Rodolfo Gasparini Morbiolo - TEDE: Página inicial · não acredito haver alguém que o mereça...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Rodolfo Gasparini Morbiolo
A relação esponsal entre Cristo e sua Igreja
A Esposa de Cristo na Constituição sobre a Igreja do Concílio Vaticano II
MESTRADO EM TEOLOGIA
SÃO PAULO
2010
Rodolfo Gasparini Morbiolo
A relação esponsal entre Cristo e sua Igreja
A Esposa de Cristo na Constituição sobre a Igreja do Concílio Vaticano II
MESTRADO EM TEOLOGIA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Teologia – Dogma, sob a orientação de
Prof. Dr. Ney de Souza.
SÃO PAULO
2010
Banca Examinadora
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AGRADECIMENTO
Embora uma das mais belas atitudes humanas, agradecer é das mais difíceis. Logo,
antes de fazê-lo quero afirmar que não dedicarei a ninguém em especial este trabalho, pois
não acredito haver alguém que o mereça mais que outro. E faço dos inícios deste gesto
pessoal, antes de agradecimento, um desabafo. Acredito que o método científico pode
suportar esta pequena quebra de protocolo, e meus amigos interlocutores um instante de
insanidade.
Se alguém me tivesse dito que viver seria tão difícil, e me tivesse dado uma alternativa
– que não tive – talvés tivesse aceitado. Não que esteja insatisfeito com minha vida, mas a
verdade é que o caminho tem se mostrado mais desafiador do que poderia parecer à primeira
vista. Muito semelhante ao que diz o caipira quando lhe perguntam sobre qual a distância do
lugar – para ele, habituado ao caminho, é logo ali; para os marinheiros de primeira viagem, a
distância parece interminável e desesperadora. Logo, portanto, mutatis mutandis, se alguém
me tivesse dito quão difícil seria enveredar pelos caminhos do mestrado em teologia
dogmática, associado às demais responsabilidades pastorais de jovem e ansioso sacerdote,
certamente eu o chamaria de louco, e o teria ignorado.
Não foi assim, mas poderia ter sido. E aqui estou – no final deste caminho. Percorrido
em meio a muitas lutas, sofrimentos, desânimos e lamentos. Nunca, em momento algum,
faltou-me a graça daquele que me escolheu antes da fundação do mundo e no qual creio – esta
provação não foi maior que sua providência. E justamente por isso, a Ele, meu Deus, eu
agradeço por primeiro, na intensidade da minha insignificância para a amplitude da sua
grandeza trinitária.
Aos demais, todos os amigos, como poderia não agradecer: minha paciente família,
pais e irmã, meus irmãos sacerdotes e bispo, por minhas inúmeras ausências justificáveis, mas
injustificadas. Ao povo sob minha responsabilidade pastoral, negligenciado na atenção, para
que eu pudesse falar do amor e da comunhão. Finalmente, ao caríssimo orientador Prof. Pe.
Ney de Souza, por sua atenção e respeito ao meu trabalho e à minha abordagem teológica.
O texto que apresento – tenho a mais sincera consciência disto – não é mais do que o
testemunho de minha juventude teológica; dos primeiros passos de uma reflexão que precisa
ser encarnada para viver, e produzir fruto. Termino com uma menção, um agradecimento e
uma prece, à Rainha e Padroeira do Brasil, Mãe minha e da Igreja: que sua intercessão dê
fecundidade sobrenatural ao meu esforço e humilde contribuição.
RESUMO
A presente pesquisa bibliográfica estudou a abrangência e os limites da esponsalidade eclesial
na Constituição sobre a Igreja do Concílio Vaticano II. Justifica-se tal procedimento devido à
importância do tema para a teologia da Igreja Católica, uma vez que profundamente enraizado
na Escritura, e em sua Tradição e Magistério; como também da necessidade da abordagem do
tema do amor esponsal no mundo atual como instrumento de evangelização. Partiu da
hipótese de que o Vaticano II não deu importância ao tema como princípio hermenêutico.
Tendo constatado a veracidade da hipótese, re-propôs o tema do amor esponsal, a partir da sua
interface comunional, como caminho de comunicação da teologia católica, quer com o mundo
científico, quer com a sociedade atual.
Palavras-chave: esponsalidade, Igreja, Jesus Cristo, comunhão eclesial
ABSTRACT
This bibliography research examined the extent and limits of nuptial Church in the
Constitution on the Church of Vatican II. This procedure is justified because of the
importance of the issue to the theology of the Catholic Church, once deeply rooted in
Scripture and Tradition and its Magisterium, as well as the need to approach the theme of
conjugal love in the world today as an instrument of evangelization. Hypothesized that the
Vatican did not give importance to the issue as a hermeneutical principle. Having established
the veracity of the hypothesis, proposed the re-issue of spousal love – their ecclesial
communion interface – such as communication path of Catholic theology to the scientific
world and society today.
Keywords: nuptial, Church, Jesus Christ, ecclesial communion
ABREVIATURAS
Ad gentes Decreto do Concílio Vaticano II
Aparecida Documento da Conferência Latino-Americana
BJ Bíblia de Jerusalém
Cat. Catecismo da Igreja Católica
Dei Verbum Constituição Dogmática do Concílio Vaticano II
Deus Caritas est Encíclica do Papa Bento XVI
Dives in misericordia Encíclica do Papa João Paulo II
Ecclesia de Eucharistia Encíclica do Papa João Paulo II
Fides et ratio Encíclica do Papa João Paulo II
Gaudium et spes Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II
Lumen Gentium Constituição Dogmática do Concílio Vaticano II
Mulieris dignitatem Carta Apostólica de João Paulo II
Perfectae caritatis Decreto do Concílio Vaticano II
Presbyterorum ordinis Decreto do Concílio Vaticano II
Sacrosanctum Concilium Constituição do Concílio Vaticano II
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ....10
CAPÍTULO I
Enraizamentos Bíblicos da Relação Esponsal ....14
1.1 Enraizamentos Bíblicos da Relação Esponsal, delimitados a Constituição sobre a Igreja ....14
1.1.1 O Apocalipse ....14
1.1.2 As Cartas Paulinas ....19
1.2 Outros Enraizamentos Bíblicos Presumíveis ....25
1.2.1 Os Evangelhos, e o Cristo-Esposo ....25
1.2.2 Notas Prefigurativas no Antigo Testamento de Deus-Esposo do seu Povo ....29
CAPÍTULO II
Abrangência e Limites da Esponsalidade no Concílio Vaticano II ....39
2.1 A Mentalidade do Concílio ....39
2.2 A Eclesiologia do Vaticano II ....47
2.2.1 Um Concílio Eclesiológico ....48
2.2.2 A História da Constituição sobre a Igreja ....51
2.2.3 Linhas Teológicas Fundamentais da Constituição sobre a Igreja ....54
2.3 Abrangência e Limites da Imagem Esponsal ....58
2.3.1 Da Sagrada Escritura ao Concílio Vaticano II ....60
2.3.2 Na Eclesiologia do Vaticano II ....66
2.3.3 Avaliação Crítica da Imagem Esponsal ....69
CAPÍTULO III
A Esponsalidade como Modelo de Comunhão ....72
3.1 A Comunhão Eclesial como Interface da Esponsalidade ....72
3.1.1 A Hermenêutica do Sínodo de 1985 ....73
3.1.2 A Interface Pneumatológico-Trinitária da Esponsalidade ....74
3.1.3 Os Modos de Comunhão na Igreja ....78
3.1.4 Esponsalidade como Comunhão ....81
3.2 A Esponsalidade da Igreja como Problema Epistemológico na Ciência Teológica ....84
3.2.1 A Ciência Moderna como Problema Epistemológico ....86
3.2.2 A Ciência Teológica como Problema Epistemológico ....88
3.2.3 A Esponsalidade da Igreja como Problema Epistemológico ....91
3.3 A Envergadura Pastoral da Esponsalidade: Diálogo com a Teologia Latino-Americana ....92
CONCLUSÃO ....95
FONTES E BIBLIOGRAFIA ....97
I – FONTES ....97
A) Fontes Magisteriais ....97
B) Fontes Bibliográficas ....97
II – BIBLIOGRAFIA GERAL ....98
A) Magistério Eclesial ....98
B) Livros ....98
C) Artigos em Periódicos ..108
D) Dissertações ..109
E) Meios Eletrônicos ..109
INTRODUÇÃO
A Igreja, que se manifesta como “povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do
Espírito Santo”1, tem, portanto, seu cerne no mistério da comunhão trinitária. A Eucaristia que
faz a Igreja é comunhão no Corpo e no Sangue de Cristo.2 É nesta relação profunda de
intimidade que Deus se revela, isto é, dá-se aos homens como a amigos3, procurando integrar-
lhes ao mistério do seu amor, comunicado por Jesus Cristo, seu Filho. É disto que a Igreja é
testemunha: do amor que levou Deus a enviar seu Filho ao mundo não para condená-lo, mas
para salvá-lo, entregando-o à morte para redimi-lo.4 Este testemunho ela o manifesta nas suas
atitudes eclesiais, quando vive sua solidariedade para com todos os seus membros, dentro e
fora da assembléia que manifesta sua consecução histórica.
São Paulo expressará este amor pela imagem de uma união esponsal entre Cristo e a
Igreja.5 Na verdade, ele retoma as tradições veterotestamentárias que já comemoravam o povo
escolhido sob a imagem da esposa, que em Deus tem seu amado, e que a busca e desposa
mesmo sendo infiel.6 São João associa esta imagem matrimonial a Cristo
7; imagem presente
também nos Evangelhos Sinóticos.8 No Apocalipse esta união esponsal comemora a alegria
messiânica que se manifestará no encontro da Jerusalém Celeste com seu Divino Esposo Jesus
Cristo.9
A Igreja que nasce da comunhão, precisa se concretizar pela comunhão, pois ela não é
tão somente esposa, mas sendo esposa – recordando a imagem da mulher original tirada do
marido original10
– é corpo do Corpo de Cristo, isto é, é feita do seu Corpo, na multiplicidade
dos seus membros. Deste modo, faz-se indispensável, que a solidariedade comum estabeleça,
ou ainda concretize, a comunhão fundante e originante.
As rupturas da comunhão, ao longo dos séculos, legaram para a humanidade um sinal
eclesial de salvação divido em si mesmo, que parece até mesmo ignorar as raízes profundas
da sua unidade com Deus e com os irmãos. É o que constataram os bispos latino-americanos
1 Cf. Lumen Gentium, 4. 2 Cf. 1Cor 10,16-17. E também, cf. Ecclesia de Eucharistia, 23.34-46. 3 Cf. Dei Verbum, 2. 4 Cf. Jo 3,16-17. 5 Cf. Ef 5,25-26. 6 Cf. Os 1,2; Ez 16,1. 7 Cf. Jo 3,29. 8 Cf. Mt 9,15; Mc 2,19; Lc 5,34. E também, cf. Mt 22,2; 25,1 – como seus paralelos lucanos. 9 Cf. Ap 19,7; 21,2. 10 Cf. Gn 2,18-24.
11
em Conferência: a necessidade de uma vida missionária que brote de uma verdadeira simbiose
da comunhão com Cristo.11
Embora a imagem da Igreja apresentada pelo Concílio Vaticano II tenha valorizado
sua face espiritual e misteriosa12
, esta ainda é um desafio àquela fé que tende apenas à
visibilidade estrutural da Igreja. Ante esta necessidade, esta monografia pretende pesquisar na
imagem mistérica da Igreja Esposa de Cristo sua identidade comunional, essencial para a
unidade com o plano salvífico de Cristo, indispensável para solidariedade do Povo de Deus no
Corpo Místico de Cristo.
A hipótese principal desta dissertação apóia-se em um pressuposto fundamental,
argumentado por Congar a respeito da produção documental do Concílio Vaticano II. A saber:
[...] o Concílio discutiu, trabalhou em comissões [...] e esse trabalho
desembocou em alguns textos. [...] Trata-se de textos, isto é, de conjuntos de
idéias. Ora, é preciso, depois disso, que essas idéias sejam aplicadas de modo
concreto. Evidentemente, elas mesmas têm o seu dinamismo próprio. E creio
que haja realmente, nesse domínio, um dinamismo do Concílio. [...] se o
Concílio teve um sentido, foi de passar do domínio ideal ou ideológico para o
concreto da vida da Igreja.13
Transpondo o limiar ideológico, na sequência da afirmação de Congar, da necessária
concretização ou realização dos ideais conciliares, tem lugar a argumentação do Papa Bento
XVI quando afirmou em sua primeira encíclica que “no início do cristianismo não há uma
decisão ética ou uma grande idéia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa
que dá à vida um novo horizonte e, assim, o rumo decisivo”14
. Logo, o encontro eclesial com
Jesus Cristo parece ser o lugar decisivo, no qual o ser humano, redimido por Cristo,
redescobre e concretiza sua vocação fundamental: “resposta ao dom do amor com que Deus
vem ao nosso encontro”15
. A Igreja, melhor dizendo, a comunidade eclesial, “família de Deus
no mundo”16
, apresenta-se como sendo o lugar do encontro, isto é, o espaço para a fecunda e
necessária união de Deus com sua humanidade, estabelecida desde a Pessoa e Obra do seu
Filho Jesus, Senhor e Cristo.
11 Cf. Aparecida, 154-239. 12 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Igreja contemporânea. Encontro com a modernidade. SP: Loyola, 2002, p. 94 e
ALMEIDA, Antônio José de. Lumen Gentium – A transição necessária. SP: Paulus, 2005, p. 47-60. 13 Cf. CONGAR, Yves-Marie. Diálogos de outono. SP: Loyola, 1990, p. 9. 14 Cf. Deus Caritas est, 1. 15 Cf. Id. 16 Cf. Ibid., 25.
12
É sobre essa união, que performa e atualiza a família de Deus no mundo – no
horizonte da história da humanidade, embora o transcenda – dita esponsal, que argumenta a
Constituição sobre a Igreja:
Cristo ama a Igreja como sua esposa, tornando-se o modelo do marido que
ama a esposa como ao seu próprio corpo; e a Igreja, por seu lado, está sujeita a
Cristo, sua cabeça. “Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da
divindade”, para que ela procure e alcance toda a plenitude de Deus.17
Ao caminhar por entre as tentações e as provas, [a Igreja] é fortalecida pelo
conforto da graça de Deus, que o Senhor lhe prometera, para que na fraqueza
da carne, se não afaste da fidelidade perfeita, mas se conserve sempre como
esposa digna do seu Senhor e nunca deixe de renovar-se pela ação do Espírito
Santo, até que pela cruz, atinja aquela luz que não conhece ocaso.18
[A Igreja] é também a virgem, que guarda íntegra e pura a fé jurada ao
Esposo, e, à imitação da Mãe do seu Senhor, pela graça do Espírito Santo,
conserva virginalmente íntegra a fé, sólida a esperança, sincera a caridade.19
Os padres conciliares tiveram, pois, a consciência, que esta mistérica união de Cristo
com sua Igreja, embora instaurada no tempo, não se restringe a ele, mas o ultrapassa na
proporção do amor que manifestou em palavras e obras, fundado no seu próprio ser. Assim
sendo, completa o documento conciliar:
A Igreja que é ainda chamada “Jerusalém do alto” e “nossa mãe” (Gl 4,26; Ap
12,17), é descrita também como esposa imaculada do Cordeiro imaculado
(Ap 19,7; 21,2.9; 22,17), que Cristo “amou... e se entregou por ela a fim de
santificá-la” (Ef 5,25-26), que uniu a si em aliança indissolúvel, e que
17 Cf. Lumen Gentium, 7. E também, cf. Ef 3,16; 5,23-28; Cl 2,9. Acrescente-se: “Nós cremos que a Igreja, cujo
mistério é exposto no Sagrado Concílio, é indefectivelmente santa. Na verdade, Cristo, o Filho de Deus, que com o Pai e o Espírito Santo é proclamado „o único Santo‟, amou a Igreja como sua esposa, entregando-se a si mesmo
por ela a fim de a santificar (cf. Ef 5,25-26); uniu-a a si como seu corpo e enriqueceu-a com o dom do Espírito
Santo, para a glória de Deus” – cf. Ibid., 39. Da santidade da Igreja, que busca a santidade do seu Senhor, devem
haurir os estados de vida na sua escolha por parte dos fiéis; é o que sustenta a mesma Constituição acerca dos
esposos na situação familiar e dos consagrados ao serviço divino no seu testemunho de vida – cf. Ibid., 41.44. 18 Cf. Ibid., 9. 19 Cf. Ibid., 64. Acrescente-se: “A Igreja, refletindo piedosamente sobre Maria e contemplando-a à luz do Verbo
feito homem, penetra cheia de respeito, mais e mais no íntimo do altíssimo mistério da encarnação, e vai
tomando cada vez mais a semelhança do seu Esposo” – cf. Ibid., 65.
13
incessantemente “alimenta e dela cuida” (Ef 5,29); esposa que Jesus Cristo
purificou e quis unida e sujeita a si no amor e na fidelidade (Ef 5,24), e que,
finalmente, encheu para sempre de bens celestes, a fim de que nós possamos
compreender a caridade de Cristo para conosco, caridade que excede todo o
conhecimento. Mas enquanto, aqui na terra, a Igreja prossegue na sua
peregrinação longe do Senhor (2Cor 5,6), busca e antegoza já agora, no exílio,
as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus, onde a vida da
Igreja se encontra escondida com Cristo em Deus, até aparecer refulgente de
glória com seu Esposo (Cl 3,1-4).20
A presente elaboração teológica, portanto, pesquisará a esponsalidade da Igreja em
relação a Jesus Cristo, conforme sustentam as declarações conciliares citadas acima. E parte
da hipótese fundamental de que o Concílio Vaticano II não valorizou em profundidade as
dimensões teológico-sistemáticas da esponsalidade, enquanto imagem mistérica da Igreja;
nuances que parecem ter o potencial para servir de base epistemológica para o diálogo a
respeito da comunhão eclesial, na teologia e na Igreja, com vistas ao processo de
evangelização do mundo contemporâneo.
Para tanto, o primeiro capítulo examinará o enraizamento bíblico da esponsalidade,
desde o encadeamento teológico das citações apresentadas no concernente à imagem esponsal
na Constituição sobre a Igreja. Em seguida, no segundo capítulo, procurar-se-á evidenciar
tanto a abrangência, quanto os limites da esponsalidade, segundo a mesma Constituição,
inserida no contexto mais amplo da mentalidade conciliar, para verificar a probidade da
hipótese insinuada acima. Finalmente, no terceiro capítulo, terá lugar a evidenciação do nexo
semântico entre o conceito de esponsalidade e o de comunhão, caminho para uma re-
interpretação da eclesialidade conciliar dentro dos parâmetros definidores desta dissertação.
20 Cf. Ibid., 6. E também, cf. Gl 4,26; Ef 5,23-28; 2Cor 5,6; Cl 3,1-4; Ap 12,17; 19,7; 21,2.9; 22,17. Acrescente-
se: “Com a força do Evangelho, [o Espírito Santo] faz ainda rejuvenescer a Igreja, renova-a continuamente e
eleva-a a união consumada com seu Esposo. Pois o Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: „Vem” – cf. Ibid.,
4. E também, cf. Ap 22,17.
14
CAPÍTULO I
Enraizamentos Bíblicos da Relação Esponsal21
Considerando o acento eclesiológico desta pesquisa e reconhecendo sua delimitação
temática à Constituição Dogmática sobre a Igreja do Vaticano II, optou-se por desenvolvê-la,
neste capítulo, primeiramente à luz dos textos bíblicos citados no mesmo documento do
Concílio. A mencionada Constituição dá realce imediato para a projeção escatológica da
Igreja, apoiando-se nos textos do Apocalipse, alicerçando-a imediatamente na descrição
paulina. Em seguida, como se verá, foram adicionados outros enraizamentos bíblicos
presumíveis, fundamentados na compreensão da relação esponsal na perspectiva do Cristo-
Esposo dos Evangelhos, e do Deus-Esposo do Antigo Testamento, como substrato bíblico
indispensável para a compreensão dessa imagem eclesial.
1.1 Enraizamentos Bíblicos da Relação Esponsal, delimitados à Constituição sobre a
Igreja22
1.1.1 O Apocalipse23
A interpretação cristã do livro do Apocalipse reconhece uma identificação da Igreja
com a Jerusalém celeste, esposa de Cristo.24
Alegremo-nos e exultemos, demos glória a Deus, porque estão para realizar-se
as núpcias do Cordeiro, e sua esposa já está pronta: concederam-lhe vestir-se
21 Citações bíblicas seguem BJ. 22 Ultimamente, em 1991, em uma série de catequeses publicadas no jornal L’ Osservatore Romano, o Papa João
Paulo II tratou da temática do enraizamento bíblico da Imagem Esponsal da Igreja – cf. JOÃO PAULO II. A
Igreja. 51 catequeses do papa sobre a Igreja. 2.ed. Lorena: Cléofas, 2004, p. 71-85. De modo sistemático, em
1988, antes, porém, a temática apareceu no capítulo VII de sua Carta Apostólica dedicada à reflexão sobre a
dignidade e a vocação da mulher – cf. Mulieris dignitatem, p. 85-101. 23 A abordagem do livro do Apocalipse será mediada por PRIGENT, Pierre. O apocalipse. 2.ed. SP: Loyola,
2002, e CORSINI, Eugênio. O Apocalipse de São João. SP: Paulinas, 1984; apoiada em MAGNOLFI, Maria. A
Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. A Igreja e seu mistério/I. SP: Cidade Nova, 1984, p. 145-149 e PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. A esponsalidade de Cristo com a
Igreja. 2ª Parte: O Novo Testamento. Teocomunicação. Revista quadrimestral da Faculdade de Teologia da
PUCRS. Porto Alegre: PUCRS, v.38, n.160, maio/ago. 2008, p. 241-245. 24 É conveniente ressaltar que em Ap 19,7 o termo utilizado para designar a esposa ou noiva é gine, enquanto em
Ap 21,2.9 e Ap 22,17 aparece nimfe. Na verdade, mesmo no que diz respeito a Ap 19,7 há manuscritos que
fazem figurar nimfe em vez de gine, o que seria muito mais apropriado considerando que na tradição sinótica
quando refere-se a Jesus Cristo, sob a figura de Esposo, utiliza-se o termo nimfios. Prigent enfatiza que nimfe
também comporta um sentido bem mais amplo que gine, isto é, mulher, esposa, noiva – cf. PRIGENT, Pierre.
Op. cit., p. 397.
15
com linho puro, resplandecente – pois o linho representa a conduta justa dos
santos.25
Vi também descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, uma Jerusalém
nova, pronta como uma esposa que se enfeitou para o seu marido. [...] Depois,
um dos sete Anjos das sete taças cheias com as sete últimas pragas veio até
mim e disse-me: “Vem, vou mostrar-te a Esposa, a mulher do Cordeiro!”. Ele
então me arrebatou em espírito sobre um grande e alto monte, e mostrou-me a
Cidade santa, Jerusalém, que descia do Céu, de junto de Deus, com a glória de
Deus.26
O Espírito e a Esposa dizem: “Vem!” Que aquele que ouve diga também:
“Vem!” Que o sedento venha, e quem o deseja, receba gratuitamente água da
vida.27
Está evidente nos excertos acima o tema da esponsalidade sob as imagens das núpcias
do Cordeiro e da preparação da Esposa, como afirma Prigent: “a esposa (a Igreja) recebeu de
Deus as vestes adaptadas à cerimônia. [...] As manifestações humanas da salvação, [...] as
provas evidentes do poder de Deus”, de modo a atestar com convicção uma nova ordem das
coisas, agora direcionadas para a vida eterna: vida dos cristãos, “vencedores através de Cristo
e com Cristo”, que hão de partilhar do seu reinado.28
25 Cf. Ap 19,7-8. A BJ coloca este texto em paralelo com o texto do profeta Isaías: “Transbordo de alegria em
Iahweh, minha alma se regozija no meu Deus, porque me vestiu com vestes de salvação, cobriu-me com o manto
de justiça, como o noivo que se adorna com o diadema, como a noiva que se enfeita com suas jóias” – cf. Is 61,10. Também são admissíveis outras associações, cf. Is 62,4-5; 65,18. 26 Cf. Ap 21,2.9-10. A descrição da opulência da Jerusalém celeste, de algum modo, de acordo com a BJ, coloca-
nos em contato com a introdução da visão de Ezequiel do templo futuro que culminará no retorno da “Glória de
Iahweh” sobre este lugar – cf. Ez 40,2; 43,2. Também podemos associar o texto de Isaías que põe em relevo o
esplendor de Jerusalém: “Põe-te de pé, resplandece, porque tua luz é chegada, a glória de Iahweh raia sobre ti.
Com efeito, as trevas cobrem a terra, a escuridão envolve as nações, mas sobre ti levanta-se Iahweh e sua glória
aparece sobre ti. [...] Não terás mais o sol como luz do dia, nem o clarão da lua te iluminará, porque Iahweh será
tua luz para sempre, e teu Deus será teu esplendor. [...] Teu povo, todo constituído de justos, possuirá a terra para
sempre, como um renovo de minha própria plantação, como obra das minhas mãos, para minha glória” – cf. Is
60,1-2.19.21. 27 Cf. Ap 22,17. O final deste texto nos remete à profecia de Isaías sobre os tempos messiânicos, nos quais haveria abundância de água para matar a sede e alimento para a fome: “Ah! Todos que tendes sede, vinde às
águas. Vós, os que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; comprai, sem dinheiro e sem pagar, vinho e
leite” – cf. Is 55,1. A água, símbolo veterotestamentário e profético da vida, no Novo Testamento é símbolo do
Espírito comunicado por Jesus Cristo; é o que nos recorda a BJ citando o Evangelho de João: “[...] mas quem
beber da água que lhe darei, nunca mais terá sede. Pois a água que eu lhe der tornar-se-á nele fonte de água
jorrando para a vida eterna” – cf. Jo 4,14. Ou ainda da citação do livro do Apocalipse: “Eu sou o Alfa e o
Ômega, o Princípio e o Fim; e a quem tem sede eu darei gratuitamente da fonte de água viva” – cf. Ap 21,6. 28 Cf. Ibid., p. 325-326. Acrescente-se: “É a última etapa da história da salvação. Ela suscita alegria escatológica.
E a obediência dos homens é levada à dignidade de preparativos da grande festa de Deus” – cf. Ibid., p. 334.
16
A nova Jerusalém é o símbolo da reconciliação que houve entre a humanidade
e Deus, da nova aliança, eterna e definitiva, do novo povo escolhido que Deus
elegeu não mais numa única nação, mas “de todas as nações, tribos, povos e
línguas”. Neste sentido, ela representa a Igreja que, embora seja a retomada e
a continuação do antigo Israel, acolhe e salva todas as nações.29
O tema nupcial introduzido em Ap 19,7 será aprofundado em Ap 21,2.9. A referência
fundamental repousa no relacionamento de Deus com seu povo, refletido na literatura
profética veterotestamentária, na qual o Senhor se une a Israel “e espera dele, como de uma
esposa a fidelidade”30
.
Prigent recorda que neste primeiro nível de compreensão a imagem nupcial está
projetada no passado, sem conotações messiânicas, pois explora um vínculo já estabelecido.
Por outro lado, nos escritos do cristianismo primitivo, “as características escatológicas e
messiânicas estão nitidamente presentes”, isto é, “a imagem das núpcias do Messias remete
para o Reino”.31
Isto verifica-se tanto nos evangelhos como nas epístolas. [...] A ênfase é então
uma exortação a responder ao chamado escatológico dirigido por Deus,
passando para um segundo plano o próprio tema do casamento. Outras vezes,
ao contrário, a imagem é explorada para ressaltar a união do esposo (o Cristo)
com a esposa que ele escolheu (a Igreja). [...] Teríamos aí, na sua
especificidade e sua novidade, a interpretação cristã da velha imagem
profética.32
O tema, assim explorado, ressalta que a esposa preparou-se, a si mesma, para o seu
esposo.33
É fato que esta interpretação coloca-se em paralelo com a desenvolvida na Carta aos
Efésios, na qual, é Cristo quem toma a Igreja para si e a prepara, “purificando-a” e
Corsini enfatizaria que tema no qual desembocam os textos apresentado é o da morte de Cristo como
fundamento para a reunião dos escolhidos no Reino messiânico, isto é, a Jerusalém celeste – cf. CORSINI, Eugênio. Op. cit., p. 367-386. 29 Cf. Ibid., p. 371. E também, cf. Ap 1,20; 7,9; 21,25-26; 22,2. 30 Cf. PRIGENT, Pierre. Op. cit., p. 331. 31 Cf. Ibid., p. 331-332. 32 Há, porém, que se considerar, enfatiza Prigent, que a presente teoria passa muito rápido ao largo do judaísmo,
especialmente o de caráter rabínico, pois apoiado-nos no Sl 45, é possível entrever uma proclamação de núpcias
messiânicas em um casamento régio, o que nos levaria a entrever um caráter não apenas messiânico, mas
escatológico nas tradições sapienciais de Israel – cf. Ibid., p. 332. 33 Cf. Ibid., p. 332-333.
17
“santificando-a”.34
Aqui, porém, a Igreja tem uma postura ativa diante das vestes que lhe
foram concedidas, enfatiza Prigent35
– autorizada, ela “se enfeitou para o seu marido”36
.
Em Ap 21,2, considerando a preparação nupcial da esposa, isto é, da Igreja, associa-se
a ela a imagem da Jerusalém celeste, bem como da glorificação da realidade humana, como “o
mundo da nova criação”37
.
Prigent evoca Ez 16,11-13 para falar da solidez desta tradição profética que vê numa
“mulher magnificamente vestida e enfeitada de jóias [...] a glória com que Deus revestiu
Jerusalém”38
.
A mulher ornada para o cordeiro evidentemente contrasta fortemente com a
grande prostituta, cujas ricas vestes e jóias procuravam apenas proclamar ao
mundo e a si mesma a sua própria glória, penhor enganoso de segurança, e até
de eternidade.39
E finaliza, enfatizando que não se fará menção maior à noiva, que remonta de Ap 19,7
e Ap 21,2, senão na introdução da próxima perícope em Ap 21,9, quando serão descritas as
características da Jerusalém celeste. A razão poderia ser esta: “o mundo novo é na realidade
identificável com a Jerusalém celeste, já que uma e a mesma imagem da esposa é capaz de
representar os dois de maneira satisfatória”40
.
34 Cf. Ef 5,25-27. 35 Cf. Ibid., p. 333-334. 36 Cf. Ap 21,2. Situamo-nos no cenário da consumação do mistério eclesial. Neste sentido, é válido distinguir
este momento de projeção escatológica, daquele enunciado na Carta aos Efésios, que parece dar indicações para a consecução histórica da comunidade cristã, com referências ao mistério. Corsini insiste, porém, em ressaltar
que no livro do Apocalipse a distinção estabelecida entre o Espírito e a Esposa que gritam à chegada de Cristo
parece insinuar “ainda um momento de espera”, embora sua irrupção seja “iminente” – cf. CORSINI, Eugênio.
Op. Cit., p. 398. 37 Cf. PRIGENT, Pierre. Op. cit., p. 384. Acrescente-se: “A verdade revelada chama com efeito a descobrir que a
Igreja goza de um estatuto estranho, que as categorias habituais da linguagem não conseguem traduzir: ela é
chamada a ser um reino escatológico, a dar testemunho aqui na terra de uma existência nova, eterna e celeste.
Quando este ministério profético for exercido com uma fidelidade total, quando ele for universalmente
conhecido e aceito, então se poderá afirmar que tudo está cumprido, o que pode ser expresso em um registro
temporal (o fim dos tempos) ou espacial (a Jerusalém celeste desce à terra)” – cf. Ibid., p. 386. 38 Cf. Ibid., p. 336. Acrescente-se: “Aqui é grande o testemunho da Igreja. É a glória que ela irradia quando aparece como Mulher vestida de sol (cf. Ap 12)” – cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-
Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 148. 39 Cf. PRIGENT, Pierre. Op. cit., p. 387. 40 Cf. Ibid., p. 397. Acrescente-se: “Note-se, todavia, que o paralelismo, embora intencional, não é continuado;
[...] é evidente que o simbolismo das núpcias teria apresentado perigos” – cf. Id. Neste sentido, é prudente
ressaltar o posicionamento de Prigent, citado em Pereira e Santos, com relação à unidade literária de Ap 21:
Prigent situa o versículo 2 e 9 em duas perícopes diferentes, sem unidade literária entre eles. As razões de crítica
textual são descritas cf. Ibid., p. 377-380, e citadas resumidamente em PEREIRA, Edson; SANTOS, Manoel
Augusto. Op. cit., p. 242-243. Isto, porém não prejudica a compreensão da temática abordada.
18
Antes, porém, de identificar a relação Cordeiro-Esposa o livro do Apocalipse enuncia
a imagem do Cristo-Cordeiro41
, com aspectos altamente significativos.
Magnolfi recorda o substrato veterotestamentário da imagem do Cordeiro: em
primeiro lugar, enraíza-o na evocação do cordeiro pascal de Ex 12; em seguida, explica-a a
partir da figura do servo sofredor de Is 53,7. O aspecto sacrifical está presente e atuante na
teologia do Apocalipse, porém não está isolado ou finalizado, isto é, o Cordeiro “como que
imolado” está “de pé”, o que na consideração de Magnolfi refere-se estreitamente à Morte e
Ressurreição de Jesus.42
Para Prigent o irrecusável na interpretação desta imagem de Cristo é
que o Cordeiro do Apocalipse “é um vencedor” e “seu sacrifício assegura a redenção, como o
do cordeiro pascal”.43
Este é o esposo que se apresenta para as núpcias: uma figura que
exprime “um significado cristológico de grande intensidade, é o Cristo com todas as
potencialidades de sua morte e ressurreição, empenhado em cheio no desenvolvimento da
história”44
.
Em Ap 22,17 ressoa o caráter litúrgico do livro do Apocalipse.45
Magnolfi fala aqui de
uma Igreja que amadureceu sua consciência esponsal, tornando-se capaz de unir sua voz à do
Espírito para rezarem juntos.46
Prigent, por sua vez, procura aprofundar o significado do
Espírito que está unido à Igreja-Esposa: “é o espírito dos profetas, o espírito profético, que o
nosso autor teve o cuidado de precisar que não é outro senão o testemunho de Jesus”47
. É o
Espírito “que ao longo das Cartas às Igrejas [...] faz o próprio Jesus falar”48
. E termina:
“através desta oração decidida, o homem atinge a aspiração da criação que através dos sinais
escatológicos, está orientada para a vinda de Cristo”49
. Corsini ainda completaria, que o
41 Cf. Ap 5,6. 42 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,
p. 145. Neste sentido, Prigent é mais prudente. Ao resumir o posicionamento de comentadores a respeito das
referências em relação ao Cordeiro do Apocalipse, ele recorda, citando José Comblin, que “Is 53 é uma das raras
profecias do AT [Antigo Testamento] que oferecem uma possível base para a exploração do binômio morte-
ressurreição e para sua aplicação a Cristo. Mas nada há no Apocalipse que a sublinhar esta possível
correspondência” – cf. PRIGENT, Pierre. Op. cit., p. 116-117. Por outro lado, concorda com o vinculo, segundo
ele “dificilmente contestável”, com o Cordeiro pascal e com o efeito redentor do seu sacrifício. 43 Cf. Ibid., p. 117. 44 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,
p. 146. Acrescente-se: “Investido de toda a sua energia messiânica (sete chifres), tem a plenitude do Espírito (sete olhos), que ele possui enquanto Ressuscitado e que envia como energia sua para toda a terra” – cf. Id. Para
aprofundar os dois simbolismos, os chifres e os olhos – cf. PRIGENT, Pierre. Op. cit., p. 118. 45 Cf. Ibid., p. 425-426 e MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI,
Maria; et alli. Op. cit., p. 148-149. 46 Cf. Ibid., p. 148. 47 Cf. PRIGENT, Pierre. Op. cit., p. 425. 48 Cf. Ibid., p. 425. 49 Cf. Ibid., p. 426. Acrescente-se: “São as únicas palavras na Escritura, em conclusão ao Apocalipse,
pronunciadas em primeira pessoa pela Esposa. [...] Ela, de fato, pode-se dizer que [...] está diante de Cristo como
19
aspecto litúrgico de todo o livro do Apocalipse, como de um modo especial desta perícope,
salienta que “a idéia da vinda de Cristo a seus fiéis ocorre – não unicamente, mas de modo
privilegiado e perfeito – na assembléia litúrgica [na qual] Cristo está verdadeira e
concretamente presente”50
no meio dos seus.
1.1.2 As Cartas Paulinas51
A Carta aos Efésios apresenta sua concepção “doméstica”52
– ou “familiar” – de
Igreja, como Igreja em relação a Cristo. Assim, a união entre o homem e sua mulher acaba
esclarecida pela relação esponsal de Cristo para com sua Igreja. E, analogamente, a união
humana tipificada pelo mistério da relação entre Cristo e sua Igreja.
Submetei-vos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres estejam sujeitas
aos maridos, como ao Senhor, porque o homem é cabeça da mulher, como
Cristo é cabeça da Igreja e o salvador do Corpo. Como a Igreja está sujeita a
Cristo, estejam as mulheres em tudo sujeitas aos maridos. E vós, maridos,
amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a
fim de purificá-la com o banho da água e santificá-la pela Palavra, para
apresentar a si mesmo a Igreja, gloriosa, sem mancha nem ruga, ou coisa
semelhante, mas santa e irrepreensível. Assim, também os maridos devem
amar suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama sua
mulher ama-se a si mesmo, pois ninguém jamais quis mal à sua própria carne,
antes alimenta-a e dela cuida, como também faz Cristo com a Igreja, porque
somos membros do seu Corpo. “Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe
e se ligará à sua mulher, e serão ambos uma só carne.” É grande este mistério:
um alguém, um sujeito, uma pessoa” – cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In:
MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 149. 50 Cf. CORSINI, Eugênio. Op. cit., p. 397. 51 A abordagem das cartas paulinas, bem como de sua teologia, será mediada por BARBAGLIO, Giuseppe. As
Cartas de Paulo (I). SP: Loyola, 1989 e FABRIS, Rinaldo. As Cartas de Paulo (III). SP: Loyola, 1992; apoiada
em MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p.
141-144, e PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. Op. cit., p. 245-250. Também, cf. BAUMERT,
Norbert. Mulher e Homem em Paulo. Superação de um mal entendido. SP: Loyola, 1999, p. 193-229; CERFAUX, Lucien. Cristo na teologia de Paulo. SP: Teológica, SP: Paulus, 2003, p. 270-284 e CERFAUX,
Lucien. O cristão na teologia de Paulo. SP: Teológica, SP: Paulus, 2003, p. 527-553. 52 Título apresentado pela BJ ao excerto da Carta aos Efésios (cf. Ef 5,21), que de fato está inserido na parte
parenética da carta, dedicada às orientações morais e éticas às comunidades fundadas pelo apóstolo. Embora, o
acento pareça ser mais teológico, que necessariamente parenético – cf. FABRIS, Rinaldo. Op. cit., p. 192-193.
Deter-nos-emos na corrente da tradição que considera a Carta aos Efésios como recorrente ao corpo teológico
paulino, com relação direta com a Carta aos Colossenses. Para uma interpretação diferenciada, cf. SCHNELLE,
Udo. Evolução do pensamento paulino. SP: Loyola, 1999 e CERFAUX, Lucien. O cristão na teologia de Paulo,
p. 528-537.
20
refiro-me à relação entre Cristo e sua Igreja. Em resumo, cada um de vós
ame sua mulher como a si mesmo e a mulher respeite o seu marido.53
A Carta, citada acima, apresenta a relação esponsal como um mistério. Não uma
realidade oculta, mas revelada; tema bastante apropriado à teologia paulina que lê no
evangelho anunciado por São Paulo e na mensagem proclamada por Jesus Cristo,
[...] revelação de mistério envolvido em silêncio desde os séculos eternos,
agora, porém, manifestado e, pelos escritos proféticos e por disposição do
Deus eterno, dado a conhecer a todas as nações, para levá-las à obediência da
fé [..]54
Na teologia paulina este mistério revelado à Igreja, que tem em São Paulo seu
ministro55
, comemora a salvação operada pela cruz de Cristo56
, bem como a exortação aos
gentios para a conversão57
, de modo a reunir num único povo todas as nações58
, sob a
obediência de uma única fé.
Este plano de salvação, ou de recapitulação59
de todas as coisas em Cristo, não apenas
comemora a salvação pela cruz, como enfatizado acima, mas atribui seu afeito, e o faz através
do batismo, no qual “fomos sepultados com ele na morte, para que como Cristo foi
ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos vida nova”60
.
53 Cf. Ef 5,21-33 – grifos nossos. A orientação doméstica parece colocar-nos em contato com o texto da Carta de
Pedro (cf. 1Pe 3,1-7); nela não há alusão clara ao mistério de Cristo e da Igreja. No entanto, a sujeição da mulher
ao homem, como sua cabeça, à semelhança de Cristo a Deus, esta já transparece na Carta aos Coríntios (cf. 1Cor 11,3.8-9); neste texto também é evocada a origem da mulher como tirada do homem, fazendo ressoar Gn 2,23-
24, de modo semelhante à Carta aos Efésios. De algum modo, porém, a construção do texto da Carta aos Efésios
nos recorda a aliança e o juramento que Deus fez com Jerusalém, sua esposa infiel: “Banhei-te com água, lavei o
teu sangue e te ungi com óleo” – cf. Ez 16,9. 54 Cf. Rm 16,25-26. Acrescente-se: “Ensinamos a sabedoria de Deus, misteriosa e oculta, que Deus antes dos
séculos, de antemão destinou para nossa glória. [...] A nós, porém, Deus o revelou pelo Espírito. Pois o Espírito
sonda todas as coisas, até mesmo as profundezas de Deus” – cf. 1Cor 2,7.10. Ou ainda: “Às gerações e aos
homens do passado este Mistério não foi dado a conhecer, como foi agora revelado aos seus santos apóstolos e
profetas, no Espírito [...] de pôr em luz dispensação do mistério oculto desde os séculos em Deus, criador de
todas as coisas, para dar a conhecer [...], por meio da Igreja, a multiforme sabedoria de Deus” – cf. Ef 3,5.9-10. E
também: “[Da Igreja] me tornei ministro, [...] para levar a bom termo o anúncio da Palavra de Deus, o mistério escondido desde os séculos e desde as gerações, mas agora manifestado aos seus santos” – cf. Cl 1,25-26. 55 Cf. Rm 16,25; Cl 1,23; 4,3; Ef 3,3-12; 6,19. 56 Cf. 1Cor 2,8. 57 Cf. Rm 11,25; 16,26; Cl 1,26-27; Ef 3,6. 58 Cf. Ef 1,9-10. 59 Cf. Ef, 1,10. 60 Cf. Rm 6,4. Acrescente-se: “[...] sabendo que Cristo, uma vez ressuscitado dentre os mortos, já não morre, a
morte não tem mais domínio sobre ele. [...] Assim também vós, considerai-vos mortos para o pecado e vivos
para Deus em Cristo Jesus” – cf. Rm 6,9.11.
21
Assim, o mistério revelado que purifica, também nutre com a graça, pois capacita àqueles que
foram salvos para a realização das obras que caracterizam a sua nova condição.61
Este, porém, não é o único testemunho paulino da relação esponsal, embora pareça ser
“o principal texto neotestamentário”62
sobre este tema. Também Paulo compara seu ministério
à missão de preparar e apresentar a Cristo sua Esposa, na Carta aos Coríntios: “Experimento
por vós um zelo semelhante ao de Deus. Desposei-vos a esposo único, a Cristo, a quem devo
apresentar-vos como virgem pura”63
.
Assim, ao caráter escatológico de consumação da relação esponsal, próprio do
Apocalipse, se assoma na teologia paulina da Carta aos Efésios, a sua consecução histórica64
,
isto é, não há que esperar apenas para o retorno de Cristo, para o futuro, mas se perfaz, de
algum modo, já no presente: é Cristo que alimenta e cuida da Igreja, como um marido que
serve à sua esposa, preparando-a para a união definitiva.65
E o faz através do ministério do
Apóstolo: desposa e purifica. Conseqüentemente: “a imagem apocalíptica da Cidade Santa,
que desce do Céu, realiza-se constantemente na Igreja como imagem de um povo a
caminho”66
.
Um povo a caminho que tem consciência da sua limitação e da necessidade da graça
de Cristo para alcançar seu objetivo, como afirma o Concílio Vaticano II: “a Igreja que reúne
em seu seio os pecadores, [...] sempre necessitada de purificação, sem descanso dedica-se à
penitência e à renovação”67
. E o faz, “no poder do Senhor ressuscitado”, sua Cabeça, seu
61 Cf. Gl 4,1-9; Ef 2,8-10; 2Cor 5,16-18. 62 Cf. PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. Op. cit., p. 245. Conste, porém, que Bucker, na
fundamentação bíblica do modelo da Esposa de Cristo, não se prende ciosamente neste texto, antes cita o
testemunho de Paulo em 2Cor 11,2, no qual o Apóstolo interpreta sua missão como inserida no processo de
preparação e apresentação da Igreja-Esposa para o seu marido Cristo – cf. BUCKER, Bárbara Pataro. O feminino da Igreja e o conflito. RJ: Vozes, 1995, p. 116. De fato, esta atitude paulina liga-se mais intimamente à tradição
veterotestamentária enunciada no profeta Oséias (cf. Os 1,2). Para um exame mais aprofundado desta temática
verificar o estudo do “feminino na eclesiologia da esposa de Cristo” – cf. Ibid., p. 191-228. 63 Cf. 2Cor 11,2. Esta pesquisa não ignora as dificuldades relativas à unidade literária e redação da Segunda
Carta aos Coríntios, cf. SCHNELLE, Udo. Op. cit., p. 28-31, contudo não pode deixar de reconhecer o
entrelaçamento dos temas apresentados anteriormente na teologia paulina e neotestamentária. Sejam, também,
consideradas as relações teológicas entre a Carta aos Efésios e a Carta aos Colossenses, cf. FABRIS, Rinaldo.
Op. cit., p. 107-144; bem como em CERFAUX, Lucien. Cristo na teologia de Paulo, p. 270-276 e CERFAUX,
Lucien. O cristão na teologia de Paulo, p. 485-496.527-536. 64 Cf. JOÃO PAULO II. Dimensão histórica e projeção escatológica da união esponsal da Igreja com Cristo. In:
JOÃO PAULO II. A Igreja, p. 83-85. 65 Cf. Ef 5,29. Acrescente-se: “As núpcias se realizaram, não precisam ser celebradas num futuro escatológico,
como se a relação atual Cristo-Igreja estivesse apenas em nível de noivado: já se trata de um matrimônio
consumado” – cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et
alli. Op. cit., p. 144. Parafraseando Magnolfi: este matrimônio espiritual, no presente, vem ritualizado no banho
do batismo, que torna a Igreja participante do amor esponsal de Cristo – cf. Ibid., p. 144. 66 Cf. JOÃO PAULO II. Dimensão histórica e projeção escatológica da união esponsal da Igreja com Cristo. In:
João Paulo II. A Igreja, p. 85. 67 Cf. Lumen Gentium, 8. Nas palavras de João Paulo II: a Igreja “vive sem dúvida na verdade da Redenção
operada por Cristo, mas vive também na confissão dos pecados humanos dos seus filhos” – cf. JOÃO PAULO II.
22
Senhor, no qual “encontra a força para vencer, na paciência e na caridade, as próprias aflições
e dificuldades, [...] para revelar ao mundo, com fidelidade, embora entre sombras, o mistério
de Cristo, até que no fim dos tempos ele se manifeste na plenitude da sua luz”.68
Exatamente, neste sentido específico, há que se considerar, a exortação de Paulo à
submissão recíproca de todos entre si, na qual se insere a da mulher ao seu marido, como da
Igreja a Cristo, sua Cabeça.69
[...] trata-se da motivação profunda das relações interpessoais, iluminadas pela
fé no Senhor ressuscitado ou no Cristo glorioso. Quem se empenhou no
seguimento de Cristo [...] não pode romper a unidade eclesial rejeitando a
dedicação aos irmãos. O mesmo vale para a esposa: ela não está
“subordinada” a nenhum outro homem senão ao seu marido, e mesmo isso por
força da sua entrega radical ao único Senhor que é o Cristo ressuscitado.70
Deste modo, a chave cristológica é indispensável para compreender o sentido da
relação esponsal. Ele, Jesus Cristo, é “cabeça e salvador da Igreja”71
. Neste sentido, absoluto e
distintivo, como cabeça, Cristo “exerce nela [na Igreja, seu corpo] a influência de centro
promocional e coordenador, para levá-la ao crescimento da caridade, até a plenitude”72
;
enquanto, como salvador, torna-a “santa e imaculada”73
.
Nas palavras de João Paulo II:
Esta relação entre Cabeça e Corpo não anula a reciprocidade esponsal, mas
reforça-a. É precisamente a precedência do Redentor em relação aos crentes (e
portanto à Igreja) que torna possível tal reciprocidade esponsal em virtude da
graça que Cristo mesmo derrama.74
Dimensão histórica e projeção escatológica da união esponsal da Igreja com Cristo. In: João Paulo II. A Igreja, p.
85. 68 Cf. Lumen Gentium, 8. 69 Cf. Ef 5,21-23. E também, cf. FABRIS, Rinaldo. Op. cit., p. 192. 70 Cf. Ibid., p. 195. Acrescente-se: “Todas as razões em favor da „submissão‟ da mulher ao homem no
matrimônio devem ser interpretadas no sentido de uma „submissão recíproca‟ de ambos „no temor de Cristo” – cf. Mulieris dignitatem, p. 91. 71 Cf. Ibid., p. 195-197. 72 Cf. Ef 4,15-16. E também, cf. Lumen Gentium, 6. Acrescente-se: “Pois nele habita corporalmente toda a
plenitude da divindade e nele fostes levados à plenitude. Ele é a cabeça [...] Ele nos perdoou todas as faltas:
apagou, em detrimento das ordens legais, o título da dívida que existia contra nós; e o suprimiu, pregando-o na
cruz [...]” – cf. Cl 2,9.13-14. E também, cf. FABRIS, Rinaldo. Op. cit., p. 195. 73 Cf. Ibid., p. 196. 74 Cf. JOÃO PAULO II. Dimensão histórica e projeção escatológica da união esponsal da Igreja com Cristo. In:
João Paulo II. A Igreja, p. 80.
23
Com relação à graça de Cristo que prepara sua Esposa, a Igreja, Fabris, completa: “O
banho de purificação é o batismo no qual a Igreja foi não só lavada e purificada, mas também
„santificada‟, ou seja, eleita e consagrada e, portanto, escolhida como parceira da aliança com
o Cristo Senhor”.75
A Igreja, “parceira da Aliança”, como acima enfatizado, também é
alimentada pelo mistério que concretiza sua dignidade esponsal; uma vez que “a medida do
verdadeiro amor esponsal encontra sua fonte mais profunda em Cristo, que é esposo da Igreja,
sua Esposa”76
,
A doação de Jesus Cristo à sua esposa no sacrifício da Cruz, na ressurreição e
na vinda do Espírito Santo, não foi um ato acontecido uma única vez, um ato
transitório. Tal doação jamais termina, visto que seu amor jamais se cansa. Ele
vive para sua esposa; ele cuida carinhosamente dela como seu próprio “eu”;
Ele a alimenta com a força da sua palavra. Mas, principalmente pela sua
própria carne e sangue na Eucaristia. Dando-lhe seu corpo e seu sangue, torna-
se realmente um corpo [...]77
.
Ainda nas palavras do saudoso Papa João Paulo II:
A Eucaristia torna presente e de modo sacramental realiza novamente o ato
redentor de Cristo, que “cria” a Igreja, seu corpo. Com este “corpo” Cristo
está unido como esposo à esposa. Tudo isto está presente na Carta aos Efésios.
No “grande mistério” de Cristo e da Igreja é introduzida a perene “unidade dos
dois”, constituída desde o “princípio” entre o homem e a mulher.78
75 Cf. FABRIS, Rinaldo. Op. cit., p. 196. Tema caríssimo à teologia paulina fundamental, como afirma a BJ em
nota a Rm 6,4: “o batismo não se opõe à fé, mas o acompanha (cf. Gl 3,26-27; Ef 4,5), [...] sepulta o pecador na morte de Cristo (cf. Cl 2,12), de onde sai com ele pela ressurreição (cf. Rm 8,11), como „nova criatura‟ (cf. 2Cor
5,17), „homem novo‟ (cf. Ef 2,15), membro do único Corpo animado pelo único Espírito (cf. 1Cor 12,13; Ef 4,4-
5)”. 76 Cf. Mulieris dignitatem, p. 91. 77 Cf. PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. Op. cit., p. 249. Acrescente-se: “O „dom sincero‟ atuado
no sacrifício da Cruz ressalta de modo definitivo o sentido esponsal do amor de Deus. Cristo é o Esposo da
Igreja, como Redentor do mundo. A Eucaristia é o sacramento da nossa redenção. É o sacramento do Esposo, da
Esposa” – cf. Mulieris dignitatem, p. 95-96. 78 Cf. Ibid., p. 96.
24
Reunindo em uma única obra esponsal, da parte de Cristo para sua Igreja, o batismo e
a Eucaristia, enquanto estabelecedores e mantenedores do mistério “comunhão”79
, Cerfaux
sintetiza:
Pelo batismo estamos unidos a Cristo em sinal de pertença. [...] Paulo dirá que
somos batizados no Corpo de Cristo; a pertença torna-se identificação com o
Corpo de Cristo. O batismo e a eucaristia já se acham unidos na síntese de
Paulo. Cada uma dessas instituições, a seu modo, relembra a morte de Cristo e
reproduz a sua vida de ressuscitado. [...] Todas as duas unem ao “corpo” de
Cristo, identificado com a Igreja.80
Cerfaux ressalta, ainda, que a teologia paulina do Corpo de Cristo identificado com a
Igreja, faz referência ao “corpo ressuscitado de Cristo que se torna o novo templo”, isto é, o
“ambiente” onde se realiza a santificação da Igreja pela ação salvífica do Batismo e da
Eucaristia. Assim, esta Igreja é, também, “o lugar do nascimento dos cristãos [...] onde a vida
de Cristo atinge os homens”.81
E resume:
[...] não somente somos uma espécie de corpo, mas pertencemos realmente a
Cristo e uma vez que a sua vida é a nossa, somos verdadeiramente membros,
sendo Cristo o princípio de unidade e de vida entre nós, assim como o corpo o
é para os membros. O batismo consagrou-nos ao corpo de Cristo, e a eucaristia
nos identifica a este corpo de Cristo ao qual nos refere, de tal sorte que Cristo
é realmente, para todos os cristãos, seu corpo. Os cristãos são um só corpo,
não por simples direito de comparação, mas num realismo sacramental e
místico.82
Num contexto mais amplo, segundo Baumert83
, é indispensável considerar a
“moldura” literária do Espírito que capacita a assembléia eclesial para Cristo, e a vincula nele,
79 Cf. CERFAUX, Lucien. O cristão na teologia de Paulo, p. 340-358. Isto é, “participação em Cristo pela união
profunda existente entre o cristão e a morte e a vida do ressuscitado” – cf. Ibid., p. 340. 80 Cf. CERFAUX, Lucien. Cristo na teologia de Paulo, p. 279. 81 Cf. Ibid., p. 275. 82 Cf. Ibid., p. 276-277. Acrescente-se: “Do mesmo modo que o tema da Igreja-esposa de Cristo esboçado na
segunda Epístola aos Coríntios desabrocha na Epístola aos Efésios e aplica-se à Igreja universal e celeste, assim
o tema do corpo de Cristo. Nas grandes epístolas, refere-se a uma comunidade particular e de maneira muito
concreta. Nas epístolas do cativeiro, a noção de Igreja universal é mais abstrata e personifica-se; o tema do corpo
de Cristo se transpõe para as realidades celestes: a Igreja (celeste) é o corpo de Cristo ressuscitado, glorioso,
pléroma da divindade” – cf. Ibid., p. 277. 83 Cf. BAUMERT, Norbert. Op. cit., p. 193-202.
25
sua “cabeça” como um “corpo” que dele depende, e, portanto, lhe é submisso, ou melhor,
“subordinado”, como prefere o exegeta. E, deste modo, reinterpretando o excerto da Carta aos
Efésios:
Como a assembléia (a humanidade) está sujeita ao Cristo (a partir de Deus),
assim também em tudo (no verdadeiro sentido) as mulheres a seus maridos.
[...] Cristo amou a humanidade, entregou-se por ela, purificou-a, glorificou-a e
santificou-a. Pois a humanidade reunida (toda) é realmente seu corpo: ele, em
sua encarnação, tornou-se com ela “uma só carne” – aquela grande e oculta
realidade, que Deus agora nos revela. É como se o autor quisesse dizer:
“entendei” o que Deus achou bom e ofereceu para nós: a plenitude do seu
Espírito.84
1.2 Outros Enraizamentos Bíblicos Presumíveis
1.2.1 Os Evangelhos, e o Cristo-Esposo
Os Evangelhos testemunham a aplicação a Jesus Cristo desta caracterização
matrimonial, seja como noivo ou esposo.85
Nos Sinóticos, independentemente da função da narrativa no contexto amplo ou estrito
de cada Evangelho, Jesus é “o noivo”, e seus discípulos são designados como “os amigos do
noivo”86
:
Por esse tempo, vieram procurá-lo os discípulos de João com esta pergunta:
“Por que razão nós e os fariseus jejuamos, enquanto os teus discípulos não
jejuam?”. Jesus respondeu-lhes: “Por acaso podem os amigos do noivo, estar
de luto, enquanto o noivo está com eles? Dias virão, quando o noivo lhes será
tirado; então, sim, jejuarão.87
84 Cf. Ibid., p. 201. Acrescente-se: “Sem metáfora, isso significa a total consagração da comunidade dos salvos,
num relacionamento de aliança” – cf. FABRIS, Rinaldo. Op. cit., p. 197. 85 Cf. Mt 9,15; Mc 2,19; Lc 5,34; e também Jo 3,29. Sob a forma de parábolas em Mt 22,2 e 25,1, e em seus
correlatos em Lucas. Pereira e Santos preferem falar de “autodesignação de Jesus” apoiando-se em Magnolfi –
cf. PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. Op. cit., p. 240 e MAGNOLFI, Maria. A Revelação do
mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 138. 86 Respectivamente, nimfios e uioi tou nimfonos. 87 Cf. Mt 9,14-15 – grifos nossos; e os paralelos Mc 2,18-20 e Lc 5,33-39. É relevante para esta pesquisa o
reconhecimento desta tradição na redação dos Evangelhos Sinóticos, como também em João (cf. Jo 3,29).
26
Há que se considerar que a presente tradição sinótica evangélica se apresenta em
panorama de controvérsia88
entre Jesus, e seus discípulos, e os discípulos de João e dos
fariseus, acerca do gesto religioso-penitencial do jejum. Jesus justifica a atitude dos seus
discípulos devido à sua presença entre eles, através da comparação com a festa de núpcias, na
qual seria inadmissível que agissem penitencialmente enquanto a presença do noivo indicava
motivação para a celebração das bodas. Na seqüência, a mesma tradição enuncia o tempo no
qual “o noivo lhes será tirado”: tempo pascal e pós-pascal do arrebatamento de Jesus dentre
seus discípulos.89
Fabris90
, comenta o texto paralelo no Evangelho de Marcos afirmando que Jesus
ensina uma nova piedade, enquanto foge dos esquemas do seu tempo, que haviam sido
estabelecidos pela mentalidade farisaica e dos discípulos de João Batista, fundamentados no
legalismo e ascetismo.
Nesta nova relação de piedade, os discípulos de Jesus, interpretados a partir da
mentalidade semítica presente na expressão “os amigos do noivo”, podem ser compreendidos
como os “encarregados de acompanhá-lo e de animar a festa”91
nupcial do Reino de Deus –
festa da união de Deus com seu povo, de forte repercussão veterotestamentária. Corroboram
com a mesma identificação as parábolas do “banquete nupcial”92
, e das “dez virgens”93
.
Na primeira, o Reino dos Céus é comparado a um banquete organizado por um rei
para o casamento do seu filho. A recusa à participação dos primeiros convidados dá lugar ao
convite a toda a sorte de pessoas, “maus e bons”94
. Não obstante, a parábola termine
tragicamente, pois o rei observa que os últimos convidados não estavam trajados
88 Controvérsia, disputa ou polêmica, enquanto gêneros literários evangélicos – cf. MONASTÉRIO, Rafael
Aguirre; CARMONA, Antonio Rodrigues. Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos, p. 104-105.198-200.284-286. Isto, porém, não exclui posições diferentes, mais, ou menos, abrangentes, até porque um mesmo texto pode
comportar gêneros literários diversos conforme sua história de redação – cf. SILVA, Cássio Murilo Dias da.
Metodologia de exegese bíblica, p. 185-239 e BERGER, Klaus. As formas literárias do novo testamento, p. 76-
80. 89 Cf. BARBAGLIO, Giuseppe. O Evangelho de Mateus. In: BARBAGLIO, Giuseppe; et alli. Os Evangelhos
(I). SP: Loyola, 1990, p. 168-169. 90 Cf. FABRIS, Rinaldo. O Evangelho de Marcos. In: FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos
(II). 3.ed. SP: Loyola, p. 447. 91 Comentário acrescido ao texto em nota de rodapé (nota 18) – cf. Ibid., p. 447 e PEREIRA, Edson. SANTOS,
Manoel Augusto. Op. cit., p. 239. 92 Cf. Mt 22,1-14. De fato, o paralelo em Lc 14,15-24 não comemora um cenário nupcial, embora conjugue os elementos fundamentais da narrativa – cf. BARBAGLIO, Giuseppe. O Evangelho de Mateus. In: BARBAGLIO,
Giuseppe; et alli. Op. cit., p. 326. 93 Cf. Mt 25,1-13. Também o paralelo em Lc 12,35-40 não reproduz fielmente todos os elementos de Mateus, e o
contexto da narrativa é notadamente diverso, contudo está presente a imagem nupcial – cf. FABRIS, Rinaldo. O
Evangelho de Lucas. In: FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Op. cit., p. 142-144. Estas duas citações estão
ausentes na narrativa teológica de Marcos; com relação ao problema e as teorias sinóticas, bem como à história
da interpretação destes Evangelhos – cf. MONASTÉRIO, Rafael Aguirre; CARMONA, Antonio Rodrigues. Op.
cit., p. 55-70. 94 Cf. Mt 22,10.
27
adequadamente para a festa, ela insere elementos importantes para a compreensão dos
destinatários do Reino dos Céus e, conseqüentemente, da salvação.95
Se é fato que “os amigos
do noivo”, ou os “filhos da casa onde se celebram as bodas”96
, correspondem aos “amigos
mais íntimos do esposo”97
, também é verdade que nas bodas do Reino dos Céus o salão de
festa também comporta outros convidados; tanto os que recusam o convite do rei, como os de
segunda ordem que acolhem o convite; como ainda, dentre esses últimos, aqueles que tendo
sido acolhidos, não estavam adequadamente vestidos para a ocasião.98
Na segunda, o Reino dos Céus é comparado ao banquete ao qual tem acesso as virgens
prudentes que foram ao encontro do noivo com as suas lâmpadas carregadas de óleo. A
despreparação das lâmpadas é lida como insensatez que não apenas exclui da festa de núpcias,
como também da recordação do Senhor. De caráter notadamente escatológico, a parábola
associa a salvação à figura alegórica do banquete nupcial, destinado àquelas virgens que
estivessem prontas e equipadas para seguir o noivo, que é Cristo.99
Com relação à ausência da esposa nos textos sinóticos evangélicos, reflete Maggioni:
Jesus fala do esposo de forma absoluta. Diversamente do Antigo Testamento,
que se fixava no comportamento da esposa, o olhar agora se concentra todo
sobre Jesus. Nos evangelhos, de fato, a grande novidade é Jesus; [...] e a Igreja
é todo um converter-se a Ele, um pôr-se em seu seguimento. O fato de Jesus
afirmar-se como Esposo sem aludir à esposa contém um significado mais
total, sugere que toda a união matrimonial se efetua na pessoa de Jesus. Como
Jesus não é uma das duas partes que contraem a aliança, mas é Ele próprio a
95 Recorde-se a prefiguração da salvação como “festa” nos profetas – cf. Is 25,6-12. 96 Cf. PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. Op. cit., p. 239. Referenciada anotada com tradução
diferente – “filhos do quarto nupcial” – cf. FABRIS, Rinaldo. O Evangelho de Marcos. In: BARBAGLIO,
Giuseppe; et alli. Op. cit., p. 447. 97 Cf. PEREIRA, Edson. SANTOS, Manoel Augusto. Op. cit., p. 239. 98 Afirma Barbaglio que “o destino dos homens se decide na tomada de posição diante do convite último e
definitivo que Deus lhes dirige” – cf. BARBAGLIO, Giuseppe. O Evangelho de Mateus. In: BARBAGLIO, Giuseppe; et alli. Op. cit., p. 326. Deus o faz através do seu Filho, Jesus Cristo, pelo mistério da Encarnação, por
meio da pregação do seu Evangelho, no qual se inclui a proclamação do amor e misericórdia divinos pela
Paixão, Morte e Ressurreição. Assim sendo, “não é a lei, mas a fé em Cristo que salva” – cf. Ibid., p. 327. 99 Cf. Ibid., p. 363-365. Acrescente-se: “Na parábola das dez virgens, a vinda do Esposo é sinal do Reino já
presente, com uma tonalidade escatológica de encontro final decisivo” – cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação
do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 138. À expectativa das virgens ao
encontro do esposo que está para chegar, na tradição de Mateus, poder-se-ia assomar a responsabilidade de
vigilância cobrada dos servos na expectativa da chegada do seu Senhor, na tradição de Lucas (cf. Lc 12,36) – cf.
FABRIS, Rinaldo. O Evangelho de Lucas. In: FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Op. cit., p. 143-144.
28
Aliança, que une Iahweh e o povo, assim agora não é apenas um esposo na
presença de uma esposa; é o Esposo por excelência.100
A tradição joanina também apresenta uma identificação semelhante na transição final
do ministério de João Batista, no qual ele afirma a respeito da sua missão: “Não sou eu o
Cristo, mas sou enviado adiante dele‟. Quem tem a esposa é o esposo; mas o amigo do
esposo, que está presente e o ouve, é tomado de alegria à voz do esposo. Essa é a minha
alegria e ela é completa”101
. No que há de evidente, temos, segundo Maggioni102
: “o Batista já
não é apenas testemunha de Jesus, mas também o verdadeiro discípulo”, pois “soube superar a
si mesmo para aceitar com alegria o Cristo”. Casalegno, por sua vez, aprofunda e expande a
interpretação bíblica do significado esponsal das palavras de João Batista:
Também a afirmação com a qual o Batista manifesta a sua subordinação a
Jesus: “eu não sou digno de desatar a correia de sua sandália”, pode ser uma
indicação da identidade messiânica de Jesus. O gesto de descalçar a sandália
do pé não indica somente o serviço do escravo ao senhor. Também acontece
quando, segundo a lei do levirato, se renuncia ao direito de desposar a própria
cunhada que ficou viúva, recusando o dever de continuar uma descendência
para o irmão falecido. Neste caso, a mulher rejeitada aproxima-se do cunhado
e lhe descalça a sandália do pé, cuspindo nele diante dos anciãos da cidade.
Assim, o homem que não respeitou a lei do levirato e casou-se com uma outra
mulher receberá o apelativo injurioso de “descalçado”, e a sua família será
chamada de “família do descalçado” (Dt 25,5-10). É possível que João,
recusando-se a descalçar a sandália de Jesus, reconheça a qualificação de
legítimo esposo de Israel para Jesus (Jo 3,29; 2,9).103
100 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,
p. 138. 101 Cf. Jo 3,28-29. A citação acima se reveste de importância devido à consideração da figura da esposa em
relação ao esposo, Jesus Cristo. Isto é uma novidade, em contraposição com os Evangelhos Sinóticos, embora
não seja fácil atribuir nome à esposa – cf. MAGGIONI, Bruno. O Evangelho de João. In: FABRIS, Rinaldo;
MAGGIONI, Bruno. Op. cit., p. 312-313. 102 Cf. Ibid., p. 313. Para Dautzenberg, “[...] o evangelista reserva ao Batista a função de testemunha de Jesus, enviada por Deus (cf. Jo 3,26.28; 5,31-36); esta função esgota sua missão” – cf. DAUTZENBERG, Gerhard. A
história de Jesus no Evangelho de João. In: SHREINER, Josef; DAUTZENBERG, Gerhard. Formas e
exigências do Novo Testamento. 2.ed. SP: Teológica, SP: Paulus, 2004, p. 297. 103 Cf. CASALEGNO, Alberto. Para que contemplem a minha glória (Jo 17,24). Introdução à teologia do
Evangelho de João. SP: Loyola, 2009, p. 177. Magnolfi apoiado na mesma base exegética sustenta o mesmo
afirmando: “João Batista, ao se apequenar, reconhece a Jesus este direito. Ele [Jesus] deve ser reconhecido e
acolhido como Esposo” – cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI,
Maria; et alli. Op. cit., p. 139. É bastante oportuno não esgotar a cristologia joanina com referência a João Batista
e aos discípulos de Jesus apenas à dimensão salientada nesta elaboração, isto é, de fato Jesus é “esposo
29
A pesquisa exegética que fundamenta as explanações de Magnolfi e Casalegno
sintetiza a mensagem da perícope joanina citada acima da seguinte maneira:
As autoridades judias têm uma imagem peculiar do Messias, em virtude da
qual, o confundem com o Batista. João Batista afasta-se de semelhante
sugestão [...]. O Messias vem como esposo para renovar o matrimônio com a
esposa; João é o amigo, não o rival. Quanto à esposa, o Batista pensa que o
Israel presente, convenientemente preparado, receberá com gozo o esposo.104
Em um sentido mais amplo não se pode ignorar a comemoração de Magnolfi, na qual
insiste em outros textos “permeados de simbologia esponsal”105
no Evangelho de João. A
saber: “os perfumes, a voz, a procura” próprios de textos como os de Nicodemos, da unção de
Betânia e da busca de Madalena por Jesus depois do seu sepultamento; ou mesmo, a alusão a
Jesus como verdadeiro Esposo nas bodas de Caná.106
1.2.2 Notas Prefigurativas no Antigo Testamento de Deus-Esposo do seu Povo107
A esponsalidade tem raízes profundas no Antigo Testamento, especialmente se
amparada na relação de Aliança estabelecida entre Deus e seu povo.108
Sintetiza-o Magnolfi:
legítimo”, mas dentre seus títulos messiânicos também podem ser elencados o de “Messias de Israel”, “Messias
escondido”, afora suas designações soteriológicas e seus “títulos abertos ao transcendente” – cf. CASALEGNO,
Alberto. Op. cit., p. 175-183. A base da explicitação de Casalegno e Magnolfi encontra-se em um trabalho mais
antigo elaborado por Proulx e Schökel – cf. PROULX, P.; SCHÖKEL, L. Alonso. Las sandalias del Mesías Esposo. Biblica. Comentarii periodici Pontificii Instituti Biblici. Roma, v.59, 1978, p. 1-37. 104 Tradução de: “Las autoridades judías tienen uma imagen peculiar del Mesías, em virtud de la cual, confunden
al Bautista com él. Juan Bautista rechaza semejante sugestión [...]. El Mesías viene como esposo a renovar el
matrimonio com la esposa, Juan es el amigo, no el rival. En cuanto a la esposa, el Bautista piensa que el Israel
presente, convenientemente preparado, recibirá com gozo o esposo” – cf. Ibid., p. 36. 105 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,
p. 139-140. O estudo de Proulx e Schökel focaliza uma porção do texto joanino, a saber Jo 1-3, que acaba por
ressaltar um apelo esponsal direto e específico de ordem jurídico-profética; isto, porém, não extingue os demais
elementos simbólicos de esponsalidade próprios do Evangelho, ou dos outros Evangelhos, cf. PROULX, P.;
SCHÖKEL, L. Alonso. Op. cit., p. 37. 106 Cf. Jo 3,3; 12,1-8; 20,11-18; 2,1-12. E também, cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 139. 107 Cf. JOÃO PAULO II. A Igreja prefigurada como esposa no Antigo Testamento. In: JOÃO PAULO II. A
Igreja, p. 71-74. 108 João Paulo II anotou este enraizamento citando Is 54,5, e acrescenta: “[...] queremos salientar que a Aliança
de Deus com Israel é apresentada pelos profetas como um laço esponsal. Também este aspecto particular da
relação de Deus com seu povo tem um valor figurativo e preparatório da união esponsal entre Cristo e a Igreja,
novo Povo de Deus, novo Israel constituído por Cristo” – cf. Ibid., p. 71. A tradução do excerto de Isaías
utilizada no texto citado de João Paulo II diverge do texto da BJ, na qual figura como segue: “Com efeito,
esquecerás a condição vergonhosa da tua mocidade, não tornarás a lembrar o opróbrio da tua viuvez, porque o
30
O povo de Israel apóia a sua relação com Deus e o seu conhecimento dEle na
experiência do seu amor. Deus o chamou dentre os outros povos para ser o seu
povo e concluiu com ele uma aliança eterna. [...] Com efeito, Israel
experimenta um Deus próximo de si, que o liberta, o salva, o instrui, o conduz,
um Deus que o escolheu e se lhe revelou, prometendo a sua presença operante
no meio dos israelitas. [...] É essa presença que faz Israel ser de um modo
particular “povo de Deus”.109
Este percurso histórico-teológico veterotestamentário da relação esponsal, de forte
acento antropológico, poderia ser sintetizado nas palavras de Bucker:
Israel se estabelece em Canaã e tem de lutar contra os deuses, mas em
desvantagem; Israel é o povo que começa a ser sedentário, enquanto os
cananeus têm um deus da agricultura. Além do mais, os povos antigos adotam
a religião da região onde vão, sendo seduzidos pelos atrativos das religiões da
fertilidade e os mitos cananeus de Baal, deus da natureza e fecundidade que
exige orgias sexuais [...] Diante dos excessos da fé em Baal, relacionada com a
sexualidade, Oséias usou a metáfora do amor, da prostituição, para referir-se à
relação de Deus com seu povo.110
Oséias inaugura a utilização da imagem esponsal para falar do relacionamento de Deus
com seu povo e, alude Bucker, ele “é o mais completo”111
, seguido de perto pelos profetas
teu esposo será teu criador, Iahweh dos Exércitos é o seu nome” – cf. Is 54,4-5. E também, cf. LACAN, Marc-
François. Esposo/esposa. In: LÉON-DUFOUR, Xavier (Dir.). Vocabulário de teologia bíblica. 2.ed. Petrópolis:
Vozes, 1977, p. 304-308. 109 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,
p. 128. E ainda recupera os símbolos proféticos que expressam este relacionamento amoroso: “nos profetas [...]
Israel é comparado à virgem (às vezes à cidade, à vinha), ou então à esposa, à mãe” – cf. Ibid., p. 128-129. Estas
imagens proféticas serão as responsáveis pela composição neotestamentária póspascal da esponsalidade entre
Cristo e a Igreja, já verificada anteriormente. 110 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. Cit., p. 111. Acrescente-se: “Não se trata aqui de um mito, como ocorre na
religião canaanita, onde o deus-esposo fecunda a terra da qual ele é o Baal [...]; a este mito correspondem ritos sexuais, notadamente a prostituição sagrada. Esses ritos aparecem ligados à idolatria; por isso, para melhor
estigmatizá-la o Deus zeloso que a condena, a chama uma prostituição. O Deus de Israel é o esposo não da sua
terra, mas do seu povo; o amor que os une tem uma história” – cf. LACAN, Marc-François. Esposo/esposa. In:
LÉON-DUFOUR, Xavier (Dir.). Op. cit., p. 305. 111 Em Oséias “o amor toca no nível mais profundo e provoca conversão” – cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op.
cit., p. 112. Schökel e Diaz completariam esta idéia afirmando que “a mensagem de Oséias tem algo de
desconcertante. A nossa lógica religiosa segue os seguintes passos: pecado-conversão-perdão. A grande
novidade de Oséias, o que o situa em plano diferente e o converte em precursor do NT [Novo Testamento] é o
fato de ela inverter a ordem: o perdão antecede à conversão. Deus perdoa antes de o povo se converter, ainda que
31
Jeremias112
, Isaías113
, Ezequiel114
, bem como pelo livro de Cântico dos Cânticos e pelo Salmo
45.115
Esta relação com Deus faz de “Israel amado qual esposa pelo seu Deus,
independentemente de qualquer infidelidade”116
. Ainda, em outras palavras: “Israel
experimenta um Deus próximo de si. Um Deus que o escolheu e se revelou, prometendo a sua
presença operante em meio aos israelitas”117
.
Da parte de Deus, alguns elementos bíblicos são indispensáveis para compreender sua
participação esponsal: um Deus zeloso que tem ciúmes do seu povo118
e que castiga, pois quer
mudar o seu coração119
. Da parte de Israel, resta ser julgada e condenada por suas
infidelidades pelo processo que Deus instaura na pregação profética. Aqui tem lugar a Palavra
dirigida a Oséias:
Processai vossa mãe, processai. Porque ela não é minha esposa, e eu não sou
seu esposo. Que ela afaste de seu rosto as suas prostituições e de entre os seios
seus adultérios. Senão eu a despirei completamente [...] acabarei com sua
alegria [...] conduzi-la-ei ao deserto e falar-lhe-ei ao coração.120
ele não se tenha convertido” – cf. SCHÖKEL, Luís Alonso; SICRE DIAZ, José Luís. Profetas II: Ezequiel, Doze
profetas menores, Daniel, Baruc, Carta de Jeremias. 2.ed. SP: Paulus, 2002, p. 892. 112 Cf. Jr 2,23; 3,12; 30,14; 31,22. 113 Cf. Is 54,4-17; 62,4-12; 50,1. 114 Cf. Ez 16; 23. 115 Um estudo específico sobre a esponsalidade no Antigo Testamento pode ser encontrado em: SANTOS,
Manoel Augusto. PEREIRA, Edson. A esponsalidade de Cristo com a Igreja. 1ª Parte: O Antigo Testamento.
Teocomunicação. Revista quadrimestral da Faculdade de Teologia da PUCRS. Porto Alegre: PUCRS, v.37,
n.158, dez. 2007, p. 447-469. 116 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,
p. 129. 117 Cf. SANTOS, Manoel Augusto. PEREIRA, Edson. A esponsalidade de Cristo com a Igreja. 1ª Parte: O
Antigo Testamento. Teocomunicação. Revista quadrimestral da Faculdade de Teologia da PUCRS. Porto Alegre:
PUCRS, v.37, n.158, dez. 2007, p. 451. 118 Cf. Ex 20,5; 34,14. Acrescente-se: “Iahweh, Iahweh... Deus de ternura e de piedade, lento para a cólera e rico
em graça e fidelidade, que guarda sua graças a milhares, tolera a falta, a transgressão e o pecado, mas a ninguém
deixa impune” – cf. Ex 34,6-7; Jr 32,18. “Iahweh é um fogo devorador. Ele é um Deus ciumento” – cf. Dt 4,24;
Is 33,14; e ainda, cf. Ex 13,22; 24,17. Afirma a BJ em nota de rodapé a Dt 4,24 que “este ciúme de Deus é o
próprio excesso de amor” – cf. Dt 5,9; 6,15; 32,16.21; e ainda, cf. Ex 20,5; 34,14; Nm 25,11; Ez 8,3-5; 39,25; Zc
1,14. 119 Acrescente-se: “Agirei contigo como tu agiste: desprezaste um juramento imprecatório e violaste a uma
aliança. Contudo, lembrar-me-ei da aliança que fiz contigo na tua juventude e estabelecerei contigo uma aliança eterna. [...] Desta maneira, serei eu que restabelecerei a minha aliança contigo e saberás que eu sou Iahweh” – cf.
Ez 16,59-60.62-63; e ainda: “Assim diz o Senhor Iahweh: Não é em consideração a vós que ajo assim, ó casa de
Israel, mas sim por causa do meu santo nome, que vós profanastes entre as nações para as quase vos dirigistes.
[...] dar-vos-ei coração novo, porei no vosso íntimo espírito novo, tirarei do vosso peito o coração de pedra e vos
darei coração de carne [...]” – cf. Ez 36,22.26. E também, cf. Jr 30,17; 31,2-4.21-22. 120 Cf. Os 2,4-5.13.16. Recorda a nota de rodapé da BJ a Os 2,4 que o processo é uma forma literária (cf. SICRE,
José Luís. Profetismo em Israel. O profeta, os profetas, a mensagem. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 145.153-
154) freqüente nos profetas, por meio da qual Deus acusa a infidelidade do povo, tomando o profeta como
testemunha – cf. Os 4,1; Is 3,13; Mq 6,1; Jr 2,9.
32
A condenação e o castigo têm, contudo, uma finalidade remissiva. Deus quer trazer
seu povo de volta para seu regaço esponsal, e disso o profeta também é feito mensageiro:
Por isso, eis que, eu mesmo a seduzirei, conduzi-la-ei ao deserto e falar-lhe-ei
ao coração. [...] Ali ela responderá como nos dias da sua juventude, como no
dia em que subiu da terra do Egito. Acontecerá, naquele dia, – oráculo de
Iahweh – que me chamarás “Meu marido”, e não mais me chamarás “Meu
Baal”. [...] Eu te desposarei a mim para sempre, eu te desposarei a mim na
justiça e no direito, no amor e na ternura. Eu te desposarei a mim na fidelidade
e conhecerás a Iahweh.121
Nas palavras de Bucker, “o amor toca no nível mais profundo e provoca
conversão”122
, de modo que “a transcendência de Deus, à diferença de outros escritos bíblicos
anteriores e posteriores, se coloca no amor”123
.
Aqui se faz prudente um aprofundamento do significado deste “amor”124
que redime e
instaura a comunhão de Deus com Israel. É um amor que instaura uma nova união, mais que
isso, uma comunhão; é dom de amor e resposta de amor, que faz voltar às origens, à
juventude.125
Neste sentido, as novas núpcias acrescentam à Israel as disposições interiores
proféticas para a fidelidade: a lei gravada no coração, o coração novo e o espírito novo,
conforme os anúncios apropriados a Ezequiel e Jeremias.126
121 Cf. Os 2,16-18.21-22. Recorda a nota de rodapé da BJ a Os 2,18 que “o nome baal („senhor‟) era dado ao marido. Este nome se encontrava, em tempos mais antigos na composição de numerosos nomes de pessoa (cf.
1Sm 14,49; 2Sm 2,8), sem que isso implicasse idolatria. [...] Mas, em época mais recente, o termo baal foi
considerado como ímpio, por referir-se aos baais cananeus (cf. Jz 2,13)”. 122 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 112. Acrescente-se: “Porque é amor que eu quero e não o
sacrifício, conhecimento de Deus, mais do que holocaustos” – cf. Os 6,6. A BJ em nota de rodapé a esta última
citação do profeta, afirma: “Em 14,3 Oséias chega a dizer que o único sacrifício válido é a conversão sincera”. E
ainda, cf. Os 2,21-22; Am 5,21; 1Sm 15,22. 123 Cf. Id. 124 A BJ em nota a Os 2,21, afirma: “a palavra hesed exprime primeiramente a idéia de vínculo, de
empenhamento. Na esfera profana designa a amizade, a solidariedade, a lealdade, sobretudo quando essas
virtudes procedem de pacto. Em Deus esse termo exprime a fidelidade a sua aliança, e a bondade que dela decorre em favor do povo escolhido; em outras palavras exprime o amor de Deus por seu povo e os benefícios
que dele decorrem. Mas este hesed de Deus requer no homem também, o hesed, isto é, o dom da alma, a amizade
confiante, [...] o amor que se traduz por uma submissão alegre à vontade de Deus e pelo amor ao próximo”. 125 A mesma nota citada acima acrescenta a respeito do verbo hebraico traduzido por “desposar”, o que segue:
“Este verbo é usado na Bíblia somente referindo-se a uma jovem virgem. Deus suprime, assim, totalmente o
passado adúltero de Israel, que é como criatura nova. Na expressão „eu te desposarei a mim na (justiça)‟, o que
segue a preposição „na‟ é o dote que o noivo oferece a sua noiva” – cf. 2Sm 3,14. 126 Cf. Jr 31,31-34; Ez 36,26-27. Uma reflexão sistemática aprofundada desta temática, em âmbito magisterial,
foi demandada na Encíclica sobre a Misericórdia Divina do Papa João Paulo II, na qual ele insiste que este amor
33
A idéia de um Israel feminino e jovem remete à profecia de Ezequiel que “vendo-a
[Deus] abandonada por todos, a socorre apenas nascida, a faz crescer, e na sua juventude sela
com ela uma aliança, tornando-a sua”127
. No entanto, a realidade de Israel acentua sua
infidelidade, na linguagem profética sua “prostituição”128
, isto é, o modo como atraiçoa o seu
Deus através da idolatria, voltando-se para os “deuses estrangeiros”129
. A resposta de Deus
corresponde à sua fidelidade, e à manutenção da Aliança firmada no passado, que elege e
vocaciona Israel à união com seu Esposo: “Desta maneira, serei eu que restabelecerei a minha
aliança contigo e saberás que eu sou Iahweh”130
.
Esclarece Bucker:
O amor de Javé é incondicional, amor de benevolência diante da obstinação do
mal ou descaminhos da insensatez na leviandade de seu Povo. [...] Ele, o
Esposo, não só sabe do que é capaz seu amor, mas também do que pode a
Esposa tão-só se reconhecendo, identificando a origem e missão dessa escolha
e destinação.131
O amor que Deus manifesta à Israel não é, contudo, cego ou obstinado; ele não ignora
os seus pecados, antes os aponta, acusando sua Esposa infiel, para depois retomá-la, como
ressalta Magnolfi:
Era compreensível que a esposa prostituída devesse ser rejeitada e só fosse
merecedora de punições, porém o amor de Deus se abaixa, a fim de a
caracteriza como que a essência da intimidade de Israel com o Senhor – uma intimidade que se compreende na
base de um verdadeiro diálogo que compromete na fidelidade mútua – cf. Dives in misericordia, 4. 127 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,
p. 130. 128 Cf. Ez 16,15. A prostituição de Israel, associada às imagens simbólicas de Jerusalém e Samaria, é retomada e
reforçada: “[...] elas cometeram adultério e suas mãos estão manchadas de sangue: adulteraram com seus ídolos
imundos. Mais ainda: Quanto aos seus filhos que elas me deram à luz, fizeram-nos passar pelo fogo para devorá-
los, [...] contaminaram o meu santuário e violaram meus sábados” – cf. Ez 23,37-38. E ainda, cf. Jr 3,1. 129 Assim concretiza-se a imagem de Israel como “esposa infiel de Iahweh”, conforme nota da BJ a Ez 16.
Acrescente-se: “Deus, qual esposo traído, o ameaça [Israel] com as piores punições. [...] Mas justamente quando
a invectiva chega ao auge, acontece uma coisa imprevisível: Deus se apieda [...] É o perdão gratuito da parte de Deus, acima de todo o mérito” – cf. Ibid., p. 131. 130 Cf. Ez 16,62 – anotado cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 113. Acrescente-se: “Borrifarei água sobre
vós e ficareis puros; sim, purificar-vos-ei de todas as vossas imundícies e de todo os vossos ídolos imundos. [...]
Ainda isto farei por eles: eu me deixarei procurar pela casa de Israel e os multiplicarei como rebanho humano” –
cf. Ez 36,25.37; Acrescente-se ainda: “A minha Habitação estará no meio deles: eu serei o seu Deus e eles serão
o meu povo. Assim saberão as nações que eu sou Iahweh, aquele que santifica Israel, quando o meu santuário
estiver no meio deles para sempre” – cf. Ez 37,27-28. 131 Cf. Id. Acrescente-se: “Ezequiel acaba seu livro com uma imagem da restauração. Expressão do triunfo do
Amor eterno de Deus e da conversão da Esposa” – cf. Id.
34
reconquistar para si. Assim Deus, ao retomá-la para Si, ao justificá-la [...],
revela a íntima qualidade do seu amor.132
Jeremias caminha em paralelo com Ezequiel na reflexão sobre a infidelidade de Israel,
enquanto eleita, e o desejo de Deus de restituir com seu povo uma “Nova Aliança”: “Porei
minha lei no fundo seu ser e a escreverei em seu coração. Então serei seu Deus e eles serão
meu povo”133
. Este movimento divino, afirma Bucker, “é o ápice espiritual do livro de
Jeremias”134
, e sintetiza:
Esta Nova Aliança tem três características: é iniciativa divina para o perdão
dos pecados; é responsabilidade e retribuição pessoal; é interiorização da
religião. A Lei deixa de ser uma carta puramente exterior para tornar-se uma
inspiração que atinge o „coração‟ do homem, sob a influência do Espírito de
Deus, que dá ao homem um coração novo, capaz de conhecer a Deus.135
O livro de Isaías, embora também explicite o tema da Esposa136
, tem uma
peculiaridade, a saber: “o fato de Deus ser o Criador da Esposa”137
, isto é, o Deus de Israel se
132 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,
p.131-132. 133 Cf. Jr 31,33 – grifos nossos. E ainda, cf. Jr 7,23; 11,4; 30,22; 31,1; 32,38. E também, cf. Ez 11,20; 36,28;
37,27; Zc 8,8; Dt 7,6. 134 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 115. Magnolfi não reflete a teologia de Jeremias sobre Israel;
prefere deslocar-se diretamente para o tema apropriado pelo Dêutero-Isaías – cf. MAGNOLFI, Maria. A
Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 132-136. De fato, a melhor
indicação direta da esponsalidade em termos específicos no profeta Jeremias dá-se em Jr 2,2, a saber: “Eu me
lembro, em teu favor, do amor de tua juventude, do carinho do teu tempo de noivado [...]”. Da nota de rodapé da BJ ao mesmo texto citado acima temos que a expressão hebraica para “amor” é a mesma de Oséias, isto é, a já
comentada hesed. Não obstante, indiretamente, Deus não canse de manifestar seu amor por seu povo – cf. Jr
11,15. Afirmaria Santos e Pereira: “Na primeira parte de seu ministério [...] Jeremias está sob a influência de seu
antecessor Oséias. [...] O profeta insiste em que a Aliança é fundamentalmente uma questão de amor entre
Iahweh e Israel. Amor simbolizado pela união do homem e da mulher no matrimônio” – cf. SANTOS, Manoel
Augusto. PEREIRA, Edson. A esponsalidade de Cristo com a Igreja. 1ª Parte: O Antigo Testamento. Op. cit., p.
465. 135 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 115. Acrescente-se da nota da BJ a Jr 31,31-34: “Esta Aliança nova
e eterna, proclamada novamente por Ezequiel (cf. Ez 36,25-28), nos últimos capítulos de Isaías (cf. Is 55,3;
59,21; 61,8), vívida no Salmo 51, será inaugurada pelo sacrifício do Cristo (cf. Mt 26,28); e sua realização será
anunciada pelos apóstolos (cf. 2Cor 3,6; Rm 11,27; Hb 8,6-13; 9,15; 1Jo 5,20)”. 136 Cf. Is 49,14-21; 50,1; 51,17-52,9; bem como, cf. Is 1,21; 5,1. Note-se que Santos e Pereira não enfatizam o
testemunho de Isaías como salutar, exceto à guisa de conclusão – cf. SANTOS, Manoel Augusto. PEREIRA,
Edson. A esponsalidade de Cristo com a Igreja. 1ª Parte: O Antigo Testamento. Op. cit., p. 468. 137 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 115. Acrescente-se: “[...] porque o teu esposo será teu criador [...]”
– cf. Is 54,5. Magnolfi prefere ler esta postura criadora de Deus frente à sua esposa relacionando textos do
Dêutero-Isaías e do Trito-Isaías, enaltecendo a beleza da obra que será realizada por Iahweh (cf. Is 62,2-5; 66,7-
8; bem como Is 54,1.11-12) – cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In:
MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 133-134. O que de todo não é ilegítimo, uma vez que “ornada como
esposa e unida a Iahweh, o seu lugar será chamado agora „a cidade de Iahweh, a Sião do santo de Israel” – cf.
35
apresenta como o Criador, aquele “que criou os seus e os estendeu, que firmou a terra e o que
ela produz, que deu o alento aos que ela povoam e o sopro de vida aos que se movem sobre
ela”138
. Schökel e Diaz preferem traduzir Is 54,5 como segue: “Porque o que te criou te toma
por esposa”139
, enfatizando que sua anterioridade à criação, obra de seu poder, caracteriza o
que pode realizar em favor de sua amada Esposa. Como, também, sustenta Schreiner:
Iahweh diz agora a Sião: „Tu és o meu povo‟. Ele não se esquecerá dos seus,
pois tem a planta da cidade [Sião, Jerusalém] desenhada em suas mãos.
Iahweh salva o seu povo do cativeiro babilônico. Por isso, Sião, a cidade santa
de Jerusalém, deve ataviar-se com vestes festivas. Ela se tornará populosa,
será novamente aceita por Iahweh, seu Senhor e esposo, e será presenteada
com uma Aliança eterna de salvação. Iahweh retorna a Sião e o lugar recebe a
boa-nova: „Reina o teu Deus‟. A cidade será reconstruída com uma beleza
inimaginável, mais gloriosa do que qualquer cidade dos deuses.140
Do diálogo teológico entre algumas passagens do Dêutero-Isaías141
e do Trito-
Isaías142
, brota a reflexão sobre a beleza e a fecundidade da glória que haverá de resplandecer
da obra de amor de Deus para com o seu Povo, sua Esposa. Como enfatiza Magnolfi:
O perdão, a imprevisível resposta de fidelidade à infidelidade de Israel, este
amor de Iahweh-Esposo, que chega ao ponto de assumir sobre Si a vergonha
da esposa, provoca principalmente dois efeitos, o de restituir a beleza e
revestir ainda a esposa daquele esplendor de que a tinha adornado seu Criador
e de torná-la fecunda de uma forma excepcional.143
SCHREINER, Josef. O livro da escola de Isaías. In: SHREINER, Josef. Palavra e mensagem do Antigo
Testamento. 2.ed. SP: Teológica, SP: Paulus, 2004, p. 211. 138 Cf. Is 42,5. E ainda, cf. Is 44,25; 45,12. 139 Cf. SCHÖKEL, Luís Alonso; SICRE DIAZ, José Luís. Profetas I: Isaías, Jeremias. 2.ed. SP: Paulus, 2004, p.
345. Schökel e Diaz falam de Is 49 e 51 como “poemas matrimoniais” que “desenvolvem com coerência e
intensidade a imagem matrimonial”; e assim: “Pela aliança, Israel é esposa do Senhor, como também mãe
fecunda. Pela sua infidelidade ela foi repudiada pelo marido e ficou como solteira ou viúva, outra vez só e sem
filhos. Deus, porém, não esquece o seu amor: o repúdio e o abandono foram apenas momentâneos, ele tornará a tomá-la por esposa, a estar com ela, a torná-la fecunda. A reconciliação será fecunda e perpétua, terá força
cósmica. [...] O „Deus de toda a terra‟ escolhe uma cidade, como escolheu um povo como propriedade” – cf.
Ibid., p. 346-347. 140 Cf. SCHREINER, Josef. O livro da escola de Isaías. In: SHREINER, Josef. Op. cit., p. 210. E também, cf. Is
49,15; 51,16; 52,1-2.7.9; 54,1-11. 141 Cf. Is 54,1.11-12. 142 Cf. Is 62,2-5; 66,7-8. 143 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,
p. 133.
36
E completa Schreiner: “Esta glória de Deus, que, na sua ação salvífica, brilha sobre
Israel, atrairá o mundo inteiro”144
, como afirma o texto do profeta: “Põe-te de pé, resplandece,
porque a tua luz é chegada, a glória de Iahweh raia sobre ti”145
. Assim, “a beleza de agora,
que se contrapõe à anterior desolação, é o sinal da realidade do amor do seu Deus e do seu
perdão”146
.
Complementa Magnolfi:
[...] finalmente Israel é digno do seu Deus, Ele mesmo o fez belo e ele agora
pode ir-lhe ao encontro como virgem adornada para o Esposo. Os traços da
infidelidade desapareceram, a virgem esposa se demonstra capaz de responder
com o mesmo amor. É este o conteúdo do Cântico dos Cânticos [...]147
.
Assim se apresenta uma interpretação possível da teologia, altamente alegórica148
, do
Cântico dos Cânticos perante a temática da esponsalidade bíblica veterotestamentária: uma
expressão do amor da Esposa que se sente amada e vai ao encontro do seu Senhor. De fato,
como ressaltam Santos e Pereira: “Em sentido literal o livro parece ser uma celebração do
amor e da fidelidade entre um homem e uma mulher”149
. Lacoste acrescentaria:
[...] esse diálogo canta a beleza e a bondade do amor entre um homem e uma
mulher, em relação de paridade completa em que se desenrola a plenitude
144 Cf. SCHREINER, Josef. O livro da escola de Isaías. In: SHREINER, Josef. Op. cit., p. 211. Acrescente-se:
“Na verdade, Iahweh traz todos os estrangeiros, que se unem a ele, para seu monte santo; e o seu templo „será
chamado casa de oração para todos os povos‟ [Is 56,6]” – cf. Id. 145 Cf. Is 60,1. 146 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,
p. 133. 147 Cf. Ibid., p. 134-135. 148 Embora a tradição judaico-cristã celebre alegoricamente a teologia deste livro não se pode descurar de outras
interpretações legítimas – cf. SCHWIENHORST-SCHÖNBERGER, Ludger. VI. O Cântico dos Cânticos. In:
ZENGER, Erich; et alli. Introdução ao Antigo Testamento. SP: Loyola, 2003, p. 341-345. Ou ainda:
STADELMANN, Luis I. Cântico dos Cânticos. 2.ed. SP: Loyola, 1998, p. 15-20 e ASENSIO, Víctor Morla.
Livros sapienciais e outros escritos. 3.ed. SP: Ave-Maria, 2008, p.412-417. 149 Cf. SANTOS, Manoel Augusto. PEREIRA, Edson. A esponsalidade de Cristo com a Igreja. 1ª Parte: O
Antigo Testamento. Op. cit., p. 454. E ainda: “Considerando que o amor humano em si mesmo já é um eco do
amor divino, o livro encontra-se essencialmente orientado para isso” – cf. Id. Asensio acrescenta uma contribuição a respeito da figura feminina presente no livro do Cântico dos Cânticos, a saber: “Acostumado no
Antigo Testamento a tropeçar com figuras femininas com as características típicas das sociedades primitivas do
Oriente Próximo antigo, em geral, e da estrutura patriarcal da sociedade israelita, em particular, surpreende
descobrir no Cântico a presença de uma mulher diferente. A seu lado o amado empalidece; ela é a autêntica
protagonista. Uma mulher presa de um apaixonado amor, porém livre em sua escolha, em seus movimentos e
suas decisões; livre para tomar iniciativas; livre também em sua disposição para o abraço amoroso” – cf.
ASENSIO, Víctor Morla. Op. cit., p. 405-406 – grifos nossos. É o que se deduz da citação: “[...] estou doente de
amor [...]” – cf. Ct 2,5; 5,8. Em oposição radical a imagem feminina “fria, preocupada e absorvida pela
economia familiar” de Pr 31 – cf. Ibid., p. 406.
37
original evocada em Gn 1 e 2. Nota-se, no entanto, que toda a tradição da
leitura judaica do texto a interpreta como cantando a relação entre Javé e Israel
[...]. O Cântico dos Cânticos serve para exprimir, em sua expressão mais
avançada e mais acabada, a realidade da aliança designada pelos profetas.150
Magnolfi151
ressalta que o motivo esponsal também surge nos Salmos, em especial no
Salmo 45, conforme seguem alguns excertos:
[...] És o mais belo dos filhos dos homens,
a graça escorre de teus lábios,
porque Deus te abençoa para sempre.
[...] Entre as tuas amadas estão as filhas do rei;
à tua direita uma dama, ornada com ouro de Ofir.
[...] que o rei se apaixone por tua beleza:
prostra-te à sua frente, pois ele é o teu senhor!152
O Rei-Messias tem sua beleza fundada e exaltada na benção divina, inclusive lhe são
aplicados os atributos de Iahweh153
e do Emanuel154
. “As tuas amadas”, acima citadas, podem
fazer referência às nações pagãs155
, convertidas ao Deus verdadeiro e admitidas ao seu
serviço, seguindo Israel156
, que há seu tempo e assim vestida, ingressa como Rainha157
no
palácio do Rei.
Magnolfi acrescentaria à descrição do Esposo:
[...] revestido de toda a beleza, tanto física como interior, com as
características mais excelsas para um rei, segue a apresentação igualmente
150 Cf. PELLETIER, Anne-Marie. Casal. In: LACOSTE, Jean-Yves (Dir.). Dicionário crítico de teologia. SP:
Paulinas, SP: Loyola, 2004, p. 355. Acrescente-se: “Eu sou do meu amado, seu desejo o traz a mim” – cf. Ct
7,11. 151 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,
p. 135. 152 Cf. Sl 45,3.10.12. Da nota de rodapé da BJ: “[...] este Salmo poderia ter sido canto profano para as núpcias de
rei israelita, Salomão, Jeroboão II ou Acab [...]. Mas a tradição judaica e a cristã interpretam com referência às
núpcias do Rei-Messias com Israel (figura da Igreja; cf. Ct 3,11; Is 62,5; Ez 16,8-13) e a liturgia por sua vez entende a alegoria, aplicando-a a Nossa Senhora”. Há, de fato, opiniões diferentes, como salientam Santos e
Pereira, citando Schökel e Carniti – cf. SANTOS, Manoel Augusto. PEREIRA, Edson. A esponsalidade de
Cristo com a Igreja. 1ª Parte: O Antigo Testamento. Op. cit., p. 460-461 e SCHÖKEL, Luís Alonso; CARNITI,
Cecília. Salmos I (salmos 1-72). Tradução, introdução e comentário. SP: Paulus, 1996, p. 630. 153 Cf. Sl 145,4-7.12-13. 154 Cf. Is 9,5-6. 155 Cf. Ct 1,3; 6,8; Is 60,3s; 61,5. 156 Cf. Sl 45,15-16. 157 Cf. Sl 45,16.
38
solene e majestosa da esposa. [...] Diz-se, por exemplo, que os lábios do
soberano estão cheios de “graça”; essa “graça” é antes de tudo uma qualidade
estético-moral, porque é derramada por Deus e se transforma naquela “graça”
que torna o eleito “gracioso” junto aos homens e aos olhos de Deus. Diz-se,
ainda, que lhe pertencem “esplendor e majestade”; estas duas palavras são
geralmente usadas para revelar qualidades divinas. São como que o manto de
luz com que Deus se envolve quando aparece ao homem, como em muitos
Salmos [...] um revérbero do esplendor de Deus.158
E com relação à Esposa:
[...] igualmente é “toda esplendor”, ornada de uma luz semelhante àquela que
acompanha a glória divina. Ela, com efeito, é filha de rei e esposa de rei e é
agora irradiação de esplendor em meio ao cortejo nupcial. Esta beleza tem seu
paralelo na simbologia da veste, expressa por aquele seu traje todo tecido de
ouro.159
Schökel e Carniti terminariam por dizer que na linha de uma tradição que não se
extingue no Antigo Testamento, mas se aprofunda e se enraíza na novidade do horizonte
cristão, “os símbolos da luta pela justiça, da eleição por amor e do matrimônio, da realeza,
abrem-se a nova expansão”160
; um processo que desemboca na reflexão patrística dos
primeiros séculos do cristianismo, enfatizando a relevância da esponsalidade como marco
teológico para compreensão da relação entre a comunidade cristã e seu Senhor.161
158 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,
p. 135. E também, cf. Sl 21,6; 96,6; 104,1; 111,3; 145,5.12. 159 Cf. Id. Acrescente-se: “Não devemos esquecer que o vestido de cerimônia é, em todas as culturas, sinal de
uma realidade mais profunda” – cf. Id. 160 Cf. SCHÖKEL, Luís Alonso; CARNITI, Cecília. Op. cit., p. 630. 161 Cf. MAGNOLFI, Maria. A Revelação do mistério da Igreja-Esposa. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit.,
p. 150-158.
39
CAPÍTULO II
Abrangência e Limites da Esponsalidade no Concílio Vaticano II
Este capítulo situa o cerne da problemática desenvolvida nesta pesquisa. A tradição
esponsal, com suas nuances bíblicas, evolui historicamente na compreensão eclesial até a
síntese elaborada pelo Vaticano II. Na Constituição sobre a Igreja, a esponsalidade é apenas e
tão somente uma entre inúmeras outras imagens da Igreja, à semelhança das reflexões
teológicas mais primitivas do cristianismo. Esta ordem sistemática do discurso conciliar
parece situar à margem um instrumento hermenêutico imagético de primeira ordem para
contemplar o mistério eclesial situado desde a teologia conciliar. Do exposto acima, deriva a
necessidade de expressar com clareza a abrangência e os limites da esponsalidade no Concílio
Vaticano II, para verificar e validar a relevância de uma reflexão teológica pautada nesta
imagem eclesial.
2.1 A Mentalidade do Concílio
São evidentes e irrenunciáveis as intuições originárias enunciadas pelo Papa João
XXIII a respeito da convocação do Concílio Vaticano II, como instrumento de revitalização
eclesial. A saber:
[...] julgamos ter chegado o tempo de oferecer à Igreja católica e ao mundo o
dom de um novo Concílio Ecumênico [...] no momento em que a Igreja
percebe, de modo mais vivo, o desejo de fortificar a sua fé e de se olhar na
própria e maravilhosa unidade; como, também, percebe melhor o urgente
dever de dar maior eficiência à sua forte vitalidade, e de promover a
santificação de seus membros, a difusão da verdade revelada, a consolidação
de suas estruturas. Será esta uma demonstração da Igreja, sempre viva e
sempre jovem, que sente o ritmo do tempo, e que, em cada século, se orna de
um novo esplendor, irradia novas luzes, realiza novas conquistas,
permanecendo, contudo, sempre idêntica a si mesma, fiel à imagem divina
impressa na sua face pelo Esposo que a ama e protege, Jesus Cristo.162
162 Cf. JOÃO XXIII. Constituição apostólica com a qual é convocado o Concílio Vaticano II. In:
DOCUMENTOS DO CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II (1962-1965). 4.ed. SP: Paulus, 2007, p. 12-13.
E ainda, acrescente-se: “O gesto do mais recente e humilde sucessor de Pedro que vos fala, de convocar esta
soleníssima reunião, pretendeu afirmar, mais uma vez, a continuidade do magistério eclesiástico, para o
40
Como, também, sua finalidade originária: “O que mais importa ao Concílio
Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado
de forma mais eficaz”163
. Complementada e explicitada, da maneira como segue:
A finalidade principal deste Concílio não é, portanto, a discussão de um e
outro tema da doutrina fundamental da Igreja, repetindo e proclamando [...]
Para isto, não haveria necessidade de um Concílio. Mas da renovada, serena e
tranqüila adesão a todo o ensino da Igreja, na sua integridade e exatidão
[...].164
Também indicou como deveriam ser combatidos os erros: “Agora, porém, a esposa de
Cristo prefere usar mais o remédio da misericórdia do que da severidade. Julga satisfazer
melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando
condenações”165
, mostrando-se “mãe amorosa para com todos, benigna, paciente, cheia de
misericórdia e bondade também com os filhos separados”166
.
Confirmadas que foram estas intuições, pelas palavras de seu sucessor o Papa Paulo
VI no encerramento do Concílio: “[...] toda esta riqueza doutrinal orienta-se apenas a isto:
servir o homem, em todas as circunstâncias da sua vida, em todas as suas fraquezas, em todas
as suas necessidades. A Igreja declarou-se como que escrava da humanidade [...] a idéia de
serviço ocupou o lugar central”167
. Em outras palavras:
[...] o magistério da Igreja, embora não tenha querido pronunciar-se com
sentenças dogmáticas extraordinárias sobre nenhum capítulo doutrinal, propôs,
todavia, o seu ensinamento autorizado acerca de muitas questões que hoje
comprometem a consciência e a atividade do homem. O magistério, por assim
dizer, desceu para dialogar com o homem; e conservando sempre a sua
apresentar, em forma excepcional, a todos os homens do nosso tempo, tendo em conta os desvios, as exigências
e as possibilidades deste nosso tempo” – cf. JOÃO XXIII. Discurso na abertura solene do Concílio. In:
DOCUMENTOS DO CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II (1962-1965). 4.ed. SP: Paulus, 2007, p. 21. 163 Cf. Ibid., p. 26. Acrescente-se: “[...] é necessário primeiramente que a Igreja não se aparte do patrimônio
sagrado da verdade, recebido dos seus maiores; e, ao mesmo tempo, deve também olhar para o presente, para as
novas condições e formas de vida introduzidas no mundo hodierno, que abriram novos caminhos ao apostolado
católico” – cf. Ibid., p. 26-27. 164 Cf. Ibid., p. 27-28. 165 Cf. Ibid., p. 28. 166 Cf. Ibid., p. 29. 167 Cf. PAULO VI. Homilia na conclusão solene do Concílio. In: DOCUMENTOS DO CONCÍLIO
ECUMÊNICO VATICANO II (1962-1965). 4.ed. SP: Paulus, 2007, p. 671.
41
autoridade e a sua virtude, adotou a maneira de falar acessível e amiga que é
própria da caridade pastoral. Quis fazer-se ouvir e entender por todos. [...] isto
é, falou aos homens de hoje, tais quais são.168
Não obstante, o enunciado acima, é possível também, sorver o chamado “espírito” do
Concílio Vaticano II, isto é, a mentalidade conciliar, de pelo menos duas fontes objetivas: da
letra documental169
, como da história das discussões que geraram os documentos conciliares,
que não é outra senão a história do próprio Concílio170
– como afirma Alberigo: “[...] a
história do Vaticano II não pode ser reconstruída a não ser sobre a base da análise crítica das
fontes [...]”171
.
A diversidade documental, propriamente dita, sinaliza os diversos direcionamentos da
reflexão dos Padres conciliares; portanto, embora versem sobre a realidade eclesial172
, se
forem considerados a partir das suas múltiplas características teológicas, sinalizam uma
grande abertura dialógica, que no corpo de cada um dos textos acabará salientado: a Igreja
dialogando consigo mesma a respeito de si e de seus desafios de presença no mundo.173
Neste
ínterim, dividem-se os críticos entre os defensores de uma postura de continuidade conciliar,
portanto a mentalidade do concílio não seria outra senão aquilo que a Igreja sempre elaborou
de si, mas recolocada aos tempos atuais em linguagem apropriada; os segundos,
promulgadores de um ideal de ruptura, portanto de clara novidade.
Alberigo prefere postular uma posição conciliadora entre os extremos desta discussão,
quando afirma:
168 Cf. Ibid., p. 670 – grifos nossos. 169 Consignada nos dezesseis documentos produzidos pelo Concílio Vaticano II, isto é, as duas constituições
dogmáticas Dei Verbum e Lumen Gentium, a constituição pastoral Gaudium et Spes, a constituição
Sacrosanctum Concilium, as três declarações Dignitatis humanae, Gravissimum educationis e Nostra aetate,
bem como os seus nove decretos Apostolicam actuositatem, Ad gentes, Christus Dominus, Inter mirifica,
Orientalium ecclesiarum, Optatam totius, Perfectae caritatis, Presbyterorum ordinis e Unitatis redintegratio. 170 Assinalada nas suas Atas e já criticada por inúmeros teólogos à distância de quarenta anos do evento conciliar
– cf. ALMEIDA, Antonio José de. Lumen Gentium. A transição necessária. SP: Paulus, 2005, p. 22. 171 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. Breve história do Concílio Vaticano II (1959-1965). Aparecida: Santuário, 2006,
p.14. Acrescente-se: “Evidentemente, a uma hermenêutica dos „textos‟ conciliares deve-se acrescentar uma
hermenêutica do Concílio enquanto „evento‟, „espírito‟, „movimento‟. Trata-se de identificar o „espírito‟ do Concílio, ou seja, aquele impulso espiritual de renovação que animou os trabalhos conciliares e que contagiou a
vida eclesial” – cf. ALMEIDA, Antonio José de. Op. cit., p. 22. 172 Como se diz tradicionalmente: ad intra e ad extra, isto é, para dentro e para fora da realidade eclesial. 173 Acrescente-se: “Do papa João XXIII nasceu a idéia mesma do concílio caracterizada por um „pensar grande‟,
pela convicção que a fé pudesse gerar um acontecimento histórico adequado às novas exigências da humanidade.
[...] O Vaticano II apresenta-se como um concílio empenhado em levar a Igreja a responder comunitária e
positivamente, ou seja, repropondo os conteúdos evangélicos essenciais à humanidade de hoje [...]” – cf. Ibid., p.
196. E ainda: “[...] foi a primeira vez que a Igreja se definiu a si mesma” – cf. CONGAR, Yves M.-J. À guisa de
conclusão. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). A Igreja do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965, p. 1285.
42
É interessante acentuar os elementos de continuidade entre as expectativas
delineadas antes do concílio e seus resultados. Apesar de uma considerável
correspondência entre muitas dessas expectativas e conclusões, parece,
todavia, que o Vaticano II terá complexivamente ultrapassado as expectativas,
realizando uma virada mais profunda e orgânica [...] Nasceu um concílio
novo, ou seja, diferente daqueles da tradição precedente, uma vez que não foi
determinado pela resposta a desvios heréticos, nem por exigências de
organização da cristandade, nem por emergências dramáticas, sem enfim
realizar um projeto bem determinado.174
Libanio, de modo semelhante, acentua “uma dupla leitura” permitida pelo Concílio:
[...] a leitura de continuidade acentua o permanente, o estrutural e considera a
história um fluxo contínuo. É feita muito a gosto da instituição, oferecendo
segurança, mas padecendo facilmente do viés ideológico e inibidor de
mudanças. A leitura de ruptura salienta o ponto da novidade criativa, muito
própria dos críticos e profetas, gerando insegurança, desagradando os senhores
da instituição, mas permitindo avanços.175
Embora, ele mesmo, em sua opinião, não hesite em sustentar a novidade do Vaticano
II, a partir de um referencial de ruptura para com uma mentalidade que prefere designar “pré-
moderna” ou “tradicional”, dita teocêntrica. Em oposição, o Concílio teria procurado falar
com a modernidade, a partir da modernidade das elaborações de diversos movimentos
eclesiais, ditos: bíblico, litúrgico, ecumênico, missionário, leigo, teológico e social,
historicamente contextualizados.176
E assim, resume:
O Concílio Vaticano II significou real ruptura em relação à mentalidade
predominante na Igreja católica até o final do pontificado de Pio XII. Essa
ruptura caracterizou-se pela passagem de uma visão pré-moderna do mundo
para uma visão moderna. E o Concílio foi esse divisor de águas, ao
174 Cf. Ibid., p. 195. 175 Cf. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II. Em busca de uma primeira compreensão. SP: Loyola,
2005, p. 11. Na obra citada acima o autor situa-se na leitura de ruptura, e justifica-o: “Assumiremos neste estudo
essa segunda leitura do Concílio Vaticano, e não o consideraremos na linha de Trento e Vaticano I. Trata-se de
uma preferência, que não implica nenhuma exclusividade radical. Está também presente uma continuidade que
eventualmente será indicada. [...] No entanto, a ótica principal do nosso trabalho focaliza a ruptura. Interessa-nos
apontar para as novidades que brotaram do Concílio a fim de incentivar o prosseguimento desse processo em vez
de introduzir freios estratégicos.” – cf. Ibid., p. 13-14. 176 Cf. Ibid., p. 15-56.
43
confeccionar os textos e ao dirigi-los precipuamente ao sujeito social
moderno.177
Para Lorscheider, “o novo [do Concílio] significa a acentuação de alguns aspectos que,
no decurso dos tempos, ou ficaram esquecidos ou perderam o seu vigor, na prática e na
reflexão pastoral-eclesiológica”178
. Neste sentido, ele “não veio para definir ou condenar, mas
para servir e salvar. Toda a sua postura não foi fuga do mundo, mas presença viva e atuante
em favor do mundo e da humanidade”179
, sob a égide de dois conceitos fundamentais:
“abertura crítica ao mundo de hoje”180
e “uma Igreja dialogante”181
; já explicitados pelo então
bispo de Santo Ângelo alguns meses antes do encerramento do Concílio.182
Esta “abertura crítica” compreende salutarmente, parafraseando novamente
Lorscheider, focalizar a participação ativa da Igreja na história humana, isto é, “o aspecto
encarnacionista do mistério da Igreja, a sua historicidade, com especial atenção aos sinais dos
tempos”183
. Enquanto, a “Igreja dialogante”, explica-se desde o diálogo que o próprio Deus,
através do seu Verbo, seu Filho, no Espírito Santo, trava com a humanidade; e disto: “Este
diálogo deve acontecer dentro da própria Igreja católica; [...] É um diálogo animado por um
amor fervoroso e sincero”184
. E sintetizando:
177 Cf. Ibid., p. 14. Entenda-se “sujeito social moderno” como o entende Libanio, isto é, “não são os indivíduos
considerados em sua singularidade, mas na qualidade de grupos ou classes sociais que assumem, desempenham
papel decisivo e primordial em certo momento da história” – para Libanio este “sujeito social moderno agiu
dentro e fora do Concílio [...] por meio das relações que ele criou com seus membros, peritos e padres
conciliares” – cf. Ibid., p. 12-13. 178 Cf. LORSCHEIDER, Aloísio. Linhas mestras do Concílio Ecumênico Vaticano II. In: SANTOS, Manoel
Augusto (Org.). Concílio Vaticano II: quarenta anos de Lumen Gentium. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005, p. 21.
Também publicado em: LORSCHEIDER, Aloísio; et alli. Vaticano II: 40 anos depois. 2.ed. SP: Paulus, 2006, p.
39-49. 179 Cf. LORSCHEIDER, Aloísio. Linhas mestras do Concílio Ecumênico Vaticano II. In: SANTOS, Manoel
Augusto (Org.). Op. cit., p. 26. 180 Dito “aggiornamento”, enquanto “exprime o aspecto encarnacionista do mistério da Igreja, a sua
historicidade, acentuando a necessidade de atenção aos sinais dos tempos” – cf. Ibid., p. 19. 181 Enquanto “diálogo” não seja “polêmica, controvérsia, discussão”, mas sim, “dar ao outro o testemunho de
uma convicção íntima que se tem, oferecendo, ao mesmo tempo, ao outro a oportunidade de, por sua vez, dar o
testemunho de sua convicção íntima” – cf. Id. Congar argumentaria: “Um diálogo significa que os outros não são unicamente passivos” – cf. CONGAR, Yves-Marie. Diálogos de outono, SP: Loyola, 1990, p. 17. 182 Acrescente-se: “Espelhando-se em Cristo, o Concílio procurou realizar o seu primeiro propósito: o
„aggiornamento‟ da Igreja, o diálogo da Igreja consigo mesma, a sua renovação interior” – cf. LORSCHEIDER,
Aloísio. O mistério da Igreja no Vaticano II. Porto Alegre: Departamento Regional de Teologia: Champagnat,
1965, p. 1. 183 Resumo do artigo do Cardeal Aloísio Lorscheider, já citado anteriormente em outros trabalhos, agora na
Apresentação da obra de Gonçalves e Bombonatto – cf. GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO,
Vera Ivanise (Org.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. 2.ed. SP: Paulinas, 2005, p. 6. 184 Cf. Id.
44
O Vaticano II trabalha com duas realidades: a revelação e a situação. Há uma
nova concepção teológica da salvação. A salvação não é colocada antes ou
depois do mundo, mas dentro do mundo. A salvação constrói-se neste mundo,
onde temos a as sementes do Verbo, embora não se esgote com a realidade e
na realidade deste mundo. É a teologia do Reino de Deus já presente e atuante
no mundo. O Evangelho é a semente evangélica colocada no coração da Igreja
e da humanidade. Por isso, não mais fuga do mundo, mas presença evangélica
atuante no mundo.185
Uma leitura mais contemporânea, apropriada aos teólogos Gonçalves e Bombonatto,
reafirma a “pertinência histórica” do Concílio Vaticano II, pois
[...] acolheu um contexto de renovação teológica e eclesial proveniente de
várias décadas e sistematizou conteúdos fundamentais que proporcionaram a
vivência de um novo espírito da Igreja em suas estruturas internas, em sua
relação com o mundo e em sua visão teológica e antropológica.186
E disso decorre, como conclui Gonçalves e Bombonatto, que: “Mesmo em meio às
tensões do tempo, do espaço e da cultura, a continuidade histórica do espírito do Concílio
Vaticano II é a afirmação de uma Igreja que abriu suas janelas para enxergar [...]”187
. De fato,
esta “Igreja aberta ao mundo” e em “diálogo com um mundo” tornou-se motivo de crítica
teológica dos peritos do Concílio, imediatamente após seu encerramento. Dentre eles,
sobressai Ratzinger, pelo teor de sua avaliação e pelo impacto histórico-eclesiológico de sua
teologia; a saber:
[...] o Vaticano II queria claramente, incorporar e subordinar o discurso da
Igreja ao discurso de Deus, queria propor uma Eclesiologia no sentido
propriamente teo-lógico, mas a recepção do Concílio, até agora, passou por
cima desta característica dominante, em favor de cada uma das afirmações
eclesiológicas, atirou-se a palavras-chave individuais e, assim, ficou aquém
das grandes perspectivas dos Padres conciliares.188
185 Cf. Ibid., p. 7. 186 Cf. Ibid., p. 419. E também, cf. ROUSSEAU, Olivier. A Constituição no quadro dos movimentos
renovadores de teologia das últimas décadas. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 115-134. 187 Cf. GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Org.). Op. cit., p. 420. 188 Cf. RATZINGER, Joseph. Caminhar juntos na fé. A Igreja como comunhão. Braga: Editorial A. O., 2005, p.
123. Houve, certamente, quem discordasse desta opinião e se manifestasse, no tempo oportuno, assim
45
O problema assinalado por Ratzinger parece fazer ressaltar o fator fundamentalista da
interpretação pós-conciliar, isto é, uma recepção que acabou por discutir mais as tendências
da reflexão conciliar e menos o resultado do ardoroso processo de construção do Concílio,
que decorre da sua documentação, como um todo. Justamente, o que parece ser o contrário
daquilo que se desejava da parte dos Papas no itinerário original do Concílio, como dos
especialistas citados acima. Ratzinger, também, abordou esta dificuldade, com relação à
qualificação teológica dos documentos conciliares, em especial da Constituição sobre a Igreja,
devido a sua Nota explicativa prévia189
, ainda durante a execução do Concílio:
[...] é um documento amadurecido através de anos de mais intensiva auto-
expressão da presente consciência de fé, como pregação ao mundo de hoje e
como base de sua renovação espiritual, que não pode estar sobre fundamentos
vacilantes. Não significa que o texto seja irreformável nas particularidades de
suas formulações e direções de idéias, ou mesmo de suas citações da Escritura
e dos Padres. Significa, porém, que no conjunto dos textos doutrinários dos
tempos mais recentes a essa Constituição cabe um significado preferencial,
como uma espécie de ponte para a interpretação.190
As críticas apresentadas acima, da parte de Ratzinger, não o impediram de reconhecer
a “abertura ao mundo” enquanto novidade proporcionada pelo Concílio, sob a forma de um
novo realismo da teologia, do derrubamento das fronteiras na Igreja, da ideia de diálogo e a
aceitação da autonomia das ordens mundanas. Como afirma:
teologicamente. Faz-se prudente recordar aqui apenas como indicação, justamente por não corresponder aos
objetivos desta elaboração, a contribuição de Comblin, cf. COMBLIN, José. O povo de Deus. 2.ed. SP: Paulus,
2002, como também, do já recordado Libanio, cf. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II, p. 205-213.
Sobre a recepção do Concílio, também cf. DOMÍNGUEZ, José Arturo. Las interpretaciones posconciliares. In:
RODRÍGUEZ, Pedro (Dir.). Eclesiología 30 años después de “Lumen Gentium”. Pueblo de Dios – Cuerpo de
Cristo – Templo del Espíritu Santo – Sacramento – Comunión. Madrid: Rialp, 1994, 39-87 e RATZINGER,
Joseph. El nuevo pueblo de Dios. Esquemas para una eclesiología. Barcelona: Herder, 1972, p. 335-356. 189 A Nota explicativa prévia tinha por objetivo explicitar o “espírito e o sentido” como deveria ser explicada e
compreendida a doutrina exposta no capítulo III da Constituição sobre a Igreja – cf. Notificações feitas pelo
Exmo. Secretário Geral na 123ª Congregação Geral (16 de novembro de 1964). In: DOCUMENTOS DO
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II (1962-1965). 4.ed. SP: Paulus, 2007, p. 193-194. 190 Cf. RATZINGER, J. A colegialidade episcopal. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 788 – grifos
nossos. E ainda, acrescente-se: “Justamente o objetivo desse texto [Nota explicativa prévia] não é absorver as
forças dos teólogos; seu sentido é antes de levá-los acima deles e guiá-los mesmo às fontes do perpétuo
rejuvenescimento de toda a teologia: à Sagrada Escritura e aos ricos tesouros que dos escritos dos Padres devem
ser explorados como novos, de geração em geração” – cf. Id.
46
Comparado com certas tendências que se desenvolveram no século XIX e na
primeira metade do século XX, representa sem sombra de dúvida uma ruptura,
contudo uma ruptura que comporta uma mesma motivação fundamental. É
possível dizer que o concílio marca a passagem de uma situação em que se
parecia ter alcançado um máximo de cristianização, cuja manutenção e
fortalecimento se considerava a tarefa mais importante, para uma situação em
que se deve reconhecer de novo o radical posicionamento minoritário do
cristianismo, que exige não manutenção, mas uma existência missionária.191
Neste horizonte de interpretação, parece oportuno, a modo de síntese da mentalidade
do Concílio, o esboçado por Congar também às vésperas da última sessão do Vaticano II:
[...] um concílio toca a Igreja em profundidade e prolonga sua ação durante
gerações, mesmo durante séculos. É que ele põe por obra as forças de toda a
catolicidade, numa espécie de concelebração cujo principal celebrante é o
Espírito Santo, prometido à assembléia fraterna reunida em nome do Senhor.
Essa cooperação humana e mística findou no ato supremo do magistério que
foi a proclamação do texto [...].192
No excerto acima, Congar tem em mente a “aprovação litúrgica e canônica”193
da
Constituição sobre a Igreja, mas o aplicável a um texto conciliar parece poder aplicar-se ao
Concílio como um todo na busca da compreensão do seu itinerário teológico, como aqui se
faz: o “espírito” que o conduz não é outro senão o Espírito de Cristo; que também conduz a
sua Igreja no seu processo dialógico entre si, e de modo especial através do Concílio com o
mundo, cujo resultado final é a elaboração textual que contém a explanação do conteúdo da fé
para os dias atuais, como tanto o desejava seu idealizador o Papa João XXIII, bem como seu
finalizador o Papa Paulo VI.194
191 Tradução de: “Comparado con ciertas tendencias que se desarrollaron en el siglo XIX y en la primera mitad
del XX, representa sin género de duda una ruptura, pero una ruptura dentro de una intención en que parecía
alcanzado un máximo de cristianización, cuya conservación y afianzamiento se consideraba como la tarea más
importante, a una situación en que debe reconocerse de nuevo la radical postura minoritaria del cristiano, que pide no conservación sino una existencia misionera” – grifos nossos – cf. RATZINGER, Joseph. El nuevo
pueblo de Dios. Esquemas para una eclesiología. Barcelona: Herder, 1972, p. 332-333. 192 Cf. CONGAR, Yves M.-J. À guisa de conclusão. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 1286. Nesta
citação, Congar faz referência a outro texto, produzido por ele mesmo, após a terceira sessão do Concílio
Vaticano II, aqui citado da edição disponível impressa um ano depois – cf. CONGAR, Yves. Le Concile au jour
le jour. Troisième session. Paris: Du Cerf, 1965, p. 9-39. 193 Cf. CONGAR, Yves M.-J. À guisa de conclusão. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 1286. 194 Congar recorda que, embora o Concílio não tenha como prerrogativa formular novos dogmas, nem por isso
seus documentos deixam de gozar de autoridade. Para tanto, cita o texto da recém-aprovada Lumen Gentium que
47
Almeida acrescentaria assim:
Não se trata, de forma alguma, de separar nem de opor “espírito” e “letra” do
Concílio, preferindo aquele a esta, ou vice-versa. [...] Não obstante o limite
inerente aos textos conciliares, o “espírito” do Concílio – ainda que os
transcenda – está ligado aos textos, está mesmo nos textos. Sem os textos, o
“espírito” do Concílio se esvai, como fogo-fátuo ou fantasma inalcançável;
sem o “espírito”, porém, os textos não passariam de “letra morta”, que sem o
Espírito, mata e não salva.195
Assim lido e interpretado, à luz do seu “espírito”, o Vaticano II ecoa na história como
o Concílio que conseguiu apresentar-se “pastoral” sem descurar seu caráter “doutrinal”,
justamente por evidenciar que o “pastoral faz parte da doutrina, mas exprimindo-se na
história, no tempo e no mundo atual”196
. Um Concílio capaz de integrar o passado e o
presente da fé, na historicidade dinâmica da sua Tradição.197
2.2 A Eclesiologia do Vaticano II
Conforme o exposto anteriormente, o Concílio não quis repetir verdades antigas, mas
desejou atualizar a milenar consciência que a Igreja tem de seu próprio mistério como fonte
de evangelização. Neste sentido, parafraseando Hackmann, a Constituição sobre a Igreja
reflete uma eclesiologia enquanto a autoconsciência que a Igreja no Vaticano II tem de si
mesma. E completa, acentuando: “Seu valor está na visão orgânica do mistério da salvação e
afirma que os bispos entre si e em comunhão com o Sucessor de Pedro, na expressão da sua colegialidade em
concílio, de modo especial e significativo, “enunciam de modo infalível a doutrina de Cristo”; e a isto, deve-se
aderir “com assentimento de fé” – cf. Ibid., p. 1286-1287. E também, cf. Lumen Gentium, 25. 195 Cf. ALMEIDA, Antonio José de. Op. cit., p. 23. 196 Cf. CONGAR, Yves-Marie. Diálogos de outono, p. 9-10. Argumentá-lo-ia ainda como segue: “É verdade que
algumas pessoas abusaram desse título para dizerem: já que é pastoral, ele não é doutrinal. Isso é absolutamente falso: ele é doutrinal, mas doutrinal-pastoral, isto é, pertencente a uma doutrina que requer ser aplicada
historicamente, que não é uma espécie de „terra de ninguém‟, entre o céu e a terra, um tipo de quadro absoluto,
imutável, intocável” – cf. Ibid., p. 10. 197 Acrescente-se: “[A Tradição] é uma realidade viva, e não a transmissão material de uma coisa que será
retomada sem, modificações. Trata-se da vida de um princípio por todo o decorrer da sua história. [...] a
novidade do Vaticano II consistiu em grande parte na admissão da historicidade da Igreja, das Escrituras etc.
Historicidade não quer dizer, de forma alguma, algo de totalmente novo: retoma-se o anterior, mas em condições
originais. Trata-se da famosa adaptação. [...] Estou convencido de que o Vaticano II se insere na Tradição. Mas,
evidentemente, trouxe elementos novos” – cf. Ibid., p. 11.
48
do mistério da história humana, procurando colocar no centro aquilo que é essencial e
imutável, mostrando claramente as dimensões interiores da Igreja”198
.
Os próximos itens têm por objetivo aprofundar este processo de autoconhecimento da
Igreja revelando suas nuances em vista da situação da esponsalidade no conjunto orgânico
desses elementos, que integrados parecem ter o potencial de oferecer ao mundo atual uma
clara ilustração do mistério eclesial.
2.2.1 Um Concílio Eclesiológico
Afirma-se do Vaticano II, que sendo pastoral tornou-se um Concílio eclesiológico.
Assim, o argumentou o Cardeal Lorscheider recordando que o itinerário original idealizado e
legitimamente ensinado pelo Papa João XXIII procurou qualificar o Concílio como
“pastoral”, isto é, diferentemente dos anteriores “teria que se preocupar fundamentalmente
com o caminho necessário para o mundo de hoje abrir-se ao Evangelho”199
. No entanto, seu
falecimento entre a primeira e segunda sessões conciliares fez emergir no cenário eclesial o
Papa Paulo VI “que acrescentou o elemento eclesiológico”200
à reflexão do seu antecessor e
ao itinerário por ele definido. Não que este elemento estivesse completamente ausente: até,
porque, o anúncio do Evangelho de Jesus Cristo é prerrogativa irrenunciável da Igreja e da
sua missão, desde os tempos primitivos do cristianismo; no entanto, uma Igreja preocupada
com o modo de anunciar, precisaria ter plena, autêntica e profunda consciência de si mesma e
de seu significado.201
Alberigo sustenta que desde o encerramento da primeira sessão conciliar “já estava
claro que o tema característico do Vaticano II devia ser a Igreja”202
, o que acabou sendo
acentuado nas sessões seguintes pelo espaço dedicado ao estudo, elaboração e re-elaboração
198 Cf. HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. Igreja, que dizes de ti mesma? E as eclesiologias. In: SANTOS,
Manoel Augusto (Org.). Op. cit., p. 86. E acrescente-se: “El concilio Vaticano II ha sido en contecimiento
fundamental a través del cual se ha perguntado la Iglesia por su sentido y quehacer en el mundo contemporáneo.
Fue uma toma de conciencia profunda de la Iglesia sobre sí misma desde sus raíces en Jesucristo, fue um acto de
presencia en el mundo con um espírito comprensivo y servicial „simpático‟ y evangelizador, y fue una adopción
de actitudes que están llamadas a marcar durante mucho tiempo su rumbo” – cf. BLAZQUEZ, Ricardo. La
Iglesia del Concilio Vaticano II. 2.ed. Salamanca: Sigueme, 1991, p. 14-15. 199 Cf. LORSCHEIDER, Aloísio. Linhas mestras do Concílio Ecumênico Vaticano II. In: SANTOS, Manoel
Augusto (Org.). Op. cit., p. 17. 200 Cf. Id. 201 Assim, a Igreja que emerge do Vaticano é, segundo Lorscheider: “aberta à comunidade como forma de viver
a vida cristã e estar presente no mundo”; “uma Igreja servidora e solidária” e “dialogante” – cf. Ibid., p. 21-23. 202 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos. 3.ed. SP: Paulus, 2005, p. 407. Não obstante,
o Papa Paulo VI tenha iniciado a segunda sessão conciliar, em 29 de setembro de 1963, re-enumerando as
prerrogativas definidas pelo Papa João XXIII: “a exposição da teologia da Igreja, a sua renovação interior, a
promoção da unidade dos cristãos, e, enfim, o diálogo com o mundo contemporâneo” – cf. Ibid., p. 410.
49
do Esquema que versava sobre a Igreja.203
E assim, a Constituição sobre a Igreja, “passará
indubitavelmente à história como o documento central do Concílio [...], está situada no ponto
de confluência das grandes preocupações [...] e projeta fachos de luz sobre todos os outros
pronunciamentos [...]”204
, como afirmara Baraúna. E complementara:
[a Constituição sobre a Igreja] nada mais é que uma nova plataforma de
lançamento e de projeção para o futuro. Ela injetou sangue novo na
comunidade católica e cristã. Urge agora fazer que este novo plasma entre a
fazer parte da sua circulação vital, passe a renovar-lhe as fibras e os tecidos,
até a última célula. O fermento já foi depositado na massa. Mas o processo de
fermentação está apenas iniciado [...]205
.
Também é oportuna a menção de De Lubac a respeito do exposto acima:
[...] é realmente em virtude de uma lógica profunda que esse Concílio reunido
no século XX devia ser levado a tratar amplamente da Igreja. E isto não
somente porque era preciso concluir, um dia, o trabalho empreendido no
século passado e então deixado em suspenso, ou porque mister se fazia, afinal,
ao cabo de séculos de cisma, resolver a situar o catolicismo em relação às
outras famílias cristãs e a manifestar a plenitude dele [...]. Seja qual tenha
sido, no preparo dele, a parte das iniciativas individuais ou a dos acidentes da
história, esse grande texto conciliar [a Constituição sobre a Igreja] é o
desfecho de um movimento irreprimível, interior à consciência cristã. A Igreja
devia “dizer-se, um dia, a si mesma, explicitamente, o que ela pensa de si
mesma”. Soara a hora de dizê-lo. Esse texto traz, de alguma sorte, o selo da
necessidade.206
Como reflexo desse movimento interior à consciência cristã, movimento de abertura e
integrador, a Constituição sobre a Igreja, no coração do Concílio, surge como o resultado da
cooperação do episcopado mundial, com seu Papa inserido e presidindo este colégio – cerca
203 Cf. Ibid., p. 410-413. 204 Cf. BARAÚNA, Guilherme. Prefácio. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 21. 205 Cf. Ibid., p. 26. 206 Cf. DE LUBAC, Henri. Liminar. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 28 – grifos nossos. E
acrescente-se: “A nova Constitutio de Ecclesia [...] trata do tema principal do Concílio” – cf. Ibid., p. 28.
50
de dois mil e quinhentos bispos – unidos pela “força da sua comunhão, gerada e sustentada
pelo Espírito Santo”207
, em vista da comunicação do mistério eclesial.
Libanio, em reflexão bastante atual, enfatizando a leitura eclesiológica como “chave
principal”208
de interpretação do Concílio Vaticano II, recorda a posição teológica defendida
por Acerbi, no tocante a subsistência de dois posicionamentos eclesiológicos entrelaçados na
teologia conciliar.
Uma eclesiologia hegemônica, realçada na Constituição sobre a Igreja, que ressalta a
Igreja em analogia a Cristo, isto é, “o Senhor glorioso é-lhe princípio de vida [...] a plenitude
da revelação [...] Ele ocupa a posição central”209
, é de fato, Jesus, a Luz dos povos. A Igreja se
compreende em Cristo, divina e humana; inacabada e a caminho da sua plenitude. Por outro
lado, enfatiza Libanio, há a resistência de um resíduo eclesiológico do Vaticano I que
propugnava uma Igreja “hierárquica primacial e clerical”210
, o que sustenta “tensões em
aberto”211
na eclesiologia conciliar, com dificuldades para a integração do espírito dialógico
do Concílio.
De um modo, ou de outro, a índole eclesiológica do Vaticano II, como afirma Libanio,
não é outra senão a de uma Igreja capaz da sua autocrítica, em diálogo com o mundo exterior
à sua proclamação de fé e disposta à integração dos benefícios da modernidade para
comunicação da Luz de Cristo para todos os povos.212
Arias enfatiza finalmente, que o Concílio não teve apenas um espírito eclesiológico,
nem apenas relacionou eclesiologias, mas foi um acontecimento que estruturou um “projeto
de Igreja”213
pautado na “autocompreensão da Igreja frente ao mundo moderno, diante de
Deus e diante dos homens [...] como Povo de Deus em comunhão”214
, que precisa ser
continuamente recordado, relido e redescoberto para ser capaz de realizar seu intento. E com
relação a esta assimilação ou recepção contínua do itinerário eclesiológico formulado pelo
Vaticano II, reconhece:
207 Cf. ALMEIDA, Antonio José de. Op. cit., p. 13. Mesmo que o Concílio Vaticano II não tivesse escolhido
tratar do mistério da Igreja, não se pode descurar que todo “concílio é, na verdade, a expressão máxima da
comunhão eclesial em sua dimensão visível e institucional” – cf. Ibid., p. 14. 208 Cf. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II, p. 101-105. 209 Cf. Ibid., p. 102. 210 Cf. Ibid., p. 103. 211 Cf. Ibid., p. 104. 212 Cf. Ibid., p. 104-105. 213 Cf. ARIAS, Gonzalo Tejerina. Concilio Vaticano II. Acontecimiento y proyecto de Iglesia. In: ARIAS,
Gonzalo Tejerina (Coord.). Concilio Vaticano II: acontecimiento y recepción. Estudios sobre el Vaticano II a los
cuarenta años de su clausura. Salamanca: Universidad Pontificia de Salamanca, 2006, p. 11-32. 214 Tradução: “[...] autocomprensión de la Iglesia, en el mundo moderno, ante Dios y ante los hombres […] como
Pueblo de Dios en comunión” – cf. Ibid., p. 27.
51
O convite para fazer da Igreja uma viva communio pela força da Palavra, que
seja um sinal de salvação para o mundo inteiro, permanece um chamamento
perfeitamente válido e exigente. O caráter eclesiológico do Concílio não deve
impedir uma leitura que com alguma radicalidade situa o discurso eclesial no
propósito mais global de tomada de consciência da grave crise do sentido
religioso no atual desenvolvimento da humanidade e de resposta a ela.215
Assim, Arias situa a hermenêutica eclesiológica do Concílio na direção da construção
de uma “religião humanizadora”216
, isto é, uma Igreja que tem como identidade sua abertura
dialógica para com todos os horizontes humanos, para neles plasmar Cristo.
2.2.2 A História da Constituição sobre a Igreja217
A Constituição sobre a Igreja e seu Esquema de estudo eclesiológico ocupou espaço
nas discussões dos Padres conciliares pelo menos em três das quatro sessões do Vaticano II,
vindo a ser aprovada, no encerramento da terceira seção em 21 de novembro de 1964, com
2.151 votos favoráveis e 5 contrários.218
Foram inúmeras as dificuldades enfrentadas pelo Esquema sobre a Igreja, elaborado
pela comissão preparatória, desde o primeiro período do Concílio, conforme afirmara
Kloppenburg: “Criticou-se a estrutura, o método fundamental, a argumentação, o conteúdo, o
espírito”219
; e aprofunda Alberigo:
215 Tradução: “La invitación a hacer de la Iglesia una viva communio bajo la fuerza de la Palabra, que sea un
signo de salvación para el mundo entero, permanece como un llamamiento de perfecta validez y exigencia. El
carácter eclesiológico del Concilio no debe impedir una lectura que alguna radicalidad sitúa el discurso eclesial
en un propósito más global de toma de conciencia de la grave crisis del sentido religioso en el actual momento
de desarrollo de la humanidad y de respuesta a ella” – cf. Ibid., p. 31. 216 Cf. Id. 217 Esta pesquisa prefere restringir-se a uma abordagem histórica da elaboração da Constituição dogmática sobre
a Igreja, no curso do Concílio Vaticano II. Sobre sua etapa preparatória, cf. BETTI, Umberto. Cronistória da
Constituição. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p.135-139 e RODRÍGUEZ, Pedro. La Iglesia: misterio
y misión. Diez lecciones sobre La eclesiología del Concilio Vaticano II. Madrid: Cristiandad, 2007, p. 17-48. Para uma compreensão mais abrangente da história do Concílio Vaticano II como um todo, cf. ALBERIGO,
Giuseppe. Breve história do Concílio Vaticano II (1959-1965), e de modo mais aprofundado cf. ALBERIGO,
Giuseppe. História dos concílios ecumênicos. 3.ed. SP: Paulus, 2005. E em leitura mais contemporânea, cf.
SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, Paulo
Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Org.). Op. cit., p. 17-67. 218 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos, p. 429. 219 Cf. KLOPPENBURG, Boaventura. As vicissitudes da Lumen Gentium na Aula Conciliar. In: BARAÚNA,
Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 197. Sobre o conteúdo específico das críticas dos padres conciliares, cf. Ibid., p.
197-200.
52
[...] levantaram-se graves objeções não só em relação à sua redação, mas
também à linha eclesiológica que o inspirava. Ele parecia pouco sintonizado
com a elaboração teológica mais recente e ainda ligado demais aos aspectos
institucionais da Igreja, em prejuízo dos aspectos mistéricos, pouco sensível às
questões ecumênicas, sobretudo ao abordar o problema crucial dos membros
da Igreja; também o tema do episcopado era apresentado numa perspectiva
subalterna em relação às prerrogativas do ofício papal.220
O teor das críticas levou à reformulação do Esquema entre a primeira e a segunda
sessão conciliar, conduzida fundamentalmente pelo teólogo belga G. Philips.221
O novo
Esquema, já aprovado pelo Papa João XXIII para envio aos bispos, em 22 de abril de 1963,
comportava: “Em vez dos 12 capítulos do esquema preparatório, o novo contava só com 4,
que tratavam do mistério da Igreja, da sua constituição hierárquica, dos leigos e do povo de
Deus e, enfim, dos estados religiosos de perfeição”222
; que foram tratados na segunda sessão
conciliar.223
E na crítica de Alberigo:
A estrutura documento ficava, assim, profundamente renovada, embora dom
Philips houvesse reutilizado não poucas passagens do texto preparatório,
reduzindo desse modo a oposição dos teólogos “romanos” ao novo texto,
ainda que pagando o preço de uma menos coerência teológica da exposição.224
Os Padres conciliares apresentaram ao Esquema de Philips cerca de 4.000 emendas,
orais ou por escrito, o que resultou numa nova revisão e aperfeiçoamento por parte da
220 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos, p. 405. 221 Em 1965, no ano do encerramento do Concílio, Kloppenburg afirmara: “Falou-se, todavia, abertamente na
imprensa que a Comissão teológica se decidira fundamentalmente pelo ensaio de esquema belga elaborado por
Philips, que continuou depois, até a solene promulgação do documento, a alma e o principal redator do texto” –
cf. KLOPPENBURG, Boaventura. As vicissitudes da Lumen Gentium na Aula Conciliar. In: BARAÚNA,
Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 200. O mesmo não negara ter havido outras propostas de esquema oriundos do Santo Ofício, dos teólogos alemães, dos franeceses, chilenos e espanhóis, cf. Id. 222 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos, p. 408. E também, cf. KLOPPENBURG,
Boaventura. As vicissitudes da Lumen Gentium na Aula Conciliar. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p.
201. 223 Sobre a avaliação crítica dos padres conciliares, cf. Ibid., p. 201-217. 224 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos, p. 408. E também, cf. CONGAR, Yves.
L’Iglise. De Saint Augustin à l‟époque moderne. Paris: Du Cerf, 2007, p. 413-458 e HACKMANN, Geraldo
Luiz Borges. A amada Igreja de Jesus Cristo: manual de eclesiologia como comunhão orgânica. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2003, p. 45-58.
53
Comissão Teológica, com uma nova metodologia para facilitar as correções do texto até sua
aprovação final.225
A crítica de Philips226
destes acontecimentos é bastante pormenorizada, contudo seria
inadequado transcrevê-la nesta monografia, uma vez que ênfase deste trabalho não é histórica,
mas teológica – aqui, a história é apenas um instrumental de acesso ao conteúdo teológico
desenvolvido na construção da Constituição sobre a Igreja. De um modo ou de outro, o texto
final aprovado fincou-se como um marco referencial, isto é, “a pedra angular”227
dos
documentos conciliares aprovados.
Para Betti a Constituição sobre a Igreja tonar-se-ia a “Carta Magna a que se deverá
referir-se qualquer ulterior aprofundamento da doutrina sobre a Igreja”228
. E concluindo,
acrescentara:
Este resultado, quase até a véspera, inesperado, além de efeito da assistência
do Espírito Santo, é mérito de todos os bispos, que nunca, como nesta
circunstância, mostraram ser uma coisa só com o sucessor de Pedro. [...] As
vicissitudes que acompanharam o texto na sua trabalhosa evolução talvez
hajam incidido um pouco negativamente na formulação do mesmo. Mas isto
está na natureza das coisas, e também os outros Concílios fizeram a mesma
experiência: uma fórmula dogmática pode ser expressa de muitas maneiras; e
esta pluralidade de expressão já diz da perfectibilidade de cada uma.229
225 Cf. KLOPPENBURG, Boaventura. As vicissitudes da Lumen Gentium na Aula Conciliar. In: BARAÚNA,
Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 218-241. Inclusive foi apresentada uma Nota explicativa prévia, “por ordem da
Autoridade Superior”, que segundo Alberigo “apresentava-se como uma interpretação do próprio capítulo [o
terceiro, sobre a estrutura hierárquica], proposta aos padres pelo comissão teológica antes que se passasse às
votações das emendas; na realidade, resultava da preocupação do Papa de levar em conta também os argumentos da minoria conciliar, buscando assim formulações que pudessem obter unanimidade na votação definitiva” – cf.
ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos, p. 427. 226 Cf. PHILIPS. A Igreja e seu mistério no II Concílio Vaticano. História, texto e comentário da Constituição
Lumen Gentium – Tomo I. SP: Herder, 1968, p. 9-73. 227 Cf. Ibid., p. 1. E acrescenta: “E não é de admirar. A doutrina da natureza da Igreja ocupava o centro do
interesse da teologia desde o fim da primeira guerra. [...] Não é suficiente que ela nos proponha seus dogmas;
nós instamos para que nos diga com que autoridade se apresenta a nós explicando sua missão essencial” – cf. Id. 228 Cf. BETTI, Umberto. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 159. 229 Cf. Id.
54
2.2.3 Linhas Teológicas Fundamentais da Constituição sobre a Igreja
Como ponto de partida, apresenta-se válida a síntese de Alberigo, sobre esta
constituição eclesiológica, “a única que recebeu o qualificativo de dogmática ao lado daquela
relativa à Palavra de Deus”230
; a saber:
[A Constituição sobre a Igreja] tem seus pontos fortes nos três primeiros
capítulos, nos quais o concílio, no sulco da tradição patrística e da renovação
teológica da primeira metade do séc. XX, apresenta a Igreja como
“sacramento em Cristo, luz dos povos”, como momento crucial do desígnio de
salvação do Pai, que tem como meta o reino, o qual, por isso mesmo, é distinto
da Igreja. A imagem paulina do corpo de Cristo é utilizada também pelo
Vaticano II, mas no contexto da rica e complexa articulação das imagens
bíblicas da Igreja, que exaltam a variedade de aspectos e de membros: um
povo peregrino na história, caminhando em direção ao cumprimento da
salvação. Povo com o qual Deus renovou uma aliança eterna, que culminou na
cruz e na ressurreição de Cristo; com Jesus e por obra do Espírito, todos os
membros da Igreja participam, na fé, do sacerdócio comum, que exercem
primariamente nos sacramentos, na comunhão recíproca, no serviço aos
homens, de acordo com os carismas que cada um recebeu. A comunidade
eclesial vive na sociedade humana e participa da sua aventura, mas, porque
“católica” e missionária, não se identifica com nenhuma condição em
particular: social, cultural, racial. A Igreja de Cristo se realiza na Igreja
católica, presidida pelo pontífice romano, mas não se esgota nela.231
A reflexão acima procura sintetizar a teologia da Constituição sobre a Igreja e, faz
ressaltar, esta designação de Igreja que parece condizer claramente com o objetivo da
construção do documento explicitado no item anterior: a Igreja é como que “o momento
crucial do desígnio de salvação do Pai”, que deseja iluminar todos os povos com a luz da
salvação que irrompe de Jesus Cristo, seu Filho. O objetivo final da Igreja é o Reino de Deus,
para o qual estão convidados todos os seres humanos a participar. Contudo, como “momento
crucial” deste desígnio de congregação da humanidade, a Igreja distingue-se do Reino,
embora esteja também ela direcionada para sua consecução. Logo, do exposto, deriva a
concepção não de uma sociedade perfeita, imagem idêntica ao Reino na terra, mas uma
230 Cf. ALBERIGO, Giuseppe. História dos concílios ecumênicos, p. 429. 231Cf. Ibid., p. 429-430 – grifos nossos.
55
imagem mais humilde, aberta ao diálogo e consciente da sua limitação temporal; serva da
humanidade, enquanto faz resplandecer a luz do seu Salvador e Senhor.232
Almeida prefere falar da teologia da Constituição sobre a Igreja como uma
eclesiologia de transição, uma “necessária transição”233
de imagem eclesial que demonstra a
maturidade da Igreja de compreender-se distinta na sua natureza e na sua consecução
histórica, como foi propugnado pelo Concílio.234
Esta nova imagem eclesial, nova porquê
atualizada pela reflexão do Concílio, pauta-se em princípios enunciados pelo teólogo; dentre
eles seguem os que parecem ser os mais importantes:
i. Uma transição de linguagem: do conceitual e jurídico, para o imagético.235
ii. De uma Igreja voltada para si, para uma Igreja voltada para Cristo.236
iii. De uma eclesiologia critomonista, para uma eclesiologia trinitária.237
iv. De uma Igreja autofinalizada, para uma Igreja reinocêntrica.238
v. De uma Igreja comprometida com o poder, para uma Igreja solidária com os
pobres.239
Almeida ressalta ainda que grande é riqueza teólogica da Constituição a ponto de não
ser possível esgotá-la em alguns princípios, mesmo que genericamente elaborados. Isto faz
notar, como afirma, que entre as chamadas “imperfeições” ou “limites” do texto conciliar está
a dificuldade de uma síntese dos elementos teologicamente articulados; que parece ter ficado
legado às gerações futuras como meta a atingir.240
Neste sentido, Libanio prefere falar de
“tendências”241
eclesiológicas, ou ainda de “deslocamentos fundamentais de significado”242
,
que a seu modo apontam para a possibilidade de “uma nova figura do pensar teológico e da
pastoral que afetam a totalidade da Igreja”243
. E desta nova figura multifaceda o que assoma
indubitavelmente é o “mistério”244
.
232 Cf. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II, p. 107-147. Libanio falaria de uma inversão eclesiológica
de uma base “apologética, abstrata, jurídica” para o “mistério da Igreja”, considerando o primeiro capítulo da
Lumen Gentium – cf. Ibid., p. 108. E concorda Almeida, cf. ALMEIDA, Antonio José de. Op. cit., p. 47-56. 233 Cf. Ibid., p. 15. 234 Aqui cabe a distinção articulada pelo teólogo do movimento de compreensão de si mesma, ad intra, que teve
como espaço de desenvolvimento na Lumen Gentium, e do movimento de compreensão do seu papel na história,
ad extra, na Gaudium et spes. Em ambos ambientes teológicos há transições de mentalidade e linguagem
indispensáveis para compreender a “nova” imagem da Igreja para si e para o mundo atual – cf. Ibid., p. 16. 235 Cf. Ibid., p. 47-56. 236 Cf. Ibid., p. 57-60. 237 Cf. Ibid., p. 61-66. 238 Cf. Ibid., p. 67-72. 239 Cf. Ibid., p. 115-132. 240 Cf. Ibid., p. 191-194. 241 Cf. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II, p. 144. 242 Cf. Ibid., p. 145. 243 Cf. Id. 244 Cf. Ibid., p. 146.
56
Esse [mistério] acontece na história para a salvação dos seres humanos e a
Igreja é dele sacramento. Em sua visibilidade, é povo de Deus que representa,
significa e faz presente entre os humanos o Reino de Deus. Sua universalidade
não é abstrata nem anterior, mas se realiza em cada Igreja particular. Estas,
espalhadas pelo mundo, comungam entre si e com o bispo de Roma,
constituindo-se a Igreja católica. [...] Descobre na história humana os sinais
dos tempos, apontando para a ação de Deus. Sabe-se cada vez mais feita de
fiéis leigos a serviço dos quais a hierarquia se constitui. E recuperando uma
piedosa tradição mariana situa a Virgem no seu coração como a fiel seguidora
de Cristo. E ela toda se põe a caminho da escatologia final, vivendo em
antecipação momentos de plenitude. Entende sua vocação à santidade como
um chamado de Deus a todos os membros.245
A leitura de Hackmann exalta não a eclesiologia em sentido genérico, mas a
compreensão plural que emerge da autoconsciência que a Igreja tem de si mesma, não apenas
no cenário apropriado ao Vaticano II, mas desde a antiguidade. E neste sentido, faz-se
legítimo falar em termos de “eclesiologias”246
. Assim, na sua compreensão, há que se falar
das novidades teológicas para a reflexão eclesiológica suscitadas pela Constituição sobre a
Igreja, como também das eclesiologias nascidas destas novidades, como ainda daquilo que
chamará de desvios eclesiológicos pós-conciliares.
Dos princípios teológicos que figuram como novidade no cenário eclesiológico
ressalta a “dimensão cristocêntrica”247
que apresenta a Igreja como mistério de Cristo, a
“dimensão pneumatológica”248
que manifesta a dependência da Igreja da ação do Espírito
Santo, a “dimensão sacramental”249
que dá sustentabilidade à razão da historicidade da Igreja
245 Cf. Ibid., p. 146-147. 246 Cf. HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. Igreja, que dizes de ti mesma? E as eclesiologias. In: SANTOS,
Manoel Augusto (Org.). Op. cit., p. 85-119. 247 Cf. Ibid., p. 88. Acrescente-se: “A Igreja existe desde Cristo e em Cristo. O cristocentrismo da Lumen Gentium é a culminância de um movimento eclesiológico que inicia na Escola de Tubinga, se irradia até os
teólogos do Colégio Romano, e, por meio desses, se faz presente no Vaticano I. A sua primeira expressão, pelo
menos parcial, pelo Magistério, encontra-se na Encíclica Mystici Corporis (1943), e é definitivamente
introduzida no Vaticano II por Paulo VI, no seu discurso de abertura da segunda Sessão do Concílio” – cf. Ibid.,
p. 88-89. 248 Cf. Ibid., p. 91. Acrescente-se: “[...] a Eclesiologia só é possível com Cristologia e Pneumatologia em ato, por
que Jesus Cristo e o Espírito Santo estão enraizados na Igreja e a levam, por isso, a produzir frutos de vida
eterna” – cf. Id. 249 Cf. Ibid., p. 98. E disto: “[...] a Igreja é o sacramento primordial da graça de Deus para os homens” – cf. Id.
57
e a “dimensão escatológica”250
que ressalta o caráter inconcuso da Igreja, uma vez que
caminha para sua consumação final, na expectativa do Reino definitivo.
São, também, indicadas quatro expressões eclesiológicas das tentativas de síntese das
novidades acima destacadas. A saber: uma “eclesiologia de comunhão”251
, com relevo para a
expressão comunitária da eclesialidade; uma “eclesiologia do Povo de Deus”252
, que partindo
da imagem bíblica referente, mostra a igualdade fundamental de todos na Igreja pelo Batismo,
reunindo nesta imagem eclesial qualificativos de relevância fundamental como a
ministerialidade e a missionaridade da Igreja; a “Igreja servidora”253
que busca a simplicidade
evangélica, o exercício da caridade e do serviço; e uma “Igreja libertadora”254
, cuja
prerrogativa objetiva compromentimento com as classes mais empobrecidas.
Dentre os desvios eclesiológicos no pós-concílio são destacados aqueles apropriados à
reflexão mal estruturada da relação entre as imagens eclesiais do Corpo de Cristo e Povo de
Deus, que redundaram, na leitura de Hackmann, numa “redução sociológica da
eclesiologia”255
, na qual o mistério fica esquecido, enquanto a Igreja acaba sendo
compreendida como “emanação de uma base autônoma e configurada por princípios
sociológicos e não por princípios postos por seu fundador”256
, e uma Igreja “separada de Jesus
Cristo”257
, como resultado de um distanciamento da fé do lugar apropriado para crescer e
alimentar a fé. Cita ainda, um “esquecimento do Espírito Santo”258
, na verdade, um
esquecimento do lugar do Espírito na economia da salvação ressaltado pelo Concílio, que
acabou resumido a uma autonomia absoluta da obra do Espírito, desvinculada da obra de
Jesus Cristo, isto é, a fundação da sua Igreja. E, por último, um certo “vazio mariológico na
Igreja”, como esquecimento do modo como o Concílio refletiu o lugar de Maria e sua relação
com a Igreja.
Da sintética reflexão de Hackmann resulta a percepção da necessidade de integração
dos mais variados aspectos, imagens ou dimensões enunciadas pelo Vaticano II como
imagens da natureza íntima da Igreja, em vista da comunicação do seu mistério. As
“unilateralidades”259
, ou ainda, “a seleção arbitrária de temas”260
, como frisa Hackmann,
250 Cf. Ibid., p. 103. 251 Cf. Ibid., p. 104. 252 Cf. Ibid., p. 105. 253 Cf. Ibid., p. 106. 254 Cf. Ibid., p. 107. 255 Cf. Ibid., p. 112-114. 256 Cf. Ibid., p. 112. 257 Cf. Ibid., p. 114-115. 258 Cf. Ibid., p. 115-118. 259 Cf. Ibid., p. 108. 260 Cf. Ibid., p. 119.
58
mostraram-se nocivas e parecem não colaborar para que a Igreja responda aos desafios do
mundo hodierno, fundamental espírito do Concílio. E complementa, agora observando todos
os documentos conciliares que versam sobre a realidade eclesial:
Em todos esses documentos observa-se a uma mudança de visão de Igreja: do
acento da perspectiva de sociedade passam a valer seus aspectos de mistério e
bíblicos, atendendo a sua missionariedade, enquanto sacramento de salvação.
[...] Quando se procura responder aos novos desafios, frutos da busca de
continuar, nos dias de hoje, a missão da evangelização de Cristo, o último
Concílio ecumênico não perdeu sua atualidade e continua como autêntica
fonte de inspiração, pois ele significou o desembocar do processo secular de
reflexão da Igreja sobre si mesma.261
Sem este apontamento final, este item não estaria a contento: a Igreja que emerge do
Concílio Vaticano II, desde sua documentação, mostra-se indubitavelmente como um
conjunto de imagens que ressaltam seu mistério e projetam sua consecução histórica para a
missionariedade no mundo atual, repleto de desafios.262
2.3 Abrangência e Limites da Imagem Esponsal
Antes de tudo, faz-se oportuno considerar a evocação desta pesquisa à terminologia
“imagem” aplicada à Igreja e seu significado histórico-dogmático. A autocompreensão que a
Igreja tem de si mesma articula-se e evolui – enquanto assimila – com a história, influenciada
por inúmeras variáveis, a saber: a “profissão de fé, liturgia, espiritualidade, reflexão teológica,
expressão simbólica e artística”263
. E disto, o que se espera afirmar aqui, ao se falar de
“imagem” da Igreja é exatamente sua representação na teologia, enquanto desenvolve as
261 Cf. HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. A amada Igreja de Jesus Cristo: manual de eclesiologia como
comunhão orgânica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, p. 55 – grifos nossos. 262 Calvo ressalta quatro dimensões fundamentais ao falar da Igreja nos documentos do Vaticano II, delas a
primeira é seu mistério e a última sua natureza missionária – cf. CALVO, Angel Torres. Diccionario de los
textos conciliares (Vaticano II). Tomo I: A-I. Madrid: Compañía Bibliográfica Española, 1968, p. 937-960. O mesmo também se aplica às reflexões de Rodríguez que polariza a eclesiologia conciliar em mistério e missão –
cf, RODRÍGUEZ, Pedro. Op. Cit., p. 7-8; E ainda, cf. BLAZQUEZ, Ricardo. Op. cit., p. 7-8. 263 Cf. FRIES, Heinrich. Modificação e evolução da imagem da Igreja. In: FEINER, Johannes; LOEHRER,
Magnus (Ed.). Mysterium Salutis. Compêndio de dogmática histórico-salvífica. v.IV/2. Petrópolis: Vozes, 1975,
p. 5-6. De fato, em linguagem teológica apropriada aqui se fala propriamente de “lugares teólogicos”, isto é, a
Igreja vive sua fé e desenvolve sua autocompreensão de fé de um modo explicitamente objetivo no tempo e na
história; todos esses modos de ser Igreja podem caracterizá-la e referenciá-la, implicando sua interpretação – cf.
WIEDENHOFER, Siegfried. Eclesiologia. In: SCHNEIDER, Theodor (Org.). Manual de dogmática. v.2. 2.ed.
Petrópolis: Vozes, 2002, p. 54-56.
59
nuances do seu mistério enunciadas desde as Sagradas Escrituras, fonte de Revelação264
, bem
como de sua articulação com as variantes histórico-eclesiais enunciadas acima.
Da interpretação de Fries, acrescente-se:
O termo de imagem da Igreja encerra, nesse contexto, um significado duplo:
subentende a imagem no sentido de conceituação viva, de idéia clara
formulada pela comunidade dos fiéis sobre o que é e deve ser a Igreja.
Subentende, além disso, a imagem a figura concreta – em termos modernos –
a imagem propiciada pela Igreja ao observador da época correspondente –
esteja ele dentro ou fora da Igreja. [...] Uma historicidade assim entendida
encerra a razão intrínseca de se processar real e necessariamente uma
modificação da imagem da Igreja.265
Uma reflexão mais atual, apropriada à Bucker, preferiria usar a terminologia “modelo”
em lugar de “imagem”, afirmando: “O problema epistemológico dos modelos é importante.
São uma ponte entre o concreto da realidade e o abstrato do pensamento”266
. E assim, parece
tornar-se possível aperfeiçoar o significado das terminologias empregadas, equivalendo-as
nesta pesquisa, como segue explicado abaixo:
[...] modelo [e, consequentemente, como dantes, “imagem”], tem o significado
de uma representação objetiva do ser da Igreja, que ajuda a responder
múltiplas questões em torno da sua essência e a orientar comportamentos
eclesiais. Trata-se de perceber melhor o caráter mistérico do ser eclesial, mas,
ao mesmo tempo, de resolver os problemas práticos de sua existência
histórica.267
264 Entenda-se aqui o que se afirma a respeito da transmissão da Divina Revelação através da Sagrada Tradição e
da Sagrada Escritura, intrinsecamente unidas neste processo – cf. Dei Verbum, 7-10. Bem como, sobre o lugar
das Escrituras na vida da Igreja: “[A Igreja] sempre considerou as divinas Escrituras e continua a considerá-las,
juntamente com a Sagrada Tradição, como regra suprema da sua fé; elas, com efeito, inspiradas como são por
Deus e escritas uma vez para sempre, continuam a dar-nos imutavelmente a palavra do próprio Deus, e fazem
ouvir a voz do Espírito Santo através das palavras dos profetas e dos apóstolos” – cf. Dei Verbum, 21. 265 Acrescente-se: “Desse emaranhado inextricável de idéia e realidade resultam necessariamente certas tensões –
o que não representa nenhum prejuízo para a causa da Igreja, mas antes sua expressão inevitável e sua figura a
abarcar todas as dimensões” – cf. FRIES, Heinrich. Modificação e evolução da imagem da Igreja. In: FEINER,
Johannes; LOEHRER, Magnus (Ed.). Op. cit., p. 6. 266 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. O feminino da Igreja e o conflito. RJ: Vozes, 1995, p. 60. 267 Cf. Ibid., p. 61. E também, cf. DULLES, Avery. A Igreja e seus modelos. Apreciação crítica da Igreja sob
todos os seus aspectos. SP: Paulinas, 1978, p. 11-32. Libanio faria criticar a utilização dessas terminologias,
elencando suas limitações, e optando o uso da terminologia “cenário” em sua abordagem – cf. LIBANIO, João
Batista. Cenários da Igreja. 3.ed. SP: Loyola, 2001, p. 11-13.
60
Neste sentido verifica-se indispensável sua aplicabilidade ao estudo eclesiologia, e isto
não apenas no singular, mas justamente no plural, para referir-se ao conjunto de
características que expressam a eclesialidade nos mais diversos “lugares”268
da teologia.
2.3.1 Da Sagrada Escritura ao Concílio Vaticano II
Na linha da reflexão desenvolvida no final do Capítulo 1, desta elaboração, anotada de
Schökel e Carniti269
, apenas parece-se ser possível mensurar a implicação da simbologia
bíblica esponsal através da sua impressão nas reflexões que provocaram a vida teológica da
Igreja primitiva ao longo dos primeiros séculos do cristianismo, bem como através do período
medieval. E neste sentido, especificamente, tem lugar a afirmação de Bucker: “A eclesiologia
medieval pensou a Igreja como Esposa de Cristo”270
.
Antes, porém, algumas conclusões oriundas do exame da Escritura271
, pois é
justamente desta fonte singular que os Padres da Igreja se alimentaram para desenvolver sua
primitiva reflexão teológica sobre a esponsalidade; como explica Magnolfi: “Antes de tudo,
na própria explicação dos textos da Escritura, os Padres encontram a oportunidade para
desenvolver o discurso da teologia bíblica [...]”272
.
Fica evidente na leitura da projeção escatológica da Igreja-Esposa no livro Apocalipse
uma postura ativa da Igreja diante da chegada iminente do Cristo-Esposo. Ela se prepara para
sua chegada, isto é, tem as disposições necessárias para esperá-lo; mais que isto, está unida ao
Espírito para invocar sua derradeira manifestação. Não é difícil associar esta imagem eclesial
àquela própria da parábola das virgens do Evangelho, que aguardam a chegada do seu noivo
com as disposições necessárias para seu encontro – elas têm condições de se preparar e, assim
preparadas, no encontro, são acolhidas aos aposentos nupciais.
A mesma imagem, sem grande dificuldade, faz recordação da atitude de busca e do
amor desejoso da personagem feminina do Cântico dos Cânticos: na sua independência e
268 Cf. MICHON, Cyrille; NARCISSE, Gilbert. Lugares teológicos. In: LACOSTE, Jean-Yves (Dir.). Dicionário
crítico de teologia. SP: Paulinas, SP: Loyola, 2004, p. 1055-1059. Como também, cf. CANO, Melchor. De locis
theologicis. Edición comemorativa del V centenario del nacimiento del Melchor Cano. Madrid: Biblioteca de
Autores Cristianos, 2006. 269 Cf. SCHÖKEL, Luís Alonso; CARNITI, Cecília. Salmos I (salmos 1-72). Tradução, introdução e comentário.
SP: Paulus, 1996, p. 630-631. 270 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 116. Magnolfi faz referência a uma “inscrição marmórea do século
II, chamada o epitáfio de Albércio”, na qual “se encontra uma síntese de vários elementos doutrinais
importantes”, a saber: o tema da Igreja, Virgem casta que oferece um alimentos espiritual e que se acha
identificada com a Igreja de Roma – cf. CERVERA, Jesús Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo: nos Padres da
Igreja e na Liturgia. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. A Igreja e seu mistério/I. SP: Cidade Nova, 1984, p. 150. 271 Cf. Capítulo 1, desta elaboração. 272 Cf. Ibid., p. 150.
61
autonomia sai ao encontro do seu esposo amado, com grande beleza e majestade, que lhe são
apropriadas (ou lhe foram apropriadas) – exaltadas magistralmente no Salmo 45.
Também fica evidente no Apocalipse a concretização da imagem do Cristo-Esposo,
enquanto Cordeiro-Vencedor, que realiza no mistério da sua Páscoa, conforme a descrição
eclesial paulina: a eleição, a purificação e a acolhida da sua amada Esposa. Assim, estão
unidos de modo irrevogável pelos laços de um amor esponsal, isto é, marital, como daquele
do qual falaram Isaías, Jeremias e Ezequiel, com o qual Deus desposaria seu povo, para
apagar seu passado ignominioso, e implantar, como que através de uma nova criação, uma
nova vida, sob a imagem de um novo coração.
Enquanto caminha na história da humanidade, no afã da sua peregrinação ao encontro
do Cristo-Esposo – que lhe seduz manifestando seu amor na gentileza da graça, esquecendo-
se de suas mazelas – a Igreja-Esposa é convidada a reconhecer-se, ao mesmo tempo, amada
na sua totalidade mistérica (pois já recebeu o gérmen do amor, na redenção divina), mas
também cooperadora de comunhão, enquanto, nos indivíduos que a compõem, faz-se
chamada a ser aquilo que se autodenominou João Batista no Evangelho joanino – verdadeiros
amigos do Cristo-Esposo, que experimentam a alegria de contemplar aqueles que foram
chamados à nova criação, tornarem-se, assim, escolhidos, pois se deixaram vestir por seu
Senhor de uma nova dignidade; a sua própria dignidade comunicada para a salvação.
Assim, na interpretação de Bucker a patrística cristã compreenderá que “o mistério da
Igreja consiste na comunhão da humanidade com Cristo, pela obra do Espírito”273
, e que “esta
comunhão realiza a obra da redenção”274
, de modo que o próprio mistério da encarnação já
carrega, em si mesmo, simbologia esponsal, não como mera representação, mas como
concretização de um desígnio divino de união de todo gênero humano em Jesus Cristo.275
Fries ressalta, que no contexto da compreensão primitiva da Igreja como “mistério”276
e do esboço de suas características através de “enunciados bíblicos”277
, emerge a imagem da
Igreja como “Esposa de Cristo”278
, enquanto “enunciado da aliança de amor de Deus com a
273 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 117. Temática central consignada em Lumen Gentium, 4. 274 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 117. 275 Cf. Ibid., p. 117-118. 276 Cf. FRIES, Heinrich. Modificação e evolução da imagem da Igreja. In: FEINER, Johannes; LOEHRER,
Magnus (Ed.). Op. cit., p. 6-16. 277 Cf. Ibid., p. 8. 278 Cf. Ibid., p. 10. Entre outras imagens bíblicas altamente significativas, a saber: “Novo Povo de Deus”, “Corpo
cuja cabeça é Cristo”, “Casa ou Templo de Deus”, “Comunhão dos Santos”, “Igreja de pecadores”, “Mãe”,
“coluna e fundamento da verdade”, etc. – cf. Ibid., p. 8-12.
62
comunidade que elegeu e destinada a atingir a verdadeira plenitude por Jesus Cristo, pois foi
nele que se tornou evento e realidade a união de Deus com a humanidade”279
. E acrescenta:
A imagem da Igreja como Esposa de Cristo apresenta de maneira
acentuadamente ilustrativa um vigor não só indicativo, mas também
parenético, enunciando a missão e o dever da Igreja, de ser a comunidade dos
que crêem, esperam, obedecem, servem, procuram e amam [...]280
.
Desta reflexão primordial, pode decorrer, fundamentalmente, a compreensão esponsal
da Pregação do Evangelho, enquanto “chamada e convite à Igreja para ser a Esposa”281
, e a
esponsalidade da cruz, como nova criação, e assim: “A analogia de Eva, que surge da costela
de Adão, é aplicada por muitos padres à Igreja que nasce da costela (lado) de Cristo na
cruz”,282
e disto: “A morte de Cristo na cruz faz da Esposa, Mãe”283
.
Daqui derivam outras variações sobre o mesmo tema, a saber: “a Igreja é comparada à
Esposa pelo fato de receber dotes que o Esposo faz à Esposa”284
; e vai se acentuando cada vez
a estreita relação simbólica entre a Igreja e Maria285
, ambas são Mãe e Virgem286
. Magnolfi
ressalta aqui o papel preponderante de Orígenes que aplica espiritualmente à Igreja Esposa de
Cristo a chave de interpretação que a lê santa e irrepreensível.287
Disto decorre sua
“fecundidade pura de gerar os filhos de Deus e os novos povos, mediante os sacramentos”288
.
Assim, do mistério da Igreja-Esposa na sua totalidade, caminha-se também para a
reflexão da vida de cada cristão e do seu acesso a graça que é própria da eclesialidade.
279 Cf. Ibid., p.10. Fries acrescenta que associadas as imagem da “Esposa de Cristo” com a de “Corpo de Cristo”,
articula-se “a presença de Cristo na Igreja e com a Igreja, mas descrevendo ao mesmo tempo a não-identidade de
Igreja e Cristo, o confronto personal e, com isso, a distância que expressa à uma a qualidade de Senhor e de
Soberano, inerente a Cristo à face de sua Igreja” – cf. Id. 280 Cf. Id. 281 Cf. Ibid., p. 119. 282 Cf. Id. 283 Cf. Id. Acrescente-se: “[...] esta idéia da maternidade da Igreja pelo cruz é especialmente querida pelos padres
latinos. A maternidade da Igreja tem abundantes provas na Patrística: Pastor de Hermas, Irineu, Tertuliano,
Clemente de Alexandria, Metódio, Atanásio” – cf. Ibid., p.119-120. 284 Cf. Ibid., p. 121. 285 Cf. Ibid., p. 122. 286 Recorde-se, porém, como afirma Magnolfi, que a temática tem raízes antigas: Clemente Romano o afirma em
suas Cartas, embora seja Clemente de Alexandria quem desenvolve a reflexão de modo mais completo – cf.
CERVERA, Jesús Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo: nos Padres da Igreja e na Liturgia. In: MAGNOLFI,
Maria; et alli. Op. cit., p. 151; e também, cf. TIHON, Paul. A Igreja. In: SESBOÜÉ, Bernard (Dir.). Os sinais da
salvação (séculos XII-XX). v.3. SP: Loyola, 2005, p. 315. 287 Cf. CERVERA, Jesús Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo: nos Padres da Igreja e na Liturgia. In:
MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 151. 288 Cf. Ibid., p. 154.
63
Magnolfi resume: “o mistério da Igreja-Esposa se realiza em cada cristão, mediante os
sacramentos da fé”289
.
O Batismo “torna-se, assim, na tipologia dos padres, o mistério das núpcias de Cristo
com a Igreja, o cumprimento da aliança, o momento em que se vive sacramentalmente em
cada um tudo o que aconteceu para a Igreja na cruz”290
; e pela Eucaristia “a Igreja-Esposa se
une a Cristo-Esposo, [...] dele se nutre, torna-se uma só coisa com o Esposo, [...] que ama a
sua Igreja e se dá a Si mesmo por ela”291
. Finalmente, a celebração pascal não é outra coisa
senão, da parte de Cristo-Esposo ressuscitado, “a noite do encontro [nupcial] com a Igreja-
Esposa e é o dia da fecundidade”292
.
Também são distintos três níveis da sua esponsalidade:
i. De Agostinho e Jerônimo entende-se a Igreja como Esposa no sentido da hierarquia,
“que sofre como que dores de parto até que se forme Cristo no povo de Deus”293
;
ii. A Esposa, também, é entendida só como povo de Deus, enquanto o Esposo,
simbolicamente, pode ser reconhecido na figura de São José294
e dos bispos295
;
iii. Finalmente, de Orígenes, Gregório Niceno, Cirilo de Alexandria e Gregório
Magno, surge uma visão de síntese que associa tanto a hierarquia como o povo de Deus, em
unidade, sob a égide da Esposa.296
A reflexão dos padres também caminha no horizonte da associação de dois elementos
identitários em oposição: a santidade e o pecado.297
Neste sentido, afirma Bucker:
Daí a tensão entre a Esposa do Cordeiro do Apocalipse, Igreja sem mancha
nem ruga, e a Igreja no caminhar da história. Os padres falam da Igreja santa
enquanto tem os sacramentos, mas pecadora enquanto seus membros não são
o que deveriam ser.298
E completa Tihon, considerando as dificuldades internas da comunidade cristã
primitiva:
289 Cf. Ibid., p. 155. 290 Acrescente-se: “[...] o seu nascimento do costado de Cristo, lavada no sangue e na água” – cf. Id. 291 Cf. Ibid., p. 156. 292 Cf. Ibid., p. 157. 293 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 122. 294 Assim se expressam Beda, Crisóstomo e Ambrósio – cf. Ibid., p. 122-123. 295 Assim se expressam Eusébio e Agostinho. Tertuliano vê Pedro como Esposo da Igreja. Paciano e Efrém, os
sacerdotes – cf. Ibid., p.123. 296 Cf. Id. 297 Cf. TIHON, Paul. A Igreja. In: SESBOÜÉ, Bernard (Dir.). Op. cit., p. 313-314. 298 Tem papel fundamental nesta discussão Agostinho, e antes dele Cipriano de Cartago – cf. BUCKER, Bárbara
Pataro. Op. cit., p. 123.
64
O pequeno grupo daqueles e daquelas que se consideravam os santos e os
eleitos via-se agora congregando numerosíssimas comunidades em que se
acotovelavam pessoas cujo compromisso era manifestamente muito diverso. A
Igreja se compunha, sem dúvida, de santos, mas também de pecadores. Nos
inícios, as situações escandalosas podiam ser resolvidas caso por caso.
Multiplicando-se esses casos, a questão assumia outra dimensão. A natureza
da Igreja estava em causa. [...] Para além das divergências disciplinares, são
duas as eclesiologias que se defrontam. A Igreja é um pequeno rebanho de
puros, ou a reunião de pecadores que se descobre chamada pela graça e, a essa
luz, bem ou mal, caminha como pode?299
.
A síntese desse desenvolvimento teológico, no medievo, é recolhida por Magnolfi300
de modo especial dos “autores espirituais medievais e modernos” para afirmar que “o
despertar eclesiológico deste século recupera a imagem da Igreja-Esposa na reflexão
teológica, para repropô-la sob diversos aspectos na eclesiologia do Vaticano II”. E assim a
teologia da Igreja, como Esposa de Cristo, ao longo do período medieval, fará seu trânsito
conceitual da Igreja-Esposa à alma-esposa, apoiada especialmente nos desenvolvimentos de
Orígenes, aprofundados por São Bernardo que acabou por ampliar “o significado eclesial ao
das almas em particular, justamente em virtude da união de cada cristão com a Igreja”301
;
também presentes na reflexão espiritual de São Francisco de Assis.302
Fries303
enfatizaria mais detalhadamente este processo recordando a importância da
arquitetura sacra na conservação da teologia dos Padres dos primeiros séculos do cristianismo,
a saber:
O estilo gótico não só se explica pelo motivo do Império [no auge da era
constantiniana], mas pelo motivo do Mistério, que continua a existir ao lado do
299 Cf. TIHON, Paul. A Igreja. In: SESBOÜÉ, Bernard (Dir.). Op. cit., p. 313.315. 300 Cf. CERVERA, Jesús Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo: dos autores medievais ao Vaticano II. In:
MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit. p. 159-163. A saber, autores como: Santa Hildegarda, Pedro de Celle,
Juliano de Vezelay, Guilherme de Saint Thierry, entre outros – cf. Ibid., p. 159-160. 301 Cf. Ibid., p. 160. 302 Acrescente-se a contribuição de autores bizantinos, exemplificados em Nicolau Cabasilas, bem como no
trabalho esponsalício de Santa Tereza de Jesus, visto como continuidade desse desenvolvimento teológico-
espiritual, sem descurar da importância mística do simbolismo esponsal de João da Cruz – cf. Ibid., 160-161. E
disso decorre ainda a compreensão de “Igreja particular”, enquanto “grupo eclesial que vive, na comunhão da fé
e do amor, sua experiência eclesial”, como Esposa de Cristo, oriunda da reflexão de Dionísio, o Cartuxo – cf.
Ibid., 160. 303 Cf. FRIES, Heinrich. Modificação e evolução da imagem da Igreja. In: FEINER, Johannes; LOEHRER,
Magnus (Ed.). Op. cit., p. 26.
65
motivo do Império sob a imagem autêntica da Igreja com Corpo e Esposa de
Cristo. Essa imagem está viva e – literariamente – presente na imagem da
Igreja na forma em que se precipita, não tanto na Canonística, mas nas grandes
sumas teológicas, nos tratados sobre a Graça e a Redenção, bem como na
Exegese medieval, ainda pouco exaurida eclesiologicamente, e nos
comentários escriturísticos. Sobretudo nos numerosos comentários ao Cântico
dos Cânticos e ao Apocalipse traçava-se a imagem duma Igreja sem mancha,
nem rugas, duma Santa Igreja celeste, que teve sua expressão na arquitetura do
estilo gótico, que vive na piedade mística, que representa, ao lado da
Escolástica como forma de ciência teológica, uma força determinante da alta
Idade Média. Ao teólogo associa-se o místico, a quem o ardor, a comoção, a
contemplação, a adoração parecem valer mais do que a ciência e ilustração.304
As conseqüências do exposto acima são bastante profundas no coração do medievo,
uma vez que, se fortalece a “convicção de que a Igreja autêntica e verdadeira consiste na
comunhão dos santos, que não coincide, de modo algum, com os limites externos da Igreja
visível”305
, uma espécie de “Igreja espiritual”, com também de “Igreja oculta” e “Igreja
invisível”. Neste cenário de contrastes despontam, além dos já citados Bernardo e Francisco,
Joaquim de Fiore, Henrique Suso e João Tauler, fazendo irromper em associação e oposição à
imagem de Cristo como Imperador, a “imagem do homem Jesus padecente e crucificado,
redundando numa mística da Paixão extremamente viva e interiorizada”306
.
Fries sintetiza os desenvolvimentos eclesiológicos medievais recordando que ao lado
do imperialismo eclesial apropriado a este período histórico, cresce, desenvolve e se fortalece
uma “imagem da Igreja pobre serviçal, que vê sua imagem interior em Jesus Homem, na
Paixão e na Cruz, e reassume o motivo do Mistério”307
, bem como uma “imagem da Igreja
sem manchas nem rugas”308
e, para além, uma “imagem da Igreja dos Santos [...] que origem
e destino aponta para a Igreja celestial e, no presente, vive, como Igreja oculta, nos corações
dos homens”309
. Logo, a mentalidade eclesial fazia-se pululada de imagens ao sabor dos
interesses que engendravam.
304 Cf. Id. Acrescente-se: “Cria-se assim um novo relacionamento entre indivíduo e Igreja, que não se resume na
Igreja como instituição e objetivação, mas se apóia naquelas realidades por causa das quais existem instituições e
objetivações; devendo a Igreja se moldar por essas realidades na vida espiritual concreta” – cf. Id. 305 Cf. Id. 306 Cf. Ibid., p. 27. 307 Cf. Ibid., p. 28. 308 Cf. Id. 309 Cf. Id.
66
É esta a Igreja, que caminha contestada pela Reforma, rumo ao Concílio de Trento,
que acabará optando entre outras prerrogativas às de “visibilidade eclesial”, isto é, “pela
objetivação dos conteúdos da fé e dos sete sacramentos, pela instituição, por sua direção pelos
legítimos pastores”310
, de modo especial pela supremacia do Pontífice Romano, o Vigário de
Cristo. Uma Igreja apologética e triunfalista.311
Uma Igreja centrada em si mesma, distante do
mundo, que o recusa.312
Paulatinamente, a Igreja-Esposa-de-Cristo parece ter se tornado pretensa Rainha-de-
Cristo-no-Mundo, e de uma relação de intimidade, optou por uma relação de autoridade. Esta
parece ser a imagem da Igreja que caminha ao encontro da reflexão conciliar no Vaticano II:
uma Senhora poderosa arrastando-se a si e aos seus pela história do mundo. A Esposa de
Cristo parece que houvera perdido sua união com seu divino Esposo, e caminhava sozinha
com suas estruturas de manutenção.313
2.3.2 Na Eclesiologia do Vaticano II
O Concílio Vaticano II, pastoral sem deixar de ser dogmático, com vontade de
renovação, põe seus “olhos voltados para sua origem normativa: Jesus Cristo, e no
testemunho dele”314
, e lê a missão da Igreja não segundo a manutenção da sua
sustentabilidade histórica, mas segundo “sua missão no tempo e para os homens deste
tempo”315
: comunicadora do mistério de amor que a redime e a une ao seu Senhor.
Na Constituição sobre a Igreja, esta é descrita como “a esposa imaculada do
Cordeiro”316
, chamada, por isso mesmo, à santidade317
; vive na expectativa do encontro
escatológico com seu Esposo-Cristo318
, ansiando por esta meta na expectação do Espírito, no
qual e através do qual procura crescer na fidelidade319
ao amor daquele que amando-a
entregou-se por ela.
Também a Constituição sobre a Revelação Divina declara um carisma especial que
configura a Esposa de Cristo em relação às Escrituras, isto é, ela é dotada de uma espécie de
310 Cf. Ibid., p. 36-37. 311 Cf. Ibid., p. 38. 312 Cf. Ibid., p. 39-46. 313 A opinião aqui desenvolvida não ignora que no início do século XX os movimentos históricos e eclesiais já
prenunciavam novas intenções teológicas que acabaram por eclodir no Concílio Vaticano II – Cf. Ibid., p. 49-55. 314 Cf. Ibid., p. 51. 315 Cf. Id. 316 Cf. Lumen Gentium, 6. 317 Cf. Lumen Gentium, 39. 318 Cf. Lumen Gentium, 4. 319 Cf. Lumen Gentium, 8.
67
inteligência particular em vista da sua compreensão e comunicação, sob a assistência do
Espírito Santo.320
A Constituição sobre a Sagrada Liturgia, por sua vez, frisa que o lugar apropriado ao
encontro ou união esponsal da Igreja-Esposa e do Cristo-Esposo não é outro senão a ação
litúrgica, na qual “Cristo sempre associa a si a Igreja”321
, confiando a ela o sacramento do seu
Corpo e Sangue, isto é, a Eucaristia322
. E neste sentido específico, figura a oração litúrgica,
como “a voz da Esposa que fala ao Esposo”323
, enquanto celebra ao longo do ano litúrgico “a
obra salvífica do seu divino Esposo”324
.
Finalmente, a experiência da comunhão nupcial se faz ressaltada dos ministérios aos
quais se dedicam parcela do povo de Deus em sinal de consagração e doação total a Cristo: os
religiosos325
, os sacerdotes326
, mas também os cônjuges327
que neste amor esponsal inspiram
sua afeição e doação mútua.
Não obstante o exposto acima, a esponsalidade da Igreja não foi uma imagem
hermenêutica fundamental elaborada na Constituição sobre a Igreja, em surpreendente
oposição aos tempos primitivos do cristianismo. É o que declara Magnolfi:
Não obstante esta riqueza conciliar, podemos afirmar que o tema da Igreja-
Esposa não teve uma influência determinante na teologia: os comentários aos
textos conciliares são antes sóbrios e se limitam a repetir a síntese bíblica do
Vaticano II.328
É inegável, contudo, que haja sinais de esponsalidade, isto é, de união na concepção da
Igreja em relação a Cristo, presentes no itinerário teológico do Vaticano II. Isto advém,
inclusive, do assim enaltecido despertar cristológico do Concílio, salientado acima, como no
item 2.2.3.
320 Cf. Dei Verbum, 8; 23. 321 Cf. Sacrosanctum Concilium, 7. 322 Cf. Sacrosanctum Concilium, 47. 323 Cf. Sacrosanctum Concilium, 84-85. 324 Cf. Sacrosanctum Concilium, 102. 325 Cf. Perfectae Caritatis, 12; Lumen Gentium, 44 326 Cf. Presbyterorum Ordinis, 16. 327 Cf. Lumen Gentium, 41; Gaudium et Spes, 48. 328 Cf. CERVERA, Jesús Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo: dos autores medievais ao Vaticano II. In:
MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit. p. 165.
68
Faz-se oportuno recordar, que tanto o Papa Paulo VI329
, como o Papa João Paulo II330
,
desenvolveram reflexões apropriadas à esponsalidade da Igreja, enfatizando, no pós-Concílio
um, a Igreja como lugar do encontro com Cristo, e o outro, a Igreja como dom de Esposa para
o mundo e para a sociedade. Talvés sejam os desenvolvimentos mais significativos desde a
teologia medieval da esponsalidade, como refletida no item 2.3.1.
Papa Paulo VI, afirmando a Igreja como “ponto de encontro do amor de Cristo por
nós”, assim refletiu:
Que a Igreja seja esposa é mistério de caridade, de enamoramento de Deus,
mediante Cristo, no Espírito Santo, do mundo, da humanidade, da Igreja; a
epígrafe da Igreja pode ser: „Assim Deus amou‟; „Pelo grande amor‟; ou
então: „Cristo nos amou‟ [...] Este mistério nos ensina o amor acima de todo
amor que Cristo nutriu pela Igreja; ensina-nos a união íntima e indissolúvel e
ao mesmo tempo a distinção de Cristo e da Igreja; ensina-nos que a Igreja não
princípio nem fim em si mesma; ela é de Cristo, dele recebe a sua dignidade, a
sua virtude santificadora, a sua humilde e excelsa realeza; [...] revela-nos que
a Igreja é o ponto de encontro do amor de Cristo por nós: a casa das
núpcias.331
A “casa das núpcias” é indubitavelmente o lugar do encontro; lugar onde se estabelece
a união e a comunhão entre os esposos: “a Esposa unida ao seu Esposo, unida porque vive a
sua vida”332
. Assim, a Igreja experimenta pelo mistério do sacerdócio de Cristo, enfatizou o
Papa João Paulo II, sua vocação de manter-se “unida de maneira a responder com um „dom
sincero de si mesma‟ ao dom inefável do amor do Esposo, Redentor do mundo”333
. Esta se
tornou a vocação de todos os batizados, na Igreja, tanto homens como mulheres, todos foram
feitos Esposa de Cristo na ordem da graça.
329 Cf. PAULO VI. Udienza: la mística Sposa di Cristo e Madre dei cristiani. Apud: CERVERA, Jesús
Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo, dos autores medievais ao Vaticano II. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op.
cit., p. 165. 330 Cf. Mulieris dignitatem, p. 97-101. 331 Cf. PAULO VI. Udienza: la mística Sposa di Cristo e Madre dei cristiani. Apud: CERVERA, Jesús
Castellano. A Igreja, Esposa de Cristo, dos autores medievais ao Vaticano II. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op.
cit., p. 165. 332 Cf. Mulieris dignitatem, p. 97. 333 Cf. Mulieris dignitatem, p. 97.
69
2.3.3 Avaliação Crítica da Esponsalidade334
Na direção daquilo que Magnolfi afirmou sobre o modo como a teologia moderna e
contemporânea elaborou esta temática, Bucker insiste em uma tentativa de síntese dessa
abordagem na teologia, a qual, muitas vezes no período medieval foi instrumento para
“censurar os defeitos da Igreja” 335
, principalmente daqueles que a conduziam.
Congar cita a imagem esponsal como apropriada aos Padres da Igreja e aos teólogos
medievais.336
Mersh e Balthasar usam da imagem para refletir suas construções teológicas.337
Na opinião de Bucker, Vonier “é um teólogo importante na Eclesiologia da Esposa”338
, pois
“o desejo de manter uma distinção entre uma Igreja escatológica e outra peregrinante aparece
tanto na eclesiologia do Povo como na Eclesiologia da Esposa”339
, fazendo uma distinção
com relação entre a Igreja-noiva e a Igreja-Esposa.
Bucker, ainda, procurando avaliar criticamente a imagem esponsal, ou o modelo da
Esposa, situa-o, primeiramente frente ao Modelo do Corpo de Cristo, e afirma:
Ao apresentar um modelo cuja plenitude é escatológica, e cuja unidade é
orgânica, o modelo de Corpo não permite suficientemente a confrontação com
um processo histórico. As vantagens que destacamos do modelo da Esposa
para superar dialeticamente os limites do modelo de Corpo são três: diante do
aspecto da unidade que só é perfeita na escatologia, temos a vantagem de uma
unidade construída na história; diante de uma unidade provocada pela lei,
temos uma unidade garantida pelo amor; diante de uma unidade reduzida à
uniformidade, podemos encontrar uma unidade na diversidade.340
Depois o situa frente ao modelo de Povo de Deus, como segue:
O modelo de Povo carece do aspecto da organicidade do modelo de Corpo;
[...] o modelo de Esposa permite recolher o valor da unidade „orgânica‟ em um
sujeito vivo, mas ao mesmo tempo difere da Pessoa de Cristo. Trata-se de
unidade sim, inclusive pensada em termos tão vigorosamente unitários como o
334 Nossa avaliação crítica terá como referência o trabalho desenvolvido por Bucker, um dos poucos da
atualidade da pesquisa eclesiológica que procurou abordar a esponsalidade, enquanto imagem ou modelo de
Igreja, com criticidade científica na teologia – cf. BUCKER, Bárbara Pataro. Op. cit., p. 126-128. 335 Cf. Ibid., p. 124. 336 Cf. Id. 337 Cf. Ibid., p. 124-125. 338 Cf. Ibid., p. 125. 339 Cf. Ibid., p. 125-126. 340 Cf. Ibid., p. 128-129 – grifos nossos.
70
de „uma só carne‟, mas ao mesmo tempo trata-se de alteridade. E esta unidade
na alteridade, conseguida no amor, não é um dado já conseguido e
estabelecido de forma permanente, mas um projeto buscado e pretendido
através de um processo carregado de vicissitudes históricas.341
E assim, as vantagens do modelo esponsal, apropriadas a esta pesquisa, objetivamente,
se caracterizam tanto pela organicidade de uma pessoa na alteridade da relação com Cristo,
quanto pela unidade amorosa que se identifica permanentemente com as preferências do
Esposo.342
E completa:
O modelo eclesiológico da Esposa existe na Igreja, sobretudo para mostrar a
relação de conversão e do viver totalmente para o Esposo, [...] O que é
essencial na eclesiologia é precisamente esta relação fundamental da Igreja
com Cristo para evitar o perigo de viver a Igreja isolada em si mesma, sem
Cristo e sem a ação do Espírito Santo. Este perigo não é evitado pelo simples
fato de a Igreja dedicar-se às „coisas espirituais‟; deve fazê-lo no Espírito e
como Esposa de Cristo.343
E disto, decorre na compreensão da teóloga: “Se o feminino tem uma grande
importância para a vida da humanidade, porque a mulher é companheira, Esposa e mãe,
podemos suspeitar que tenha também uma grande importância para a eclesiologia”344
. Este
feminino não significa outra coisa senão “àquela parte da humanidade consagrada pelo
Espírito para se sinal visível do mistério que acontece em Cristo”345
.
Finalmente, Bucker ressalta que esta imagem esponsal ou modelo de Igreja-Esposa
também carrega limites insinuados na sua instrumentalização no discurso teológico pelo viés
do “intimismo”, isto é:
Esta limitação é produzida pela forma ideologizada como a mulher como
Esposa tem sido apresentada na sociedade, ocupando-se exclusivamente de
341 Cf. Ibid., p. 131. 342 Cf. Id. 343 Cf. Ibid., p. 134 – grifos nossos. 344 Cf. Ibid., p. 135. E também, cf. BOFF, Leonardo. O rosto materno de Deus. Ensaio interdisciplinar sobre os
feminino e suas formas religiosas. 10.ed. Petrópolis: Vozes, 2008 e RATZINGER, Joseph; BALTHASAR, Hans
Urs von. María, Iglesia naciente. 2.ed. Madrid: Encuentro, 2006. 345 Cf. Id.
71
tarefas domésticas. Com esta idéia, o projeto missionário do Esposo, que é o
Reino, seria uma dimensão desatendida. [...] A Igreja é companheira na grande
obra da salvação realizada por Cristo-Esposo; ela é o primeiro fruto e modelo
para a humanidade, ela conduz a todos os povos, como apresenta o
Apocalipse, no encontro com o Esposo, amorosamente chamado quando ela
diz: „Vem‟.346
Para Bucker, o caminho para a superação destes limites conceituais a respeito do
feminino, que comprometem o modelo da Esposa na teologia, pode vir de uma releitura dos
grandes temas teológicos, justamente a partir da eclesiologia da Esposa – a Trindade, o
Serviço do Reino, a Mariologia –, de modo a inserir no imaginário teológico, novos
elementos hermenêuticos de união e comunhão eclesial.347
No final deste caminho reflexivo vale ressaltar o método utilizado por Bucker para
distinguir as vantagens e desvantagens do modelo esponsal, isto é, relacionando-o com os
outros modelos, nenhum deles, em sua unilateralidade, suficientes em si mesmos, para
descrever o mistério da Igreja. Na verdade, este método já estava – ao que parece –
denunciado no modo como a Constituição sobre Igreja foi projetada no Vaticano II: um texto
que não se preocupou com sínteses, nem com anátemas, mas com a manifestação de inúmeras
nuances do mistério eclesial, que se manifesta historicamente na Igreja Católica.
346 Cf. Id. 347 Cf. Id.
72
CAPÍTULO III
A Esponsalidade como Modelo de Comunhão
Partindo do pressuposto da necessidade de modelos para a expressão criativa da
Revelação, enquanto mistério auscultado na fé eclesial, este terceiro capítulo procurará propor
a Comunhão Eclesial, enfatizada da Constituição sobre a Igreja do Vaticano II, como interface
da Esponsalidade da Igreja em relação a Jesus Cristo, examinando as possibilidades pastorais
que assomam desta abordagem teológica.
3.1 A Comunhão Eclesial como Interface da Esponsalidade
A Igreja convocada pela Trindade como lugar de comunhão tem sua garantia na ação
do Espírito Santo, pois é “quem realiza, em Cristo, a unidade da Igreja como sinal e
instrumento da unidade de todos os homens”348
. Coda ressaltaria:
A unidade da Igreja mergulha a sua “raiz” na Trindade: de fato, é próprio do
Espírito Santo realizar, em Cristo, a divinização dos homens, isto é, torná-los
“participantes da natureza divina”, fazendo-os “filhos no Filho”. Mas é
também o Espírito Santo que, derramando a caridade no coração dos homens,
cria entre eles relações à imagem e semelhança daquelas que intercorrem entre
as Pessoas da Santíssima Trindade: é o Espírito Santo que torna os homens
capazes de amar-se um ao outro como Cristo os amou.349
Santifica o Espírito à Igreja, portanto, “impelindo-os para o alvo da santidade, pelo
crescimento e aperfeiçoamento da „comunhão na unidade”350
, que tem como fonte primordial
o sacramento eucarístico, pois justamente na “Eucaristia os crentes podem aproximar-se do
Pai por Cristo num mesmo Espírito”351
.
Assim sendo, a Comunhão Eclesial não se apresenta meramente como uma teoria de
comunhão, ou uma idealização da mesma, mas um verdadeiro esforço humano impulsionado
348 Cf. CODA, Piero. O Espírito Santo e o mistério da Igreja. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. A Igreja e seu
mistério/I. SP: Cidade Nova, 1984, p. 196. 349 Cf. Ibid., p. 197. E também, cf. 2Pe 1,4; Rm 5,5; Jo 13,34. 350 Cf. Ibid., p. 198. 351 Cf. Id. E também, cf. Lumen Gentium, 4 e TABORDA, Francisco. O memorial da páscoa do Senhor. Ensaios
litúrgico-teológicos sobre a Eucaristia. SP: Loyola, 2009, p. 249-284. Como também, cf. KASPER, Walter. O
sacramento da unidade: Eucaristia e Igreja. SP: Loyola, 2006.
73
pela graça divina, isto é, um movimento espiritual – porque guiado, conduzido e sustentado
pelo Espírito Santo – que culmina na missão.352
É experiência de comunhão que prorrompe no
diálogo com toda a eclesialidade e com o mundo.353
Neste sentido, a Comunhão Eclesial é
também esforço de comunhão entre todos aqueles que estão fazendo da sua própria vida um
caminho através do qual o amor divino se expande e se comunica; e disto, a relação esponsal
parece ter a capacidade de ser modelo e imagem.
3.1.1 A Hermenêutica do Sínodo de 1985
Antes de tudo, faz-se oportuno notar a distinção metodológica a respeito do estudo do
Vaticano II, apontada por Routhier, que ressalta a importância de um trabalho de interpretação
dos textos conciliares que leve em consideração sua totalidade e a mensagem transmitida
pelos temas que perpassam a elaboração dos documentos como um todo.354
Neste sentido, faz-se também necessário considerar a heterogeneidade característica de
cada um dos documentos, pois, abordam cada qual, realidades eclesiológicas específicas, bem
como, sua unidade necessária em torno do itinerário idealizado pelo Concílio, já mencionado
anteriormente.355
Também é oportuno recordar, como enfatizado no Capítulo II, que a síntese
eclesiológica do Vaticano II não parece ter sido um objetivo dos documentos conciliares, isto
é, a temática eclesiológica tornou-se central e indispensável, contudo o Concílio não fecha a
reflexão sobre a Igreja nas delimitações das suas considerações – ele é dialógico.356
E, assim
é, que a teologia tem procurado construir uma interpretação adequada da exposição conciliar
em seus documentos, sobre a Igreja, em seu mistério e no mundo.
O Sínodo de 1985 parece ter colaborado com este trabalho, da parte do magistério
eclesial, evidenciando o tema da “comunhão eclesial” não apenas como uma linha temática
352 Cf. CODA, Piero. O Espírito Santo e o mistério da Igreja. In: MAGNOLFI, Maria; et alli. Op. cit., p. 198-199. 353 É o que acentua a Constituição pastoral do Vaticano II: “Em virtude da sua missão de iluminar o mundo
inteiro com a mensagem de Cristo e de reunir em um só Espírito todos os homens, de qualquer nação, raça ou
cultura, a Igreja constitui um sinal daquela fraternidade que torna possível e fortalece o diálogo sincero” – cf.
Gaudium et spes, 92. 354 Cf. ROUTHIER, Gilles. Il Concilio Vaticano II. Recezione ed ermeneutica. Milano: Vita e Pensiero, 2007, p.
283-293. 355 Cf. Ibid., p. 276-283. 356 Cf. Ibid., p. 104-132.
74
transversal, mas como um tema fundamental e capaz de redundar em síntese do exposto nos
textos conciliares.357
A opção desta interpretação eclesiológica do Vaticano II, na leitura de Hackmann, traz
conseqüências bastante evidentes: é comunhão com Deus por Jesus Cristo no Espírito Santo,
haurida na Palavra e nos sacramentos – de modo especial, pelo Batismo e pela Eucaristia. E,
consequentemente, se acostumou a afirmar do exposto, desde o Sínodo, que: “a comunhão do
corpo de Cristo eucarístico significa e produz, isto é, edifica a íntima comunhão de todos os
fiéis no Corpo de Cristo que é a Igreja”358
.
A Eclesiologia de comunhão revela-se como adequada para unir dois aspectos
que, de per si, tendem a ser entendidos separadamente: o teológico e o
pastoral, a comunhão e a missão, ou seja, a essência e a práxis. O “em si” e o
“para nós” da Igreja. Assim, a Igreja poderá viver a comunhão internamente
(ad intra) e promovê-la externamente (ad extra), a partir do modelo da
unidade trinitária, conforme pede Jesus Cristo à sua Igreja. O Vaticano II
recorda que o amor de Deus não se pode separar do amor ao próximo e que há
certa semelhança entre a unidade das Pessoas divinas e a união dos filhos de
Deus na verdade e caridade.359
3.1.2 A Interface Pneumatológico-Trinitária da Esponsalidade Eclesial
A Constituição sobre a Igreja para definir a Igreja como “povo congregado na unidade
do Pai e do Filho e do Espírito Santo”360
descreve a obra do Espírito como aquele que dá
“acesso ao Pai, por Cristo”361
e que “habita na Igreja e nos corações dos fiéis como num
templo”362
. É o Espírito que unido à Esposa, conclama em uníssono, em comunhão definitiva,
a presença do Esposo, o Senhor Jesus. Logo, há uma relação, uma interface, evidente e
profunda – essencial – entre a obra do Espírito, que é amor, e a união esponsal que faz a Igreja
na comunhão trinitária.
357 É o que ressalta Hackmann: “A partir do Sínodo de 1985, foi priorizada a Eclesiologia de comunhão como a
mais característica e fundamental do Vaticano II, embora existam outras Eclesiologias possíveis” – cf. HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. A amada Igreja de Jesus Cristo: manual de eclesiologia como comunhão
orgânica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, p. 98. Há quem considere este posicionamento uma atitude infértil de
reducionismo eclesiológico e de corrupção do Vaticano II – cf. COMBLIN, José. O povo de Deus. 2.ed. SP:
Paulus, 2002, p. 115-132. 358 Cf. HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. Op. cit., p. 98. E ainda, cf. Ecclesia de Eucharistia, 34-46. 359 Cf. HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. Op. cit., p. 99. 360 Cf. Lumen Gentium, p. 4. 361 Cf. Lumen Gentium, p. 4. E ainda, cf. Ef 2,18. 362 Cf. Lumen Gentium, p. 4. E ainda, cf. 1Cor 3,16; 6,19.
75
E sobre o papel do Espírito em relação ao mistério da Igreja, acrescentaria Strotmann:
O Espírito Santo é, por excelência, a “testemunha” na vasta contestação a
respeito do homem, contestação que irrompeu durante a vida terrena de Jesus,
e que depois não mais parou. Ele é a figura essencial do processo escatológico
que se processa até o fim dos tempos, e durante o qual devem os fiéis
“permanecer” no Filho, sobriamente, permanecendo em suas palavras,
guardando suas palavras e seus mandamentos. [...] Para a Igreja, a vitória
sobre o mundo é a sua fé em Cristo imolado. Unida ao Senhor pela fé, já não
há mais Acusador, e sim o Intercessor, Cristo, que está entre nós e Deus, e que
reina junto ao Pai como “advogado perante Deus”, atestando o Espírito ao
nosso espírito que somos filhos de Deus.363
E acrescentaria Philipon, expandindo esta reflexão no horizonte trinitário da
eclesialidade, pois, segundo o teólogo, “o Mistério da Igreja só se explica, portanto, à luz da
Trindade”364
:
Tocamos aqui a essência mais íntima do mistério eclesial, projeção, para fora
das relações que ligam em si as Três Pessoas divinas. [...] Todos os
ensinamentos do Concílio sobre o mistério da Igreja estão marcados com o
“selo da Trindade”. A natureza íntima da Igreja acha no mistério trinitário as
suas origens eternas, a sua forma exemplar e a sua finalidade. [...] Tudo, na
Igreja, se faz “em nome e em honra da indivisível Trindade”.
Um aspecto inegligenciável da intervenção trinitária de Philipon, no final do processo
conciliar, faz recordar a limitação teológica do modelo eclesial de “sociedade de fiéis365
”, a
saber: “deixa na sombra o principal: a Ação primordial e a Assistência contínua do Espírito
prometida por Jesus à sua Igreja”366
. Neste sentido, o Concílio Vaticano teria marcado o final
da era apologética da Contra-Reforma, isto é, mergulha-se agora no mistério eclesial para
desbravar nele e haurir dele “a vida secreta e divina que anima todas as suas articulações [...]
assinalando o primado do mistério da Trindade sobre todos os mistérios cristãos, e o seu papel
363 Cf. STROTMANN, Théodore. A Igreja como mistério. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). A Igreja do
Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965, p. 346-360. 364 Cf. PHILIPON, Michel. A Santíssima Trindade e a Igreja. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 361. 365 Cf. Ibid., p. 362. 366 Cf. Id.
76
explicativo, pelo interior, sob a ação do Espírito Santo, de todo o mistério eclesial”367
. E
completa refletindo o método de apresentação do mistério eclesial conciliar:
Certos espíritos, habituados aos métodos modernos de observação e de
indução, não ocultaram sua surpresa de ver um Concílio, que se diz pastoral e
se jacta de querer responder às interrogações do mundo moderno, começar a
apresentação do mistério eclesial, não a partir das realidades terrenas, objeto
da nossa experiência cotidiana e do nosso método histórico, mas sim, “ex-
abrupto”, partindo de cima, do Princípio dos princípios: Deus Pai, Fonte
primeira da Divindade, Princípio do Filho e do Espírito Santo.368
Entretanto, pondera Philipon, “essa clareza todo divina e puríssima é a mais alta luz, a
mais clarificadora, sobre todo o mistério eclesial [...] que fixa as verdadeiras perspectivas do
mistério eclesial, em ligação orgânica com o mistério fundamental do cristianismo”369
. E
sintetiza, especificando as peculiaridades do Concílio:
O Vaticano II não se deterá, como o XI Concílio de Toledo, em definir o
sentido das relações intratrinitárias e em expor o mistério da Trindade por ele
mesmo, de maneira abstrata e didática. O Vaticano II é um Concílio pastoral e
missionário [...] encarará, portanto, a ação de cada uma das Três Pessoas
divinas no mistério eclesial sem preocupação de precisar se se trata de
propriedades pessoais incomunicáveis ou de apropriação. Utiliza a linguagem
da Escritura, deixando aos teólogos o cuidado de interpretar esse ensino com
rigor mais científico.370
Da obra referente a Deus Pai decorre a “criação do mundo e a iniciativa de divinização
do homem pela graça da adoção”371
; em sua conseqüência,
367 Cf. Id. Acrescente-se: “Porém, jamais, sobretudo num Concílio ecumênico, o Magistério da Igreja havia
exposto com tal força e tal amplitude o lugar primordial da Trindade no mistério eclesial. Não se trata de uma
afirmação ocasional e marginal, senão de uma declaração conciliar solene, querendo manifestar a todos as
origens eternas e o fundamento último do mistério da Igreja, sua natureza profunda, sua finalidade última, a fim
de apreender melhor o sentido da sua missão divina e da sua ação sobrenatural no mundo” – cf. Id. 368 Cf. Ibid., p. 363. 369 Cf. Id. E também, cf. Ef 3,14-19. 370 Cf. Id. 371 Cf. Lumen Gentium, 2.
77
[...] toda a economia da salvação é apresentada em perspectivas eclesiais [...]:
nossa predestinação de nos tornarmos “conformes à imagem de seu Filho”, e
sua realização temporal na formação progressiva da Igreja, segundo as etapas
da história de Israel no Antigo Testamento e a manifestação evidente da Igreja
de Cristo no Pentecostes pela efusão do Espírito Santo, até a sua consumação
na glória, no fim dos tempos, quando a Igreja se achar congregada
definitivamente junto ao Pai.372
E assim, há na Igreja uma obra comum e indivisível da Trindade, tendo Cristo e sua
Encarnação como centro desse processo econômico; e os outros desenvolvimentos que se
seguirão na Constituição sobre a Igreja, sobre o Povo de Deus, “dependerão dessa visão
fundamental, que situa a iniciativa da Igreja, sua organização e seu crescimento, no
prolongamento das relações pessoais do Pai com o Filho”373
.
A obra do Espírito Santo na economia da salvação é bastante clara e inequívoca: é o
comunicador das relações. Assim: “todo o movimento eclesial parte do Pai e, pelo Filho, para
Ele retorna, ao sopro do Espírito”374
, que “santifica continuamente a Igreja”375
.
Philipon terminaria sua exposição afirmando que “a Igreja do Vaticano II é a Igreja da
Trindade”, e que a vocação eclesial não é outra senão a irradiação do mistério Trinitário de
Amor e Comunhão que se comunica, e o faz citando De Lubac:
Deus não nos fez “para ficarmos nos termos da natureza”, nem para
cumprirmos um destino solitário. Fez-nos para sermos introduzidos juntos no
seio da sua Vida trinitária. Jesus Cristo ofereceu-se em sacrifício para que não
façamos senão um nessa unidade de Pessoas divinas. Tal deve ser a
“recapitulação”, a “regeneração” e a “consumação” de tudo, e tudo o que nos
atrai para fora disso é enganador. Ora, há um Lugar onde, desde este mundo,
essa reunião de todos na Trindade começa. Há uma “Família de Deus”,
misteriosa extensão da Trindade no tempo, a qual não só nos prepara para essa
372 Cf. PHILIPON, Michel. A Santíssima Trindade e a Igreja. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 364. 373 Cf. Ibid., p. 366. E também, cf. Lumen Gentium, 3. 374 Cf. PHILIPON, Michel. A Santíssima Trindade e a Igreja. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 366. 375 Cf. Lumen Gentium, 4. Acrescente-se: “Inaugurada de maneira retumbante carismática em Pentecostes, a
Ação do Espírito Santo “santifica continuamente a Igreja”. Como o haviam anunciado os profetas [...]. Sua ação
é a um tempo purificadora e renovadora. Ele restitui a vida aos homens, mortos pelo pecado. Por Ele nossos
corpos mortais ressuscitarão em Cristo” – cf. PHILIPON, Michel. A Santíssima Trindade e a Igreja. In:
BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit., p. 367. E ainda, cf. CONGAR, Yves. El Espíritu Santo. 2.ed.
Barcelona : Herder, 1983, p. 696-703.
78
vida unitiva e nos proporciona a firme segurança dela, mas também já nos faz
participar dela.376
A Esponsalidade faz ressaltar este caráter tanto pneumatológico, quanto trinitário, do
mistério eclesial, ambos fundamentais para se compreender a Igreja como Comunhão.377
Comunhão instaurada não apenas através de um amor humano, limitado nas suas
contingências e egoísmos, mas como um transbordamento do amor divino que pela graça da
união com Jesus Cristo, na sua Igreja, torna possível a unidade da humanidade e a
fraternidade universal.378
E disto decorre o inevitável: que segundo a Revelação cristã, a
eclesialidade, ser Igreja e fazer parte da sua consecução histórica, perfaz o caminho e o
objetivo da existência humana sobre a face terra, isto é, a intenção da criação.379
E disto, a
realização do ser humano está na Igreja, enquanto comunhão com Deus e comunhão uns com
os outros, como frisa Schönborn.380
E, neste sentido específico, faz-se passível de aplicação o
princípio eclesiológico fundamental que afirma a necessidade da Igreja para a salvação
daqueles que creem, justamente porque a comunhão que ela engedra, como mistério essencial,
é indispensável para sua união verdadeira com Deus e manifestação da sua identidade
sacramental.381
3.1.3 Os Modos de Comunhão na Igreja
A Comunhão Eclesial, de fato, se manifesta de modos diversos. Essencialmente, a
graça divina comunicada através dos sacramentos realiza comunhão eclesial. No entanto, a
Igreja se concretiza na história através da associação de fiéis; logo, a unidade do Corpo
Místico de Cristo, enquanto Povo de Deus reunido em nome da Trindade, a caminho da
376 Cf. Ibid., p. 381 – o excerto citado figura em Baraúna; correspondente em língua italiana, cf. DE LUBAC,
Henri. Meditazione sulla Chiesa. Milano: Paoline, 1965, p. 292-293. 377 Cf. MÜLLER, Gerhard Ludwig. La comprensión trinitaria de la Iglesia en la Constitución “Lumen Gentium”.
In: RODRÍGUEZ, Pedro (Dir.). Eclesiología 30 años después de “Lumen Gentium”. Pueblo de Dios – Cuerpo
de Cristo – Templo del Espíritu Santo – Sacramento – Comunión. Madrid: Rialp, 1994, p. 27-38. 378 São indispensáveis as distinções metodológicas recordadas por Ladaria, da parte da Comissão Teológica
Internacional, cf. LADARIA, Luis F. A Trindade: mistério de comunhão. SP: Loyola, 2009, p. 11-65, a respeito
das reflexões teológico-trinitárias de Rahner, sobre a Revelação do mistério trinitário – cf. RAHNER, Karl. The Trinity. New York: Herder & Herder, 2010, p. 21-24. E também, cf. CANTALAMESSA, Raniero.
Contemplando a Trindade. 2.ed. SP: Paulus, 2005, p. 79-90. 379 Cf. SCHÖNBORN, Christoph. Amar a la Iglesia. Ejercicios espirituales dados en el Vaticano en presencia de
S. S. Juan Pablo II. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1997, p. 23-31. Acrescente-se “finis omnium
Ecclesia” – cf. Ibid., p. 25.30. E também, cf. Cat., 760. 380 Cf. Ibid., p. 25. Acrescente-se: “Allí, en él corazón del Padre, no sólo reposa el Hijo; de allí procede el
decreto de la creación, el plan de la comunión que se llama y es la Iglesia” – cf. Ibid., p. 15. 381 Cf. Cat., 846-848. E também, cf. Lumen Gentium, 14. E ainda, cf. ESCRIVÁ, Josemaría. Amar a Igreja.
Lisboa: Prumo, Rei dos Livros, 1990, 53-57.
79
consumação da santidade que carrega como semente de salvação, também assim se perfaz.
Deste modo, o testemunho histórico da comunhão é inseparável da graça que realiza este dom
no crente. Mais, justamente a graça da comunhão com Deus tem o potencial salvífico de
instauração da comunhão entre os fiéis; na direção desta capacitação espiritual precisam
mover-se os corações daqueles que buscam a santidade na vida eclesial, pois a Comunhão
Eclesial é – substancialmente e necessariamente382
– Comunhão dos Santos.383
Como reflete a Constituição sobre a Igreja:
Esta santidade da Igreja incessantemente se manifesta e deve manifestar-se
nos frutos de graça que o Espírito Santo produz nos fiéis; exprime-se de
muitas maneiras em todos aqueles que, em harmonia com seu estado de vida,
tendem à perfeição da caridade, edificando uns aos outros, mas de modo
particular, evidencia-se na prática dos conselhos que ordinariamente se
chamam de evangélicos.384
E parafraseando o Catecismo da Igreja Católica, que recorda, por sua vez e atualiza a
ininterrupta tradição eclesial: a Comunhão dos Santos se perfaz justamente destes dois
horizontes indispensáveis e articulados entre si: a comunhão das coisas santas, portanto a
graça sacramental, como também a comunhão entre as pessoas santas; alimentando-se na
fonte da unidade com o Pai, em Cristo, pela emanação do Espírito, é que a Igreja cresce e se
fortalece para viver a comunhão e comunicá-la ao mundo em missão.385
Schönborn acrescentaria:
A comunhão dos santos é a comunhão de todos os que, como Cristo e com
Ele, se declaram solidários uns com os outros. Por isso, a Igreja como
comunhão dos santos não é um grupo particular entre outros grupos, mas é
como que o centro da humanidade, “o coração do mundo”.386
382 Cf. 1Jo 4,20. 383 Cf. Ef 1,1. E também, cf. At 9,13; Rm 1,7. 384 Cf. Lumen Gentium, 39. 385 Cf. Cat., 948. E também, cf. RODRÍGUEZ, Pedro. La Iglesia: misterio y misión. Diez lecciones sobre La
eclesiología del Concilio Vaticano II. Madrid: Cristiandad, 2007, p. 106-114. 386 Acrescente-se: “La communio sanctorum es la comunión de todos los que, como Cristo y con El, se declaran
solidarios unos de otros. Por eso, la Iglesia como communio sanctorum no es un grupo particular entre otros
grupos, sino que es el centro de la humanidad, „el corazón del mundo” – cf. SCHÖNBORN, Christoph. Op. cit.,
p. 190. E ainda: “Y así, communio sanctorum significa también que todos nosotros somos responsables los unos
pelos otros” – cf. Ibid., p. 191.
80
E assim, seria de desejar que toda a humanidade histórica viesse ao encontro da sua
identidade e vocação eclesial, para formarem um só povo no Senhor naquela comunidade de
fiéis, a Igreja Católica, que o Senhor Jesus Cristo escolheu para manifestar seu amor
esponsal.387
A existência daqueles que ignoram ou rejeitam a Comunhão Eclesial Católica
como lugar histórico de encontro como o amor divino, não descura, porém, a identidade da
eclesialidade. A Igreja, no seu mistério e, enquanto comunidade constituída historicamente,
continua sendo o que é, mesmo sem adesão da humanidade como um todo, uma vez que sua
identidade manifesta-se desde a comunhão trinitária. Mais, justamente por ser um sinal e
sacramento da íntima união com Deus, a Igreja é chamada à missão, desde a comunidade
cristã primitiva e apostólica a ser testemunha e missionária, comunicadora da comunhão em
suas atitudes e vida eclesial, para quantos desejem conhecer as razões da sua esperança.388
Assim, assentar-se sobre o modelo eclesial de Comunhão, ou sobre a Igreja entendida
como Comunhão, corresponde a reconhecer neste principio de agregação, que para alguns
teólogos floresceu como a “inovação conciliar de maior transcendência”389
, as raízes
trinitárias da sua vida e missão.390
Em síntese do exposto acima, desde a reflexão de Blasquez, entrevemos na
eclesiologia de comunhão que deriva da reflexão conciliar perspectivas diferentes de um
mesmo mistério.391
A saber, a Igreja Católica concretiza-se historicamente em:
i. Comunhão dos fiéis em Cristo, por meio da qual, a seu modo, todos os fiéis são
partícipes, pois compartilham como povo a mesma missão e o mesmo objetivo de vida. Nesta
perspectiva, a Eucaristia revela-se como inseparável da sua concretização, pois oferece na
liturgia, o que significa no sacramento;392
ii. Comunhão entre as Igrejas, por meio da qual, na Igreja Católica, as Igrejas
particulares manifestam-se como verdadeiras Igrejas de Cristo, como a Igreja universal que as
reúne na raiz de um mesmo mistério;393
387 Do exposto, manifesta-se a consciência explicitada na Constituição sobre a Igreja de que a verdadeira Igreja
de Cristo realiza-se historicamente na Igreja Católica, mesmo debaixo dos pecados e limitações daqueles que
dela fazem parte enquanto instituição visível; a saber: “Esta Igreja como sociedade constituída e organizada
neste mundo, subsiste na Igreja católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele,
ainda que fora do seu corpo se encontrem realmente vários elementos santificação e verdade, que, na sua qualidade de dons próprios da Igreja de Cristo, conduzem para a unidade católica” – cf. Lumen Gentium, 8. 388 Cf. 1Pe 3,15. E também, cf. Mt 16,15; 28,16-20. E ainda, cf. Lumen Gentium, 8.13-17. 389 Cf. BLAZQUEZ, Ricardo. La Iglesia del Concilio Vaticano II. 2.ed. Salamanca: Sigueme, 1991, p. 56-60. 390 Cf. Ibid., p. 60-63. 391 É também apropriada uma aproximação do das Declarações da Congregação para Doutrina da Fé sobre o
tema da comunhão eclesial, cf. CONGREGACIÓN PARA LA DOCTRINA DE LA FE. El misterio de la Iglesia
y la Iglesia como comunión. Madrid: Palabra, 1995. 392 Cf. BLAZQUEZ, Ricardo. Op. cit., p. 64-68. E também, cf. Ecclesia de Eucharistia, p. 34-46. 393 Cf. BLAZQUEZ, Ricardo. Op. cit., p. 68-71. E também, cf. Lumen Gentium, 23; Ad gentes, 19.
81
iii. Comunhão hierárquica, por meio da qual o corpo investido com o sacerdócio
ministerial – papa e episcopado; bispo e seu presbitério – simboliza e realiza na colegialidade
que os integra o serviço do corpo místico eclesial.394
Estas perspectivas assinaladas desde o interior da eclesialidade católica não fecham a
comunhão à Igreja em si mesma, antes a projetam para fora, para o mundo, justamente porque
isto também corresponde à sua natureza: ela deve ser como que uma “seta” que indica o
caminho da comunhão em todas as suas estruturas e em todos os fiéis, individualmente, e
comunitariamente organizados.395
3.1.4 A Esponsalidade como Comunhão396
Balthasar sustenta com relação ao “sujeito integral”397
da Igreja que este se manifesta
tanto coletivamente como individualmente. Coletivamente é como um povo, uma família,
uma associação de individualidades, de pessoas individuais articuladas entre si, congregadas.
Reunidas sim, contudo, não apenas por uma iniciativa humana de relação, mas congregadas
pela fé, e esta fé repousa em Jesus Cristo. Assim, as individualidades associadas – em Igreja –
são os cristãos em sentido próprio e sacramental, e todas as estruturas, mesmo notavelmente
humanas, também estão profundamente radicadas em Cristo e no se Espírito, como enfatizado
anteriormente. Logo, “o sujeito da Igreja é Cristo”398
– é Ele quem age na Igreja, realizando
“os atos da Igreja e respondendo desde sua manifestação sacramental”399
. Consequentemente,
mesmo concebida coletivamente a eclesialidade, nunca apenas povo, mas sendo povo
também, é corpo, e em leitura paulina, Corpo de Cristo, dependente de seu Senhor e Redentor,
cabeça em sentido próprio e teológico.
De tudo isto, conclui: “a Igreja não é nem pode ser outra coisa senão expansão,
comunicação e participação da personalidade de Cristo”400
, em sentido da humanidade e da
divindade unidas hispostaticamente em Cristo e manifestadas na sacramentalidade eclesial.
394 Cf. BLAZQUEZ, Ricardo. Op. cit., p. 71-76. E também, cf. CONGREGACIÓN PARA LA DOCTRINA DE
LA FE. “Communionis notio”, sobre algunos aspectos de la Iglesia considerada como comunión. In: CONGREGACIÓN PARA LA DOCTRINA DE LA FE. Op. cit., p. 101-189. 395 Cf. BLAZQUEZ, Ricardo. Op. cit., p. 76-78.79-102. 396 Este item explora a imagem esponsal e sua interface comunional de acordo com a exposição de Balthasar, cf.
BALTHASAR, Hans Urs von. Ensayos teológicos. II. Sponsa Verbi. 2.ed. Madrid: Encuentro, Cristiandad,
2001, p. 145-196. 397 Cf. Ibid., p. 145. 398 Cf. Ibid., p. 147. 399 Cf. Id. 400 Cf. Ibid., p. 148.
82
A claridade do seu pensar, a força do seu querer, o caráter conseqüente do seu
amor, são a vida que Ele nos infunde e sem a qual não podemos fazer “nada”,
mas com a qual podemos dar todo o fruto esperado de nós. Aqui, o princípio
único de vida que habita em Cristo está mais fortemente sublinhado que no
modelo do corpo.401
Esta relação profunda e necessária entre as imagens de Povo e Corpo também transita
tranquilamente para a da Esposa, justamente devido à interpretação patrística do nascimento
da Igreja desde “a ferida do lado aberto”402
de Jesus Cristo na cruz – ressaltada da teologia
joanina: o sangue e a água, símbolos associados de uma síntese sacramental, “significam o
„acontecer‟ do supremo amor divino-humano”403
. Este acontecimento do amor divino na
humanidade de Cristo une-se à entrega ou doação do Espírito, de modo que os três o Espírito,
a água e o sangue, perfazem as testemunhas do amor divino-humano de Jesus Cristo na
Igreja.404
Isso que nasce do corpo de Cristo quando morre: é unicamente a espírito-
corporeidade do Homem-Deus, que se efunde para fora em formas
sacramentais [...], ou se deve pensar que no Crucificado, que morre
representativamente, está de tal maneira presente o elemento da humanidade
pecadora pré-existente, que esta co-desemboca, como uma segunda realidade,
em certo modo, nesta criação e efusão da Igreja. Aceitando-se esta última
posição, que é a mais óbvia, o trânsito da imagem da Igreja como corpo para a
imagem como esposa já se realizou imperceptivelmente.405
401 Tradução de: "La claridad de su pensar, la fuerza de su querer, el carácter consecuente de su amor son esa
vida que se nos infunde y sin la cual no podemos hacer „nada‟, pero con la cual podemos dar todo fruto esperado
de nosotros” – cf. Id. 402 Tradução de: “la herida del costado” – cf. Ibid., p. 149. E também, cf. Jo 19, 31-37. 403 Tradução de: “significa el „acontecer‟ del supremo amor humano-divino” – cf. BALTHASAR, Hans Urs von. Op. cit., p. 149. 404 Cf. 1Jo 5,6-8. 405 Tradução de: “eso que nace del cuerpo de Cristo cuando Éste muere: es únicamente, acaso, la espíritu-
corporeidad del Hombre-Dios, que se efunde hacia fuera en formas sacramentales […], o si debe pensarse que en
el Crucificado, que muere representativamente, está de tal manera presente un elemento de humanidad pecadora
preexistente, que ésta co-desemboca, como una segunda realidad, en cierto modo, en esta creación y efusión de
la Iglesia. Si se acepta esto último, que es lo más obvio, el tránsito de la imagen de la Iglesia como cuerpo a la
imagen de la Iglesia como esposa se ha realizado ya imperceptiblemente” – cf. BALTHASAR, Hans Urs von.
Op. cit., p. 150.
83
E da reflexão acima, Balthasar retoma a passagem de São Paulo aos Efésios406
, na qual
através da comparação da relação entre Cristo e a Igreja, e do homem e a mulher, unidos pelo
amor, “obriga-se a conceber a imagem de Cabeça e corpo em um sentido esponsal e
pessoal”407
, pois a “Cabeça‟ significa agora realmente, neste contexto, o Senhor do
matrimonio, o Esposo, e o „corpo‟ significa o complemento e a fusão físico-matrimonial”408
.
Duas afirmações derivam daqui, segundo Balthasar409
:
i. Uma pessoal, pois a Igreja é alguém a quem o Senhor amou e por quem se entregou
à morte a fim de purificar pelo banho de água na palavra – alguém pré-existente, portanto;
ii. Uma somática ou corporal, pois a Igreja, tal como é, Gloriosa, sem ruga nem
mancha, nasce e procede do acontecimento da cruz, historicamente.
Tal imagem carrega desde suas bases bíblicas, como ressaltado no Capítulo I, como
advém da reflexão de Balthasar410
e Bucker411
, um profundo realismo, em sentido próprio,
pois atribui às partes da união certa “oposição esponsal” que garante para ambos, na ordem da
vida espiritual comunicada por Deus, uma “subjetividade e personalidade” próprias de
sujeitos reais, formadores de eclesialidade, antropologicamente situados.
Outra qualidade da imagem ressaltada por Balthasar é a valorização do feminino, uma
vez que a esposa é mulher, em sentido próprio; a Igreja, feminina, esposa, mulher e mãe,
evoluirá na patrística para uma associação apropriada à figura de Maria, com seus
qualificativos. 412
A eclesiologia esponsal, afirmará ainda Balthasar, tem sua centralidade no amor
eclesial dinâmico ascendente e descendente, sustentador e sustentado, que encontra em Maria
sua conclusão orgânica.413
É uma imagem, que por assim dizer, perpassa o abismo entre a
santidade suprema e imaculada, simbolizada em Maria e na sua virgindade, e o abismo da
iniqüidade do pecador na gravidade da sua pecaminosidade.414
Ambas as realidades incidem
diretamente na realidade da Esposa de Cristo, que o é assim, eleita desde sua pré-existência
pecadora para a santidade de Deus. A Igreja se perfaz assim, de comunhão daqueles que
406 Cf. Ef 5, 21-33. 407 Tradução de: “obliga a concebir la imagen de Cabeza y cuerpo en un sentido esponsal y personal” – cf. Ibid.,
p. 150. 408 Tradução de: “Cabeza‟ significa ahora realmente, en este contexto, el Señor del matrimonio, el Esposo, y ele „cuerpo‟ significa el complemento y la fusión físico-matrimonial” – cf. Id. 409 Cf. Id. 410 Cf. Ibid., p. 152-160. 411 Cf. BUCKER, Bárbara Pataro. O feminino da Igreja e o conflito. RJ: Vozes, 1995, p. 131-132. 412 Tradução de: “eclesificación‟ de la conciencia individual” – cf. BALTHASAR, Hans Urs von. Op. cit., p.
170. 413 Cf. Ibid., p. 182. E também, cf. RATZINGER, Joseph; BALTHASAR, Hans Urs von. María, Iglesia
naciente. 2.ed. Madrid: Encuentro, 2006. 414 Cf. BALTHASAR, Hans Urs von. Op. cit., p. 183.
84
foram eleitos para viverem conforme a santidade de Deus e foram feitos assim capazes
através da Páscoa de Jesus Cristo.
Finalmente, da analogia matrimonial, Balthasar ainda ressalta três elementos, ditos
pressupostos e indispensáveis, que sinalizam como a realidade humana manifesta-se como
“centro e cume da criação”415
, de modo que a imagem ou o modelo esponsal nada acrescenta
ao humano que não seja próprio da sua natureza, mas recolhe do humano justamente seus
elementos de ordem natural para aplicá-los a Cristo e à Igreja.
Primeiro, a relação que une os seres humanos sobre o sinal da fusão corporal, não os
une apenas fisicamente, como se aplica aos demais animais, mas relaciona seus espíritos, suas
realidades metafísicas, em vista da manifestação de um novo ser. Depois, num segundo
aspecto, advém a união da Igreja no Corpo de Cristo – união autêntica e sobrenatural. E
finalmente, a distinção por oposição que dá manutenção às individualidades pessoais – Deus e
a humanidade; humanidade, que nesta relação se perfaz feminina, simbolizada em Maria.416
É nesta ordem de aplicação que o matrimonio pode ser concebido como sinal da
redenção operada por Cristo, através da qual a Trindade manifesta seu desígnio de amor
humanidade, associando-a a Si, sem descurar sua identidade e personalidade.
Logo, o que entende aqui por comunhão, em interface esponsal, não é outra coisa
senão esta íntima união, que não corresponde apenas a um esforço humano, mas é
substancialmente eleição e vocação divina à aliança definitiva que transcende os limites da
materialidade física, que oferece ao princípio espiritual sua analogia esponsal. É manifestação
da comunhão trinitária e acolhimento desta, na união Cristo-Igreja, e na sua consecução
histórica – e, deste modo, a Igreja se perfaz da comunidade daqueles que foram feitos,
coletiva e individualmente, partícipes da comunicação do amor divino, que os capacita para
progredir na caridade até alcançarem a estatura de Cristo, em seu Corpo, para a glória
dAquele que continuamente cria e recria todas as coisas pelo poder do seu Espírito.417
3.2 A Esponsalidade da Igreja como Problema Epistemológico na Ciência Teológica
O estudo teológico, desenvolvido academicamente, tem caráter científico, enquanto
perscruta metodologicamente seu objeto de pesquisa: Deus no seu diálogo de Revelação com
415 Tradução de: “el centro e cumbre de la creación” – cf. Ibid., p. 189. 416 Cf. Ibid., p. 189-193. 417 Cf. Ef 3,14-21.
85
o ser humano.418
Sendo ciência, no sentido apropriado ao que se destina esta pesquisa, seus
pressupostos metodológicos verificam-se articulados aos parâmetros definidores do processo
científico moderno, isto é, a problematização metodológica da realidade ou de um aspecto da
realidade.419
No entanto, o método científico enquanto caminho epistemológico possui suas
imperfeições e limitações, que por sua vez, indubitavelmente atingem a pesquisa teológica e
podem comprometê-la, no seu caminho de conhecimento de Deus, justamente porque parte de
um dado não mensurável empiricamente, a fé.
Este impasse metodológico foi destacado pelo Papa Bento XVI em um diálogo com os
sacerdotes no encerramento do ano sacerdotal. Afirma o Santo Padre420
, que se faz necessário
“resistir à aparente cientificidade” da teologia, não se submetendo a todas as hipóteses do
momento: “mas pensar realmente a partir da grande fé da Igreja, que está presente em todos
os tempos e nos dá o acesso à verdade”. E ainda acrescenta:
Sobretudo, também, não pensar que a razão positivista, que exclui o
transcendente – que não pode ser acessível – é verdadeira razão! Esta razão
frágil, que só apresenta as realidades experimentáveis, é realmente uma razão
insuficiente. Nós teólogos devemos usar a razão grande, que está aberta à
grandeza de Deus. Devemos ter coragem de ir além do positivismo.421
Os três itens seguintes abordam esta questão metodológica desde o problema
epistemológico da ciência moderna, passando pela busca do entendimento do objeto de
pesquisa fundamental da teologia e sua abordagem, culminando na verificação da validade da
esponsalidade, aqui analisada, como princípio epistemológico na teologia.
418 Cf. LATOURELLE, René. Teologia, ciência da salvação. SP: Paulinas, 1981, p. 16-18. Acrescente-se: “O
ponto de partida da teologia é, portanto, o Deus vivo, em seu livre testemunho de si mesmo” – cf.
LATOURELLE, René. Teologia, ciência da salvação, p. 16. E ainda: “A revelação é o acontecimento decisivo e primeiro do cristianismo, condicionante da opção de fé [..]” – cf. LATOURELLE, René. Teologia da Revelação.
3.ed. SP: Paulinas, 1985, p. 5-6. 419 Cf. LATOURELLE, René. Teologia, ciência da salvação, p. 52-53. Acrescente-se: “Designa-se hoje pelo
termo de ciência toda disciplina que se beneficia de um objeto e método próprios e que termina numa síntese
comunicável [...], ditas experimentais ou racionais conforme predomine nelas o recurso à experiência ou a parte
da razão” – cf. LATOURELLE, René. Teologia, ciência da salvação, p. 52. 420 Cf. BENTO XVI. Diálogo na vigília por ocasião do encontro internacional de sacerdotes na conclusão do
ano sacerdotal – citação eletrônica completa em FONTES E BIBLIOGRAFIA. 421 Cf. Id.
86
3.2.1 A Ciência Moderna como Problema Epistemológico
A epistemologia, enquanto ciência positiva, estuda o “conhecimento” e,
consequentemente, os problemas relativos à aquisição do mesmo por parte do ser pensante,
isto é, o ser humano.422
O termo “conhecimento” figura aqui destacado tendo em vista que
também é considerado um problema científico. Zagzebski423
acentua que o conhecimento é
“relação”, como algo apropriado ao seu processo. E acrescenta: “De um lado da relação está
um sujeito consciente, do outro está uma porção da realidade com a qual o conhecedor está
direta ou indiretamente relacionado”424
. E assim conclui: “conhecimento é crença resultante
dos atos de virtude intelectual”425
, ou ainda: “é o contato cognitivo com a realidade resultante
dos atos de virtude intelectual”426
.
Também chamada de “teoria do conhecimento”427
, a epistemologia desenvolverá suas
problematizações em relação constante ao processo filosófico ocidental e ao método científico
moderno, assim constituído.428
De ambos universos conceituais advirão questionamentos
sobre a sustentabilidade do conhecimento, isto é, suas bases e a garantia da verdade: estando o
seu humano no centro do processo de conhecimento da realidade, e relacionando-se ele com
todas as coisas através da razão, o único conhecimento com garantia de sustentabilidade será
aquele advindo da experiência com a natureza e da interpretação racional dos conteúdos
adquiridos.429
Logo, a objetividade da experiência ou experimentação científica da natureza
acabará determinando a subjetividade das conclusões e das teorias científicas, como garantia
de verdade.430
E disto, amparada nas proposições da filosofia clássica, advirá a formulação de
422 Cf. GRECO, John. O que é epistemologia? In: GRECO, John; SOSA, Ernest (Org.). Compêndio de
epistemologia. SP: Loyola, 2008, p. 16. 423 Cf. ZAGZEBSKI, Linda. O que é conhecimento? In: GRECO, John; SOSA, Ernest (Org.). Op. cit., p. 153-189. 424 Cf. Ibid., p. 153. Acrescente-se: “Partindo do pressuposto de que a relação direta é uma questão de grau,
torna-se conveniente pensar no conhecimento de coisas como uma forma direta de conhecimento, em
comparação ao conhecimento sobre as coisas, que é indireto” – cf. Id. 425 Cf. Ibid., p. 182. 426 Cf. Ibid., p. 183. 427 Sobre a história sintética da teoria do conhecimento, cf. HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. SP:
Martins Fontes, 1999, p. 14-16. Acrescente-se a respeito da posição da teoria do conhecimento no sistema da
filosofia, segundo Hessen, que a ela seria adequada uma tripla qualificação: é uma teoria da ciência, do valor e
da visão de mundo, cf. Ibid., p. 12-14. 428 É difícil distinguir a ciência da filosofia dos pensadores nos tempos ditos modernos. Estão profundamente relacionados nos questionamentos, como nas suas elucidações, como ainda nos princípios formulados. Não
apenas a ciência e a filosofia, mas também a história, a literatura e a política. É o que sustenta Rossi, cf. ROSSI,
Paolo. A ciência e a filosofia dos modernos. SP: UNESP, 1992. 429 Cf. HESSEN, Johannes. Op. cit., p. 119-129. 430 Cf. Ibid., p. 70-92. Hessen recorda que a resposta do “teísmo cristão” à questão da verdade do conhecimento
reside formalmente na divindade como “princípio comum”, tanto do sujeito como do objeto do processo
cognitivo, e assim: “Como causa criadora do universo, Deus coordenou de tal modo os reinos ideal e real que
ambos concordam entre si, existindo, portanto, uma harmonia entre pensamento e ser. Assim, a solução do
problema do conhecimento reside na idéia da divindade enquanto origem comum do sujeito e do objeto, da
87
uma “lei de causalidade” na natureza, capaz de determinar mecanicamente suas características
e realidade.431
De uma pretensa e optada “lei de causalidade” para a concepção da natureza na ciência
moderna, a filosofia da ciência co-optou certa “causalidade” no processo de construção
sistemática do discurso científico, o que acabou por tornar a ciência, menos objetiva no
sentido estrito da natureza.432
E assim, o método científico que originalmente tendeu a zelar
pela representação da natureza, objeto de pesquisa e teorização, acabou perfazendo-se teoria
da teoria, ou manutenção da abstração já teorizada, desvinculando-se daquilo que no início do
processo científico da humanidade, sempre foi fundamental na aquisição do conhecimento.433
Esta “irrupção irresistível do formal”434
na lógica do pensamento moderno legou um
cenário de crise para a epistemologia científica, que, por sua vez, também dá forma
metodológica à expressividade e comunicabilidade da ciência teológica – pois seu objeto de
conhecimento não pode mensurado experimentalmente, no sentido expresso pelo método
moderno, e sua objetividade não reside numa realidade da natureza, mas propriamente
“metafísico”, pois se projeta para além desta realidade material e histórica, embora seja
evidenciado nela.
Este cenário de crise não invalida o processo científico de busca do conhecimento,
antes suscita a possibilidade de novos ambientes, com novos objetos, para o investimento da
racionalidade ou dos, acima citados, “atos de virtude intelectual”, inclusive a divindade, na
amplitude das manifestações religiosas, como Deus no estrito sentido cristão-católico.435
E
assim, o método científico, dito positivo, também se inclina para a necessidade de um diálogo
ordem do pensamento e da ordem do ser” – cf. Ibid., p. 94. E ainda, cf. ABRANTES, Paulo. Imagens da
natureza, imagens de ciência. Campinas: Papiros, 1998, p. 53-72. 431 Cf. HENRY, John. A revolução científica e as origens da ciência moderna. RJ: Zahar, 1998, p. 66-81. E
ainda, cf. ABRANTES, Paulo. Op. cit., p. 73-108. É conveniente frisar que esta concepção causal e determinista
vê-se criticada durante atualmente, inclusive por cientistas, que tem procurado enxergar o processo científico a
partir de uma atitude intelectual diferenciada, cf. PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas. Tempo, caos e as leis da
natureza. SP: UNESP, 1996. 432 Cf. HESSEN, Johannes. Op. cit., p. 148-159. Hessen situa esta problemática no horizonte de uma teoria
especial do conhecimento, explicando que “a teoria geral do conhecimento investiga o relacionamento de nosso
pensamento com os objetos de maneira geral”, enquanto a teoria especial do conhecimento o faria com “os
conteúdos de pensamento” que se expressam nos relacionamentos com os objetos do conhecimento – cf. Ibid., p.
133-148. 433 Abrantes afirmaria que conforme a humanidade transformou sua visão de mundo e de natureza, também a ciência, enquanto método de abordagem, também o fez. Esta transformação na imagem da natureza e na imagem
da ciência, ao longo da história de desenvolvimento do pensamento ocidental acabou determinando a obtenção e
a sistematização do conhecimento – cf. ABRANTES, Paulo. Op. cit., p. 9-28. 434 Cf. OMNÈS, Roland. Filosofia e ciência contemporânea. SP: UNESP, 1996, p. 9. O autor aplica esta
expressão “irrupção irresistível do formal” às ciências fundamentais desmembradas no processo moderno e
contemporânea da história do conhecimento ocidental, a saber: a lógica, as matemáticas e a física, e à sua visão
de mundo legada à metodologia científica, cf. Ibid., p. 9-10. 435 Sobre o lugar epistemológico da religião, cf. WOLTERSTORFF, Nicholas. Epistemologia da religião. In:
GRECO, John; SOSA, Ernest (Org.). Op. cit., p. 469-502.
88
com outros métodos, ou modelos de ciência, já evidenciados ao longo da história da
humanidade. O processo epistemológico que aqui se evidencia, mostra-se aberto para a
criatividade da racionalidade humana na sua busca de conhecimento.
3.2.2 A Ciência Teológica como Problema Epistemológico
Coloca-se aqui o problema do lugar epistemológico da ciência teológica, aqui
compreendido como o modo através do qual a teologia cristã produz e reproduz o
conhecimento de Deus. Neste sentido, considere-se a posição fundamental de Latourelle:
A revelação ou a palavra de Deus à humanidade é a primeira realidade cristã:
o primeiro fato, o primeiro mistério, a primeira categoria. Toda a economia da
salvação, na ordem do conhecimento, repousa sobre esse mistério a
automanifestação de Deus numa confidência de amor. A revelação é o
mistério primordial, o que nos comunica todos os outros, pois é a
manifestação do desígnio salvífico de Deus, premeditado desde toda a
eternidade e que se realizou em Jesus Cristo.436
Se a Revelação é o “acontecimento decisivo e primeiro do cristianismo”437
, que
condiciona a opção de fé como um ato da vontade humana de aderir, esta não pode ser
compreendida como “uma opção às cegas, mas uma opção de homem, de acordo com sua
natureza de ser inteligente e livre”438
. Logo, a fé enquanto adesão ao acontecimento
perpetrado pela Revelação cristã acontece mediada pela razão humana que é capaz de
escolher. Assim, a teologia cristã não tem outro ponto de partida senão a “inteligência da
fé”439
, enquanto esforço racional para assimilar e compor um patrimônio objetivo da
Revelação que simbolize aquilo a que se adere na fé.
Deste modo, a teologia cristã produz e reproduz conhecimento de Deus, quando lê
racionalmente, e critica coerentemente, a história de salvação da humanidade, e neste caminho
436 Cf. LATOURELLE, René. Teologia da Revelação, p. 5. 437 Cf. LATOURELLE, René. Teologia da Revelação, p. 5-6. 438 Cf. LATOURELLE, René. Teologia da Revelação, p. 6. 439 Cf. LATOURELLE, René. Teologia da Revelação, p. 7. Acrescente-se: “[...] é uma busca do espírito, uma
prospecção do mistério já aceito na fé” – cf. Id.
89
econômico, perscruta o mistério revelado, tendo em vista sua comunicabilidade e
inteligibilidade.440
Não se pode descurar que este esforço salutar já possui um desenvolvimento histórico,
pois como afirmaria Ratzinger: “Foi a filosofia que deu à fé sua primeira visão concreta”441
. E
disto, há que se acrescentar em síntese:
A identificação entre cristianismo e filosofia deve-se a um determinado
conceito de filosofia que aos poucos passou a ser criticado pelos pensadores
cristãos, sendo definitivamente abandonado no século XIII. A diferença entre
um e outro, que é obra antes de tudo de Tomás de Aquino, os distingue mais
ou menos assim: Filosofia é a razão pura procurando responder às questões
últimas da realidade. Conhecimento filosófico é somente o conhecimento que
se pode chegar pela razão como tal, sem se recorrer à revelação. Sua certeza
provém unicamente do argumento, e suas afirmações valem tanto quanto os
argumentos. A teologia, ao invés, é a realização compreensiva da revelação de
Deus; é a fé em busca de compreender. Por conseguinte ela própria não
encontra seus conteúdos, mas os obtém da revelação, para em seguida
compreendê-los em sua ligação e em seu sentido interno. Com uma
terminologia que teve início apenas com Tomás de Aquino, passou-se a fazer
referência a esses dois terrenos diferentes, filosofia e teologia, como a ordem
natural e a ordem sobrenatural. Estas distinções só passaram a ser inteiramente
claras na Era Moderna.442
Da exposição de Ratzinger tém-se a clara ideia da distinção que se produziu
paulatinamente entre filosofia e teologia, entre conhecimento racional e fé. O problema
enunciado no subtítulo, sobre o lugar epistemológico da ciência teológica, se coloca tendo em
vista que, embora historicamente tenham sido distintos os ambientes apropriados a cada um
dos estudos – filosofia e teologia –, a teologia, enquanto compreensão da fé, não se concretiza
senão através do recurso à capacidade racional de elaboração e síntese do ser humano. Tanto
440 Wolterstorff enfatizaria que a adesão a uma religião implica da parte do crente em atos participativos como: o
culto, leitura e interpretação de escrituras sagradas, oração, meditação, autodisciplina, submissão às instruções,
atos justos e caridade, em suma: mudança e transforma de comportamentos que sinalizam e materializam a
adesão à fé. Neste sentido, a religiosidade é indubitavelmente lugar epistemológico, pois promove conhecimento
e transforma a visão de mundo, encerrando um comportamento diferenciado – cf. WOLTERSTORFF, Nicholas.
Epistemologia da religião. In: GRECO, John; SOSA, Ernest (Org.). Op. cit., p. 469. 441 Cf. RATZINGER, Joseph. Natureza e missão da teologia. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 13. 442 Cf. Ibid., p. 15-16.
90
que, enquanto ciência positiva e especulativa, a teologia está profundamente enraizada na
articulação racional dos conteúdos da fé.
O Papa João Paulo II procurou enunciar esta difícil relação afirmando a busca da
verdade e sua adesão, como objetivo conjunto de cada um desses esforços intelectuais. E o fez
alertando o que chamou de “tarefas atuais da teologia”, que acabam por elucidar o problema
proposto acima:
Enquanto compreensão da Revelação, a teologia, nas sucessivas épocas
históricas, sempre sentiu como próprio dever escutar as solicitações das várias
culturas, para permeá-las depois, por meio de uma coerente contextualização,
com o conteúdo da fé. Também hoje lhe compete uma dupla tarefa. Por um
lado, deve cumprir a missão que o Concílio Vaticano II lhe confiou: renovar
as suas metodologias, tendo em vista um serviço mais eficaz à evangelização.
[...] Mas, por outro lado, a teologia deve manter o olhar fixo sobre a verdade
última que lhe foi confiada por meio da Revelação, não se contentando nem se
detendo em etapas intermédias. [...] Essa tarefa, que diz respeito em primeiro
lugar à teologia, interpela também a filosofia.443
Pelo enfatizado acima pelo Papa João Paulo II, o esforço racional, dito filosófico, tem
lugar na teologia, enquanto instrumental, como “o espelho onde se reflete a cultura dos
povos”444
, que interpela e questiona a teologia na sua busca e adesão à verdade, não apenas
como conjunto ideológico, mas como à pessoa do Verbo Encarnado, Jesus Cristo.445
Neste sentido, especificamente, reside o cerne da problematização deste subtítulo: a
adesão à fé cristã conforma um conjunto de atitudes próprias dos cristãos, que identificam e
caracterizam a fé, na sua consecução histórica; assim, as imagens da Igreja, enquanto modo de
expressão, historicamente constituído, da fé e da relação da humanidade com Cristo,
verificam-se como lugar epistemológico da ciência teológica, pois possibilitam conhecimento
das consequências históricas do modo com o ser humano experimenta e transmite sua relação
com Deus.
443 Cf. Fides et ratio, 92 – grifos nossos. 444 Cf. Fides et ratio, p. 103. 445 Cf. Fides et ratio, p. 92.
91
3.2.3 A Esponsalidade da Igreja como Problema Epistemológico
O problema epistemológico da ciência moderna enquanto evasão da realidade para a
formulação e manutenção do conceito, como evidenciado no item 3.1.1, de fato, não se impõe
como objeção direta à utilização teológico-científica da imagem esponsal, uma vez que sua
teorização diz respeito a uma relação antropológica fundamental, aplicada à religião e à
relação de Deus com seu povo, como de Jesus Cristo com sua Igreja: é substancialmente uma
relação de amor, de união e comunhão, que inclusive aproxima a divindade, e seu
conhecimento, do humano, em atitude de profunda condescendência, como observado da
fundamentação bíblica no capítulo I.
E neste sentido, especificamente antropo-teológico, a esponsalidade pode colocar em
diálogo a teologia e a filosofia, como também o mundo científico, que nasceu como
especialização da reflexão epistemológica da natureza. Logo, também a imagem esponsal
pode ser interpretada como instrumento para superação da distância criada historicamente
entre fé e razão, e não como objeção ao conhecimento de Deus.
A esponsalidade da Igreja, aqui tematizada, também se impõe como problema
epistemológico, uma vez que evoluiu historicamente como conceito entranhado de novas
caracterizações, como observado ao logo do capítulo 2; pode ela, portanto, expressar
satisfatoriamente o ser da Igreja para o mundo atual? A esponsalidade diz algo a respeito da
identidade eclesial que precisa ser salientado para o mundo cristão-católico hodierno e para os
homens de boa vontade?
Mais que isso: a esponsalidade da Igreja, refletida da Constituição sobre a Igreja do
Concílio Vaticano II, mesmo com suas limitações de elaboração teológicas, salientadas
anteriormente, tem as prerrogativas necessárias para conduzir o povo cristão ao conhecimento
do verdadeiro Deus?
A imagem esponsal evoluiu para o conceito de esponsalidade para falar de uma
maneira de a Igreja relacionar-se com Jesus Cristo, seu Senhor e Salvador. No entanto, este
conceito teológico só pode expressar a força da união, se concretizado historicamente por um,
ou muitos, instrumentos de comunhão. Eis a razão para pensar a comunhão eclesial como
interface da esponsalidade, isto é, como outro rosto humano (fundado no matrimonial, porém
diferente dele) que signifique esta realidade elevada à ordem da graça; nada menos que um
sacramento, em sentido amplo, que comunica o que contém, isto é, o mistério da
eclesialidade, para aquele que dele desejar conhecimento de Deus.
Afirmaria a Constituição sobre a Igreja, que a Igreja essencialmente, é o sacramento de
Cristo, porque autorizada pelo Espírito Santo – que a consagra – significa e comunica a
92
pessoa e obra de Jesus, como luz que ilumina todo homem; e que Cristo é como que
sacramento do Pai, justamente porque o revela446
. Nos encaminhamentos finais do Concílio,
Smulders enfatizaria sobre a Igreja:
Comunidade humana de liberdade e de amor, congregada pela ação salvífica
de Cristo, unida pelo Espírito Santo, abrigada pelo amor sempre salvador do
Pai, a Igreja é sobre a terra o potente sinal do desígnio de Deus nosso
Salvador. No tempo decorrente entre a Ascensão e a Parusia, ela é o
Sacramento da humanidade [...] visível para todos, apontando para Cristo.447
Assim, a comunhão eclesial historicamente constituída na Igreja Católica448
, e por
meio dela no mundo, parece servir para revelar na esponsalidade da Igreja, Cristo, e neste
mesmo Espírito, em Cristo, a paternidade de Deus.
3.3 Envergadura Pastoral da Esponsalidade: Diálogo com a Teologia Latino-Americana
A Conferência de Aparecida ressaltou que o amor esponsal de Cristo por sua Igreja, da
Igreja para Cristo, tem lugar na reflexão teológica latino-americana: amor como experiência
pessoal comunicada através do anúncio querigmático e missionário da fé. E que no coração
deste mistério eclesial que caminha ao encontro da unidade derradeira está a comunhão –
comunhão com Cristo e entre os irmãos; na comunidade eclesial e no mundo; da comunidade
para a sociedade, num contínuo impulso evangelizador que dissemina a presença de Jesus
Cristo que no poder do seu Espírito é capaz de vivificar todas as realidades humanas, dando-
lhes sentido divino.
Os discípulos de Jesus são chamados a viver em comunhão com o Pai e com
seu Filho morto e ressuscitado, na “comunhão no Espírito Santo”. O mistério
da Trindade é a fonte, o modelo e a meta do mistério da Igreja: “um povo
reunido pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito”, chamado em Cristo
“como sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com Deus e da
446 Cf. Lumen Gentium, 1-4. 447 Cf. SMULDERS, Pieter. A Igreja como sacramento de salvação. In: BARAÚNA, Guilherme (Dir.). Op. cit.,
p. 418-419. 448 Cf. Lumen Gentium, 8.
93
unidade de todo o gênero humano. A comunhão dos fiéis e das Igrejas locais
do Povo de Deus se sustenta na comunhão da Trindade.449
E ainda, em conseqüência: “a vocação ao discipulado é con-vocação à comunhão em
sua Igreja”450
. E deste modo, “a Igreja, como „comunidade de amor‟ é chamada a refletir a
glória do amor de Deus, que é comunhão, e assim atrair as pessoas e os povos para Cristo”451
.
Disto deriva a consciência, bastante avançada teologicamente, de que “a Igreja cresce, não por
proselitismo, mas por atração [...] quando vive em comunhão”452
.
O Documento falará então de “lugares”453
apropriados à construção da comunhão: a
diocese, a paróquia, as comunidades eclesiais, as conferências episcopais. Falará também de
discípulos com vocações específicas: bispos, presbíteros, diáconos, fiéis leigos e leigas,
consagrados e consagradas.454
Falará ainda daqueles que deixaram a fé católica e daqueles
que vivem em outros credos, também como discípulos a seu modo, bastante específicos.455
Todos estão a ser chamados à comunhão na santidade de Deus, através do seguimento de
Jesus animados pelo Espírito Santo.456
Miranda situa Aparecida no eixo de uma nova configuração eclesial para o
enfrentamento da situação de crise que interroga a Igreja latino-americana, e desta, à Igreja
universal. A saber:
A Igreja é uma realidade humano-divina. Enquanto divina deve ela sua
identidade ao próprio Deus, manifestado e presente na pessoa de Jesus Cristo.
Mas, enquanto comunidade de homens e mulheres, esta mesma identidade
som existe enquanto encarnada na história, em épocas, contextos e situações
existenciais bem determinados. [...] E, como tais contextos vitais sofrem
transformações, como nos comprova a história da humanidade, também a
Igreja, para realizar sua missão salvífica e fazer jus à sua própria identidade de
sinal e instrumento do Reino, deve assumir, desde que se façam necessárias
para sua finalidade, estas transformações em sua configuração institucional.
449 Cf. Aparecida, 155. 450 Cf. Aparecida, p. 156. 451 Cf. Aparecida, p. 159. 452 Cf. Aparecida, p. 159. E também, cf. Rm 12,4-13; Jo 13,34. 453 Cf. Aparecida, 84-92. 454 Cf. Aparecida, p. 93-105. 455 Cf. Aparecida, p. 106-112. 456 Cf. Aparecida, p. 71-80.
94
Daí se explicam as mudanças históricas no culto, nas expressões doutrinais, na
organização comunitária, nas linhas pastorais, no serviço da caridade.457
E indica segundo sua leitura, os aspectos salutares desta nova configuração desde as
conclusões da Conferência, isto é, a Igreja latino-americana precisa ser uma comunidade
eclesial de místicos – experimentadores da fé – missionários, atenta aos primeiros dignitários
da Revelação Divina em Jesus Cristo, os pobres.458
De fato, uma Igreja capaz de mostra-se
fonte de unidade e de coerência, numa “sociedade fragmentada”459
, carente de sentido.
Logo, parece haver lugar na eclesiologia latino-americana para a construção de
manifestações pastorais que privilegiem esta imagem salutar da tradição cristã, não
significativamente ressaltada no Concílio Vaticano II, ao menos diretamente, que traz como
itinerário simbólico a unidade na missão evangelizadora: do Cristo Senhor para o mundo, no
Amor.460
Como refletiria Bucker:
A missão unificadora é, pois, a expressão da soberania de Cristo diante da qual
nenhuma cultura, em sua autentica identidade, é alheia. Por isso, é verdadeira
unidade de diferenças. E por isso também, a missão respeita as „alteridades‟
[...] sem confundir-se com uma nivelação que uniformiza, mas não une.461
Para concluir, sem terminar, “a missão unificadora é consciência do envio ao
diferente”462
, é diálogo amoroso com o diferente que acaba por impor-se pelo obséquio da
verdade. E a Igreja latino-americana parece poder haurir esta renovação eclesiológica da
renovação da consciência teológica que tem de si mesma, a partir deste referencial
comunional que é a esponsalidade.
457 Cf. MIRANDA, Maria de França. O desafio de Aparecida: uma configuração eclesial para a América Latina.
REVISTA ECLESIÁSTICA BRASILEIRA. 50 anos depois do Vaticano II na América Latina. Petrópolis: Vozes,
v.69, n. 273, janeiro, 2009, p. 80. 458 Cf. Ibid., p. 93-102. 459 Cf. MIRANDA, Mario de França. A Igreja numa sociedade fragmentada. Escritos eclesiológicos. SP:
Loyola, 2006, p. 147-208. 460 É o que afirma Gonzáles, quando reflete a teologia dos documentos da Conferência latino-americana;
parafraseando-o: o centro da fé professada nas quatro conferências gerais é Jesus Cristo – ele é o Mestre, que a
Igreja segue quais discípulos, em missão ad gentes – cf. GONZÁLES, Carlos Ignacio. Seguir a Jesús en América
Latina. Rutas de las cuatro conferencias generales Del episcopado latinoamericano. 2.ed. México: Buena Prensa,
2006, p. 275-286. 461 Cf. Ibid., p. 314. 462 Cf. Id.
95
CONCLUSÃO
A Igreja que nasce de Jesus Cristo e de sua Páscoa, como lugar de comunhão,
profundamente refletida pelo Concílio Vaticano II, continua a fazer-se, não apenas enquanto
universal, mas também enquanto particular, não apenas como comunidade de fiéis, mas
também como humanidade redimida inserida no mundo e em relação com o mundo. Esta
Igreja de Cristo – este sujeito eclesial – continua seu processo de compreensão de si mesmo, e
de síntese da sua identidade. Certamente a grande contribuição do Concílio para a Igreja foi a
de ajudá-la a ver-se, compreender-se, anunciar-se. Faz-se oportuna aqui uma recolocação da
reflexão de Congar, já citada na Introdução desta monografia – a saber:
[...] o Concílio discutiu, trabalhou em comissões [...] e esse trabalho
desembocou em alguns textos. [...] Trata-se de textos, isto é, de conjuntos de
idéias. Ora, é preciso, depois disso, que essas idéias sejam aplicadas de modo
concreto. Evidentemente, elas mesmas têm o seu dinamismo próprio. E creio
que haja realmente, nesse domínio, um dinamismo do Concílio. [...] se o
Concílio teve um sentido, foi de passar do domínio ideal ou ideológico para o
concreto da vida da Igreja.463
Um caminho a percorrer historicamente, portanto, é o da aventura do diálogo, que traz
do campo ideológico, para o concreto da vida pastoral eclesial, aquilo que os Padres
conciliares com tanto labor evidenciaram. Neste sentido, a Igreja latino-americana parece
estar oferecendo grandes contribuições à Igreja universal, quando já compreende suas
relações internas e externas como passíveis de uma nova hermenêutica – como evidenciado na
última Conferência do episcopado latino-americano.
O desafio de definição de uma nova hermenêutica, ou ainda de um novo princípio
hermenêutico para a eclesialidade católica – isto é, de um novo caminho de conhecimento de
si mesma, através do qual, se pode chegar a uma melhor compreensão do mistério da relação
que Deus estabelece com a humanidade na sua Revelação, como autocomunicação de amor e
amizade – que culmina numa redescoberta das suas características fundamentais, parece ser o
caminho, com grandes limitações, delineado neste construto monográfico.
A Igreja-Esposa não pode ser para a Igreja de hoje uma ideia ou uma ideologia, ou
menos, uma teoria científica coerente do ser da eclesialidade. A Igreja é feita de seres
463 Cf. CONGAR, Yves-Marie. Diálogos de outono. SP: Loyola, 1990, p. 9.
96
humanos, integrados em comunidades em relação uns com os outros, cada qual com sua
especificidade, construindo a unidade do Corpo Místico de Cristo no mundo e na história,
desde a unidade do Amor do Pai e do Filho, como Povo congregado nesta unidade e por esta
unidade. Não é uniforme, mas diversa, e por isso precisa integrar-se, entendo-se como um
conjunto orgânico de realidades eclesiais específicas inter-relacionadas e coerentes.
Provavelmente seja este o maior desafio da Igreja-Esposa: compreender-se assim,
fazendo-se. A esponsalidade, assim comprendida, não corresponde apenas a uma tipologia
matrimonial aplicada à Igreja, mas verdadeiramente é símbolo de sua identidade comunional
– verificada nesta pesquisa, como capaz de engedrar e comunicar a vitalidade da mentalidade
conciliar na Igreja Católica e no mundo atual.
A Igreja-Esposa-de-Cristo mostra-se substancialmente como uma experiência de
comunhão na unidade que a graça trinitária promove e prorrompe. Logo, necessita de adesão,
iniciativa e concretização da parte da humanidade eleita para a salvação – não meramente
teóricas, mas práticas e enraizadas numa história que caminha para consumação final, porque
constrói sua individuação eclesial, projetando-se no Espírito para o encontro com o Cristo-
Esposo.464
É uma Igreja atuante e dinâmica, como o desejara o Vaticano II, movida pelo Amor.
464 Cf. FAHEY, Michael A. A Igreja. In: FIORENZA, Francis S.; GALVIN, John P. (Org.). Teologia
sistemática. Perspectivas católico-romanas. v.2. SP: Paulus, 1997, p. 57-61.
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