Salário Mínimo e Distribuição de Renda (2012)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE ECONOMIA
LINCOLN PRADO RABELO
SALÁRIO MÍNIMO E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO PERÍODO
RECENTE: A REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA ATRAVÉS DA
VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO
Uberlândia
2012
LINCOLN PRADO RABELO
Matrícula 3042112-4
SALÁRIO MÍNIMO E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO PERÍODO
RECENTE: A REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA ATRAVÉS DA
VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO
Monografia apresentada ao Instituto de Economia da
Universidade Federal de Uberlândia, como requisito
parcial à obtenção do título de bacharel em Ciências
Econômicas.
Orientadora: Profª. Drª. Rosana Aparecida Ribeiro
Uberlândia
2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE ECONOMIA
LINCOLN PRADO RABELO
SALÁRIO MÍNIMO E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO PERÍODO
RECENTE: A REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA ATRAVÉS DA
VALORIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO
Monografia apresentada ao Instituto de Economia da
Universidade Federal de Uberlândia, como requisito
parcial à obtenção do título de bacharel em Ciências
Econômicas.
Uberlândia, 02 de Julho de 2012
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Profª. Drª. Rosana Aparecida Ribeiro
____________________________________________
Prof. Dr. Ebenézer Pereira Couto
____________________________________________
Profª. Me. Camila do Carmo Hermida
Aos mais de 13 milhões de brasileiros que sobrevivem
abaixo da linha de extrema pobreza, que são
constantemente castigados pelos horrores da violência e
da fome.
AGRADECIMENTOS
Não poderia deixar de agradecer, após esses anos de graduação, aos que me
ensinaram, me ajudaram, me motivaram, me direcionaram e me orientaram. O processo de
aprendizagem nem sempre é rápido, fácil e indolor, e durante esse processo a vida não para,
muito pelo contrário, continua a todo vapor. Com o passar do tempo, maiores são as
responsabilidades adquiridas, e maior é o tempo que necessitaríamos para lidarmos com todas
elas. Quando paramos para refletir, olhamos para trás e notamos que muito deixamos de fazer.
Deixamos de estudar um pouco do que deveríamos e até do que gostaríamos, deixamos de
dormir o tempo que deveríamos, deixamos de freqüentar os locais que gostaríamos, e
deixamos de dar a devida atenção às pessoas que gostaríamos.
Agradecimento especial, portanto, a minha mãe, Luizabete Borges do Prado, pelo
apoio, pela força, pela cobrança, pelo sustento e pelo amor com que me muniu durante todo
esse tempo. Agradeço ao meu pai, Clévis Natal Rabelo, e a minha irmã, Michelle Prado
Rabelo, pelo apoio e pela compreensão com que toleraram minhas ausências. Agradeço a
minha noiva, Adriana Aparecida Vieira, que me motivou e me encorajou em todos os
momentos a conclusão deste trabalho. Amo vocês de forma incondicional!
Agradeço a todos do IE/UFU pelo aprendizado adquirido ao longo desses anos. Tive a
oportunidade de estudar com ótimos professores, que me ensinaram muito além dos livros.
Agradeço ao professor Charles Brown pela solidária doação de um exemplar de sua
obra. Com certeza, foi muito útil!
Agradeço, em especial, a minha orientadora, professora Rosana A. Ribeiro, que com
paciência, sabedoria e disposição, me direcionou durante essa empreitada. Não foram poucos
os momentos de dúvida sobre que caminho traçar ou quais autores ler. A ela devo muito do
que aqui escrevi.
RESUMO
RABELO, Lincoln Prado. Salário mínimo e distribuição de renda no período recente: a
redução da desigualdade de renda através da valorização do salário mínimo. 2012.
Monografia (Graduação em Economia) – Instituto de Economia, Universidade Federal de
Uberlândia, Uberlândia, 2012.
O objetivo desta monografia é analisar a relação existente entre o aumento do salário mínimo
e a redução da concentração de renda no Brasil, no período delimitado entre os anos de 1995 e
2009.
Para tanto, foram abordados alguns tópicos da literatura nacional e internacional acerca do
tema, com argumentos a favor e contra as elevações do mínimo, além de evidenciados alguns
resultados encontrados na literatura nacional.
A proposta do trabalho é demonstrar a relação existente entre o aumento do salário mínimo e
a redução da desigualdade, argumentando a favor da literatura que descreve o salário mínimo
como importante instrumento de distribuição de renda e combate a pobreza.
Os resultados encontrados convergem com a maior parte da literatura destacada. A correlação
linear encontrada entre o salário mínimo real o coeficiente de Gini suscita um forte
relacionamento negativo entre as duas variáveis, o que indica que o aumento do salário
mínimo está relacionado a redução da concentração de renda.
O salário mínimo se configura, portanto, como importante instrumento de política
distributiva, capaz de reduzir a dispersão salarial e a desigualdade de renda.
.
Palavras-Chave: Salário Mínimo. Distribuição de Renda. Concentração de Renda.
Desigualdade de Renda.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1. Evolução do Salário Mínimo Real (R$ de 2009) e do Coeficiente de Gini – 1995 a
2009 .......................................................................................................................................... 38
Gráfico 2. Evolução do Salário Mínimo Real (R$ de 2009) e da Razão Entre a Renda Média
dos 20% Mais Ricos e 20% Mais Pobres – 1995 a 2009 ......................................................... 39
Gráfico 3. Evolução da Proporção de Pobres, Extremamente Pobres e do Salário Mínimo Real
(R$ de 2009) – 1995 a 2009 ..................................................................................................... 41
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEA Instituto de Economia Agrícola
INPC Índice Nacional de Preços ao Consumidor
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPUMS Integrated Public Use Microdata Series
OIT Organização Internacional do Trabalho
PEA População Economicamente Ativa
PIB Produto Interno Bruto
PME Pesquisa Mensal de Emprego
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 9
1 – SALÁRIO MÍNIMO E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NA LITERATURA .............................. 13
1.1 – Salário mínimo e distribuição de renda: tópicos da literatura internacional ............... 13
1.2 – Salário mínimo e distribuição de renda: tópicos da literatura nacional ....................... 20
2 – SALÁRIO MÍNIMO, DESIGUALDADE E POBREZA: INDICADORES NO BRASIL
RECENTE .............................................................................................................................. 32
2.1 – Salário mínimo e distribuição de renda: resultados encontrados na literatura
nacional ................................................................................................................................. 33
2.2 – Salário mínimo e distribuição de renda: análise descritiva ......................................... 37
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 43
9
INTRODUÇÃO
A população brasileira convive historicamente com uma das doenças mais cruéis
existentes, a pobreza. Em 2009, mais de 39 milhões de habitantes viviam abaixo da linha de
pobreza, e cerca de 13 milhões estavam abaixo da linha de extrema pobreza, o que
corresponde, respectivamente, a 21,4% e 7,3% da população.1
É fato que tanto a quantidade de pobres quanto a de extremamente pobres reduziu
bastante entre os anos de 1995 e 2009. Neste período, o percentual de pobres reduziu de
35,1% para 21,4%, e o percentual de extremamente pobres reduziu de 15,2% para 7,3%, em
um período onde a população brasileira cresceu 25,3%.
As causas da pobreza estão intimamente ligadas à concentração de renda existente no
país. De acordo com Langoni (2005), os desníveis educacionais durante o processo de
formação dos trabalhadores contribuiu de forma determinante para as diferenças salariais
existentes e para o processo de concentração de renda. Outra análise das origens da
concentração de renda no Brasil foi feita por Furtado (1961). De acordo com o autor, além da
tendência natural para a concentração de renda existente no sistema capitalista2, a estrutura
econômica brasileira, tipicamente pré-capitalista, aliada a debilidade das forças sociais ligadas
ao trabalho, foram responsáveis pelo processo histórico de concentração da renda.
A concentração de renda retrocedeu durante o período de análise. O índice de Gini,
utilizado na mensuração do grau de concentração da distribuição pessoal de renda, varia de
zero (perfeita igualdade) até um (desigualdade máxima), mostra que houve evolução no
quadro distributivo, tendo passado de 0,601 em 1995 para 0,543 em 2009. Apesar desse
declínio no índice de Gini, a desigualdade no país continua extremamente elevada. É
imprescindível que as políticas adotadas no período sejam intensificadas com vistas à
manutenção da redução da concentração de renda e da pobreza no Brasil.
De acordo com o Simioni (2010)3, a redução da concentração de renda pode ser obtida
através de políticas públicas com fundamento sócio-econômico, que atingem a base da
pirâmide. Saúde, educação, saneamento e habitação elevam o nível de renda através da
elevação do bem estar da população. Os programas governamentais com o objetivo de
transferência direta de renda também produzem efeitos positivos na distribuição. Programas
1 Dados retirados da fonte de indicadores sociais relacionados a renda, do IPEA/DATA. Disponível em
www.ipeadata.gov.br 2 Para maiores informações, ver Furtado (2003)
3 Texto escrito por Mônica Simioni na Revista Desafios do Desenvolvimento, n° 60, publicada em maio
de 2010 pelo IPEA
10
como o Bolsa Família4, do Governo Federal, são capazes de criar poder de compra imediato
aos seus beneficiários, o que permite acesso a um elemento essencial de subsistência, o
consumo.
É nesse contexto de busca por alternativas para redução da concentração de renda que
o salário mínimo surge como ferramenta potencialmente eficaz, capaz de causar efeitos
positivos no quadro distributivo. O salário mínimo é a remuneração base para todos os
trabalhadores da economia formal. Foi instituído em 1° de maio de 1940, sendo unificado
para um mesmo valor em 1984. De acordo com Cacciamali (2005), o salário mínimo possui
quatro funções básicas: Estabelecer um piso para a determinação de salários de menor
remuneração; Proteger categorias de trabalhadores mais vulneráveis; Estabelecer normas para
que trabalhos iguais tenham a mesma remuneração; Tornar-se instrumento de política
macroeconômica.5
A primeira função provê um piso salarial, que condicionará a estrutura
salarial. Objetiva atingir a mão-de-obra não qualificada e não sindicalizada. E,
na medida em que um piso salarial é fixado institucionalmente, se condiciona
a definição da maioria dos demais salários da estrutura salarial, limitando a
dispersão dos salários. A segunda função complementa a primeira. O seu é
propósito é definir por meio de intervenção governamental ou de gestões
tripartites o piso dos salários para as categorias de trabalhadores de setores
econômicos menos organizados. Tende, dessa maneira, a diminuir os
diferenciais de salários entre os trabalhadores de categorias de menor e maior
poder de barganha nas negociações coletivas. A terceira finalidade, em geral é
estabelecida por meio dos acordos coletivos devido às dificuldades para
reconhecer situações de igualdade ou desigualdade, no que concerne às
funções que são desempenhadas no mercado de trabalho, especialmente, entre
setores econômicos. Por fim, a quarta atribuição é simultaneamente estruturar
os salário e determinar o nível da demanda agregada. (CACCIAMALI, 2005,
p. 1)
O salário mínimo está na constituição brasileira de 1988. O texto da carta magna
enfatiza as funções do salário mínimo, bem como os indivíduos que terão direito ao benefício.
O Art. 7° da Constituição da República Federativa do Brasil6, que trata dos direitos dos
trabalhadores rurais e urbanos, além de outros que visem à melhoria de sua condição social,
nos diz:
4 Para maiores informações sobre o Bolsa Família, acessar www.mds.gov.br/bolsafamilia
5 As funções de 1 a 3 compõem as normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
formuladas através dos Convênios n.26, 1928, n.99, 1951, e n.131, 1970. 6 A constituição da República Federativa do Brasil está disponível em
www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
11
[...]
IV-Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender
as suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.
[...]
VII-Garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem
remuneração variável. (BRASIL, 1988, p. 7)
O salário mínimo está presente na vida de milhões de brasileiros, e ano após ano é
tema de calorosos debates políticos no Congresso Nacional. O Governo Federal esboçou certa
preocupação com o salário mínimo e a sua valorização ao longo dos últimos anos, e
recentemente foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal a Política de
Valorização do Salário Mínimo7 para o período de 2012 a 2015. Segundo a matéria, o salário
mínimo será reajustado anualmente afim de ter seu poder de compra preservado. Seu reajuste
será composto pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC acumulado
dos doze meses anteriores, e pelo crescimento real do Produto Interno Bruto – PIB de dois
anos anteriores. Esse cálculo permitirá a preservação do poder de compra do salário mínimo
em virtude da inflação do ano anterior, através do percentual aplicado do INPC, e
acrescentará poder de compra adicional ao salário mínimo através do percentual de
crescimento do PIB de dois anos anteriores.
Por mais que a primeira vista nos pareçam óbvios os efeitos positivos do aumento do
salário mínimo, os efeitos distributivos do salário mínimo fazem parte de um controverso
debate econômico, onde parte da literatura advoga em prol do salário mínimo como
mecanismo de distribuição de renda, e a outra parte da literatura nega os efeitos distributivos
do salário mínimo. Do lado dos que defendem os efeitos distributivos do salário mínimo,
este é capaz de produzir potentes impactos positivos sobre os salários dos
indivíduos no mercado de trabalho. Segundo estes, o salário mínimo arrastaria
para cima os rendimentos daqueles trabalhadores com remunerações inferiores
ao valor do salário mínimo para o valor deste ou até mesmo para valores
acima do mínimo. Além de que, ao funcionar como o patamar mínimo de
remuneração legal do mercado de trabalho, o salário mínimo protege os
indivíduos com menor poder de barganha, reduzindo, assim, a desigualdade de
rendimentos e, como conseqüência, contribuindo para a redução da pobreza e
da desigualdade de renda per capita. (DIAS, 2008, p. 15)
7 A Política de Valorização do Salário Mínimo está contida no Projeto de Lei Complementar primeiro de
2011 (PLC 1/2011), aprovado no Senado Federal e enviado à sanção presidencial em 25/02/2011.
12
Ainda do lado dos que advogam a favor do mínimo, segundo o Dieese (2005, p. 3),
O salário mínimo assume uma dimensão ético-moral. Constitui-se, portanto,
no valor normativo definido pela sociedade como patamar inferior da
remuneração do trabalho, capaz de garantir a reprodução das condições de
existência nesta sociedade, num determinado momento histórico.
Do lado oposto, para os críticos da utilização do salário mínimo como ferramenta de
distribuição de renda, além de onerar a folha de pagamento das empresas, impactar as contas
públicas municipais, estaduais e federais, o mínimo possui efeito reduzido sobre o rendimento
individual, visto que uma pequena parcela da população recebe exatamente o mínimo. Ainda
segundo Dias (2008, p. 15),
[...] uma vez que uma pequena parcela dos trabalhadores no mercado de
trabalho ganha exatamente o valor do mínimo e uma grande fatia recebe bem
abaixo desse valor. Nesse sentido, o salário mínimo não elevaria a renda
daqueles mais necessitados, além de não contribuir para a redução da
desigualdade de renda. Acusam ainda que o salário mínimo no mercado de
trabalho pode contribuir tanto para o aumento do desemprego quanto para a
redução da produtividade econômica, fazendo deste um instrumento
indesejado e injustificado na economia de mercado.
O principal objetivo desta monografia é analisar a relação existente entre as elevações
do salário mínimo e a desigualdade de renda, buscando aferir a relação negativa entre essas
duas variáveis, destacando, assim, a importância do salário mínimo como instrumento de
distribuição de renda.
Este trabalho está estruturado em dois capítulos, além desta introdução e da conclusão.
A partir de uma revisão da literatura especializada, o primeiro capítulo tem como objetivo
relatar parte do que já foi escrito acerca da relação existente entre o salário mínimo e
distribuição de renda. Esse primeiro capítulo foi dividido em duas seções, uma com os
argumentos da literatura internacional, e uma com os argumentos da literatura nacional.
O segundo capítulo procura evidenciar alguns resultados já encontrados na literatura
nacional, além de analisar e ilustrar a evolução das variáveis chaves utilizadas no trabalho,
tais como o salário mínimo real e o coeficiente de Gini. Esse capítulo também foi estruturado
em duas seções. A primeira destaca os principais resultados encontrados na literatura
nacional, e a segunda analisa a evolução das variáveis de interesse entre os anos de 1995 e
2009.
13
CAPÍTULO 1
SALÁRIO MÍNIMO E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NA LITERATURA
Durante o século XIX e XX, duas importantes correntes de pensamento econômico se
posicionaram com relação ao tema salário mínimo, a corrente estruturalista-marxista e a
corrente neoclássica. A primeira manifestou-se favorável ao salário mínimo, chamando a
atenção para o papel do mínimo na determinação dos salários. Marx (2002, p. 19) ignorou os
efeitos do mínimo sobre o nível de emprego, e destacou que “[...] o aumento geral na taxa de
salários, após uma perturbação temporária dos preços de mercado, resultaria apenas numa
queda geral da taxa de lucro sem qualquer mudança permanente nos preços das mercadorias”.
Em sentido oposto, a corrente neoclássica concentrou-se nos impactos do salário
mínimo sobre o nível de emprego. O raciocínio neoclássico versava que em um mercado onde
os trabalhadores possuem um piso salarial legal, a fixação do salário mínimo acima do nível
de equilíbrio do mercado de trabalho reduziria a demanda por trabalho, o que levaria a
redução do nível de emprego na economia.
A exposição dos argumentos acima ilustra o quão controversa é a discussão acerca do
tema salário mínimo. É fato que o assunto em questão já foi abordado por uma série de
importantes economistas, e que grande parte da literatura internacional preocupou-se em
estudar os efeitos do salário mínimo sobre o nível de emprego. Diversos economistas
brasileiros também discorreram sobre o tema abordado, muitos analisando a relação existente
entre o salário mínimo e distribuição dos rendimentos. As duas sessões a seguir tratam da
literatura nacional e internacional referente ao tema proposto.
1.1 Salário mínimo e distribuição de renda: tópicos da literatura internacional
A existência de um piso remuneratório legal é comum em grande parte dos países. Por
mais que a existência do salário mínimo seja recente na sociedade contemporânea, estimasse
que a definição de salários para algumas profissões específicas já ocorressem a milhares de
anos8. A fixação salarial em si começou a ser adotada em meados do século XX, e os
primeiros países a terem uma legislação específica para o mínimo foram a Austrália e a Nova
Zelândia (NASCIMENTO, 2008, apud DIEESE, 2010, p. 73). No continente europeu, o
8 A esse respeito, ver Nascimento (2008)
14
primeiro país a legislar sobre o salário mínimo foi a Inglaterra, em 1909, e nos Estados
Unidos, o primeiro Estado a estipular o piso remuneratório legal foi o de Massachusetts.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece as diretrizes básicas para a
determinação do salário mínimo. A recomendação central da organização é que durante a
elaboração das políticas salariais, a remuneração mínima atenda as necessidades básicas vitais
dos trabalhadores e de suas famílias. A Carta Social Européia também faz referencia expressa
a manutenção das necessidades vitais, indicando que o salário mínimo fixado deve ser
garantidor de um nível de vida razoável.
O estabelecimento de um piso salarial legal é fonte de intensas discussões. Diversos
estudos já mostraram diferentes pontos de vista, carregando vieses contrários ou não ao
estabelecimento de políticas de salário mínimo9.
Um dos estudos pioneiros sobre o assunto foi realizado por Meyer e Wiser (1983). Os
autores analisaram os dados da economia européia entre os anos de 1973 e 1978, e concluíram
que a correlação existente entre os aumentos do salário mínimo e os aumentos dos restantes
dos salários da economia não era forte, e além da pouca correlação encontrada entre as duas
variáveis, os aumentos do salário mínimo produziam a redução dos postos de trabalho.
Em sentido oposto aos resultados encontrados por Meyer e Wiser (1983), vários
trabalhos dissertaram sobre os efeitos positivos do salário mínimo sobre a distribuição dos
rendimentos. Um desses, de Manning e Machin (1997), abordou os impactos provocados pela
introdução do salário mínimo e seus aumentos. O primeiro passo dado pelos autores foi
delinear os sistemas de salário mínimo existentes na Europa e nos Estados Unidos, e em
seguida analisar os impactos do salário mínimo sobre o nível de emprego e sobre a
distribuição de renda. Dentre os países pesquisados, cinco sistemas de salário mínimo foram
identificados. São eles: i) salário mínimo legal fixado pelo governo – encontrado na França,
Luxemburgo, Holanda, Portugal, Espanha e nos Estados Unidos; ii) salário mínimo nacional
definido em negociações coletivas – encontrado na Bélgica, Dinamarca e Grécia; iii)
diferentes níveis de salário mínimo definidos em negociações coletivas setoriais, estendidos
aos trabalhadores não cobertos pelos acordos originais – encontrado na Áustria, Alemanha,
Itália, e, até certo ponto, na Suíça; iv) salário mínimo previsto em negociações coletivas que
geralmente cobre todos os trabalhadores, porém sem existência de disposição legal quanto à
9 Cabe frisar que não é objetivo desse trabalho aprofundar nas teorias já desenvolvidas, e sim apenas
percorrê-las, a fim de se identificar os caminhos já percorridos por outros autores na busca por um
entendimento dos impactos do salário mínimo sobre a economia.
15
extensão aos trabalhadores não cobertos – encontrado na Finlândia, Noruega e Suécia; e v)
salário mínimo com cobertura parcial a setores industriais – encontrado na Irlanda.
A primeira constatação importante feita pelos autores é quanto a proporção do salário
mínimo com relação ao salário médio da economia. Tanto na Europa quanto nos Estados
Unidos, o valor do salário mínimo da economia está bem abaixo da remuneração média. Na
Europa, com exceção da Espanha, essa proporção está no intervalo de 45% a 55% do salário
médio, e nos Estados Unidos essa razão é de cerca de 39%. Esse distanciamento do salário
mínimo com relação ao salário médio da economia contribuiu para aumentar a dispersão
salarial ao longo do tempo, levando a concentração de renda.
A maior proporção do salário mínimo em relação ao médio europeu contribuiu para a
criação do falso estigma segundo o qual a fixação de um piso salarial finda por aumentar de
forma generalizada o desemprego. Essa afirmação é baseada no fato do salário mínimo em
proporção do salário médio na Europa ser superior a essa mesma razão nos Estados Unidos. O
engano nessa afirmação reside na constatação de que essa razão tem diminuído ao longo do
tempo, enquanto o desemprego tem aumentado. O aumento da proporção do salário mínimo
em relação ao médio não indica, necessariamente, aumento do desemprego. Em segunda
instancia, outro argumento que elucida o engano é o fato de que o mínimo tenha maior efeito
sobre o mercado de trabalho jovem, pois é onde o número de recebedores do mínimo é maior,
e nos Estados Unidos o salário mínimo atinge cerca de 85% do salário médio dos jovens,
percentual esse muito superior a média dos países europeus. Ou seja, a remuneração mínima
em proporção a média no mercado de trabalho jovem dos Estados Unidos é maior do que nos
países europeus, e o desemprego nos países europeus é maior que nos Estados Unidos,
portanto a relação positiva entre aumento do salário mínimo e aumento do desemprego não se
evidencia. A segunda constatação importante refere-se à relação existente entre o salário
mínimo e o nível de emprego da economia. Os autores estudaram as variações do mínimo e
do nível de emprego em quatro países europeus (França, Holanda, Espanha e Inglaterra), e
poucas evidências foram encontradas para atestar a relação positiva entre aumento do salário
mínimo e o aumento do desemprego. No seu conjunto, os resultados encontrados por
Manning e Machin (1997) parecem estar em consonância com os recentes estudos publicados
nos Estados Unidos, segundo os quais nenhuma evidência de perda de emprego está associada
às variações da remuneração mínima.
O desemprego é apontado pelos autores como a principal causa da pobreza, e é a partir
da noção de emprego que os autores começam a análise dos impactos distributivos do salário
mínimo. Dado que o salário mínimo é a remuneração mínima para os empregados, seu
16
aumento não surtirá efeito algum sobre os desempregados, ou sobre os domicílios onde não
existem indivíduos empregados. A maior incidência distributiva do salário mínimo é,
portanto, sobre as famílias onde existem pessoas alocadas no mercado de trabalho10
.
Manning e Machin (1997) concluíram afirmando que o impacto econômico da
determinação de um salário mínimo continua sendo um assunto controverso, e que para
delinear um quadro mais completo sobre os efeitos econômicos do mínimo, é desejável que se
faça um estudo a partir de uma série de países, visto a grande diferença entre os sistemas
adotados por cada país. Com base na análise realizada dos quatro países selecionados, os
autores encontraram pouca evidência de que o salário mínimo tenha efeito negativo sobre o
nível de emprego, e alguma evidência de que ele seja capaz de equalizar a distribuição de
renda entre as famílias onde existam indivíduos empregados. A redução do salário mínimo em
proporção do salário médio na economia foi apontada como determinante para o aumento da
desigualdade salarial ao longo dos anos 1980, e que uma forma de forçar as empresas a
pagarem maiores salários seria através do Conselho de Salários11
.
Outra abordagem do salário mínimo como ferramenta de distribuição de renda foi
realizada por Freeman (1996). Segundo o autor, o objetivo de uma política de salário mínimo
não é produzir desemprego, e sim redistribuir ganhos aos trabalhadores com baixos salários.
Os efeitos distributivos do salário mínimo dependem de como a política de salário mínimo irá
interagir com as relações de trabalho, como o poder de barganha, por exemplo. Na melhor das
hipóteses, um mínimo eficaz muda o sentido dos ganhos em favor dos trabalhadores com
menores salários, reforçando a base salarial das camadas inferiores. Na pior das hipóteses, o
salário mínimo reduz a proporção de quem recebe baixos salários por outros que perdem o
emprego. Nenhum dos resultados é certo, o que torna a aplicação de um salário mínimo
arriscada, porém do ponto de vista redistributivo, é um investimento potencialmente rentável.
Além da adoção de uma política de salário mínimo, a associação desta com outras
políticas distributivas pode ser altamente eficaz do ponto de vista redistributivo.
Freeman (1996) ponderou o argumento segundo o qual elevações no salário mínimo
podem levar ao aumento do desemprego, destacando que a maioria dos estudos realizados a
época nos Estados Unidos e no Reino Unido não apontavam tal evidência. Segundo o autor,
se alguns trabalhadores são desempregados por elevações do salário mínimo,
os efeitos redistributivos são indesejáveis. O sinal do efeito do salário mínimo
10
Cabe lembrar que o raciocínio dos autores não é totalmente válido para o Brasil. Devido as vinculações
das pensões, aposentadorias e os benefícios sociais ao salário mínimo, o mesmo produz impactos também
nos domicílios sem indivíduos alocados no mercado de trabalho. 11
A esse respeito, ver Manning e Machin (1994)
17
dependerá do mercado de trabalho em questão. Ou seja, dependendo das
particularidades apresentadas por um mercado de trabalho, o salário mínimo
pode exercer efeitos redistributivos positivos ou negativos, mas sempre
exercerá algum efeito. A questão, então, é saber se o ganho efetivo promovido
pela elevação do salário mínimo para os trabalhadores compensa as perdas
provocadas por esse aumento. Segundo Freeman, os ganhos proporcionados
pela elevação do salário mínimo dependem das relações de trabalho. A título
de exemplo, afirma que se o sistema de relações de trabalho é tal que os
trabalhadores com salários mais elevados têm barganha suficiente para pleitear
aumentos na mesma proporção da elevação no salário mínimo, então, o efeito
redistributivo do salário mínimo seria praticamente nulo. Do contrário, há
possibilidades reais de redistribuição pela política de elevação do salário
mínimo. Mais uma vez, enfatiza o autor que a grande questão é que os efeitos
do mínimo dependem de sua relação com outras políticas num contexto
específico de relações de trabalho. (FREEMAN, 1996, apud DIAS, 2008, p.
69)
Freeman (1996) conclui seu trabalho argumentando que o salário mínimo possui um
importante papel como ferramenta de distribuição de renda, e que por mais que não seja a
solução definitiva para a pobreza12
, o salário mínimo pode aumentar o bem-estar dos
trabalhadores de baixa renda e limitar o crescimento das desigualdades de renda. A utilização
da política de salário mínimo possui riscos, e pode por vezes prejudicar a quem deveria
beneficiar. Quanto maior o nível do mínimo, maior é o potencial redistributivo, e maior
também é o risco da redução do nível de emprego. Porém as evidências apontam que sua
utilização é mais benéfica que maléfica, e o retorno da sua utilização é potencialmente
elevado.
Gosling (1996), por sua vez, analisou os efeitos do salário mínimo na distribuição da
renda no Reino Unido em 1994 e 1995. Segundo a autora, o salário mínimo, obviamente, não
aumentaria o rendimento dos indivíduos que não trabalham13
, e sua elevação poderia gerar
custos a toda a sociedade, tais como o aumento dos preços de bens e serviços. A constatação
positiva referente ao salário mínimo é que seu aumento tende a melhorar a renda dos 8% mais
pobres, o que reduziria a desigualdade entre as famílias dos indivíduos inseridos no mercado
de trabalho. De forma conclusiva, Gosling (1996) identifica dois motivos pelos quais o salário
mínimo é importante: primeiro porque na possibilidade da redução do desemprego, os
desempregados de agora poderão se beneficiar de um salário mínimo no futuro14
, e segundo
12
“A minimum wage is not a panacea to poverty and low wages. It does not, in general, increase national
output or the rate of growth of productivity. It redistributes income. (FREEMAN, 1996, p. 648) 13
“Obviously, a minimum wage will never be able to improve the incomes of those who do not work.”
(GOSLING, 1996, p. 40) 14
No original: “[…] the unemployed now may benefit from a minimum wage in the future.”
18
porque o aumento do número de trabalhadores pobres ao longo do tempo sugere que um
salário mínimo seria mais redistributivo agora do que teria sido no passado.
Outro importante trabalho realizado abordando os efeitos do salário mínimo sobre a
economia foi feito por Card e Krueger (1995). Os autores contestaram a visão segundo a qual
o salário mínimo eleva o desemprego dos trabalhadores não qualificados, e atestaram que o
mínimo tem importante impacto sobre o nível de concentração de renda familiar e sobre a
pobreza.
O aumento do salário mínimo impacta diretamente dois tipos de trabalhadores: os que
ganham exatamente o mínimo, e os que inicialmente ganhavam mais que o antigo salário
mínimo e menos que o novo mínimo. O salário mínimo se torna um ponto de referência
salarial na economia, mesmo para os setores informais, exercendo influência tanto nos
salários acima do mínimo quanto nos salários abaixo do mínimo. Esse efeito do salário
mínimo sobre os demais salário foi chamado de spillover effects ou riple effetcs. O
deslocamento dos demais salários a partir do aumento do mínimo tenderá a reduzir a
dispersão salarial, contribuindo para a redução da concentração de renda. Segundo Card e
Krueger,
um aumento do salário mínimo tem um efeito substancial sobre os ganhos dos
trabalhadores menos qualificados, […]. De modo mais geral, o salário mínimo
serve como um „back-stop‟ para o salário de uma fração significativa dos
salários e vencimentos de todos os trabalhadores. (CARD; KRUEGER, 1995,
p. 288, apud DIAS, 2008, p. 66)
Uma das dificuldades de se analisar os resultados dos spillover effects é o fato da
inflação reduzir o salário mínimo real, o que aumenta novamente a dispersão salarial. Após o
aumento do mínimo pelas autoridades governamentais, há uma redução da dispersão salarial,
porém, logo em seguida, o salário mínimo real é reduzido através da redução do poder de
compra causado pelo aumento da inflação.
De forma conclusiva,
Card e Krueger (1995) fornecem evidências de que aumentos no salário
mínimo reduzem a dispersão salarial. Advogam que aumentos no salário
mínimo norte-americano tiveram efeitos sobre as distribuições de salários e
renda familiar, e que podem ter conduzido a modesta redução na taxa de
pobreza entre os trabalhadores. O efeito de diminuição da dispersão salarial
pode ser visto como evidência da influência do salário mínimo, senão sobre
toda a distribuição, pelo menos sobre os salários mais baixos. (DIAS, 2008, p.
66)
19
Conforme observa Dias (2008, p. 66), uma das novidades nos estudos relacionados aos
impactos do salário mínimo é a utilização de modelos não-paramétricos e semi-paramétricos.
Um dos trabalhos pioneiros na utilização desse método foi realizado por DiNardo, Fortin e
Lemieux (1996), que analisou os efeitos do salário mínimo sobre a dispersão salarial. A
conclusão dos autores é que o salário mínimo contribui para a redução dessa dispersão.
Ainda segundo Dias (2008, p 66), outro trabalho que se utilizou desse método de
pesquisa foi realizado por Neumark, Scheitzer e Washer (1998). Os autores analisaram a
relação entre o salário mínimo e distribuição de renda, concluindo que os aumentos do salário
mínimo não provocaram a redução da pobreza nem da desigualdade salarial.
O trabalho realizado por DiNardo et al. (1996) coletou dados da economia dos Estados
Unidos, no período de 1979 a 1988, período onde a desigualdade cresceu significativamente,
tanto entre os homens quanto entre as mulheres (BROWN, 1999, p. 2151). A contribuição
relevante do trabalho está na metodologia utilizada e nos procedimentos de estimação
realizados, que permitiram visualizar o impacto de vários fatores explicativos sobre a
desigualdade (DIAS, 2008, p. 67).
DiNardo et al. (1996) chegaram a seguinte conclusão de que
[...] o declínio no valor real do salário mínimo, no período de 1979 a 1988,
explicaria uma proporção significativa do aumento da desigualdade salarial,
particularmente para as mulheres e para as pessoas situadas na base da
distribuição salarial. Eles também concluíram que os sindicatos exerceram
papel importante na explicação das mudanças na distribuição de salários nos
Estados Unidos no mesmo período. (DIAS, 2008, p. 67)
Outro trabalho que estudou o salário mínimo e seus impactos sobre a distribuição de
renda foi o de Levin-Waldman (2002). O autor analisou como a estrutura de salário de uma
região influencia a fixação do salário mínimo, e como as diferenças salariais de uma região
para a outra podem afetar a distribuição de renda das pessoas que ganham aproximadamente o
salário mínimo. Analisando os dados da economia norte americana do período de 1940 a
1990, período que o censo da Integrated Public Use Microdata Series (IPUMS) abrange, o
autor mostrou que a localização regional dos trabalhadores desempenha importante papel na
determinação salarial em torno do mínimo. Tal fato é devido, em grande parte, as diferenças
nas instituições do mercado de trabalho de cada região. As instituições do mercado de
trabalho, tais como os sindicatos de trabalhadores e o salário mínimo, podem reduzir as
20
desigualdades na distribuição da renda, assim como sugeriu Galbraith (1998)15
, ao entender
que as instituições do mercado de trabalho geram poder de monopólio ao trabalhador.
Segundo Galbraith (1998, p. 61, tradução nossa), “As leis de salário mínimo podem mover as
pessoas em massa do primeiro andar para o segundo ou terceiro da nossa construção salarial”.
Levin-Waldman (2002) conclui que o salário mínimo exerce efeitos positivos na
distribuição dos rendimentos, principalmente em estados onde é baixa a sindicalização dos
trabalhadores. O impacto exercido pelo salário mínimo não é somente sobre os trabalhadores
que recebem o mínimo, mas também sobre os trabalhadores que recebem salários próximos
ao salário mínimo. “O salário mínimo em si não é tão importante quanto o que ele representa
para os salários em torno dele. Nesta medida, o salário mínimo representa apenas um símbolo
tangível para os salários em torno dele”. (LEVIN-WALDMAN, 2002, p. 14, tradução nossa).
Em síntese, a literatura internacional nos fornece diversas evidências dos efeitos do
salário mínimo sobre a distribuição dos rendimentos e sobre o nível de emprego16
. A maioria
dos recentes estudos destaca a qualidade do mínimo de promover a redistribuição de renda
através do aumento salarial generalizado, ocasionada pela introdução do patamar mínimo.
Como argumento central contra a estipulação do mínimo, a idéia do aumento do desemprego
em função do salário mínimo não tem se evidenciado.
1.2 Salário mínimo e distribuição de renda: tópicos da literatura nacional
O salário mínimo no Brasil é resultado direto das lutas sindicais dos trabalhadores, que
começaram a ocorrer de forma mais organizada e intensa no final do século XIX. Até a
década de 1920, as principais reivindicações dos trabalhadores baseavam-se na busca da
jornada de trabalho de oito horas diárias, na proteção ao trabalho das mulheres e das crianças,
no direito de associação, nos aumentos salariais e em garantias contra acidentes de trabalho
(DIANNOTTI, 2007, p. 63; GOMES, 2002, p. 18, apud DIEESE, 2010, p. 78). Antes de
1920, a reivindicação de um piso salarial nacional havia aparecido no 1° Congresso
Socialista, realizado em 1892. O salário mínimo reivindicado pelos socialistas seria
referenciado pelo preço mínimo das necessidades da época. O Congresso Operário, realizado
em 1912, também reivindicou a adoção de um salário mínimo nacional. Durante a década de
15
No original: “Galbraith suggests, minimum wages and unions effectively give workers a degree of
monopoly power they otherwise would not have. In the absence of all workers to be unionized, the
minimum wage offers a modicum of monopoly power to workers, especially in low- wage and low-
skilled labor markets to in effect counter balance the monopoly power of employers.” 16
Para aprofundar nessa discussão, ver Brown (1999).
21
1920, a questão do salário mínimo apareceu em diversas manifestações, como na Revolução
de 1924, onde se pedia “a fixação do salário mínimo para todas as classes trabalhadoras do
Estado, de conformidade com a tabela de gênero de primeira necessidade, inclusive vestuário
e habitação”. (A PLEBE apud DIEESE, 1992, p. 20).
O salário mínimo foi legalmente instituído no Brasil apenas em 1934, na Segunda
Constituição Republicana do Brasil. A redação da constituição versava que:
Art. 121 – A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições
do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do
trabalhador e os interesses econômicos do País.
§ 1° - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de
outros que colimem melhorar as condições do trabalhador:
(...)
b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região,
às necessidades normais do trabalhador; (...) (BRASIL, 1934).
Desde a Constituição de 1934, o salário mínimo apareceu em todas as demais
Constituições17
, e a partir de então faz parte da vida de milhões de brasileiros.
A política de salário mínimo encontrou no Brasil defensores e opositores, e logo
passou a ser um dos temas mais discutidos pelos estudiosos da área de economia do trabalho.
Os efeitos do salário mínimo sobre a distribuição dos salários é um tema relativamente antigo
na literatura brasileira.
Os primeiros estudos procuravam analisar a incidência do salário mínimo sobre a
distribuição dos salários, analisando seu impacto sobre o salário médio da economia. Outros
autores concentraram seus estudos na relação entre o salário mínimo e a desigualdade. Os
trabalhos mais recentes procuram analisar os efeitos do mínimo na distribuição de salários
como um todo e também sobre a distribuição de rendimentos. A maioria dos estudiosos do
salário mínimo reconhece seus impactos positivos sobre a desigualdade de renda. Como
observado por Ulyssea e Foguel (2006, p. 4), “há quase consenso na literatura de que o salário
mínimo tem o efeito de comprimir a distribuição de salários e, portanto, de reduzir a
desigualdade salarial para aqueles que permanecem empregados após uma elevação do
mínimo”.
O início das discussões a cerca da influência do salário mínimo sobre o salário médio
no Brasil datam da década de 1970, e um dos estudos pioneiros foi realizado por Bacha, Mata
e Modenesi (1972). Segundo Dias (2008), os autores realizaram uma análise do papel do
17
Desde 1934, o Brasil assistiu a promulgação de cinco novas Constituições Federais. São elas:
Constituição Brasileira de 1937, a Constituição Brasileira de 1946, a Constituição Brasileira de 1967, a
Constituição Brasileira de 1969, e a Constituição Brasileira de 1988, nossa atual Constituição.
22
salário mínimo na determinação dos salários da indústria para o período de 1940 a 1969. Os
autores analisaram a evolução dos trabalhadores que recebiam em torno do mínimo, e
constataram que durante a década de 1940 e 1950 o impacto do mínimo na determinação dos
salários no setor industrial era maior que durante a década de 1960, e essa importância
exercida pelo mínimo estava em decréscimo. Conforme evidenciado por Dias (2008, p. 71),
“segundo os resultados desse trabalho, o salário mínimo exerceu papel-chave na determinação
dos salários industriais, exceto no período de 1946 a 1951 e ao final da década de sessenta”.
Outro importante trabalho realizado foi conduzido por Macedo e Garcia (1978).
Segundo Ulyssea e Foguel (2006), os autores utilizaram os dados do Censo Demográfico do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da PNAD, do Instituto de Economia
Agrícola (IEA) e dos formulários da “Lei dos 2/3”. Os autores não consideraram válida a
determinação do salário dos trabalhadores pouco qualificados pelo salário mínimo, e
refutaram a idéia do funcionamento do mínimo como piso salarial dos trabalhadores das
atividades econômicas. No período de 1967 a 1974, os autores observaram uma redução no
salário mínimo real e uma redução da participação dos assalariados que recebiam até 1,5
salário mínimo. Os autores sugeriram duas possíveis interpretações para esse fato. O primeiro
argumento é que o rápido crescimento econômico no início dos anos 70 teria deslocado a
curva de demanda de mão-de-obra pouco qualificada para a direita, o que, dado uma curva de
oferta positivamente inclinada, alterou o ponto de equilíbrio no mercado de trabalho,
elevando-se a taxa de salário para níveis superiores ao salário mínimo. O segundo argumento
é que a taxa de salários não teria aumentado em decorrência da mencionada expansão
econômica, visto que a curva de oferta seria perfeitamente elástica ao nível do salário de
subsistência, e sim devido aos seguidos aumentos do mínimo em níveis inferiores aos da
inflação do período.
Os autores concluíram que os efeitos do salário mínimo são muito limitados, pois não
atinge aqueles que estão em patamares inferiores da distribuição pessoal de renda. Além dessa
limitação encontrada, ao se estabelecer um salário mínimo acima do salário de equilíbrio do
mercado, se gera desemprego e redução salarial, pois as empresas irão dispensar os
funcionários, que terão de recorrer ao setor informal, onde a remuneração média é inferior a
remuneração no setor formal.
Em sentido oposto, Bacha e Taylor (1978) analisaram a relação entre o salário mínimo
e o salário médio da indústria do Rio de Janeiro, no período de 1952 a 1975. Conforme Dias
(2008), Os autores encontraram uma relação positiva e significativa entre o salário médio e o
23
salário mínimo, com o último sendo a variável explicativa. A elasticidade encontrada foi de
0,5.
A partir desses dados, Bacha e Taylor (1978) concluíram que o governo não
pode controlar completamente os salários de mercado através do salário
mínimo. Mas afirmam que isso não implica que a elasticidade do salário de
mercado com relação ao salário mínimo seja igual a zero, e que o argumento
de Souza e Baltar (1979) merece consideração. Para Bacha e Taylor (1978),
esses resultados apontam fortemente na direção de que o salário mínimo é
importante para a determinação do salário urbano da mão-de-obra não-
qualificada; e se por um lado indicam que um deslizamento salarial impediu
que os salários de mercado caíssem tanto quanto o salário mínimo durante a
década de 1960, por outro lado indicam que “sob as condições brasileiras, os
trabalhadores não terão a sua merecida parte dos ganhos de produtividade se o
salário mínimo não é adequadamente reajustado”. (BACHA; TAYLOR, 1978,
apud DIAS, 2008, p. 74).
Souza e Baltar (1979) também caminharam em sentido oposto ao de Macedo e Silva
(1978). Conforme visto em Dias (2008), os autores afirmaram que mesmo que o salário
mínimo e a participação dos recebedores deste na População Economicamente Ativa (PEA)
tenham reduzido durante os anos sessenta e início da década de setenta, a fixação do salário
mínimo pelo governo exerceu importante papel na determinação dos demais salários, tanto na
economia formal quanto na informal, o que caracteriza o salário mínimo como peça-chave na
determinação da taxa de salários da economia. De acordo com os autores, essa taxa de salários
funciona como um “farol” para a remuneração dos trabalhadores não-qualificados, e é
determinada endogenamente em economias capitalistas, dependendo do processo de
acumulação de capital e das forças sociais existentes. Segundo os autores, o salário mínimo
possui o papel de regular o mercado de trabalho, podendo tanto aumentar quanto reduzir a
taxa de salários da economia.
Conforme Dias (2008, p. 73),
Segundo Cacciamali, Portela e Freitas (1994, p. 34), o debate entre Macedo e
Garcia (1978 e 1980) e Souza e Baltar (1979 e 1980) pode ser resumido da
seguinte forma: i) Macedo e Garcia sustentam que a fixação do salário mínimo
por parte do governo é irrelevante para a formação dos salários dos mercados
formal e informal de trabalho no Brasil, enquanto Souza e Baltar afirmam o
contrário; ii) Macedo e Garcia avaliam que o salário do setor não-capitalista
condiciona o nível do salário do mercado capitalista, Souza e Baltar afirmam o
oposto.
Comparando os trabalhos realizados por Macedo e Garcia (1978) e Souza e Baltar
(1979), ainda segundo Dias (2008, p. 73 e 74),
24
Sabóia (1985) faz outras advertências. Em primeiro lugar, na opinião de
Sabóia, a questão abordada por Macedo e Garcia (1978), e depois por Macedo
(1981), é mais extensa do que a tratada por Souza e Baltar (1979), na medida
em que o interesse de Macedo e Garcia (1978) se concentra no papel do
salário mínimo sobre a distribuição de renda no Brasil. Esses autores tentaram
responder à seguinte questão: "de que forma mudanças na política de salário-
mínimo estariam afetando, ainda que de forma indireta, as classes cujos
rendimentos são mais próximos do nível mínimo estabelecido pelo Governo?"
(MACEDO; GARCIA, 1978, p. 5). Seu estudo apontou para uma conclusão
cética acerca da eficácia do salário mínimo “nas discussões sobre o problema
da distribuição de renda, o efeito do salário-mínimo tem sido superestimado
quanto a sua capacidade de agravar ou de aliviar o problema da pobreza”.
(MACEDO; GARCIA, 1978, p. 49). De acordo com Sabóia (1985), o estudo
de Souza e Baltar (1979) analisa basicamente o papel do salário mínimo na
determinação da taxa de salários. Desse modo, a evidência empírica utilizada
por Macedo e Garcia (1978), e posteriormente por Macedo (1981), somente
poderia ser empregada parcialmente contra Souza e Baltar (SABÓIA, 1985, p.
41). As estatísticas de Macedo e Garcia (1978) apontaram menor percentual
da população com rendimentos até um (1) salário mínimo ou em torno desse
valor, no entanto esse fato pode ou não ter qualquer relação com a questão
tratada por Souza e Baltar (SABÓIA, 1985, p. 41)
Drobny e Wells (1983) realizaram um estudo semelhante ao de Bacha e Taylor (1978),
porém delimitado ao período de 1969 a 1979 e restrito aos trabalhadores não qualificados da
construção civil (serventes). O resultado encontrado não foi uniforme, e para o período de
1969 a 1973 a relação entre o mínimo e o médio foi positiva, porém para o período de 1974 a
1979, a relação foi negativa, sugerindo que o mínimo não teria importância na determinação
da média salarial da economia. Segundo Drobny e Wells (1983 apud Dias, 2008, p. 75) “os
dados da indústria da construção civil são coerentes com a visão de que a influência da
política do salário mínimo é exercida não apenas sobre o salário da mão-de-obra não-
qualificada, mas também sobre o da mão-de-obra qualificada”.
Velloso (1990) realizou um estudo utilizando os dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD), para o período de 1976 a 1986, considerando apenas os
trabalhadores não qualificados. Conforme retratou Ulyssea e Foguel (2006), o autor analisou a
relação entre salário mínimo e o salário médio nas regiões metropolitanas, e concluiu que o
salário mínimo é relevante para a determinação do salário médio dos trabalhadores não
qualificados com carteira assinada. Para os trabalhadores sem carteira assinada, os resultados
encontrados foram inconclusivos. Ainda de acordo com Ulyssea e Foguel (2006), Carneiro e
Henley (1998) também analisaram a relação entre o mínimo e o salário médio. A pesquisa foi
realizada para o período de 1980 a 1993, considerando os salários do setor industrial de São
Paulo. Os autores realizaram uma regressão com controle para produtividade, desemprego,
valor dos encargos e tamanho do setor informal. Os resultados são muito sensíveis as
25
variáveis selecionadas, em particular, as hipóteses de estacionariedade18
das séries, e
dependendo do modelo utilizado, a relação pode ser oposta.
Cacciamali, Portela e Freitas (1994) analisaram a importância do salário mínimo na
determinação da taxa salarial no Brasil, também analisando a relação de causalidade entre os
salários dos trabalhadores com e sem carteira assinada, por meio da causalidade de Granger19
.
Segundo Dias (2008), o estudo foi realizado para o período de 1982 a 1991, na região
metropolitana de São Paulo, utilizando os dados de trabalhadores registrados e não registrados
da Pesquisa Mensal de Emprego (PME). Os autores encontraram relação de causalidade entre
o salário mínimo e o salário médio dos trabalhadores registrados, porém não encontraram essa
mesma relação quando analisado o salário médio dos trabalhadores sem carteira assinada. Os
autores também identificaram que os rendimentos dos trabalhadores por conta própria não se
relacionam diretamente com o salário mínimo, e sim com o mercado de bens e serviços,
enquanto os rendimentos dos trabalhadores sem carteira assinada são afetados pelo mercado
de trabalho. Os resultados encontrados por Cacciamali et al. (1994) vão ao encontro dos
resultados encontrados por Velloso (1990), Bacha e Taylor (1980) e Drobny e Wells (1983),
além de
[...] não invalidarem a interpretação de Souza e Baltar (1979 e 1980) de que o
salário mínimo é um dos elementos determinantes da taxa de salários da
economia. Dessa forma, esses resultados não confirmam hipóteses de que o
salário mínimo não tenha relevância para a composição dos salários do
mercado de trabalho urbano nesse período. (CACCIAMALI et al. 1994, apud
DIAS, 2008, p. 77).
Dentre os autores que estudaram a relação entre salário mínimo e desigualdade de
renda, destacam-se três. Segundo Dias (2008), Cardoso (1993) foi um dos autores que buscou
relacionar a remuneração mínima com indicadores de desigualdade de renda. A autora
encontrou evidências de que maiores valores do salário mínimo estão associados a maiores
valores de índice de desigualdade (Gini e Theil). Os resultados foram estimados a partir dos
dados da PME, das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo
Horizonte, Recife e Salvador, para o período de 1981 a 1991. A autora realizou regressões
onde utilizou como variável dependente a estimativa mensal bruta de um dos índices de
desigualdade. As variáveis independentes foram à taxa de desemprego, a taxa de inflação, o
18
Uma variável estacionária é aquela cujo valor não é afetado permanentemente pelos termos de erro
contidos nas observações passadas. 19
O teste de causalidade de Granger procura determinar o sentido causal entre duas variáveis, estipulando
que X “Granger-Causa” Y se valores passados de X ajudam a prever o valor presente de Y.
26
salário mínimo e a taxa de cambio. Todas as regressões utilizaram uma variável dummy20
correspondente à região. A autora notou que as variações na taxa de desemprego, na inflação,
no salário mínimo real, na taxa de cambio real e nas dummy’s regionais explicam três quartos
de todas as variações no nível de desigualdade. Todos os coeficientes são positivos, e a
estatística-t encontrada é elevada. Cardoso (1993) concluiu que a hipótese de que o
desemprego, a inflação, a legislação do salário mínimo e a apreciação da taxa de câmbio
resultaram em aumento da desigualdade no Brasil durante a década de 1980 não pode ser
rejeitada.
Ramos e Reis (1995) também foram destacados por Dias (2008). Os autores
analisaram a relação entre aumento do salário mínimo real e a diminuição da desigualdade.
Analisando os dados da PNAD de 1989, os autores simularam a redução potencial da
desigualdade através de um aumento no valor real do salário mínimo em 25% para os
trabalhadores de carteira assinada e funcionários públicos com salário entre 0,75 e 1,25 salário
mínimo/hora. A simulação pressupõe que os trabalhadores demitidos no setor formal irão
compor o corpo de trabalhadores do setor informal, onde a remuneração é proporcionalmente
menor ao aumento do número de trabalhadores.
Os autores concluíram que
Mesmo no caso mais favorável, aquele em que a elasticidade da demanda por
trabalho é fixada em zero, o impacto distributivo de um aumento considerável
do salário mínimo – 25% – é bastante pequeno: o coeficiente de Gini cai
apenas 0,005 ponto, de 0,617 para 0,612, o que significa uma queda
percentual de apenas 0,9%. (RAMOS; REIS, 1995, apud DIAS, 2008, p. 78).21
Hoffmann (1998b), segundo Dias (2008), analisou os dados da PNAD para o período
de 1979 a 1996 buscando analisar a relação entre o rendimento médio, a inflação e o salário
mínimo e a desigualdade na distribuição de renda. Através de regressões com as variáveis de
interesse, o autor concluiu que maiores valores do salário mínimo estão associados a menores
índices de desigualdade. Para as alterações no valor real do salário mínimo, as regressões
20
Variáveis dummy são variáveis qualitativas, introduzidas em modelos de regressão para torná-los
potencialmente mais flexíveis. 21
Uma queda percentual de 0,9 pode parecer pequena quando conseguida através de um aumento de 25%
do valor real do salário mínimo, porém não é desprezível. Analisando os dados de 1995 a 2009, em
apenas sete oportunidades a redução da desigualdade (Gini) de um ano para o outro ultrapassou o patamar
de 1% no Brasil. Ou seja, conseguir a redução da desigualdade simplesmente através da política de salário
mínimo pode ser moroso e dispendioso, porém a política de salário mínimo atrelada a outras políticas
distributivas pode ter um efeito mais rápido e potente.
27
mostraram que existe uma relação negativa e estatisticamente significativa sobre a
desigualdade na distribuição de renda.
Ainda segundo Dias (2008), Azevedo e Silveira (2001) também analisaram a relação
do mínimo com os indicadores de desigualdade. Através do método de “experimento
natural”22
, testaram os impactos de pequenas alterações no salário mínimo sobre a
desigualdade de renda. O período analisado foi de dezembro 1996 a novembro de 1999, com
dados coletados da região metropolitana de Salvador. O objetivo dos autores era comparar os
índices de distribuição de renda antes e depois das elevações do salário mínimo. Os resultados
encontrados pelos autores foram ambíguos. Para facilitar a compreensão por perfil de
ocupação, os resultados foram estratificados entre os ocupados, os desempregados, inativos e
para os indivíduos agregados em famílias. Para os trabalhadores ocupados, em todo o período,
os índices permaneceram o mesmo. Para os desempregados, ocorreu aumento da concentração
de renda, principalmente nos anos de 1997 e 1998. Com relação aos inativos, houve redução
da concentração no período analisado. Para os agregados em famílias, houve uma relativa
constância nos aos de 1997 e 1998. Já em 1999, houve um aumento do grau de desigualdade
(Theil-L). Outra conclusão a qual chegaram os autores é que os impactos do salário mínimo
são mais potentes em famílias mais pobres e recebedoras de pensões e aposentadorias:
A análise de potenciais impactos das variações do salário mínimo, por tipos de
fontes de renda predominante para as famílias (outro recorte feito pelos
autores), reforça a compreensão de que esta política salarial impacta mais os
pobres de famílias cuja renda predominante provém de aposentadorias e
pensões, além do seguro desemprego, do que dos rendimentos da ocupação.
Entre estes, o trabalho doméstico e o trabalho adicional reduzem mais
intensamente a proporção de pobres. (AZEVEDO; SILVEIRA, 2001, apud
DIAS, 2008, p. 80).
Conforme mencionado antes, a quase que um consenso sobre os impactos do salário
mínimo sobre a distribuição dos salários, tanto no âmbito nacional quanto no internacional23
.
Um dos pioneiros a estudar os efeitos do mínimo sobre a distribuição salarial foi Fajnzylber
(2001). Segundo Dias (2008), o autor estimou os impactos do salário mínimo real sobre as
mudanças no salário real mensal. Seu estudo foi dividido entre os trabalhadores formais e os
22
Experimento natural é um método estatístico pelo qual se pode estimar alterações em um ambiente
afetado por variáveis exógenas, através da análise de dois grupos de controle, sendo um afetado pela
mudança, e um não afetado pelo evento (grupo de tratamento). (WOOLDRIDGE, 2003 apud
BUCHMANN;NERI, 2008, p. 18) 23
Conforme visto na primeira seção deste capítulo, a literatura internacional aponta para um consenso
sobre os efeitos positivos do salário mínimo sobre o rendimento do trabalhador, reduzindo, assim, a
dispersão salarial.
28
informais (“sem carteira” e “conta própria”), para o período de 1982 a 1997. O autor utilizou
os dados do painel rotativo da PME para seguir os mesmos indivíduos no primeiro e décimo
segundo mês em que foram entrevistados. O autor também considerou uma série de variáveis
de controle, variáveis dummy de mês e período para coordenar mudanças nas condições
macroeconômicas. O autor encontrou uma relação fortemente positiva entre o salário mínimo
real e a distribuição dos rendimentos. A estimativa das elasticidades são maiores nas camadas
mais baixas da distribuição. Quanto menor os salários, mais forte a relação encontrada, e essa
relação é decrescente à medida que os rendimentos aumentam.
Conforme observado por Ulyssea e Foguel (2006, p. 5 e 6),
[...] o autor encontra evidências de que o salário mínimo afeta de forma
significativa os salários daqueles cujo rendimento está em torno do valor do
mínimo. Além disso, o autor mostra que esse efeito se estende até os
trabalhadores que recebem um salário bem acima do valor do mínimo (ainda
que o efeito seja decrescente na renda) e de que o impacto sobre a distribuição
de salários, embora menos significativo, também está presente no setor
informal da economia.
Lemos (2004, 2005), segundo Ulyssea e Foguel (2006), realizou estudo similar ao
realizado por Fajnzylber (2001). A autora utilizou os dados da PME, porém não recorreu aos
dados dos indivíduos que a base possui, trabalhando apenas com os dados agregados de
regiões metropolitanas no período de 1982 a 2000. Os resultados encontrados pela autora
foram semelhantes aos encontrados por Fajnzylber (2001), porém as relações de elasticidade
encontradas por ela foram significativamente menores, tanto no setor formal quanto para o
informal, em especial para os decis superiores da distribuição. Considerando o setor formal e
informal da economia, a autora encontra elasticidades negativas e de grande magnitude para
as camadas mais elevadas da distribuição, o que sugere que as elevações no mínimo tendem a
reduzir os maiores salários da distribuição.
Soares (2002) também analisou a relação entre o mínimo e a distribuição dos salários
utilizando a PME. O período analisado foi de 1994 a 1999, período pós-estabilização
econômica24
. O fato do trabalho ter sido realizado no período pós-estabilização aumenta a
importância do mesmo, pois torna-se um empecilho a realização de estudos em períodos de
forte inflação e indexação salarial. Soares (2002) utilizou os dados do painel da PME e
aplicou o método de diferenças-em-diferenças de duas formas distintas. Na primeira, ele
24
A estabilização econômica foi resultado do choque heterodoxo realizado através do Programa
Brasileiro de Estabilização Monetária, iniciado em 1993. Dentre outras medidas, a implantação da nova
moeda nacional, o Real, se destaca.
29
utilizou os dados individuais e definiu como variável de controle os próprios indivíduos,
captados um mês antes e um mês depois do mês em que houve aumento do salário mínimo.
Na segunda, o autor também utilizou os dados dos indivíduos, porém a unidade de análise foi
o centésimo de renda, e a variável de controle também foi os próprios centésimos de renda,
analisados no mês anterior e posterior ao aumento do mínimo. Esta segunda abordagem
obteve resultados mais consistentes. O autor concluiu que os aumentos no mínimo provocam
impactos positivos na distribuição dos salários, porém é importante destacar que a análise
realizada por Soares (2002) superestima o aumento do salário mínimo ocorrido em 1995. Nos
anos posteriores, o autor mostra que o efeito obtido com o aumento do mínimo é bem menor
que no ano de 1995. Retirando-se este ano da amostra, boa parte dos resultados perde
importância.
Firpo e Reis (2006b) analisaram os impactos das elevações do salário mínimo na
redução da dispersão salarial no período de 2001 a 2005, período de significativo aumento
nominal do salário mínimo25
. Os dados utilizados pelos autores foram coletados das PNADs
realizadas no período. Foram incluídos na amostra todos os indivíduos ocupados e com
rendimentos do trabalho positivo na semana de referencia da pesquisa. De acordo com os
autores,
[...] os resultados estimados para o coeficiente de Gini, o aumento do salário
mínimo teria contribuído com 36% da redução na desigualdade dos
rendimentos do trabalho entre 2001 e 2005. Pelo índice Theil, a contribuição
do salário mínimo corresponderia a 30% da variação total, enquanto, pelo
índice Theil-L, essa contribuição teria sido de 60%. (FIRPO;REIS, 2006b, p.
504).
Firpo e Reis (2006b) concluíram que boa parte da queda na desigualdade salarial
observada entre 2001 e 2005 pode ser explicada pelo aumento do salário mínimo.
Dependendo da medida de desigualdade utilizada, de 30% a 60% da queda na desigualdade
pode ser creditada ao aumento do mínimo no período. Os autores observaram ainda que
Tal resultado não chega a ser surpresa quando comparado com o padrão de
comportamento da variação na desigualdade e do aumento do salário mínimo
ao longo do tempo. Firpo e Reis (2006a) mostram que, pelo menos desde o
início da década de 1990, aumentos do mínimo superiores aos da inflação
acarretaram diminuição da desigualdade salarial, enquanto quedas reais no
valor do mínimo foram acompanhadas por um aumento na dispersão de
25
Nesse período, o salário mínimo nominal passou de R$ 180,00, em 2001, para R$ 300,00, em 2005.
Esse aumento foi superior ao da taxa de inflação, e implicou uma elevação do salário mínimo real em
cerca de 16%. (FIRPO; REIS, 2006a, p. 500)
30
salários. Há que se questionar, no entanto, até que ponto variações no valor do
mínimo servem como instrumento eficaz no combate à redução da pobreza ou
da desigualdade. Em um ambiente macroeconômico de inflação controlada, o
salário mínimo tende a perder importância como elemento indexador na
economia. Elevações no valor do mínimo acima do que pode ser suportado
pelas firmas devem ser acompanhadas por aumento no desemprego ou, em
alguma medida, na informalidade. Nesse sentido, espera-se que, nos próximos
anos, políticas de aumento do mínimo produzam efeitos cada vez menos
relevantes no combate à desigualdade salarial no Brasil. (FIRPO; REIS,
2006b, p. 505).
Diante dos resultados dos trabalhos analisados, verificamos que o salário mínimo se
configura como um importante instrumento de política econômica, capaz de causar impactos
positivos, tanto no rendimento médio do trabalhador quanto na distribuição dos salários no
mercado de trabalho. Os estudos empíricos mais recentes comprovam o impacto positivo do
salário mínimo sobre a distribuição dos rendimentos do trabalho.
O salário mínimo no Brasil tem vivenciado uma etapa de grande valorização, iniciada,
principalmente, após o Plano Real. Com a estabilização dos preços e o controle inflacionário,
o poder de compra do salário mínimo tem aumentado gradativamente. De 1995 a 2011, o
salário mínimo aumentou 678%, saltando de R$70,00 em 1995 para R$545,00 em 201126
.
Nesse mesmo período, a inflação acumulada foi de 231%27
, o que resulta em um aumento real
do salário mínimo de 446%.
A valorização do salário mínimo é, sem dúvidas, responsável em grande parte pela
redução da dispersão salarial observada nos últimos anos. O Governo Federal esboçou certa
preocupação com o salário mínimo e a sua valorização ao longo dos últimos anos, e
recentemente foi aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal a Política de
Valorização do Salário Mínimo para o período de 2012 a 2015. Segundo a matéria, o salário
mínimo será reajustado anualmente visando ter seu poder de compra preservado. Seu reajuste
será composto pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC acumulado
dos doze meses anteriores, e pelo crescimento real do Produto Interno Bruto – PIB de dois
anos anteriores. Esse cálculo permitirá a preservação do poder de compra do salário mínimo
em virtude da inflação do ano anterior, através do percentual aplicado do INPC, e
acrescentará poder de compra adicional ao salário mínimo através do percentual de
crescimento do PIB de dois anos anteriores.
26
A proposta salarial do governo para o ano de 2012 foi anunciada recentemente, e o valor proposto é de
R$622,73. Caso seja aprovado no congresso nacional, a valorização de 1995 a 2012 será de 789%. 27
O índice inflacionário de referência é o IPCA/INPC, divulgado pelo IBGE.
31
Conforme observado por Pochmann (2004, p. 2)28
,
Construir uma política de salário mínimo implica em olhar para a frente e ter
uma política de médio e longo prazo. Nessa ótica, o salário mínimo não deve
servir apenas para enfrentar a velha pobreza, em famílias de baixíssima
escolaridade ou muito numerosas. Em praticamente todos os países em que foi
constituído, seu papel tem sido o de evitar que trabalhadores em setores de
baixa produtividade tenham uma remuneração muito menor do que os
trabalhadores empregados em setores de maior produtividade. Assim, o salário
mínimo deve ser voltado para a nova pobreza: trabalhadores de maior
escolaridade, famílias monoparentais, trabalhadores nascidos nas metrópoles
que têm uma enorme dificuldade de inserção profissional.
Em suma, a política de valorização do salário mínimo se configura como importante
ferramenta de redução da desigualdade de renda.
Em uma perspectiva mais abrangente, o salário mínimo não deve ser apenas
instrumento de política econômica. Além de acumular essa função, deve ser capaz de
proporcionar uma vida digna aos trabalhadores e seus familiares, assim como descrito na
Constituição Federal de 1988. O salário mínimo incorpora, portanto, um preceito ético-moral,
que o denota como mantenedor das necessidades básicas vitais dos trabalhadores e de seus
familiares.
28
Comunicação pessoal do autor durante debate realizado pela revista Desafios do Desenvolvimento,
transcrita na edição número quatro da revista. Revista elaborada pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA).
32
CAPÍTULO 2
SALÁRIO MÍNIMO, DESIGUALDADE E POBREZA: INDICADORES NO BRASIL
RECENTE
O primeiro capítulo desta monografia apresentou uma pequena revisão bibliográfica
acerca dos impactos da elevação do salário mínimo sobre o nível de desigualdade. Vimos que
na maior parte da literatura revisitada, tanto no âmbito nacional quanto internacional, os
autores encontraram evidencias da existência de uma relação positiva entre o aumento do
mínimo e a redução da concentração de renda.
O segundo capítulo desta monografia aborda a relação entre o salário mínimo e a
distribuição de renda no Brasil no período de 1995 a 2009, focando nos indicadores de renda,
desigualdade e pobreza. O período de análise se inicia no ano de 1995 não por acaso, pois se
trata do primeiro ano após a implantação do Plano Real, plano econômico que trouxe de volta
a estabilidade de preços. Isto evita as eminentes dificuldades que um período com alta
inflação impõe a um trabalho que vise analisar os impactos do salário mínimo sobre a
distribuição dos rendimentos, da desigualdade e da pobreza. O objetivo do capítulo é
quantificar e analisar a evolução do salário mínimo, da desigualdade e da pobreza,
relacionando essas três variáveis ao longo do período delimitado, bem como evidenciar o
resultado de alguns trabalhos que analisaram essa mesma relação dentro do período
delimitado.
As sucessivas elevações do salário mínimo ao longo do período selecionado devem
produzir efeitos positivos na distribuição dos rendimentos, conforme evidenciado no primeiro
capítulo desta monografia.
Durante o período selecionado, o salário mínimo nominal saltou de R$100,00 em
1995, para R$545,00 em 2011, um aumento de 445%. Esse aumento foi superior ao da taxa da
inflação, e resultou em um aumento do salário mínimo real em cerca de 74,03%.
A primeira seção deste capítulo traz alguns resultados interessantes encontrados na
literatura econômica brasileira, principalmente através de análises estatísticas, reforçando as
evidências apresentadas na primeira parte desta monografia. A segunda seção deste capítulo
apresenta uma análise descritiva da evolução do salário mínimo de 1995 a 200929
, e sua
relação com a evolução da desigualdade de renda e da pobreza.
29
A análise se restringirá até o ano de 2009, pois as mensurações do coeficiente de Gini para os anos de
2010 e 2011 ainda não foram divulgadas pelo IBGE.
33
2.1 Salário mínimo e distribuição de renda: resultados encontrados na literatura
nacional
Alguns trabalhos realizados respaldam as evidências encontradas na literatura
econômica nacional e internacional acerca do salário mínimo, trazendo constatações
empíricas conseguidas através de diferentes análises estatísticas. Soares (2002) estimou o
impacto das elevações do salário mínimo real sobre a distribuição individual dos rendimentos,
analisando o período de 1995 a 1999. O autor utilizou como fonte de dados as PNADs e as
PMEs. O autor dividiu a análise sobre o salário mínimo em duas, uma visual e quantitativa,
mostrando que o salário mínimo exerce influência sobre a distribuição dos rendimentos, e
outra estatística, identificando qual o impacto do mínimo sobre a renda de cada centésimo da
distribuição.
Com relação as análises realizadas acerca dos impactos do salário mínimo, Soares
(2002, p. 23) observou que
Os picos visíveis nas densidades estimadas mostram, claramente, tanto a
elevação de alguns rendimentos como o fato de vários outros terem sido
deixados para trás. Adicionalmente, é visível que o salário mínimo exerce
mais influência sobre pessoas em categorias profissionais ou com
características pessoais associadas à fraqueza na barganha salarial, embora não
necessariamente associados a uma baixa renda domiciliar (ver os exemplos de
mulheres, não-chefes e velhos). Portanto, a primeira parte deixa claro o papel
do salário mínimo enquanto protetor de alguns fracos e oprimidos. A segunda
tentou quantificar, mediante vários artifícios estatísticos, o impacto do mínimo
sobre a renda de cada centésimo da distribuição. Para tanto, tentei várias
abordagens. Não acredito piamente em nenhuma delas. Todas estão sujeitas a
hipóteses fortes e podem muito bem estar erradas.
O autor utilizou três abordagens em busca de evidências do impacto dos aumentos do
mínimo sobre o rendimento individual. A primeira abordagem foi seguir o mesmo indivíduo e
observar seu salário antes e após o mínimo aumentar, a segunda foi o método das diferenças
em diferenças temporais por centésimo, e a terceira abordagem foi a regressão por centésimo.
Por mais que o autor não acredite por completo nas abordagens realizadas, os resultados
encontrados não divergem muito entre si e nem com os outros resultados encontrados na
literatura, o que leva o autor as seguintes conclusões:
Em primeiro lugar, a elasticidade do rendimento com relação ao salário
mínimo varia segundo a posição que o indivíduo ocupa na distribuição
individual dos rendimentos. Acredito que seja algo em torno de 0,2 para
34
indivíduos nos primeiros dez a quinze centésimos (aqueles cujo rendimento já
estava abaixo do mínimo antes do aumento), e algo em torno de 0,6 para
indivíduos nos próximos dez (aqueles indivíduos cujas rendas se concentram
no pico do salário mínimo) e que depois decai, indo para zero para os dois
quintos superiores da distribuição. É importante ressaltar que essa opinião
representa mais uma estimativa, não muito informada, que números inscritos
na pedra. Vários problemas existem nesta análise. Em primeiro lugar, o
período analisado foi um período de aumentos quase contínuos, ainda que
pequenos, no salário mínimo. O salário mínimo real caiu apenas de maio de
1995 para maio de 1996. Em segundo lugar, os resultados sofrem forte
influência do forte aumento em 1995. Sem esse aumento, grande parte dos
resultados perde significância. Finalmente, é importante lembrar que todas
essas estimativas foram feitas para seis regiões metropolitanas, que não
chegam a representar 1/3 da população brasileira, e, portanto, podem não
refletir a realidade no resto do país. (SOARES, 2002, p. 23)
Em síntese, Soares (2002) concluiu que as elevações do salário mínimo produzem
efeito positivo, principalmente sobre os indivíduos com menor poder de barganha, e que,
portanto, o mínimo assume o papel de protetor dos “fracos e oprimidos”30
.
Saboia (2006) verificou o papel que a evolução do salário mínimo teve na diminuição
das desigualdades de renda no país. O autor utilizou como fonte de dados as PNADs
disponibilizadas no período de 1995 a 2004, período delimitado para a análise.
O autor desagregou os dados das pessoas através de seus rendimentos em decis,
classificando-os dos decis de maior renda média para os de menor renda média. A análise do
autor compara o aumento da renda média por decil com o aumento do salário mínimo ao
longo do período. Segundo o autor,
No período 1995/2004, as pessoas localizadas no terceiro décimo da
distribuição dos rendimentos tiveram um aumento real de 24,9%, ligeiramente
abaixo do crescimento do SM (27,4%). Todas as demais faixas tiveram perdas
de rendimento. Tais perdas, entretanto foram pequenas para as faixas vizinhas,
variando entre 3% e 9% no segundo, quarto, quinto e sexto décimos. Tais
faixas são exatamente aquelas cujos rendimentos estão próximos ao SM. Seus
rendimentos médios em 2004 variavam entre 0,7 SM para o segundo décimo e
1,7 SM para o sexto décimo (conforme é sabido, é muito comum negociações
salariais que fixam a remuneração não apenas em 1 SM, mas também em 1,5
SM, 2 SM etc.). Tendo em vista seus baixíssimos níveis de renda, a faixa de
menores rendimentos (décimo inferior) praticamente não é influenciada pelo
SM, tendo sofrido uma queda de 40% em seus rendimentos no período. Por
outro lado, as quatro faixas superiores (a partir do sétimo décimo) também
estão pouco influenciadas pela evolução do SM, sofrendo perdas entre 14%
(sétimo décimo) e 22% (décimo superior). (SABOIA, 2006, p. 2)
30
Soares (2002, p. 23)
35
Em suma, Saboia (2006) concluiu que os aumentos do salário mínimo a partir de 1995
contribuíram para a elevação da renda dos decis com renda média próxima ao salário mínimo.
O terceiro decil, que em 2004 possuía renda média idêntica ao salário mínimo, foi o mais
beneficiado pelas elevações do mínimo. O segundo, o quarto, o quinto, e até o sexto decil,
também foram beneficiados de alguma forma com o aumento do mínimo. Os quatro últimos
decis experimentaram uma queda em seus rendimentos. O primeiro decil, correspondente as
pessoas com menor renda na distribuição, não foi influenciado pelas flutuações do salário
mínimo, e experimentou forte queda de 1995 a 2004. De acordo com o autor, “Trata-se de um
contingente de pessoas candidatas a programas de assistência social para a melhoria de seu
nível de rendimentos”. (SABOIA, 2006, p. 3)
Barros, Carvalho, Franco e Mendonça (2007) analisaram a redução do grau de
desigualdade entre 2001 e 2005, avaliando a contribuição do salário mínimo para esse
processo. Entre os anos de 2001 e 2005, o coeficiente de Gini diminuiu quase 5%, e a razão
entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres reduziu quase 20%.
Os autores buscaram identificar, através de uma série de simulações contrafactuais,
quais foram os determinantes para essa recente queda da desigualdade de renda. As fontes de
dados utilizadas também foram as PNADs.
Os autores analisaram a importância de três variáveis para a redução da desigualdade.
São elas: a) a alteração do número de adultos por família; b) a alteração da renda por adulto; e
c) a associação entre essas duas variáveis.
A alteração na distribuição percentual de adultos por família pouco provocou impacto
na redução da desigualdade de renda per capita, sendo essa responsável por cerca de 7% a 8%
do impacto total. A associação entre a alteração do percentual de adultos e da alteração de
renda por adulto não provocou impacto positivo na redução da desigualdade.
De acordo com os autores, a variável responsável pela maior parte do impacto na
redução da desigualdade entre 2001 e 2005 foi a alteração na renda familiar por adulto, sendo
cerca de 50% desse impacto resultante da mudança na distribuição da renda não derivada do
trabalho e cerca de 50% resultante da alteração da distribuição da renda derivada do trabalho.
De acordo com Barros et al. (2007, p. 20),
Entre os resultados encontrados, devemos destacar que cerca de 50% do
declínio da desigualdade resultaram da evolução da renda não derivada do
trabalho, apesar de ela representar menos de 1/4 da renda total. Mudanças na
distribuição da renda do trabalho explicam cerca de 1/3 da queda observada na
desigualdade, embora essa renda represente mais de 3/4 da renda total.
36
Também importante para a queda no grau de desigualdade foi a redução na
associação entre essas duas fontes de renda.
Os autores concluíram o trabalho ressaltando que o aprendizado sobre o que causou
essa queda na desigualdade é de extrema valia, pois permite que intervenções futuras sejam
realizadas a fim de se manter e intensificar a redução do grau de concentração da renda.
Por fim, os últimos resultados a serem considerados nesta seção foram produzidos por
Dias (2008). O autor procurou estimar o impacto da elevação do salário mínimo sobre a renda
individual do trabalho. O período de análise definido foi entre os anos de 1995 e 2007, e a
fonte de dados utilizada foram as PNADs.
O autor trabalhou com três abordagens para realizar o estudo. A primeira foi a
utilização da densidade de Kernel para a verificação da incidência do salário mínimo na
distribuição dos rendimentos individuais do trabalho. A segunda abordagem foi diferenças-
em-diferenças temporais por centésimo, onde o autor tentou captar na renda as variações de
centésimo oriundas das variações do salário mínimo. A terceira abordagem foi regressão por
centésimo, a partir da qual o autor encontrou onde as variações do mínimo produzem maior
impacto.
Os resultados encontrados pelo autor corroboram com os resultados já destacados
nesta seção. Através da segunda abordagem, o autor identificou que para todos os ocupados,
em quase todos os centésimos da distribuição, a elasticidade encontrada entre a renda média
do centésimo e o salário mínimo foi positiva. O autor ressaltou que para os centésimos com
renda média idêntica ao mínimo, a elasticidade encontrada foi em torno de 0,8, ou seja, caso
houvesse o aumento de 1 unidade monetária no salário mínimo, a renda média do centésimo
aumentaria 0,8 unidade monetária.
Adicionalmente, através da terceira abordagem, o autor identificou que as variações do
salário mínimo exercem impactos positivos significativos para os ocupados inseridos nas
faixas de baixo rendimento, principalmente para os trabalhadores com carteira assinada e sem
carteira31
.
Em síntese, as variações do salário mínimo exercem impactos significativos
para os ocupados inseridos em faixas de baixo rendimento, sobretudo entre os
trabalhadores com carteira e sem carteira. Porém, essas variações não se
revelaram muito importantes para os trabalhadores autônomos. Esses
exercícios reforçam os estudos que defendem que o salário mínimo tem um
31
Os resultados encontrados para os trabalhadores autônomos não foram consideráveis, reforçando,
assim, os estudos que defendem que o salário mínimo tem um importante efeito farol para um grande
número de assalariados sem carteira.
37
efeito farol importante para um grande contingente de assalariados sem
carteira, mas não constatamos esse efeito no caso de trabalhadores por conta
própria. (DIAS, 2008, p. 126)
Os trabalhos destacados nesta seção evidenciam a forte relação positiva entre as
elevações do salário mínimo e a redução da dispersão salarial, caracterizada pela redução da
desigualdade de renda. Cabe ressaltar que esta seção não tinha a pretensão de realizar uma
nova revisão da literatura, e sim captar o resultado de alguns trabalhos que compartilham da
mesma preocupação: a de utilizar o salário mínimo como instrumento de redução da
desigualdade e redução da pobreza. A próxima seção apresenta uma análise descritiva dos
dados disponíveis sobre o salário mínimo, a concentração de renda e a pobreza.
2.2 Salário mínimo e distribuição de renda: análise descritiva
A desigualdade de renda no Brasil não é algo novo, pelo contrário, está enraizada e foi
intensificada com o processo de industrialização do país. Ano após ano, o país está situado
entre os primeiros na lista dos países mais desiguais do mundo, perdendo apenas para alguns
poucos países africanos.
As últimas duas décadas foram marcadas por uma considerável redução na
desigualdade de renda, principalmente no período compreendido entre os anos de 2002 e
2009.
A desigualdade de renda, medida aqui pelo coeficiente de Gini, está em queda
constante desde o ano de 2002, e desde então reduz a uma média anual de 1,1%. De 2002 a
2009, a desigualdade de renda reduziu 7,9%, saindo de 0,589 no primeiro ano para 0,543 no
último. Uma redução considerável quando comparada a de outros países do mesmo porte
econômico. Considerando os países pertencentes ao Grupo dos 20, ou, simplesmente, G20,
que são as 19 maiores economias do mundo mais a União Européia, o Brasil é a segunda
nação com maior desigualdade, perdendo apenas para a África do Sul32
.
Conforme evidenciado no primeiro capítulo desta monografia, uma das variáveis
explicativas para a redução da desigualdade de renda é o salário mínimo. O salário mínimo
cresceu consideravelmente nos últimos anos, e aliado a relativa estabilidade dos preços,
produziu crescimento salarial real. Desde 1995, ano base do salário mínimo em reais, o
aumento nominal acumulado do salário mínimo até 2009 foi de 445%, em termos reais, o
32
Informativo da Oxfam 157. Oxfam - Oxford Committee for Famine Relief (Comitê de Oxford de
Combate à Fome). Deixados para trás pelo G20? Janeiro de 2012, p. 16.
38
aumento foi de 74,03%. O salário mínimo real saltou de R$282 em 1995 para R$490 em
200933
.
Conforme ilustra o gráfico 1, o aumento do salário mínimo entre 1995 e 2009 esteve
associado a redução da concentração dos rendimentos, que caiu de 0,601, no primeiro ano,
para 0,543, no último. O comportamento das duas variáveis, portanto, está de acordo com o
que foi evidenciado no primeiro capítulo desta monografia.
Gráfico 1. Evolução do Salário Mínimo Real (R$ de 2009) e do Coeficiente de Gini – 1995 a 2009 Fonte: Elaboração própria, com base nos dados disponibilizados pela PNAD/IBGE
A correlação linear encontrada entre as duas variáveis foi de -0,972. A correlação
existente entre as duas variáveis é negativa e forte, o que indica uma relação linear forte entre
as duas variáveis.
Outra medida de desigualdade que está fortemente relacionada com o salário mínimo é
a razão entre o salário médio dos 20% mais ricos e dos 20% mais pobres. Esse indicador capta
a discrepância dos rendimentos médios entre as duas pontas da distribuição, caracterizadas
pela renda média dos dois primeiros decis.
A correlação linear entre essa medida e o salário mínimo real é de -0,95. Essa relação
está ilustrada no gráfico 2. A razão entre a renda média dos 20% mais ricos e dos 20% mais
pobres reduziu 31,5% de 1995 a 2009.
33
Valores disponibilizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA na série Salário
Mínimo Real. A série completa está disponível no site www.ipeadata.com.br, na aba de indicadores
macroeconômicos. O salário mínimo real foi obtido deflacionando-se o salário mínimo nominal pelo
Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, apurado pelo IBGE.
R$ 282 R$ 289 R$ 297R$ 314
R$ 303
R$ 348R$ 337
R$ 366 R$ 374
R$ 410
R$ 466R$ 481
R$ 493 R$ 490
0,601 0,602 0,602 0,6000,594 0,596
0,5890,583
0,572
0,569
0,563
0,556
0,5480,543
0,520
0,540
0,560
0,580
0,600
0,620
R$ 200
R$ 250
R$ 300
R$ 350
R$ 400
R$ 450
R$ 500
R$ 550
R$ 600
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Salário Mínimo Real Coeficiente de Gini
39
Gráfico 2. Evolução do Salário Mínimo Real (R$ de 2009) e da Razão Entre a Renda Média dos 20%
Mais Ricos e 20% Mais Pobres – 1995 a 2009 Fonte: Elaboração própria, com base nos dados disponibilizados pelo IBGE e IPEA
O aumento do salário mínimo, portanto, contribuiu de forma efetiva para a redução da
concentração de renda no Brasil nos últimos 15 anos, o que proporcionou a redução da
pobreza e da extrema pobreza nesse período.
A literatura econômica, através de seus vários matizes teóricos, já discutiu amplamente
o processo pelo qual se dá a concentração de renda. Na literatura internacional, alguns
argumentos merecem destaque, como os argumentos existentes a favor da oferta, embasados
na teoria neoclássica, e os existentes a favor da demanda, caracterizados pelas teorias
“radical”, da fila, pelas abordagens de mercado segmentado e do contorno salarial34
. Na
literatura brasileira, a maioria dos estudos se debruçou sobre as causas da elevada
desigualdade de renda. Em geral, a hipótese da existência de imperfeições de condições, como
a desigualdade de acesso a educação, a dificuldade de se conseguir formação e treinamento, a
experiência, o gênero e a raça, além dos desequilíbrios regionais e setoriais, são aceitos como
fatores determinantes para a concentração de renda.
A concentração de renda é um dos fatores determinantes para a existência da pobreza
no Brasil. Segundo Barros, Henriques e Mendonça (2001), os desníveis de renda existentes
impossibilitam às camadas inferiores da distribuição de se apropriarem dos benefícios do
crescimento econômico. Borguignon (2002) argumentou que quanto maior a concentração de
renda existente, menor será a efetividade do crescimento econômico em reduzir a pobreza.
34
Para maiores informações, ver Dias (2008)
R$ 282 R$ 289 R$ 297R$ 314
R$ 303
R$ 348R$ 337
R$ 366 R$ 374
R$ 410
R$ 466R$ 481 R$ 493 R$ 490
27,729,7 29,0
27,826,4
27,5
25,0 24,7
22,4 21,7
20,8 20,719,3 19,0
0,0
5,0
10,0
15,0
20,0
25,0
30,0
35,0
R$ 200
R$ 250
R$ 300
R$ 350
R$ 400
R$ 450
R$ 500
R$ 550
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009Salário Mínimo Real Razão Entre a Renda Média dos 20% Mais Ricos e 20% Mais Pobres
40
Araujo e Marinho (2012) realizaram um trabalho investigando a relevância das
alterações na renda e na desigualdade de renda para a alteração da pobreza no Brasil. O
objetivo foi ponderar os efeitos do crescimento econômico e da redistribuição de renda na
variação da pobreza entre 1995 e 2009.
A partir da utilização de dados em painel para os estados brasileiros, os autores
estimaram a elasticidade entre a pobreza e renda e a elasticidade entre a pobreza e
desigualdade, tendo como fonte de dados as PNADs.
Os resultados encontrados pelos autores apontam que existe uma forte relação entre
pobreza e renda e entre pobreza e concentração de renda, sendo esta última maior. A
elasticidade encontrada entre a pobreza e a renda foi de -0,68, ou seja, o aumento de 1% na
renda per capita resulta na redução de 0,68% da proporção de pobres. A elasticidade
encontrada entre a pobreza e a desigualdade foi de 0,77. Para cada 1% de aumento da
desigualdade, aumenta-se em 0,77% a proporção de pobres.
A redução da pobreza, portanto, é proxy da redução da desigualdade, que, como já
destacado, é amplamente influenciada pela elevação do salário mínimo.
É fato que a pobreza reduziu consideravelmente nos últimos anos no Brasil, tanto em
volume, quanto em proporção. Os dados captados pelo IBGE mostram que em 1995 o número
de pobres no Brasil era de cerca de 51 milhões, o que representava 35,1% da população, e em
2009 o número de pobres reduziu a cerca de 39 milhões, e a proporção de pobres caiu para
21,4%, uma redução de 23,5% do número de pobres.
Além da redução da pobreza, a camada abaixo desta, a da extrema pobreza, também
foi beneficiada com a melhoria da distribuição de renda. De 1995 a 2009, houve uma redução
de 40% no número de extremamente pobres, saindo de cerca de 22 milhões no primeiro ano
para cerca de 13 milhões no último. A linha da pobreza considerada pelo IBGE é o dobro da
linha de extrema pobreza, que corresponde a estimativa do valor de uma cesta de alimentos
com o mínimo de calorias necessárias para suprir adequadamente uma pessoa. O gráfico 3
ilustra a evolução da proporção de pobres, extremamente pobres e do salário mínimo real,
evidenciando a relação negativa entre essas variáveis. A correlação linear encontrada para o
salário mínimo real e a proporção de pobres é de -0,927, e para o salário mínimo e a
proporção de extremamente pobres é de -0,959, ou seja, ambas estão negativamente
relacionadas ao salário mínimo.
41
Gráfico 3. Evolução da Proporção de Pobres, Extremamente Pobres e do Salário Mínimo Real (R$ de
2009) – 1995 a 2009 Fonte: Elaboração própria, com base nos dados disponibilizados pela PNAD/IBGE
A redução da pobreza é, sem duvidas, um dos objetivos capitais da política de
valorização do salário mínimo. Conforme salientado por Soares (2002, p. 1), “pouca razão
existe para impor um custo adicional às empresas, onerar as folhas de pagamento de estados e
municípios e correr o risco de aumentar o desemprego se isto não resultar em melhores
salários para as pessoas mal colocadas na distribuição de renda”.
De forma sucinta, através ilustração da evolução dos indicadores, pudemos observar
nesta seção que os dados analisados convergem com os resultados encontrados na primeira
seção deste capítulo. A análise descritiva realizada evidenciou o comportamento do salário
mínimo real, do coeficiente de Gini, da taxa de pobreza, da taxa de extrema pobreza e, por
último, da taxa de desemprego, entre os anos de 1995 a 2009.
É de grande valia a compreensão do comportamento das variáveis analisadas, visto
que muito precisa ser feito ainda. O Brasil abriga ainda cerca de 39 milhões de pessoas abaixo
da linha da pobreza, e cerca de 13 milhões abaixo da linha da extrema pobreza. É necessário
que o combate a concentração de renda e a pobreza seja intensificado, e que outras políticas
distributivas também possam ser adotadas conjuntamente com a política de valorização do
salário mínimo, visando, assim, a redução das disparidades sociais.
R$ 282 R$ 289 R$ 297R$ 314 R$ 303
R$ 348 R$ 337R$ 366 R$ 374
R$ 410
R$ 466 R$ 481 R$ 493 R$ 490
15% 16% 16%15% 15% 15%
14%15%
13%11%
9% 9%8% 7%
35% 35% 35% 34% 35% 35% 34%36%
34%
31%
27%24%
23%21%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
40%
R$ 0
R$ 100
R$ 200
R$ 300
R$ 400
R$ 500
R$ 600
1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Salário Mínimo Real Taxa de Extrema Pobreza Taxa de Pobreza
42
CONCLUSÃO
A utilização do salário mínimo como mecanismo de distribuição de renda traz consigo
uma controversa discussão a respeito dos seus efeitos. O primeiro capítulo desta monografia
evidenciou o ponto de vista de vários autores, a favores e contra a utilização da remuneração
mínima como instrumento de distribuição de renda.
Os recentes trabalhos divulgados no Brasil têm confirmado a relação negativa entre o
salário mínimo e a desigualdade de rendimentos, evidenciando os impactos positivos do
salário mínimo no quadro distributivo.
Pudemos observar que entre os anos de 1995 e 2009 o Brasil passou por um forte
processo de valorização salarial, saindo de R$100,00 no primeiro ano para R$465,00 no
último. Durante esse mesmo período, a desigualdade de renda reduziu consideravelmente. O
coeficiente de Gini, utilizado aqui para mensurar o grau de concentração de renda, reduziu de
0,601 em 1995 para 0,543 em 2009. Analisando a correlação linear existente entre essas duas
variáveis, observamos que existe um forte relacionamento linear entre elas, na ordem de -
0,97. Os resultados destacados na segunda seção do segundo capítulo reforçam a relação aqui
indicada, além de estimarem o grau do impacto distributivo provocado pelo aumento do
salário mínimo.
A recente queda da desigualdade de renda no Brasil contribuiu com a redução da
pobreza e da extrema pobreza. Durante o período analisado, o percentual de pobres na
população reduziu de 35% para 21%, e o percentual de extremamente pobres reduziu de 15%
para 7%.
O combate a pobreza deve figurar entre os principais temas de estudo dos
economistas, e deve nortear o plano de governo de qualquer político brasileiro. A
concentração de renda é uma das principais causas da pobreza, e seu combate auxiliará na
redução e na extinção da pobreza.
Constatamos que o salário mínimo se configura como um importante instrumento de
política distributiva, visto seu grande potencial em reduzir a concentração de renda existente
no país. Utilizado conjuntamente com outras políticas distributivas, pode ser uma das
soluções para que milhões de brasileiros escapem das armadilhas da pobreza35
e consigam
viver minimamente bem, mantendo suas necessidades vitais básicas.
35
Ver Perry Arias, López, Maloney, e Servén (2006).
43
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