Rodrigode Mudrovitsch - Desentrincheiramento da Jurisdição Constitucional
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Universidade de Braslia UnB
Faculdade de DireitoCurso de Mestrado
DESENTRINCHEIRAMENTO DA JURISDIO CONSTITUCIONAL
Autor: Rodrigo de Bittencourt MudrovitschOrientador: Professor Dr. Gilmar Ferreira Mendes
Dissertao de mestrado em Direito.
Maro
2013
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Dissertao apresentada Faculdade de Direito da Universidade de Braslia como
requisito para a obteno do Grau de Mestre em Direito.
Orientador: Professor Dr. Gilmar Ferreira Mendes
Composio da Banca:
Professor Dr. Gilmar Ferreira Mendes (orientador) Universidade de Braslia
Professor Titular Marcelo Neves Universidade de Braslia
Professor Titular Trcio Sampaio Ferraz Jnior Universidade de So Paulo
Professor Dr. Juliano Zaiden BenvindoUniversidade de Braslia (suplente)
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Para Mariana, os meus pais e Jlia.
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Agradecimentos
Esta dissertao resulta de extenso trabalho de pesquisa que contou com o auxlio de diversas
pessoas.
Inicialmente, devo agradecer minha noiva Mariana, pelo fundamental apoio em todas as
esferas da minha vida. Sem a sua companhia eu jamais teria conseguido ultrapassar as
dificuldades de conciliar o meu interesse acadmico com o exerccio da advocacia. Com
segurana, foi a sua presena durante todo o processo de produo do trabalho, de forma
paciente, amorosa e companheira, o principal alicerce de sustentao do resultado final.
minha me, devo agradecer primeiramente pela inspirao para o surgimento da minha
paixo pelos estudos. O privilgio de acompanhar a sua notvel carreira acadmica, marcadapor extrema seriedade e dedicao pesquisa, foi a razo do meu interesse pela ps-
graduao. Alm disso, jamais poderei retribuir altura todo o suporte que recebi para a
conduo dos meus estudos.
Agradeo tambm ao meu pai, que sempre esteve perto de mim, independentemente da
distncia fsica. O seu incentivo tambm foi essencial para a elaborao do trabalho.
minha irm Jlia, eu agradeo pela simples razo da sua existncia.
Ao meu orientador, Professor Gilmar Ferreira Mendes, agradeo profundamente por todo oapoio concedido. Todas as qualidades acadmicas que esse trabalho eventualmente tenha
decorrem diretamente do aprendizado que tive como seu aluno.
Devo agradecer tambm ao Professor Henrique Fagundes Filho, que foi o primeiro
responsvel, na minha poca de graduao perante a Universidade de Braslia, pelo
surgimento do meu interesse pelo aprofundamento terico. Serei sempre grato pelo auxlio
recebido nessa fase.
Agradeo, ainda, aos meus amigos-irmos Raphael Marcelino de Almeida Nunes, AlexandreVitorino Silva e Francisco Schertel Mendes, pela parceria que foi decisiva para a concluso
do trabalho.
Agradeo, tambm, s sugestes dos colegas Rodrigo Kaufmann, Jorge Octvio Lavocat
Galvo e Gustavo Teixeira Gonet Branco.
Por fim, devo agradecer Faculdade de Direito da Universidade de Braslia pelo espao
concedido ao meu trabalho de pesquisa. Agradeo ao corpo docente pelas valiosas lies de
direito constitucional, em especial aos Professores Marcelo Neves, Ana Frazo, Marcus Faro
de Castro e Juliano Zaiden Benvindo. Agradeo, tambm, a todos os integrantes dos grupos
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de pesquisa sobre Jurisdio Constitucional e Direitos Fundamentais e Experimentalismo
Institucional. As discusses nos encontros das manhs de sbado foram decisivas para a
formao da opinio que hoje possuo sobre o direito constitucional.
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Resumo
O problema real que a presente dissertao objetiva enfrentar o sufocamento imaginativo do
direito constitucional brasileiro atual. A partir de leitura prpria da teoria do
experimentalismo institucional, que representa o produto mais valioso da obra de Roberto
Mangabeira Unger, ser defendido que insuficiente afirmar, como a regra no Brasil, que a
ausncia de legitimidade poltica das Cortes Constitucionais pode ser suprida apenas
argumentativamente. Ser afirmada, assim, a ingenuidade da crena dominante no direito
constitucional brasileiro de que possvel superar a tenso entre constitucionalismo e
democracia apenas a partir de sofisticaes interminveis de teorias de interpretao
normativa. Nesse sentido, a dissertao propor o desentrincheiramento por completo dajurisdio constitucional, para que o instituto ganhe plasticidade imaginativa contextualizada.
Com isso, ser possvel compreender que no existem regras gerais de funcionamento das
Cortes Constitucionais e de interpretao de normas. Alm disso, ficar claro que necessrio
substituir o critrio da racionalidade pelo da utilidade no debate relacionado aos limites
democrticos da jurisdio constitucional. Por fim, no que diz respeito democracia
brasileira, ser defendido que a agenda atual da teoria constitucional no tem desempenhado
papel relevante para propiciar os avanos democrticos necessrios ao pas. O foco ser ademonstrao de que constitui problema relevante da democracia brasileira atual a ausncia
de arenas de dissenso na sociedade civil. A peculiaridade dessa patologia social que o seu
enfrentamento depende de efetivos experimentalismos democrticos que no podem ser
realizados a partir da jurisdio constitucional ou por exclusivo intermdio dela. O caminho
que ser proposto passa pela reviso da poltica brasileira atual de laissez-fairecom relao
promoo social da cidadania.
Palavras-chave: Pragmatismo radical. Experimentalismo institucional. Poltica.
Jurisdio constitucional.
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Abstract
This dissertation confronts the lack of imagination on the current Brazilian constitutional law.
From a particular way of understanding Ungers theory of the institutional experimentalism,
the dissertation affirms the insufficiency of the statement that the democratic legitimacy of
Constitutional Courts can be acquired simply by legal argumentation. It argues the
insufficiency of that the dominant belief of the current Brazilian constitutional law on the
possibility of overcoming the conflict between democracy and constitutionalism exclusively
by the sophistication of normative theories. It proposes the complete disentrenchment of the
institute of judicial review, in search of conceptualized imaginative plasticity. Therewith, the
dissertation suggests the conclusion that it is not possible to establish general rules forConstitutional Courts and interpretation of constitutional norms. Furthermore, the dissertation
proposes the necessity of substituting the criteria of rationality for the criteria of utility on the
debate of the democratic legitimacy of judicial review. Finally, regarding the Brazilian
democracy, the dissertation argues that the current Brazilian constitutional theory has not been
able to create the conditions for the democratic development of the country. In this sense, it
demonstrates that the absence of dissent arenas on the Brazilian civil society is an important
democratic pathology which cannot be overcome exclusively by the exercise of judicialreview. The dissertation proposes a solution based upon the overcoming of the current
Brazilian laissez-fairepolicy regarding the promotion of the democratic citizenship.
Keywords: Radical pragmatism. Institutional experimentalism. Politics. Judicial review.
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SUMRIO
Introduo...............................................................................................................................10
1. - As bases do experimentalismo institucional...........................................................13
1.1- Apresentao.............................................................................................................13
1.2- A sociedade artefato humano................................................................................16
1.3- Tudo poltica...........................................................................................................23
1.4- Guinada contra a anlise jurdica racionalizadora...............................................28
1.5- Anlise jurdica como instrumento de experimentalismo institucional...............39
1.6- Fecho..........................................................................................................................48
2. - Desentrincheiramento da jurisdio constitucional..............................................51
2.1- Apresentao.............................................................................................................51
2.2- Pensar a jurisdio constitucional significa no pensar apenas na jurisdio
constitucional...............................................................................................................53
2.3- Pensar a jurisdio constitucional significa desentrincheir-la por completo....59
2.4- H padres gerais de conduta para Cortes Constitucionais?...............................66
2.5- Fecho..........................................................................................................................77
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3. - Retrato do Brasil: ausncia de arenas de dissenso moral na sociedade civil.......80
3.1- Apresentao.............................................................................................................80
3.2- Ponto de partida........................................................................................................82
3.3- Esferas pblicas polticas como arenas do dissenso moral....................................84
3.4- O caso brasileiro........................................................................................................86
3.5
- Da solidariedade espontnea para a solidariedade forada: superao da
poltica de laissez-fair e estatal quanto cidadania democrtica............................97
3.6- Fecho........................................................................................................................102
Concluso...............................................................................................................................104
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INTRODUO
O fascinante projeto radical apresentado por Roberto Mangabeira Unger na obra
Politics1objetiva reduzir o contraste que existe entre a natureza humana e as suas condies
extrnsecas. Esse o ponto de partida no apenas de Politics, como de todas as obras
subsequentes de Unger. O autor deixa claro que o seu propsito, diferentemente de atingir
qualquer meta filosfica de resgate da intersubjetividade, efetivamente tornar as sociedades
mais sensveisao que dentro de ns rejeita decididamente esses experimentos limitados em
humanidade e afirma que eles no so suficientes (2001, p. 37).
A presente dissertao deve ser lida como parte integrante dessa empreitada
intelectual. Evidentemente que de maneira modesta, busca-se participar da "campanhaterica" iniciada em Politics, em ateno ao chamado feito pelo prprio Unger na parte
introdutria da obra2(2001, p. 31).
A partir de leitura prpria da teoria do experimentalismo institucional desenvolvida
por Unger, o problema real que a dissertao procurar enfrentar o sufocamento do
constitucionalismo brasileiro decorrente da sua obsesso com o papel dos juzes. Ser
defendido que representa verdadeiro bloqueio para o avano da anlise jurdica no pas o fato
de a doutrina constitucional brasileira dominante ter depositado nas mos do SupremoTribunal Federal todas as suas esperanas para obteno de progresso democrtico. Ser visto,
a esse respeito, que insuficiente (a) singelamente afirmar que os magistrados adquirem
legitimidade poltica atravs da argumentao e (b) acreditar que a tenso entre
constitucionalismo e democracia ser superada apenas com base em sofisticaes incessantes
de teorias de interpretao de normas.
Ser defendida, nesse sentido, a necessidade de desentrincheiramento da jurisdio
constitucional. Essa proposta almeja atingir dois objetivos suplementares: (a) conferir aoinstituto do judicial review plasticidade imaginativa contextualizada e (b) propiciar o
1Obra principal do autor que composta por trs volumes: False NecessityAnti-necessitarian social theory in the serviceof radical democracy, Social Theory - Its situation and its task e Plasticity into PowerComparative-historical studieson the institutional conditions of economic and military success.2 A motivao terica da presente dissertao o seguinte trecho de Politics: O ultimo objetivo desta introduo convocar o leitor a participar da campanha terica que este trabalho inicia. Poltica se prope a executar um programapara o qual no existe modelo pronto de discurso. Muda o sentido de termos e problemas retirados de outros corpos depensamento inspirado por outras intenes. Pesquisa muitas disciplinas, mas impe sua pesquisa uma ordem que nenhuma
linguagem reconhece como sua. medida que avana, vai desenvolvendo uma linguagem ajustada sua viso. Quando aargumentao se tornar confusa ou obscura, quando eu tropear, ajudem-me. Examinem o objetivo descrito neste livro erevisem o que afirmo luz do que quero (2001, p. 31).
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surgimento de nova agenda no direito constitucional brasileiro dedicada ao estudo do que
existe fora do mbito daquilo que pode ser produzido pelos magistrados.
O trabalho est dividido em trs partes, em conformidade com a delimitao temtica
acima apresentada.
A primeira parte cuidar da explicitao do sentido do experimentalismo institucional
e do enfrentamento das principais crticas dirigidas a essa teoria no mbito do direito
constitucional. A inteno, assim, ser delinear claramente quais so os pressupostos jurdicos
e filosficos que sustentam as anlises conduzidas nas partes subsequentes do trabalho. Para
tanto, a parte inaugural do estudo:
(a) apresentar os postulados filosficos do pensamento de Unger, que podem ser
resumidos ao reconhecimento de que, se a sociedade artefato humano,inescapavelmente tudo poltica;
(b) explicitar os fundamentos da crtica dirigida pelo experimentalismo
institucional ao mtodo dominante de pensamento do direito constitucional
na atualidade; e
(c) delinear os contornos da proposta de reforjamento da anlise jurdica como
instrumento de experimentalismo institucional.
A partir da viso da anlise jurdica construda na primeira parte, ser desenvolvido,na segunda etapa do trabalho, o sentido da afirmao de que necessrio desentrincheirar o
instituto da jurisdio constitucional. Ser defendido, assim, que:
(a) relevante que a anlise jurdica abandone a sua fixao com a jurisdio
constitucional e compreenda que o direito pode se tornar uma ferramenta
muito mais poderosa quando supera o pensamento de que o magistrado o
seu agente primrio;
(b)
Cortes Constitucionais no so inerentes s democracias, de modo que a suaconformao deve sempre ser pautada a partir das necessidades polticas
reais de determinada sociedade; e
(c) inexistem regras gerais de conduta para as Cortes Constitucionais em relao
aos seus mtodos de funcionamento, s suas estratgias polticas de
sobrevivncia e s tcnicas de deciso e de interpretao de normas
utilizadas no exerccio da jurisdio constitucional.
Uma vez delimitados os significados da temtica que motivou a investigao, a parte
final do trabalho ser voltada apresentao de perspectiva de anlise do estgio atual da
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democracia brasileira que exemplifica a relevncia da proposta terica do trabalho. O foco
ser a defesa de que:
(a) a ausncia de arenas de dissenso na sociedade civil se transformou em
patologia democrtica relevante no Brasil aps o encerramento das crises
econmicas e polticas que marcaram as dcadas de 1980 e 1990;
(b) o enfrentamento desse problema depende de experimentalismos institucionais
completamente alheios jurisdio constitucional; e
(c) o abandono da atual poltica estatal brasileira de laissez-faire com relao
promoo de cidadania constitui caminho eficaz para o surgimento de
maior interesse da populao brasileira pela poltica cotidiana.
A partir desse estudo, a parte derradeira do trabalho objetivar no apenas sugerir novaagenda de pensamento para o direito constitucional no que diz respeito ao problema do
arrefecimento da atividade poltica transformativa no Brasil recente, como tambm reforar a
importncia do desentrincheiramento da jurisdio constitucional.
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1. - As bases do experimentalismo institucional
1.1- Apresentao
A primeira parte da dissertao ser dedicada explicitao das bases tericas do
experimentalismo institucional, que representa o mais valioso produto da extensa obra de
Unger. Sero abordadas, com grau de detalhamento inexistente na doutrina brasileira 3, as
bases filosficas da teoria e as suas consequncias para o direito constitucional. Alm disso,
com o escopo de justificar tambm comparativamente a viso escolhida como adequada para
sustentar teoricamente o trabalho, sero (a) rebatidas as crticas mais relevantes realizadas ao
experimentalismo institucional e, ainda, (b) apresentadas vises prprias a respeito doprincipal elemento faltante para que a energizao democrtica proposta pela teoria no
aparente ser apenas distante iluso imaginada. Ficar claro, assim, que a adeso da dissertao
aos pressupostos tericos do experimentalismo institucional quase irrestrita, o que no
significa que o pensamento crtico a respeito da matria no tenha sido exaustivo.
No ser objeto de anlise, tanto na primeira parte como ao longo de todo o trabalho, o
contedo das propostas de novos arranjos institucionais e democrticos que Unger apresenta
em obras como Politics, Democracia realizada, A Reinveno do Livre-comrcio, Oque a Esquerda Deve Propor e O Direito e o Futuro da Democracia. Isso porque no
interessa dissertao o mrito, mas, paradoxalmente, o pressuposto terico4 dos futuros
alternativos imaginados por Unger.
Conforme ficar claro, a ausncia de foco nas hipteses de futuro imaginadas por
Unger no deve ser vista, em hiptese alguma, como concordncia com a conhecida crtica de
Jeremy Waldron no sentido de que quando Unger se volta imaginao institucional de
alternativas sociais, a discusso se torna area e bastante desconectada com o que, ainda
3 No Brasil, a anlise crtica da obra de Unger escassa. Merecem destaque: (i) o estudo do significado democrtico doexperimentalismo institucional realizado por Carlos Svio Teixeira, no artigo Experimentalismo e Democracia em Unger,(2010, pp. 45-69); e (ii) a anlise das teses concebidas por Unger a partir das premissas do experimentalismo institucionalapresentada por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, na obra Democracia Radical e Experimentalismo Institucional(2008).4 equivoco dizer que no h teoria sustentando o experimentalismo institucional. Unger assumidamente se diz contra e afavor da teoria. Utiliza, ao mesmo tempo , a teorizao excessiva e o seu oposto. Faz, alis, questo de deixar bem claroque no possvel prescindir da teoria. O arsenal terico, contudo, deve abrir o espao conceitual dentro do qual nspodemos desenvolver prticas libertadoras enquanto resistimos tentao de diminu-las ou desvi-las. Isso porque,segundo Unger, se ns no tivermos ideias gerais sobre o que o pragmatismo radical requer, continuaremos a nos apoiar,implicitamente, sobre o resduo de algumas ideias gerais que o pragmatismo, na verdade, busca subverter. Para Unger,assim, a utilizao de teoria representa uma concesso inevitvel, porm perigosa, uma vez que pode fazer o estranhoparecer natural, mesmo quando for feita para fazer o natural parecer estranho, limitando o desejo que ela buscavafortalecer (2004b, pp. lvii-lviii).
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que plausivelmente, pode ser visto como habilidades legais diferenciadas (1998, pp. 521-
523). Na parte final do ensaio em que essa afirmao foi apresentada, Waldron afirmou ser
inconvincente a proposta ungeriana de que a anlise jurdica seja catalisadora da mudana
institucional na sociedade, repetindo crtica que havia sido feita anteriormente por Cass
Sunstein ao contedo de Politics (1990). Para ambos os autores, o mximo que poderia se
esperar da anlise jurdica em termos de experimentalismo institucional seria o
constitucionalismo cosmopolita tmido (Waldron, 1998, p. 527; Sunstein, 2009, pp. 188-209).
Ser defendido, ao final da parte inaugural da dissertao, que a anlise comparada defendida
por Waldron e Sunstein, alm de sequer constituir verdadeiro cosmopolitismo constitucional,
j que despreza a verdadeira superao de fronteiras no pensamento jurdico, representa
apenas afirmao da tese da convergncia que aniquila a imaginao institucional.Assim, a ausncia de enfrentamento crtico dos futuros hipotticos criados por Unger
deve ser vista como consequncia direta de uma razo apenas: o atendimento convocao
feita pelo prprio autor para a participao em campanha terica que no possui discurso pr-
modelado e que, justamente por isso, deve dar origem a propostas radicalmente distintas.
O objetivo da primeira parte, como dito, explicitar, nos campos filosfico e jurdico,
as bases tericas do experimentalismo institucional, que pressuposto para o
desenvolvimento das partes subsequentes da dissertao. No percurso, os motivos da escolhado experimentalismo institucional como ponto de apoio sero naturalmente explicitados.
Neste momento, cabe apenas antecipar que, aplicado ao direito constitucional, o
experimentalismo institucional possui resultados avassaladores. A mudana ocorre desde os
objetivos iniciais do jurista. Abandona-se a busca pela serenidade decorrente do papel de
terapeuta social auto-atribudo. Em contrapartida, adota-se, como pontos de partida da anlise
jurdica, (a) a incontinncia imaginativa propiciada pela viso romntica do direito
preconizada pela teoria do pragmatismo radical, (b) a percepo de que errada a tentativa deanalisar retrospectivamente polticas congeladas em busca de nicas respostas corretas
supostamente inerentes a uma ordem latente transcendental ao contexto em que todos os
intrpretes fatalmente se inserem, e (c) o inconformismo com a tendncia do ser humano
apatia.
A primeira parte da dissertao est dividida em quatro itens. Nos dois primeiros,
sero analisados os postulados filosficos bsicos do experimentalismo institucional, que so:
(a) a sociedade artefato humano e (b) tudo poltica. Nos itens finais, sero apresentadas (a)
as principais crticas do experimentalismo institucional ao mtodo dominante de pensamento
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do direito na atualidade, denominado de anlise jurdica racionalizadora, e (b) a proposta de
reforjamento da anlise jurdica como instrumento de experimentalismo institucional voltado
acelerao democrtica.
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1.2 - A sociedade artefato humano
Na multicitada e arrojada obra "Politics", Unger defende a realizao de projetos de
democracia radical, a partir do desenvolvimento de teorias sociais construtivas. O autor leva
ao extremo a ideia de que a sociedade artefato humano e no o resultado de suposta ordem
natural oculta. Para Unger, assim, a histria humana no est sujeita a mandamentos divinos
e as pessoas podem imaginar e criar a sociedade conforme o seu livre arbtrio (2001, p. 17-
25).
Nesse tocante, o pensamento de Unger no original. Conforme reconhece Richard
Rorty, h mais de duzentos anos se generalizou a percepo de que a verdade no podia ser
descoberta, mas produzida. A Revoluo Francesa deixou clara a prescindibilidade de todasas instituies at ento tidas como inerentes s sociedades da poca. Generalizou-se a
percepo de que as questes mais relevantes da natureza humana no seriam mais
respondidas pela filosofia ou pela cincia, mas pela arte e pela poltica. O foco dos tericos se
tornou o alinhamento com a utopia e a inovao. A contingncia, assim, passou a ser regra
tanto para a linguagem5, como para identidade6e para comunidade7(2007a, p. 25).
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A contingncia da linguagem assim definida por Rorty: Dizer que a verdade no est dada simplesmente dizer que,onde no h frases, no h verdade, que as frases so componentes das lnguas humanas, e que as lnguas humanas socriaes humanas. A verdade no pode estar dada no pode existir independentemente da mente humana porque asfrases no podem existir dessa maneira, ou estar a. O mundo existe, mas no as descries do mundo. S as descries domundo podem ser verdadeiras ou falsas. (...) Assim como no devemos buscar dentro de ns critrios de deciso sobre essasquestes, no devemos busc-los no mundo. (...) A tentao de procurar critrios uma espcie da tentao mais geral depensar no mundo, ou no eu humano, como possuidor de uma natureza intrnseca, uma essncia. (...) Enquanto acharmos queexiste uma relao chamada de adaptao ao mundo ou expresso da verdadeira natureza do eu, da qual osvocabulrios-como-totalidades possam ser dotados ou carentes, continuaremos na busca filosfica de um critrio que nosdiga que vocabulrios tm essa caracterstica desejvel. A sada, para Rorty, evitar o reducionismo e o expansionismo. Osvocabulrios devem ser tratados como ferramentas alternativas e no como peas de um quebra-cabea (2007a, pp. 28-38).6Friedrich Nietzsche foi o primeiro a sugerir explicitamente que a ideia de conhecer a verdade fosse abandonada (1954). Averdade, para Nietzsche, seria apenas um exrcito mvel de metforas, de modo que a ideia inteira de representar a
realidade por meio da linguagem e, portanto, de descobrir um contexto nico para todas as vidas humanas, devia serabandonada. Nietzsche esperava que ao nos apercebermos de que o mundo verdadeiro de Pla to era apenas uma fbula,buscaramos consolo, na hora da morte, no no havermos transcendido a condio de animais, porm no sermos o tipopeculiar de animal agonizante que, por ter-se descrito em seus prprios termos, havia criado a si mesmo.Mais exatamente,esse animal teria criado a nica parte importante dele mesmo, por construir sua prpria mente (2007a, p. 63). Para Rorty,ao abandonar a concepo tradicional de verdade, Nietzsche no abandonou a ideia de descobrir as causas de sermos oque somos. Nietzsche rejeitou apenas a ideia de que esse rastreamento fosse um processo de descoberta, uma vez que,ao chegarmos a esse tipo de autoconhecimento, no passamos a conhecer uma verdade que existiu ali (ou aqui) desdesempre. Assim, o processo de autoconhecimento (ou autocriao) se torna idntico ao processo de inventar uma novalinguagem isto , de elaborar novas metforas (2007a, p. 64). Rorty no admite, contudo, que tenha sido Nietzsche oponto de partida para a criao do pragmatismo pelos norte-americanos (2007b, p. 915). Para Rorty, Nietzsche no foi oinspirador das propostas de William James e John Dewey e, alm disso, foi extremamente vacilante em relao ao seuprprio projeto de rompimento com a metafsica. Segundo Rorty, todos os trs [autores] queriam a interrupo dopensamento metafsico a respeito de questes como a natureza da realidade e a natureza dos seres humanos. Contudo,James e Dewey se saram melhor do que Nietzsche na formulao de uma perspectiva antimetafsica coerente. Rorty, alis, bastante taxativo ao afirmar que os pragmatistas americanos fizeram consistentemente aquilo que Nietzsche fez apenasocasional e parcialmente: eles abandonaram o propsito positivista de elevar a cincia a patamar superior ao restante dacultura humana (2007b, p. 916).
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exatamente a contingncia que Unger aplica s instituies sociais a partir de
Politics. Unger radicaliza a afirmao de Rorty de que preciso ver as constelaes de
foras causais que produziram o discurso sobre o DNA ou o Big Bang como consentneas s
foras causais que produziram o discurso sobre a secularizao ou o capitalismo tardio,
uma vez que essas vrias constelaes so os fatores aleatrios que transformaram algumas
coisase no outrasem temas de conversa para ns, que tornaram possveis e importantes
alguns projetose no outros (2007a, p. 46-47).
extremamente elogiosa, por conseguinte, a afirmao de Rorty de que Unger se
enquadra na categoria dos poetas romnticos8 (1991, p. 282). Para Rorty, Unger vive na
fantasia, que o local em que os romnticos deveriam viver; o seu viver a a razo porque
eles e os seus confusos, utpicos, no cientficos e pequeno-burgueses seguidores podem,ocasionalmente, tornar o futuro atual melhor para o resto de ns (1991, p. 286). Com essa
descrio, Rorty objetivou diferenciar Unger daquilo que denominou de escola do
ressentimento, a qual, na sua viso, seria formada por serenos desconstrutivistas profissionais
de teorias sociais com averso imaginao.
A preferncia de Rorty pelos romancistas decorre do seu repdio aos filsofos
profissionais. Rorty acredita que a contingncia somente pode ser apreciada e enfrentada
pelos poetas. Aos filsofos, restaria o fardo da busca pela inexistente nica descrioverdadeira da condio humana (2007a, p. 65). No soa estranha, portanto, a afirmao de
Rorty de que a esperana da sociedade se apoia na imaginao romntica de autores como
Unger, que mostra que os ricos, gordos e cansados Norte-americanos [devem] voltar atrs
aos tempos em que a [sua] democracia era mais nova e mais fraca quando Pittsburgh era
to nova, promissora e problemtica como So Paulo hoje9(1991, p. 279).
De fato, Unger faz exatamente o que Rorty constata e elogia: orienta a sua teoria em
direo ao futuro e no ao passado que representa mera poltica congelada. Reside a a
7Segundo Rorty, o vocabulrio do racionalismo iluminista, apesar de ter sido essencial nos primrdios da democracialiberal, tornou-se um empecilho preservao e ao progresso das sociedades democrticas (...), o vocabulrio (...) que giraem torno de ideias de metfora e autocriao e no de verdade, racionalidade e obrigao moral, presta-se melhor paraesse fim. Rorty no pretende dizer, com isso, que as vises contingenciais da linguagem e da identidade podem fornecer osfundamentos da filosofia. Para o autor, a prpria ideia de fundamento filosfico [que] desaparece quando desaparece ofundamento do Iluminismo. As esperanas da comunidade, portanto, devem ser reformuladas (...) de um modo noracionalista e no universalista, o qual assemelha-se mais a remobiliar uma casa do que a escor-la ou pr barricadas aseu redor (2007a, p. 90).8Outros autores utilizaram a mesma expresso, de maneira negativa, para descrever a obra de Unger. Stephen Holmes, emforte (e equivocada) critica, tambm descreve Unger como romancista poltico(1983).9 So ainda mais irnicas, nos dias atuais, as afirmaes feitas por Rorty na dcada de 1980 de que os filsofos norte-
americanos deveriam voltar os olhos para o Brasil ou para outras economias semelhantes e que se existe esperana, elareside no Terceiro Mundo, pois o Hemisfrio Sul poder concebivelmente, daqui a uma gerao, vir em socorro doHemisfrio Norte (1991, p. 279-284).
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diferena principal entre Unger e outros autores que se intitulam pragmatistas. Unger critica a
tendncia moderna dos cientistas sociais de construir uma cincia da histria e de bloquear o
avano contnuo inerente ideia de que a sociedade artefato humano. Para o autor, grande
parte da filosofia poltica especulativa de hoje acaba, em retrospecto, por dar um brilho
metafsico s prticas fiscais compensatrias da socialdemocracia estabelecidaatravs de
um reformismo pessimista, ctico quanto a alternativas institucionais e resignado a medidas
compensatrias (2004a, p. 14).
A proposta de Unger, na contramo dessa tendncia, retira das instituies sociais a
sua falsa aura de necessidade10. Unger busca demonstrar a existncia de falsas necessidades
das sociedades em relao aos seus contextos formadores, objetivando desentrincheir-los e
conferir-lhes plasticidade (2004b, pp. xxxi e xxxvii). Assim, os focos de Unger,especificamente a partir de Politics, so (a) levar ao extremo a ideia de que a sociedade
produto da imaginao humana, de modo que tudo, nesse sentido, poltica e (b) apresentar
propostas de energizao da democracia e de fortalecimento da humanidade.
Surgem como adversrios naturais desse projeto os contramovimentos que Unger
denomina de (a) fetichismo estrutural e institucional e (b) tese da convergncia. O primeiro,
no seu aspecto institucional, definido como crena de que concepes institucionais
abstratas teriam expresso natural nica. Na sua faceta estrutural, representa a negao dapossibilidade de que a qualidade doa instituies sociais seja alterada. A tese da convergncia,
por seu turno, significa a tendncia majoritria de se afirmar que a evoluo do mundo deve
ser entendida como a aproximao, por tentativa e erro, s nicas formas institucionais que se
mostraram capazes de gerar prosperidade. a difuso da noo de convergncia, segundo
Unger, que d respeitabilidade pseudocientfica ao fetichismo estrutural e institucional
(2004a, pp. 17-19).
A tese da convergncia representa, assim, a interrupo do pensamento social ehistrico inaugurado com a Revoluo Francesa. a inverso de tudo aquilo que representou
o reconhecimento de que a verdade era produzida. Assim, para Unger, e aqui reside o ponto
em relao ao qual a sua obra realmente adquire contornos de originalidade, necessrio que
se prossiga com a compreenso de sociedade como artefato que foi interrompida com o
10 A descrio de Zhiyuan Cui precisa a respeito desse aspecto da obra de Unger: Unger rejeita a teoria social deestrutura profunda e a cincia social positivista, mas no um niilista. Preserva o primeiro momento da teoria de
estrutura profundaa distino entre contexto formador e rotinas formadas mas rejeita os outros dois movimentosaclassificao de cada contexto formador sob um tipo reproduzvel e indivisvel e a busca de leis gerais que governem essestipos (2001, p. 13).
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projeto neoliberal11. O neoliberalismo representa, na compreenso de Unger, alm de uma
ideia abstrata de convergncia, o empecilho mais ameaador ao experimentalismo
democrtico (2004a, p. 19).
A crtica de Unger ao neoliberalismo no significa que a sua teoria seja esquerdista. O
prprio autor se define como supraliberal. A sua oposio ao Consenso de Washington
exatamente em razo da percepo de que se trataria de um consenso imutvel. O autor no
admite, portanto, a assuno corriqueira de que o neoliberalismo representou o pice da
convergncia s melhores prticas possveis nas diversas democracias mundiais. A sua viso
mais simples: o neoliberalismo representou apenas mais um acontecimento poltico
envolvendo compromissos, concesses e reaes. No haveria, assim, motivos para
racionaliz-lo retrospectivamente, mas apenas para reconhecer a sua singularidade, a suacontingncia, a sua estranheza e, acima de tudo, a sua suscetibilidade reinveno (2004b,
p. xl). O apego messinico ao neoliberalismo seria, assim, mero louvor a polticas congeladas.
A mesma ideia aplicada por Unger a diversas outras instituies sociais 12 e ao
prprio texto constitucional norte-americano, o qual, segundo o autor, seria tratado como
espcie de arranjo permanente e imutvel. Exemplo disso, para Unger, seria o fato de que os
americanos, sempre que desejam modificar o seu texto constitucional, preferem faz-lo a
partir de teorias interpretativas do que por intermdio da poltica (2004b, p. xli).As consequncias das teses da convergncia e do fetichismo institucional e estrutural
so dramticas para a democracia13. Primeiro, porque trabalham com a meta conservadora de
desacelerar a atividade poltica. Segundo, porque a aplicao irrestrita de ambas faria com que
diferenas entre democracias fossem esvaziadas e identidades coletivas de cada nao
anuladas por prticas e instituies desenhadas para os pases mais influentes. Terceiro,
porque essas teses relegam a momentos mgicos de crise a ocasional reinveno da
11Unger assim define o projeto neoliberal: O neoliberalismo o programa de estabilizao macroeconmica sem prejuzodos credores internos e externos do Estado; de liberalizao, entendida mais estreitamente como a aceitao daconcorrncia internacional e a integrao no sistema de comrcio mundial, e mais amplamente como a reproduo dodireito tradicional dos contratos e de propriedade do Ocidente; de privatizao, significando a retirada do Estado daproduo e, no lugar disso, sua dedicao a responsabilidades sociais; e do desenvolvimento de redes de segurana sociaiscriadas para compensar, retrospectivamente, os efeitos desniveladores e desestabilizadores da atividade de mercado(2004a, p. 19-20).12A definio de Unger para o conjunto das instituies sociais que formam as democracias modernas, como no poderia serdiferente, a seguinte: O que ns temos ao redor de ns no um sistema fundado de acordo com um plano racional.No uma mquina construda de acordo com um projeto em relao ao qual tivemos acesso apenas por providncia divina. apenas um arranjo institucional e ideolgico, uma parcial e temporria interrupo da disputa, um compromisso no apenasentre grupos de interesse mas tambm entre grupos de interesse e possibilidades coletivas, seguido de uma srie de pequenascrises e ajustes menores, e repleto de contradies escondidas e oportunidades transformadoras (2004a, pp. 19-20).13Segundo Unger, em afirmao forte, a convergncia institucional mundial representa, ao mesmo tempo, um erro e ummal. Isso porque, para o autor, a humanidade deve continuar a experimentar diferentes formas de vida, vestindo cada umadelas com diferentes arranjos institucionais (2004a, p. 20).
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democracia atravs da poltica. Por fim, e principalmente, porque o poder do homem de
refazer as sociedades sempre vai alm de tudo o j que existiu anteriormente no mundo (2001,
p. 41; 2004a, pp. 32-33; 2004b, pp. xli-lxx).
Por consequncia, fica bastante claro que o resultado do enfraquecimento da poltica,
do aniquilamento das diferenas socioculturais e do abandono do experimentalismo
democrtico a priso do homem s ideias inovadoras que eventualmente estiverem ao seu
alcance no momento da oportunidade transformadora.
A sada, segundo o experimentalismo institucional proposto por Unger, , ao mesmo
tempo, (a) compreender que o homem no se esgota em seus contextos institucional e
sociocultural; e (b) exercitar o pensamento contnuo da sociedade como mecanismo de busca
pela superao dos limites da realidade atual. O ponto de partida escolhido por Unger a lutapelo engrandecimento da condio humana14. Para isso, necessrio moldar as instituies
sociais e os discursos do homem para que representem convites imaginao, ao invs de
fortalezas naturais de autoridade. sobre esse ponto, alis, que gira o eixo central do projeto
de democracia radical do experimentalismo institucional: combinar a ausncia de limites da
mente humana com a contnua reforma da sociedade, das instituies, das prticas e dos
discursos. A busca pela reduo do contraste inerente coexistncia da natureza infinita da
mente com a condio finita da existncia humana. A imaginao institucional, nesse sentido,precisa ser contnua para que tenha condies de antecipar as crises (2004b, pp. xlvi-lvi).
Diminuir o intervalo entre as rotinas que reproduzem a vida social e as revolues
atravs das quais as inovaes ocorrem, conseguintemente, aparece como meta clara da
proposta de acelerao democrtica do experimentalismo institucional (2001, p. 29, 2004a, p.
32 e 2004b, p. xxi). Segundo esse propsito, a meta de desentrincheiramento dos contextos
formadores da vida social diretamente vinculada ao aumento da autonomia do ser humano.
O abandono do fetichismo, que torna inquestionveis as instituies sociais, permite que avida em sociedade ocorra sem que as limitaes naturais do contexto tornem o ser humano
completamente finito.
A pecha niilista costuma ser impingida teoria do experimentalismo institucional. No
mbito do direito, Holmes (1983), Sunstein (1990) e Waldron (1998) se manifestaram nesse
14Ao longo da sua obra, Unger identifica quatro falhas na condio humana: a mortalidade, a impossibilidade de resoluodo enigma da existncia do homem e do universo segundo Unger, o fundamento do pensamento humano desprovido defundamento e inteiramente assentado em pressuposies, a insaciabilidadepois o homem, para Unger, demanda o infinitodo finito e a tendncia humana ao prprio rebaixamento o ser humano, segundo Unger, desperdia a sua vida com
compromissos insignificantes; a rotina faz com que o homem morra diariamente inmeras pequenas mortes. A quarta falhada natureza humana difere das demais por ser, em certa medida, passvel de superao. Esse fato o ponto de partida detodas as teorias imaginadas por Unger (2011).
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sentido. Todos, conforme ser abordado em tpico subsequente destinado exclusivamente s
consequncias do experimentalismo institucional para a anlise jurdica, formularam crticas
claramente equivocadas, pautadas em compreenses limitadas da teoria. A tese do
experimentalismo institucional, proposta por Unger a partir de Politics, embora seja
assumidamente incompatvel com a cincia social positivista e com as teorias sociais
clssicas, no pode ser taxada de niilista. Como bom pragmatista, Unger no rejeita
totalmente o contexto e reconhece claramente que, de acordo com a concepo de histria
intelectual empregada [pelo experimentalismo institucional], os materiais para uma viso
alternativa mtodos, ideias e observaes interpretadas j esto disponveis, apesar de
em forma bruta, fragmentada e distorcida (2001, pp. 27-30).
A rotina de imaginao proposta pelo experimentalismo institucional no permite,assim, que, tendo quebrado o arcabouo sociocultural em que esto inseridas, as pessoas
simplesmente continuem fora de qualquer outro contexto. Unger reconhece que isso seria um
paradoxo e que, portanto, a quebra de contextos sempre ser excepcional e transitria (2001,
p. 41). Nesse sentido, em momento algum Unger prope a transcendncia total do ser humano
ou da teoria em relao ao ambiente. A proposta do experimentalismo institucional , apenas,
reduzir a dependncia da sociedade em relao aos contextos formadores.
Unger se autodefine, assim, como pragmatista-radical que rejeita a ideia domesticadade pragmatismo que domina a filosofia poltica atual. Trs princpios, segundo Unger, so
compartilhados pelas verses domesticada e radicalizada do pragmatismo: (a) a
impossibilidade de determinao da compreenso social a partir da representao
individualizada e desinteressada dos fatos sociais, uma vez que a experincia humana
multifacetada e as ideias do homem so naturalmente recheadas de pressuposies que
impedem a existncia de um superespao de auto-observao; (b) a impossibilidade de
distino entre o mtodo pelo qual o homem organiza as suas ideias e o contedo dessasideias propriamente ditas; e (c) a noo de que a sociedade criada pela histria coletiva
humana, de modo que no existe possibilidade de elaborao de julgamentos isentos sobre a
realidade (2004b, p. xlix-li).
O primeiro e o terceiro princpios, conjugados, trazem consigo o seguinte difcil
questionamento: como o homem pode corrigir e melhorar o seu contexto deliberadamente e
com alguma certeza a respeito da correo das suas escolhas? A partir da resposta dada
pergunta, Unger diferencia as verses relativista e objetivista do pragmatismo domesticado. A
primeira nega que seja possvel a criao de bases contrafactuais que permitam ao homem
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criticar e refazer as formas institucionais da sociedade. O mximo que o homem poderia fazer
seria torcer para ter sorte nos momentos de crise em que as escolhas se tornam imperiosas. A
segunda verso acredita que todo contexto aberto a correes graduais, que levaro
convergncia, por tentativa e erro, s melhores prticas institucionais possveis. A tese de
convergncia representa, para Unger, a principal variante da verso objetivista do
pragmatismo domesticado (2004b, p. l-li).
A principal diferena entre as verses domesticada e radical do pragmatismo a
presena, na ltima, de conexo entre a condio infinita da natureza humana e a necessidade
de contnuo pensamento sobre a reforma das instituies sociais e dos seus discursos. Atravs
da imaginao, o pragmatismo radical v a possibilidade de sempre examinar o atual segundo
a perspectiva do possvel.Dessa maneira, a resposta dada pelo pragmatismo radical ao questionamento como o
homem pode corrigir e melhorar o seu contexto deliberadamente e com alguma certeza a
respeito da correo das suas escolhas? difere significativamente das anteriores. Para o
pragmatista radical, a resposta :
Ns no podemos saber com certeza. Tudo o que ns podemos fazer (...) continuar
avanando enquanto nada do que ns encontrarmos a respeito das cincias naturais ou
sociais deixar claro que: no, isso no pode ser(2004b, p. lv).
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1.3- Tudo poltica
A compreenso da proposta do experimentalismo institucional de radicalizao da
ideia de sociedade como artefato faz com que fique bastante simples a aquiescncia com o
segundo postulado da teoria: tudo poltica (2004c, pp. 151-169). Como visto no tpico
anterior, a empreitada intelectual lanada por Unger a partir de Politicstraduz teoria social
anti-necessitria que rejeita as tradies sociais da(s) (a) cincia social positivista, a qual
assume como irrelevante o contraste entre estruturas institucionais e rotina e (b) teorias sociais
de estrutura profunda (especialmente o marxismo), as quais aceitam essa distino, mas
submetem-na a premissas metafsicas que restringem em demasia a possibilidade de
mudanas. O experimentalismo institucional, ao mesmo tempo em que busca preservar oinstante da distino entre estrutura e rotina, generaliza radicalmente o momento da mudana.
Assim, quando se depara com a alegao de que determinadas instituies sociais refletem o
alcance de ordens transcendentes inflexveis, o experimentalismo institucional reconhece que
no, isso no passa de poltica15(2001, pp. 31-57).
O slogan tudo poltica, nesse sentido, atesta a compreenso de que a atividade de
concepo da sociedade no segue manuais previamente redigidos. Fica claro, com isso, que o
experimentalismo institucional rejeita o caminho comumente aceito pelas teorias sociaisclssicas de tentar racionalizar o compromisso passado atravs da prtica de congelamento da
poltica. O experimentalismo institucional de Unger, como reconhecido por Rorty, tem os
seus olhos no futuro e foca a sua teoria na criao de novas formas de vida social, ciente de
que mais tarde haver tempo suficiente para os tericos explicarem como esta criao foi
possvel e porque foi uma coisa boa (1991, pp. 290-291).
Por evidente, ao mirar o futuro, Unger assume que criaes oriundas de exerccios de
experimentalismo institucional tambm representaro mera poltica e no a ltima palavra emtermos de arcabouo social.
A acelerao democrtica proposta pelo experimentalismo institucional representa,
assim, a energizao das atividades polticas cotidianas em sentido amplo e a superao das
15Em Politics, Unger utiliza duas acepes do termo poltica: uma mais estreita e outra mais ampla. A primeira representao conflito pelo domnio e uso do poder governamental. O sentido mais amplo significa o conflito em torno dos termos dasnossas relaes prticas e de paixo de uns com os outros e em torno de todos os recursos e premissas que possaminfluenciar esses termos, sendo que a poltica de governo apenas um caso especial de poltica nesse sentido mais amplo.O slogan tudo poltica opera com a acepo mais ampla de poltica, que se funde no conceito de feitura da sociedade.(2001, p. 32). Nesse sentido, a poltica, conforme Marcus Faro de Castro, ao contrrio da filosofia, sempre pertenceu ao
domnio da prtica, do particular, do varivel e do contingente (...) sempre foi prudencial, ligada ao mundo do efmero, docircunstancialmente condicionado, do particular e acidental, permanecendo distante do mundo filosfico das verdadeseternas e abstratas, do mundo do universal e do absoluto (2004, p. 17).
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tentativas tericas de transformar contingncia em razo. O slogan tudo poltica possui
vieses prospectivo e retrospectivo. Consiste, ao mesmo tempo, em (a) no transcendentalizar
o passado e (b) mover para o futuro os olhares tericos do presente.
No todo tipo de poltica em sentido lato, contudo, que interessa meta de
acelerao democrtica. Dois tipos so claramente diferenciados por Unger em Politics: (a)
a poltica excepcional e revolucionria que gera mudanas institucionais e geralmente
conduzida por lderes que conseguem energizar maiorias em momentos especiais de crise
democrtica; e (b) a poltica normal e marginal de ajustes redistributivos entre polticos
profissionais e grupos de interesse geralmente representativos de parcelas minoritrias das
populaes. O experimentalismo institucional almeja a criao de um terceiro tipo de poltica,
que seria transformativa e livre da iluso de que qualquer transformao profunda nasociedade demandaria a substituio do capitalismo pelo socialismo. A poltica transformativa
dispensaria o desastre como pressuposto da mudana e objetivaria rearranjar, gradualmente,
as instituies e os discursos sociais. A imaginao institucional, assim, seria a chave da
transformao (2004b, pp. xxv-xxviii).
Com isso, possvel dizer que, ao defender a familiarizao da sociedade com a
poltica transformativa, o experimentalismo institucional efetivamente justifica o seu slogan
de que qualquer ordem institucionalizada em determinada organizao social (a) representamera poltica, (b) nunca significa o resultado inevitvel das foras da natureza ou a
transcendncia em relao ao contexto que a perpassa, e, principalmente (c) sempre pode ser
repaginada.
A aplicao do slogan tudo poltica pressupe, portanto, a energizao da atividade
poltica que atualmente se encontra adormecida na maioria das democracias16. O caminho
incontornvel para que isso ocorra, segundo o experimentalismo institucional, a criao de
elevados nveis de engajamento poltico e de organizao nas sociedades civis (2004b, pp.xciii e lix-lx).
Antes de abordar as consequncias da aplicao dos pressupostos tericos da presente
dissertao ao direito, necessrio explicitar dois pontos relacionados ao experimentalismo
institucional que ainda no foram delineados e que podem ser sintetizados a partir dos
seguintes questionamentos:
(a) J que, como visto na parte anterior do presente item, a resposta
proposta pelo pragmatismo radical pergunta como o homem pode
16Ser visto na terceira parte da dissertao que esse exatamente o caso da democracia brasileira.
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corrigir e melhorar o seu contexto deliberadamente e com alguma
certeza a respeito da correo das suas escolhas? ns no
podemos saber com certeza, seriapossvel obter alguma segurana
de que a adeso ao experimentalismo institucional no daria ensejo a
surpresas polticas desagradveis?
(b) Quais seriam os caminhos propostos pelo experimentalismo
institucional para a transio do estado de dormncia atual das democracias
mundiais para estgio de plena acelerao democrtica imaginativa no qual os
futuros alternativos imaginados em Politics e O Direito e o Futuro da
Democracia seriam realizveis?
A primeira indagao a mais crtica, embora o seu enfrentamento, segundo a visodo presente trabalho, demande apenas repetir resposta bastante singela j dada por Rorty. De
fato, bastante comum encontrar crticas obra de Unger, tais como as feitas por Holmes
(1983) e Sunstein (1990), no sentido de que o slogan tudo poltica possui repercusses
perigosas decorrentes do abandono de qualquer pretenso racionalista. Nesse sentido,
fundamental que se perceba, conforme destaca Rorty, que a noo de mtodos
argumentativos no relevante para a situao na qual nada de conhecido resulta e na qual
as pessoas esto desesperadamente (...) procura de algo (1991, pp. 296-297). O slogantudo poltica significa, assim, que o filsofo profissional no possui o condo de antecipar a
histria. No ser a teorizao pela teorizao que permitir sociedade separar os bons dos
maus futuros.
A segunda pergunta exige explicao mais detalhada. Em introduo feita por ocasio
do lanamento de nova edio de Politics, Unger reconheceu que dois desenvolvimentos
relevantes a respeito da sua teoria ainda precisavam ser feitos. O primeiro diz respeito
explicitao de que as propostas contidas em Politics (a) no representam a ltima palavraem termos de futuro alternativo e, portanto, (b) demandam conexo com as especificidades de
cada sociedade. Isso porque Politics representa conjunto de propostas alternativas para a
humanidade que necessariamente precisa ser reinventado luz das realidades nacionais
(2004b, p. cix). O segundo desenvolvimento relacionado ausncia, na edio inicial de
Politics, de programa transicional entre o estgio das sociedades atuais e o momento da
democracia energizada preconizado pelo experimentalismo institucional. Unger admitiu que
Politics no trouxeesse roteiro. Tentou justificar-se, contudo, afirmando singelamente que
pensamento programtico msica e no arquitetura (2004, pp. lxxv/lxxii).
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Ainda assim, Unger optou por esboar programa de transio da dormncia
democrtica rumo acelerao imaginativa do experimentalismo institucional. Esse roteiro
funcionaria de maneira limitada por no levar em considerao peculiaridades locais de
sociedades particulares. Ainda assim, ao menos genericamente, o programa buscou conferir
norte de trabalho maioria das democracias atuais.
Cinco plataformas do programa de transio foram apresentadas: (i) a garantia de que
governos possuam elementos humanos e financeiros aptos a permitir a emancipao
econmica e intelectual dos cidados comuns17; (ii) o comprometimento desses governos (e de
toda a sociedade) com o fortalecimento das dotaes econmicas e intelectuais dos cidados
comuns18; (iii) a democratizao da economia de mercado19; (iv) o comprometimento maior do
governo com democracia energizada que conte com mais expresso poltica popular eencoraje a prtica mais frequente de reformas institucionais20; e (v) a organizao da
sociedade civil21.
17 Segundo Unger, o papel do governo na primeira plataforma do programa de transio seria conceder populaoeducao e meios econmicos que permitam o autodesenvolvimento independente e a cooperao entre as pessoas. (...) Essegoverno faz mais do que investir nas garantias econmicas e nas capacidades educacionais do seu povo. Ele tambm servecomo parceiro ocasional de uma multido de aspirantes a empresrios. (...) Esse governo gozaria de elevado nvel detributao e investiria em fazer com que pessoas se tornem pessoas (2004b, pp. lxxix/lxxx).18As dotaes econmicas dos cidados seriam garantidas atravs de contas sociais, que seriam compostas de recursos que
poderiam ser sacados pelo indivduo em momentos relevantes da sua vida, tais como: incio da educao superior,matrimnio, aquisio de moradia ou incio de projeto empresarial. Com isso, os indivduos poderiam, para Unger, sair deposies de conjugao e submisso. A emancipao intelectual daria complemento s dotaes financeiras. Para tanto, serianecessrio, segundo Unger, revisitar completamente o contedo e o propsito do ensino. A tarefa da escola deveria passar aser resgatar a criana do seu mundo, dando a ele os meios intelectuais para compreender e julgar o mundo . Desde ocomeo, o ensino deveria ser guiado de acordo com o princpio central da imaginao, que consiste em penetrar no atualreinventando-o luz do possvel (2004b, pp. lxxxii-lxxxv).19A fundamentao dessa terceira plataforma transicional a compreenso de que ns podemos e devemos reorganizar aeconomia de mercado, ao invs de meramente regular ou compensar os seus resultados desiguais atravs de distribuiesretrospectivas (2004b, p. lxxxvi).20Segundo Unger, aps o fracasso verificado pelas democracias europeias no sculo XX, que dedicaram a primeira metadedo sculo a se exterminarem mutuamente e a segunda metade a afogarem as suas mgoas com gastos e consumo , essasmesmas democracias se colocaram aos cuidados de polticas burocratas que ensinaram a doutrina perigosa de que apoltica deve se tornar pequena para que os indivduos se tornem grandes. Nesse mundo, segundo Unger, tudo o que
possui potencial para a mudana est trancafiado na imaginao individual. A superao desse momento de dormnciademocrtica, assim, depende do aumento de temperatura da poltica, que pode ocorrer mediante o engajamento de grandesmassas de pessoas em preocupaes cvicas e atividades polticas. Isso porque a energizao democrtica e poltica ,para Unger, depende da manuteno da sociedade em um elevado nvel de organizao cvica. O programa transicional,portanto, deve incluir iniciativas que aumentem o engajamento poltico das populaes, tais como o voto obrigatrio (comopraticado no Brasil), o financiamento pblico de campanhas (que, ao contrrio do que costumam pregar, j existe na prticano Brasil); o livre acesso dos partidos e das entidades de classe aos meios de comunicao, eleies antecipadas quepoderiam ser convocadas por qualquer dos poderes e mais hipteses de plebiscitos e referendos. Com isso, segundo Unger,seria possvel reverter a lgica poltica do sistema presidencialista, de modo a torn-lo em caminho para a acelerao dapoltica e no para a sua diminuio (2004b, pp. xci-xcvi).21Para Unger, a intensificao do engajamento cvico das populaes e o surgimento de novas formas de participao diretada sociedade civil na poltica so insuficientes se a sociedade civil continuar desorganizada ou organizada de maneiramuito desigual (2004b, p. xcvi). Consoante Unger, abandonar as exigncias organizacionais da sociedade civil aosinstrumentos tradicionais do direito privado significa resignar-se organizao marcadamente desigual, j que osmecanismos facilitadores do contrato sero usados por aqueles que, em certo sentido, j so organizados . Uma daspossveis solues, conforme Unger, seria que a sociedade civil adquirisse elementos de uma organizao de direitopblico, criando normas e redes de vida em grupo fora do Estado, paralelas ao Estado e inteiramente livres de influnciaou tutela estatal (2004a, pp. 29-30).
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O projeto transicional acima sintetizado visto por Unger como um dos possveis
primeiros passos rumo ao que poderia se transformar em caminho de cumulativas reformas
institucionais nos arranjos entrincheirados em diversas democracias atuais. O pressuposto da
transio, segundo Unger, seria a improvvel aliana entre trs classes de pessoas que hoje
desempenham importantes papis nas democracias: (a) a classe pobre, geralmente
estigmatizada; (b) a classe mdia trabalhadora; e (c) os profissionais dos setores de vanguarda
da economia (2004b, p. ci). Essa aliana improvvel justamente porque depende de
elemento que dificilmente poder ser imposto por qualquer arranjo institucional: a
solidariedade22.
Independentemente dessa constatao, interessante notar que no h qualquer
meno, nesse programa transicional, s Cortes Constitucionais ou ao Poder Judicirio comoum todo. Em nenhum momento dito por Unger que os pilares da plataforma de transio
seriam robustecidos mediante a efetivao jurisdicional de direitos fundamentais. Ao revs,
Unger radicalmente contrrio definio abstrata de contedos de direitos fundamentais que
poderiam ser titularizados por todos de maneira transcendental ao contexto (2004b, p. cv;
2001, p. 355-382). Alm disso, Unger tambm no demonstra qualquer esperana de que
Cortes Constitucionais poderiam ser as responsveis por criar o engajamento poltico faltante
sociedade civil desorganizada ou, principalmente, o sentimento de solidariedade que necessrio para a organizao e subsequente energizao social.
Qual , ento, a viso do experimentalismo institucional sobre o papel do direito nesse
caminho de acelerao democrtica? Os dois prximos tpicos do primeiro captulo da
dissertao sero exclusivamente dedicados a responder essa pergunta. No primeiro, sero
apresentadas as crticas de Unger s teorias constitucionais dominantes. No segundo, ser
delineada a proposta de reforjamento da anlise jurdica como ferramenta de
experimentalismo institucional.
22Possveis alternativas institucionais para o surgimento de solidariedade forada sero discutidas com maior detalhamentono item 3.2.3 da dissertao. No presente momento, necessrio mencionar, apenas, que seria extremamente relevante que ascincias sociais focassem as suas energias na criao de formas institucionais de educao sentimental massificada dosindivduos. Por educao sentimental, deve-se entender, conforme preconizado por Rorty, o tipo de educao [que] deixa as
pessoas diferentes suficientemente familiarizadas umas com as outras, de modo que elas se sentem menos tentadas a pensarque aquelas que so diferentes delas so apenas semi-humanas. O objetivo da educao sentimental, nesse sentido, expandir a referncia dos termos nosso tipo de gente e gente como ns (2005, p. 211).
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1.4- Guinada contra a anlise jurdica racionalizadora
Como visto anteriormente, diferentemente do que fazem alguns autores da escola do
pragmatismo domesticado, como Richard Posner (1998)23, Unger no ataca a teoria em si
mesma. Ao contrrio, reconhece a indispensabilidade da teorizao, ao mesmo tempo em que
admite os riscos de enfraquecimento imaginativo que dela decorrem. Assim, especificamente
no direito, a guinada contra a teoria proposta por autores da linhagem de Posner d lugar, na
obra de Unger, ao que se pode chamar de virada contra a anlise jurdica racionalizadora24.
Unger prope que a anlise jurdica seja reforjada como instrumento de experimentalismo
institucional (2004a, pp. 159-160). Com isso, encontra lugar inovador para a teoria, fugindo
aos extremos equivocadamente defendidos na pouco enriquecedora discusso travada entreRonald Dworkin e Posner (1997; 1998) sobre a questo.
Na obra O Direito e o Futuro da Democracia, Unger traz para o campo jurdico o
seu conceito de sociedade artefato humano e o seu slogan de que tudo poltica, objetivando
fazer com que a anlise jurdica se torne poderosa ferramenta de experimentalismo
institucional. As consequncias dessa proposta so avassaladoras em relao a diversos
lugares-comuns da teoria jurdica contempornea, notadamente no mbito do direito
constitucional. Unger faz com que se torne impossvel evadir-se concluso de que osfetichismos estrutural e institucional e a tese da convergncia operam restritivamente de
maneira cotidiana em relao ao desenvolvimento da atividade jurdica atual.
A anlise do direito especialmente a teoria constitucional , segundo Unger,
encontra-se hoje limitada estratgia superficial de enfrentamento do problema relacionado
ao modo de assegurar as condies prticas do gozo efetivo de direitos, consistente
exclusivamente na manuteno das estruturas institucionais atuais e no estudo das suas
consequncias prticas. A anlise jurdica no trabalha com uma possvel segunda estratgia,que operaria segundo a lgica de pensamento imaginativo das estruturas institucionais em
direes alternativas, por intermdio de experimentalismo (2004a, pp. 41-44).
23A meno negativa ao pensamento de Posner, no presente trecho da dissertao, no deve ser lida como manifestao dedesprestgio valiosa obra do autor como um todo. Pelo contrrio, a obra de Posner extremamente relevante para opensamento do direito constitucional, a despeito de muito pouco estudada no Brasil. absolutamente correto o elogio deRorty no sentido de que Posner representa para o direito constitucional o que John Dewey significa para a filosofia. Tambmso corretas, contudo, as fortes crticas realizadas por Rorty a Posner em seguida ao elogio (2007b).24Por racionalismo, Unger entende: ideia de que podemos ter um fundamento de justificao e crtica das formas de vidaem sociedade, e que desenvolvemos esse fundamento por ponderao, que produz critrios de julgamento que atravessamtradies, culturas e sociedades (2004a, p. 207).
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Para que se possa falar em completude da anlise jurdica, para Unger, esses dois
momentos estratgicos devem ser necessariamente cumulativos, no seguinte sentido:
Assim, o avano em direoao reconhecimento da essncia emprica e revogvel dosdireitos de escolha deve ser apenas o primeiro passo num movimento constitudo de dois
passos. O segundo passo, seguido de perto pelo primeiro, seria a imaginao jurdica de
pluralismos alternativos: a explorao, pela discusso programtica ou pela reforma
experimental, de uma sequencia ou outra de mudana estrutural. Cada sequencia
redefiniria os direitos e os interesses e ideais a que eles servem, ao mesmo tempo em que
os realizaria mais efetivamente (2004a, p. 44).
O desenvolvimento interrompido da anlise jurdica, verificado por Unger em todo o
pensamento do direito na atualidade, seria marcado pela limitao da teoria e da doutrina ao
primeiro passo.
Inicialmente, cumpre destacar que fica claro, a partir da anlise do trecho acima
transcrito da obra O Direito e o Futuro da Democracia, que, semelhantemente ao que fez
com a teoria poltica, Unger no opera em bases niilistas em relao ao direito. Novamente, o
experimentalismo institucional aplicado por Unger ao direito no rejeita totalmente o contexto
e no permite que a analise jurdica, tendo quebrado o ambiente em que se insere, livremente
permanea fora de qualquer outra espcie de amarra. Assim como em Politics, Unger no
prope a transcendncia total ao ambiente. Sua proposta limita-se a reduzir a dependncia em
relao aos contextos formadores. No por outro motivo, alis, que Unger encerra a obra O
Direito e o Futuro a Democracia da seguinte maneira:
Nossos interesses permanecem pregados cruz de nossas estruturas. No podemos
realizar nossos interesses e ideais mais plenamente, nem redefini-los mais
profundamente, at que aprendamos a refazer e a reimaginar nossas estruturas mais
livremente.
A histria no nos dar essa liberdade. Devemos conquist-la no aqui e agorado detalhe jurdico, do constrangimento econmico e das preconcepes que anestesiam.
No a conquistaremos se continuarmos a professar uma cincia da sociedade que reduz o
possvel ao real e um discurso sobre o direito que unge o poder com piedade. verdade
que no podemos ser visionrios at que nos tornemos realistas. verdade tambm que
para nos tornamos realistas devemos nos transformar em visionrios (2004a, p. 228).
Unger aplica ao contexto, nesse trecho, o mesmo raciocnio que emprega em relao
teoria. Como visto anteriormente, Unger utiliza ao mesmo tempo a teorizao excessiva e o
seu oposto para que o arsenal terico no faa o estranho parecer natural, mas o natural
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parecer estranho (2004b, pp. lvii-lviii). Exatamente o mesmo raciocnio empregado por
Unger em relao anlise jurdica.
O principal exemplo do desenvolvimento interrompido da anlise jurdica apontado
por Unger relacionado s discusses travadas a respeito da jurisdicionalizao de polticas
pblicas. O problema fundamental nessa discusso a dificuldade de entender os limites da
sua aplicao. Isso porque, de acordo com Unger, em passagem que, embora destinada
anlise do problema nos Estados Unidos, perfeitamente aplicvel ao Brasil, a partir do
momento em que comeamos a mexer com organizaes relativamente perifricas, como
prises e hospcios, (...) por que no continuar at alcanar empresas e organizaes
burocrticas, famlias e governos locais?. De toda sorte, ainda que no se considere essa
discusso e que se admita a limitao do alcance da interveno judicial em polticas pblicasaos campos perifricos atualmente discutidos, a percepo que falta na anlise jurdica desse
problema justamente a de que, assim como os juzes, nenhum outro elemento do Estado
atual suficientemente adequado, em virtude de capacidade prtica ou de interveno
poltica, para empreender o trabalho de reconstruo estrutural ou episdica (2004a, p. 49).
A melhor soluo, assim, seria que a anlise jurdica se abrisse para o
experimentalismo institucional. O caminho imaginado por Unger, nesse sentido, seria a
criao de novo agente: outro rgo do governo, um outro poder do Estado, concebido,eleito e dotado de recursos com o encargo expresso de conduzir essa tarefa inconfundvel de
garantia de direitos (2004a, p. 49). Para isso, contudo, conforme j destacado, seria
necessrio que a anlise jurdica completasse a passagem do primeiro (insistncia na
efetividade do gozo de direitos) para o segundo passo (reimaginao e reconstruo
institucional)25.
A pobreza do pensamento jurdico atual, que no se limita a esse exemplo episdico,
atribuda por Unger a um especfico momento especial da histria poltica moderna: o acertosocialdemocrata que definiu as condies e os limites dentro dos quais seria admissvel a
defesa dos interesses de grupos organizados representativos de maiorias ou minorias (2004a,
p. 52). Mais uma vez, cabe destacar que essa afirmao no revela viso negativista de Unger
em relao soluo proposta pelo chamado Consenso de Washington e muito menos
25No campo do controle jurisdicional de polticas pblicas, justamente a circunscrio da anlise jurdica ao primeiro passoque impede o surgimento de novas propostas de enfrentamento estrutural do assunto e que faz com que o pensamentojurdico fique adstrito aos pobres, embora no completamente desnecessrios, conceitos de reserva do possvel, mnimoexistencial, ncleo essencial, entre outros. Embora no seja objeto da presente dissertao analisar detidamente o problema
da jurisdicionalizao de polticas pblicas, cabe destacar, a respeito da critica ora apresentada, que constitui bom exemplo deanlise a obra Weak Courts, Strong Rights, de Mark Tushnet (2008), justamente por apresentar sugestes de alteraoinstitucional e no simplesmente sofisticaes tericas de conceitos estticos.
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representa indcio de que o experimentalismo institucional seja esquerdista. Como visto, a
teoria de Unger supraliberal. A crtica ao fenmeno histrico em questo voltada
equivocada percepo geral de que se trataria de consensoimutvel. Novamente, vale dizer
que, para Unger, o neoliberalismo significou simples acontecimento poltico contingente. O
erro reside na sua racionalizao retrospectiva, que tambm opera srios efeitos no mbito da
anlise jurdica, notadamente no que diz respeito ao direito constitucional26.
A consequncia do acerto socialdemocrata para o direito constitucional, portanto, seria
a incapacidade de a anlise jurdica passar do primeiro momento (cuidado com o gozo dos
direitos) para a etapa do experimentalismo institucional. Unger denomina essa anlise jurdica
empobrecida de anlise jurdica racionalizadora (2004a, p. 53)27, a qual, segundo o autor,
gozaria atualmente de grande e crescente influncia [n]o espao imaginativo em que aselites do judicirio e as elites acadmicas e profissionais do direito discutem o direito e
desenvolvem seu conhecimento prtico e aplicado (2004a, p. 55). A sua principal
caracterstica seria a busca por representar grandes pedaos do direito como expresses,
conquanto expresses imperfeitas, de conjuntos ligados de polticas pblicas e princpios
(2004a, p. 54). O principal diferencial da anlise jurdica racionalizadora seria a ingnua
suposio de que os ideais de polticas pblicas e princpios, independentemente do seu
contedo, seriam inerentes ao direito e deveriam apenas ser explicitados por intrpretesdevidamente capacitados e motivados.
26Essa critica fica bastante clara a partir da anlise do seguinte trecho da obra O Direito e o Futuro da Democracia: Asrazes mais importantes para a interrupo do desenvolvimento do pensamento jurdico se encontram na histria polticamoderna. No obstante, a simples atribuio dos limites do pensamento jurdico contemporneo aos constrangimentos sobrea transformao poltica dos contextos sociais insuficiente, como explicao, por vrios motivos. (...) no obstanteverdade que, como qualquer arranjo institucional, o acerto socialdemocrata importou a renncia a um campo maior deconflito e controvrsia. Os governos nacionais conquistaram o poder e a autoridade para administrar a economia emsentido contrrio ao dos ciclos econmicos, para reequilibrar, mediante polticas fiscais de transferncia, os efeitos
desniveladores do crescimento econmico e para tomar as iniciativas de investimento que pareciam necessrias lucratividade. Por outro lado, contudo, tiveram que renunciar ameaa de reorganizar radicalmente o sistema de produoe troca e de, por esse meio, reformular a distribuio primria da riqueza e da renda na sociedade. A recusa da anlisejurdica em passar da preocupao com o gozo de direitos para a perseguio de mudana institucional pode simplesmenteparecer a contrapartida jurdica da recusa do acordo socialdemocrata a um conflito mais amplo. O papel do reformadorjurdico prtico seria o de continuar e terminar o trabalho inacabado da reforma socialdemocrata. A tarefa do pensador dodireito seria a de desenvolver uma teoria do direito que, mais livre da devoo do sculo XIX a um sistema de direitopredeterminado, fizesse justia s promessas socialdemocratas. Desse ngulo, a renncia em passar do tema do gozo efetivode direitos para a prtica da crtica institucional parece ser uma consequncia da renncia a um experimentalismoinstitucional mais amplo. Tal renncia constituiu uma condio essencial do acerto socialdemocrata.(2004a, pp. 51-52).27Para Unger, em clara aplicao ao mbito do direito dos seus postulados de que a sociedade artefato humano e que tudo poltica, no existe tal coisa como o raciocnio jurdicouma parte imutvel de um corpo imaginrio de formas deinvestigao e discurso, dotado de um ncleo permanente de alcance e mtodo. O que temos so apenas estruturasinstitucionais historicamente localizadas e discusses historicamente localizadas.No faz sentido perguntar Que a anlisejurdica? como se o discurso (dos profissionais do direito) a respeito do direito tivesse uma essncia imutvel. Ao lidar comesse discurso, o que podemos corretamente perguntar Sob que forma recebemos e no que devemos transform -lo?. Nestelivro, sustento que hoje podemos e devemos transform-lo num dilogo continuado sobre nossas estruturas. (2004a, pp. 53-54).
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O mtodo mais importante utilizado pela anlise jurdica racionalizadora para
interromper o pensamento do direito , segundo Unger, a resignao ao j mencionado
fenmeno do fetichismo institucional. No mbito jurdico, o fenmeno em questo descreve
as instituies, os discursos e as prticas atuais como as nicas formas possveis aps o crivo
da histria. A prtica da anlise jurdica racionalizadora consiste, portanto, justamente em
racionalizar retrospectivamente polticas congeladas. O exerccio contnuo desse mtodo gera
a inibio do direito para atividades de experimentalismo institucional. Assim como ocorre
em relao poltica, consoante j mencionado anteriormente, a imaginao democrtica
somente teria espao no mbito do direito, segundo o mtodo da anlise jurdica
racionalizadora, em momentos mgicos e especiais de crise.
A anlise jurdica racionalizadora ignora, contudo, que, mesmo no primeiro momentodo pensamento do direitocomo o caso da ausncia de concretizao dos direitos sociais no
Brasilas principais razes de frustao do gozo pleno de direitos positivados podem residir
justamente na impossibilidade de concretizao de prticas que no podem ser alcanadas
segundo as regras do arcabouo institucional e normativo vigente.
Quatro razes negativas principais, assim, so identificadas por Unger como
fundamentos da anlise jurdica racionalizadora: (a) o preconceito contra a analogia
irrefletida; (b) a crena na necessidade de defesa de determinado sistema de direitos; (c) oprojeto poltico do reformismo progressista pessimista e (iv) a obsesso com o papel
dominante do juiz (2004a, pp. 80-147).
O preconceito contra a analogia revela a pressuposio, da anlise jurdica
racionalizadora, de que existiria um modo coerente e claro de se pensar sobre o direito que
poderia ser alcanado se o jurista apenas se dispusesse a refletir longamente. O seu inimigo
principal, portanto, seria o exerccio irrefletido da analogia por parte do jurista28. A
necessidade de clareza do pensamento sobre o direito imporia, segundo a anlise jurdicaracionalizadora, a obrigatoriedade de abandono da analogia. A analogia seria, para a anlise
jurdica racionalizadora, mera forma incipiente de raciocnio, o que o engatinhar representa
para o andar (2004a, p. 81).
Para Unger, esse preconceito contra a analogia revela a equivocada presuno de
racionalidade dos padres da anlise jurdica. Representa, assim, a completa e equivocada
desconsiderao de que os postulados a sociedade artefato humano e tudo poltica se
28 O mtodo da analogia assim descrito por Unger: grande parte dos raciocnios de advogados em muitas tradiesjurdicas confere um papel central comparao e distino analgicas, prendendo-se ao fundo de costume e deprecedente e se recusando a subir a escada da abstrao, da generalizao e do sistema (2004a, p. 80)
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aplicam totalmente ao direito. Alm disso, segundo Unger, o desmerecimento da analogia
significa clara ignorncia histrica dos defensores da anlise jurdica racionalizadora, uma vez
que:
Mesmo na histria mundial da doutrina jurdica, as formas analgicas ou glossatoriais de
raciocnio exerceram muito mais influncia, e em perodos mais contnuos, do que as
abstraes em busca de princpios dos juristas sistemticos ou racionalistas. Com
frequncia, o grupo da analogia teve um sentimento seguro de sua superioridade no
embate com o grupo da racionalizao. Assim, por exemplo, os ltimos defensores da
jurisprudncia republicana romana menosprezaram a racionalizao jurdica como a
corrupo, pela fora dupla do racionalismo grego e da dominao burocrtica, de um
ofcio elevado e mais sutil. Os realistas e os ps-realistas jurdicos americanos fizeram o
mesmo quando idealizaram o common law como produto de um raciocnio
contextualizado e experimental que fez a abstrao jurdica parecer intelectualmente
fechada.(...) A incongruncia do desprezo pela analogia se torna ainda mais evidente
quando lembramos que o estilo analgico de pensamento serviu como veculo mais
influente na histria de ideias sobre esprito e personalidade no Ocidente: o entendimento,
nas religies semitas monotestas do judasmo, do cristianismo e islamismo, da relao
entre Deus e a humanidade por analogia s relaes entre as pessoas (2004a, p. 83).
Unger vai mais alm e afirma que, alm de no representar mtodo constante na
experincia histrica mundial, a represso contra o juzo analgico no pensamento jurdico
desembocaria, se conseguisse ser alcanada, numa desumanizao radical do direito: um
mtodo para as pessoas e outro para as regras(2004a, p. 84).
A justificativa comumente empregada pelos defensores da anlise jurdica
racionalizadora para justificar o banimento do raciocnio analgico o j mencionado receio
de que o abandono da abstrao possa permitir a abolio de valores relevantes, geralmente
identificados com os compromissos de manter o Estado de Direito e determinado sistema de
direitos. Conforme j visto anteriormente, esse argumento o mesmo utilizado por aqueles
que criticam a resposta proposta pelo pragmatismo radical pergunta como o homem pode
corrigir e melhorar o seu contexto deliberadamente e com alguma certeza a respeito da
correo das suas escolhas?.
O argumento de que o slogan tudo poltica possui repercusses perigosas decorrentes
do abandono de qualquer pretenso racionalista, como j mencionado, no resiste
constatao de Rorty no sentido de que o que a histria poltica no pode ensinar, a filosofia
tambm no (1991, pp. 296-297). Isso porque, como j mencionado, no possuem os
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filsofos profissionais e os especialistas em anlise jurdica racionalizadora o poder de
antever a histria. No por outro motivo, alis, que os pragmatistas no aceitam a ingnua
ideia de que seria a evoluo da teoria jurdica o caminho apto a evitar que Cortes
Constitucionais proferissem novas decises catastrficas como Dred Scott (Rorty, 1989-1990,
p. 1.818).
De toda sorte, justamente a hipottica necessidade de que a sociedade se autoimunize
racionalisticamente contra futuros indesejados que fundamenta, consoante Unger, a segunda
raiz da anlise jurdica racionalizadora, qual seja: a defesa do Estado de Direito e de
determinado sistema de direitos. Supe a anlise jurdica racionalizadora que a adeso ao
mtodo analgico no teria a capacidade de manter as pessoas seguras em relao aos seus
direitos, uma vez que, se a lista de fins pertinentes aberta, e se o mtodo de raciocnio no-cumulativo, o fundamento para a crtica de qualquer comparao ou distino analgica
permanecer sempre frgil, de modo que o analogista ser capaz de escapar ileso fazendo
tudo o que quiser fazer(2004a, p. 85).
Repetindo o que Rorty disse em relao aos limites da filosofia e tambm explicitando
o que naturalmente decorre dos seus postulados a sociedade artefato humano e tudo
poltica, Unger combate o medo contra o resultado da analogia afirmando que, se a analogia
no capaz de conter a arbitrariedade, tambm no o , por outro lado, a disposio deconsiderar o raciocnio jurdico como um substituto para o conflito ideolgico contnuo na
sociedade (2004a, p. 86). Alis, caso a crena da anlise jurdica racionalizadora no sistema
de direitos realmente significasse o que os seus defensores imaginam, a consequncia seria a
inadmissvel a ideologizao do direito. Isso porque independentemente do contedo das leis
editadas pelas Casas Legislativas, os especialistas em anlise jurdica racionalizadora seriam
capazes de livremente reinvent-las, sob o pretexto de reinterpret-las. Com efeito, se
realmente o sentido da democracia fosse descobrir a forma transcendental racional ideal devida, conforme preconiza a anlise jurdica racionalizadora, o papel das instituies
representativas atuais seria extremamente reduzido, quase irrelevante.
Para Unger, o conflito ideolgico contnuo na sociedade deve ser reconhecido pela
anlise jurdica e precisa ser estimulado atravs da acelerao da poltica. Assim, a
discricionariedade do intrprete ou do julgador que decorre da adoo do mtodo analgico
pragmatista deve ser entendida como inevitvel. Alis, representaria ingenuidade esperar que
a aplicao da anlise jurdica racionalizadora neutralizasse as arbitrariedades no direito, uma
vez que toda prtica de anlise jurdica concede alguma espcie de liberdade ao intrprete. A
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pretenso do jurista, contudo, no deve ser a racionalizao retrospectiva dos conflitos
polticos permanentes na forma de princpios e polticas pblicas. A sada no ancorar por
cima a anlise jurdica a partir de abstraes contrafactuais pretensamente universais. O
experimentalismo institucional proposto por Unger prefere o atrelamento do direito por baixo,
a analogias contextualizadas. A voz da razo, nesse sentido, no deve ser vista como
mecanismo apto a permitir a reordenao da confuso poltica pelo direito. O risco decorrente
dessa racionalizao jurdica seria exatamente travestir o aperfeioamento reconstrutivo
ideologizado sob a forma interpretao fiel (2004a, pp. 90-91)29.
Nesse tocante, as consequncias da anlise jurdica r