efetuada pela via diplomática ordinária (o que não obsta à
necessidade de os agentes diplomáticos serem munidos de poderes especiais para a negociação
de cada tratado de per si), ou através de uma conferência diplomática, isto é, reunião de
plenipotenciários designados expressamente para esse fim.
O objetivo essencial desta fase da celebração dos Tratados é conseguir o acordo entre
plenipotenciários quanto ao texto do Tratado.
A aprovação do texto do Tratado exige voto unanime de todos os Estados que o
negoceiam, salvo quanto aos tratados aprovados numa conferência internacional, quanto aos
quais basta a maioria de 2/3 dos Estados presentes e votantes, salvo se estes, também por 2/3
decidirem fixar uma regra de votação diferente. Uma vez fixado o texto do Tratado segue-se
a redação do mesmo.
Em Portugal, o órgão competente para negociar tratados é o Governo (art. 200/1 alínea b
da CRP).
à 2ª fase – Autenticação: O texto fica fixado e as negociações terminam. A partir deste
momento inicia se uma vinculação interna dos Estados à Convenção.
Existem convenções em que a assinatura vale como autenticação e como expressão
definitiva do consentimento do Estado aquele acordo.
Existe um conjunto de condutas, ligadas ao princípio da boa fé, que os Estados devem
seguir, de forma a evitar ações que privem a Convenção do seu fim ou do seu objeto.
A autenticação muitas vezes não ocorre num só momento – em primeiro lugar, existe a
figura da rubrica (aceitação provisória da Convecção ou em caso de estabelecimento prévio
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vale mesmo como assinatura), existe ainda uma assinatura com reserva (acaba-se o trabalho,
mas existem ainda algumas questões em que os Estados ainda não estão de acordo).
à 3ª fase – Vinculação: este é o momento principal, em que o Estado exprimindo o seu
consentimento definitivo à Convenção devendo segui-la nos ditames da boa fé. Existem várias
formas de consentimento, a mais comum é a ratificação. Outra é a assinatura do
plenipotenciário ou do presidente.
No tratado solene a assinatura não significa ainda a vinculação do Estado ao Tratado, mas
nem por isso deixa de gerar uma multiplicidade de efeitos jurídicos, dos quais cabe assinalar
os seguintes:
Ø Exprime o acordo formal dos plenipotenciários quanto ao texto do Tratado;
Ø Produz para o Estado signatário o direito de ratificar o Tratado;
Ø Faz surgir o dever para os Estados signatários de se absterem de ações ou omissões
que privem o Tratado do seu objeto ou do seu fim (seguir os ditames da boa fé);
Ø Autêntica o texto, que fica definitivamente fixado, conforme dispõe o art. 10 da
CV;
Ø Marca a data e o local da celebração do Tratado, uma vez que, a ratificação vai ser
feita posteriormente e em datas diferentes por cada um dos Estados.
Nos acordos em forma simplificada a assinatura pode vincular imediatamente os Estados
cujos plenipotenciários assinarem.
Os plenos poderes podem, contudo, não conferir ao plenipotenciário a faculdade de
assinar. Se assim suceder, este, ou se limita a apor o texto as suas iniciais (rubrica), ou assina
ad referêndum, ficando as assinaturas definitivas para mais tarde. Ex: assinatura sob reserva
de aceitação, que tem de ser confirmada pelo Estado respetivo. Esta confirmação normalmente
é dada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros.
à 4ª fase – Produção de eficácia: previsto no art. 24 da Convenção de Viena. Na falta de
disposição em contrário, um Tratado entra em vigor a partir do momento em que todos os
Estados manifestam a aceitação do mesmo.
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à Convenções Multilaterais
São aquelas que se celebram entre mais de 2 Estados. O processo é coletivo e geralmente
ocorre de duas formas:
Ø Ou no âmbito de uma conferência internacional;
Ø Ou no âmbito de uma organização internacional (ex: nações unidas).
A consequência principal disso é que o texto poderá resultar, então, não de um acordo
unânime, mas de uma votação maioritária, para a qual se exige geralmente a maioria de 2/3.
Para lá destas duas formas típicas de processo de convenções multilaterais, temos também
formas mistas, ou seja, sob a égide de uma organização internacional realizam-se conferências
internacionais (ex: o Tratado de Roma que criou um Tribunal Internacional).
A fase negocial ocorre ou através de órgãos específicos de uma organização ou de uma
conferência internacional, portanto, as negociações correm desta forma.
Quando existe um consenso mínimo sobre o texto da Convenção, temos então a fase da
autenticação – adoção do texto – esta implica a assinatura da mesma pelos Estados. Todavia,
esta implica, sobretudo em conferência internacional, uma maioria qualificada – tem de haver
unanimidade. Se tal não acontecer, é estipulada uma maioria de 2/3 para que o texto seja
adotado (regra geral). Todavia, podem os Estados acordar por maioria de 2/3 que a adoção se
faça por uma maioria maior ou menor.
Se estivermos perante uma Convenção negociada numa Organização Internacional, o
Tratado dessa organização pode estipular maiorias distintas daquela que é a regra geral, apenas
para as convenções no âmbito das organizações.
Também há situações que se reportam a uma assinatura diferida – a assinatura do Estado
que participou no processo negocial é retardada para a altura da assinatura de outros Estados
que não tenham participado no processo negocial.
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A forma mais vulgar de vinculação dos Estados num tratado multilateral consiste na
adesão.
Quanto à vinculação, existem 3 tipos de Convenções:
Ø Abertas: aquele que para la dos Estados que participaram na negociação Convenção
a mesma é passível de ser objeto de vinculação posterior por Estados que não
participaram nas negociações.
Ø Fechadas: quando um conjunto de Estados se vincula uma Convenção e não abrem
a possibilidade de adesão posterior de outros Estados;
Ø Mistas/semi-abertas: a Convenção fica disponível para que um conjunto delimitado
de outros Estados (em função de um conjunto de critérios) poderem aderir
posteriormente à mesma, através da adesão – pode ser um Tratado ou apenas um
ato.
Nos Tratados Multilaterais as ratificações, quer dos Estados que participaram na
negociação, quer dos que praticaram a assinatura diferida, bem como os instrumentos de
adesão, não são trocados, mas sim depositados junto de uma entidade que é escolhida como
depositária, e que, nas Convenções concluídas sob a égide de uma Organização Internacional.
O depositário tem como função ser o custódio/guardião dos originais dos Tratados e de
responsabilidade pela recolha das ratificações e, se for o caso, de adesões.
Para além de recolha de adesões, de instrumentos de adesão, de verificação se as
ratificações estão corretas, de verificação se o Estado que adere à convenção o faz de uma
forma regular e se cumpre uma quantidade de critérios exigíveis para que se possa tornar parte
dela a posteriori, também tem outras funções relacionadas com a disponibilidade de
instrumentos de tradução da Convenção para diversas línguas e, ainda, esclarecimentos sobre
o conteúdo da Convenção.
Em caso de divergência entre um Estado e o depositário, pode haver mais tarde, uma
conferência realizada com os restantes Estados para dirimir esse eventual litígio.
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Reserva
Nos Tratados Multilaterais, muitas vezes, existem grandes discrepâncias entre os
interesses dos vários Estados e os seus ordenamentos jurídicos, fazendo com que não se
identifiquem com a totalidade do Tratado ou com que este inclua preceitos que violam o dto.
interno dos Estados.
Por esta razão, é dada a possibilidade, com alguma flexibilidade, de os Estados praticarem
um ato jurídico unilateral de reserva, no qual se declaram eximir o cumprimento de certos, ou
de todos os preceitos da Convenção.
A reserva é então um elemento de particularismo da situação do Estado perante a
Convenção, que configura uma participação parcial do Estado na Convenção.
É unilateral porque depende de uma decisão que emana do Estado. É não autónomo porque
o regime das reservas resulta da Convenção de Viena (19º e ss.).
Na maioria dos casos, produz efeitos jurídicos de natureza diversa em função da existência
ou não de objeções. Acontece quando o Estado, no momento da assinatura ou da adesão,
pretende excluir ou modificar certas normas que constam da Convenção Internacional.
Existem figuras próximas da reserva:
Ø Declarações interpretativas: tomada de posição de um Estado relativamente a
uma norma de uma Convenção, em que o Estado procura explicitar a relação de
sentido que tem dado preceito. No momento em que adere (ou autêntica) à
Convenção, esse Estado pode formar uma declaração interpretativa. Isto significa
que o Estado que formou uma declaração interpretativa não pode condicionar a sua
adesão ou vinculação à Convenção ao facto de os outros Estado aceitarem essa
declaração interpretativa, porque se tal acontecer já não estamos no âmbito de uma
declaração interpretativa, mas de uma reserva simulada.
Ø Declarações políticas: os Estados fazem um pronunciamento político por escrito,
que fica anexo à Convenção. Contrariamente às situações anteriores, as declarações
políticas não produzem qualquer efeito jurídico, têm apenas efeitos políticos.
Ø Cláusulas de opting out: têm uma maior semelhança com as reservas. São
cláusulas que estão previstas no próprio tratado, que permitem a um Estado ou
Estados não cumprirem cm certo tipo de obrigações ou de regras constantes do
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Tratado, podem ficar de fora (opting out). Ex: cláusula acerca do euro no Tratado
de Lisboa.
Þ Requisitos materiais de formulação de reservas:
O regime anterior à CV sobre os Tratados era um regime previsto no direito
consuetudinários dos Tratados que exigia unanimidade quanto à aceitação das reservas. Isto
foi considerado um instrumento do bloqueamento do multilateralismo. A CV veio suprir esta
rigidez.
Dá-se uma grande liberdade às altas partes contratantes quanto à formulação e aceitação
da reserva. Portanto, a ideia geral é de que os Estados podem estipular no Tratado livremente,
se proíbem reservas, se aceitam qualquer tipo de reserva ou se só aceitam certo tipo de
reservas. A ideia é, no fundo, liberdade de as partes de proibirem, permitirem ou permitirem,
condicionadamente, reservas em razão da matéria. E, portanto, há Convenções de todas as
formas: há Convenções que proíbem reservas (ex: convenção sobre o genocídio); outras que
admitem algumas reservas e as que admitem todas as reservas.
Porventura, se o Tratado for totalmente silencioso sobre toda a questão da admissibilidade
de reservas, o artigo 19º CV alínea c), estipula que, em caso de silencio, não sejam admissíveis
as reservas que sejam contrárias ao objeto e fim da convenção.
Reservas só são admissíveis num tratado que tenha um número restrito de Estados se forem
aprovadas por unanimidade (artigo 20º/1 CV). Um número restrito de Estados, há quem fale
em 5 Estados, mas é algo que deveria ter ficado claro na CV. É uma regra geral, mas que
permite que o tratado preveja uma função diferente da unanimidade.
Tratados constitutivos de uma Organização Internacional: quando se está a discutir a
formação de um Tratado constitutivo de uma Organização Internacional, a questão das
reservas, no fundo, depende da sua aceitação pelo órgão competente da Organização, ou seja,
a situação fica dependente até que a Organização entre em vigor e haja um órgão que seja
competente para a aceitação ou não aceitação das reservas. O que o professor regente
considera um pouco esdruxulo, porque toda a problemática das reservas deve ficar completa
até o Tratado entrar e vigor e aqui dá-se a ideia de que o Tratado entra em vigor, as reservas
ficam uma situação pendente e depois só mais tarde haverá um órgão que as aceita com efeitos
retroativos.
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Se houver um Tratado, em função de um número restrito de Estados, que entende que a
aceitação é condição essencial para o consentimento de cada uma, então aí a reserva também
terá de ser aceite pro todas elas – artigo 20º/2 CV. Há aqui uma liberdade dada aos Estados,
mas com um conjunto de regras.
Resumindo, requisitos materiais de formulação de reservas:
Ø Liberdade de os Estados em fixarem na Convenção, aceitação ou não de reservas;
Ø Número restrito de Estados – regra geral da unanimidade;
Ø Organização Internacional – reservas formuladas têm que ser aceites por um órgão
competente para o efeito (coloca-se a pouca exequibilidade deste requisito, na
medida em que, o órgão que irá decidir, o irá fazer retroativamente mesmo se as
reservas recaiam sobre a sua competência, o que se trona estranho e leva alguns
autores a exigir aqui a regra da unanimidade.
Þ Requisitos formais e circunstâncias das reservas:
Ø Dever de comunicação de quem formula uma reserva às restantes partes mediante
forma escrita e deve ser feita não só às partes contratantes, mas tratando-se de uma
Convenção aberta, deverá ser também feita àqueles Estados que apesar de não terem
participado também queriam aderir a essa Convenção (artigo 23º/1 CV);
Ø Reservas devem ser formuladas no momento da autenticação/assinatura, mas podem
ser formuladas no momento da autenticação ou adesão (artigo 19º CV);
Ø Reservas condicionadas (artigo 23º/2 CV) – se um Estado formular uma reserva no
momento da autenticação (assinatura ou adoção), caso vise manter juridicamente
essa reserva, deve confirmá-la no momento da expressão definitiva do seu
consentimento para que ela seja juridicamente oponível aos outros Estados, ou seja,
se formulou no momento da autenticação, deve confirmá-la no momento da
assinatura ou adesão.
As reservas podem ser aceites pelos Estados, fazendo parte de um Tratado Multilateral ou
podem ser objetadas.
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Se um Tratado ele próprio admitir reservas sobre todas as suas disposições ou algumas das
suas disposições isso significa que a aceitação é irrelevante – se o Tratado autoriza então, ao
formular-se uma reserva esta implica uma aceitação tácita automática pelas restantes partes,
porque elas previamente já o tinham plasmando em disposição própria na Convenção.
Nos outros casos tal não se sucede, e no fundo, há um limite de 12 meses desde o início
da formulação de uma reserva para objetar a reserva.
A objeção observa a forma escrita e tem dois tipos com efeitos jurídicos distintos:
Þ Objeção simples;
Þ Objeção qualificada: esta tem efeitos jurídicos mais drásticos.
Þ Efeitos Jurídicos das Reservas:
Regulados nos art. 20 e 23 da CV.
Em primeiro lugar, se um dos Estados formular uma reserva e os restantes não objetarem
a reserva, entende se que a reserva é aceite pelas restantes partes decorrendo daí efeitos
jurídicos, entre eles:
® Se o Estado A decide formular uma reserva que abranja a norma X, no sentido da
não aplicação dessa norma à ordem jurídica interna, isso significa que essa norma
X não se aplicará às relações recíprocas, no contexto da Convenção, entre quem a
formulou e quem aceitou;
® Se o Estado que formula a reserva pretende uma aplicação parcial da norma ou
pretende uma alteração do seu significado, isso significa que essa norma será
aplicada nas suas situações jurídicas que acordo com a reserva (ou se aplica apenas
a uma parte das reservas ou se aplica na sua forma modificada).
Em segundo lugar, temos o cenário da objeção de uma determinada reserva – objeções
simples. Tal cenário tem como consequência que essa norma de reserva não se aplicará nas
relações estabelecidas entre o Estado que formula a reserva e o que objeta. Pode ser
questionado o sentido útil dessa situação – no fundo a consequência jurídica é a não aplicação
da norma – mas o resultado é diferente se a reserva for a modificação da norma ou a sua
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aplicação parcial (ao invés da rejeição da norma). Nesse caso a norma não produzirá efeitos
jurídicos.
Em terceiro lugar, se um Estado formula uma reserva e outros Estados formulam uma
objeção qualificada – uma objeção inequívoca qualificada. Quando tal ocorre todo o Tratado
não produzirá efeitos jurídicos entre o Estado que formula a reserva e os Estados que objetam
qualificadamente.
A revogação da reserva pode ocorrer por vezes, quando um Estado se arrepende da
formulação, ou porque as circunstâncias se alteram. Estes têm, no entanto, a obrigação de
notificar todos os outros Estados de tal revogação, tendo em conta que esta produz efeitos
jurídicos.
Invalidade das Convenções Internacionais
Esta ocorre quando a Convenção padece de uma /vício que não se conforma com o quadro
jurídico, deixando esta de poder produzir os efeitos protótipos que lhe corresponderiam se
fosse válida.
A invalidade é um desvalor jurídico ou valor jurídico negativo que uma Convenção
Internacional padece no sentido de, por se encontrar viciada, não poder produzir os seus
efeitos jurídicos que lhe corresponderiam se fosse válida. Esta decorre de vícios nos
pressupostos ou elementos e, também do seu conteúdo violar normas de hierarquia superior.
Muitos dos vícios não são muito distintos daqueles que afetam o negócio jurídico. As
condições de validade de uma Convenção Internacional radicam, fundamentalmente:
® Na capacidade dos sujeitos de poderem vincular se a Convenções Internacionais.
Esta capacidade pode ser plena ou sofrer algumas limitações – os Estados
soberanos têm uma capacidade plena de celebrar Convenções. Se nós tivermos
perante uma Convenção entre um Estado soberano e uma entidade não soberana
este Tratado é inválido.
® Nos vícios da vontade:
o art. 46 da CV que se relaciona com convenções que violem a Constituição
de um país. Um Estado só pode invocar a invalidade de uma Convenção, na
medida em que, esta viola o direito interno por meio de uma invalidade ou
inconstitucionalidade orgânica por falta de competência de um órgão
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interno para vincular o Estado a essa Convenção, que seja uma matéria de
importância fundamental e tem de ser um vício manifesto e claro. Se a
Convenção for bilateral toda a Convenção cai e se a Convenção for
multilateral apenas a vinculação daquele Estado cai.
o Vícios relativos ao poder do plenipotenciário – art 47 da CV – ou o
plenipotenciário deu nota às outras partes dos limites dos seus poderes e daí
que se porventura este exceder o seu mandato e os outros Estados souberem
então o Estado do plenipotenciário pode invocar a invalidade do Tratado ou
se o plenipotenciário não exibiu a sua carta de poderes aos outros Estados e
celebrou um Tratado para além do que estava apto e depois o seu Estado
vem a invocar a invalidade porque lhe convém então essa invocação é
ineficaz porque as partes, agindo de boa fé não sabiam dos poderes desse
plenipotenciário.
o Há ainda uma terceira situação relativa ao erro de facto, prevista no art. 48.
No fundo, para que um Estado possa invocar um erro como fundamento da
invalidade é necessário que este seja essencial, que o Estado não tenha
contribuído para a prática desse mesmo erro e que este não seja de uma
evidência absoluta.
o Pode ainda ter se em consideração o dolo – intenção de um determinado
sujeito de preencher um facto ilícito. Este significa a intenção de enganar,
induzir em erro as partes da Convenção Internacional. Art. 49 da CV. –
consequências – art. 69/3. O Estado que age com dolo não tem a
possibilidade de exigir o restabelecimento da situação que existiria se estes
atos não tivessem sido praticados, nem exigir a não ilicitude dos atos
praticados de boa fé, uma vez que, este nunca agiu de boa fé.
o Corrupção de Estado – art. 50 da CV. Quando um Estado para seu próprio
benefício corrompe outro Estado a vincular-se a uma Convenção que este
não se vincularia em condições normais. Corromper significa atribuir
vantagens patrimoniais a outro Estado. No plano democrático é muito difícil
distinguir um ato de corrupção de um ato de cortesia.
o Coação é o uso da força ou a ameaça do uso da força física de forma a levar
alguém a assumir alguma coisa que em Estado normal não assumiria. A
coação implica necessariamente a invalidade de um Tratado. Ex: Tratado
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de Madrid de 1526. A coação sobre o representante do Estado encontra-se
no art. 51 da CV. Temos ainda a coação sobre o próprio Estado, presente no
art. 52 da CV.
® E à licitude ou não do objeto: os Tratados devem ser cumpridos – pacta sunt
servanda. A propósito desta ilicitude já estudamos que não existe uma hierarquia
entre fontes, mas existe uma hierarquia entre normas. Existem normas que se
enquadram num patamar hierárquico muito próprio, que são as normas de direito
cogente ou de dto. imperativo. É nulo todo o Tratado que, no momento da sua
conclusão, seja incompatível com uma norma de Direito Internacional que lhe é
anterior.
Tem se por norma imperativa aquela que é reconhecida como tal pela comunidade
internacional e sobre a qual nenhuma derrogação é possível, a não ser que seja feita
por uma norma de natureza distinta.
O prof. Blanco Morais, como positivista, sempre teve a dificuldade de identificar
uma norma como norma de ius cogens, tendo em conta que não há nenhuma
identificação das mesmas, não há uma listagem de normas de ius cogens na
Convenção, como devia ter havido porque não se chega a acordo. O prof. quanto
muito diria que existem valores da comunidade que são intangíveis que devem ser
impostas a todos os indivíduos dos Estados, por exemplo, as Convenções do
Genocídio e as Convenções de Genebra. O ius cogens encontra-se previsto no art.
53 e 64 da CV. Determina-se que a violação das normas de ius cogens leva a uma
nulidade.
Regime Jurídico dos Tratados Inválidos
Os Tratados Inválidos são nulos e existem dois níveis de invalidade, não tratada na CV,
mas sim pela doutrina. A Convenção no que toca às invalidades ostenta deficiências que têm
sido muito criticadas (art. 69), nomeadamente contradições.
Þ Invalidade/nulidade Absoluta:
Diz-se que havendo coação sobre o representante do Estado a Convenção é desprovida de
qualquer efeito jurídico – art. 51 da CV que prevalece sobre o art. 69 do mesmo diploma.
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No que toca à coação do próprio Estado, e, por analogia do presente no art. 51, existe uma
improdutividade de todos os efeitos jurídicos, quer futuros, quer passados. Portanto, embora
o art. 52 não se fale em total improdutividade dos efeitos tal ocorre tornando a Convenção
integralmente nula.
O que é que sucede com a violação de uma norma de ius cogens? O art. 53 diz-nos que
todo o Tratado é nulo, mas não nos fala do regime e dos seus efeitos, chegando-se à conclusão
que as partes são obrigadas a eliminar, na medida do possível, os efeitos produzidos pela
norma (putatividade) e estabelecer a normalidade conforme a estas normas imperativas.
Pensa-se assim que qualquer Estado pode invocar a invalidade desta Convenção.
Por força do art. 44/5 da CV, a regra geral na nulidade absoluta é a da não
divisibilidade das convenções, tanto nos casos de coação como nos casos de violação de
normas de dto. imperativo.
Þ Invalidade/nulidade Relativa:
Existe nulidade relativa num conjunto de situações, nomeadamente, vícios de regulação
de direito interno, restrições ao mandato do plenipotenciário (art. 47 da CV), dolo, erro,
ilicitude do objeto por violação de um Tratado de hierarquia superior.
Esta é caracterizada por um regime menos intenso que a nulidade relativa que se traduz
pela possibilidade de a Convenção apesar da nulidade poder produzir certos efeitos jurídicos
ou de efeitos jurídicos passados que foram libertados pela Convenção nula poderem ser
conservados. Há ainda a possibilidade de invalidade apenas parcial.
Quanto à invocabilidade, esta pode ser invocada pelo Estado que não tiver concorrido
através da sua conduta para a sua invalidade.
Quanto aos efeitos, existe um dualismo de regime que precisa de ser tomado em
consideração. Se abrirmos a Convenção no art. 69 este diz nos logo que um Tratado nulo não
produz efeitos jurídicos, contudo havendo nulidade qualquer parte pode pedir a outra parte
que a situação que vigorava antes da celebração da Convenção seja restabelecida e pode
invocar a salvaguarda dos atos praticados de boa fé antes da nulidade ter sido invocada. Mas
este é um regime geral.
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Ora, de um modo geral esta situação pode invocar-se a todos os quadros de invalidade
relativa, mas há uma exceção prevista no nº 3 do art. 69 da CV – a parte culpada pela
invalidade não pode invocar nenhuma destas salvaguardas. O prof. Blanco Morais afirma que,
quanto à coação estamos perante uma incoerência e, por isso, tende a não aplicar esse mesmo
artigo.
Todavia, há aqui uma situação que diz respeito à divisibilidade das convenções – saber
se toda a Convenção é afetada ou se apenas uma parte dela. No caso de vícios de determinada
natureza, por ex, vícios que não tenham a ver com dolo e corrupção a regra geral é que o
Estado que é vítima dessa situação pode invocar a invalidade parcial da convenção.
O nº3 do art. 44º diz-nos que, se uma causa de nulidade apenas visar certas disposições,
só relativamente a elas pode ser invocado. Na medida em que, haja uma patologia que afeta
apenas algumas disposições, apenas essas disposições deverão ser eliminadas e declaradas
nulas. Salvo se, portanto, não haverá nulidade parcial se:
® As cláusulas forem inseparáveis do resto do tratado: houver uma relação de
conexão e dependência entre normas, em que não seja possível separar essas
normas inválidas da restante parte, no que toca à execução da Convenção. A
Convenção não pode ser executada sem essas normas nulas, logo a invalidade terá
de ser total;
® Quando resulta do Tratado que a aceitação dessas cláusulas declaradas nulas são
condição essencial para o consentimento dos Estados. Se os Estados se vincularam
à Convenção, em razão de 2 normas especificas, e se estas forem declaradas nulas,
não fará sentido que a Convenção possa ser apenas parcialmente inválida. Toda ela
será inválida;
® For injusto continuar a executar o que subsiste do Tratado. Imaginemos um Tratado
multilateral que cria obrigações diferentes para vários Estados, e em que as normas
que são inválidas dizem respeito apenas a direitos de algum dos Estados-parte. Se
forem declaradas inválidas, o Estado só terá obrigações, porque os seus direitos
foram estripados através de normas declaradas nulas. Será injusto executar um
Tratado que impõe apenas a um Estado obrigações e não direitos.
Nestas 3 situações a invalidade deverá ser total. No entanto, a regra geral é a da
separabilidade, da divisibilidade da Convenção e da invalidade parcial, sobretudo em todos
os vícios que não disserem respeito nem a nulidades absolutas, nem a erro e corrupção.
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Já no caso do erro e da corrupção o Estado vítima tem a possibilidade de, em função dos
seus interesses, invocar a invalidade total ou parcial da mesma.
Vicissitudes na Vigência das Convenções Internacionais
Quanto à modificação das Convenções o art. 39 da CV diz-nos que, as Convenções podem
sempre ser revistas por acordo entre as partes. Pode haver situações em que as Convenções
multilaterais sejam alteradas apenas entre uma parte das partes.
A Convenção muitas vezes regula os termos para a sua modificação, incluindo limites de
ordem substancial ou fornal ou material. Quando tal não ocorra diz-nos o art. 40 da CV que
quando ocorre a pretensão de modificação de uma Convenção esta deve ser divulgada a todas
as partes inseridas na mesma que terão sempre o direito de participar nesse processo
modificativo. Todavia, pode a modificação dizer apenas respeito a alguns Estados ou alguns
Estados não pretenderem alterar a Convenção (estes não se vincularam às alterações).
Existe um outro aspeto em que algumas partes decidem estabelecer por acordo alterações
que os vinculam a eles e às suas relações, mas que não vinculam, em regra, as outras partes
(art. 41 da CV).
Também um Tratado pode cessar a sua vigência se as partes que o celebraram decidirem
revogá-lo sem substituição. Todavia, os Tratados podem efetivamente extinguir-se por um
conjunto de outro tipo de vicissitudes.
São estas:
Þ Vontade originária das partes:
Logo à partida, existem Convenções que têm cláusulas de caducidade. A caducidade
implica a cessação de vigência da Convenção em razão de vários fatores. Existem ainda
Convenções Internacionais que contêm regras ligadas a cláusulas temporais relativas à sua
vigência.
Por vezes, não existem cláusulas temporais de caducidade, mas sim cláusulas de
caducidade relacionadas com acontecimentos. Ex: no Pacto de Varsóvia constava uma
cláusula que determinava a dissolução deste, caso fosse criada uma organização de segurança
e cooperação na Europa.
Há ainda, cláusulas implícitas – um conjunto de obrigações que as partes devem executar
e quando tal ocorre pode não haver mais razão para que a Convenção persista. Ex: pactos de
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fornecimento de armas num determinado conflito militar – quando termina o conflito ou é
executada a obrigação comercial específica, podem não haver razão para dar continuidade à
convenção. Estas são denominadas cláusulas de caducidade por execução da obrigação e
extinção do objeto da Convenção.
Muitas convenções internacionais cessão vigência em função da denúncia ou recesso.
Nos Tratados Internacionais a denuncia é um ato unilateral não autónomo, que se aplica
aos Tratados bilaterais, através do qual uma das partes decide desvincular-se de uma
Convenção Internacional, e que pode ter como consequência o fim da Convenção.
Se for um Tratado Multilateral, a figura em causa designa-se por recesso – é como uma
denuncia, mas tem consequências distintas – a Convenção pode continuar a subsistir com o
recesso de um dos Estados, se os restantes continuarem vinculados à mesma. Existe um
conjunto de especialidades, como é o caso, da Convenção de Montreux sobre o Regime dos
Estreitos (1939), que determina que o recesso por parte de um dos Estados determina a
cessação de vigência da Convenção – neste caso é a própria Convenção que o determina, se
esta nada o disser aplica-se a regra geral referida supra.
Porque é que o recesso se trata de um ato jurídico unilateral não autónomo?
à Este é unilateral porque não depende necessariamente da aceitação de o ato de vontade
de desvinculação pelas outras partes. É não autónomo porque depende daquilo que for
disposto no regime legal da Convenção Internacional ou da CV.
O art. 56 da CV estabelece uma regra geral, que não tem sido bem assim aplicada, mas
que diz que o Tratado em causa é soberano quanto à admissibilidade ou não da renúncia ou
do recesso. Um Tratado pode proibir a denúncia ou o recesso e caso ocorra estes não podem
existir. Tal é raro ocorrer porque ninguém se pode vincular, normalmente, nestas condições.
Mas se a Convenção for silente, isto é, não disser nada sobre a admissibilidade da renúncia
ou do recesso, então, estes não serão consentidos, salvo se:
® As partes tiverem admitido, fora da própria Convenção, a possibilidade da
renúncia ou recesso, nomeadamente através de um acordo posterior sobre a
matéria;
® Ou se se puder deduzir das disposições da Convenção a possibilidade da denúncia
ou recesso.
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Uma parte, se desejar desvincular-se de uma Convenção Internacional deverá apresentar
um pré-aviso. A notificação deve fazer-se pelo menos 1 ano antes. Claro que há Tratados que
preveem prazos menores, nomeadamente, 6 meses.
Esta figura também vale para a suspensão da vigência das Convenções.
Há ainda uma outra figura, explanada no art. 55 da CV que nos diz que, há convenções
que determinam que elas próprias entraram em vigor depois de serem aprovadas por um
número de Estados. Após a ratificação pelo X nº de Estados vinculados, mesmo que alguns
venham a desvincular-se a Convenção não cessa vigência, por questões de segurança jurídica,
a menos que a mesma estipule que deve ocorrer.
Þ Vontade superveniente das partes:
Tal pode ocorrer, nomeadamente, pela celebração das partes de um Tratado posterior que
revogue o anterior expressa ou tacitamente (portanto, se é celebrado um Tratado com o mesmo
objeto e com as mesmas partes que um anterior, entende-se que o Tratado anterior foi
tacitamente revogado). Pode existir ainda um Tratado com artigo único que revogue um
anterior supressivamente.
Pode também existir, um Tratado Quadro, isto é, um Tratado com normas de caráter geral
e pode depois aparecer um Tratado com disposições especificas ou particulares criando uma
relação de generalidade especialidade.
Þ Ocorrência de circunstâncias não previstas na Convenção:
Uma primeira possibilidade de cessação e às vezes até de suspensão de vigência de uma
Convenção Internacional, tem a ver com a sua violação. Muitas vezes uma ou mais partes
incumprem com as disposições estabelecidas na Convenção, o que dá direito às outras partes
de se desvincularem da Convenção ou de cessarem a sua vigência.
No art. 60 da CV, é nos dito que tem de ser uma violação substancial relevante da
Convenção. Houve sobre esta matéria um Tratado celebrado entre o Chile e o Peru que
envolveu por parte do Peru a suscitação da desvinculação por violação, por parte do Chile, do
Tratado. Tal suscitação não foi aceite, porque o Tribunal entendeu que não tinha sido violada
uma matéria substancial.
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Outra situação que justifica a cessação de vigência da Convenção é a rutura das relações
diplomáticas entre Estados, presente no art. 63 da CV. Os Estados, por vezes, cortam relações
diplomáticas – se tal correr dir-se-á que, essa rutura pode ou não determinar o termo de
Convenções celebradas entre eles, dependendo de várias circunstâncias. Ex: há Estados que
rompem as suas relações e que fazem parte de uma Convenção multilateral, neste caso pode
ficar definida a desvinculação dos mesmos à Convenção.
Decorre ainda deste preceito que as Convenções so deixam de produzir efeitos, na medida
em que, as relações diplomáticas sejam essenciais para a aplicação destas. Todavia, há
Tratados que podem mesmo cessar vigência, na medida em que, a existência de relações
diplomáticas sejam pressuposto necessário dessa vigência.
Uma outra questão diz respeito ao Estado de Guerra. O conflito armado entre dois Estados
envolve o fim das Convenções Internacionais estabelecidas entre eles?
à Caso estes Tratados impliquem relações diplomáticas entre os Estados, cessam
vigência. No entanto, temos ainda casos, como a Carta das Nações Unidas, que se mantém em
vigor, mesmo que independentemente de existirem cortes nas relações entre Estados.
Existem ainda Tratados criados mesmo para se aplicarem em Estados de Guerra. Ex:
tratamento dos prisioneiros de guerra.
Circunstâncias que podem por Termo às Convenções não ligadas ao Comportamento das
Partes
Para lá das vicissitudes que são geradas pelas cláusulas presentes nas convenções, também
não se pode esquecer o Costume Revogatório.
Um Tratado Internacional pode ser derrogado (algumas das suas disposições são
revogadas, mas não todas – Revogação parcial) como pode ser totalmente revogado por
costumes supervenientes.
As normas consuetudinárias e as normas convencionais detêm, na ordem jurídica
internacional, a mesma hierarquia. Tal como os Tratados podem revogar costumes, os
costumes podem revogar Tratados.
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Todavia, existem ainda circunstâncias que sendo independentes da vontade das partes
acabam por ter consequências jurídicas na vigência ou na aplicação das Convenções
Internacionais (art. 61 da CV).
Este art. refere-se à impossibilidade de superveniente de execução da Convenção
Internacional, que pode resultar do desaparecimento de um objeto que é indispensável à
execução do Tratado. Ex: o desaparecimento de uma ilha que fica submersa.
Diz o nº 2 deste artigo que a impossibilidade de execução não pode ser invocada por uma
parte, como motivo para pôr termo à vigência do Tratado, ou para se retirar do Tratado. Isto
significa que não pode, à luz do princípio da boa fé, a parte (que violou disposições da
convenção) invocar a destruição temporária ou permanente do objeto como fundamento para
se retirar ou suspender a Convenção à impossibilidade superveniente de execução.
Muito próxima desta figura temos uma outra figura que também está muito presente nos
contratos que é, a alteração fundamental de circunstâncias previstas pelas partes. Os
Tratados Internacionais são celebrados num determinado contexto que se se altera e poderá
trazer uma posição de desfavorecimento de algum dos Estados. Art. 62 da CV.
Para que haja a desvinculação também é necessário que essa alteração circunstancial possa
produzir uma transformação radical na natureza das obrigações/vinculações. O nº 2 ainda adita
um conjunto de regras que obstam à invocação da alteração das circunstâncias para a alteração
de um Tratado.
A expressão latina para qualificar esta alteração de circunstâncias como fundamento de
cessação, desvinculação ou suspensão de uma Convenção chama-se regus sic standibus.
A parte que invoca a cessação da vigência pode também, nº3, invocar apenas a suspensão
da aplicação deste mesmo tratado.
Existe ainda uma figura mista que tem que ver com a cessação da vigência e com a
nulidade e, tem sido objeto de muitas críticas.
Tínhamos verificado, a propósito da violação pro parte de Tratados Internacionais de
normas de direito imperativo (normas de ius cogens), que a violação originária de uma norma
de ius cogens, ou seja, um Tratado que é concluído desde a sua origem em desconformidade
com uma norma de direito imperativo pré existente, esse Tratado padece de nulidade absoluta,
não produzirá qualquer efeito para o futuro e todos os atos que foram praticados na sua
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execução em período passado são eliminados retroativamente na medida do possível à caso
de nulidade absoluta.
Outra situação é aquela em que, uma convenção internacional que se encontra em vigor,
quando foi concluído não violava nenhuma norma de ius cogens, de direito imperativo, mas
posteriormente forma-se uma norma de direito imperativo, de natureza consuetudinária ou
convencional, à qual é reconhecida essa hierarquia superior.
O que sucede a uma convenção com estas características, desconforme com uma norma
de ius cogens superveniente?
à Art. 64ºCV. Para que haja um sentido racional dado a esta disposição aparentemente
redundante, é preciso entendê-la da seguinte forma: se um Tratado se encontra em vigor e se
sobrevem um outro Tratado ao qual é reconhecida posteriormente a natureza de direito
imperativo, a partir do momento em que esse Tratado entra em vigor, a Convenção
anteriormente celebrada que era plenamente válida quando foi concluída e que mais tarde, por
causa da superveniência desse outro Tratado de direito imperativo, se torna desconforme com
ele, cessa vigência.
Mas imaginemos que as partes por má fé ou desatenção, ou por não concordarem com a
circunstância da nova Convenção ser ius cogens, as duas partes continuam, depois da entrada
em vigor da norma de direito imperativo, a executar e a aplicar a Convenção que é
desconforme com o mesmo direito imperativo. Imaginemos que essa execução se prolonga
por mais de 2 ou 3 anos e que a questão sobe ao TIJ em que, por razões de ordem pública
internacional, algum Estado decide impugnar esse Tratado por violação superveniente de uma
norma de ius cogens.
Nessas circunstâncias, o TIJ declara a invalidade da norma do Tratado que violou a norma
de ius cogens, declara a sua nulidade e invalidade, o que implica que a Convenção deixa de
vigorar para o futuro, e a decisão de invalidade retroage (tem efeitos retroativos), desde o
momento em que é proferida a decisão, até à data da superveniência da norma de ius cogens.
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Regime de Interpretação das Convenções
Os Tribunais Internacionais são os principais interpretadores das Convenções. A sua
linguagem nem sempre é clara daí a anexação de preâmbulos, etc.
O prof. Blanco Morais, não gosta da regulação da interpretação, explanada na CV art. 31
e 32. Isto porque dogmaticamente sabemos que a interpretação de base científica implica um
programa normativo, quem tem uma:
® Fase de interpretação textual ou literal;
® Fase de interpretação lógica ou sistemática;
® Fase de interpretação histórica; e
® Fase de interpretação teleológica ou finalista.
Posto isto, verificamos se esse sentido provisório se ajusta à situação concreta, ao contexto
normativo e depois teremos uma norma de decisão (decisão final de tribunal ou conjunto de
partes sobre o sentido efetivo que se atribui às normas).
Norma jurídica é direito decidido por um decisor legitimado para o efeito. Mas o preceito
(o texto que contém um comando jurídico, norma é o comando jurídico que resulta do
preceito; o preceito pode ter uma ou mais normas, um ou mais comandos jurídicos).
Ora, os elementos de interpretação encontram-se previstos no art. 31 e 32, mas de alguma
forma esfumados e totalmente desordenados.
Relações Jurídicas entre o Direito Interno e o Direito Internacional
Importa nesta matéria saber como é que as normas de DIP podem produzir os seus efeitos
jurídicos no ordenamento dos Estados. Isto é, como produzem os seus efeitos e com que força
essas mesmas normas produzem as suas consequências – será com prevalência sobre a
Constituição? Sobre a lei? Sobre os regulamentos Administrativos? ...
Þ Aplicabilidade:
Aplicam-se na ordem interna como Convenções internacionais, como normas
internacionais não convencionais, aplicam-se na ordem interna depois de serem reconhecidos
ou transformados em direito interno.
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Existem aqui várias conceções doutrinais:
® Teoria Dualista:
Esta diz-nos que, Ordem Interna e Ordem Internacional são dois ordenamentos diferentes,
como normas e princípios diferentes. E daqui que para um ato de direito internacional se
aplique no direito interno tenha que ser convertido num ato interno de valor legislativo.
® Teoria Monista:
Esta diz-nos que, o ordenamento interno e o ordenamento internacional são um sistema
conjunto que se comunica entre sim.
Há, todavia, quem entenda que, dentro do monismo, que são ordenamentos distintos - os
ordenamentos internos têm como norma de referência a constituição, e o ordenamento
internacional terá um conjunto de princípios e de regras de ordem pública. O que não significa
que não estabeleçam entre si comunicações diretas – ordenamentos homomórficos. (o regente
concorda mais com esta vertente).
Mesmo que se entenda que não é necessário um ato de transformação, na generalidade,
para que uma norma de DIP, Tratado ou um costume, possa produzir efeitos na ordem interna
de um Estado, temos de tentar perceber com que força e hierarquia a norma internacional irá
produzir os seus efeitos jurídicos.
Ora, há quem entenda (corrente estatocrática) que o monismo implica a aplicação de
normas internacionais nos Estado, mas com prevalência do direito interno. Esta conceção,
hoje em dia, já se encontra quase superada porque teria como consequência a possibilidade de
os Estados não cumprirem as Convenções Internacionais.
Depois, há quem entenda (para quem adota a posição monista) que, há um primado do
direito internacional sobre o direito interno, com base no Pacta sunt Servanda.
Estas são as grandes conceções, mas na opinião do regente, a diferença rígida entre as
conceções no que toca aos ordenamentos constitucionais dos Estados, tem sido superada, pelo
menos parcialmente, uma vez que, a maioria dos ordenamentos incorpora sistemas mistos,
com uma componente monista e uma componente dualista.
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O problema é saber qual é a componente dominante.
Mesmo sistemas dualistas em que se requer um ato de reconhecimento, de consentimento
ou de transformação de uma Convenção Internacional por um ato jurídico interno, que é o
caso da Alemanha e da Itália, acabam por mitigar um pouco esta separação, e até afastá-la
relativamente, por exemplo, ou a princípios gerais de DIP ou a um regulamentos da União
Europeia (atos normativos unilaterais do direito derivado), que nos Estados produzem eficácia
e efeitos internos sem necessidade de transformação ou incorporação por ato jurídico dos
Estados, contrariamente com o que sucede com outras.
E mesmo os sistemas monistas, como é o caso de Portugal e de Espanha, também acabam
por reconhecer a necessidade de transformação das diretivas da UE em direito interno.
Portanto, os sistemas, hoje em dia, têm uma componente mais eclética, mesmo que alguns
sejam predominantemente dualistas e outros monistas.
Ex:
Þ Na ordem alemã:
Existe um sistema misto de pendor dualista.
Todas as Convenções internacionais que respeitem matéria de competência legislativa do
parlamento, devem ser objeto de ato interno de consentimento que tem a força de uma lei
interna estatutária, que adota a Convenção Internacional, não tem de a reproduzir, tendo
apenas de a adotar na ordem interna.
O ato de consentimento tem o duplo efeito de autorizar o PR a retificar a Convenção, e
também estabelece regras de como essa convenção deve ser aplicada no direito interno. Pode
declarar em que termos o tratado se aplica, a quem se aplica e os termos dessa vinculação.
Portanto, o ato de consentimento também diz em que termos uma convenção internacional
poder ou não ter primado sobre normas de direito interno.
A Convenção vale na ordem interna, e pode até produzir os seus efeitos jurídicos diretos,
nos termos que forem definidos e habilitados pelo ato de consentimento, que é um ato com
valor de lei.
Portanto, não há uma transformação no sentido da conversão de todas as normas do
Tratado em lei interna, mas há obrigatoriamente uma lei interna, que equivale a uma forma de
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transformação, que reconhece o Tratado, autoriza-o a produzir efeitos na ordem alemã, mas
determina em que termo é esses efeitos se produzem e com que eficácia.
Þ Na ordem francesa:
Existe um sistema misto de pendor monista.
Este é misto porque apesar de os princípios e costumes se aplicarem diretamente na ordem
interna, quanto aos Tratados Internacionais, há alguns destes, relativamente a matérias
consideradas essenciais de competência legislativa do parlamento, algumas matérias
elencadas na constituição carecem de incorporação e transformação na ordem jurídica
francesa, através de um ato de direito interno. Todavia, a maioria das Convenções,
nomeadamente, acordos internacionais, podem produzir na ordem francesa diretamente os
seus efeitos jurídicos.
Há uma distinção entre 2 categorias de Convenções, em que umas são consideradas mais
relevantes do que outras, e carecem desse ato de reconhecimento interno ou de conversão
legal.
Þ Na ordem jurídica americana:
Nos EUA, como sabem, temos os executive agreements que são objeto de autenticação e
expressão definitiva de consentimento, através de um ato interno da administração
internacional e interno do governo federal, a partir do momento em que isso suceda a
Convenção aplica-se como Convenção Internacional.
No caso dos Tratados, estão sujeitos a ratificação no Senado. Esta é lenta, mas quando é
feita o Tratado como tal, aplica-se diretamente na ordem interna americana.
Caso português
Portugal enquadra-se no modelo monista com algumas componentes do dualismo,
sobretudo no que toca ao Direito Europeu.
A doutrina faz diversas designações do Direito Português. Iremos analisar a posição do
prof. Blanco Morais.
Sendo um sistema monista, receciona o DIP como DIP e não carece esse mesmo direito,
em regra, de ser incorporado ou transformado em ato interno na Ordem Jurídica Portuguesa.
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Todavia, no que toca em primeiro lugar aos princípios de DIP e ao costume internacional
geral, o nº1 do art. 8º da CRP diz que são normas que se aplicam diretamente na ordem do
Estado, ou seja, integram o direito português como normas internacionais, mas sem
necessidade de qualquer transformação.
O prof. Blanco Morais, designa esta via da receção de Direito Internacional geral ou
comum, como uma receção automática simples. Portanto, temos aqui grandes princípios de
DIP e grandes princípios de costume.
É claro, na visão do regente, que este preceito tem uma lacuna evidente – não se refere o
que são os costumes regionais e os costumes locais.
Face a isto o que é que se sucede?
à Será que estes não se aplicam na ordem interna? Será que, como defendeu o prof. Silva
Cunha, estes dois tipos de costume para valerem na ordem interna carecem de transformação
legislativa?
O prof. Carlos Blanco Morais entende que, por uma questão de agilidade, havendo lacuna,
esta deve ser resolvida por analogia e através do apelo aos lugares paralelos, fazendo-se uma
transposição daquilo que ocorre com o direito geral para o costume local e regional. Se o DIP
geral ou comum está presente numa norma consuetudinária que pouco dá relevo à opinião dos
Estados, por maioria de razão, o costume deve vincular o Estado se este teve um protagonismo
na formação desse costume.
Portanto, no art. 8/1 da CRP temos uma receção automática simples.
O nº 2 diz-nos que a Convenção Internacional produz os seus efeitos jurídicos internos
depois de ser regularmente aprovada, retificada e publicada, ou seja, uma Convenção produz
os seus efeitos jurídicos num Estado se:
® Tiver sido regularmente retificada e aprovada;
® Se tiver sido já publicada no Diário da República; e
® Enquanto vincular internacionalmente o Estado Português.
A cessação de vigência interna pode acontecer por declaração de inconstitucionalidade, e
a cessação de vigência internacional ocorre por outros vias: a caducidade, cessação da
convenção por situações não previstas pelas partes, regibus stic standibus, as denuncias, os
recessos, etc. Enquanto situações destas não ocorrerem, a Convenção continua a aplicar-se e
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a vincular o Estado português, e a aplicar-se internamente na Ordem Interna Portuguesa.
Chama-se a esta forma de receção uma forma de receção condicionada – é uma receção
automática, não é necessário ato interno de Convenção; mas é confecionada: à aprovação,
retificação, aprovação, bem como à sua vigência na Ordem Internacional.
E o Direito Europeu? E o Direito das Nações Unidas?
Existe aqui uma situação ambígua em que, até 2004 nós tínhamos apenas o art. 8/3 da CRP
e, era por aqui que no fundo produziam diretamente as resoluções do Concelho de Segurança
destinadas a garantir a segurança nacional e era por esta via que existia uma aplicação direta
e imediata das decisões da UE, e havia uma aplicação já por via de transposição, isto é, de
incorporação por ato jurídico interno, das diretivas da União.
Dizem as normas emanadas, dos órgãos competentes, das organizações internacionais, de
que Portugal faça parte, que vigoram diretamente na ordem interna desde que, tal seja
reconhecido nos Tratados constitutivos dessas Organizações. Na União Europeia, o art. 288º
dispõe que as diretivas para valerem internamente nos Estados, necessitam de ser transpostas
em ato jurídico interno com eficácia jurídica intersubjetiva, enquanto os regulamentos e as
decisões produzem imediatamente os seus efeitos jurídicos sem carecerem de ato interno. Era
assim que as coisas funcionaram até 2004.
Em 2004 sucedeu uma revisão constitucional relativamente mal feita que, no fundo,
estabeleceu que as disposições dos Tratados que regem a UE e direito derivado aplicam-se,
na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da UE com respeito pelos princípios
fundamentais do Estado de Direito.
Esta disposição é ambígua, uma vez que, se estava a discutir na altura algo que se dava
como adquirido, o Tratado Constitucional Europeu, que antecedeu o Tratado de Lisboa - este
era federalista e foi rejeitado em Referendo. O Tratado estava quase como que concebido em
termos de se afirmar como uma espécie de constituição e havia um art. 6º/1 que dizia que todo
o Direito da União Europeia prevalecia sobre todo o direito interno dos Estados – cláusula de
supremacia federal, semelhante à que existe na constituição alemã e americana.
Esta clausula suscitou grande reação jurídica por parte de muitos autores mais
soberanistas. Portanto, o Tratado de Lisboa aproveitou muitas das normas do Tratado
constitucional de fundo, todavia não incorporou o art. 6 tal como ele constava desse Tratado.
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Só que em Portugal deu-se como adquirido esse Tratado e houve uma Revisão
Constitucional no sentido de estabelecer uma regra que permitisse a possibilidade de o Direito
Europeu, tendo em conta o art. 6, aplicava-se na Ordem Interna Portuguesa, com prevalência
sobre a própria CRP, para lá de prevalência sobre lei.
Estabeleceu um limite muito ténue entre os princípios fundamentais do Estado de Direito
Democrático, isto é, a CRP poderia ser desaplicada por um simples regulamento ou decisão
da união, exceto se esse ato da União Europeia pusesse em causa princípios fundamentais do
Estado de Direito Democrático, como são: o princípio da segurança jurídica e o princípio da
democracia, portanto, esta norma foi feita a pensar no art. 6, mas não chegou a existir nem
Tratado nem art. 6, ficando esta norma sem prevalência.
Podemos concluir que o nº4 é uma norma especial relativamente ao nº 3, em que aquilo
que está consagrado é um regime misto em que, como se reenvia para os tratados, o art 288
do Tratado de Lisboa diz-nos que os regulamentos se aplicam diretamente, logo a aplicação
será direta, imediata, sem necessidade de transposição; as decisões têm o mesmo regime dos
regulamentos; as diretivas devem implicar uma incorporação no direito interno, a chamada
transposição, então, ai não se aplicam diretamente, aplicam-se através de um ato interno, que
é um ato legislativo nos termos do nº 8 do art. 112 da CRP.
Este é o Sistema Português de receção das normas de DIP, mas uma coisa é a receção,
automática simples (costume), receção automática condicionada do direito convencional e
regime misto, condicionado a um reenvio recetício para os tratados, no que toca ao Direito
Europeu e das Nações Unidas - modelo misto. Sabemos como o direito se aplica na ordem
interna.
Passemos agora a analisar com que força jurídica se aplica o Direito Internacional.
Existe uma doutrina que entende que existe prevalência do direito internacional público
cogente sobre o direito interno de valor constitucional. Este entendimento foi sustentado, por
exemplo, pelo prof. Jorge Miranda.
Depois teríamos segundo também alguns autores, o problema da Declaração Universal dos
Direitos do Homem. O próprio art. 16 da CRP diz-nos que, as disposições da Constituição
devem ser interpretadas e integradas à luz da DUDH. Este é um documento político das
Nações Unidas, anexado à sua Carta.
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Há aqui uma hipótese de se equacionar a DUDH exerce uma posição de hierarquia superior
perante as outras normas, no entanto, tal nunca foi claro.
O prof. Paulo Otero defende que se trata de uma hierarquia, o que levaria a que as normas
da CRP pudessem ser normas constitucionais inconstitucionais. O Tribunal Constitucional
fala na “quase hierarquia” da DUDH. O prof. Jorge Miranda fala numa prevalência ou
precedência destas disposições (posição da qual o regente se aproxima).
Finalmente, há quem entenda que o Direito europeu quer originário (constante dos
tratados) quer derivado (diretivas, regulamentos e decisão- normas unilaterais cujo regime
consta dos tratados, art. 288º do tratado de lisboa), teria uma força jurídica superior à
Constituição.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia iria no sentido dessa hierarquia,
havendo várias contribuições doutrinárias para sustentar essa mesma hierarquia.
Temos aqui, então, três eixos de prevalência das regras de Direito Internacional
Público.
O que dizer a cerca de cada um?
Þ Declaração Universal dos Direitos do Homem:
É inequívoco que essa declaração foi rececionada como Direito Constitucional Português,
pela norma presente no art. 16/2.
Esta declaração não é um Tratado de Direito Internacional. É sim uma norma política, que
não vale por si própria – é lhe dado valor normativo e de referência pela CRP, portanto, ela
vale como DC e com alguns aspetos de precedência sobre normas da CRP originárias porque,
através de um ato de livre vontade, o constituinte português resolveu incorporá-la como DC,
através de uma receção, com eficácia plena e que implica que até as normas da CRP e as
norma originárias, devam ser interpretadas e se necessário integrados, por respeito a esse
mesmo DC rececionado, onde se recebe uma declaração puramente politica que passa a ter
valor normativo constitucional.
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Estamos perante uma autolimitação.
Aplicando-se a DUDH na ordem interna, isto significa que ela pode ser chamada à coação
pelo TC para declarar a inconstitucionalidade de normas da nossa própria CRP – a supremacia
hierárquica é isto mesmo, se forem desconformes, inválidas.
Isto significa que uma norma da CRP que enfrentar uma nova norma de DC constante do
DUDH pode ser declarada inconstitucional?
à Não. Não há prevalência hierárquica, temos é domínios de prevalência paramétrica da
DUDH relativamente à via interpretativa e integrativa da constituição positiva.
Þ Ius Cogens:
Será ou não que o dto. imperativo prevalece sobre a própria constituição?
à Ora, é a CRP que determina quais as normas que se podem aplicar e prevalecer não só
em relação a ela, mas em relação a atos normativos. Ex: art. 112 da CRP.
Na nossa Constituição não há nenhuma norma que faça alusão ao ius cogens e que autorize
que uma norma de direito cogente possa prevalecer perante a Constituição. Alias, existe uma
multiplicidade de teorias sobre a existência de direito cogente, como mencionado supra, e na
opinião do regente só valeriam aqui as quatro Convenções de Genebra e a Convenção de
Genocídio e, não só as normas presentes na CRP não contrariam essas disposições, como se
houvesse alguma discrepância essas Convenções não teriam credencial habilitante para poder
prevalecer sobre a CRP.
O facto é que quer o costume quer atos unilaterais quer Convenções Internacionais todas
elas estão subordinadas à Constituição. E se estivermos perante um Tratado que tenha uma
norma de ius cogens e esta for desconforme à Constituição, a mesma pode ser declarada
inconstitucional logo pela Fiscalização Preventiva, como qualquer outra norma e qualquer
outro Tratado.
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Þ Primado do Direito Europeu sobre a Constituição:
Já tínhamos visto que esse primado é defendido há muito tempo pelo Tribunal de Justiça
da União Europeia, nomeadamente, em jurisprudência. Portanto, esta regra de vinculação do
Estados ao Dto. Europeu implicaria a vinculação a este primado.
O que se passa é que logo à partida este entendimento, sustentado pelo Prof. Fausto
Quadros, no plano do DC positivo português e DIP não parece ter sustentação inequívoca. Em
primeiro lugar - a tese segundo a qual os Estados europeus estão vinculados ao cumprimento
do direito europeu é inequívoca e o Tratado de Lisboa prevê aplicação de sanções, para
Estados que, por exemplo, não derem cumprimento aos regulamentos e decisões - sanções
pecuniárias aos Estados.
O prof. Carlos Blanco Morais entende que, esta realidade não pressupõe necessariamente
a hierarquia do dto. europeu sobre as constituições, uma vez que, também no dto. internacional
geral, os Estados estão obrigados ao cumprimento dos Tratados pelo pacta sunt servanda, e
se esse incumprimento gerar prejuízo para a outra parte, existe responsabilidade internacional.
Portanto, a responsabilidade dos Estados pelo não cumprimento não significa hierarquia,
mas sim obrigatoriedade de cumprimento.
Existem Estados que podem entender que normas de direito europeu violam as suas
constituições e podem ser julgadas inconstitucionais pelos respetivos TC e, se isso acontecer
não se aplicam no quadro de determinada interpretação, e os Estados podem optar por manter
integridade da sua Constituição e não aplicar essas mesmas normas, e consequentemente
assumirem as penalidades derivadas do incumprimento, que é pagar indemnização.
Em segundo lugar, aquela tese, segundo a qual incumprir o direito europeu invocando a
Constituição, seria negar validade a todo o direito europeu e esse arriscava-se a desaparecer,
juntamente com a ordem jurídica europeia.
O prof. regente entende que esta é uma posição dramática. Muitas vezes, pessoas decidem
não cumprir com a lei e com as obrigações e não significa que possam sair impunes, serão
sancionadas. Não cumprimento do direito penal ou contraordenacional não significa a negação
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do mesmo, significa que ao ser incumprido haverá uma reação do ordenamento, através da
aplicação de sanções ao infrator.
A mesma coisa relativamente ao DIP e direito europeu: se houver o incumprimento de
uma norma jurídica europeia, em razão de esta ser contrária à Constituição, isto significa que
o Estado que, voluntariamente, assume o incumprimento é suscetível de responsabilização,
ou seja, não desaparece o direito europeu em função desse incumprimento.
E a tese é exagerada porque têm sido muito poucos os casos em que os Estados invocam
a sua Constituição para incumprir direito europeu e são questões relevantes quanto a direitos
fundamentais.
Existe um terceiro argumento que está presente no art. 8/4 da CRP – o direito europeu está
conformado nos Tratados.
O art. 288 do Tratado de Lisboa diz-nos como se aplicam os regulamentos, as diretivas e
as decisões. Em nenhum destes preceitos se determina a hierarquia sobre o dto. constitucional
interno. Nenhuma norma de direito europeu incorporada numa lei ordinária poderia ter
precedência sobre uma norma constitucional.
O que se verifica é que a remissão que é feita, o reenvio recetício para o direito europeu,
nomeadamente no que toca ao direito derivado - art 288 - não autoriza a que a partir deste se
possa sustentar que regulamentos, diretivas e decisões tenham qualquer espécie de prevalência
sobre a CRP. E no que toca aos Tratados, os Tratados Europeus não são regulados de forma
muito diferente do que os demais Tratados Internacionais, e estes podem ser objeto de
fiscalização, tal como os Tratados Europeus.
Ou seja, posição do curso: Presentemente, o direito europeu, quer a nível de tratados,
quer a nível de direito derivado, não prevalece sobre a CRP e pode ser julgado inconstitucional
se contrariar CRP pelo TC.
O regente é criticado por reduzir direito da união aos Tratados. Mas direito da união é o
direito convencional da união, e não jurisprudência etc. O direito a observar é o das
Convenções internacionais, e não da jurisprudência. O Sistema jurídico de Portugal não é um
sistema jurisprudencializado. A jurisprudência nunca poderia ser fonte primária de direito
derrogatório da própria CRP.
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Mafalda Boavida
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Apesar da conceção do regente ser pouco cosmopolita, como diz por exemplo Jonatas
Machado, segue o que diz o TC alemão.
Relações entre Direito Internacional e o Direito Ordinário Interno do Estado Português
O prof. Jorge Miranda entende que, do art. 8/2 da CRP, que toca na relação entre Tratados
e o direito interno, pode extrair-se uma regra de hierarquia do direito internacional
convencional.
Se um Tratado Internacional entrou em vigor, foi regularmente ratificado, produz os seus
efeitos jurídicos, e o Estado português não o invalidou, não entrou em recesso, o Tratado
continua a vincular internacionalmente o Estado português e, se assim é, aplica-se plenamente
na ordem interna. Esta aplicação plena na ordem interna imposta pelo nº2 do art. 8º, deixaria
de ter lugar se se admitisse que uma lei superveniente pudesse contrariar esse mesmo Tratado.
Uma lei aprovada posteriormente à entada em vigor do Tratado que o tentasse revogar ou
desaplicar violaria o nº 2, porque essa precedência de lei poria em causa a aplicação interna
do mesmo Tratado, e essa aplicação deve ocorrer enquanto o Estado português não invocar a
sua caducidade ou denunciar essa mesma Convenção. Ou seja, enquanto o Estado estiver
vinculado ao Tratado, este deve aplicar-se na ordem interna, logo não se aplicaram disposições
de direito ordinário que contrariem o mesmo tratado.
Quid iuris se estivermos perante tribunal ou operador administrativo que se confronte com
colisão ou conflito entre norma de um tratado ou acordo internacional, e uma lei ordinária
interna?
à Deve dar prevalência à norma do Tratado.
Não há nem uma inconstitucionalidade nem uma revogação relativamente à lei, a lei
interna não perde a sua validade, apenas na norma que entrar em contraste ou em conflito com
a disposição do Tratado, essa norma não será aplicada, portanto, será uma espécie de aplicação
preferencial dada ao Tratado sobre a lei, que verá a norma que entrou em colisão, bloqueada
na sua eficácia.
O Tratado tera aqui uma força jurídica bloqueadora da eficácia jurídica de determinadas
disposições de uma lei ordinária que entre em colisão com o sue preceituado.
Esta realidade não foi muito bem tratada na lei do TC - art. 60/1 alínea i).
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Mafalda Boavida
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Direito Europeu
Composto pelo direito originário dos tratados, e direito derivado, que de acordo com o art.
288º do Tratado de Lisboa é composto por diretivas, regulamentos e decisão. Quanto a
questões de prevalência sobre o direito interno há aqui uma diferença.
Estas 3 normas têm regimes aplicativos distintos.
Þ Diretivas:
Normas de resultado, ou seja, são por regra normas de direito europeu que, nos termos do
art. 288º, carecem de transposição para a ordem interna dos Estados por ato de direito interno,
e este tem de ter eficácia intersubjetiva - transposta ou por regulamento ou por lei. As diretivas
para valerem carecem desta incorporação no direito interno, que equivale a uma
transformação. A diretiva, por regra, para valer no interior do Estado, carece de transposição,
não tendo aplicabilidade direta.
Aplica-se desde que seja convertida em norma interna, e é esta norma interna que produz
os seus efeitos jurídicos.
A diretiva também não deveria ser pormenorizada ao ponto de retirar ao Estado a
competência para a desenvolver e integrar - esta não pretende fazer valer sem mais todo o seu
preceito, ela deixa espaço a um suplemento normativo de direito interno que ajusta as suas
normas-fim a especificidades de cada ordem jurídica dos Estados-membros. Ou seja, cada
Estado-membro tem uma margem de liberdade conformadora minimamente relevante, para
complementar e ajustar, concretizar as disposições da diretiva.
O que a diretiva impõe são obrigações de resultado, não impõe especificações quanto aos
meios de atingir esses resultados, esses são deixados à ordem interna, os meios é com os
Estados.
Þ Regulamentos:
Norma mais poderosa do que a diretiva; tem uma aplicabilidade direta – vigora no
ordenamento dos Estados-membros sem necessidade de transposição, de incorporação num
ato de direito interno.
Tem outra característica: os seus efeitos jurídicos diretos. O efeito tem a ver com a
hierarquia ou com a força.
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Mafalda Boavida
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O regulamento é aplicável em todos os seus elementos imediatamente, tem eficácia
intersubjetiva, e tem um primado que lhe permite afastar ou desbancar toda a legislação
ordinária contrária e, por maioria de razão, a regulamentação administrativa interna que lhe
for contrária.
Se houver contrariedade ou conflito entre regulamento e direito ordinário interno, o
regulamento prevalece - maior força jurídica do que a diretiva e este é obrigatório em todos
os seus elementos. Muitas vezes existem leis internas de execução do regulamento.
Pode haver regulamentos que defiram para o direito interno normas complementares, mas
isso não é muito comum.
O regulamento vale em todos os seus elementos e com primado sobre o direito ordinário.
Os regulamentos aplicam-se a todos os Estados.
Þ Decisões:
Pode ser norma ou não. São atos jurídicos unilaterais emitidos pela União Europeia, que
são apenas emitidos para alguns Estados Europeus e houve quem entendesse que por não ter
aplicação geral a todos os Estados, mas apenas a alguns, não teria caráter normativo, e
equivaleria a ato administrativo.
O prof. Blanco Morais entende que, não é bem assim. Uma decisão pode ou não ter caráter
normativo, conforme tenha ou não caráter geral ou abstrato.
Se uma decisão que se aplica apenas a 1 ou 2 estados tiver um conteúdo geral e abstrato,
ou pelo menos geral, será norma e pode ser impugnado como tal; mas pode ser ato individual
e concreto- a aí não está natureza de norma jurídica. Isto é, uma decisão é ou não é norma em
razão do seu conteúdo – caráter geral e tendencialmente abstrato.
As decisões operam juridicamente como os regulamentos: têm aplicabilidade direta e
produzem efeitos jurídicos diretos: estes podem ser verticais ou horizontais.
São verticais quando incidem apenas sobre o direito interno; horizontais se interferirem
também com direito dos particulares. Por norma, falamos de efeitos diretos verticais.
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Interceção do Direito Europeu com o Direito Interno
Diz-nos o art. 288 do Tratado de Lisboa que:
Ø O direito Europeu tem influência direta no direito interno, tendo prevalência sobre
os atos legislativos. Tal deve ocorrer com os regulamentos e com as decisões da UE.
Ø As diretivas para operarem têm de ser transportas em normas jurídicas internas – são
normas de resultado. Não existem regras para os meios de incorporação das diretivas.
Se estivermos perante uma situação em que uma diretiva é transposta paro dto. interno,
nos termos que a CRP prevê no art. 112/8, e depois há uma lei sucessiva que revoga essa lei
que assegura a transposição, e essa revogação põe em causa o cumprimento da diretiva, não
há nada a fazer – a lei que transpõe a diretiva é derrogada, a obrigação de resultado da diretiva
pode ser posta em causa pela lei nova e aquilo que pode acontecer é o Estado incorrer em
responsabilidade por não dar execução devida às diretivas da UE e por não cumprir as suas
obrigações.
Existe outra realidade a ter em consideração, que deriva de uma prática e da jurisprudência
do Tribunal de Justiça da UE. Existem diretivas que são qualificadas como diretivas auto-
aplicativas ou diretivas regulamentares, porque o seu conteúdo pormenorizado é análogo ao
de um regulamento da UE – algumas diretivas são de tal modo pormenorizadas que deixam
pouco espaço para o suplememnto legislativo da ordem interna adicionar regras que sejam
respetivas ao regime. A discricionariedade legislativa é muito menor do que uma diretiva
normal.
Se uma diretiva auto-aplicativa, não for transposta nos 2 anos que, em regra, são dados
para que a diretiva possa ser transposta, esta poderá aplicar-se como um regulamento, e se a
Administração Pública estiver perante uma lei ordinária e uma diretiva auto-aplicativa deverá
dar precedência direta à diretiva.
Isto levanta problemas:
Ø Primeiro, não está previsto nos Tratados, derivando antes da jurisprudência e da
prática europeia.
Ø Segundo, há aqui um anaclenismo – o Tratado diz que a Diretiva não tem
aplicabilidade direta e o Tribunal reconhece-lhe maior força jurídica depois de
decorrer o prazo de transposição. Portanto, ela tem efeitos jurídicos diretos em
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Mafalda Boavida
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termos de maior força jurídica, mas não tem aplicabilidade direta, que é um
pressuposto dessa força jurídica.
Ø Muitas destas Diretivas criaram problemas nos Estados, que entenderam que os seus
direitos ou as suas prerrogativas de transposição de Diretivas estavam a ser postas
em causa, e inclusivamente houve uma alteração, durante algum tempo, da prática,
no sentido de não dar um conteúdo tão pormenorizado às Diretivas. Mas tal não
significa que as mesmas tenham desaparecido.
A prática dos órgãos normativos da União Europeia levou a que se pudessem fazer mais
classificações de Diretivas:
Ø Diretivas de Harmonização Máxima: se uma determinada diretiva estabelece um
certo tipo de regras, para serem introduzidas no dto. interno, essas regras têm de ser
aplicadas como tal, não podendo o Estado fixar disposições de dto. interno mais
favoráveis ou menos favoráveis;
Ø Diretivas Quadro e Diretivas de Execução: uma diretiva quadro é uma diretiva
principal que fixa objetivos de natureza geral e depois existem diretivas que
dependem destas e que têm como objetivo desenvolver, integrar e concretizar as
disposições da diretiva quadro. Tanto umas como outras carecem de transposição
para o direito interno;
Ø Diretivas não legislativas: podem existir diretivas e normas de delegação e
delegadas que podem mover-se ao abrigo das diretivas delegantes ou autorizativas.
Para lá destas relações jurídicas de prevalência, terminamos estas relações entre o direito
internacional e europeu e o dto. interno.
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Celebrações de Convenções Internacionais pelo Estado Português
Na ordem jurídica interna, encontramos dois tipos de Convenções: os Tratados
Internacionais e os Acordos Internacionais.
Os Acordos Internacionais, não seguem a forma de acordos por forma simplificada, não
podendo ser designados como tal. A autenticação e vinculação são dois atos separados e,
portanto, os nossos acordos seguem o mesmo regime da Convenção de Viena – regime dos
Tratados Solenes.
Os Acordos e os Tratados, têm entre si elementos muito semelhantes no processo de
expressão do consentimento, ainda que existam algumas diferenças, embora cada vez menos
relevantes.
Ora, como são concluídas das Convenções Internacionais, na ordem interna
portuguesa?
Þ Fase Negocial:
A negociação de Convenções Internacionais é da competência exclusiva do Governo,
nos termos do art. 197/1 alínea b) da CRP. O Gov. negoceia e ajusta as Convenções e, em
regra, o órgão de competência é o ministério dos negócios estrangeiros, sem prejuízo de outros
ministérios poderem intervir e participar neste processo em ordenação e coordenação com
este.
Þ Fase Instrutória:
Coloca-se o problema de saber se há Convenções Internacionais que exigem intervenção
de outras entidades ou a formulação de pareceres obrigatórios.
à Há quem entenda e prudencialmente isso deve ocorrer, se há leis, nomeadamente leis
laborais, que exigem intervenção de sindicatos, associações profissionais, uma intervenção no
sentido da elaboração de pareceres entende-se ser, por identidade de razão, embora isso não
decorra da CRP, que essas mesmas entidades devem ser ouvidas previamente à celebração de
uma Convenção Internacional.
Onde a CRP exige a intervenção de certas entidades externas, tem a ver com as Regiões
Autónomas, que devem intervir na celebração de Convenções sempre que estas tenham
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Mafalda Boavida
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influência nas Regiões – tem de haver um nexo de conexão entre a Convenção e aquilo que é
o âmbito regional ou que diga respeito diretamente à região. Em regra, a intervenção das
regiões faz-se através da designação de um técnico que integre a delegação portuguesa e que
proceda a essa mesma negociação internacional.
Þ Fase Constitutiva:
Envolve uma modificação do status jurídico da convenção na ordem interna – diz respeito
ao momento de vinculação do Estado à Convenção. No que toca aos Tratados Internacionais,
o órgão com competência exclusiva para aprovar os Tratados é a AR.
Existem matérias que são reserva necessária de Tratado, isto é, se as Convenções forem
negociadas a sua aprovação pela Assembleia devem revestir a forma de Tratado (art. 161/i).
Ex: tratados de amizade, defesa, retificação de fronteiras e tratados que respeitem assuntos
militares.
A AR também pode aprovar Tratados, sobre outras matérias, nomeadamente, matérias que
correspondem à sua reserva legislativa (art. 164 e 165), mas neste caso podem revestir forma
de Tratados ou de Acordos, ainda que a AR continue a ser o único órgão competente para os
aprovar.
Surge a questão de saber com que maioria?!
à Ora, regra geral, a aprovação ocorre por maioria simples que é a maioria estipulada
das delegações em órgãos colegiais.
Mas coloca-se um problema, por solucionar, no que toca à aprovação de Convenções
internacionais que integrem a reserva de lei orgânica ou de lei aprovada por maioria de 2/3.
A CRP nada nos diz sobre a matéria, portanto dir-se-ia que, numa interpretação literal, a
AR pode aprovar uma matéria respeitante a uma temática de Lei Orgânica, como defesa
nacional, por maioria simples.
Todavia, há quem entenda que a maioria deve ser a mesma da aprovação das Leis
Orgânicas, se não ficamos numa situação muito paradoxal. Ex: Temos uma lei orgânica em
matéria de defesa nacional com um preceito que tem um determinado sentido, essa lei foi
aprovada por maioria absoluta, e temos, posteriormente, uma Convenção Internacional que é
aprovada por maioria simples, que contém uma norma contrária aquela que consta da lei
orgânica. Mais tarde o aplicador judicial ou administrativo, dá prevalência à Convenção
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Mafalda Boavida
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Internacional sobre a norma de Lei Orgânica, devido ao art. 8/2 da CRP que permite essa
mesma prevalência.
O prof. Carlos Blanco Morais entende que, por uma questão de coerência lógica, estas
convenções que incidem sobre reserva de lei orgânica e reserva de lei aprovada por 2/3, devem
ser aprovadas pela mesma maioria, mas admite que esta seja uma matéria controvertida e não
resolvida ainda.
Þ Fase de Ratificação:
Após aprovação, as Convenções são enviadas para o PR, para ratificação. Este é um ato
livre do mesmo, nos termos do art. 135 alínea b).
Portanto, o PR é livre de não ratificar uma Convenção Internacional por razões políticas
ou por razões de mérito e isso equivale a um veto absoluto não superável por maioria
qualificada. Quanto ao veto jurídico – art. 279/4.
Todavia, a prática demonstra que o PR tem, praticamente desde o início da atual
República, ratificado as Convenções Internacionais aprovadas sobre a forma de Tratado
Internacional.
Volvida a ratificação, a Convenção estará apta a produzir os seus efeitos jurídicos,
relativamente à vinculação do Estado Português.
Se se tratar de um Tratado multilateral, subsequentemente à ratificação, o Estado
Português apresenta no depositário os instrumentos de adesão a essa convenção, por exemplo.
Se se tratar de um Tratado bilateral, a situação será diferente, a Convenção depois entrará
em vigor na data por ela prevista, e depois da sua publicação.
No que toca aos Acordos Internacionais, verificamos que a AR tem competência para
aprovar Convenções Internacionais sobre as matérias da sua reserva legislativa de
competência relativa e absoluta (art. 165 e 164) sobre a forma de Acordo Internacional.
Portanto, em vez de dar a forma de Tratado, pode dar-se a forma de Acordo Internacional.
Excetuam-se as matérias previstas no art. 161 alínea i) – matéria da reserva exclusiva de
Tratado.
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Para lá da competência da AR para a provação de acordos, temos também a competência
do Governo – art. 197/1 alínea c) da CRP. Todas as matérias que não são da reserva da AR
podem ser aprovadas pelo Governo, sob forma de acordo. Isto corresponde, no plano
legislativo, às chamadas matérias da esfera concorrencial. O ano passado, tínhamos estudado
que faziam parte da esfera concorrencial, todas as matérias que não eram da competência da
AR – matérias remanescentes.
No entanto, no plano das convenções, todas as áreas da concorrência da AR e do Governo,
são exclusivamente competência do Governo, não podendo a AR aprovar acordos sobre
matéria que não tenha sido atribuída pelo art. 161 alínea i).
Há aqui uma possibilidade de comunicação de competências: o Gov. pode abdicar da
competência para aprovar um determinado Acordo sobre uma matéria remanescente e diferir
essa competência à AR, que procederá à sua aprovação, em regra, sob a forma de Acordo.
O prof. Blanco Morais entende que, não há objeção a que seja sob forma de Tratado.
Os Acordos Internacionais são aprovados ou pela AR ou pelo Governo, em razão da
matéria e da competência dos órgãos e são remetidos ao PR, para um controlo de mérito.
Cumpre aqui fazer referência a uma questão já doutrinalmente ultrapassada, sobre se o PR
está ou não obrigado a assinar os Acordos Internacionais:
Þ Teoria que vinha do Estado Novo, sustentada pelo prof. Fausto Quadros: o PR seria
obrigado a assinar os Acordos. Houve mesmo quem sustentasse, examinando o art.
8/2.
O prof. Blanco Morais entende que, deveria estar escrito “e aprovação” e não “ou
aprovação”, porque esta expressão dá a ideia efetiva e equivocada de que um Acordo
Internacional bastaria ter sido aprovado pelo Governo ou pela AR para que pudesse produzir
os seus efeitos jurídicos, no sentido de vincular o PR a assiná-lo. Isto é algo que nunca poderia
acontecer, por força da CRP. Esta diz-nos com enorme clareza, no art. 137 que a falta de
promulgação ou de assinatura de um ato jurídico-público pelo PR acarreta a sua inexistência
jurídica, ou seja, um acordo que não tivesse sido assinado pelo PR seria inexistente.
A assinatura de qualquer um dos atos, do art. 134 alínea d), figura a faculdade de o
Presidente promulgar e assinar as resoluções da AR – também as que aprovam Acordos
Internacionais – e os restantes decretos do Governo, nomeadamente os que aprovam Acordos.
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Portanto, a interpretação segundo a qual o PR estava vinculado a assinar não decorre do art.
8/2, nem das competências do PR e, portanto, se o PR não apuser a sua assinatura, isso
equivale a uma na ratificação, o ato nunca poderia ter exigência jurídica. O PR não é obrigado
à assinatura, este é livre para assinar ou não assinar.
O regime da assinatura é um regime idêntico ao da ratificação – uma não assinatura
equivale a um veto absoluto.
Prazos para a assinatura e ratificação
Þ Prof. Jorge Miranda: no que toca à AR, o prazo deve ser de 20 dias porque é o que
é fixado para as leis, logo por identidade de razão;
Þ Prof. Canotilho + Prof. Vital Moreira + REGENTE: não existem prazos para o PR
assinar Acordos ou ratificar Tratados. Logo pode exceder-se este prazo e essa é a
prática. Há Acordos que foram assinados pelo PR depois dos 40 dias (prazo dado
para os DL) e há também tratados da AR cuja ratificação ocorreu depois dos 20
dias. Nesse aspeto, pode ser um pouco perturbante, mas não há prazos
constitucionais para este ato de controlo de mérito presidencial.
Þ Fase de Eficácia Interna:
Art. 119/1 alínea b) - necessidade de as Convenções Internacionais serem publicadas no
Diário da República para que possam produzir os seus efeitos jurídicos, realidade articulada
com o art. 8/2 CRP.
Há depois uma outra questão, que envolveu um debate doutrinal intenso e que chegou ao
TC. Divergências de opinião entre o regente e o Prof. Jorge Reis Novais.
De facto, depois de diversas revisões constitucionais, nomeadamente a de 1997, começou
a surgir um entendimento, segundo o qual, o PR não poderia confrontar-se com uma
situação em que o Parlamento escolhesse livremente a forma a dar às Convenções
Internacionais: Tratado ou Acordo Internacional. Isto porque há uma velha tese, que depois
ganhou espaço, segundo a qual a reserva material de Tratado não se deveria circunscrever às
matérias que figuram no art. 161 alínea i), mas deveria abarcar também outras matérias,
nomeadamente, as matérias remanescentes, nomeadamente, as matérias correspondentes aos
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Mafalda Boavida
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domínios de correspondência legislativa entre AR e Governo, que a CRP atribui
explicitamente ao Governo para aprovação sobre a forma de Acordo Internacional.
Segundo esta tese, toda a disciplina primária ou inovadora, mesmo de matérias
remanescentes (de matérias não atribuídas expressamente à competência da AR) deveriam
poder ser reguladas pela AR sobre a forma de Tratado. Tese defendida pelo Prof. Jorge
Miranda.
E, portanto, uma interpretação desta natureza alargaria muito a reserva de competência da
AR, não só relativamente às matérias remetidas pelo art. 161 alínea i), mas também uma
reserva implícita - todas as restantes matérias remanescentes nas quais a AR estabelecesse
uma disciplina inovadora. O Governo quando muito poderia aprovar Acordos Internacionais
sobre essas matérias, mas Acordos Complementares ou de Execução desses Tratados
aprovados pela AR.
Esta tese foi sustentada depois da presidência de Jorge Sampaio, pela simples razão de
que, o Presidente seguia o entendimento, segundo o qual, enquanto nos Tratados podia recusar
a ratificação, tinha essa faculdade, mas no que toca aos Acordos Internacionais havia a velha
tese de que estaria obrigado a assinar. E, portanto, ele entendeu que esta situação seria
inaceitável sobretudo no que toca à própria AR: esta podia escolher livremente e pode se uma
determinada matéria da sua competência é aprovada por Tratado ou por Acordo - se fosse por
Tratado, PR poderia vetar, isto é, recusar a retificação; se fosse aprovada por acordo, o PR
estaria vinculado a assinar.
O PR entendeu que isto seria inaceitável, dar à AR a faculdade de manipulação de fortes.
Para além de entender que deveria poder recusar a assinatura das Convenções sujeitas à
aprovação do próprio Governo.
E, portanto, vem esta tese expansiva dos tratados sobre os acordos internacionais, que deu
origem a uma crela que teve origem numa convenção entre Portugal e o Chile sobre segurança
social.
O PR entendeu que, essa era uma Convenção que não devia ser aprovada por Acordo
Internacional, aprovada pelo Governo, mas deveria ser matéria de Tratado, porque havia uma
disciplina inovadora e, sendo esta um Tratado, deveria ser aprovada pela AR.
Na altura o presidente alertou que iria enviar esta Convenção para o Tribunal, para
fiscalização. Acaba por ser defendido pelo PR que é uma convenção de concretização, uma
convenção especial, dado que existem convenções de natureza mais vasta e de natureza geral
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e primária no âmbito da segurança social logo o domínio de inovação desta Convenção é
limitado. Nunca se poderia dizer que se tratava de uma disciplina primária ou inovadora.
A questão foi parar ao TC que, na opinião do regente, nada fez. O prof. Mota Pinto foi
quem redigiu um acórdão, mas preferiu não responder devidamente à questão. O que faz este
acórdão é um verdadeiro Tratado (ac. 494/99), com páginas e páginas sobre Acordos
Internacionais antes e depois da Constituição de 1976 e quando se chega à parte mais decisiva
- saber se era Governo ou PR que tinham razão atira-se ao lado, porque o relator do acórdão
acaba por defender que não importa dar razão a nenhuma das partes, defendendo que os
argumentos não se aplicariam no caso concreto, portanto, não deu razão à presidência da
república, mas também não se pronunciou sobre a questão principal. Tal leva a uma revolta
por parte do Prof. Reis Novais, que redige um artigo de grande violência ao TC.
O prof. Carlos Blanco Morais entende que, não há nenhuma reserva necessária de Tratado
conexa à disciplina de uma determinada matéria. A ideia de que qualquer disciplina primária
integra reserva de Tratado, mesmo relativamente a matérias de concorrência legislativa entre
AR e Governo, não tem procedimento.
Isto porque:
Ø Não tem qualquer amparo na CRP. Esta estabelece 2 normas distintas: uma norma
de competências para a AR o art 161 alínea i), e estabelece relativamente ao Governo
na alínea c) do art. 197 aprovar os acordos internacionais cuja aprovação não seja da
competência da AR, portanto, não há aqui nenhuma referência ao facto de ser matéria
primária ou subsidiária, havendo, por isso, reserva material.
Não pode uma interpretação constitucional, sem uma credencial habilitante, que não
existe, esvaziar o Governo de um acervo importante de competências que
explicitamente a CRP lhe comete. Logo seria uma interpretação inconstitucional,
derrogatória da alínea c) do art. 197.
Resumindo, o primeiro aspeto que sustenta a posição do regente é falta de amparo
na normação constitucional e lesão das regras explicitas de separação de
competências para aprovação de Convenções internacionais;
Ø Por outro lado, a posição sustentada pelo Prof. Jorge Miranda: relação entre Tratado
e Acordo era a mesma relação estabelecida entre lei e regulamento.
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O prof. Blanco Morais entende que, isto não ocorre, em primeiro lugar no DIP. Os
Acordos Internacionais não têm uma hierarquia inferior aos Tratados Internacionais,
sendo que há Acordos Internacionais sobre matérias muito importantes.
Portanto, não há uma situação em que haja Acordos Internacionais que possam ser
considerados inválidos por violação de Tratados, exceto se se tratar de um Acordo
Administrativo, que não é a maior parte dos casos.
Tratados e acordos têm a mesma hierarquia, e têm âmbitos materiais e
procedimentos de aprovação distintos, mas não há hierarquia entre eles e muito
menos existe esta relação esta relação de lei e regulamento, nem na ordem
internacional nem na ordem interna.
Ø Depois existe um elemento de debilidade na racio da sustentação da posição do PR
de então no sentido de sustentar uma reserva material de Tratado relativamente às
disciplinas primárias.
O argumento do PR baseava-se na tese segundo a qual o PR estava obrigado a assinar
os Acordos Internacionais e atualmente uma pluralidade de opiniões, como a do prof.
Canotilho e do prof. Jorge Miranda, que entende que, o PR não é obrigado a assinar
Acordos e pode recusar assinatura.
Este argumento retira razão de ser à argumentação do então Presidente da República
– Sampaio – de que estaria inibido de recusar a assinatura. Como não está inibido, e
pode não assinar um acordo internacional não vale a pena estar a criar toda esta
construção, com vista a reforçar poderes presidenciais. O PR já pode não assinar os
Tratados, não necessitamos de para o efeito ter de inventar uma reserva expansiva
material de tratado sobre disciplinas primárias.
Solução: os Tratados aprovados pela AR estão circunscritos às matérias da reserva de
competência da AR previstas no art. 161 alínea i). Esta solução revela maior conformidade
com a CRP. O Governo, em suma, é livre para aprovar Acordos Internacionais, seja ou não
de competência primária, desde que se trate de matérias que não tenham sido correspondentes
à reserva legislativa da AR.
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Fiscalização da Constitucionalidade do Direito Internacional Público
A primeira questão que se coloca é saber se, as normas consuetudinárias são suscetíveis
de fiscalização.
O Prof. Jorge Miranda entende que não.
Mas o prof. Blanco Morais tem uma visão completamente diferente. Este defende que, não
serão suscetíveis de fiscalização preventiva, mas nada impede que possam ser fiscalizadas em
fiscalização concreta ou fiscalização sucessiva.
Claro que o costume é uma realidade imaterial, mas na medida em que haja, por exemplo,
um ato administrativo que se sustente numa norma consuetudinária, independentemente da
questão da legalidade formal, é sempre possível impugnar o critério material de decisão que
está por trás do ato, essa norma consuetudinária. Ou imaginemos que há uma norma
consuetudinária que influenciou o conteúdo de uma lei. Ao impugnar-se em fiscalização
abstrata sucessiva a lei, e se essa lei se subordina a um costume, é possível controlar a
constitucionalidade do costume.
Portanto, quando se diz que um costume não pode ser fiscalizado, é difícil fiscalizar
diretamente um costume, sobretudo em atos administrativos e atos regulamentares que têm de
ter sempre uma lei por detrás.
Contudo, pode haver uma lei que incorpore um costume e até possa dizer no seu
preambulo, nomeadamente no DL, que este resulta e obedece e harmoniza-se com um costume
geral, ou regional que se consolidou sobre essa matéria. Como o costume, como qualquer
outra norma de DIP, faz parte da ordem interna e deve ter precedência sobre a lei, se há uma
lei que incorpora um costume, é possível, impugnando a constitucionalidade da lei, impugnar
também o seu parâmetro de referencia que a lei incorpora, que é o costume. A mesma coisa
se diz relativamente a um ato administrativo que se baseia apenas no costume é ilegal por não
ter lei ordinária ou regulamento por trás de si.
Mas imaginemos que existe também um fundamento no mesmo ato de uma norma
consuetudinária e que essa norma é inconstitucional. Através de uma impugnação, num
tribunal administrativo do ato, impugna-se também a norma (invisível, mas existente) onde o
ato se fundamenta, e essa impugnação pode subir ao TC através de um processo de
fiscalização concreta.
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Portanto, o costume é passível de controlo e, sendo o costume norma, é clara a CRP que
todas as normas que integram a Ordem Jurídica Portuguesa podem ser objeto de fiscalização,
quer concreta, quer abstrata sucessiva. O costume não é uma exceção. Mas isto não quer dizer
que seja normal que o costume seja objeto de fiscalização da constitucionalidade. Nunca terá
acontecido ou se tiver ocorrido terá sido um caso pontual.
O que não é possível em tese é dizer que o costume está excluído da garantia da CRP e da
ação da garantia constitucional.
No que toca às diretivas, para serem controladas necessitam de ser incorporadas no direito
interno. Se tivermos uma diretiva auto-aplicativa, isto é, uma diretiva regulamentar que,
volvido o prazo dado para a sua transposição, se verifique que esse prazo não foi observado e
que não houve transposição, na medida que se entenda, como já aconteceu, que a diretiva, se
for demasiado detalhada ou pormenorizada, produzir efeitos diretos, verticais, ou seja, obrigar
o ordenamento interno desbancando leis ordinárias contrárias, nessa circunstância a diretiva
será passível de fiscalização da constitucionalidade, tal como decorre do art. 280º e art. 281º
trata-se de uma norma que se aplica na Ordem Interna Portuguesa e como tal é suscetível de
controlo.
O mesmo se diga dos regulamentos e das decisões. Mesmo uma leitura exagerada do nº 4
do art. 8º CRP que, nos diga que, o Direito da União Europeia só é suscetível de ser objeto de
controlo de constitucionalidade se colocar em causa os princípios fundamentais de um Estado
de Direito, haveria sempre intervenção do TC se alguém invocasse violação desses princípios
fundamentais do Estado de Direito.
Como essa limitação não ocorre, todos os atos de direito comunitário derivado, violem ou
não princípios do Estado de Direito Democrático, se forem contrários à CRP podem ser
julgados inconstitucionais.
Fiscalização da constitucionalidade das Convenções Internacionais
A Fiscalização Preventiva da Constitucionalidade, que é exercida quer pelo PR quer pelos
representantes da república, que tem que ver com a faculdade de, quando confrontado com lei
ou DL para promulgação, com uma Convenção Internacional sob a forma de Acordo para
assinatura, ou perante uma Convenção Internacional sob a forma de Tratado para ratificação,
o PR pode optar, se tiver nomeadamente dúvidas de constitucionalidade, o PR deve requerer
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a fiscalização. Se discordar da oportunidade política do ato, o PR pode recusar a assinatura ou
promulgação, o que significa um veto absoluto.
Mas, havendo dúvidas de constitucionalidade, o PR deve optar pela fiscalização. A
fiscalização que pode exercer deveria ser, por regra, a fiscalização abstrata sucessiva, que é
uma fiscalização cirúrgica, mas no que toca a Convenções Internacionais faz mais sentido que
o PR exerça uma fiscalização preventiva porque, se houver uma inconstitucionalidade
significativa e se essa for pronunciada pelo TC, não há possibilidade de a convenção ser
assinada ou retificada em princípio.
Nessa perspetiva, o Estado Português não se vinculará em princípio a essa mesma
convenção. Claro que há formas de superação do problema nomeadamente através da
formulação de reservas, mas a fiscalização preventiva dá espaço a que haja uma renegociação
do tratado, sobretudo se for um tratado bilateral, ou a formulação de reservas, tratando-se de
um tratado multilateral, onde é sempre mais difícil renegociar as disposições normativas da
convenção.
No que toca a fiscalização preventiva, o nº1 do art. 278 CRP diz-nos que o PR pode
requerer ao TC fiscalização preventiva de qualquer norma constante de Tratado Internacional
que lhe tenha sido submetido para ratificação, e também de Decreto que tenha sido enviado
para ser assinado sobre a forma de Acordo Internacional.
Pergunta-se se, a norma que estamos a examinar, no fundo, é uma norma completa
e isenta de dúvidas?!
Não é claramente isenta de dúvidas. Parece claro que os Tratados Internacionais podem
ser objeto de fiscalização preventiva, também os Acordos Internacionais aprovados pelo
Governo.
Sucede, todavia, que os Acordos Internacionais que são aprovados pela AR são aprovados
sobre a forma de resolução e não sobre a forma de decreto. Aqui fala-se em Acordos
Internacionais que são enviados pelo PR para assinatura sob a forma de decreto ou cujo
decreto lhe tenha sido enviado para assinatura e, portanto, falta aqui qualquer coisa. O quê?
à É que os acordos internacionais aprovados pela AR, competência que esta tem pelo art.
161, são aprovados sob a forma de resolução parlamentar e não sob a forma de decreto. Então
dir-se-ia, numa interpretação literal, que o PR pode fiscalizar Tratados enviados para
ratificação, acordos aprovados pelo Governo e sob forma de decreto que o PR deve de assinar,
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mas não poderia exercer a fiscalização preventiva sobre resoluções da AR que aprovem
acordos internacionais, porque não há menção aqui às resoluções. Haveria aqui uma situação
em que o PR estaria precludido de o fazer.
Mas não é assim. É claramente uma lacuna devido a uma falha regulatória do legislador
constitucional. Seria irracional que, podendo ser fiscalizados os tratados aprovados por
resolução da AR, não pudessem ser fiscalizados os Acordos, sendo fiscalizáveis os acordos
aprovados por decreto por parte do Governo, não pudessem ser fiscalizados os Acordos
aprovados por resolução parlamentar.
Portanto, faz-se uma interpretação extensiva, com um retoque no elemento literal
(unanimidade da doutrina) no sentido de entender que a expressão decreto (art. 278/1 CRP)
não significa textualmente e apenas um decreto formal do Governo. Decreto será em sentido
amplo, isto é, sinónimo de diploma: um diploma que lhe tenha sido enviado para assinatura,
diploma esse que contem um acordo internacional, logo valerá tanto os acordos aprovados
pelo Governo como pela AR, e a forma de resolução é desconsiderada se não teríamos uma
lacuna, o que conduziria a um resultado desigualitário e até absurdo.
Portanto, todas as convenções internacionais são suscetíveis de fiscalização preventiva da
constitucionalidade.
Segunda questão: se a Convenção Internacional, nomeadamente, se os tratados forem
julgados inconstitucionais pelo TC, existirá uma pronúncia no sentido dessa
inconstitucionalidade e o PR não poderá retificá-los e isso é algo que a CRP clarifica no art.
279/4 - se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade de norma constante do Tratado, este
só poderá ser retificado se a AR o vier a aprovar por maioria de 2/3 dos deputados presentes,
desde que superior à maioria absoluta dos deputados efetivos.
Tal como acontece na Fiscalização Preventiva de Atos Legislativos, no que toca à
fiscalização preventiva de Tratados, o Tribunal pronuncia-se pela inconstitucionalidade e há
várias opções:
Þ AR renegoceia o Tratado;
Þ AR desistir de aprovar o Tratado;
Þ AR, em articulação com o Governo, formula uma reserva;
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Þ AR reaprova a Convenção Internacional por uma maioria qualificada, superando a
decisão do TC e permitindo ao PR poder optar a título final por ratificar ou não
ratificar por razões políticas. O que ele não pode é ratificar sem que a AR tenha
procedido à reaprovação por maioria qualificada.
Sublinhe-se a problemática das reservas. Na hipótese da Convenção Internacional não
ser renegociada, e se isto ocorrer será apresentado ao PR um outro diploma, uma outra
Convenção, pode haver uma situação em que a inconstitucionalidade ajuizada pelo TC recaí
sobre uma norma em especial e aí, o Estado Português pode, se o Tratado o permitir e se não
houver objeções fundamentais de outras partes, formular uma reserva, no sentido de essa
mesma norma não se aplicar na Ordem Interna Portuguesa, ou se aplicar com uma outra
interpretação diferente e vinculativa para depois o Estado português poder consentir ou
formular o seu consentimento relativamente à convenção.
Portanto, uma reserva modificativa, uma reserva de conteúdo interpretativo sem ser uma
mera declaração interpretativa, uma reserva de pura e simples não aplicabilidade dessa mesma
norma na ordem interna.
Ocorrendo a admissibilidade dessa situação, um novo diploma, reaprovado com a reserva
por parte da AR, será presente ao PR e este poderá optar por de novo fiscalizar a
constitucionalidade ou retificar o Tratado.
A fiscalização preventiva permite estas opções de decisão diferentes por parte da AR e,
em última instância, do Governo embora a palavra final seja da AR.
Relativamente aos Acordos Internacionais, os Acordos que são aprovados pelo Governo
se houver uma pronúncia no sentido da sua inconstitucionalidade, o que pode suceder é ou:
Þ Governo desiste deles; ou
Þ Governo renegoceia o acordo internacional; ou
Þ Governo formula uma reserva: um novo diploma com reserva será enviado ao PR
para assinatura.
Coloca-se aqui a questão dos Acordos internacionais aprovados pela AR. Eles estão
amalgamados, quanto aos efeitos da decisão, juntamente com os atos legislativos art. 279/2
CRP- o decreto não poderá ser promulgado ou assinado (tratando-se de um Acordo vale a
assinatura) sem que o órgão que o tiver aprovado expurgue a norma inconstitucional – o
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expurgo deve ser entendido como ou uma renegociação do Tratado, ou com formulação de
uma reserva - ou quando for caso disso o confirme por maioria de 2/3.
Dir-se-ia que, tratando-se de um acordo internacional aprovado pela AR, tal como sucede
nos Tratados, poderia haver a opção de o diploma, depois de ter sido julgado inconstitucional,
ser reaprovado pela AR por esta maioria qualificada.
Há um setor da doutrina, onde milita o Prof. Jorge Miranda, que entende que esta
possibilidade de reaprovação não se aplica aos Acordos aprovados pela AR porque o preceito
fala em decreto.
Os Acordos aprovados pela AR são sob a forma de resolução e não sob a forma de decreto.
Neste caso, a AR não poderia usar o instituto da reaprovação para superar a decisão de
inconstitucionalidade do TC;
O pro. Blanco Morais não concorda com este entendimento. Porque:
à Primeiro aspeto: a AR, relativamente a um conjunto muito vasto de matérias, nos
termos do art. 161 alinea i), é livre para conferir a forma de Tratado ou de Acordo a esse bloco
vasto de matérias - está na sua disponibilidade.
Assim sendo, seria absurdo que a mesma matéria se for aprovado pela forma de Tratado
possa implicar, em caso de decisão de inconstitucionalidade, uma deliberação reversiva de
natureza parlamentar, mas se essa mesma Convenção tiver a forma de Acordo isso já não
possa suceder.
Parece anacrónico que uma mera forma do mesmo conteúdo possa dar origem a estas
soluções distintas.
à Segundo aspeto: problema de identidade de razão e de paralelismo com o regime do
art. 278 - se neste chegámos à conclusão de que, para os Acordos aprovados por resolução da
AR possam ser fiscalizados, a forma de resolução específica não seja tomada em consideração
e a expressão decreto valha como sinónimo de diploma, englobando o decreto em sentido
estrito do Governo ou uma resolução da AR, porque é que a mesma solução, por identidade
de razão, não deve ocorrer aqui no nº 2?
Obviamente que deve ocorrer. Quando se fala aqui no decreto, por identidade razão com
o nº 1 do art. 278 CRP, porque é a mesma solução, a expressão decreto deve ser tida como
diploma, sinónimo de diploma em sentido amplo, abrangendo quer os decretos em sentido
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estrito do Governo, quer as resoluções da AR que aprovem acordos internacionais. Esta parece
ser a solução mais razoável.
Mas coloca-se o problema de este regime cada vez fazer mais desaparecer a distinção entre
acordos e tratados, mas isso deve-se a sucessivas revisões constitucionais, que foram fazendo
aproximação de acordo e tratado por vezes sem consciência.
Fiscalização Abstrata Sucessiva e Fiscalização Concreta
Þ Fiscalização concreta:
Uma convenção internacional pode ser desaplicada se entrar em desconformidade com a
CRP. Claro que existe uma alínea i) um pouco estranha do nº 1 do art. 70 da lei do TC que
nos diz que, numa situação em que uma convenção internacional leve à desaplicação de uma
lei com a qual entra em contraste, deve haver um recurso para o TC por parte do ministério
público ou pode haver por parte dos particulares, o que não faz muito sentido.
Devia ser o contrário: as convenções têm aplicação preferencial e prevalecem sobre as
leis, a questão deveria ser a admissibilidade desse mesmo recurso se uma lei entrar em
desconformidade com a convenção e não o contrário.
Mas é o que está previsto no preceito. O preceito também prevê a possibilidade desse
recurso se a aplicação de uma determinada norma, nomeadamente da convenção
internacional, puser em causa jurisprudência já firmada pelo TC sobre matéria, o que é
razoável porque esta questão da prevalência entre tratados e leis ordinárias é sempre uma
questão mal resolvida.
Havendo esta desconformidade nunca haverá inconstitucionalidade, haverá um problema
de saber qual a norma irá prevalecer sobre a outra - trata-se de uma aplicação preferencial e
não propriamente de uma inconstitucionalidade que gere invalidade da lei que entre em
contraste com a convenção internacional.
A única coisa que se diz em relação à alínea i) é que deveria ter sido formulada de forma
distinta. Portanto, recurso só se houver uma lei a desbancar uma convenção, isso implicaria
uma ofensa indireta ao nº2 do art. 8ºCRP.
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Þ Fiscalização abstrata sucessiva:
A convenção internacional pode ser impugnada junto do TC, e este, se decretar a
inconstitucionalidade da norma impugnada ela será invalidada e, por regra, será expulsa da
ordem jurídica. Portanto, coloca problemas de cumprimento da Convenção.
Se estiver vinculado a um acordo ou tratado e uma norma do Tratado for julgada
inconstitucional, o Estado entra em incumprimento, a não ser que invoque junto dos outros
Estados ao abrigo do art. 46 CV que há uma violação manifesta de uma disposição de
competência incita na nossa CRP, disposição essa que deve ter uma importância fundamental.
Só nesse caso, por violação do seu direito interno, é que o Estado Português poderia invocar
a nulidade da expressão do seu consentimento relativamente a essa Convenção, se for uma
Convenção Multilateral.
Art. 277 CRP – “a inconstitucionalidade orgânica ou formal de tratados internacionais
regularmente retificados, não impede a aplicação das suas normas na ordem jurídica
portuguesa, desde que tais normas sejam aplicadas na ordem jurídica da outra parte, salvo se
tal inconstitucionalidade resultar da violação de uma disposição fundamental”.
Em primeiro lugar, trata-se de uma norma que se aplica apenas em sede de fiscalização
abstrata sucessiva. Fala-se aqui em tratados internacionais “regularmente retificados”. Se já
estão regularmente retificados, entramos no domínio da fiscalização sucessiva, fiscalização
de normas que já serão válidas na ordem interna, em regra eficazes, ou em condições de
produzirem os seus efeitos jurídicos.
Em segundo lugar, aparentemente, esta norma aplica-se apenas a Tratados. No entanto, há
uma corrente na qual o REGENTE se inclui, que entende que a norma deva ser alargada
também a acordos internacionais. No que toca às convenções aprovadas pela AR, em que esta
tem latitude para conferir uma forma ou outra a uma pluralidade muito vasta de Convenções
respeitantes a matéria da sua competência, não faz sentido que se houverem vícios na
Convenção que possam gerar irregularidades, que a irregularidade possa proceder em caso de
Tratado e não proceder em caso de Acordo Internacional.
Portanto, o regente defende uma interpretação extensiva também aos acordos, embora o
preceito fale só em tratados.
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Em terceiro lugar, este artigo aplica-se também a convenções internacionais cujas normas
padecerem de 2 tipos ou formas de inconstitucionalidades: inconstitucionalidades formais e
orgânicas. Isto significa que o artigo não se aplica nos casos em que houver vícios de natureza
matéria.
Em quarto lugar, outra condição de aplicação deste artigo é que as normas viciadas sejam
aplicáveis também na ordem jurídica dos outros estados- princípio da reciprocidade.
Por último, é muito importante que os vícios não sejam graves, ou seja, que os vícios
orgânicos e formais não violem uma disposição tida como essencial ou fundamental.
O que é que se sucede se todos este requisitos se cumularem?
Se os requisitos se cumularem, verifica-se que normas julgadas inconstitucionais e que em
regra deveriam ser inválidas, portanto depois da declaração vão ser expulsas do ordenamento
português e não produzir qualquer efeito, essas normas não serão tidas como inválidas (regra
geral), mas como meramente irregulares. E, sendo irregulares, apesar de viciadas, elas podem
produzir os seus efeitos jurídicos na ordem interna.
A irregularidade é o menos grave dos desvalores clássicos do ato inconstitucional. Temos:
Ø A irregularidade: que pode apenas implicar responsabilidade interna de quem
praticou o ato, nomeadamente disciplinar ou política;
Ø Temos a invalidade: desvalor regras de todos os atos inconstitucionais (art. 3/3
CRP); e a
Ø Inexistência jurídica: vícios mais graves como falta absoluta de forma, coação
usurpação de poderes, falta de assinatura e por identidade de razão falta de
promulgação.
São estes 3 tipos e aqui prevê-se o único caso que a CRP prevê em matéria da aplicação
do desvalor da irregularidade. Ou seja, o ato é inconstitucional, mas apesar disso não será
inválido, e produzir os seus efeitos jurídicos.
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Porque foi consagrada esta disposição?
à Porque é complicado para a ordem jurídica portuguesa incorrer em incumprimento de
uma Convenção Internacional porque ela foi declarada inconstitucional relativamente à suas
normas, se essa inconstitucionalidade é pouco relevante: põe-se em causa pacta sunt servanda
- Estado pode ser obrigado a indemnizar incorrendo em responsabilidade menor declarada
pelo TC.
Portanto, salvaguarda-se esta situação e aquilo que resulta aqui é, em suma, um tratado e
quanto a nós um acordo regularmente retificado ou assinado, que tenha vícios orgânicos e
formais, logo inconstitucionalidades materiais de fora porque consideradas as mais graves,
que se aplique na ordem jurídica da outra parte no que toca a todo o seu preceituado, e em que
a inconstitucionalidade não seja grave- não sejam violadas disposições fundamentais; nessas
circunstâncias, a Convenção Internacional produzirá os seus efeitos jurídicos, apesar de se
encontrar viciada.
Esta disposição resolve o problema das Convenções Internacionais violadoras de
direito interno, à luz do art. 46 CV?
à Não resolve, porque deixa de fora as inconstitucionalidades materiais. Nessa situação,
não há nada a fazer. O TC declara a inconstitucionalidade e o estado português entra em
incumprimento e pode ser objeto de responsabilidade internacional, sem prejuízo de poder
renegociar a convenção, se for uma convenção bilateral em que existe uma maior boa vontade
dos estados, mas renegociar convenções internacionais é sempre um processo demoroso.
O art., no que toca às inconstitucionalidades orgânicas, permite que a CRP, se for uma
inconstitucionalidade de uma disposição não fundamental, resolva o problema, e a CV tem
maior latitude no sentido de se houver uma declaração de inconstitucionalidade de natureza
orgânica, portanto vício de norma de competência que abarcar disposições fundamentais e for
manifesta isso então a CV permite inclusivamente que o estado português possa invocar a
inconstitucionalidade.
Se for uma inconstitucionalidade formal de natureza grave o Estado Português entra
mesmo em incumprimento, porque é uma situação não ressalvada nem na CV nem neste
preceito do art. 277/2 da CRP.
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Claro que há dúvidas do que é uma inconstitucionalidade orgânica e formal que resulte da
violação de uma disposição fundamental. Ex: se for uma convenção internacional que exigiria
em tese a audiência obrigatória de sindicatos, respeitantes a matéria laboral ou de segurança
social, e os sindicatos não foram ouvidos, podemos entender que esta é a violação de uma
disposição não fundamental.
O prof. Blanco Morais entende também que, se houver violação da regra que impõe a
participação das R.A, relativamente a Convenções que lhes respeitem, essa participação, que
não implica poderes de decisão, mas poderes de intervenção, também não constitui a violação
de uma disposição fundamental e, portanto, justifica a aplicação do regime da irregularidade
e de que a norma apesar de viciada produza os seus efeitos jurídicos.
Já situações mais graves como a falta absoluta de forma, ou preterição de regras
fundamentais de procedimento, como se a convenção não é aprovada em votação final global-
não há uma deliberação constitutiva da AR. Da mesma forma que, se a matéria for da
competência da AR e tiver sido aprovada pro Acordo Internacional, aprovado no Governo,
aqui temos uma inconstitucionalidade orgânica que põe em causa uma disposição fundamental
- o Governo apropriou-se de competências normativas constitucionalmente atribuídas à AR.
E vice-versa relativamente à AR se entrar em matérias que são da competência do Governo,
embora aqui haja margem de manobra para a resolução da questão.
Responsabilidade internacional
Esta matéria é relativamente unificado, mas tem algumas especificidades em relação à
responsabilidade no direito interno.
Apesar do regime da responsabilidade ser antigo, e ter vários precedentes na esfera do
direito internacional, a sua codificação é recente. Existe um projeto de artigos da comissão de
Direito internacional sobre a responsabilidade por facto internacional ilícito (adotado em
2001), e anexo à resolução 56/83 da Assembleia Geral das Nações Unidas e foi já um grande
avanço.
A conferencia de Genebra de 1930 não conseguiu adotar um projeto de convenção face às
divergências entre os participantes e, portanto, houve um certo atraso numa 1ª tentativa de
codificação do regime da responsabilidade, foi a comissão de DI que a partir de 55. Essa
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codificação termina em 66, num 1º projeto de artigos da comissão de DI, que não reuniu
grande consenso. O projeto definitivo acabou por renuir um consenso maior.
No domínio da responsabilidade de DI encontramos algumas situações de codificação. A
4ª convenção de Arya de 1967, estabelecia um regime pelos atos cometidos pelas Forças
Armadas em campanha.
Há uma diferença entre os regimes de responsabilidade internacional e de direito
interno. O que caracteriza o regime da responsabilidade internacional é de que, em princípio,
embora com nuances a responsabilidade é objetiva e baseia-se num facto. Ou seja, por um
lado, prescinde do critério da culpa embora gaja aqui algumas nuances nos diferentes casos
internacionais que abordaram a questão; por outro lado, pode até prescindir do prejuízo.
Portanto, dois regimes que habitualmente encontramos no direito interno sofrem aqui uma
particular especificidade.
Encontramos como elementos centrais: o facto ilícito e a imputabilidade/nexo de
causalidade.
Na verdade, a centralidade do facto prescinde de prejuízos. Numa conceção clássica, seria
necessário para haver responsabilidade, haver prejuízo na esfera internacional, mas isso tinha
que ver com uma visão do DI que prescindia do conceito mais institucional de comunidade
internacional e de início de uma verdadeira ordem pública internacional. O facto
internacionalmente ilícito é condição necessária e suficiente, desde que imputável ao Estado,
para o cumprimento da responsabilidade.
A responsabilidade existe e o Estado incorre em responsabilidade, independentemente das
suas eventuais consequências – revolução metodológica e teórica sobre o conceito da
responsabilidade e é uma decorrência de uma visão solidarista da comunidade internacional.
O fundamento principal da responsabilidade é, então, a ilicitude, o que não significa
que não possam existir situações de responsabilidade por atos lícitos. Não se adotou a visão
dos autores sociológicos, que diziam que o grande fundamento da responsabilidade devia ser
o risco, o risco das atividades exercidas na esfera internacional – também esta questão tem
sido debatida, mas não é esse o fundamento principal.
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Antes do facto podemos identificar a existência de uma obrigação internacional. Há
professores que analisam a responsabilidade internacional não começando pelo facto ilícito.
Facto internacionalmente ilícito que gera a responsabilidade:
Ø Tem que haver um erro ou uma falta. Todavia, esta falta não significa que seja uma
falta que implique culpa (alguns autores tentaram sustentar esta tese). Na verdade,
a doutrina dominante e os trabalhos de codificação que seguiram essa doutrina
opuseram-se a essa visão, ou seja, não se exige nenhuma intenção malévola por
parte dos Estados. Essa falta deve ser apenas vista como uma infração ao direito
internacional, foi a solução adotada pela comissão de direito internacional (artigo
2º do projeto).
Ø Atribuição a um sujeito de direito (imputabilidade). Por vezes essa atribuição nem
é sempre direta. Essa atribuição pode verificar-se num facto ou numa omissão.
A culpa pode ter algum papel quando o Estado exerce atividades licitas porque poderá
encontra-se algum papel de culpa na execução dessas medidas licitas.
O facto de a culpa não ser um requisito geral na esfera internacional, não significa que não
possam existir situações nas quais, por tratado, esteja prevista relevância da culpa. Por outro
lado, a existência de uma intenção/dolo, pode ter também alguma relevância, designadamente,
pode desde logo resolver a questão da imputabilidade, facilitando a prova da imputabilidade.
Pode, por outro lado, levar mesmo a uma indemnização penal. Por último, o motivo e a
intenção podem em certos casos ser relevantes para a ilicitude.
É necessário que exista uma obrigação internacional (artigo 4º do projeto da
comissão de DI) – ato de um Estado não pode ser qualificado de internacionalmente
ilícito de acordo com o direito internacional.
Graus da ilicitude – não são sempre os mesmos:
Ø O 1º projeto de DI tinha duas categorias: delito e crime internacional (19º/2). Esta
versão chegou a ser adotada por unanimidade em vários documentos. Mas suscitou
diversas dúvidas e críticas entre os Estados.
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Ø O capítulo III do projeto fala ainda das violações graves das obrigações decorrentes
de normas imperativas de DI, que visa substituir a ideia de crime, por esta outra
situação.
Como é que se determina a ilicitude?
Ø Existe violação de uma obrigação internacional por um Estado, quando o facto do
dito Estado não está conforme ao que lhe é exigido em virtude dessa obrigação,
qualquer que seja a forma ou origem desta – artigo 12º do projeto.
Ø É importante que a obrigação existisse à data da violação.
Obrigações de resultado/comportamento e obrigações de meios:
Ø As obrigações de resultados são fáceis de aferir porque basta confirmar a
desconformidade com o resultado
Ø Nas de meios pode ter que se introduzir uma ideia de negligência devida
Imputabilidade:
A imputabilidade implica que haja sempre uma ligação entre o Estado e as pessoas que
cometeram o ato ilegal (critério geral). Um ato atribuído ao Estado pode tratar-se de uma
decisão de um órgão individual. A atividade administrativa é talvez a área mais comum de
gerar responsabilidade.
Alguns autores tendem a considerar que a atividade administrativa teria que ser de um
órgão superior e não de um subalterno. Essa posição acabou por ser rejeitada pela maioria da
comunidade internacional.
A ideia é de que qualquer atividade administrativa pode gerar responsabilidade.
E a abstenção? Também pode. E a atuação também.
Mais grave ou igualmente grave são as situações em que há uma atividade do Estado em
calara desconformidade com os compromissos internacionais.
A responsabilidade por ato jurisdicional também é admitida, se no entanto, os tribunais
cometerem erros no desempenho dessa tarefa, então as decisões levarão o Estado a violar o
tratado.
Será que um agente incompetente pode comprometer a responsabilidade do Estado?
Ø Foi admitida no artigo 7º do projeto da convenção de Direito Internacional
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Ø Esta situação está em conformidade com a prática e com a jurisprudência
internacional
Danos causados por isto resultar de situações de facto:
É claro que há muito que se considera que o princípio geral é este mas podem haver
situações em que tem que se discutir o grau de controlo
A atuação de qualquer ordem do Estado deve ser tida como uma função do Estado.
Sujeitos de Direito Internacional Público
O que é um sujeito de DIP?
à É toda a entidade que, nos termos de normas do DIP, seja titular de direitos e se encontre
também submetido a deveres ou obrigações. Entidade relativamente à qual normas de DIP
fixem direitos e deveres, e que reconheça capacidade de agir, será sujeito de DIP.
Diferença entre capacidade jurídica internacional e personalidade jurídica internacional
Os sujeitos têm necessariamente personalidade jurídica, isto é, podem ser titulares de
direitos e obrigações; mas nem todos têm uma capacidade de exercício plena, isto é, a
faculdade de poderem agir no âmbito da sociedade internacional através de condutas reguadas
pelo mesmo DIP ou até a capacidade de alguns produzirem DIP.
No que toca à capacidade de exercício, existe uma diferença muito significativa de sujeitos
de DIP.
Há alguns, como o Estado Soberano, e certas Organizações Internacionais, que têm
capacidade de exercício plena para agirem no âmbito do DIP.
Esta capacidade de exercício plena envolve 3 tipos de poder:
Ø Faculdade de celebrar convenções internacionais – ius tractum;
Ø Faculdade de exercerem direito de defesa (ou da guerra classicamente conhecido
por tal, mas com a entrada em vigor da CNU passou a ser reconhecido aos Estados
o direito de desenvolver ações militares em legítima defesa – ius belum;
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Ø Faculdade de abrirem missões ou legações diplomáticas junto de outros sujeitos de
DIP – ius legaciones;
Um sujeito de DIP com capacidade plena pode celebrar tratados, pode desenvolver
ações militares de defesa e pode abrir representações diplomáticas. Claro que nem todos os
sujeitos o podem fazer.
O Estado Soberano é um estado com capacidade jurídica internacional plena, titular de
direitos, garantias, de poder agir como tal – unidade que representa toda uma determina
comunidade humana, tem obrigações a nível das convenções internacionais e vigentes e regras
consuetudinárias, e pode agir de acordo com estas três formas de conduta prototípicas, como
sujeitos de capacidade plena.
No tempo que corre, o Estado Soberano não é exatamente o Estado Moderno que nasceu
depois da Paz de Vestefália, portanto, com o termo das regras religiosas o papado perdeu a
sua influência como uma espécie de organização das nações unidas das repúblicas cristãs. Os
estados afirmaram a sua separação em relação à igreja, reafirmaram nesses 2 tratados
conforme a paz de Vestefália que a soberania para alem de estar agregada ao príncipe, é uma
qualidade do poder do próprio estado e, assim sendo, a soberania passa a estar ligada ao estado
em senti próprio, o território fica definido através de fronteiras determinadas e os Estados são
considerados formalmente como entidades iguais nas suas prerrogativas e não devem poder
interferir nos assuntos internos uns dos outros.
Portanto, caem os últimos elementos do feudalismo, caracterizado por relações de
dependência e vassalagem.
O Estado nascido com a Paz de Vestefália era um Estado comerciante e guerreiro e esta
situação deu origem a uma certa anarquia internacional, com guerras sucessivas e de grande
escala, como a I e II Guerra mundial. A partir do momento em que se percebe que guerras
como essa ameaçavam não só a Europa, mas a humanidade – criou-se ONU, em substituição
da ineficaz Sociedade das Nações.
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Os estados começaram a limitar diâmetros extremos da sua soberania, nomeadamente
através do direito da guerra – a Carta das Nações Unidas impôs que o ius beli se reduzisse à
legitima defesa em caso de agressão.
A partir daí, iniciou-se um período de cooperação entre Estados a nível de Organizações
Internacionais (associações de Estados), e algumas dessas, como a União Europeia, são
organizações de natureza supranacional, isto é, os Estados que dela fazem parte limitam o
âmbito da sua soberania em diversas áreas.
Isto para dizer, para além das características que atualmente imperam a nível da
globalização económica e dos tratados internacionais em matéria de clima e de comércio, que
a soberania dos Estados já não é o que era no período posterior a Vestefália.
Os Estados têm soberania plena, mas isso não quer dizer que possam desenvolver no plano
internacional as ações que bem entendam.
A regionalização, ou seja, a organização de blocos em Organizações Internacionais –
Estados de uma determinada região associam-se e criam uma organização para defesa de
interesses comuns, como o Conselho da Europa e a União Europeia, CEI, todos estes aspetos
passam a limitar um pouco certo tipo de atuações externas dos estados, bem como a
supranacionalidade.
De qualquer forma, quer o Estado Soberano, quer certas Organizações Internacionais
são entidades, sujeitos de DIP, com soberania plena.
Claro que, relativamente a Estados, nem todos os estados se encontram nesta situação –
existem estados com soberania limitada.
Também nem todas as Organizações Internacionais são sujeitos de DIP com características
de plenitude. Isto dependerá daquilo que dispuser o Tratado constitutivo dessa organização
internacional.
Ex: OMS não tem faculdade de exercer direito de guerra. Ja ONU e a União europeia, CEI
podem exercer atividades no domínio militar.
Se uma organização militar tem estas três características como NATO e ONU é sujeito de
DIP com capacidade plena.
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Outras, que tenham apenas alguns destes atributos, como o Conselho da Europa que não
tem ius beli, são organizações de capacidade limitada.
Para além dos sujeitos de DIP com capacidade plena, temos uma pluralidade de sujeitos
com capacidade limitada, como as Organizações Internacionais, suprarreferidas, e outras
figuras como estados de soberania diminuída, como os Protetorados.
Os Protetorados consistem numa figura antiga, sucederam aos Estados Vassalos – um
Estado Suserano que tinha um poder vinculante de superordenação em relação a outros
estados que dele dependiam que eram os estados vassalos.
Ao sistema vassalático sucedeu depois o regime do Protetorado, em que há um Estado
Protetor e um Estado Protegido, sendo que o protetor garante que em caso de ameaça será
defendido pelas forças militares do estado protetor, e o estado protegido assume algumas
obrigações face ao estado protetor, tais como possibilidade de facultar bases militares, e a sua
política externa, de defesa, serão condicionadas por orientações ou mesmo injunções (ordens)
por parte da entidade protetora.
O regime dos protetorados é muito vasto. Ex: protetorado espanhol e francês, sobre
Marrocos. Esse regime formal de protetorado atualmente é pouco comum, mas há um regime
material de protetorado: estados que sem serem designados como protetorados operam como
estados protegidos, como bósnia herzegóvina. Situação efetiva de protetorado embora não
designada juridicamente como tal.
Há outras situações em que certos Estados, por tratado, confiam aspetos da sua
defesa e política externa a outros estados, como o mónaco, que tem um tratado com a frança,
e que já atuou como protetorado.
Há ainda terceiras situações: de facto não de direito, em que um determinado Estado não
é um protetorado, mas opera quase como um Protetorado, que é o que sucede por ex. com o
Kosovo, cuja independência ocorreu por grande pressão da união europeia, é um território que
pertencia à sérvia e a NATO conseguiu separar o Kosovo da Sérvia. Muitos estados europeus
não reconheceram a sua independência. Funciona um pouco na dependência patcícia de quem
protege a sua existência, como a união europeia e a NATO. Materialmente, o Kosovo
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encontra-se num quadro de dependência relativamente a uma série de organizações
internacionais.
Temos também a considerar, a par destes Estados de soberania diminuída, a
considerar os beligerantes e insurretos.
A figura dos Beligerantes no séc. XX era uma entidade com forças que procuravam num
determinado Estado derrubar o poder político e, não conseguindo, dominavam uma parte do
território desse estado e desencadeavam ações armadas contra o poder central.
O reconhecimento dessa força político-militar que dominava uma parte do território como
beligerante significava que essa entidade era considerada como um sujeito de DIP com
capacidade limitada, na medida em que, do reconhecimento como beligerante, resultava um
conjunto de efeitos, a saber:
Ø Violações de convenções internacionais que o Estado onde o conflito armado
decorria pudessem ter lugar em Território dominado pelo beligerante o Estado,
poder central, não seria responsável por essa mesma violação;
Ø Danos, crimes e outro tipo de situações danosas que para terceiros estados ou sobre
cidadãos de terceiros estados ocorressem no território dominando pelo beligerante,
daqui resultado que o Governo do Estado não seria tornado responsável a nível de
quadro jurídico de responsabilidade internacional, pelo ressarcimento
indemnizatório desses mesmos danos ou por incumprimento de obrigações, desde
que elas ocorressem no território dominado pelo beligerante;
Ø O quadro de beligerância permitia a aplicação do direito humanitário de guerra
também ao próprio beligerante, ele torna-se o responsável pelo tratamento
humanitário dado nomeadamente a prisioneiros de guerra e obrigações de respeito
pelos civis. E para além disso tinha capacidade jurídica limitada de celebrar
tratados, nomeadamente tratados que regulassem o conflito ou tratados que
pusessem termo ao conflito militar.
Esta figura distinguia-se do Insurreto. O Insurreto não se considerava, propriamente,
como sujeito de DIP, mas sim uma força armada, uma força guerrilha que, podendo ou não
dominar parcelas de um determinado território- estado, desencadeava ações armadas no
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quadro de um conflito político ou separatista. Os insurretos não eram considerados
propriamente sujeitos de DIP, embora houvesse uma tentativa de que as suas condutas
pudessem ser objeto de uma vinculação pelo menos às convenções de genebra sobre
prisioneiros de guerra, sobre direitos humanitários dos prisioneiros de guerra.
O tempo e a evolução da comunidade internacional levaram a que a figura do beligerante
entrasse em obsolescência, embora haja pontualmente fenómenos que possam ser mais
recentes no séc. XX, as últimas situações em que uma determinada entidade foi considerada
beligerante ocorreram até à II Guerra Mundial.
Desde aí, o reconhecimento como beligerante passou a ser quase inexistente.
Pelo contrário, a figura do insurreto ganhou força. Atualmente, um insurreto que domine
parte do território de determinado Estado, ou que faça incursões relevantes, o insurreto pode
ser reconhecido como sujeito de DIP.
Logo à partida, tem um conjunto de obrigações: o direito humanitário da guerra das 4
Convenções de Genebra é-lhes aplicado por deliberação da ONU. Portanto, estão sujeitos a
certo tipo de vínculos e se cometerem crimes contra a humanidade ou crimes de guerra podem
ser julgados, e em Tribunais Internacionais (isso já aconteceu), crimes cometidos que levaram
ao julgamento dos responsáveis. Por outro lado, foi reconhecido muitas vezes a movimentos
insurgentes ou insurretos se sentarem à mesa de conferências internacionais destinadas a pôr
termo ao conflito e também a assinarem ou rubricarem tratados de paz destinados a pôr termo
a este tipo de guerras ou de conflitos armados. Esses movimentos exerceram o seu ius tractum.
Movimentos insurretos são de facto atualmente sujeitos de DIP, ocupando um pouco a
antiga posição dos beligerantes.
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Ainda existem:
Þ Movimentos de Libertação Nacional:
São essencialmente movimentos políticos ou político-militares que defendem a
independência de uma parcela de território de um Estado, em relação a esse mesmo Estado,
por razões muitas vezes ligadas a identidades étnicas, linguísticas ou culturais. Não basta
haver um partido separatista para que eles possam ser considerados movimentos de libertação.
Um movimento de libertação é um movimento que atua na ilegalidade, que defende a
independência, inclusivamente através de um processo de luta e não é necessário em todas as
situações, mas na maior parte delas recorre à ação armada ou à guerrilha para defender as
causas que reivindica, nomeadamente a independência de um território. Portanto, estes
movimentos ditos de libertação tornaram-se conhecidos sobretudo durante o movimento de
descolonização, a partir dos anos 50 e 60.
Diferença entre movimento guerrilha meramente separatista e movimento de
libertação: o Estatuto Político do Movimento de Libertação significou, por exemplo, na
Organização da Unidade Africana, a possibilidade desses movimentos fazerem parte da
organização, e terem apoio de natureza diplomática e financeira.
Mais tarde, no âmbito da ONU, criou-se um Comité de Descolonização, chamado Comité
dos 24, que de alguma forma passou a patrocinar os movimentos ditos anticoloniais e o
reconhecimento pela Assembleia Geral da possibilidade de estes movimentos serem
conhecidos pelo comité dos 24 como Movimentos de Libertação e puderem figurar como
observadores da ONU, constituía uma forma de legitimação política dessas forças.
No que toca a Portugal, o único movimento de libertação que tinha alguma expressão
territorial era o PAIGC, na Guiné, dado que pelo menos aquando do 25 de abril, nem o
FRAULIN nem outros dominavam permanentemente qualquer parcela do território português
do ultramar. Como se verificou, a continuação da luta armada deu origem a que mais tarde os
estados tivessem reconhecido a independência dos novos territórios, Portugal sucedeu depois
da revolução do 25 de abril, e a natureza destes movimentos como sujeitos de DIP com
capacidade limitada exprimiu-se através da capacidade para criar representações diplomáticas
(ius legaciones), o direito da guerra já o exerciam através das ações armadas, mas também o
direito de tratado acabou por ser plasmado e limitadamente entendido – os únicos tratados que
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estes movimentos podiam celebrar seriam tratados que metessem termo à luta armada e
pudesses implicar processo regulado de independência dos territórios.
Ex: A França celebrou com a frente nacional e libertação da Argélia os acordos de Avinhão
para a independência deste território; Portugal celebrou acordos para a independência da
Guiné e de S. Tomé e príncipe. Houve outros acordos que deram origem à independência de
Angola, acordo do alvor, e independência do Moçambique- celebrados entre o estado
português e esses ditos movimentos de libertação.
Assim sendo, os movimentos de libertação são movimentos com capacidade limitada, que
têm um ius tractum, direito de celebração de tratados limitado, um ius beli efetivo e quanto
ao poder de criação de missões diplomáticas depende.
A partir do momento em que a ONU passou a dar algum palco a estes movimentos, alguns
deles criaram camaras de representação.
Þ Governos no Exílio:
Governos de Estados que foram muitas vezes invadidos ou então Estados que
experimentam uma determinada revolução, em que o Governo legal, não tendo condições para
se manter no respetivo território e segurar o poder político, parte para outro país, criam um
executivo na capital de outros Estados.
Ex: no contexto da II Guerra Mundial, quando os Estados polaco, holandês e belga foram
invadidos pelas forças alemãs, os seus governos partiram para londres onde criaram esses
governos no exílio.
Os governos no exílio têm direito de celebrar tratados, de delegação e supostamente têm
direito de guerra porque para se reconhecer um governo no exílio supostamente têm de se
dominar determinado território.
Þ Individuo:
Sujeito de DIP, com uma capacidade limitadíssima.
Essencialmente, é titular de direitos, ligados à tutela de direitos humanos, regulados por
tratado, e a sua capacidade de exercício é muito limitada, muitas vezes muito ligada a posições
e a queixas.
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Para além de sujeito de direitos, é destinatário de obrigações: o indivíduo não pode cometer
crimes de guerra, crimes contra a paz e contra a humanidade, e se o fizer pode ser
responsabilizado.
Criaram-se, por exemplo, tribunais criminais à doc pelo Conselho de Segurança das
Nações Unidas, para julgar este tipo de crimes, como o genocídio.
Criou-se mais tarde, através do Tratado de Roma, o Tribunal Penal Internacional, que,
todavia, revela uma grande ineficiência pois o Tratado de Roma é um Tratado exaustivo não
só quanto aos crimes tipificados e ao processo criminal, mas este tratado tem uma debilidade,
resultante do facto de os EUA, Rússia, china e estados árabes não terem assinado a convenção.
Não ratificaram a convenção e, sendo assim, esta tem um alcance muito limitado, mas é,
apesar de tudo, um primeiro passo para a efetivação da responsabilização criminal do
indivíduo pela prática de crimes que revelam para o DIP- é o chamado direito penal
internacional.
Reconhecimento do Estado
O Estado é o sujeito de Direito Internacional Público, mas existem coletividades
territoriais que se podem arvorar aos Estatuto de Estado sem terem efetivamente os elementos
constitutivos da realidade estadual.
E, portanto, coloca-se o problema de se saber como é que essas entidades podem ser ou
não reconhecidas na qualidade de Estado pelos outros sujeitos de Direito Internacional
Público.
Uma outra realidade diferente é relativamente a Estados já reconhecidos como parte da
sociedade internacional, haver, eventualmente, uma mudança brusca do respetivo Governo e
se problematizar o reconhecimento desse mesmo Governo pelos governos dos restantes
Estados e pelas estruturas diretivas das Organizações Internacionais.
O reconhecimento corresponde a um ato jurídico unilateral tendencialmente livre,
no seu sentido positivo, ou seja, os Estados e as Organizações Internacionais não são
obrigadas a reconhecer uma determinada coletividade territorial como Estado, tendo assim a
faculdade de não reconhecer. Em certas circunstâncias, pode haver um condicionamento ao
reconhecimento no sentido do não reconhecimento. A Organização das Nações Unidas,
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nomeadamente Organizações regionais como a União Europeia, estabeleceram um conjunto
de condições para o reconhecimento ou certas proibições de reconhecimento de uma
determinada coletividade como Estado.
Portanto, o reconhecimento é, por regra, no seu sentido positivo, um ato livre,
existe liberdade para reconhecer ou não, sem prejuízo de alguns condicionamentos ditados
pelo Direito Internacional e por Organizações Internacionais.
Esse reconhecimento é essencialmente um ato político, portanto o ato de
reconhecimento produz efeitos jurídicos, mas é por natureza um ato político, baseado em
juízos de mérito, sem prejuízo desse ato político se poder basear num conjunto de
pressupostos, quer de facto, quer de direito.
Assim sendo, o reconhecimento pode assumir natureza constitutiva ou natureza
declarativa. Um reconhecimento, por regra, é de natureza declarativa, portanto há uma
declaração em que se atesta uma determinada realidade, nomeadamente que uma coletividade
territorial tem os elementos típicos ou prototípicos da estadualidade.
Em alguns casos, o reconhecimento pode ser constitutivo, ou seja, mesmo que a
coletividade territorial não tenha esses elementos constitutivos, por razões políticas, pode
justificar-se essa decisão de reconhecer. Portanto o reconhecimento de Estado é um ato
unilateral, em regra, com efeitos declarativos que faz o Estado que reconhece à coletividade
territorial reconhecida, é atestar que esta tem um povo, em sentido jurídico, um território, com
fronteiras delimitadas, e um poder político soberano.
Assim sendo, há aqui um quadro de efetividade, que é o facto de esse mesmo poder
político soberano dever exercer uma relação de domínio sobre o correspondente território, daí
que estes elementos sejam elementos fundamentais e existenciais, pois está se aqui a testar
uma situação de natureza fáctica e também jurídica, há um poder que domina com efetividade
um território e existe uma comunidade populacional que tem um vínculo jurídico com esse
mesmo Estado, que é o vínculo da nacionalidade.
E, portanto, não há também efeitos de maior relativamente ao reconhecimento do Estado,
claro que é particularmente importante uma coletividade territorial ser legitimada pela via do
reconhecimento, pelo que o facto de outros Estados atestarem que estamos perante uma nova
coletividade estadual, no fundo, justifica interna e externamente a nova coletividade e o seu
poder político.
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Portanto, dir-se-ia que não existiriam efeitos de maior, em termos problemáticos, mas
isso é apenas uma parte do problema. Sendo o reconhecimento um ato essencialmente
declarativo, atesta-se uma situação de facto que mais tarde terá consequências jurídicas,
existem situações de natureza excecional de reconhecimento com eficácia constitutiva, ou
seja, reconhecimento ou proibição dele.
Do ato de não reconhecimento derivam um conjunto de efeitos de natureza proibitiva
ou condicionada:
Ø Caso do reconhecimento proibido: houve resoluções da ONU, nomeadamente do
Conselho de Segurança, que proibiram, por exemplo, o reconhecimento da
Rodésia.
Ø Reconhecimento condicionado: por exemplo, quando caiu o Muro de Berlim e
surgiram na Europa uma pluralidade de novos estados que declararam
independência e que faziam parte da antiga União Soviética e também estados
autoproclamados. Face a tantos estados que de repente despoletaram e podiam
reivindicar a sua pertença futura à UE, a comunidade europeia, em 1991,
estabeleceu condições muito restritas para os novos estados: não só para integrarem
a UE, mas o seu próprio reconhecimento. Este movimento de auto determinação
implicaria um risco de relativo contágio, sendo um deles estados auto proclamados
que violassem o critério de que as novas fronteiras deveriam coincidir com as
fonteiras dos territórios já existentes; havia o risco de parte destes novos estados
serem regidos por regimes ditatoriais que apresentavam problemas graves de
coexistência de estados democráticos na UE; risco do contágio, ou seja, este
movimento de auto determinação poderia dar origem a que comunidades
populacionais na própria UE para desenvolverem atuações separatistas e
reivindicarem a autodeterminação. O aparecimento deste tipo de situações levou a
UE a resguardar-se: princípio de que os novos estados deveriam ter fronteiras
relativamente estáveis, coincidindo com as fronteiras já existentes; regimes
democráticos; que admitissem princípios gerais de DIP – acabaram por ser um
condicionamento. Com base nestes condicionamentos, a UE acabou por não
reconhecer alguns estados, como é o caso da República da Transnístria (hoje em
dia é um estado independente democrático, mas não é reconhecida pela UE).
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Ø Critérios para o não reconhecimento (doutrina Stimson): criada aa propósito da
Manchúria, território da China que foi ocupado pelo Japão. O Japão acabou por dar
uma independência ficcional à Manchúria e colocou no trono da Manchúria o
último imperador chinês (Pu Yi). Stimson estabeleceu um conjunto de orientações
para não reconhecer a Manchúria, cujo critério dominante era: não se deve
conhecer um estado que tenha sido criado ficcionalmente ou artificialmente num
quadro de separatismo relativamente a outro estado onde esse incluía, desde que
essa independência tenha sido objeto de um ato de força pela intervenção de um
terceiro estado, ou seja, o movimento de autodeterminação tem que ser genuíno e
livre, ou seja, uma força espontânea dentro de um determinado território. Esta
doutrina foi, de algum modo, aceite por muitos estados, dando origem a uma prática
internacional. Claro que os EUA não são o melhor ordenamento jurídico para
sustentar uma doutrina desta natureza porque eles próprios terão criado no Panamá
estados fictícios. Esta doutrina foi discutida por não reconhecer a independência de
territórios não coloniais (auto-determinação externa – atuação separatista pela
força).
Estas situações apresentadas poderão ser classificadas como situações excecionais de
proibição de reconhecimento ou condicionamento ao reconhecimento de estados
independentes.
Reconhecimento do Governo
Novo poder político que num determinado estado assume a autoridade por um ato de força
(golpe de Estado, por exemplo), coloca-se o problema de haver ou não o reconhecimento do
novo governo pelos governos dos outros estados e restante parte da comunidade internacional,
nomeadamente pelas organizações internacionais.
É um ato jurídico unilateral; ato jurídico tendencialmente declarativo; ato jurídico com
conteúdo essencialmente político onde questões que vão desde a factualidade até à maior ou
menos simpatia ou avaliação positiva de um novo governo por outro, termos de afinidades
ideológicas pode ter algum peso mas esta é uma questão bastante complexa.
à Dimensão mais política que o reconhecimento de Estados.
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Os governos habitualmente reconhecem Estados e abstêm-se de fazer considerações sobre
o reconhecimento de novos governos que muitas vezes chegam ao poder pela via de rutura ou
revolucionária.
O reconhecimento de governos é mais problemático, não só em momentos de rutura
revolucionária – ascende novo poder que pode levantar reticências em muitos outros governos
dos Estados em emitir um ato que possa legitimá-los.
Mas é nesses momentos de rutura ou em guerras civis, em que dois governos civis
reivindicam o poder em determinados Estados. Tendência contemporânea, apesar das
exceções – Estados reconhecem outros Estados e abstêm-se de fazer considerações quanto ao
reconhecimento de Governos.
Existem situações parecidas com o que ocorre com os Estados, de declarações de
Organizações Internacionais com peso, como a União Europeia, da ONU, no sentido de
estabelecerem ou recomendações ou mesmo resoluções proibitivas do estabelecimento de
certo tipo de governos.
Reconhecimento de governo - ato usualmente livre dos Estados, mas com resoluções das
Organizações Internacionais que proíbem o reconhecimento de certos governos, passa a
assumir um caráter condicional e constitutivo relativamente àquilo que os Estados-membros
dessas organizações podem ou não reconhecer.
Por outro lado, mesmo sem esse caráter imperativo, se uma organização internacional
como a ONU reconhece um dado Governo e não reconhece outro, isso não pode deixar de ter
peso na legitimação desse mesmo poder.
Reconhecimento de Governos em DIP – ato unilateral através do qual um órgão
competente de um Estado ou admite que um conjunto de pessoas que assumiram o poder
noutro Estado têm a faculdade de o representar como instituições soberanas ou pelo menos o
podem representar nas relações recíprocas entre os dois Estados:
Ato jurídico unilateral, em regra livre, dotado de conteúdo político, e com carater
autónomo pois por regra não depende de previa Convenção Internacional que estipule critérios
de reconhecimento, isto sem prejuízo de ter de respeitar um ato jurídico unilateral e ai deixar
de ser autónomo. Ex: nações unidas estabelecerem critérios proibitivos de reconhecimento;
mas nenhum estado é obrigado a reconhecer. Linguagem utilizada relevante quanto ao facto
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de se entender que o governo de um estado reconhece o governo de outro estado- linguagem
decisiva.
Será que o governo do Estado A reconheceu efetivamente o Governo do Estado B?
reconheceu precariamente? Linguagem importante, e essencialmente política.
Diversidade das expressões do reconhecimento: há declarações solenes, declarações
escritas, declarações orais à imprensa, notas verbais, telegramas e até tweets. Temos aqui um
conjunto de atos que podem contribuir para o reconhecimento explicito.
Formas de reconhecimento implícito: pode não haver uma declaração expressa, mas por
exemplo, pode haver uma troca de embaixadores, que pode ter um peso considerável e ser
interpretada como uma forma de reconhecimento, embora nem todos entendam que assim
seja.
Para efeitos de se perceber, de algum modo, quer para o reconhecimento expresso quer
para o reconhecimento implícito, existe um critério que tem predominado:
Ø Critério da efetividade: Critério mais objetivo. Centra-se na concertação de que
um determinado poder político exerce um domínio efetivo sobre a totalidade ou a
parte mais relevante de um determinado território. Ex: se um Governo tem um
domínio real sobre a maioria do território, dominando o aparelho de Estado,
controlando a população, o critério da efetividade pesa no ato de reconhecimento.
Nomeadamente quando há governos reais.
A prática diz-nos que os atos de reconhecimento não têm de ser atos de simples
reconhecimento. Pode haver reconhecimentos condicionados: sujeitos a condição e com a
possibilidade da sua retirada.
A doutrina divide-se muito, mas o prof. Blanco Morais defende que há reconhecimentos
condicionados e sujeitos ou a alterações fundamentais de circunstâncias ou outro tipo de
modificações que podem justificar a sua revogação, a sua retirada e muitas vezes
reconhecimentos sujeitos a uma condição.
Muitas vezes, e esta é uma distinção importante, os governos que surgem de um quadro
revolucionário podem ser reconhecidos por outros governos como: executivo de iure (de
direito) e executivos de facto.
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Ordinariamente, quando havia um movimento revolucionário e um poder que podia
dominar a situação, vários Estados reconheciam esse Governo como um Governo de facto,
mas ainda não como um Governo de direito. Isso só ocorria quando esse mesmo poder
passasse a ter uma institucionalidade própria e a dominar a situação política.
A doutrina que impera relativamente ao reconhecimento é a doutrina da efetividade.
Houve 2 grandes correntes doutrinárias:
Ø Doutrina da legitimidade; e
Ø doutrina da efetividade.
A doutrina da legitimidade entende à justificação do poder.
Ø Doutrina Tobar: só se deveriam nascer governos nascidos de eleições
democráticas. Esta doutrina Tobar foi seguida por outra doutrina defendida nos
EUA - doutrina Wilson, também favorável ao reconhecimento baseada na
legitimidade democrática.
Mas a doutrina que se impôs foi a da efetividade: o aparelho do Estado controla-se o
território, as forças armadas exercessem um poder que envolvesse uma aceitação mínima por
parte da população. Atualmente pontifica a doutrina da efetividade (ou Estrada), sem prejuízo
de em certas circunstâncias, por razoes políticas ou ligadas a resoluções das organizações
internacionais, pode pontificar a doutrina da legitimidade.
O reconhecimento pode ser relevante nos dias de hoje. Mas pode não ser bem assim, o
regente acha que o reconhecimento ainda tem relevância.
Os tribunais costumam seguir aquilo que é determinado pelos respetivos Governos.
Países continentais como Portugal e frança - doutrina da efetividade quanto à ação dos
tribunais - têm em conta o reconhecimento ou não dos Estado onde os tribunais decidiam, mas
os tribunais podem atender a outros fatores como a efetividade- quando há controvérsias como
sobre titularidade de patrimónios, os tribunais podem atender sobre quem tem o domínio
efetivo e comprovado sobre o território de um determinado estado, qual dos Governos é que
tem, havendo 2 governos rivais. Se as declarações de reconhecimento do Governo do próprio
Estado coincidiram com essa mesma efetividade, tudo se tornará mais fácil.
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Matéria semiadormecida e que passou a ter relevância mais recente devido à problemática
da existência de Governos rivais.
Domínio dos Sujeitos de Direito Internacional Público analisados na especialidade
Estados: sujeitos de DIP com capacidade plena. Outros sujeitos de DIP como
protetorados, movimentos insurretos etc. tinham capacidade limitada.
Organizações Internacionais: algumas têm capacidade plena, aquelas que tivessem:
Ø Direito de celebrar tratados - ius tractum;
Ø Direito de defesa- ius belum; e
Ø Direito de representação diplomática- ius legations.
Enquanto outras, não tendo estas três capacidades, não teriam essa capacidade plena.
Mas o que é uma organização internacional?
Consiste num sujeito de DIP que resulta da associação de sujeitos de DIP, em regra
Estados. Portanto, estados associam-se, para constituir um outro sujeito de DIP que visa
prosseguir objetivos comuns a todos eles. Para esse efeito, teriam uma entidade personalizada
– com personalidade jurídica e capacidade de exercício –, com instituições própria- órgãos
específicos, e que se encontra regida por normas internacionais, logo à partida o tratado
institutivo da organização.
Como nasceram?
No séc. XIX, através de comissões administrativas para a gestão de bens comuns,
nomeadamente as comissões fluviais no Reno e no Danúbio, formados por vários Estados que
se associaram para criar órgãos destinados a regular a navegabilidade em rios que cruzassem
diversos estados. Também as uniões administrativas e aduaneiras, uniões alfandegárias entre
Estados para que se pudesses reduzir as tarifas na circulação de mercadorias, envolveram
muitas vezes o génese dessas entidades, com órgãos próprios. Estas associações
desenvolveram-se, começaram a proliferar na passagem do séc. XIX para o séc. XX, criaram-
se organizações relevantes como a união postal internacional, Estados que se associaram para
o uso de telégrafo como meio de comunicação, e sociedade das nações- criada na sequencia
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da vitória dos Aliados na I guerra mundial, destinada e precludir a eclosão de novos conflitos,
o que fracassou porque não conseguiu impedir a ocorrência da II guerra mundial; funcionava
por unanimidade. Estados como URSS e EUA não ratificaram o tratado da sociedade das
nações.
Posteriormente, a ONU foi criada na sequência da vitória aliada na II guerra mundial e a
partir daí multiplicaram-se exponencialmente as organizações internacionais. 1945- marco
para o grande desenvolvimento das organizações internacionais e hoje em dia fala-se de
regionalização quando os estados, em função de certas áreas geográficas ou de interesses, se
começam a associar. EX: na Europa temos a união europeia e o Conselho da Europa; união
africana. Há uma certa regionalização geográfica em blocos. NATO- em função da defesa
coletiva, associa não só estados europeus, mas também americanos.
As modalidades de instituição das organizações em regra baseiam-se na sua criação por
tratado multilateral. Todavia, há situações em que as organizações são criadas por ato jurídico
unilateral de outras organizações- como a OMS, criada por resolução da ONU; por outro lado,
há organizações que foram criadas no âmbito de conferencias internacionais- como a
organização de segurança e cooperação na Europa.
Tipologia das organizações internacionais:
Ø Critério da estrutura jurídica:
o Organizações intergovernamentais: concedem maior protagonismo à
soberania dos Estados; por regra, não existe limitação/transferência da
soberania dos Estados, em favor da organização. Os Estados associam-se e
os representantes dos Estados acedem aos órgãos dessa organização
internacional como representantes dos Estados. EX: Conselho de Segurança
das Nações unidas- membros permanentes e membros eleitos, que atuam
em defesa dos interesses dos respetivos Estados e seguem as instruções
diplomáticas das respetivas chancelarias. Visam estabelecer relações de
coordenação entre as diversas soberanias, tendo em vista a prossecução de
interesses coletivos comuns. O processo de decisão é, em regra por
unanimidade, ou pode ocorrer por maioria qualificada- pela necessidade de
tomar decisões de forma ágil e sem bloqueios;
o Organizações supranacionais: associações de Estados que limitam a
respetiva soberania para a delegar na organização internacional. Temos
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relações de superordenação- os órgãos da organização internacional têm a
faculdade de emitir atos jurídicos unilaterais que vinculam todos os Estados
e que limitam a respetiva soberania. O nº6 do art. 7º da CRP diz-nos que no
âmbito da construção jurídica europeia, o estado português aceita colocar
em comum um conjunto de competências que serão exercidas ou
conjuntamente ou pela própria União Europeia. A União Europeia é uma
associação de Estados de natureza supranacional porque os Estados limitam
a sua soberania e delegam faculdades da mesma na União e fazem-nos
através de tratados institutivos, o que não impede que os Estados possam
sair da organização, entrando em recesso relativamente ao tratado
institutivo, como aconteceu com o caso do Reino Unido, cuja saída da
União Europeia ainda não se encontra totalmente comtemplada. Por outro
lado, nas organizações supranacionais existem órgãos próprios da entidade
em que os membros, apesar de oriundos dos diversos dos Estados, quando
assumem o cargo não o fazem em obediência às instruções ou orientações
das respetivas chancelarias, exercendo esse mesmo cargo com
independência e com observância das regras que constarem do tratado
institutivo da organização.
É difícil dizer que as organizações intergovernamentais ou supranacionais podem existir
em estado martirologicamente puro.
Ex: ONU, que é uma organização intergovernamental, em que a assembleia geral das
nações unidas é composta por representados dos Estados, o mesmo com o Conselho de
Segurança; mas existem situações de supranacionalidade nesta organização
intergovernamental, há elementos impuros: casos do secretário geral, que age em nome da
organização- não está subordinado a orientações do Governo português; e existem certo tipo
de deliberações dos órgãos – Conselho de segurança – que têm caráter obrigatório para os
Estados e produzem diretamente os seus efeitos jurídicos, o que é um elemento típico da
supranacionalidade.
Portanto, ONU organização intergovernamental, com elementos supranacionais. O mesmo
sucede com a União europeia ao contrário: é uma organização supranacional, com elementos
intergovernamentais.
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Ex: no Conselho Europeu ou Conselho Económico-financeiro onde está o ministro das
finanças, no que toca ao conselho europeu os representantes dos Estados, enquanto tomem
decisões coletivas, recebem instruções dos respetivos estados, para defesa dos seus interesses,
sem prejuízo de depois a deliberação ser imputada a toda a organização. Portanto, a União
Europeia é uma organização supranacional com alguns elementos impuros de
intergovernamentalidade.
Ø Critério do objeto
o Organizações de fins gerais: fins políticos, de defesa, de cooperação
económica e cultural. EX: ONU, União Europeia.
o Outras organizações que tendencialmente prosseguem fins políticos,
como o Conselho da Europa, nomeadamente na tutela de direitos
fundamentais, organizações de fins militares, como a NATO e foi o caso de
Pacto de Varsóvia (liderado pela União Soviética), organizações de fins de
natureza jurídico-económico: OCDE; organizações de fins sociais: como
OMS e a organização internacional do trabalho.
Ø Critério do espaço e do âmbito espacial ou territorial de atuação:
o Organizações universais: associam todos os Estados que compõe a
sociedade internacional. Ex: ONU;
o Organizações regionais: têm uma componente geográfica. Ex: união
europeia, união africana.
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Organização das Nações Unidas
Quanto à expressão Nações Unidas muitos pensaram que poderia significar todos os
membros da Sociedade internacional, mas não. Esta corresponde aos principais aliados que
combateram o eixo durante a II Guerra Mundial - EUA, União soviética, Reino Unido, França
e China eram as Nações Unidas. Criada por estes Estados através da assinatura da Carta das
Nações Unidas, em 1945.
Os seus objetivos eram: preservar os povos do flagelo da guerra, reafirmar a fé nos
direitos fundamentais, criar condições de justiça e de respeito pelos tratados fundamentais e
promover o progresso social e as condições devidas das pessoas em liberdade.
Depois de assinada, outros Estados aderiram. Atualmente, integra quase todos os estados
soberanos da Sociedade Internacional. Houve um alargamento.
Quais os fins e os princípios da carta?
à Art. 1/1: manter a paz e a segurança internacionais e tomar coletivamente medidas
efetivas para evitar ameaças da paz, reprimir atos de agressão ou evitar ruturas da paz.
Artigo importante, pois, as Nações Unidas contam com uma força militar de intervenção
fornecida pelos Estados – os capacetes azuis.
Assim, as nações unidas não só podem tomar ações destinadas a evitar a rutura da paz por
via diplomática, através de sanções ou reprimir também atos de agressão, através de sanções,
muitas vezes também através de forças militares.
Para além de medidas efetivadas tomadas para evitar atos de agressão, manter a paz,
utilizar os meios pacíficos para a resolução de conflitos, as Nações Unidas propuseram-se a
fazer aquilo que a Sociedade das Nações não conseguiu fazer após a I Guerra Mundial e que
culminou numa II Guerra:
Ø Art.1/2: Desenvolver relações amistosas entre os Estados na base do princípio da
igualdade, da autodeterminação dos povos (decidir o seu próprio destino, para
povos coloniais). São aqui definidos dois princípios importantes à igualdade de
direitos entre os Estados e garante o princípio de autodeterminação dos povos.
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àObjetivo económico-social: conseguir uma cooperação internacional para resolver
problemas de caráter económico, cultural, social, humanitário;
à Respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, sem discriminação
de raça, língua etc. Isto nem sempre é garantido pois das nações unidas fazem partes regimes
ditatoriais, regimes autoritários etc. Todos devem, em tese, respeitar os direitos humanos e as
liberdades fundamentais, o que não sucede em muitos casos. Pacto dos direitos político e dos
direitos sociais.
à As nações unidas serem um centro impulsionador de harmonização, de objetivos
comuns.
Sendo estes os fins da ONU, esta pauta-se também por princípios.
Princípios positivados no art. 2:
Ø Princípio da igualdade dos seus membros: assembleia geral das nações unidas
podem todos nomear até 5 representantes, mas é uma igualdade semântica devido
às relações de força. Conselho de segurança-desigualdade nos membros
permanentes- EUA, Rússia, China, Reino Unidos e França- todos têm um voto,
mas o seu voto conta mais sendo que se votarem contra, o voto negativo de um dos
membros permanentes significa um veto- poder de impedimento. Todos os
membros devem dar assistência necessária às nações unidas e devem abster-se de
dar auxílio a qualquer estado contra o qual as nações unidas agirem.
Ø Princípio de boa fé: devem cumprir exigências e obrigações constantes da carta;
Ø Resolução de controvérsias por meios pacíficos: arbitragem, vias políticas como
mediação, inquérito de conciliação;
Ø Paz, segurança e justiça internacional são princípios de ordem publica internacional
que todos os membros devem seguir.
Ø Princípio de não ingerência da organização nos assuntos que dependam
essencialmente da jurisdição de um Estado- nº5. Há assuntos essencialmente
internas que as nações unidas estão inibidas de se imiscuir- direito penal, regimes
políticos etc. Mas a expressão é um pouco ambivalente e as nações unidas têm
interferido em assuntos internos dos estados.
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Membros da organização:
Ø Membros originários: 5 estados que assinaram a Carta, em 1945;
Ø Estados que foram sendo admitidos.
Art. 4º/1: a admissão como membro da ONU fica aberta a todos os Estados amantes da
paz que aceitarem as obrigações. Convenção aberta e que aceitarem obrigações dela
constantes.
Assembleia delibera por maioria de 2/3, por proposta do Conselho de Segurança.
Art. 5: Os membros que entram, também podem ser suspensos ou expulsos. Se houver
sanções, ações preventivas tomadas pelo Conselho de Segurança, há possibilidade dos
membros da assembleia geral poderem ser alvo de sanções- como retirada de certos direitos,
por exemplo direito de voto na assembleia geral – esta suspensão dos direitos no todo ou em
parte que decorre por proposta do conselho de segurança, e de uma deliberação favorável da
Assembleia Geral também tomada por 2/3. Estas situações são extremas.
Com ações coercitivas ou com sanções pode haver situações em que um membro das
nações unidas viola persistentemente os princípios e obrigações da carta- se isso suceder esse
membro pode ser expulso: situação extrema. A mesma maioria.
Art. 7: Órgãos da ONU
Ø Assembleia Geral:
Constituída por todos os membros das Nações Unidas, órgão plenário e colegial; cada
membro não deve ter mais do que 5 representantes na assembleia e cada membro só tem
direito a 1 voto.
Quais as atribuições da Assembleia Geral? É o órgão principal da ONU? Não. Embora,
segundo o art. 10, possa discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem no fim da
carta, existe uma exceção:
o Art. 12: se a Assembleia Geral estiver a discutir determinada matéria e o Conselho
Segurança resolver intervir, a Assembleia Geral suspende a sua intervenção nessa
mesma questão.
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Art. 10: a Assembleia Geral pode fazer recomendações aos membros das nações unidas e
ao conselho de segurança
Ainda que tida como uma competência limitada, uma vez que não se trata de deliberações
com efeitos jurídicos constitutivos, mas sim recomendações – não têm efeito vinculativo. Não
ocorre bem assim, uma vez que, existem recomendações sucessivas.
Criação de um direito consuetudinário de descolonização baseado na ideia de que as
recomendações criaram princípios e regras que passaram a ser assumidas por muitos estados
com a convicção de obrigatoriedade no futuro.
Art. 11: manutenção da paz.
Art. 12: enquanto o conselho de segurança estiver a exercer as funções que a carta que
atribui, a assembleia geral não pode fazer nenhuma recomendação a esse respeito. art. 3º-
elenco das recomendações que a assembleia geral pode fazer.
Art. 18: Critérios de deliberação e de votação. O art. 18/2 estabelece que, as decisões da
Assembleia Geral que, versam sobre questões importantes são tomadas por maioria de 2/3.
Surge aqui um elenco que, parece ser exemplificativo. Estas questões compreenderão-
para la da lista apresentada, poderá haver outras questões. As elencadas são recomendações
relativas à manutenção da paz, eleição dos membros não permanentes do conselho de
segurança.
Art. 17: a assembleia geral aprovará o orçamento da organização. Decisões sobre outras
questões- aprovadas por maioria dos membros presentes e votantes, isto é, maioria simples.
Pode haver outros assuntos, e daí a lista exemplificativa do nº 2 do art. 18, passíveis de ser
aprovadas por maioria de 2/3 e a assembleia assim decide fazê-lo. Os restantes, tomados à
pluralidade de votos.
Art. 19: não parece ser muito aplicado.
Art. 20 e 21: Quanto às suas reuniões, a Assembleia reúne-se em sessões anuais regulares
e depois em sessões especiais para os quais pode ser convocado, que são exigidas pelas
circunstâncias. Estas sessões especiais, em função de problema emergente, serão convocadas
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pelo secretário geral ou a pedido do Conselho de segurança ou a pedido de uma maioria de
membros. Cada sessão anual terá o seu Presidente.
Ø Conselho de Segurança:
Art: 23: Este é composto por 15 membros, dos quais 5 permanentes e 10 eleitos.
à 5 membros: EUA, Federação Russa, China, Reino Unido e França – membros
permanentes, potenciais vitoriosas na II guerra mundial.
à Depois a assembleia geral das nações unidas elege os outros 10 membros.
Necessidade de distribuição geográfica equitativa destes membros não permanentes, que
são eleitos por períodos de 2 anos. Nenhum membro não permanente que termine o seu
mandato pode ser reeleito para o período subsequente. Cada membro do conselho de
segurança terá 1 representante.
Art. 24: visa assegurar a ação por parte das nações unidas relativamente a controvérsias e
litígios essenciais – função na manutenção da paz e agirá de acordo com os princípios e
obrigações da carta. Os membros das Nações Unidas devem concordar e aceitar as resoluções
do conselho de segurança, especialmente as tomadas ao abrigo do Cap. VII.
Art. 27: Aqui não é veto se for uma questão fundamental. Maioria de 9 membros em 15.
Em todos os outros assuntos que não sejam procedimentais, diz o nº3 do art. 27º, são tomadas
pelo voto afirmativo de 9 membros, incluindo o voto de todos os membros permanentes.
Literalmente, se um dos membros permanentes não votar favoravelmente, isso equivalerá a
um veto.
Mas as coisas não são exatamente assim. A prática tem revelado que eles se podem abster,
não necessitante de voto positivo. A abstenção não vale como veto- costume derrogatório de
uma convenção internacional.
O que é uma questão procedimental e o que são as outras questões todas que exigem que
nenhum dos membros permanentes veto?
àIsto depende de uma deliberação do conselho, que não pode ter veto dos membros
permanentes. Poderíamos chegar ao ponto de considerar uma questão procedimental só para
“fugir” ao veto. Logo a deliberação que identifica uma questão como procedimental ou não,
pode ser objeto ela própria de um veto dos membros permanentes. A sua vontade pesa porque
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têm possibilidade de vetar essa deliberação inclusiva da matéria como sendo meramente
procedimental. Temos um duplo veto: os membros permanentes vetam primeiro em caso de
dúvida se uma questão é ou não procedimental e não o sendo, na medida em que haja uma
deliberação sobre as mesmas, os membros permanentes exercerão o seu voto, que se for
negativo redondeará num veto.
Ø Conselho económico e social
Ø Conselho de tutela- já não tem funções.
Ø Um tribunal internacional de justiça- sede na Haia.
Ø Secretariado geral, sem prejuízo da criação de outros atos órgãos subsidiários.
Por vezes existem práticas que geram costume e que passa a ter efeito integrativo e
complementar dos tratados, menção a um secretariado: dá ideia que se trata de um órgão
puramente administrativo e gestionário da ONU. Mas não é assim.
A pratica demonstrou o surgimento de um órgão que já esta presente na Carta, mas não
está aqui enumerado: secretário geral das nações unidas – gere a administração das Nações
Unidas, mas exerce um papel relevante como mediador de conflitos internacional e órgão que
coloca assuntos na agenda de outos órgãos da ONU. A expressão secretariado que aqui está
deve ser substituída pela expressão secretário geral.
Legítima defesa – única possibilidade de uso da força, no âmbito da carta das nações
unidas.