RodrigoCanal(171-185)-Versao Artigo Para Revista KinesisQUATRO OBJEÇÕES DE JOHN SEARLE AO...

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QUATRO OBJEÇÕES DE JOHN SEARLE AO COGNITIVISMO QUATRO OBJEÇÕES DE JOHN SEARLE AO COGNITIVISMO QUATRO OBJEÇÕES DE JOHN SEARLE AO COGNITIVISMO QUATRO OBJEÇÕES DE JOHN SEARLE AO COGNITIVISMO RODRIGO CANAL 1 RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: Cognitivismo é uma tendência recente da Ciência Cognitiva que defende que o computador fornece uma imagem correta da natureza do mental, e não deve ser visto como metáfora apenas. No entanto, esta visão não se compromete em afirmar que computadores têm, literalmente, estados mentais, mas somente que o cérebro efetua processamento de informação: pensar, por exemplo, seria processar informação. Ora, se processar informação é, justamente, manipular símbolos, e os computadores digitais efetuam processamento de informação, então a melhor maneira de se estudar a mente seria através de modelos computacionais (vide programas de computador) que simulassem o funcionamento da mente. Bem, o objetivo deste trabalho se restringirá e se situará nesse ambiente de discussão entre Searle e o Cognitivismo. Vamos nos comprometer aqui em apresentar e discutir algumas dificuldades que Searle, em suas investigações e pesquisas, considera estarem presentes nessa visão, dificuldades essas que têm sérias conseqüências para os estudos da mente em geral e para a Ciência Cognitiva em particular. Visto que o autor pondera que os resultados de seu experimento mental do argumento da sala chinesa não atingiram esta visão, que dificuldades Searle levanta à tese de que o cérebro é um computador digital que efetua processamento de informação? Continuariam elas a serem obstáculos aos modelos computacionais da mente, isto é, ao modo cognitivista de estudar a mente? Estas são as perguntas básicas que este trabalho visa responder, e este é seu objetivo principal. PALAVRAS PALAVRAS PALAVRAS PALAVRAS-CHAVE: CHAVE: CHAVE: CHAVE: Cognitivismo. Sintaxe. Processamento de informação. Processos naturais. Processos relativos ao observador. ABSTRACT: ABSTRACT: ABSTRACT: ABSTRACT: The Cognitivism is a current tendency of Cognitive Science that defends the computer supply a right picture of the nature of mental states, and that is not just a metaphor. Nevertheless, this view do not support that the computers have, literally, mental states, only that the brain process information: to think, for instance, would be information processing. So, if information processing is, justly, to manipulate symbols, and digital computers processing information, then the best way to study mind would be through computational models (by computers programs) that simulate the functioning of the mind. Then, the aim of this work will be show the discussion between John Searle and the Cognitivism. Let us commit in show and discuss difficulties that Searle, in yours investigations, believes be present in cognitive view, since this difficulties have serious consequences in general studies of mind and for Cognitive Science in particular. Since the philosopher understands that the results of the chinese room argument do not reached this view, what difficulties that he arises in the view that the brain is a digital computer effectuating information processing? Are these difficulties still would be obstacles to the study of mental phenomena of this view Cognitivist? These are questions that this work try to response. KEYWORDS KEYWORDS KEYWORDS KEYWORDS: : : : Cognitivism. Syntax. Information-processing. Natural processes. Processes relatives to observer. 1 C 1 C 1 C 1 Considerações iniciais onsiderações iniciais onsiderações iniciais onsiderações iniciais Apresentaremos as principais críticas de John Searle a certos aspectos de alegação computacional referentes a um programa de pesquisa da ciência cognitiva. Restringir-nos-emos naquilo que Searle chama de Cognitivismo, a tendência recente da ciência cognitiva que defende que o computador fornece uma imagem correta da natureza do mental, e que este não deve ser visto como metáfora apenas. 1 Aluno do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, mestrado em Filosofia (Área de Concentração: Filosofia da Mente, epistemologia e lógica), do Centro de Pós-graduação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Campus de Marília, sob orientação do Prof. Dr. Antonio Trajano Menezes Arruda. Email: [email protected]

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RESUMO: Cognitivismo é uma tendência recente da Ciência Cognitiva que defende que o computador fornece uma imagem correta da natureza do mental, e não deve ser visto como metáfora apenas. No entanto, esta visão não se compromete em afirmar que computadores têm, literalmente, estados mentais, mas somente que o cérebro efetua processamento de informação: pensar, por exemplo, seria processar informação. Ora, se processar informação é, justamente, manipular símbolos, e os computadores digitais efetuam processamento de informação, então a melhor maneira de se estudar a mente seria através de modelos computacionais (vide programas de computador) que simulassem o funcionamento da mente. Bem, o objetivo deste trabalho se restringirá e se situará nesse ambiente de discussão entre Searle e o Cognitivismo. Vamos nos comprometer aqui em apresentar e discutir algumas dificuldades que Searle, em suas investigações e pesquisas, considera estarem presentes nessa visão, dificuldades essas que têm sérias conseqüências para os estudos da mente em geral e para a Ciência Cognitiva em particular. Visto que o autor pondera que os resultados de seu experimento mental do argumento da sala chinesa não atingiram esta visão, que dificuldades Searle levanta à tese de que o cérebro é um computador digital que efetua processamento de informação? Continuariam elas a serem obstáculos aos modelos computacionais da mente, isto é, ao modo cognitivista de estudar a mente? Estas são as perguntas básicas que este trabalho visa responder, e este é seu objetivo principal. PALAVRAS-CHAVE: Cognitivismo. Sintaxe. Processamento de informação. Processos naturais. Processos relativos ao observador.

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  • QUATRO OBJEES DE JOHN SEARLE AO COGNITIVISMOQUATRO OBJEES DE JOHN SEARLE AO COGNITIVISMOQUATRO OBJEES DE JOHN SEARLE AO COGNITIVISMOQUATRO OBJEES DE JOHN SEARLE AO COGNITIVISMO

    RODRIGO CANAL1 RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: Cognitivismo uma tendncia recente da Cincia Cognitiva que defende que o computador fornece uma imagem correta da natureza do mental, e no deve ser visto como metfora apenas. No entanto, esta viso no se compromete em afirmar que computadores tm, literalmente, estados mentais, mas somente que o crebro efetua processamento de informao: pensar, por exemplo, seria processar informao. Ora, se processar informao , justamente, manipular smbolos, e os computadores digitais efetuam processamento de informao, ento a melhor maneira de se estudar a mente seria atravs de modelos computacionais (vide programas de computador) que simulassem o funcionamento da mente. Bem, o objetivo deste trabalho se restringir e se situar nesse ambiente de discusso entre Searle e o Cognitivismo. Vamos nos comprometer aqui em apresentar e discutir algumas dificuldades que Searle, em suas investigaes e pesquisas, considera estarem presentes nessa viso, dificuldades essas que tm srias conseqncias para os estudos da mente em geral e para a Cincia Cognitiva em particular. Visto que o autor pondera que os resultados de seu experimento mental do argumento da sala chinesa no atingiram esta viso, que dificuldades Searle levanta tese de que o crebro um computador digital que efetua processamento de informao? Continuariam elas a serem obstculos aos modelos computacionais da mente, isto , ao modo cognitivista de estudar a mente? Estas so as perguntas bsicas que este trabalho visa responder, e este seu objetivo principal. PALAVRASPALAVRASPALAVRASPALAVRAS----CHAVE:CHAVE:CHAVE:CHAVE: Cognitivismo. Sintaxe. Processamento de informao. Processos naturais. Processos relativos ao observador. ABSTRACT: ABSTRACT: ABSTRACT: ABSTRACT: The Cognitivism is a current tendency of Cognitive Science that defends the computer supply a right picture of the nature of mental states, and that is not just a metaphor. Nevertheless, this view do not support that the computers have, literally, mental states, only that the brain process information: to think, for instance, would be information processing. So, if information processing is, justly, to manipulate symbols, and digital computers processing information, then the best way to study mind would be through computational models (by computers programs) that simulate the functioning of the mind. Then, the aim of this work will be show the discussion between John Searle and the Cognitivism. Let us commit in show and discuss difficulties that Searle, in yours investigations, believes be present in cognitive view, since this difficulties have serious consequences in general studies of mind and for Cognitive Science in particular. Since the philosopher understands that the results of the chinese room argument do not reached this view, what difficulties that he arises in the view that the brain is a digital computer effectuating information processing? Are these difficulties still would be obstacles to the study of mental phenomena of this view Cognitivist? These are questions that this work try to response. KEYWORDSKEYWORDSKEYWORDSKEYWORDS: : : : Cognitivism. Syntax. Information-processing. Natural processes. Processes relatives to observer. 1 C1 C1 C1 Consideraes iniciaisonsideraes iniciaisonsideraes iniciaisonsideraes iniciais

    Apresentaremos as principais crticas de John Searle a certos aspectos de alegao computacional referentes a um programa de pesquisa da cincia cognitiva. Restringir-nos-emos naquilo que Searle chama de Cognitivismo, a tendncia recente da cincia cognitiva que defende que o computador fornece uma imagem correta da natureza do mental, e que este no deve ser visto como metfora apenas.

    1 Aluno do Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu, mestrado em Filosofia (rea de Concentrao: Filosofia da Mente, epistemologia e lgica), do Centro de Ps-graduao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Campus de Marlia, sob orientao do Prof. Dr. Antonio Trajano Menezes Arruda. Email: [email protected]

  • 172 Quatro objees de John Searle ao cognitivismo

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    A investigao cognitivista procura sustentar a hiptese de que a mente est para o crebro assim como o programa est para o hardware. A problema central, ao ver de Searle, seria saber: o crebro um computador digital?

    O exame de Searle acerca da viso cognitivista guiado por um objetivo, o de que todo modelo baseado num computador precisa mostrar como, exatamente, o modelo consegue se relacionar com a realidade que est sendo modelada (SEARLE:1997, p.284). A ambio deste filosofo saber se os modelos computacionais da mente realmente explicam e mostram que o crebro poderia ser caracterizado como um computador digital.

    Searle faz algumas consideraes iniciais sobre a viso cognitivista, pontuando o que de fato eles tm em mente quando acreditam ser o crebro uma espcie de computador digital. O cognitivismo, por exemplo, no est defendendo que a mente um programa de computador, porque esta viso foi refutada por Searle com seu experimento mental do quarto chins. Logo, Searle no sente a necessidade de refutar essa afirmao porque acredita o j ter feito em outro momento. Searle no desacredita totalmente na eficincia da tcnica de modelagem atravs da simulao computacional pelos programas de computador (ou modelos computacionais da mente), pois isso de fato pode ser, como , feito. O problema que ele investiga, e o que ns exporemos, ser referente ao de saber se o crebro, ou no, um computador digital, e Searle pensa que esta questo distinta das outras expostas. o que ele diz na seguinte passagem, quando algum confunde e no nota um interesse diferente no problema de saber se o crebro um computador digital.

    Isto , algum podia supor que, a no ser que a mente seja um programa, no h interesse na pergunta sobre se o crebro um computador. Porm, este realmente no o caso. Mesmo para aqueles que concordam que os programas, por si mesmos, no so constitutivos de fenmenos mentais, h ainda uma questo importante: admitindo-se que h mais na mente que as operaes sintticas do computador digital, no obstante pode ser o caso de que os estados mentais sejam pelo menos estados computacionais, e os processos mentais sejam processos computacionais operando sobre a estrutura formal destes estados mentais. Esta, com efeito, parece-me a posio assumida por um nmero razoavelmente grande de pessoas (SEARLE:1997, p.287).

    Deste modo, para Searle, o cognitivismo no se compromete em afirmar que computadores tm, literalmente, estados mentais, mas somente que o crebro efetua processamento de informao (sinttico ou computacional) sobre a estrutura formal de estados mentais. Os programas computacionais, que operam e manipulam smbolos, embora no sejam constitutivos de fenmenos mentais, possuram uma estrutura formal semelhante a dos estados mentais. O que faria com que os cognitivistas ainda acreditassem na idia de que o crebro um computador digital no a idia de que a mente um programa de computador, mas que os processos computacionais operam sobre a estrutura formal de estados mentais. Por isso que Searle considera que o argumento da sala chinesa no atinge o cognitivismo, pois ele no diz que os processos computacionais envolvidos so constitutivos de processos e estados mentais. Portanto, a crena de que os

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    processos e estados computacionais tem uma estrutura formal semelhante a dos estados mentais seria o que incomoda Searle em seus ataques ao cognitivismo.

    Para o cognitivismo, segundo Searle, existe um nvel intermedirio em que os processos cognitivos efetivos so inacessveis conscincia. Por isso, nem o estudo do crebro como tal, nem o da conscincia seriam de muito interesse e importncia para o cognitivismo, porque os processos mentais cognitivos seriam de fato e, em principio, inconscientes. Os mecanismos cognitivos que teriam por objetivo estudar seriam implementados no crebro, e por isso que somente alguns deles encontrariam expresso - superficial - na conscincia. A expresso da cognio se daria entre os nveis da intencionalidade e o neurofisiolgico: a existiria um nvel intermedirio de manipulao de smbolos formais. Todos os processos cognitivos seriam, portanto, computacionais, sendo a assuno bsica a de que o crebro um computador e os processos mentais seriam computacionais (SEARLE:1997, p.287).

    Searle afirma que o cognitivismo no alcana o objetivo de mostrar como modelos devem se relacionar com a realidade modelada (SEARLE:1997, p.284), pois os modelos computacionais so deficientes em mostrar de que maneira precisa o crebro poderia ser intrinsecamente um computador digital que efetua processamento de informao. Para que se possa demonstrar que o crebro possa ser intrinsecamente um computador digital, Searle diz que o cognitivismo precisaria responder ao seguinte problema: que fato acerca do crebro poderia decretar ser ele um computador digital? (SEARLE:1997, p.292). Se no alcana esse objetivo, ento o cognitivismo enfrenta dificuldades ao tentar caracterizar o crebro como uma espcie de computador digital, porque as caractersticas ou propriedades de um sistema so intrnsecas a ele, e no interpretadas ou atribudas arbitrariamente. uma questo de fato ou emprica e no filosfica ou lgica. As questes de fato so investigadas pelas cincias empricas ou naturais. Assim, se o cognitivismo admite que a questo o crebro um computador digital seja uma questo factual ou emprica, ento ele deve descobrir isso na natureza. A afirmao de Searle referente a considerar que o cognitivismo admite isso est nesta passagem:

    [...] tambm se admite que a questo sobre o fato de os processos cerebrais serem ou no computacionais simplesmente uma questo emprica evidente. Isto deve ser por investigao factual, da mesma forma que questes como o fato de o corao ser uma bomba ou de as folhas verdes realizarem a fotossntese foram estabelecidas como questes de fato. No h espao para distines lgicas pormenorizadas muito sutis ou para a anlise conceitual, porque estamos falando sobre casos de verdade cientfica indisputvel. Na verdade, penso que muitas pessoas que trabalham neste campo duvidariam que a questo que estou levantando seja, de qualquer modo, uma questo filosfica apropriada. o crebro realmente um computador digital? no uma questo filosfica mais do que : O neurotransmissor em junes neuromusculares realmente a acetilcolina? (SEARLE:1997, p.291).

    1.1 A definio de computao cognitivista1.1 A definio de computao cognitivista1.1 A definio de computao cognitivista1.1 A definio de computao cognitivista

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    De um modo geral, atravs da anlise da concepo de computao

    cognitivista que Searle levanta certos problemas para o estudo da mente e do crebro feitos pelo cognitivismo. Searle comea por mostrar que as deficincias da definio de computao j se encontra na falta de consenso entre os tericos do assunto, pois haveria uma disputa sobre o que seja de fato computao, isto , uma situao peculiar em que h pouca concordncia terica entres os cognitivistas. O que incomoda Searle que a definio de computao, alm possuir conseqncias falsas - que veremos a seguir, ela nem ao menos foi desenvolvida com rigor2.

    Searle assegura que somente podemos perceber o acordo acerca da definio de computao quando voltamos s origens da cincia cognitiva. A definio a que ele se refere a dada por Alan Turing. Segundo o autor, embora no possamos ver um "consenso universal sobre as questes fundamentais (SEARLE:1997, p.293)3, foi essa definio que deu origem ao conceito de computao e, portanto, essa definio a que recorrem os cognitivistas em geral. A definio explicitada por Searle a seguinte:

    Segundo Turing, uma mquina de Turing pode executar determinadas operaes elementares: pode reescrever um 0 na sua fita de gravao como um 1, pode reescrever um 1 na sua fita como um 0, pode deslocar a fita um casa para a esquerda, ou pode deslocar a fita uma casa para a direita. controlado por um programa de instrues e cada instruo especifica uma condio e uma ao a ser executada se a condio for satisfeita (SEARLE, 1997, p.293).

    O que importa a se notar nessa definio, segundo Searle, que, para os cognitivistas, ela no diz que qualquer pessoa consiga encontrar 0's e 1's ou mesmo uma fita no computador. No se trata de procurar por um computador digital, mas tratar qualquer coisa como se fosse um computador digital, isto , tratar qualquer coisa que pudesse estar habituada a atuar ou manipular com 0's e 1's (SEARLE:1997, p.294). Resulta dessa definio de computao (acima exposta) que a mquina computacional pode ser feita de qualquer substncia. O cognitivismo, ao assumir que o crebro um computador digital, isto , que podemos trat-lo como se manipulasse 0s e 1s, considera que podemos produzir um sistema que faz tudo o que o crebro faz a partir de qualquer coisa. Esta concepo, denominada como a tese da mltipla realizabilidade, possui alguns problemas que Searle atacar (SEARLE:1997, p.295). Podemos dizer inicialmente que a tese da mltipla realizabilidade afirma que a computao pode ser realizada em qualquer tipo de substncia material, pois a computao no uma propriedade ou caracterstica pertencente ao material que efetua a manipulao simblica de 0s e 1s: no como a solidez que uma propriedade de substncias slidas, mas que a computao pode ser implementada em qualquer material ou substncia fsica.

    2 o que ele diz nessa passagem: No penso que o problema da realizabilidade universal seja grave. Creio que

    passvel evitar a conseqncia da realizabilidade universal tomando mais rigorosa nossa definio de computao (SEARLE:1997, p.298). 3 As questes fundamentais a que ele se refere so acerca das Maquinas de Turing.

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    A partir daqui, passaremos a apresentar as quatro dificuldades, identificadas por Searle (1997), que seriam um resultado e conseqncia da definio de computao defendida, em geral, pelos cognitivistas.4

    2 P2 P2 P2 Primeira dificuldade: a sintaxe no intrnseca rimeira dificuldade: a sintaxe no intrnseca rimeira dificuldade: a sintaxe no intrnseca rimeira dificuldade: a sintaxe no intrnseca fsicafsicafsicafsica

    A tese central e que perpassa as outras objees que Searle faz ao cognitivismo a de que os estados computacionais no podem ser descobertos na fsica ou na natureza. Isto porque, pelas prprias definies de computao, os tericos cognitivistas no conseguem mostrar que so caractersticas intrnsecas do mundo, porm que so caractersticas ou propriedades atribudas arbitraria e relativamente por observadores humanos. A razo que procura dar subsdio objeo feita por Searle de que os estados computacionais no so descobertos na fsica e, logo, no podem ser caracterizadas como propriedades intrnsecas do mundo natural, est na seguinte passagem:

    Penso que a principal razo pela qual os proponentes no percebem que a realizabilidade mltipla ou universal um problema que eles no enxergam como uma conseqncia de uma questo muita mais profunda, a saber, que sintaxe no a denominao de uma caracterstica fsica, como massa ou gravidade. Ao contrrio, eles falam de mecanismos sintticos e mesmo de mecanismos semnticos como se tal tema fosse como aquele de motores a gasolina ou motores a diesel, como se fosse absolutamente indiscutvel considerar o crebro ou qualquer outra coisa como um mecanismo sinttico (SEARLE, 1997, p.293).

    Se os cognitivistas consideram a mltipla realizabilidade como condio bsica para a computao, ento isto implica que a qualquer coisa podemos atribuir uma interpretao computacional, j que os computadores "podem ser feitos de uma variedade indefinida de elementos de hardware (SEARLE:1997, p.296). Os processos computacionais podem ser implementados, sob a tica cognitivista, e podem ser realizados em qualquer sistema fsico, pois o que interessa so as descries funcionais e o fato de que a mesma funo pode admitir mltipla realizabilidade. A mltipla realizabilidade no seria conseqncia do fato de que o mesmo efeito fsico poderia ser conseguido por substncias fsicas diferentes, mas do fato de que so as propriedades puramente sintticas as mais importantes em jogo. Searle assevera que essa afirmao assume que, se as propriedades fsicas so irrelevantes, ento em qualquer coisa podemos atribuir uma interpretao sinttica (computacional) de 0's e 1's. Searle considera que essa viso tem as seguintes conseqncias desastrosas. Em primeiro lugar, ele diz:

    1 O mesmo princpio que implica mltipla realizabilidade pareceria implicar realizabilidade universal. Se a computao definida em termos de atribuio de sintaxe, ento tudo poderia ser um computador digital, porque todo e qualquer objeto poderia ter atribies sintticas feitas a

    4 Essas quatro dificuldades procuram mostrar, em geral, uma incoerncia conceitual e um limite na viso

    cognitivista.

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    ele. Voc poderia descrever qualquer coisa em termos de 0's e 1's (SEARLE:1997, p.296).

    Como podemos notar, para Searle a tese da realizabilidade tem a conseqncia de admitir uma realizabilidade universal, e seria uma generalizao radical dessa viso: "tudo poderia ser um computador digital, pois que todo e qualquer objeto poderia ter atribuies sintticas feitas a ele" (SEARLE:1997, p.296). J que a fsica irrelevante, a computao no pode ser caracterizada como uma propriedade intrnseca fsica, pois a atribuio de propriedades sintticas sempre relativa a um agente ou observador humano. Em segunda lugar, Searle diz que a pior conseqncia que a sintaxe no uma propriedade ou caracterstica intrnseca natureza ou fsica. Para ele a pior a mais profunda conseqncia da tese da mltipla realizabilidade :

    2 Pior ainda, a sintaxe no intrnseca fsica. A atribuio de propriedades sintticas sempre relativa a um agente ou observador que trata determinados fenmenos fsicos como sintticos (SEARLE:1997, p.296).

    Isto nos conduz a uma distino crucial que Searle faz em A Redescoberta da A Redescoberta da A Redescoberta da A Redescoberta da mentementementemente para mostrar a incoerncia conceitual presente na viso defendida pelo cognitivismo. 2.1 2.1 2.1 2.1 A A A A ddddistino entre istino entre istino entre istino entre (1) (1) (1) (1) caractersticas do mundo que so intrnsecas e caractersticas do mundo que so intrnsecas e caractersticas do mundo que so intrnsecas e caractersticas do mundo que so intrnsecas e caractersticas que so relativas ao observador (2)caractersticas que so relativas ao observador (2)caractersticas que so relativas ao observador (2)caractersticas que so relativas ao observador (2)

    Searle procura fazer uma distino entre as caractersticas do mundo que so intrnsecas e caractersticas que so relativas ao observador para mostrar que, na viso cognitivista, est presente uma confuso quanto ao entendimento daquelas coisas que existem independente dos seres humanos daquelas coisas que existem somente devido a existncia dos seres humanos. A falta de cincia e ateno quanto a essa distino crucial pode nos conduzir a armadilhas conceituais e a uma incoerncia conceitual bem discutvel. Para no sermos exaustivos em citaes, resumiremos a distino a seguir. Assim, para Searle, os cognitivistas no conseguem distinguir que

    (1) Expresses como massa, gravidade, molcula, etc. designam

    caractersticas que so intrnsecas ao mundo natural, pois mesmo que todos os usurios e observadores deixassem de existir, o mundo ainda conteria massa, gravidade, molculas, etc. (SEARLE:1997, p.301-302);

    (2) Atribuies de computao no designam nenhuma caracterstica intrnseca do mundo natural, designam antes objetos com caractersticas que foram atribudas a eles, caractersticas essas que so relativas a observadores e usurios, como banheiras, dinheiro, cadeira, computadores, etc. O que Searle est sustentando, logo, que nas definies padro de computao, as caractersticas computacionais so sempre relativas aos observadores (SEARLE:1997, p.301-302).

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    Ignorar uma distino bsica como essa sobre a realidade entrar, ao ver de Searle, em um emaranhado de confuso sobre as coisas que so intrnsecas ao mundo fsico/natural e daquelas coisas que no o so, isto , que so relativas ao observador ou atribudo pelos seres humanos. Searle confessa ter se dado conta disso muito tempo depois de sua objeo radical IA Forte (Inteligncia artificial Forte) com seu experimento mental da sala chinesa exposto no polmico artigo Minds, Brains and Programs (1980). O argumento da sala chinesa colocou uma restrio na pretenso da IA Forte ao propor essa viso que os programas de computador pudessem ter um entendimento, de maneira geral, tal como os seres humanos. Isso porque o nvel do entendimento, de textos por exemplo, um nvel semntico e no apenas sinttico. O argumento de Searle se ope idia de que os programas podiam ter um entendimento, propondo que a sintaxe no intrnseca semntica. As pretenses, ao ver de Searle, do argumento da sala chinesa eram diferentes do argumento geral e central que est fazendo oposio ao cognitivismo. Como ele mostra na seguinte passagem:

    Este um argumento diferente do argumento da sala chinesa, e eu devia ter percebido isto dez anos atrs, mas no percebi. O argumento da sala chinesa mostrou que a semntica no intrnseca sintaxe. No estou sustentando a tese independente e diferente de que a sintaxe no seja intrnseca fsica. Em funo dos propsitos do argumento original, estava simplesmente assumindo que a caracterizao sinttica do computador era no problemtica. Mas isto um erro. No h meio pelo qual voc possa descobrir que algo intrinsecamente um computador digital, porque a caracterizao dele como um computador digital sempre relativa a um observador que atribui uma interpretao sinttica s caractersticas puramente sintticas do sistema [...]. Quando genericamente aplicada ao modelo computacional, a caracterizao de um processo como computacional uma caracterizao de um sistema fsico a partir do exterior; e a identificao do processo como computacional no identifica uma caracterstica intrnseca da fsica; , essencialmente, uma caracterizao relativa ao observador (SEARLE, 1997, p.299).

    Se Searle est correto em afirmar que a denominao sintaxe (de processos computacionais) no nomeia nenhuma caracterstica fsica ou intrnseca natureza como a denominao massa, gravidade, etc., ento se torna muito controverso aceitar que o crebro seja um mecanismo sinttico. Logo, para ele, no chega nem a ser falso assumir esse ponto de vista mas sobretudo incoerente. A restrio identificada por ele segundo a qual a sintaxe essencialmente uma noo relativa a observadores, nos permite ver que

    essas restries adicionais na definio de computao no auxiliam muito na presente discusso porque o problema realmente profundo que a sintaxe essencialmente uma noo relativa ao observador. A realizabilidade mltipla de processos computacionalmente equivalentes em meios fsicos diferentes no apenas um sinal de que os processos so abstratos, mas de que eles no so, de modo algum, intrnsecos ao sistema. Eles dependem de uma interpretao exterior (SEARLE, 1997, p.299).

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    Tendo se orientado segundo essas restries (acima citadas na citao),

    Searle diz que temos de reconhecer que a caracterizao de um processo como computacional sempre uma caracterizao de um sistema fsico a partir do exterior, no identifica, por isso, uma caracterstica intrnseca da fsica, da natureza. Pelas definies padro de computao com a conseqente idia da realizabilidade mltipla o cognitivismo no faria mais que acrescentar e atribuir a computao como uma noo relativa a observadores, e no descobrir a computao como uma caracterstica intrnseca ao mundo real e natural. Deste modo posto, Searle pretende mostrar que a cincia cognitiva computacional no pode almejar ser uma cincia emprica/natural porque o que deseja provar ser uma caracterstica intrnseca do funcionamento cerebral no pode ser encontrado na natureza/fsica do crebro, que um dos elementos que compe o mundo natural. A computao pode ser somente, no mximo, atribuda por observadores humanos. A tese central que ele defende est na seguinte passagem:

    [...] A tese que estou sustentando aqui, e a essncia deste argumento, que, nas definies padro de computao, as caractersticas computacionais so relativas ao observador. No so intrnsecas[...]. O objetivo da cincia natural descobrir e caracterizar aspectos que so intrnsecos ao mundo natural. Atravs de suas prprias definies de computao e cognio, no h maneira de a cincia cognitiva computacional vir algum dia a ser uma cincia natural, porque a computao no um aspecto intrnseco ao mundo. atribuda relativamente a observadores (SEARLE:1997, p.297).

    Vimos que para que cognitivismo pudesse conseguir decretar ser o crebro um computador digital ele precisaria procurar e descobrir fatos sobre as operaes do crebro que provassem ser ele um computador digital. O problema que o cognitivismo no forneceu, para Searle, um sentido claro nos quais mostrasse o crebro como sendo intrinsecamente um computador digital; somente deu um sentido segundo o qual podemos atribuir convencionalmente uma interpretao computacional ao crebro. Por enquanto, ou at este momento, podemos ver que o cognitivismo no conseguiu ainda responder questo inicialmente colocada por Searle, qual seja, a de qual fato significativo em crebros fazem deles computadores digitais? (SEARLE:1997, p.297). Assim, segundo ele, no podemos aceitar a viso cognitivista de que o crebro pode ser caracterizado como sendo intrinsecamente um computador digital, contudo, somente aceitar que podemos atribuir interpretaes computacionais s coisas.

    Estivemos procurando alguns fatos significativos que tornariam computacionais os processos cerebrais; mas, dada a maneira como definimos computao, no poderia haver nunca nenhum fato significativo semelhante. No podemos, por outro lado, dizer que algo um computador digital no caso de podemos atribuir a ele uma sintaxe, e ento supor que existe uma questo factual intrnseca ao funcionamento fsico, quer um sistema natural como o crebro seja ou no um computador digital (SEARLE:1997, p.299).

  • 179 Quatro objees de John Searle ao cognitivismo

    Knesis, Vol. I, n 01, Maro-2009, p.171-185

    Agora, podemos passar para a segunda dificuldade.

    3333 SSSSegunda dificuldade: a falcia do homnculo endmica no ognitivismoegunda dificuldade: a falcia do homnculo endmica no ognitivismoegunda dificuldade: a falcia do homnculo endmica no ognitivismoegunda dificuldade: a falcia do homnculo endmica no ognitivismo

    Segundo Searle, os cognitivistas acreditam escapar da primeira da primeira dificuldade se utilizando de um estratagema que consistiria em tratar o crebro como se houvesse algum agente dentro dele efetuando a computao: esse estratagema denominado por Searle como a falcia do homnculo. Essa falcia vista por ele como endmica porque freqentemente utilizada por vrios representantes do cognitivismo. Ao tentar propor a viso do crebro como um computador digital dizendo que haveria um agente dentro que efetuasse a computao, Searle diz que fica fcil de objetar essa idia, porque como sair do fogo e pular na frigideira5.

    O objetivo de tentar evitar a primeira objeo (dizendo que podemos tratar o crebro como se houvesse algum dentro dele efetuando computao) arriscar tornar a sntaxe uma caracterstica intrnseca fsica. Para alcanar esse objetivo, seria necessrio colocar um homnculo dentro do sistema que fizesse uma decomposio recursiva. Mas surge o problema de que sempre existiria um homnculo que se posicionasse exteriormente decomposio recursiva, seno nunca teramos sequer uma sintaxe com que se poderia operar. Da falcia do homnculo.

    At este ponto, parece que chegamos a um problema. A sintaxe no parte da fsica. Isto tem a conseqncia de que, se a computao definida sintaticamente, ento nada intrinsecamente um computador digital, unicamente em virtude de suas propriedades fsicas.(...) A idia sempre tratar o crebro como se houvesse algum agente dentro dele, usando-o para efetuar computao (SEARLE:1997, p.302-303).

    Segundo Searle, a falcia ainda permaneceria ao se tentar dizer que em nveis mais fundamentais ou inferiores a computao seria intrnseca ao sistema, o que no se aplicaria a nveis superiores, em que tudo estaria a critrio dos observadores homunculares. Mas admitir que nveis superiores de computao no so intrnsecos fsica j admitir tambm que nveis inferiores no so intrnsecos.

    A objeo de Searle falcia do homnculo diz que quando passamos a entender o crebro enquanto um processador de informao, ou como um computador digital, estamos ainda atribuindo uma interpretao computacional antes que designando uma caracterstica intrnseca do funcionamento cerebral. Primeiro porque esta interpretao sempre feita pelo homnculo (nos observadores). Segundo porque nada intrinsecamente computacional. No entenderamos como o crebro realmente funciona por esse tipo de especulao porque seria implausvel e desnecessrio, j que nada no mundo

    5 H alguma sada para esta dificuldade? (SEARLE:1997, p.303) pergunta ele antes de apresentar a segunda

    objeo. A resposta Sim, h, e uma sada regularmente utilizada na cincia cognitiva, mas pula da frigideira para o fogo. A maior parte dos trabalhos que vi sobre a teoria computacional da mente comete alguma variao da falcia do homnculo (SEARLE:1997, p.303).

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    intrinsecamente digital ou computacional, ou processa informao. Assim, diz Searle:

    [...] Sem um homnculo que se posicione exteriormente decomposio recursiva, no temos sequer uma sintaxe com que se operar. A tentativa de eliminar a falcia do homnculo atravs da decomposio recursiva fracassa, porque a nica forma de tornar a sintaxe intrnseca fsica colocar um homnculo dentro da fsica(SEARLE:1997, p.305).

    Passemos agora para a terceira objeo.

    4 T4 T4 T4 Terceira dificuldade: a sintaxe no tm capacidades causaiserceira dificuldade: a sintaxe no tm capacidades causaiserceira dificuldade: a sintaxe no tm capacidades causaiserceira dificuldade: a sintaxe no tm capacidades causais

    Nessa terceira objeo, Searle defende a seguinte idia contra o cognitivismo: se a sintaxe no atua causalmente na produo de fenmenos a serem explicados, a especificao no nos forneceria uma explanao do output, logo no possuiria capacidades causais. Isso porque os cognitivistas acreditam que a especificao do programa nos auxiliaria a construir explanaes causais da cognio. A especificao de causa cara s cincias empricas/naturais, e segundo Searle todo e qualquer tipo de relato feito por uma cincia natural especifica mecanismos que atuam causalmente na produo dos fenmenos a serem explicados [...] (SEARLE:1997, p.306).

    Searle est se opondo viso de que os mecanismos atravs dos quais os processos cerebrais produzem a cognio so computacionais e que por meio da especificao dos programas teramos especificado as causas da cognio. Entretanto, h no cognitivismo a afirmao de que no precisamos conhecer em detalhes o funcionamento do crebro para explicar a cognio, pois seria no nvel dos programas que se centraria a investigao. Eles procurariam por mecanismos causais no nvel dos programas que seriam manipulados pelo crebro, os 0's e 1's que se movem pelo crebro velocidade de um raio (SEARLE:1997, p.307), e embora sejam invisveis a olho nu e ao mais poderoso microscpio eletrnico, so esses (os smbolos ou 0's e 1's) que causariam a cognio (SEARLE:1997, p.307-308).

    Searle desacredita disso porque os 0's e 1's enquanto tais no possuem quaisquer capacidades causais porque nem sequer existem, exceto aos olhos de (ns) observadores. O programa que ora se implementa no possui capacidades causais outras que aquelas do meio implementante, pois que o programa no possui existncia real porque depende de ser implementado por algum. Enfim, fisicamente falando, no existe tal coisa como um nvel de programa isolado, pois os programas de computador no possuem uma existncia independente dos seres humanos que ora o implementam.

    Assim, a objeo de Searle tem o objetivo de mostrar que o cognitivismo no consegue fornecer uma descrio ou uma explanao causal da cognio, posto que, se a sintaxe no possui capacidades causais, ento no h como obter e fornecer uma explanao causal para descrever os mecanismos responsveis pela cognio. Tanto o computador como o crebro somente tem configuraes e estas no possuem capacidades causais alm daquelas do meio implementante.

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    O ponto que gostaramos de destacar que Searle procura mostrar que o fato de a atribuio de sintaxe no identificar capacidades causais adicionais pode ser fatal aos credores da viso de que programas podem proporcionar explanaes causais para a cognio (SEARLE:1997, p.314). Searle procura mostrar que os modelos computacionais utilizados para modelar, simular e, assim, compreender a cognio no possuem capacidades causais e no podem fornecer as explanaes causais necessrias para a compreenso da cognio. A nica coisa que o cognitivismo mostra, ao ver de Searle, que todas as explanaes causais que se valem de programas so dependentes de um homnculo para executar os programas e dar uma interpretao, e no o contrario:

    [...] Porm, vimos que no computador comercial a atribuio feita relativamente a um homnculo que confere interpretaes computacionais aos estados de hardware. Sem o homnculo, no h computao, apenas um circuito eletrnico[...]. Sem um homnculo, porm, no h nenhum poder explanatrio para a postulao dos estados de programas. H somente um mecanismo fsico, o crebro, com seus diversos nveis de descrio causais fsicos e fsicos/mentais reais (SEARLE:1997, p.316).

    Passemos assim ultima objeo fornecida por Searle ao cognitivismo. Esta ultima objeo pode ser considerada como o tema central e geral de toda a discusso e das outras oposies dele contra o cognitivismo6.

    5 Q5 Q5 Q5 Quarta dificuldade: o crebro no efetua puarta dificuldade: o crebro no efetua puarta dificuldade: o crebro no efetua puarta dificuldade: o crebro no efetua processamento de informaorocessamento de informaorocessamento de informaorocessamento de informao

    Podemos iniciar expondo a tese cognitivista segundo a qual um fato intrnseco a respeito do crebro ser um sistema que processa informao. Uma simulao computacional, nesta concepo, efetivamente reproduz e no meramente modela e simula as propriedades funcionais do crebro. Os cognitivistas acreditam, ao ver de Searle, ser um fato que o crebro atua no processamento de informao, pois podemos processar as mesmas informaes computacionalmente. Deste modo, os modelos computacionais (em que a simulao seria sinnimo de reproduzir) teriam um papel diferente dos modelos computacionais de outros fenmenos (em que a simulao no chegaria ao nvel de reproduo) (SEARLE:1997, p.318).

    As objees, ou as dificuldades, levantadas por Searle para a viso acima exposta sero apresentadas nos excertos (abaixo) que selecionamos da A A A A redescoberta da menteredescoberta da menteredescoberta da menteredescoberta da mente (1997). Comentaremos um a um dos excertos extrados do livro, logo aps de transcritos.

    O que h pouco eu imaginava ouvir um oponente dizer incorpora um dos piores equvocos na cincia cognitiva. O equivoco supor que, no sentido em que computadores so empregados para processar informaes, os crebro igualmente processam

    6 o que ele diz no inicio da seo dedicada quarta dificuldade: Nesta seo, volto-me finalmente para aquilo

    que penso ser, sob certos aspectos, o tema central de tudo isso, o tema do processamento de informao (SEARLE:1997, p.318).

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    informaes. Para perceber que isto um equivoco, contraste o que acontece no computador com o que acontece no crebro (SEARLE:1997, p.319).

    A passagem acima diz que um equvoco supor que no sentido em que computadores so empregados para processar informaes sejam igualmente ao modo como crebros processaram informaes. Isto porque o que acontece no crebro no pode ser visto como o mesmo que acontece no computador. Para mostrar essa confuso e o equvoco presente na viso cognitivista, Searle faz as seguintes distines, no total duas.

    Em primeiro lugar, no que se refere aos computadores, Searle diz que sempre um agente exterior quem codifica algumas informaes de forma que possam ser processadas pelos circuitos do computador. Tudo fica a critrio do observador, e a fsica no importa, contanto que possamos fazer com que o computador implemente o algoritmo. A passagem referente a isso a seguinte:

    No caso do computador, um agente exterior codifica algumas informaes de uma forma que possa ser processada pelos circuitos do computador. Isto , ele fornece uma concepo sinttica das informaes que o computador possa implementar, por exemplo, em nveis diferentes de voltagem. O computador ento percorre uma serie de etapas eltricas que o agente exterior pode interpretar tanto sinttica quanto semanticamente, embora, logicamente, o hardware no tenha sintaxe ou semntica intrnseca: fica tudo a critrio do observador. E a fsica no importa, contanto apenas que voc possa fazer com que o computador implemente o algoritmo (SEARLE:1997, p.319).

    Em segundo lugar, no que diz respeito ao crebro, nenhum dos processos neurobiolgicos relativo ao observador, embora possam ser descritos a partir de um ponto de vista relativo ao observador. Assim a especificidade da neurobiologia importa neste caso. Podemos criar um modelo de processamento de informao de qualquer fenmeno, mas os fenmenos mesmos no seriam, em conseqncia disso, sistemas de processamento de informaes simplesmente porque criamos um modelo baseado no processamento de informao. A diferena que Searle deseja enfatizar, entre o crebro e o computador comercial (comum), feita por um exemplo comparando o que ocorre com computador com o que ocorre no crebro. O exemplo especificado est na seguinte passagem:

    Para tornar clara essa diferena, desenvolvamos um exemplo. Suponha que eu veja um carro vindo em minha direo. Um modelo computacional padro de viso assimilar informaes sobre o arranjo visual em minha retina e subseqentemente imprimir sentena: H um carro vindo em minha direo. Mas no isto o que acontece na biologia efetiva. Na biologia, uma srie concreta e especifica de reaes eletroqumicas estabelecida pelo ataque dos ftons contra as clulas fotorreceptoras de minha retina, e todo esse processo conseqentemente resulta em uma experincia visual concreta. A realidade biolgica no aquela de um punhado de palavras ou smbolos sendo produzidos pelo

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    aparelho visual; antes, uma questo de um especifico evento visual consciente concreto (SEARLE:1997, p.319-320).

    A distino que Searle realiza pretende esclarecer que os fenmenos mentais no podem ser confundidos com manipulaes simblicas, porque no podemos confundir a realidade com o modelo. H para ele uma clara e decisiva diferena entre um modelo (computacional) e de como realmente fenmenos (eventos e processos) mentais so produzidos por processos biolgicos eletroqumicos especficos. O sentido de informao empregado na cincia cognitiva falso pois no mostra como o crebro realmente funciona, porque este no um dispositivo de processamento de informao. Se um dispositivo tivesse por bsico a computao (lembrando que a concepo padro de computao dada sintaticamente em termos de manipulao de smbolos), ento equivoco ponderar o funcionamento do crebro pela imagem fornecida pelos modelos de um computador digital que efetua processamento de informao. Searle resume a quarta objeo contra o cognitivismo, e frisa ainda essa diferena entre o que ocorre no crebro e no computador convencional, na seguinte passagem:

    Em resumo, o sentido de processamento de informao que usado na cincia cognitiva , quando muito, um nvel muito alto de abstrao para apreender a realidade biolgica concreta da intencionalidade intrnseca. A informao no crebro sempre especifica para uma ou outra modalidade. especifica para o pensamento, ou viso, ou audio, ou tato, por exemplo. O nvel de processamento de informaes descrito nos modelos computacionais de cognio da cincia cognitiva, por outro lado, simplesmente uma questo de obter uma serie de smbolos como output em resposta a uma serie de smbolos como input. Ficamos cegos a essa diferena pelo fato de a sentena Vejo um carro vindo em minha direo poder ser usada para registrar tanto a intencionalidade visual como o output de um modelo computacional da viso. Porm, isso no deveria obscurecer o fato de que a experincia visual um evento consciente concreto, e produzida no crebro por processos biolgicos eletroqumicos especficos. Confundir esses eventos e processos com manipulao formal de smbolos confundir a realidade com o modelo. O resultado final desta parte da discusso que, no sentido de informao empregado na cincia cognitiva, simplesmente falso dizer que o crebro um dispositivo de processamento de informaes (SEARLE:1997, p.320-321).

    6 6 6 6 Consideraes finaisConsideraes finaisConsideraes finaisConsideraes finais

    Vimos neste trabalho que toda a argumentao searleana apresentada procura sustentar a tese de que a sintaxe no intrnseca fsica. Os argumentos principais que ele utiliza para subsidiar esta tese contra o programa cognitivista a distino que faz entre caractersticas do mundo que so intrnsecas e caractersticas que so relativas ao observador.

    Possveis, ou conjecturais, resultados da discusso apresentada neste trabalho podem ser feitos nesse momento.

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    Um deles poderia ser visto na ambio negativa (crtica) desse filosofo frente aos resultados desse campo de investigao da cincia cognitiva. Searle se posiciona veemente contra essa viso devido ao fato que acreditar que a mquina no possui nem mesmo uma sintaxe. Isso resulta da definio padro de computao que implica em entender o modelo computacional ou programa de computador capaz de uma realizabilidade mltipla, em que no importaria a fsica ou as caractersticas fsicas da coisa que implementaria os modelos ou programas. Deste modo, se a parte fsica de um computador no intrinsecamente computacional, nada pode ser intrinsecamente computacional, nem mesmo o crebro. A computao no pode ser entendida como uma caracterstica intrnseca da realidade, mas sim uma caracterstica relativa a observadores. No como um processo natural, no como a fotossntese ou a digesto, etc. A computao um processo matemtico abstrato que s existe relativamente aos seus criadores, programadores, intrpretes.

    Da resultaria que somente poderamos ver a hiptese central do cognitivismo (de que o crebro um computador que efetua processamento de informao) no como falsa, mas incoerente. Se chegamos concluso de que nada intrinsecamente um computador digital, a nica coisa que restaria a acreditar na viso cognitivistas seria que existe uma incoerncia em seus argumentos e teses. A teoria computacional da mente e seus modelos de estudar o crebro e a mente acabam por no serem falsos, mas conceitualmente incoerentes.

    A incoerncia se trata em tentar caracterizar o crebro intrinsecamente como algo que nem mesmo um computador convencional , ou seja, computacional. A tese, no fundo, sem sentido, ou no mnimo, ao ver de Searle, no possui um sentido claro, pois como tratar algo como intrinsecamente computacional se nada intrinsecamente computacional? esta a dificuldade geral que Searle levanta. O certo seria afirmar que a tudo se podemos atribuir, num sentido bastante trivial, uma interpretao computacional, ou tratar tudo como se operasse, e como se fosse, um computador digital que efetua processamento de informao.

    Podemos finalizar notando que os objetivos presentes nessas quatro objees de John Searle ao cognitivismo de outra natureza daquele do argumento da sala chinesa, em que o filosofo procurou mostrar que a semntica no a mesma coisa que a sintaxe. Aqui seus argumentos contra o cognitivismo tentam apresentar a idia de que a sintaxe no intrnseca fsica. 7 B7 B7 B7 Bibliografiaibliografiaibliografiaibliografia SEARLE, John. R. Minds, brains, and programs. Behavioral and Brain Sciences. p. 417-45, 1980.... _________. Mente, crebro e cincia. Trad. Artur Mouro. Lisboa: Edies 70, 1987. _________. A redescoberta da mente. Trad. Eduardo Pereira e Ferreira. So Paulo: Martins Fontes, 1997. _________. A philosophical self-portrait", A Dictionary of Philosophy, Thomas Mautner (ed.), Oxford/Cambridge,Mass.: Blackwell, 1996.

  • 185 Quatro objees de John Searle ao cognitivismo

    Knesis, Vol. I, n 01, Maro-2009, p.171-185

    _________. Consciousness and language. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.