RICARDO DE NARDI FONOFF · 2 Fernanda Victor Rodrigues Vieira Vicentini Zootecnista Bem-estar...

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Universidade de São Paulo Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” Bem-estar humano e sua influência no bem-estar de vacas leiteiras Fernanda Victor Rodrigues Vieira Vicentini Tese apresentada para obtenção do título de Doutora em Ciências. Área de concentração: Engenharia de Sistemas Agrícolas Piracicaba 2016

Transcript of RICARDO DE NARDI FONOFF · 2 Fernanda Victor Rodrigues Vieira Vicentini Zootecnista Bem-estar...

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Universidade de São Paulo Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”

Bem-estar humano e sua influência no bem-estar de vacas leiteiras

Fernanda Victor Rodrigues Vieira Vicentini

Tese apresentada para obtenção do título de Doutora em Ciências. Área de concentração: Engenharia de Sistemas Agrícolas

Piracicaba 2016

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Fernanda Victor Rodrigues Vieira Vicentini

Zootecnista

Bem-estar humano e sua influência no bem-estar de vacas leiteiras

versão revisada de acordo com a resolução CoPGr 6018 de 2011

Orientador: Prof. Dr. IRAN JOSÉ OLIVEIRA DA SILVA Tese apresentada para obtenção do título de Doutora em Ciências. Área de concentração: Engenharia de Sistemas Agrícolas

Piracicaba 2016

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

DIVISÃO DE BIBLIOTECA - DIBD/ESALQ/USP

Vicentini, Fernanda Victor Rodrigues Vieira Bem-estar humano e sua influência no bem-estar de vacas leiteiras / Fernanda Victor

Rodrigues Vieira Vicentini. - - versão revisada de acordo com a resolução CoPGr 6018 de 2011. - - Piracicaba, 2016.

162 p. : il.

Tese (Doutorado) - - Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”.

1. Bem-estar de colaboradores 2. Bem-estar animal 3. Treinamento 4. Relação humano-animal 5. Satisfação no trabalho 6. Recursos humanos e gestão I. Título

CDD 636.214 V633b

“Permitida a cópia total ou parcial deste documento, desde que citada a fonte – O autor”

3

Aos humanos e não humanos. Que a convivência seja pacífica.

4

5

AGRADECIMENTOS

Ao professor Dr. Iran José Oliveira da Silva pela oportunidade de aprofundar

meus conhecimentos na área de bem-estar animal, pela confiança nos trabalhos

desenvolvidos durante o período de doutorado e pela orientação enriquecedora na

profissão e na vida.

Ao Núcleo de Pesquisa em Ambiência (NUPEA) e às pessoas que fizeram e

fazem esse grupo tão especial: Aérica, Ana Carolina, Ana Luiza, Ariane, Danielle,

Frederico, Guilherme, Iran, Isis, Ilze, Karina, Maria Amelia, Natália, Patrycia e

Paulo. Em especial aos amigos Ana Luiza, Guilherme, Maria Amelia e Paulo por me

acompanharem nas madrugadas a caminho das fazendas e me ajudarem

imensamente na parte experimental da pesquisa; à amiga Ana Carolina, por me

abrigar e sempre estar disposta a ajudar no que fosse preciso; à estimada Ilze, pela

disposição inacabável de auxiliar em tudo que estivesse ao seu alcance; à amiga

Ariane, pelo apoio e por sempre estar disposta quando precisei e à amiga Patrycia,

pelas longas conversas e apoio.

À Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, ao Departamento de

Engenharia de Biossistemas, ao Programa de pós-graduação em Engenharia de

Sistemas Agrícolas e a todos os funcionários técnicos e administrativos pelo

importante auxílio na realização deste estudo.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),

pela concessão da bolsa de estudos.

Aos produtores e trabalhadores que abriram as porteiras das fazendas e as

portas de suas casas e nos receberam com muita educação e atenção.

Ao professor Dr. Makilim Nunes Baptista, que nos auxiliou na parte de

avaliação de bem-estar humano e à professora Dra. Sônia Maria de Stefano

Piedade, que nos apoiou na melhor forma de avaliação dos dados.

À querida amiga Zaira por abrir as portas da casa dela e cuidar de mim em

Piracicaba e ao amigo Bruno, pela amizade e apoio.

Agradeço à minha família, à minha mãe, ao meu pai e ao meu esposo pelo

apoio incondicional, grande amor e muita paciência em todos os dias das nossas

vidas.

Muito obrigada!

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7

What does an ideal food system accomplish? In the committee’s view, such a

system should support human health; be nutritionally adequate and affordable and provide accessible food for all in a manner that provides a decent living for farmers

and farm workers; and protect natural resources and animal welfare while minimizing environmental impacts.

O que um sistema alimentar ideal realiza? Na opinião da comissão, esse sistema

deve apoiar a saúde humana; ser nutricionalmente adequado e economicamente acessível e fornecer alimentos acessíveis a todos de uma maneira que proporcione uma vida decente aos produtores e trabalhadores; e proteger os recursos naturais e

o bem-estar animal, minimizando os impactos ambientais.

A Framework for Assessing Effects of the Food System – Institute of Medicine and National Research Council

8

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SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................... 11

ABSTRACT ............................................................................................................... 13

LISTA DE FIGURAS ................................................................................................. 15

LISTA DE TABELAS ................................................................................................. 17

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 19

1.2 Revisão bibliográfica ........................................................................................... 21

1.2.1 Bem-estar humano ........................................................................................... 21

1.2.2 Atitudes e comportamento humano: influência sobre os animais de produção 23

1.2.3 Treinamento de trabalhadores ......................................................................... 29

1.2.4 Bem-estar animal ............................................................................................. 32

1.2.5 Avaliações do bem-estar animal ...................................................................... 34

I) A esfera física na avaliação do BEA ..................................................................... 37 II) A esfera mental na avaliação do BEA ................................................................... 38 III) A esfera da naturalidade na avaliação do BEA ..................................................... 41

1.2.6 Oportunidades de melhoria do bem-estar para pessoas e animais nas fazendas .................................................................................................................... 41

Referências ............................................................................................................... 45

2 RELAÇÃO ENTRE BEM-ESTAR HUMANO E BEM-ESTAR ANIMAL EM PROPRIEDADES LEITEIRAS ................................................................................... 55

Resumo ..................................................................................................................... 55

Abstract ..................................................................................................................... 55

2.1 Introdução ........................................................................................................... 56

2.2 Material e métodos .............................................................................................. 59

2.2.1 Avaliação do bem-estar das vacas leiteiras ..................................................... 61

2.2.2 Avaliação do Bem-estar Humano ..................................................................... 67

2.2.3 Coleta de dados e análise dos resultados ........................................................ 71

2.3 Resultados e discussão....................................................................................... 72

2.3.1 Avaliação do Bem-estar Animal ....................................................................... 72

2.3.2 Princípio Instalação .......................................................................................... 74

2.3.3 Princípio Sanidade ........................................................................................... 76

2.3.4 Princípio Comportamento ................................................................................. 78

2.3.5 Avaliação final do Bem-estar Animal ................................................................ 81

2.3.6 Avaliação do Bem-estar Humano ..................................................................... 82

2.4 Conclusões parciais ............................................................................................ 88

Referências ............................................................................................................... 88

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3 INFLUÊNCIA DO TREINAMENTO NAS ATITUDES, NO COMPORTAMENTO, NO CONHECIMENTO TÉCNICO DE MANEJADORES E NO MEDO EXPERIMENTADO POR VACAS ............................................................................................................. 94

Resumo .................................................................................................................... 94

Abstract ..................................................................................................................... 95

3.1 Introdução ........................................................................................................... 95

3.2 Material e métodos ............................................................................................. 97

3.2.1 Avaliação das atitudes ..................................................................................... 99

3.2.2 Avaliação dos comportamentos humanos ..................................................... 101

3.2.3 Avaliação da distância de fuga das vacas ..................................................... 102

3.2.4 Coleta de dados e análise dos resultados ..................................................... 103

3.3 Resultados e discussão .................................................................................... 105

3.3.1 Atitudes .......................................................................................................... 105

3.3.2 Comportamento ............................................................................................. 108

3.3.3 Medo em vacas leiteiras ................................................................................ 113

3.3.4 Conhecimento técnico em bem-estar animal ................................................. 114

3.4 Conclusões parciais .......................................................................................... 116

Referências ............................................................................................................. 116

4 CONCLUSÕES FINAIS ....................................................................................... 121

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 123

ANEXOS ................................................................................................................. 125

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RESUMO

Bem-estar humano e sua influência no bem-estar de vacas leiteiras

Cada vez mais o bem-estar animal (BEA) está ganhando espaço no cenário mundial, tanto pela pressão dos países importadores, quanto pela demanda de uma sociedade mais consciente em relação às condições de vida dos animais de produção. Apesar da preocupação crescente com o BEA, são escassos os estudos sobre o bem-estar humano (BEH) nas fazendas e como ele poderia influenciar o BEA. Dessa maneira, a presente pesquisa teve como principais objetivos: analisar a relação entre bem-estar humano e bem-estar animal em propriedades leiteiras e a influência do treinamento nas atitudes, no comportamento, no conhecimento técnico de manejadores (trabalhadores e proprietários) e no medo experimentado por vacas leiteiras. As principais conclusões foram que fazendas pontuadas em nível bom de BEA apresentaram maior pontuação de BEH e fazendas pontuadas em nível aceitável de BEA apresentaram menor pontuação de BEH. Em adição, o treinamento foi positivo no comportamento humano em relação às vacas leiteiras, na diminuição do medo que as vacas têm do humano e no conhecimento técnico em BEA. De acordo com esses resultados, quanto maior o nível de BEH maior o nível BEA e o treinamento em BEA influenciou os comportamentos, os conhecimentos técnicos, o medo em vacas e as atitudes dos trabalhadores. Palavras-chave: Bem-estar de trabalhadores; Bem-estar animal; Treinamento;

Relação humano-animal; Satisfação no trabalho; Recursos humanos e gestão

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ABSTRACT

Human welfare and its relationship to dairy cows welfare

Increasingly, animal welfare (AW) has been gaining ground on the world stage, both by pressure from importing countries, as the demand for a more conscious society regarding the living conditions for farm animals. Despite the growing concern on AW, there are few studies on human welfare (SW) in farms and how it could influence AW. Thus, the present study aimed: to analyze the relationship between stockpeople welfare and animal welfare in dairy farms and the influence of training on attitudes, behaviour, technical expertise of stockpeople (employees and owners) and fear experienced by dairy cattle. The main conclusions were that farms scored in good AW level had a higher SW score and farms scored in acceptable AW level had lower SW scores. In addition, training was positive on human behaviour towards dairy cows, on reducing fearful cows, and on AW technical expertise. According to these results, the higher AW's level, the higher SW's level. Keywords: Stockpeople welfare; Animal welfare; Human-animal relationship;

Training; Job satisfaction; Human resources and management

14

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Versão simplificada do modelo de Azjen e Fishbein (1980) sobre a relação

entre atitudes e comportamento (HEMSWORTH; COLEMAN, 2011) ...... 24 Figura 2 - Esquema baseado nos conceitos de Boivin et al. (2003) e Hemsworth e

Coleman (1998) ........................................................................................ 25 Figura 3 - Modelo de interação entre os diversos fatores que influenciam as atitudes

e o comportamento dos humanos em relação aos animais. Adaptado de Hemsworth e Coleman (1998) .................................................................. 26

Figura 4 - Modelo de Fogg sobre o Comportamento (Adaptado de FOGG, 2009).... 31

Figura 5 - Número absoluto de estudos sobre bem-estar animal publicados a cada

ano. O número das publicações de 2010 a 2012 (n = 2483) compreende cerca de um terço do número total de publicações nos últimos 20 anos (Walker et al., 2014) ................................................................................. 33

Figura 6 - Modelo de retroalimentação das interações entre humanos e animais de

produção (HEMSWORTH; COLEMAN, 1998) .......................................... 39 Figura 7 - Interações entre humanos e animais de produção e consequências

positivas da manutenção de comportamentos positivos tanto de humanos quanto de animais. O treinamento é parte fundamental para a personificação da cultura pacífica na fazenda .......................................... 40

Figura 8 - Quadro conceitual ilustrando a cultura positiva na fazenda (adaptado de

BURTON et al., 2012) .............................................................................. 44

Figura 9 - Adaptação do primeiro ciclo de Burton et al. (2012) para o estabelecimento

de uma cultura mais pacífica em fazendas leiteiras, incluindo o aspecto de bem-estar humano, que é expresso pelos afetos positivos e negativos no ambiente de trabalho ................................................................................ 58

Figura 10 - Representação esquemática das duas hipóteses da presente pesquisa.

Sendo que a primeira hipótese trata de responder se o efeito do treinamento pode promover melhoria no Bem-estar Animal (BEA). Já a segunda hipótese trata de responder se fazendas pontuadas em melhor nível de Bem-estar Humano (BEH) apresentariam melhor nível de BEA . 59

Figura 11 - Delineamento das etapas da pesquisa realizada. Sendo: FP: fazendas

manejadas pelos próprios proprietários, FT: fazendas manejadas por trabalhadores ........................................................................................... 60

Figura 12 - Medidas coletadas individualmente e em grupo para os princípios

Alimentação, Instalação, Sanidade e Comportamento de acordo com o protocolo Welfare Quality® adaptado por Garcia (2013) ........................... 64

16

Figura 13 - Abordagem “bottom-up” para integração dos dados de diferentes medidas para avaliação global de BEA. Adaptado de Welfare Quality® Assessment protocol for cattle – applied to dairy cows (2009) .............. 66

Figura 14 - Adaptação da Escala de Likert (pontuação não invertida e invertida) com

a utilização de escala de apoio visual como auxílio no preenchimento das questões. Adaptado de Gouveia et al. (2008) e Borges e Pinheiro (2002) .................................................................................................... 69

Figura 15 - Pontuação média da avaliação BEA nos dias 1 e 3 (D1 e D3), antes e

dois meses após o treinamento para fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) ................................................................................... 73

Figura 16 - Pontuação média da avaliação BEA nos dias 1 e 3 (D1 e D3), antes e

dois meses após o treinamento para fazendas manejadas por trabalhadores ......................................................................................... 74

Figura 17 - Pontuação média para afetos positivos e negativos de proprietários e

trabalhadores e pontuação para bem-estar animal (BEA) nas fazendas durante o experimento ........................................................................... 83

Figura 18 - Escala de cor representando a pontuação mínima e máxima de BEH,

considerando-se que níveis satisfatórios de bem-estar não significam ausência de afetos negativos, mas que esses são superados pelos afetos positivos ...................................................................................... 85

Figura 19 - Pontuação para bem-estar humano (BEH) de acordo com a pontuação

em bem-estar animal (BEA) recebida pelas fazendas no dia 1 (D1) e 3 (D3) ........................................................................................................ 85

Figura 20 - Pontuação alcançada para bem-estar humano (BEH) nas fazendas

manejadas por proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) durante o experimento ........................................................................................... 86

Figura 21 - Desenho esquemático de todas as etapas da pesquisa que foi realizada

em dez fazendas produtoras de leite em pasto na região de Piracicaba – SP. Observação: FP: fazendas manejadas pelos próprios proprietários e FT: fazendas manejadas por trabalhadores .......................................... 98

Figura 22 - a) Representação da zona de fuga ou distância de fuga dos animais

(Parker et al., 2009) e b) A distância de fuga é a distância entre a mão do observador e o focinho do animal ................................................... 102

Figura 23 - Esquema ilustrativo da sala de ordenha e dos momentos de manejo das

vacas pelos proprietários e trabalhadores ........................................... 110 Figura 24 - Esquema ilustrativo da sala de ordenha e dos momentos de manejo das

vacas pelos trabalhadores no dia antes do treinamento (D1; Figura a) e dois meses depois do treinamento em bem-estar animal (D3; Figura b) ............................................................................................................. 111

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Critérios e medidas propostas pelo Welfare Quality® para avaliar o bem-estar de vacas leiteiras em sistemas intensivos ..................................... 36

Tabela 2 - Descrição das fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por

trabalhadores (FT) que foram selecionadas para realização das avaliações de bem-estar animal (BEA) e humano (BEH) ....................... 61

Tabela 3 - Medidas utilizadas para avaliar os critérios de bem-estar de vacas leiteiras

em pasto (Adaptação do Welfare Quality® por Garcia, 2013) ................ 63

Tabela 4 - Afetos positivos e negativos considerados na avaliação de bem-estar

humano segundo a Escala de Bem-estar Afetivo (GOUVEIA et al., 2008) ............................................................................................................... 68

Tabela 5 - Forma de abordagem sobre os afetos positivos e negativos ................... 70

Tabela 6 - Pontuação para os critérios conforto da área de descanso, conforto

térmico e facilidade de movimento do princípio ‘Instalação’ e as medidas utilizadas na avaliação das instalações das fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT), nos dias 1 (D1) e 3 (D3) ........................................................................................................ 75

Tabela 7 - Pontuação para os critérios ausência de injúrias, ausência de doenças e

ausência de dor induzida pelo manejo do princípio ‘Sanidade’ e as medidas utilizadas na avaliação da saúde das vacas das fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT), nos dias 1 (D1) e 3 (D3) ......................................................................... 77

Tabela 8 - Porcentagem de vacas que deixaram ser tocadas (x = 0), que deixaram o

avaliador se aproximar até 50 cm (0 < x ≤ 50), de 50 a 100 cm (50 < x ≤ 100) e que não deixaram o avaliador se aproximar mais que 100 cm (x < 100) em fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) nos dias 1 (D1) e 3 (D3)........................................... 79

Tabela 9 - Pontuação média para o critério ‘Estado emocional positivo” para

fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) no dia 1 (D1) e dia 3 (D3) de acordo com a Avaliação Qualitativa do Comportamento (QBA – Welfare Quality®) ...................... 81

Tabela 10 - Nota final fornecida pelo protocolo Welfare Quality®, adaptado por Garcia

(2013), nos dias 1 e 3 (D1 e D3), antes e após dois meses de treinamento para fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT)......................................................................... 82

18

Tabela 11 - Pontuação do bem-estar humano e porcentagem da diferença do bem-

estar humano entre fazendas manejadas por proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) e o percentual da diferença dentro do mesmo grupo no D1 e D3 ............................................................................................. 88

Tabela 12 - Descrição das fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e

por trabalhadores (FT) que foram selecionadas para realização das avaliações de bem-estar animal (BEA) e humano (BEH) ...................... 99

Tabela 13 - Questões para acessar as crenças dos trabalhadores em relação às

vacas (Hemsworth et al., 2002) ........................................................... 100 Tabela 14 - Pontuações dos itens relacionados às atitudes positivas e negativas e a

pontuação média total em fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) nos dias 1 (D1) e 3 (D3) .. 105

Tabela 15 - Porcentagem média de comportamentos humanos positivos e negativos

observados no momento da ordenha em relação às vacas de fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) nos dias 1 (D1) e 3 (D3) ....................................................................... 108

Tabela 16 - Porcentagem de vacas que deixaram ser tocadas (x = 0), que deixaram

o avaliador se aproximar até 50 cm (0 < x ≤ 50), de 50 a 100 cm (50 < x ≤ 100) e que não deixaram o avaliador se aproximar mais que 100 cm (x < 100) em fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) nos dias 1 (D1) e 3 (D3) ........................................ 113

Tabela 17 - Porcentagem média de acertos observada no questionário sobre bem-

estar animal, número aproximado de questões corretas e número de participantes no dia do treinamento (D2) e dois meses após o treinamento (D3) em fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) .............................................................. 115

19

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento das sociedades industrializadas vem sendo acompanhado

pela evolução do pensamento ético sobre as condições em que os animais de

produção são criados (HONORATO et al., 2012). Entretanto, ainda hoje, é possível

dizer que muitos desconhecem as relações que esse conceito envolve e,

consequentemente, sua importância no cenário mundial.

Da mesma maneira que a rastreabilidade e a segurança alimentar dos

sistemas produtivos, o Bem-estar Animal (BEA) começa a ganhar espaço no cenário

mundial como padrão de política internacional e operações de mercado (COSTA et

al., 2013). Como exemplo, a Corporação Financeira Internacional (IFT, 2014, p. 31 e

32), braço financeiro do Banco Mundial, afirmou que "[n]o caso do bem-estar animal,

a incapacidade de manter o ritmo com a mudança de expectativas dos

consumidores e as oportunidades de mercado pode colocar empresas e seus

investidores em desvantagem competitiva".

Já no Brasil, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA),

com o intuito de ser competitivo no mercado internacional, estabeleceu a "Comissão

Técnica Permanente de Bem-Estar Animal", propondo normas e recomendações

técnicas de boas práticas para o BEA (MAPA, 2013). Dessa forma, é importante que

exista suporte aos técnicos, gerentes e outros trabalhadores interessados em

promover o BEA nas propriedades.

Apesar do apelo atual e crescente para a questão dos animais de produção e

seu bem-estar, pouca atenção é dada aos trabalhadores envolvidos no ambiente

rural. Nesse cenário, muitos são os desafios ao enriquecimento do bem-estar dos

animais e dos trabalhadores. Isso se soma ao fato de muitos pesquisadores ainda

não reconhecem a relação humano-animal como importante para o bem-estar de

ambos. Segundo a Food and Agriculture Organization:

Além dos benefícios práticos e econômicos, a atenção para o

bem-estar animal pode gerar mais benefícios sociais. Pode

contribuir para o ensino de uma ética do cuidado, pode ser uma

força para a coesão social no seio de uma família, uma

comunidade ou um negócio e a definição de relações positivas

com os animais é um importante fator para o bem-estar humano

20

(bem como para o bem-estar animal). Esses benefícios devem

ser reconhecidos em programas de capacitação (FAO, 2008,

p.18).

Assim, ações que possam gerar mudanças na relação humano-animal, que

se conectem ao BEA e à produtividade, podem estar ligadas ao bem-estar humano

(BEH). O que por sua vez destaca a importância das ações dos trabalhadores na

manutenção do BEA.

Outros fatores humanos importantes, e que foram identificados como pré-

requisitos relacionados ao trabalho para garantir elevados padrões de BEA, são

traços de personalidade, como competência, motivação e atitude. Atitudes e

comportamentos humanos, em especial, têm sido correlacionados ao bem-estar e

produtividade animal e são aptidões aprendidas que podem mudar dependendo do

contexto. Sendo assim, prover programas nas fazendas que envolvam o treinamento

dos trabalhadores sobre a biologia dos animais, suas necessidades e

comportamentos, capacitando-os às práticas de BEA e atentando-os de sua real

importância para o sistema produtivo, pode ter efeito sobre o BEH.

Com base nessas considerações as hipóteses deste trabalho são:

Quanto maior o nível de BEH (manejadores = trabalhadores e proprietários),

maior é o nível de BEA encontrado na fazenda;

O fornecimento de treinamento em BEA para os manejadores (trabalhadores

e proprietários) influencia o bem-estar de ambos;

Fornecer treinamento em BEA para os manejadores (trabalhadores e

proprietários) influencia nas atitudes, nos comportamentos humanos, no

conhecimento técnico em BEA e no medo das vacas em relação aos

humanos.

Para testar as hipóteses, os objetivos deste trabalho são:

1) Avaliar a eficiência do treinamento em BEA na produção leiteira e as

melhorias proporcionadas no BEA e no BEH e suas inter-relações

(capítulo I);

21

2) Avaliar os efeitos do treinamento em BEA sobre o comportamento

humano, conhecimento técnico e o medo das vacas (capítulo II).

1.2 Revisão bibliográfica

1.2.1 Bem-estar humano

De acordo com Siqueira e Padovam:

(...) as concepções científicas mais proeminentes da atualidade

sobre bem-estar humano no campo psicológico podem, segundo

Ryan & Deci (2001), ser organizadas em duas perspectivas: 1)

que aborda o estado subjetivo de felicidade (bem-estar

hedônico), e se denomina bem-estar subjetivo, e 2) que

investiga o potencial humano (bem-estar eudemônico) e trata de

bem-estar psicológico (SIQUEIRA; PADOVAM, 2008, p.201).

Essas duas linhas refletem visões diferentes sobre a felicidade, sendo o bem-

estar tratado como prazer ou felicidade na primeira, e como a possibilidade de uma

pessoa desenvolver suas capacidades e potencialidades na segunda (SIQUEIRA;

PADOVAM, 2008). Segundo Seligman e Csikszentmihalyi (2000), a compreensão da

felicidade, seu estudo e entendimento dos aspectos positivos da experiência

humana estão entre as principais preocupações da psicologia para o século XXI.

Apesar do trabalho constituir componente fundamental para a construção e

para o desenvolvimento do bem-estar pessoal e, consequentemente, da felicidade

(WARR, 1987; TAMAYO, 2004), raras são as pesquisas nessa área (PASCHOAL e

TAMAYO, 2008; SIQUEIRA e PADOVAM, 2008). Talvez pelo fato de os estudos na

área ainda serem incipientes, o que depende, primariamente, da existência de

instrumentos de medida válidos e confiáveis (PASCHOAL; TAMAYO, 2008),

consequentemente isso justifica a ausência de uma definição e concordância entre

os pesquisadores sobre o que realmente significa bem-estar no trabalho.

Apesar de os estudos que abordam especificamente o bem-estar no trabalho

serem mais escassos, existem diversas pesquisas na área de qualidade de vida e

22

estresse no trabalho, entretanto esses são conceitos que se relacionam ao bem-

estar em geral (PASCHOAL; TAMAYO, 2008), não abordando aspectos específicos

e importantes do BEH nesse ambiente.

Se no cenário urbano faltam pesquisas sobre o BEH, no cenário rural não é

diferente. São raros os estudos que focam no bem-estar no ambiente rural. Algumas

pesquisas utilizaram o Índice de Bem-Estar Social (IBES; GARCIA, 2003;

KAGEYAMA, 2004), para verificar a situação de bem-estar nos domicílios rurais. O

cálculo do IBES pode variar de acordo com cada pesquisa, levando em

consideração alguns indicadores, como percentual de domicílios com instalação

sanitária, telefone, coleta de lixo, iluminação elétrica, grau de escolaridade, grau de

acesso aos bens essenciais e assistência médico-odontológica.

Entretanto, para o ambiente de trabalho, o bem-estar não está apenas

relacionado à aquisição de bens materiais, mas também às emoções e à

potencialidade que determinado indivíduo é capaz de desenvolver no trabalho. O

bem-estar geral (WATERMAN, 1993) e laboral (WARR, 2007) deve ser definido pela

análise dos aspectos que se relacionam ao bem-estar subjetivo (sentimentos de

prazer vivenciados pelo indivíduo) e bem-estar psicológico (desenvolvimento de

atributos pessoais, exploração do próprio potencial, realização e expressão de si

mesmo). Segundo Paschoal e Tamayo:

O bem-estar no trabalho pode ser conceituado, portanto, como a

prevalência de emoções positivas no trabalho e a percepção do

indivíduo de que, no seu trabalho, expressa e desenvolve seus

potenciais / habilidades e avança no alcance de suas metas de

vida (PASCHOAL; TAMAYO, 2008, p.16).

Apesar da falta de trabalhos relacionados diretamente ao BEH, o meio

científico já destacou a importância de fatores humanos, como atitude, traços de

personalidade (BOIVIN et al., 2003; HEMSWORTH e COLEMAN, 2011), autoestima,

satisfação no trabalho (BOIVIN et al., 2003), competência e motivação

(HEMSWORTH; COLEMAN, 2011) como determinantes para o tratamento mais

positivo dos animais pelos humanos, sendo pré-requisitos para o alcance de altos

níveis de BEA nas propriedades.

23

De acordo com a FAO (2008, p.6), “(...) a interação positiva com os

animais pode proporcionar benefícios psicossociais que são importantes para o

bem-estar humano”. Assim, é evidente a necessidade de se promover a melhor

relação humano-animal nas fazendas e entender melhor como o bem-estar de

animais de produção e o bem-estar de seus manejadores se relacionam.

1.2.2 Atitudes e comportamento humano: influência sobre os animais de produção

No estudo e/ou avaliação das atitudes e comportamentos humanos, é

interessante que se saiba diferenciar essas duas áreas da psicologia, assim como

entender a ligação entre elas.

Basicamente, atitude tem sido definida como tendência psicológica

expressada pela avaliação favorável ou desfavorável de algo ou alguém em

particular (EAGLY; CHAIKEN, 2007). As atitudes humanas são baseadas em três

informações: 1) informações cognitivas, 2) informações afetivas e 3) informações

comportamentais (MAIO; HADDOCK, 2009). Segundo Hemsworth e Coleman

(2011), as informações cognitivas referem-se à crença sobre algo ou alguém e, da

mesma forma, as informações afetivas são a resposta emocional sobre algo ou

alguém, enquanto as informações comportamentais referem-se à tendência para

comportar-se de determinado modo, o que pode refletir em suas atitudes. Dessa

maneira, pode-se dizer que as atitudes de um indivíduo explicam grande parte do

seu comportamento (AJZEN, 2005).

Comportamento, por sua vez, basicamente se refere à ação tomada diante

das crenças (atitudes) e a avaliação das mesmas. Mais especificamente, as crenças

que as pessoas possuem, quando combinadas às avaliações dessas crenças, levam

à formação das atitudes (AJZEN; FISHBEIN, 1980). Entretanto, a causa imediata do

comportamento é a intenção. Em outras palavras, se não existir nenhum

impedimento físico, como a inabilidade de realizar um comportamento, ou a falta de

acesso para a situação que permitirá que o comportamento seja realizado, então a

pessoa provavelmente irá fazer o que ela está intencionada (Figura 1).

24

Figura 1 - Versão simplificada do modelo de Azjen e Fishbein (1980) sobre a relação entre

atitudes e comportamento (HEMSWORTH; COLEMAN, 2011)

De acordo com a Teoria do Comportamento Planejado, a intenção de realizar

um comportamento é mais forte e mais favorável à atitude com respeito àquele

comportamento (AJZEN, 1991). Por exemplo, trabalhadores com comportamento

positivo em relação aos animais têm atitudes positivas tanto para animais quanto

para as condições em que os animais são mantidos (BOIVIN et al., 2003).

Diversas pesquisas observaram que existe relação (direta ou indireta)

entre as atitudes e o comportamento dos trabalhadores ao medo e à produtividade

dos animais (HEMSWORTH et al., 1981, 1989; COLEMAN et al., 1998; BREUER et

al., 2000; HEMSWORTH et al., 2000). Hemsworth et al. (2000) observaram que

atitudes positivas estão associadas à maior frequência de interações positivas e

menor frequência de interações negativas entre humanos e animais, sendo que as

interações positivas estão negativamente correlacionadas ao medo que os animais

têm dos humanos. O medo, por sua vez, pode ser considerado produto do

comportamento humano em relação aos animais e capaz de prejudicar o bem-estar

e a produtividade animal (HEMSWORTH; COLEMAN, 1998).

Nesse mesmo sentido, o BEH no ambiente de trabalho pode ser influenciado

pelo medo que os animais têm dos trabalhadores (BOIVIN et al., 2003), ou seja, se o

25

medo é reduzido ou não existente, há maior possibilidade de o manejo ser mais fácil

e com maior frequência de atitudes positivas, fechando o circuito de

retroalimentação, que pode ser observado na Figura 2.

Figura 2 - Esquema baseado nos conceitos de Boivin et al. (2003) e Hemsworth e Coleman (1998)

Essas relações indicam oportunidade de influenciar o medo e,

consequentemente, a produtividade, modificando as atitudes e o comportamento dos

trabalhadores (HEMSWORTH et al., 2000). Outro ponto que deve ser destacado é

que as ações dos trabalhadores podem ser melhoradas pela pré-seleção dos

indivíduos e/ou pelo treinamento técnico (BOIVIN et al., 2003), o que por sua vez

poderá influenciar em diversos fatores que estão diretamente ligados às atitudes

humanas (Figura 3).

26

1, 2, 3, 4: Fatores primários que podem ser controlados pelo treinamento visando à melhora das atitudes

e do comportamento humano em relação aos animais; 5: Fatores não relacionados diretamente ao trabalho (qualidade de vida) e fatores de gestão humana

que podem ter influência nas atitudes e no comportamento humano em relação aos animais.

Figura 3 - Modelo de interação entre os diversos fatores que influenciam as atitudes e o comportamento dos humanos em relação aos animais. Adaptado de Hemsworth e Coleman (1998)

A Figura 3 propõe um modelo de interação entre os diversos fatores que

influenciam as atitudes dos trabalhadores quando manejam animais de produção,

com base no modelo de retroalimentação de Hemsworth e Coleman (1998), que

explica a influência da interação humano-animal no bem-estar e na produtividade

dos animais.

No modelo proposto no presente trabalho, o treinamento seria peça

fundamental para se alcançarem níveis de BEA satisfatórios, além de poder realizar

mudanças positivas em alguns fatores importantes para o BEA, como na melhora do

BEH, no esclarecimento dos trabalhadores (oferecendo a eles a oportunidade de

conhecer os animais) e no aperfeiçoamento da relação humano-animal.

O treinamento poderá melhorar o BEH pelo mecanismo de aumento da

satisfação (HEMSWORTH, 2003; SIQUEIRA e GOMIDE JR., 2004; SIQUEIRA e

PADOVAM, 2008) e, mais importante do que isso, pelo aumento de prevalências das

emoções positivas no trabalho (bem-estar subjetivo; DANIELS, 2000; PASCHOAL e

TAMAMYO, 2008). Além de possibilitar que os trabalhadores desenvolvam suas

capacidades e habilidades de acordo com suas metas e da organização (bem-estar

psicológico; PASCHOAL e TAMAYO, 2008).

Dessa forma, o treinamento também poderá fornecer oportunidades aos

trabalhadores de aumentarem seu envolvimento e comprometimento organizacional,

27

o que para Siqueira e Padovam (2008) são itens importantes quando se avalia o

bem-estar no trabalho.

Entretanto, se as condições de trabalho, a gestão de recursos e a qualidade

de vida forem precárias, o BEH poderá ser prejudicado, pois a formação de atitudes

está diretamente relacionada às condições de trabalho (HEMSWORTH, 2003;

MALLER et al., 2005) e à qualidade de vida dos trabalhadores (MALLER et al.,

2005). Em outras palavras:

(...) uma pessoa satisfeita com seu emprego é estimulada a

fazer bem o seu trabalho, a aprender e melhorar suas

habilidades. Já condições ruins de trabalho diminuem o nível de

satisfação e, consequentemente, o tratamento dado aos animais

poderá ser mais rude (HONORATO et al., 2012, p. 334).

Assim, o BEH pode afetar diretamente as atitudes dos trabalhadores e

consequentemente o seu comportamento, que irá definir o tratamento dado aos

animais, o que por sua vez pode interferir positiva ou negativamente no BEA.

Segundo Hemsworth (2007), as atitudes e comportamentos dos trabalhadores

serão afetados por suas experiências iniciais na agropecuária. Por outro lado,

atitudes podem ser modificadas. De acordo com Hemsworth e Coleman (2011),

atitudes são disposições aprendidas, que podem mudar dependendo do contexto

(EAGLY; CHAIKEN, 2007). Dessa maneira, fornecer programas de capacitação para

os trabalhadores abordando, por exemplo, aspectos da biologia animal, da

percepção dos animais e dos humanos em relação ao manejo, como formas de

melhorar o ambiente social do trabalho, pode melhorar as atitudes e

comportamentos desses indivíduos e levar a melhorias no bem-estar e na

produtividade dos animais. (HEMSWORTH et al., 1994 e 2002; COLEMAN et al.,

2000).

Outro aspecto importante no manejo é a empatia que humanos têm pelos

animais, que, apesar de não haver evidências claras na literatura (MURI et al.,

2012), pode estar associada a atitudes positivas e comportamentos positivos dos

trabalhadores em relação aos animais (COLEMAN et al., 2003; HANNA et al., 2009;

HEMSWORTH e COLEMAN, 2011).

28

Empatia é a habilidade de interpretar e entender a experiência de outros

(componente cognitivo) e uma determinada reatividade emocional, que pode ser

orientada por outros ou pelo próprio indivíduo (componente afetivo; DAVIS, 1980), o

que parece influenciar a resposta do indivíduo frente ao manejo dos animais

(COLEMAN et al., 2003; HANNA et al., 2009; HEMSWORTH et al., 2009).

Nesse sentido, as interações entre humanos e animais constituem a

base para a relação humano-animal (ESTEP; HETTS, 1992). Podem ser negativas,

neutras ou positivas. Apesar de serem necessárias maiores evidências sobre o

efeito positivo das interações físicas positivas e o levantamento de quais são esses

tipos de interação entre humanos e animais (BOIVIN et al., 2003), já foi observado

que a reatividade dos animais é menor quando são manejados de forma gentil

(WAIBLINGER et al., 2004; WINDSCHNURER et al., 2009).

Algumas pesquisas (SEABROOK e BARTLE, 1992; LENSINK et al., 2000;

SEABROOK, 2001; HEMSWORTH, 2003) observaram que o comportamento dos

trabalhadores em relação aos animais foi fortemente influenciado pelas suas atitudes

(se eles descreviam os animais positiva ou negativamente; se eles sentiam a

importância de acariciar ou falar com os animais ou, de maneira contrária, bater ou

gritar com os animais) e traços de personalidade (introvertido/extrovertido,

confiável/desconfiável). Tais características psicológicas estão diretamente ligadas à

produção (taxa de crescimento e reprodução, produção de leite etc.) e ao bem-estar

animal.

Fatores como o conhecimento do comportamento animal e da percepção dos

humanos pelos animais são pontos que podem ser elucidados junto aos

trabalhadores em treinamento técnico, o que poderá favorecer a relação humano-

animal positiva por estabelecer informações técnicas sobre como manejar os

animais de acordo com as necessidades e as percepções deles. É importante que

os trabalhadores reconheçam os animais como seres conscientes e que têm

sentimentos, e não como máquinas ou entidades econômicas (GRANDIN, 2003).

Assim, o treinamento técnico tem papel fundamental na melhora da relação

humano-animal, pois poderá fornecer informações técnicas aos trabalhadores, que,

se não estiverem atualizados sobre a forma correta de lidar com os animais,

poderão, por falta de conhecimento ou por acreditarem que os manejos aversivos

facilitam o trabalho (PARANHOS DA COSTA; SANT’ANNA, 2007), apresentar alta

frequência de ações negativas em relação aos animais. Nesse mesmo sentido,

29

pessoas que têm atitudes positivas diante dos animais tendem a ter também atitudes

positivas referentes ao manejo dos animais (BOIVIN et al., 2007).

De outro modo, a melhora das atitudes dos trabalhadores relacionadas aos

animais pela alteração de outros fatores (bem-estar, experiência prévia, condições

de trabalho etc.) também parece influenciar o fator “relação humano-animal”, uma

vez que atitudes positivas estão relacionadas a ações positivas direcionadas aos

animais (LENSINK et al., 2000), o que poderá incentivar maiores interações positivas

entre as espécies.

Geralmente, os humanos comportam-se de maneira favorável a algo ou a

alguém de que gostam e comportam-se de maneira desfavorável a algo ou a alguém

de que não gostam (AJZEN; FISHBEIN, 1980). Auxiliar na mudança da visão que o

trabalhador tem do animal, por meio de informações das necessidades físicas e

psicológicas, biologia e comportamento animal, entre outros fatores, pode modificar

suas ações em relação aos animais.

Entretanto, apesar de as atitudes humanas representarem importante parte na

manutenção da relação humano-animal, a alteração de atitudes do trabalhador por si

só é insuficiente para assegurar a mudança na cultura com os outros agentes do

sistema (BURTON et al., 2012). Dessa maneira, Burton et al. (2012) observaram que

o desenvolvimento cultural nas propriedades em que estão envolvidos humanos e

animais é item essencial para o alcance de um manejo mais positivo. Os autores

enfatizam a concepção de sistemas agrícolas que promovam interações positivas

entre humanos e animais, em vez de simplesmente promover a mudança de atitude.

Essa ideia vem ao encontro do presente estudo, uma vez que se acredita que o BEA

esteja envolvido também com o bem-estar dos humanos, suas condições de

trabalho e a maneira com que se relacionam com o animal.

1.2.3 Treinamento de trabalhadores

O treinamento, em geral, tem como objetivo principal o desenvolvimento

pessoal e organizacional, sendo divido em três etapas: 1) transmissão de

informação, 2) desenvolvimento de habilidades e 3) modificação de atitudes e de

conceitos (CHIAVENATO, 1998). Uma vez que os trabalhadores são a influência

primária nas práticas agropecuárias e na transformação disso em produção e BEA

30

(SEABROOK 2001; LENSINK et al., 2001; HEMSWORTH, 2003), entende-se que o

treinamento é importante na manutenção do BEA nas fazendas.

Está claro que os fatores humanos (como variáveis demográficas, traços de

personalidade e experiência prévia) determinam suas atitudes e comportamento em

relação aos animais (HEMSWORTH e COLEMAN et al., 1998; BOIVIN et al., 2003;

BURTON et al., 2012) e que o treinamento dos trabalhadores pode constituir ação

benéfica visando ao BEA (HEMSWORTH et al., 1994; COLEMAN et al., 2000;

BOIVIN et al., 2003; HONORATO et al., 2012).

Para que um treinamento seja eficaz, é importante que sejam considerados os

fatores humanos e não humanos. Apesar de muitos autores terem constatado que a

mudança de atitude está fortemente associada ao bem-estar e à produtividade

animal (HEMSWORTH et al., 1994; COLEMAN et al., 1998; HEMSWORTH e

COLEMAN, 1998; BREUER et al., 2000; COLEMAN et al., 2000; HEMSWORTH et

al., 2002), Burton et al. (2012) observaram que simplesmente promover a mudança

de atitude não é suficiente para que a cultura dos trabalhadores em lidar com os

animais mude.

Nesse sentido, é fundamental que os aspectos humanos, como condições e

carga de trabalho, incentivos financeiros (GRANDI, 2003) e motivação para trabalhar

(CHIAVENATO, 2003), sejam considerados no alcance do bom manejo, além de

aspectos de gestão de recursos humanos, como a presença de supervisor que exija

bom manejo com os animais (GRANDIN, 2003).

Grandin (2003) relatou que, após o período de treinamento, alguns

trabalhadores voltaram a realizar suas atividades da mesma forma que antes. O que

talvez evidencie que apenas a mudança de cultura em manejar os animais é capaz

de promover, a longo prazo, uma mudança verdadeira na visão dos trabalhadores

em relação aos animais, sendo o treinamento parte fundamental nesse processo por

trazer conhecimento técnico e estímulo para que os trabalhadores desempenhem

seu papel com melhor qualidade. Entretanto, como ferramenta única, o treinamento

não seria eficiente para alcançar melhores manejos dos animais pelos

trabalhadores.

Dessa maneira, pode-se usar o Modelo de Fogg sobre o Comportamento

(Fogg Behavior Model) na tentativa de utilizar sua abordagem na construção de um

treinamento eficaz em BEA para trabalhadores nas fazendas, uma vez que esses

31

treinamentos têm como um dos principais objetivos a execução de comportamentos

positivos em relação aos animais.

Esse modelo afirma que, para uma pessoa executar um determinado

comportamento, ela deve (1) estar suficientemente motivada, (2) ter a capacidade de

realizar o comportamento e (3) ter um gatilho que diz para ela executar o

comportamento naquele exato momento. Segundo o autor, esses três fatores devem

ocorrer no mesmo momento, caso contrário o comportamento não vai acontecer

(Figura 4).

Figura 4 - Modelo de Fogg sobre o Comportamento (Adaptado de Fogg, 2009)

De acordo com o Modelo de Fogg sobre o Comportamento, é possível montar

uma equação, sendo o comportamento a soma da motivação, da habilidade e do

gatilho (Figura 4). Outra abordagem que pode ser usada no treinamento em BEA

para a mudança de atitudes e comportamentos humanos é a intervenção cognitiva-

comportamental (HEMSWORTH et al., 1994; COLEMAN et al., 2000; HEMSWORTH

et al., 2002), que se baseia em dois aspectos principais: 1) fornecer informações

sobre o manejo correto, reações e feitos sobre o manejo incorreto e a consequência

negativa na produtividade e na facilidade de manejo; e 2) fornecer exemplos de

manejos e respostas dos animais em relação aos tipos de manejo.

Sendo os programas de capacitação nas fazendas capazes de fornecer

satisfação (ROBBINS et al., 2010), conhecimentos técnicos segundo a intervenção

32

cognitiva-comportamental, e gatilhos, que podem ser trabalhados pela gestão de

recursos humanos na fazenda, destaca-se mais uma vez a importância do

treinamento no alcance de uma cultura mais positiva entre humanos e animais.

Apesar de existirem muitos esforços para entender qual é o mecanismo

envolvido na mudança de atitudes e no comportamento dos humanos em relação

aos animais de produção, algumas pesquisas (SEGERDAHL, 2007; BURTON et al.,

2012) têm apontado que mais fatores, e não só a mudança de atitude temporária,

estão envolvidos na busca do manejo mais positivo dos animais.

Entender como os trabalhadores se sentem, como isso influencia na lida

diária dos animais e como é possível mudar a visão desses indivíduos de forma a

enriquecer o bem-estar de humanos e animais é fundamental para abrir novos

caminhos e novas oportunidades na mudança de atitudes e comportamento dos

trabalhadores rurais. Assim, torna-se fundamental que a área de recursos humanos

das empresas rurais atente para essas demandas e direcionem investimentos a

treinamentos e valorização dos trabalhadores, o que poderá refletir no BEH e,

consequentemente, na maior possibilidade de melhorias do BEA.

1.2.4 Bem-estar animal

Existe considerável interesse público no BEA, e a maioria das pessoas

acredita que os animais, o que inclui animais de fazenda, não deveriam ser

submetidos à dor ou ao severo desconforto (FRASER; BROOM, 1990). Assim, o

BEA vem ganhando espaço nas discussões dos grupos mais diversos, o que

geralmente explica o assunto ser tratado de maneira muito emotiva, sem base

científica. Outro problema comum vinculado à questão é usar o antropomorfismo

para explicar comportamentos dos animais, o que pode gerar conclusões

incompletas ou erradas sobre como eles estão se sentindo nas diferentes situações.

No meio científico, segundo Walker et al. (2014), o número de estudos

referentes ao BEA aumentou em cerca de 10% a 15% anualmente de 1993 a 2012,

com pouco menos da metade sendo publicada apenas nos últimos quatro anos

(embora os números ainda sejam baixos quando comparados a outras áreas da

ciência; Figura 5).

33

Figura 5 - Número absoluto de estudos sobre bem-estar animal publicados a cada ano. O número das publicações de 2010 a 2012 (n = 2483) compreende cerca de um terço do número total de publicações nos últimos 20 anos (Walker et al., 2014)

Do ponto de vista prático, providenciar e melhorar as ferramentas que possam

avaliar cientificamente a condição dos animais é a maneira de assegurar uma

avaliação que se aproximará da realidade, transcendendo cultura ou religião.

Há algumas definições, e mesmo considerável incerteza, sobre o conceito de

BEA (FRASER, 2003). Existem basicamente três conceitos sobre BEA na literatura:

1) O desempenho dos animais na perspectiva do funcionamento biológico; 2) O

estado afetivo, tal como sofrimento, dor e outros sentimentos e emoções e 3) A

expressão do comportamento natural (HEMSWORTH; COLEMAN, 2011).

O BEA é um conceito complexo, que envolve várias questões (escolas de

conceituação), e, portanto, deve ser considerado como o estudo das três esferas

mencionadas anteriormente (física, que inclui a nutrição, saúde, fisiologia etc.;

mental, que estuda a predominância de sentimentos positivos e negativos; e

naturalidade, que se refere ao comportamento natural no ambiente de origem

evolutiva).

Entretanto, é como o animal se sente em relação ao seu ambiente e à sua

situação e, principalmente, como ele lida com os desafios diários (BROOM, 1986) a

mais importante dimensão do BEA nas discussões sobre o assunto (WARAN, 2015).

34

Além disso, é importante que se desmistifique que ele esteja ligado integralmente

aos índices produtivos do animal ou que seja nulo em situações muito ruins.

Segundo Molento (2005, p. 2), uma das formas de colocar em prática o

conceito de Broom (1986) é perceber “(...) as ferramentas das quais o animal dispõe

para contornar inadequações presentes em seu meio ambiente [e que] são utilizadas

mais intensamente à medida que aumenta o grau de dificuldade encontrado”. Dessa

maneira, se o animal apresenta alterações fisiológicas, como aumento hormonal

devido ao estresse (BROOM, 1992) ou comportamentais, como presença de

estereotipias (BROOM; JOHNSON, 2000), isso pode ser indício de

comprometimento de seu bem-estar.

Baseado no conceito multidisciplinar do BEA, o protocolo Welfare Quality®

tentou operacionalizar essa avaliação e utilizou-se de quatro princípios para analisar

e pontuar a condição de bem-estar dos animais, sendo eles: boa alimentação, boa

instalação, boa saúde e comportamento adequado. Tentativas como essa são

importantes no sentido de disponibilizar avaliações padronizadas que possam

fornecer informações mais seguras e desvinculadas de considerações éticas ou

emotivas, sem embasamento científico, objetivando identificar gargalos a serem

trabalhados no alcance de melhores condições de vida aos animais avaliados.

1.2.5 Avaliações do bem-estar animal

Na avaliação do BEA, é necessário que sejam mensuradas as diferentes

variáveis que interferem de alguma maneira na vida dos animais. Muitas escolas de

conceituação do BEA entendem que, para que essa avaliação seja completa, é

fundamental que ela agrupe três diferentes categorias de abordagem que, apesar de

diferentes, são certamente complementares:

1) Em relação às emoções que os animais experimentam;

2) Em relação aos aspectos físicos de funcionamento do organismo;

3) Em relação ao aspecto comportamental referente ao ambiente em que a

espécie evoluiu.

A princípio, com o enfoque de abordar e integrar essas três categorias, o

Conselho de Bem-Estar dos Animais de Produção (Farm Animal Welfare Council –

FACW) definiu que o bem-estar de um animal é atendido quando as cinco liberdades

são cumpridas: 1) nutrição adequada, 2) sanidade adequada, 3) ausência de

desconforto físico e térmico, 4) ausência de medo, dor e distresse e 5) capacidade

35

de expressar comportamentos da espécie. Esse princípio das cinco liberdades

constitui uma aproximação prática e útil na mensuração do BEA em diversas

situações em que os animais podem estar envolvidos.

Apesar de as cinco liberdades serem um método internacionalmente

reconhecido para avaliação do BEA, existem alguns problemas que limitam essa

análise: o conceito é amplo, o que dificulta na avaliação mais detalhada do BEA, e

existem tanto aspectos negativos e positivos, o que pode tornar esse método de

difícil utilização (MACKAY, 2015).

As metodologias de diagnóstico do BEA podem variar de acordo com cada

pesquisa, que podem ser focadas nos aspectos fisiológicos, comportamentais e

sanitários (LEBB et al., 2004), no aspecto emocional como principal fator a ser

avaliado (DUNCAN, 2005) ou nos aspectos ambientais, como espaço por animal

(BARTUSSEK, 2000).

Para conhecer o grau de bem-estar que os animais experimentam, é

necessário que a avaliação seja feita ou desenvolvida de acordo com as técnicas

específicas para o seu diagnóstico. Para isso, existem alguns protocolos que de

acordo com as cinco liberdades verificam o BEA. Alguns exemplos são o AssureWel,

Global Gap, Humane Farm Animal Care, SPCA Certified e Welfare Quality.

Em destaque, o protocolo Welfare Quality® é um bom exemplo de avaliação

de BEA, além de ser um projeto de que mais de 40 instituições científicas

participaram e aceito pela União Europeia. Nesse protocolo são utilizados

indicadores referentes a alimentação, instalação, saúde e comportamento para

avaliar o bem-estar dos animais (Welfare Quality®, 2009; Tabela 1).

36

Tabela 1 - Critérios e medidas propostas pelo Welfare Quality® para avaliar o bem-estar de vacas leiteiras em sistemas intensivos

Critérios Medidas

1. Ausência de fome prolongada escore de condição corporal

2. Ausência de sede prolongada fornecimento de água, limpeza dos pontos

de água, fluxo de água, funcionamento dos

pontos de água

3. Conforto em relação à área de descanso tempo necessário para deitar-se,

animais colidindo com equipamentos

durante movimento de deitar-se,

animais deitados parcial ou completamente

fora da área de descanso,

escore de sujidade

4. Conforto térmico não há medida desenvolvida

5. Facilidade de movimento presença de corrente,

acesso a área externa ou pasto

6. Ausência de injúrias claudicação, alteração do tegumento

7. Ausência de doenças corrimento nasal, corrimento ocular e

corrimento vulvar, diarreia, tosse,

respiração dificultada, contagem de

células somáticas, mortalidade, distocia,

síndrome da vaca caída 8. Ausência de dor induzida por

procedimentos de manejo

mochamento/descorna, corte de cauda

9. Expressão de comportamentos sociais comportamentos agonísticos

10.Expressão de outros comportamentos acesso ao pasto

11.Boa relação homem-animal teste de distância de fuga

12.Estado emocional positivo avaliação do comportamento qualitativo

Fonte: Adaptado de Welfare Quality® Assessment protocol for cattle - applied to dairy cows (2009)

É interessante enfatizar a importância da avaliação das emoções como a

parte principal do diagnóstico de BEA, relacionando os sentimentos dos animais –

ausência de estados de sofrimento e presença de sentimentos positivos –,

entretanto, essa avaliação pode ser de difícil aplicação prática, além de subjetiva

(Duncan, 2005).

Dessa maneira, o protocolo Welfare Quality® disponibilizou a Avaliação do

Comportamento Qualitativo, o QBA (Qualitative Behaviour Assessment), que

consiste no método de avaliação do BEA que julga a qualidade expressiva do

37

comportamento animal, como relaxamento, apreensão, felicidade, apatia, entre

outros (WEMELSFELDER et al., 2000).

É fundamental ainda que a avaliação do BEA seja feita através da análise das

três esferas: 1) física, 2) mental e 3) da naturalidade, uma vez que o olhar isolado

muito provavelmente trará conclusões precipitadas quanto ao bem-estar que o

animal experimenta em determinada situação.

I) A esfera física na avaliação do BEA

Essa análise considera questões de nutrição e saúde, e pode ser mensurada

por algumas medidas objetivas (peso, consumo de água e alimento, disponibilidade

de recursos no local de alojamento, diagnóstico de doenças etc.) e pelo diagnóstico

do funcionamento biológico (níveis de hormônios relacionados ao estresse,

homeostase do organismo etc.).

Analisando a definição de Broom (1986, p. 524 ) sobre o que é bem-estar de

um animal – “seu estado no que diz respeito às suas tentativas de lidar com o seu

ambiente” –, Hemsworth e Coleman (2011) sugeriram duas explicações principais

sobre esse conceito: 1) quanto tem que ser feito a fim de lidar com o ambiente e

inclui respostas biológicas como o funcionamento dos sistemas de reparo do corpo,

defesas imunológicas, respostas fisiológicas ao estresse e uma variedade de

respostas comportamentais; e 2) a extensão com que essas tentativas de

sobrevivência estão sucedendo, o que inclui a ausência de custos biológicos para o

animal, como a deterioração na eficiência de crescimento, reprodução, saúde e

ausência de injúrias. Assim, usando esse conceito, os riscos ao BEA são avaliados

em dois níveis: a magnitude das respostas fisiológicas e comportamentais e os

custos biológicos do uso dessas respostas.

Dessa maneira, é fator primordial que quaisquer sistemas de criação animal

possam providenciar oportunidades para que os animais tenham a melhor condição

nutricional e de saúde. Assim, os animais terão maior possibilidade de alcançar

níveis excelentes de BEA, em conjunto com as outras esferas a serem consideradas

nessa avaliação.

38

II) A esfera mental na avaliação do BEA

Segundo Duncan (2005), mensurar os sentimentos negativos e positivos dos

animais na avaliação de BEA é tão importante quanto os outros aspectos a serem

mensurados. Geralmente, a esfera mental define o BEA em termos de emoções,

portanto enfatiza as reduções das emoções negativas, tais como dor, medo e

frustação, e os aumentos das emoções positivas, tais como conforto e prazer

(DUNCAN; FRASER, 1997).

Na maioria das situações, aceita-se o fato de os animais expressarem

emoções por questões evolutivas. Os pesquisadores da área de comportamento

consideram que animais não humanos estão restritos a poucas e básicas emoções,

como raiva, medo, alegria e felicidade (BOLLES, 1981). Isso é baseado na visão de

que os animais possuem somente emoções que os auxiliam de alguma maneira a

lidar com problemas que colocam suas vidas em risco, ou seja, existe um benefício

evolucionário que explicaria a existência dessas emoções (HEMSWORTH;

COLEMAN, 2011).

Entretanto, essa é ainda uma questão aberta no meio científico (DAWKINS,

2006). O fato é que todos os animais possuem certas necessidades que devem ser

atendidas para que o organismo sobreviva, cresça e se reproduza, e se essas

necessidades não forem alcançadas o organismo irá apresentar sérios problemas

(HEMSWORTH; COLEMAN, 2011) fisiológicos e psicológicos.

Dessa forma, entender qual é a importância que o animal dá para

determinado recurso, por exemplo, fornece melhor entendimento sobre as suas

emoções. De acordo com Duncan (2005), em qualquer avaliação nesse sentido os

sentimentos positivos e negativos devem ser medidos por meio de testes de

preferência e testes motivacionais, que avaliam o que motiva os animais em

diferentes situações e qual é a importância daquele recurso de acordo com suas

necessidades de curta ou longa duração (BROOM; JOHNSON, 1993). Portanto, o

estado emocional é aspecto fundamental para avaliação do BEA. Entretanto, o alto

nível de bem-estar não se resume à ausência de estados afetivos negativos, mas

também à presença de estado afetivos positivos.

No protocolo Welfare Quality®, o estado emocional é mensurado pela

avaliação do Comportamento Qualitativo (QBA). Basicamente, os avaliadores, com o

39

uso da Escala Visual Analógica (EVA), pontuam 20 descritores de comportamento

(WELFARE QUALITY®, 2009). A metodologia se baseia na capacidade de o

observador humano integrar os detalhes comportamentais dos animais no contexto

que estão inseridos, usando descritores como calmo, contente, indiferente e

frustrado, termos que devido à concepção emocional apresentam relevância direta

para o BEA. Algumas pesquisas observaram que o QBA apresentou correlação

significativa com medidas de comportamento animal e respostas fisiológicas de

estresse, além de boa confiabilidade entre observadores (WEMELSFELDER et al.,

2009; RUTHERFORD et al., 2012).

Parte essencial na avaliação do estado emocional dos animais é a

relação humano-animal. Em relação às vacas leiteiras, esses animais são

constantemente manejados pelos trabalhadores da fazenda, sendo esse contato

diário e próximo, principalmente no momento da ordenha e em manejos em que os

animais são tocados.

Estudos com animais de produção têm mostrado que manejos

negativos aumentam o medo dos animais em relação aos humanos, reduzindo não

só o bem-estar, mas também a produtividade animal (HEMSWORTH; COLEMAN,

1998; Figura 6).

Figura 6 - Modelo de retroalimentação das interações entre humanos e animais de produção (HEMSWORTH; COLEMAN, 1998)

Acredita-se que a relação entre humanos e animais seja essencial para que

se alcancem bons níveis de BEA (HEMSWORTH e COLEMAM, 1998; 2011;

BURTON et al., 2012). Ações que possam gerar mudanças nessa relação, que se

40

conectem ao BEA e à produtividade, podem estar ligadas ao BEH nas fazendas,

representado aqui pelo “trabalhador mais feliz” (Figura 7).

Figura 7 - Interações entre humanos e animais de produção e consequências positivas da manutenção de comportamentos positivos tanto de humanos quanto de animais. O treinamento é parte fundamental para a personificação da cultura pacífica na fazenda

Fonte: Adaptado de Hemsworth e Coleman (1998) e Burton et al. (2012)

Burton et al. (2012) observaram que, mais do que a manutenção da boa

relação entre humanos e animais, proposta pelo modelo de Hemsworth e Coleman

(1998), é necessário que existam boas instalações, em que o manejo possa ser feito

de acordo com as necessidades dos animais, impondo menor estresse possível. Em

adição, a boa relação humano-animal também depende da seleção ou treinamento

daqueles que manejarão as vacas. Segundo os autores, apenas dessa maneira é

possível que o manejo positivo, que leva em consideração o bem-estar dos animais

e humanos, seja mantido não apenas por curto prazo, mas por toda a vida produtiva

da fazenda.

41

III) A esfera da naturalidade na avaliação do BEA

Para que os animais experimentem altos níveis de BEA é importante que

também possam expressar comportamentos que expressariam em seu ambiente de

origem evolutiva e que são, comprovadamente através de testes de preferência e

motivacionais, essenciais. Alguns estudos mostraram que, apesar de milhares de

anos de seleção, os animais domésticos ainda retêm os repertórios

comportamentais de seus ancestrais (FRASER e BROOM, 1980; PRICE, 1984)

Alguns comportamentos são tão profundamente enraizados na composição

genética dos animais que persistirão mesmo em ambientes que não exigem o

comportamento de sobrevivência (DUNCAN, 1998). Em outras palavras,

especialistas descrevem esses comportamentos baseando-se em motivação e

necessidades comportamentais, como controlados fortemente por fatores internos

(como mudanças hormonais) que estão presentes, não importando o tipo de

ambiente externo fornecido.

Dessa maneira, percebe-se a importância dessa esfera em protocolos de

avaliação de BEA. No Welfare Quality®, esse aspecto é contemplado com a análise

das instalações, que tem como premissa o conforto em relação ao descanso, a

facilidade de movimento e o conforto térmico (esse último como adaptação do

protocolo para sistemas de vacas em pasto; GARCIA, 2013) e também a análise de

comportamento apropriado, como expressão de comportamento natural através de

acesso ao pasto (WELFARE QUALITY®, 2009).

1.2.6 Oportunidades de melhoria do bem-estar para pessoas e animais nas fazendas

Algumas pesquisas vêm observando preocupação crescente por parte dos

consumidores em relação ao BEA (MOLENTO, 2005; LASSEN et al., 2006; HALL e

SANDILANDS, 2007; SCHALY et al., 2010; FRANCHI et al., 2012; QUEIROZ et al.,

2014), o que consequentemente gera preocupação por parte da indústria (CLARKE

et al., 2007; COSTA et al., 2013). Entretanto, um item que recebe menos atenção

nesse cenário é a relação entre humanos e animais e as implicações que ela tem

para o BEH (BURTON et al., 2012).

42

Segundo alguns autores (FRASER, 2003; LASSEN et al., 2006; LUSK e

NORWOOD, 2010), a deficiência de uma relação mais sadia entre manejadores e

animais se deve ao processo de industrialização e ao estabelecimento de técnicas

industriais na criação dos animais, que os tratam como commodities em vez de

seres sencientes, ou seja, capazes de sentir. Isso se deve à maior proporção de

animais por manejadores (VAARST; ALROE, 2011), o que dificulta o cuidado

individual, e às mudanças na cadeia produtiva, levando os animais a terem vidas

mais curtas, o que limita a habilidade dos manejadores em formar relações e ter

empatia por eles (TE VELDE et al., 2002; WILKIE, 2005).

Apesar de diversos estudos (LENSINK, 2002; BOIVIN et al., 2003; RENNIE et

al., 2003; BERTENSHAW e ROWLINSON, 2008; HEMSWORTH et al., 2009) terem

mostrado claramente que a qualidade do cuidado fornecido pelos manejadores tem

papel crítico nos níveis de estresse experimentados pelos animais de produção,

identificando a equipe de manejadores como aspecto-chave na promoção de

melhores níveis de BEA, ainda assim as pesquisas nessa área são desiguais

quando comparadas àquelas que têm foco principal no animal (BURTON et al,

2012).

De acordo com Boivin et al. (2003), enquanto os aspectos que envolvem a

relação entre humanos e o bem-estar dos animais têm gerado crescente interesse

na biologia e na fisiologia, esse assunto tem recebido menos atenção pela sociologia

e filosofia, apesar do interesse implícito dessas ciências. Dessa maneira, segundo

Burton et al. (2012), isso cria uma espécie de desequilíbrio na literatura, já que

grande parte dos estudos na área de BEA e na área das interações entre humanos e

animais tem se utilizado de observações quantitativas e psicométricas, deixando de

abordar, por exemplo, o aspecto cultural dos manejadores. Segundo os mesmos

autores, as duas áreas deveriam caminhar juntas:

Enquanto a ciência social foca na natureza da relação entre

humanos e animais e como os humanos emocionalmente se

vinculam e desvinculam dos animais, os pesquisadores de bem-

estar animal lidam com o assunto de uma maneira mais prática,

tentando entender como melhorar essa relação, estimulando a

mudança comportamental e de atitude (BURTON et al., 2012,

p.175).

43

Segundo Burton et al. (2012), apenas utilizando-se o foco na pesquisa

quantitativa e nas soluções cognitivas (atitudes), muito do entendimento atual sobre

como melhorar os níveis de bem-estar através das mudanças comportamentais se

limita aos problemas comuns da pesquisa quantitativa. O que inclui a negligência de

aspectos sociais e culturais das variáveis estudadas (SILVERMAN, 1998), o foco

nas atitudes sem considerar como elas se desenvolveram (KIRK; MILLER, 1986) e a

tendência a explicar atitudes e comportamentos de uma forma padronizada,

desconsiderando a situação vigente (SILVERMAN, 1985).

Assim, a oportunidade de melhoria e estabelecimento de uma cultura mais

pacífica (boa relação humano-animal, manejo compassivo, bem-estar humano e

animal etc.) nas fazendas, vai além da visão baseada apenas no conhecimento e na

cognição dos manejadores. Alguns autores (SEGERDAHL, 2007; BURTON et al.,

2012) adotaram uma perspectiva de olhar a fazenda individualmente como uma

cultura única e desenvolver a ideia mais profundamente, examinando a interação

entre a cultura desenvolvida, a cultura humana (manejadores) e a “cultura” animal

nas fazendas leiteiras, que segundo Burton et al. (2012) é constituída das

experiências pelas quais os animais passam e a maneira como reagem a elas:

Vacas e manejadores, desde o primeiro minuto que entram na

fazenda, estão imersos em uma realidade já estabelecida, com

práticas e cultura da própria fazenda. Vacas aprendem os

significados por de trás dos comportamentos dos manejadores e

os manejadores aprendem com os comportamentos das vacas,

vacas aprendem com o comportamento das outras, manejadores

aprendem com o comportamento dos outros – e todas as

interações são influenciadas pela cultura do ambiente da

fazenda (BURTON et al., 2012, p. 176).

Dessa maneira, estabelecer uma cultura mais pacífica na fazenda pode ser

uma ação representada por três ciclos simultâneos (BURTON et al., 2012; Figura 8).

O primeiro representa as interações diárias entre humanos e animais por meio de

uma boa infraestrutura, o que possibilita o manejo mais fácil e consequentemente o

melhor tratamento dos animais pelos manejadores, além de manejadores mais

44

satisfeitos. O segundo ciclo representa também as interações diárias entre humanos

e animais e a disposição incorporada nos manejadores em manejar

compassivamente os animais. Já o terceiro ciclo representa a incorporação da

cultura em cada manejador da fazenda através de períodos longos de contato com

os animais e a produção como um todo. Nesse ciclo, há o desenvolvimento do

conhecimento intuitivo e respostas empáticas em relação aos animais, e isso é

coordenado pela combinação de experiência e conhecimento dos animais como

indivíduos, levando ao desenvolvimento do entendimento do comportamento e das

semelhanças cognitivas entre vacas e humanos.

Figura 8 - Quadro conceitual ilustrando a cultura positiva na fazenda (adaptado de BURTON

et al., 2012)

Entender que cada fazenda é um caso particular e que as experiências dos

animais e dos manejadores são únicas em cada cenário pode ajudar em ações que

visem estabelecer interações mais positivas entre humanos e animais, fornecendo

oportunidades para a melhoria nos níveis de bem-estar animal e humano. Dessa

maneira, parece um campo promissor da ciência investigar mais profundamente não

apenas o bem-estar dos animais criados para consumo, mas também o bem-estar

humano e como esses fatores interagem entre si no ambiente da produção animal.

45

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55

2 RELAÇÃO ENTRE BEM-ESTAR HUMANO E BEM-ESTAR ANIMAL EM PROPRIEDADES LEITEIRAS

Resumo

Apesar do crescente interesse sobre o bem-estar dos animais, o mesmo não acontece em relação ao bem-estar dos humanos. Entender como os manejadores se sentem sobre o seu trabalho e como isso se relaciona ao bem-estar animal (BEA) é uma linha importante de pesquisa para a produção mais ética. Esta pesquisa teve como objetivo avaliar a eficiência do treinamento técnico realizado em fazendas leiteiras e as melhorias proporcionadas no BEA e no Bem-estar Humano (BEH) e suas inter-relações em dez propriedades do estado de São Paulo. Essas propriedades foram divididas em dois grupos: fazendas em que as vacas eram manejadas pelos próprios proprietários (FP) e fazendas em que as vacas eram manejadas por mão de obra terceirizada (trabalhadores; FT). O protocolo para o desenvolvimento da pesquisa foi o seguinte: 1) Dia 1 (D1), ou seja, realização da avaliação inicial, sem nenhum tipo de treinamento; 2) Dia 2 (D2), realização do treinamento sobre bem-estar de vacas leiteiras e 3) Dia 3 (D3), realização da avaliação final depois de dois meses do treinamento. Para a avaliação do BEA, foi utilizado o protocolo Welfare Quality® adaptado para vacas criadas em pasto. Para a avaliação do BEH (afetos positivos e negativos experimentados no ambiente de trabalho), foi utilizada a Escala de Bem-Estar Afetivo no Trabalho (Jaws), adaptada para o português. As avaliações foram realizadas em dois momentos diferentes do estudo (D1 e D3). Segundo o protocolo Welfare Quality®, no D1, 50% das propriedades de ambos os grupos (FP e FT) foram pontuadas em BEA aceitável e os outros 50% foram pontuados em BEA bom. No D3, para o grupo FP, 83% das fazendas foram pontuadas em BEA bom e 17% em BEA aceitável. Para o grupo FT, 100% das fazendas foram pontuadas em BEA bom. Foi realizada a análise descritiva do protocolo Welfare Quality® avaliando-se o D1 e o D3. Na avaliação dos princípios Instalação e Comportamento Apropriado, o grupo FP obteve melhor pontuação no D3 em relação ao D1. Já o grupo FT obteve melhor pontuação no mesmo dia para os princípios Instalação, Sanidade e Comportamento Apropriado. Como conclusão, o treinamento teve efeito positivo sobre o BEA em todas as fazendas e sobre o BEH de trabalhadores, mas não de proprietários. Fazendas pontuadas em nível bom de BEA apresentaram maior pontuação de BEH e fazendas pontuadas em nível aceitável de BEA apresentaram menor pontuação de BEH. De acordo com esses resultados, quanto maior o nível de BEH maior o nível BEA. Palavras-chave: Bem-estar de vacas leiteiras; Afetos positivos no trabalho; Afetos

negativos no trabalho

Abstract

Despite the growing interest in animal welfare science, the same is not true about stockpeople welfare (SW). Understanding how stockpeople feel about their work and how it relates to animal welfare (AW) is a research line for a more ethical animal production. This research aimed to evaluate the efficiency of technical training conducted on dairy farms and the improvements provided to on AW and SW and

56

their inter-relationships in ten farms in the state of Sao Paulo. These farms were divided into two groups: farms whose cows were handled by the owners (O) and farms whose cows were handled by outsourced labor (employees; E). The protocol for the development of the research was the following: 1) Day 1 (D1), i.e., initial assessment, no training was provided; 2) Day 2 (D2), training on dairy cow welfare and 3) Day 3 (D3), final assessment two months after the training. Welfare Quality® protocol, adapted for cows raised on pasture, was used for AW evaluation. The Job-Related Affective Well-Being Scale (Jaws), adapted to Portuguese, was used for SW evaluation. The evaluations were performed at two different times of the study (D1 and D3). According to the Welfare Quality®, at D1, 50% of the farms of both groups (O and E) were scored with acceptable AW level and the other 50% was scored with good AW level at D1. At D3, for group O, 83% of the farms were scored with good AW level and 17% with acceptable level at D3. Group E had 100% of its farms scored with good AW level. The Welfare Quality®'s descriptive analysis was performed at D1 and D3. For Installation and Appropriate Behavior principles, group E had better scores at D3 in relation to D1. Yet, group O had better Installation, Health and Appropriate Behavior principles scores at the same day. In conclusion, the training had a positive effect on AW in all farms and on welfare of employees, but not on welfare of owners. Farms scored with good AW level had a higher SW score and farms scored with acceptable AW level had lower SW scores. According to these results, the higher AW's level, the higher SW's level. Keywords: Dairy cow welfare; Positive affection at workplace; Negative affections at

workplace

2.1 Introdução

Apesar de algumas pesquisas apontarem para o crescimento da preocupação

por parte dos consumidores (APPLEY, 2004; MOLENTO, 2005; LASSEN et al.,

2006; HALL e SANDILANDS, 2007; SCHALY et al., 2010; FRANCHI et al., 2012;

QUEIROZ et al., 2014) e da indústria (CLARKE et al., 2007; COSTA et al., 2013) em

relação ao tema bem-estar animal (BEA), pouca atenção vem sendo dada à relação

entre os trabalhadores e os animais e às implicações que essa relação tem para o

bem-estar humano (BURTON et al., 2012).

Apesar de existir crescente interesse sobre a saúde mental do trabalhador

(GOUVEIA et al., 2008), esse não parece ser um tema que alcança o cenário rural.

Alguns autores vêm estudando as características humanas, como satisfação,

comportamento e atitudes em relação aos animais (HEMSWORTH; COLEMAN,

2011), e quais são as influências delas sobre produtividade e BEA. Entretanto,

parece não existirem esforços para entender como o humano se sente em relação

57

ao próprio trabalho nesse ambiente, o que nesta pesquisa foi definido como bem-

estar humano (BEH).

Para Ryan e Deci (2001), o bem-estar é o estado de satisfação do indivíduo

com ele mesmo e com o seu meio. Refere-se ao que as pessoas pensam e como

elas se sentem sobre suas vidas. Com isso, segundo Gouveia et al. (2008), pode-se

dizer que o bem-estar é constituído por dois componentes principais: o cognitivo

(satisfação com a vida, permitindo que as pessoas façam uma avaliação global da

própria vida) e o afetivo (componentes emocionais, permitindo às pessoas

vivenciarem emoções positivas e negativas).

Na área da saúde e da qualidade de vida dos humanos, é possível observar

alguns autores abordando esse tema no ambiente rural (KOLSTRUP; HULTGREN,

2011), como no estudo de fatores de risco e das formas de melhoria das condições

de trabalho. Na área da psicologia, os autores têm ampliado essa discussão para a

área de bem-estar subjetivo, enfatizando como as emoções positivas e negativas

podem afetar a saúde do trabalhador (CARTER, 2004; CHENG, 2004). Entretanto

esse não parece ser um tema amplamente abordado no cenário da produção

animal.

Segundo Carter et al. (2004), as emoções têm tido um papel de destaque nos

estudos com humanos, sendo identificadas através dos afetos positivos e negativos,

compreendendo o elemento central do bem-estar subjetivo (GOUVEIA et al., 2003).

É importante enfatizar que o fato de o indivíduo apresentar alto nível de bem-estar

não significa necessariamente a ausência de emoções negativas, mas que as

positivas se destacam em relação às negativas (ALBURQUEQUE; TROCCÓLI,

2004). Dessa maneira, a Escala de Bem-estar Afetivo (KATWYK et al., 2000),

adaptada por Gouveia et al. (2008), identifica afetos positivos e negativos

experimentados, representando o constructo escolhido por esta pesquisa para

acessar o bem-estar humano.

No livro de Hemsworth e Coleman (2011) intitulado Human-Livestock

Interations (Interações entre humanos e animais de produção, em tradução livre),

apesar da preocupação evidente com as questões humanas, considerando-se os

trabalhadores como profissionais importantes e essenciais no meio, o bem-estar

humano não é abordado segundo o conceito do bem-estar subjetivo. Entretanto,

existe a ideia de que as características dos trabalhadores são importantes

58

determinantes no estabelecimento de interações positivas, o que pode promover

melhoria no bem-estar e na produtividade animal.

Na Figura 9, é possível analisar que as melhorias no bem-estar e na

produtividade animal são resultado não apenas de uma boa infraestrutura, mas

também da felicidade experimentada pelo trabalhador. Apesar de Burton et al.

(2012) terem atribuído a felicidade apenas a fatores externos ao trabalho, o presente

estudo destaca que o BEH experimentado no ambiente de trabalho deve ser

adicionado a essa soma de fatores, pois também pode desempenhar papel

importante nas interações com os animais e, dessa maneira, favorecer o bem-estar

de ambos.

Figura 9 - Adaptação do primeiro ciclo de Burton et al. (2012) para o estabelecimento de

uma cultura mais pacífica em fazendas leiteiras, incluindo o aspecto de bem-estar humano, que é expresso pelos afetos positivos e negativos no ambiente de trabalho

Dessa maneira, acredita-se que o tempo dedicado ao trabalho constitui um

componente fundamental para a construção e o desenvolvimento do bem-estar

pessoal e da felicidade.

A critério de estabelecer mais clareza na discussão dos resultados,

apresenta-se na Figura 10 as hipóteses desta pesquisa. A primeira hipótese trata de

59

responder se o efeito do treinamento pode promover melhoria no Bem-estar Animal

(BEA). Já a segunda hipótese procura responder se fazendas pontuadas em melhor

nível de Bem-estar Humano (BEH) apresentariam melhor nível de BEA.

Figura 10 - Representação esquemática das duas hipóteses da presente pesquisa. Sendo que a primeira hipótese trata de responder se o efeito do treinamento pode promover melhoria no Bem-estar Animal (BEA). Já a segunda hipótese trata de responder se fazendas pontuadas em melhor nível de Bem-estar Humano (BEH) apresentariam melhor nível de BEA

Sendo assim, está claro que o trabalho de manejo dos animais desenvolvido

na fazenda é importante devido à sua influência no bem-estar e na produtividade

animal, mas não só isso, é necessário reconhecer os trabalhadores como

profissionais que devem ser qualificados e reconhecidos no ambiente de trabalho.

Com base nessa necessidade de abordar e estudar o BEH no ambiente da

produção animal e verificar como isso se relaciona ao BEA, as hipóteses deste

trabalho foram:

1) O efeito do treinamento para manejadores (trabalhadores e proprietários)

pode promover melhorias no BEA e;

2) Quanto maior o nível de BEH, maior será o nível de BEA.

O objetivo deste estudo foi avaliar a eficiência do treinamento técnico

realizado em fazendas leiteiras, as melhorias proporcionadas no BEA e BEH e suas

inter-relações em dez propriedades do estado de São Paulo.

2.2 Material e métodos

60

A pesquisa foi conduzida em dez fazendas leiteiras com vacas em pasto nas

bacias leiteiras de Avaré, Campinas e Piracicaba, no estado de São Paulo, e dividida

em quatro etapas, o que pode ser observado na Figura 11: 1) seleção das fazendas;

2) avaliação inicial de bem-estar humano e animal (D1); 3) treinamento e avaliação

do bem-estar humano (D2); e 4) avaliação final de bem-estar humano e animal (D3),

com o objetivo principal de avaliar se o bem-estar dos proprietários e trabalhadores e

o treinamento teriam efeito sobre o nível de BEA em fazendas com vacas de leite em

pasto manejadas pelos próprios proprietários (FP) ou por mão de obra terceirizada

(trabalhadores; FT).

Figura 11 - Delineamento das etapas da pesquisa realizada. Sendo: FP: fazendas manejadas pelos próprios proprietários, FT: fazendas manejadas por trabalhadores

Etapa I – Seleção das fazendas. Primeiramente, o contato foi feito pelo telefone com

produtores das bacias leiteiras de Avaré, Campinas e Piracicaba. Com a permissão

para desenvolver a pesquisa nas fazendas, as primeiras visitas foram realizadas e o

D1 foi estabelecido e agendado nesse mesmo dia. Em alguns casos, houve a

necessidade de reunião na própria fazenda antes do início da pesquisa, no intuito de

explicar com mais detalhes como o estudo seria conduzido. Entretanto, sem entrar

no mérito das avaliações que seriam realizadas, o que poderia prejudicar os

61

resultados. Foram selecionadas dez fazendas de leite em pasto e aquelas que

aceitaram participar da pesquisa foram adicionadas ao projeto, não havendo dessa

maneira critério mais rígido de seleção.

Em nenhuma das fazendas os respectivos proprietários ou trabalhadores

haviam recebido algum tipo de treinamento técnico referente à adoção de boas

práticas em BEA, assim como nenhum tipo de avaliação ou certificação anteriores. A

descrição geral das fazendas selecionadas se encontra na Tabela 2.

Tabela 2 - Descrição das fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) que foram selecionadas para realização das avaliações de bem-estar animal (BEA) e humano (BEH)

Fazendas Cidade Tipo Nº vacas lactantes

Produção diária (L / Dia)

Área (ha)

Nº trabalhadores

N º vacas ordenhadas / trabalhador

1 Piracicaba FP 32 500 40 2 16

2 Piracicaba FP 31 450 44 1 31

3 Piracicaba FP 25 250 40 1 25

4 Piracicaba FP 20 200 55 2 10

5 Piracicaba FP 17 180 55 1 17

6 Piracicaba FP 14 150 50 1 14

7 Serra Negra

FT 190 4300 102

5 38

8 Piracicaba FT 170 2150 104 4 ~42

9 Avaré FT 59 960 120 3 ~19

10 Piracicaba FT 52 1000 195 2 26

Outros dados não foram acrescentados por manutenção da privacidade das

fazendas envolvidas.

Etapa II – Avaliação inicial do bem-estar humano e animal. Foram aplicadas as

avaliações de bem-estar humano e animal, consideradas, nesse momento, como

avaliação inicial (D1). O objetivo foi avaliar o nível de bem-estar dos humanos e dos

animais nas propriedades sem que ocorresse nenhum tipo de esclarecimento

teórico-prático para toda a equipe responsável pelas vacas leiteiras.

2.2.1 Avaliação do bem-estar das vacas leiteiras

62

O presente trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais

(CEUA), protocolo número 2014-33.

Foi aplicado o protocolo adaptado do Welfare Quality® por Garcia, (2013;

Anexo A) para vacas em pasto por, no máximo, dois pesquisadores, que foram

treinados conjuntamente para diminuir o erro entre observadores. A escolha de tal

protocolo explica-se pela sua amplitude e facilidade na utilização, evidenciando

gargalos a serem trabalhados em cada fazenda.

O Welfare Quality® e a adaptaçãp proposta por Garcia (2013) baseou-se em

quatro princípios, com as seguintes perguntas: 1) As vacas leiteiras são alimentadas

de forma correta? 2) As vacas são alojadas de forma correta? 3) O estado sanitário

das vacas é adequado? 4) O comportamento das vacas reflete um estado emocional

adequado? Esses quatro princípios são o ponto de partida para o que se chama de

12 critérios: ausência de fome prolongada, ausência de sede prolongada, conforto

em relação à área de descanso, conforto térmico, facilidade de movimento, ausência

de lesões, ausência de doenças, ausência de dor (práticas de manejo como o

mochamento), expressão de comportamento social adequado, expressão adequada

de outros comportamentos, interação adequada entre animais e humanos e

ausência de medo, conforme indicados na Tabela 3.

63

Tabela 3 - Medidas utilizadas para avaliar os critérios de bem-estar de vacas leiteiras em pasto (Adaptação do Welfare Quality® por Garcia, 2013)

Princípio de BEA Critérios de BEA Medidas

ALIMENTAÇÃO

1. Ausência de fome

prolongada Escore de condição corporal

2. Ausência de sede

prolongada

Fornecimento de água,

limpeza dos bebedouros,

fluxo de água,

funcionamento dos

bebedouros

INSTALAÇÃO

3. Conforto em relação ao

descanso Escore de sujidade

4. Conforto térmico Área de sombreamento

5. Facilidade de movimento Acesso ao pasto

SANIDADE 6. Ausência de injúrias

Claudicação, alteração do

tegumento

7. Ausência de doenças Corrimento nasal, ocular e

vulvar, diarreia, tosse,

respiração dificultada,

contagem de células

somáticas, mortalidade,

distocia, síndrome da vaca

caída, carrapato

8. Ausência de dor induzida

por manejo

Mochamento/descorna, corte

de cauda

COMPORTAMENTO

ADEQUADO

9. Expressão de

comportamento social Comportamento agonístico

10. Expressão de outros

comportamentos Acesso ao pasto

11. Boa relação humano-

animal Distância de esquiva

12. Estado emocional

positivo

Avaliação do comportamento

qualitativo

A avaliação iniciou-se com a coleta de dados de gerenciamento (Anexo B),

que acessa informações de registro de produção e produtividade de leite, manejos

realizados, dados zootécnicos, entre outros, e seguiu-se com a avaliação das vacas,

64

analisando-se primeiramente o número de animais que deveriam ser avaliados

individualmente (Anexo C).

Na Figura 12, observam-se as medidas que foram avaliadas individualmente,

utilizando o número amostral de cada fazenda, e as medidas que foram avaliadas

em grupo para cada princípio do Welfare Quality® adaptado por Garcia (2013).

Figura 12 - Medidas coletadas individualmente e em grupo para os princípios Alimentação, Instalação, Sanidade e Comportamento de acordo com o protocolo Welfare Quality® adaptado por Garcia (2013)

Em relação ao comportamento das vacas, foi realizada a Avaliação

Qualitativa do Comportamento (QBA – Qualitative Behaviour Assessment), em que

observações do estado emocional dos animais foram classificadas em uma escala

numérica, objetivando avaliar a qualidade da experiência global de cada animal nas

fazendas. Já as informações sobre o mochamento, descorna e corte de cauda dos

animais foram recolhidas pelo questionário de gestão (Anexo B).

Garcia (2013) sugeriu algumas adaptações, eliminações e adições ao

protocolo original, uma vez que este tem o foco na avaliação de vacas em sistemas

de confinamento, enquanto o foco do autor é na avaliação de vacas leiteiras em

pasto.

Adaptações. Foram feitas em quatro medidas:

65

1) Distância de esquiva: o local da realização dessa avaliação para sistemas em

pastejo, segundo o autor, deve ser nas áreas de pasto (não no cocho), pois

existem fazendas em que a estrutura do cocho não viabiliza tal avaliação;

2) Comportamentos agonísticos: devem ser observados por meio da análise

contínua somente nas áreas de pasto, com tempo total de uma hora, pois,

segundo o autor, foram observados poucos comportamentos, elevado tempo

de observação e local de observação inadequado;

3) Contagem de células somáticas (CCS). Foi estabelecida somente a análise

da CCS do tanque (e não individual). Segundo o autor, esse tipo de avaliação

é pouco realizado entre os produtores brasileiros;

4) Fornecimento de água: incluiu-se a medida de altura dos bebedouros (0,6 a

0,8 metros). Em caso de bebedouro retangular, esse deve apresentar largura

de 0,70 m (acesso de um lado) e de 1 m (acesso dos dois lados). O

bebedouro circular deve apresentar um diâmetro mínimo de 1 m para que

seu comprimento linear seja considerado. O autor justificou essa adaptação

devido à possibilidade de os bebedouros estarem localizados em solo com

barro, o que poderia dificultar ou mesmo impedir o acesso da vaca.

Eliminações. Foram feitas em três medidas para o critério conforto em relação

à área de descanso (Princípio Instalação), pois, segundo o autor, não são aplicáveis

aos sistemas que mantêm vacas em pasto: tempo necessário para deitar-se,

animais colidindo com equipamentos durante movimento de se deitar e animais

deitados parcial ou completamente fora da área de descanso. Também foi feita a

eliminação da medida ‘presença de correntes’ no critério facilidade de movimento

(Princípio Instalação). Garcia (2013) cita que, apesar da eliminação dessas medidas,

não houve alteração dos cálculos originais, que foram baseados na soma ponderada

das medidas analisadas e essa dividida pelo máximo teórico que as medidas

poderiam receber.

66

Adições. Foram adicionadas três medidas de avaliação:

1) Carrapato: justificado pelo autor pela maior incidência desse ectoparasita em

sistemas em pasto;

2) Fornecimento e qualidade de sombra: o que segundo o autor são medidas

importantes para animais mantidos em pastos (avaliação de conforto térmico),

além de não ser uma medida abrangida pelo protocolo original.

Garcia (2013) cita que, apesar das adições, não houve mudança nos cálculos.

Para a inclusão da medida ‘carrapato’ no critério ausência de doenças (Princípio

Sanidade) apenas se aumentou o número de limiares analisados, o que depois foi

dividido pelo máximo teórico. Para a avaliação do critério conforto térmico, os

cálculos já tinham sido desenvolvidos pelo protocolo Welfare Quality®, apenas

faltava a metodologia, que foi sugerida pelo autor (Anexo A, 2.2).

Dessa maneira, Garcia (2013), além de ter sugerido uma nova logística para a

avaliação de BEA utilizando o Welfare Quality®, sugeriu a redução no tempo de

aplicação do protocolo. As adaptações nos cálculos do protocolo original foram

realizadas para que o sistema de classificação das propriedades não fosse alterado.

Para os cálculos do estudo, utilizou-se o modelo de avaliação

hierárquica desenvolvido pelo Welfare Quality® (2009), que aplica uma abordagem

“bottom-up” para produzir uma avaliação global de BEA (Figura 13).

Figura 13 - Abordagem “bottom-up” para integração dos dados de diferentes medidas para avaliação global de BEA. Adaptado de Welfare Quality® Assessment protocol for cattle – applied to dairy cows (2009)

Os resultados das medidas são interpretados e sintetizados para produzir as

pontuações dos 12 critérios, dentro de uma escala de 0 (pior) a 100 (melhor). Em

67

seguida, as pontuações dos critérios são combinadas, através da Integral de

Choquet, para gerar quatro pontuações, numa escala de 0 a 100, refletindo o

cumprimento da fazenda quanto aos princípios de BEA.

A operação matemática Integral de Choquet é utilizada para expressar duas

linhas de raciocínio: que alguns critérios são mais importantes do que outros e,

todavia, um critério não compensa o outro. Resumidamente, a Integral de Choquet

calcula a diferença entre a menor pontuação e a menor pontuação seguinte e atribui

a isso um peso, chamado de capacidade, para aquela diferença. Esse processo é

repetido até que a maior pontuação seja atingida (WELFARE QUALITY®, 2009).

Dessa maneira, as pontuações de BEA possíveis de serem alcançadas são:

1) Excelente: maior pontuação possível, é alcançada se os quatro princípios

forem pontuados em, pelo menos, 55, sendo que dois deles devem ser

pontuados em 80 ou mais;

2) Bom: pontuação alcançada se os quatro princípios forem pontuados em,

pelo menos, 20, sendo que dois deles devem ser pontuados em 55 ou

mais;

3) Aceitável: pontuação alcançada se os quatro princípios forem pontuados

em, pelo menos, 10, sendo que dois deles devem ser pontuados em 20 ou

mais;

4) Inaceitável: os princípios estão abaixo da pontuação considerada mínima.

2.2.2 Avaliação do Bem-estar Humano

Foi aplicada a Escala de Bem-estar Afetivo (Job-Related Affective Well-

Being Scale – Jaws), proposta primeiramente por Katwyk et al. (2000) e adaptada

por Gouveia et al. (2008) para o português, que se baseia no bem-estar subjetivo,

identificando os afetos positivos e negativos que podem ser experimentados no

ambiente de trabalho (Tabela 4).

68

Tabela 4 - Afetos positivos e negativos considerados na avaliação de bem-estar humano segundo a Escala de Bem-estar Afetivo (GOUVEIA et al., 2008)

Afetos positivos Afetos negativos

Entusiasmado Assustado

Empolgado Desgostoso

Animado Depressivo

Honrado Desencorajado

Satisfeito Chateado

Com energia Ansioso

Agradecido Incomodado

Feliz Com raiva

Inspirado Malsucedido Com orgulho do que

faço Triste

À vontade Furioso

Contente Confuso

Alegre Cansado

Tranquilo Miserável

Para a escolha do constructo a ser utilizado, foram feitas pesquisas nas

seguintes bases de dados: Scielo, Psicologia: Reflexão e Crítica, Avaliação

Psicológica, Psico-USF, Psicologia: Teoria e Pesquisa, Psicologia em Estudo,

Estudos de Psicologia e Biblioteca virtual em saúde. Foi utilizada a base de dados

em português, pois era necessário que o constructo empregado para avaliar o BEH

já tivesse sido adaptado à língua, uma vez que nem sempre as traduções livres de

palavras representam o mesmo significado entre as diferentes línguas. Depois de

uma análise detalhada e um pequeno projeto-piloto com oito trabalhadores

avaliando a facilidade de preenchimento de dois constructos escolhidos (GOUVEIA

et al., 2008; PASCHOAL e TAMAYO, 2008), concluiu-se que a metodologia proposta

por Gouveia et al. (2008) atendia melhor a proposta deste trabalho e mostrou-se

mais fácil de ser preenchida segundo os trabalhadores, sendo portando escolhida.

Em adição, a proposta de Gouveia et al. (2008) foi utilizar um constructo reconhecido

internacionalmente, adaptado para a língua portuguesa.

A avaliação do BEH foi realizada por meio do preenchimento de um

questionário em que a afirmação era colocada da seguinte maneira, por exemplo:

“Meu trabalho me faz sentir entusiasmado”, e o respondente poderia selecionar do

número 1 ao 5 (Escala de Likert), variando de “nunca”, para o número 1, a “sempre”

para o número 5.

69

Foi necessário adicionar à Escala de Likert desenhos como segunda opção às

alternativas de respostas nominais (BORGES; PINHEIRO, 2002; Figura 14), caso as

pessoas que fizessem parte da pesquisa fossem analfabetas, visto que parece mais

comum encontrar pessoas que não sabem ler e escrever ou têm muita dificuldade de

usar a linguagem escrita (analfabetos funcionais) no meio rural.

Figura 14 - Adaptação da Escala de Likert (pontuação não invertida e invertida) com a utilização de escala de apoio visual como auxílio no preenchimento das questões. Adaptado de Gouveia et al. (2008) e Borges e Pinheiro (2002)

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê Ético de Pesquisa com Seres

Humanos da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” sob o protocolo

número 189 (Anexo D).

A avaliação era feita depois da primeira ordenha da manhã, logo após os

proprietários e trabalhadores terem finalizado todas as atividades de manejo dos

animais e de limpeza da sala de ordenha. Foi entregue o questionário para avaliar o

BEH com 30 afirmações com a opção de seleção de 1 (nunca) a 5 (sempre) (Anexo

E). As afirmações foram disponibilizadas para os participantes da seguinte forma:

“Meu trabalho me faz sentir...” (Tabela 5) e a pontuação máxima, tanto para afetos

positivos quanto negativos, era de 75, enquanto a pontuação mínima, de 15.

70

Tabela 5 - Forma de abordagem sobre os afetos positivos e negativos

Aspectos positivos

Meu trabalho me faz sentir tranquilo

Meu trabalho me faz sentir alegre

Meu trabalho me faz sentir calmo

Meu trabalho me faz sentir contente Meu trabalho me faz sentir orgulho do que faço

Meu trabalho me faz sentir com energia

Meu trabalho me faz sentir animado

Meu trabalho me faz sentir empolgado

Meu trabalho me faz sentir entusiasmado

Meu trabalho me faz sentir feliz

Meu trabalho me faz sentir inspirado

Meu trabalho me faz sentir agradecido

Meu trabalho me faz sentir honrado

Meu trabalho me faz sentir satisfeito

Meu trabalho me faz sentir à vontade

Aspectos negativos

Meu trabalho me faz sentir com raiva

Meu trabalho me faz sentir chateado

Meu trabalho me faz sentir ansioso

Meu trabalho me faz sentir incomodado

Meu trabalho me faz sentir confuso

Meu trabalho me faz sentir depressivo

Meu trabalho me faz sentir desgostoso

Meu trabalho me faz sentir desencorajado

Meu trabalho me faz sentir assustado

Meu trabalho me faz sentir malsucedido

Meu trabalho me faz sentir furioso

Meu trabalho me faz sentir triste

Meu trabalho me faz sentir cansado

Meu trabalho me faz sentir tímido

Meu trabalho me faz sentir miserável

Uma breve explicação para o preenchimento do questionário foi feita, bem

como a afirmação de que aquelas respostas eram confidenciais e apenas os dados

seriam usados, sem nenhum tipo de identificação dos participantes. Também foi

entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para cada participante da

pesquisa (Anexo F), que deixava bem claro que qualquer indivíduo poderia se

recusar a participar da pesquisa, em qualquer momento, sem que isso acarretasse

qualquer tipo de penalidade.

71

Etapa III – Treinamento. Os treinamentos técnicos foram baseados nos pontos mais

críticos avaliados na primeira visita. Foram abordados os seguintes aspectos: BEA,

biologia e comportamento animal; senciência e consciência das vacas; percepções

animal e humana em relação ao manejo; necessidades físicas e psicológicas de

animais; práticas de BEA e o papel do trabalhador na melhora do BEA. Após a parte

teórica, eles assistiram a um vídeo de aproximadamente 15 minutos sobre como

manejar bovinos de maneira calma e com interações positivas (PARKER et al.,

2009). Depois disso, o treinamento seguiu como uma conversa e foi se

desenvolvendo conforme a participação da equipe de trabalhadores e proprietários,

cujos conhecimentos e percepções eram levados em consideração. No final, todos

os tópicos eram abordados e a base teórica e prática era providenciada em

aproximadamente uma hora.

Etapa IV – Avaliação final do bem-estar humano e animal. Após dois meses do

treinamento técnico, foram realizadas novamente as avaliações de bem-estar

humano e animal aplicadas no primeiro dia de visita, e considerou-se esse momento

como o de avaliação final (D3). O objetivo dessa avaliação foi verificar se o

treinamento técnico em BEA havia tido efeito sobre o bem-estar humano e animal

em uma escala temporal.

2.2.3 Coleta de dados e análise dos resultados

Uma das principais diferenças entre propriedades rurais e empresas urbanas

está no número de trabalhadores. Nas fazendas leiteiras, encontram-se muitas

vacas sob os cuidados de poucos trabalhadores. Em função disso, várias limitações

surgiram ao se estabelecer o delineamento desta pesquisa:

1) Número de participantes: em dez fazendas, totalizaram-se 30 respondentes

da pesquisa, sendo dez proprietários das fazendas e 20 trabalhadores

contratados. Entretanto, durante o período da pesquisa, alguns trabalhadores

deixaram o trabalho e alguns proprietários não estavam no dia 2, o que

anulou sua participação. Ao final da pesquisa, totalizaram-se 22 respondentes

(oito proprietários e 14 trabalhadores) que estavam presentes em todos os

72

dias da pesquisa. Nas pesquisas avaliando BEH, os relatos envolvem

empresas urbanas com grande número de trabalhadores. Nos trabalhos

encontrados, a grande maioria envolveu mais que 280 participantes

(ALBUQUERQUE; TRÓCCOLI et al., 2004), pois normalmente são

desenvolvidas em empresas com grande número de trabalhadores, apesar de

existirem pesquisas com menor número (n = 19; DANIELI et al., 2011).

Entretanto, nas fazendas não é comum encontrar grande número de

trabalhadores, sendo normalmente observados dois ordenhadores e um

trabalhador que maneja as vacas (Tabela 2);

2) Desequilíbrio do número de participantes de fazendas manejadas pelos

próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT): o grupo FT foi

representado por fazendas com maior número de vacas, e o grupo FP por

fazendas com menor número de vacas, o que explicou a diferença entre o

número de participantes (Tabela 2).

Dessa maneira, optou-se pela análise descritiva dos dados para estudar o

bem-estar dos humanos e dos animais e a relação entre essas duas variáveis. Para

a avaliação do BEA foram utilizados os cálculos propostos pelo Welfare Quality® e

adaptados por Garcia (2013) pela técnica de “bottom-up”. Para análise do BEH, foi

utilizada a somatória dos afetos negativos e positivos por participante, e depois feita

a média por fazenda, o que representou uma pontuação média por fazenda para

ambos os afetos.

2.3 Resultados e discussão

Os resultados deste trabalho serão apresentados em dois itens: avaliação do

bem-estar animal e avaliação do bem-estar humano.

2.3.1 Avaliação do Bem-estar Animal

Fazendas em que as vacas eram manejadas pelos próprios proprietários (FP)

apresentaram maiores pontuações médias, segundo o protocolo adaptado do

73

Welfare Quality® (Garcia, 2013), para os princípios de Instalação (85,8 vs. 75,5),

Sanidade (46,7 vs. 42,5) e Comportamento (64,3 vs. 52) no D3 em relação ao D1

(Figura 15). Considerando-se que o resultado alcançado no D1 é igual a 100%, do

D1 para o D3, observou-se aumento de 1,7% na pontuação dada para o princípio

Alimentação, 13,6% para o princípio Instalação, 9,9% para o princípio Sanidade e

23,6% para o princípio Comportamento.

Figura 15 - Pontuação média da avaliação BEA nos dias 1 e 3 (D1 e D3), antes e dois meses após o treinamento para fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP)

Observação. O espaço entre as linhas tracejadas representa a menor pontuação possível (4 princípios, pelo menos, pontuados em 10 e, pelo menos, 2 pontuados em 20 ou mais). O espaço entre as linhas pontilhadas ou acima, a maior pontuação possível (4 princípios, pelo menos, pontuados em 55 e, pelo menos, 2 pontuados em 80 ou mais)

Fazendas em que as vacas eram manejadas por trabalhadores (FT)

apresentaram maiores pontuações médias, segundo o protocolo adaptado do

Welfare Quality® (GARCIA, 2013), para os princípios de Instalação (66,5 vs. 37,5),

Sanidade (47,25 vs. 37,5) e Comportamento (61 vs. 45,5) no D3 em relação ao D1

(Figura 16). Considerando-se que o resultado alcançado no D1 é igual a 100%, do

D1 para o D3, observou-se aumento de 1,7% na pontuação dada para o princípio

Alimentação, 77,4% para o princípio Instalação, 26% para o princípio Sanidade e

34% para o princípio Comportamento.

46,2

75,5

42,5

52,0 47,0

85,8

46,7

64,3

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Alimentação Instalação Sanidade Comportamento

D1 D3

74

Figura 16 - Pontuação média da avaliação BEA nos dias 1 e 3 (D1 e D3), antes e dois meses após o treinamento para fazendas manejadas por trabalhadores

Observação. O espaço entre as linhas tracejadas representa a menor pontuação possível (4 princípios, pelo menos, pontuados em 10 e, pelo menos, 2 pontuados em 20 ou mais). O espaço entre as linhas pontilhadas ou acima, a maior pontuação possível (4 princípios, pelo menos, pontuados em 55 e, pelo menos, 2 pontuados em 80 ou mais)

Nota-se que para todos os princípios houve um aumento após o treinamento.

Em nenhuma situação a pontuação se manteve igual, evidenciando a importância do

treinamento nesta pesquisa.

2.3.2 Princípio Instalação

O princípio “Instalação”, de acordo com o protocolo adaptado do Welfare

Quality® (GARCIA, 2013), foi avaliado segundo os critérios conforto (área de

descanso), conforto térmico e facilidade de movimento dos bovinos.

Na Tabela 6, pode-se observar a pontuação alcançada para os critérios pelo

grupo FP e FT no D1 e D3; quanto maior a pontuação para o critério, melhor.

Entretanto, a discussão dessa tabela será feita apenas para dois de três critérios,

uma vez que para o critério conforto (área de descanso) há grande possibilidade de

os resultados estarem mascarados devido às diferentes condições dos pastos

(presença de lama) nos dias da avaliação para parte das fazendas.

57,25

37,5 37,5

45,5

58,25

66,5

47,25

61

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Alimentação Instalação Sanidade Comportamento

D1 D3

75

Tabela 6 - Pontuação para os critérios conforto da área de descanso, conforto térmico e facilidade de movimento do princípio ‘Instalação’ e as medidas utilizadas na avaliação das instalações das fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT), nos dias 1 (D1) e 3 (D3)

Princípio Instalação

Critério Conforto (área de

descanso) Conforto térmico

Facilidade de movimento

Medida Escore de Sujidade Sombra Acesso à área

externa

Dias D1 D3 D1 D3 D1 D3

Pontuação FP 91,2 100 67,7 75 100 100

FT 51 100 16,5 41,5 100 100

Ambos os grupos, FP e FT, apresentaram maior valor para o princípio

‘Instalação’ no D3 em relação ao D1 (Figura 15 e 16, respectivamente). Para o grupo

FP, o resultado pode ser justificado pela maior pontuação do critério conforto térmico

(Tabela 6). Essa melhoria pode ser justificada pela utilização de piquetes que

possuíam sombra natural, visto que todas as fazendas desse grupo apresentaram

pontuação máxima para o critério facilidade de movimento, avaliado pelo acesso à

área externa ou pasto (Tabela 6). Em relação à melhoria observada no grupo FT,

explicou-se principalmente pela construção de sombrites, o que, de acordo com os

gerentes, ocorreu devido às instruções que foram passadas no treinamento técnico

sobre BEA. Todas as fazendas desse grupo também apresentaram pontuação

máxima para o critério facilidade de movimento (Tabela 6).

Em relação ao conforto térmico, há diversas evidências de que o

fornecimento de sombra de boa qualidade e em quantidade adequada é de grande

importância para vacas leiteiras (SCHÜTZ, 2009; SILVA et al., 2009; SCHÜTZ et

al., 2010; AINSWORTH, 2012), uma vez que esses animais podem sofrer

alterações fisiológicas e comportamentais se expostos a condições térmicas

adversas. Apesar disso, o Welfare Quality® ainda não tem descrita a medida para a

avaliação do critério conforto térmico. Assim, Garcia (2013), diante dessa

problemática, inseriu em sua avaliação a medida ‘sombra’ para analisar o conforto

térmico das vacas em pasto. Uma vez que o cálculo já havia sido proposto pelo

Welfare Quality®, o autor apenas sugeriu a metodologia para sua avaliação (Anexo

A, 2.2).

76

Uma vez que todas as fazendas desta pesquisa alcançaram pontuação

máxima para acesso às áreas externas, pode-se perceber a importância do

fornecimento de sombra, em quantidade e de qualidade, no alcance de melhor

pontuação do princípio ‘Instalação’. Foi verificado nesta pesquisa que os

trabalhadores muitas vezes não compreendem esse quesito como fator importante

para a melhoria do bem-estar e da produtividade animal. O simples fato de

instruções para a construção de sombrites serem fornecidas ajudou os

trabalhadores a se comprometer a fornecer sombra para as vacas, promovendo,

assim, melhoria do princípio citado.

2.3.3 Princípio Sanidade

Os critérios analisados foram ausência de injúrias (claudicação, alteração do

tegumento), ausência de doenças (corrimento nasal, corrimento ocular e corrimento

vulvar, diarreia, tosse, respiração dificultada, contagem de células somáticas,

mortalidade, distocia, síndrome da vaca caída e carrapato) e ausência de dor

induzida (mochamento e/ou descorna, corte de cauda) por procedimentos de

manejo. Observaram-se melhores pontuações do princípio ‘Sanidade’ no D3 em

relação ao D1 tanto para o grupo FP (Figura 15) quanto para o grupo FT (Figura 16).

Para avaliar a ausência de injúrias, foram utilizados o escore de locomoção

(claudicação) e o registro do número de áreas sem pelos, lesões ou inchaços no

tegumento das vacas. Essa avaliação é feita pela observação da presença de

alteração do tegumento em cinco regiões corporais do bovino (Anexo A, 3.1).

Na Tabela 7, pode-se observar a pontuação alcançada para os critérios pelo

grupo FP e FT no D1 e D3; quanto maior a pontuação para o critério, melhor.

77

Tabela 7 - Pontuação para os critérios ausência de injúrias, ausência de doenças e ausência de dor induzida pelo manejo do princípio ‘Sanidade’ e as medidas utilizadas na avaliação da saúde das vacas das fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT), nos dias 1 (D1) e 3 (D3)

Princípio Sanidade

Critério Ausência de injúrias Ausência de doenças Ausência de dor

induzida (manejo)

Medida Claudicação e alteração do tegumento

Medidas diversas* Mochamento/descorna

, corte de cauda

Dias D1 D3 D1 D3 D1 D3

Pontuação

FP 63,7 80,7 61,8 70 28 28 FT 46 77,3 44 56,8 33,3 33,3 *Corrimento nasal, corrimento ocular e corrimento vulvar, diarreia, tosse, respiração dificultada, contagem de células somáticas, mortalidade, distocia, síndrome da vaca deitada e carrapato

Ambos os grupos, FP e FT, apresentaram melhor valor para o princípio

‘Sanidade’ no D3 em relação ao D1 (Figura 15 e 16, respectivamente). Tanto para o

grupo FP quanto FT, observou-se maior pontuação para o critério ausência de

injúrias no D3 em relação ao D1 (Tabela 7). Esse resultado provavelmente é

justificado pelas diferentes condições climáticas nos dias de avaliação das vacas,

maior exposição ao sol e maior quantidade observada de bernes (alteração severa,

devido ao inchaço provocado). Ainda, analisando-se o critério ausência de injúrias,

a melhor pontuação observada no D3 pode ser justificada pela menor exposição

dos cascos das vacas a um solo com maior quantidade de lama no D1. O que,

segundo os achados de Souza et al. (2002) e Mauchile et al. (2008), está de acordo

com o encontrado nesta pesquisa. Por outro lado, Breuer et al. (2000) observaram

que apenas 6% das vacas leiteiras que foram manejadas de forma positiva

apresentaram casos de claudicação, contra 48% das vacas que foram manejadas

de forma negativa. Isso pode ser explicado pelo efeito do treinamento na maneira

de manejar as vacas no momento da ordenha no D3.

Para avaliar a ausência de dor induzida pelo manejo, verificaram-se os

procedimentos relacionados ao mochamento, descorna e corte de cauda. Não

houve mudanças nos procedimentos durante o experimento. Nove fazendas

executavam o mochamento térmico nos bezerros sem nenhum tipo de

medicamento, não executavam a descorna e não cortavam as caudas das vacas.

78

Apenas uma fazenda do grupo FT administrava analgésico aos bezerros depois

do mochamento, o que elevou o escore médio desse grupo.

Com relação às medidas diversas relacionadas à avaliação do critério ausência

de doenças, são citadas várias observações de acordo com o Anexo I.

Sabe-se que um manejo mais positivo pode estar relacionado com a melhoria

do sistema imune, o que pode refletir positivamente na saúde do animal (BREUER et

al., 2000; SILVA et al., 2007). Uma vez que nenhuma fazenda modificou o manejo

de mochamento nos bezerros, a melhoria deve ser atribuída aos critérios ausência

de injúrias e ausência de doenças. Apesar de a maior quantidade de lama no D1

poder ter mascarado os resultados, ainda assim a melhoria nesses critérios pode

também ser atribuída ao melhor manejo das vacas na ordenha depois do

treinamento.

2.3.4 Princípio Comportamento

Em relação ao comportamento, os critérios analisados foram expressão de

comportamentos sociais (comportamentos agonísticos), expressão de outros

comportamentos (acesso ao pasto), boa relação humano-animal (teste de distância

de fuga) e estado emocional positivo (avaliação do comportamento qualitativo).

Observaram-se melhores pontuações do princípio ‘Comportamento’ no D3 em

relação ao D1 tanto para o grupo FP (Figura 15) quanto para o grupo FT (Figura 16).

Para avaliação do critério expressão de comportamentos sociais foram

observadas, por meio de um etograma, as interações entre os bovinos

relacionadas aos comportamentos agressivos e submissos (Anexo A, 4.1). De

acordo com estudos experimentais indicados no protocolo do Welfare Quality®, o

máximo absoluto esperado é de 5 encontros agonísticos por vaca por hora,

incluindo 3,4 de deslocamentos e 1,6 cabeçadas. Entretanto, Garcia (2013)

observou que esses valores são altos para vacas em sistema de pasto,

identificando baixa expressão de comportamentos agonísticos, o que também foi

observado na presente pesquisa (média de menos de 5 encontros

agonísticos/vaca/hora).

Von Keyserlingk et al. (2008) observaram que comportamentos agonísticos

podem estar relacionados com disputa hierárquica, mistura de idades e lotes,

introdução de novos animais no rebanho e disputa por recursos. Os baixos valores

79

nesta pesquisa podem ser indicativos de que nos rebanhos observados havia

pouca ou nenhuma disputa hierárquica, devido à baixa ou nenhuma competição

por recursos e lotes estáveis.

O critério expressão de outros comportamentos foi atribuído de acordo com o

número de dias por ano e horas por dia que as vacas tinham acesso ao pasto. No

caso de sistemas em pasto, as vacas possuem 365 dias por ano e 24 horas por

dia de acesso (com exceção dos períodos de ordenha). Todas as propriedades

apresentaram pontuação máxima para esse critério.

Para avaliação do critério boa relação humano-animal, aplicou-se o teste de

distância de fuga, que mede a distância de fuga das vacas em relação ao humano.

No total, aplicou-se o teste em 686 vacas, no D1 (n= 341) e no D3 (n= 345).

Observou-se maior número de vacas que deixaram ser tocadas pelo avaliador em

ambos os grupos e menor número de vacas que manteve maior distância do

avaliador no D3 em relação ao D1 (Tabela 8).

Tabela 8 - Porcentagem de vacas que deixaram ser tocadas (x = 0), que deixaram o avaliador se aproximar até 50 cm (0 < x ≤ 50), de 50 a 100 cm (50 < x ≤ 100) e que não deixaram o avaliador se aproximar mais que 100 cm (x < 100) em fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) nos dias 1 (D1) e 3 (D3)

Distância de fuga (x; cm)

x = 0 0 < x ≤ 50 50 < x ≤ 100 x > 100

D1 D3 D1 D3 D1 D3 D1 D3

FP 46,8% 62,9% 24,5% 25,2% 17,3% 9,8% 11,5% 2,1%

FT 23,4% 42,2% 31,1% 27,2% 26,3% 22,8% 19,1% 7,8%

Há evidências de que o manejo positivo diminui a reatividade das

vacas (HEMSWORTH e COLEMAN, 2011; BURTON et al., 2012), o que

influenciaria a distância de fuga desses animais em relação ao humano

(HEMSWOTH; COLEMAN, 1998). De acordo com Waiblinger et al. (2003), o

comportamento de animais que não permitem maior aproximação em relação ao

humano está relacionado à frustração, dor e ao fato de provavelmente terem

recebido algum tipo de agressão, o que também está de acordo com o observado

por alguns pesquisadores (HEMSWORTH e COLEMAN, 1998; HEMSWORTH et

al., 2000; BREUER et al., 2000; BERTENSHAW et al., 2008; HEMSWORTH e

80

COLEMAN, 2011; BURTON et al., 2012) que demonstraram relação positiva entre

BEA e boa relação humano-animal.

Dessa maneira, acredita-se que os trabalhadores que passaram por

treinamento, ou seja, que tiveram a possibilidade de aprimorar seus conhecimentos

teórico e prático sobre o comportamento e o bem-estar dos animais, possuem

maiores chances de manter boa relação com as vacas, executando manejos mais

positivos em relação a esses animais, o que provavelmente interfere de forma

positiva no medo que as vacas têm dos humanos (HEMSWORTH e COLEMAN,

1998; BREUER et al., 2000), tornando o manejo mais fácil.

Para avaliação do critério estado emocional positivo, foi utilizada a

Avaliação Qualitativa do Comportamento (QBA – Qualitative Behaviour

Assessment), em que observações do estado emocional dos animais foram

classificadas em escala de valores numéricos com a finalidade de se avaliar a

qualidade da experiência animal na fazenda (Anexo A, 4.4). Através do uso dessa

escala visual analógica (régua com valor mínimo e máximo), os avaliadores

pontuaram 20 expressões positivas e negativas de comportamento, de acordo com

o Welfare Quality® (2009). A metodologia, desenvolvida por Wemelsfelder et al.

(2000), baseia-se na capacidade de o observador perceber detalhes do

comportamento do animal dentro de determinado contexto, usando descritores

como calmo, contente, indiferente ou frustrado.

Estudos mostraram que o QBA apresentou correlação significativa com

medidas de comportamento dos animais individuais e respostas fisiológicas de

estresse, além de boa confiabilidade entre diferentes observadores

(WEMELSFELDER et al., 2001; WEMELSFELDER et al., 2009; RUTHERFORD et

al., 2012).

Ambos os grupos (FP e FT) apresentaram pontuações aceitáveis para o

critério estado emocional positivo no D1 e boas no D3. Possivelmente, a menor

pontuação no D1 (Tabela 9) se justifica pela observação de mais vacas frustradas,

inquietas, chateadas e estressadas em relação ao D3. Esse resultado pode ser

atribuído à influência positiva do treinamento sobre o manejo das vacas na ordenha

pelos trabalhadores.

81

Tabela 9 - Pontuação média para o critério ‘Estado emocional positivo” para fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) no dia 1 (D1) e dia 3 (D3) de acordo com a Avaliação Qualitativa do Comportamento (QBA – Welfare Quality®)

D1 D3

FP 45,3 52,2 FT 40,5 52,5

O estado emocional dos animais representa a experiência geral que

os mesmos têm no ambiente em que estão. Dessa maneira, a interação entre as

vacas e os trabalhadores responsáveis por seu manejo, a interação umas com as

outras, o acesso aos recursos, a hierarquia dentro dos lotes e outros aspectos são

importantes no comportamento que os animais expressam ao longo do dia.

Uma vez que a frequência de comportamentos agonísticos foi menor que a

estabelecida pelo protocolo Welfare Quality® e não se modificou entre o D1 e D3, e

o acesso ao pasto foi rotineiro, observou-se que os critérios relação humano-animal

e estado emocional dos animais foram mais importantes para vacas em pasto

nessa avaliação. Parece que o critério relação humano-animal é o pilar principal na

avaliação do princípio “Comportamento Adequado”, já que essa relação não

apenas interfere na reatividade das vacas, mas no estado emocional geral do

rebanho.

2.3.5 Avaliação final do Bem-estar Animal

Na avaliação final, pode-se observar na Tabela 10 que, de dez propriedades

avaliadas, 83% das fazendas manejadas pelos proprietários (FP) conseguiram

alcançar e/ou manter o nível bom, segundo a avaliação de BEA. Já para as

fazendas manejadas por trabalhadores (FT), 100% das fazendas conseguiram

alcançar e/ou manter o nível bom de BEA.

82

Tabela 10 - Nota final fornecida pelo protocolo Welfare Quality®, adaptado por Garcia (2013), nos dias 1 e 3 (D1 e D3), antes e após dois meses de treinamento para fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT)

Dias Proprietários Trabalhadores

D1 50% (n=3; aceitável) 50% (n=2; aceitável)

50% (n=3; bom) 50% (n=2; bom)

D3 83% (n=5; bom)

100 % (n=4; bom)

17% (n=1; aceitável)

Em relação à primeira hipótese, de que o efeito do treinamento pode

promover melhorias no BEA, verifica-se com esses resultados que houve mudanças

na classificação final das fazendas avaliadas, evidenciando-se a importância do

treinamento técnico na melhoria do BEA dentro das propriedades.

2.3.6 Avaliação do Bem-estar Humano

A segunda hipótese deste trabalho foi que, quanto maior o nível de BEH,

maior seria o nível de BEA. O BEH neste estudo foi mensurado a partir de uma

escala que forneceu os afetos negativos e positivos experimentados no ambiente de

trabalho. Quando os afetos positivos se destacam dos afetos negativos, pode-se

dizer que o BEH é, pelo menos, satisfatório.

De acordo com a Escala de Bem-estar Subjetivo (Job-Related Affective Well-

Being Scale – Jaws), tanto para o grupo FP quanto para o grupo FT, os afetos

positivos sobressaíram em relação aos afetos negativos no D1 e D3 (Figura 17).

Observou-se que, quando a pontuação recebida para afetos positivos foi maior, o

nível de BEA foi bom, e que, quando a pontuação recebida para afetos negativos foi

maior, o nível de BEA foi aceitável.

83

Figura 17 - Pontuação média para afetos positivos e negativos de proprietários e trabalhadores e pontuação para bem-estar animal (BEA) nas fazendas durante o experimento

Esses resultados estão de acordo com o que foi observado por Burton et al.

(2012), que indicaram como essencial no processo de pacificação no manejo de

vacas leiteiras que os trabalhadores experimentem afetos positivos em suas vidas.

Dessa maneira, as vacas seriam mais bem tratadas, teriam menos medo dos seus

trabalhadores e esses, por sua vez, ficariam mais satisfeitos com o seu trabalho,

realimentando esse ciclo e mantendo seu estado de felicidade.

Segundo Ryan e Deci (2001), as áreas do estudo do BEH podem ser

organizadas em duas perspectivas: 1) que aborda o estado subjetivo de felicidade

(bem-estar hedônico), e se denomina bem-estar subjetivo; e 2) que investiga o

potencial humano (bem-estar eudemônico) e trata do bem-estar psicológico. Além

disso, Alburqueque e Tróccoli (2004) citaram que o campo do bem-estar se refere ao

estudo científico da felicidade.

Dessa forma, quando Burton et al. (2012) observaram que o trabalhador feliz

pode desenvolver um manejo mais positivo em relação às vacas, fazem referência

àquele trabalhador que experimenta afetos positivos e negativos, porém os positivos

superam os negativos.

Apesar de Burton et al. (2012) explicarem o estado mental positivo do

trabalhador por meio de fatores positivos na vida fora da fazenda, segundo algumas

pesquisas (WARR, 1987; TAMAYO, 2004; WARR, 2003), o trabalho constitui

componente fundamental para a construção e para o desenvolvimento do bem-estar

0 10 20 30 40 50 60 70

Afetos Positivos

Afetos negativos

Pontuação de afetos positivos e negativos

Bom Aceitável

84

pessoal e, consequentemente, da felicidade. Nesse mesmo sentido, Riff (1989)

propôs que o bem-estar fosse entendido como o funcionamento positivo global do

indivíduo, o que não só advém da vida pessoal, mas da profissional também. Assim,

acredita-se que o bem-estar humano no ambiente de trabalho também seja fator

importante no alcance de melhores níveis de BEA, o que está de acordo com a

hipótese desta pesquisa.

A critério de estabelecer um valor único ao BEH − assim como existem

protocolos de BEA que fornecem uma pontuação final para essa variável −,

considerou-se, de acordo com Gouveia et al. (2008), o valor máximo (75) e mínimo

(15) que cada respondente pudesse pontuar em relação aos afetos positivos e

negativos experimentados no ambiente de trabalho. E partiu-se do pressuposto de

que o bem-estar subjetivo satisfatório é aquele em que os afetos positivos superam

os afetos negativos (ALBURQUEQUE; TROCCÓLI, 2004). Sendo assim, sugeriu-se

uma escala de BEH a partir da diferença entre afetos positivos e negativos,

considerando os valores máximos e mínimos para a construção de uma escala com

intervalos que representassem pontuação satisfatória e insatisfatória de BEH, de

acordo com a equação abaixo:

∆ BEH = Af Pos – Af Neg

Em que:

BEH = Bem-estar Humano

Af Pos= Afetos Positivos

Af Neg = Afetos Negativos

Assim, são possíveis os seguintes cenários:

Af Pos > Af Neg = + (BEH satisfatório);

Af Pos = Af Neg = 0 (BEH insatisfatório);

Af Pos < Af Neg = - (BEH insatisfatório).

85

Esclarecendo a escala de BEH (Figura 18), considera-se que ‘-60’, que

representa o valor mínimo de bem-estar, é a diferença entre a pontuação máxima

para afetos negativos (75) e a pontuação mínima para afetos positivos (15). O

resultado ‘0’ representa ainda valor insatisfatório de bem-estar, uma vez que os

afetos positivos não superam os negativos nessa pontuação. Já o total ‘60’, que

representa o valor máximo de bem-estar, é a diferença entre a pontuação mínima

para afetos negativos (15) e a pontuação máxima para afetos positivos (75).

Figura 18 - Escala de cor representando a pontuação mínima e máxima de BEH, considerando-se que níveis satisfatórios de bem-estar não significam ausência de afetos negativos, mas que esses são superados pelos afetos positivos

Na Figura 19, considerando-se a pontuação para o BEH e não mais para

afetos negativos e positivos, observa-se que as fazendas classificadas com BEA

nível bom receberam pontuação melhor para BEH em relação às fazendas com

classificação de BEA aceitável. Assim, pode-se dizer que o BEH foi melhor em

fazendas que foram melhor pontuadas em BEA.

Figura 19 - Pontuação para bem-estar humano (BEH) de acordo com a pontuação em bem-estar animal (BEA) recebida pelas fazendas durante o experimento

0 10 20 30 40 50 60

BEA Aceitável

BEA Bom

Pontuação para bem-estar humano

86

0

10

20

30

40

50

60

D1 D3

Pontu

ação p

ara

bem

-esta

r hum

ano

FP FC

Em relação à pontuação de BEH alcançada pelos participantes em ambos os

grupos (FP e FT), observou-se que os proprietários alcançaram maior pontuação em

relação aos trabalhadores no D1, entretanto o contrário aconteceu no D3 (Figura

20).

Figura 20 - Pontuação alcançada para bem-estar humano (BEH) nas fazendas manejadas

por proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) durante os dia 1 (D1) e dia 3 (D3)

Parece que o treinamento teve efeito positivo sobre o BEH, o que pode estar

de acordo com Santos Filho e Mourão (2011), que verificaram o efeito do

treinamento no comprometimento afetivo com a empresa, e Robbins et al. (2010),

que observaram maior satisfação por parte dos trabalhadores que passaram por

treinamento. Já para os proprietários, o treinamento não parece ter influenciado o

BEH. Já era esperado que o grupo FP tivesse maior pontuação no D1 em relação ao

FT, o que pode ser explicado em função do esclarecimento do próprio negócio pelos

proprietários e pela falta de satisfação e comprometimento por parte dos

trabalhadores, uma vez que as fazendas não investiam em treinamentos de nenhum

tipo.

Analisando-se a Tabela 11, pode-se observar na primeira linha a

porcentagem da diferença do BEH entre FP e FT. Quando se analisam isoladamente

ambos os grupos e considera-se o valor máximo para BEH no primeiro dia de

87

avaliação (D1), percebe-se que no D3 a pontuação de BEH teve queda de 8,6%

para o grupo FP e aumento cerca de 20,4% para o grupo FT.

88

Tabela 11 - Pontuação do bem-estar humano e porcentagem da diferença do bem-estar humano entre fazendas manejadas por proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) e o percentual da diferença dentro do mesmo grupo no D1 e D3

D1 D3

FP x FT +11,14% - 17% FP 35,9 (100%) 32,8 (- 8,6%) FT 31,9 (100%) 38,4 (+ 20,4%)

Segundo Hemsworth e Coleman (2011), existe grande desvalorização dos

trabalhadores que manejam animais nas fazendas pela sociedade, pelos gerentes e

pelos próprios donos das fazendas. Segundo Sousa e Coleta (2012), a falta de

reconhecimento profissional, descrita como a desvalorização da profissão em

relação às demais ocupações, foi um dos principais itens que prejudicaram o bem-

estar no trabalho, e isso pode explicar a menor pontuação de BEH no grupo FT em

relação ao FP no D1. Entretanto, no D3, a pontuação foi maior para o grupo FT em

relação ao FP. De acordo com esses resultados, é possível confirmar a hipótese de

que o treinamento pode ter tido efeito no BEH, o que pode ter sido resultado do

treinamento na valorização do trabalhador e esse, por sua vez, pode ter

experimentado mais afetos positivos, como satisfação no trabalho, o que está de

acordo com Pereira (2001).

2.4 Conclusões parciais

De acordo com os resultados apresentados neste capítulo, observou-se que

as fazendas apresentaram melhor classificação de bem-estar animal (BEA) após o

treinamento fornecido. Também houve melhora na pontuação de bem-estar humano

(BEH) em fazendas manejadas por trabalhadores, entretanto, o mesmo não

aconteceu para fazendas manejadas pelos próprios proprietários.

Fazendas classificadas em nível bom de BEA também foram classificadas

com melhor pontuação para BEH. O contrário aconteceu para fazendas classificadas

em nível aceitável de BEA, que receberam menor pontuação para BEH.

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94

3 INFLUÊNCIA DO TREINAMENTO NAS ATITUDES, NO COMPORTAMENTO, NO CONHECIMENTO TÉCNICO DE MANEJADORES E NO MEDO EXPERIMENTADO POR VACAS Resumo O bem-estar animal (BEA) vem ganhando destaque em diversas discussões que envolvem animais, no entanto, pouco ainda se discute sobre o aspecto humano no cenário rural. Assim, a formação dos trabalhadores em diversas áreas, o que inclui o BEA, pode ser negligenciada, o que pode prejudicar o bem-estar dos animais sob seus cuidados. O objetivo desta pesquisa foi avaliar os efeitos do treinamento em BEA dos trabalhadores e proprietários, os possíveis efeitos sobre as atitudes e os comportamentos humanos em relação às vacas leiteiras e o efeito sobre o medo das vacas em relação ao humano. A investigação foi realizada em dez fazendas leiteiras do estado de São Paulo. As propriedades foram divididas em dois grupos: fazendas em que as vacas eram manejadas pelos próprios proprietários (FP) e fazendas em que as vacas eram manejadas por mão de obra terceirizada (trabalhadores; FT). O protocolo para o desenvolvimento da pesquisa foi o seguinte: 1) Dia 1 (D1), ou seja, realização da avaliação inicial, sem nenhum tipo de treinamento; 2) Dia 2 (D2), realização do treinamento sobre bem-estar de vacas leiteiras; e 3) Dia 3 (D3), realização da avaliação final depois de dois meses do treinamento. Para a avaliação das atitudes e comportamentos foi utilizado o protocolo proposto por Hemsworth et al. (2002). Também foi avaliado o conhecimento técnico em BEA dos trabalhadores no D2, antes do treinamento, e no D3. Observou-se maior pontuação média para atitudes positivas (57,7 vs. 57,3) e menor para atitudes negativas (26,1 vs. 27,5) no D3 em relação ao D1 para o grupo FT. Entretanto, o contrário aconteceu com o grupo FP: a pontuação média para atitudes positivas foi maior e para atitudes negativas foi menor no D1 em relação ao D3 (52,7 vs. 51,7 e 27,8 vs. 28,9). A porcentagem média de comportamentos positivos foi maior no D3 em relação ao D1 para FP e FT (45,5% vs. 16,4% e 64,2% vs. 47,2%, respectivamente), já para comportamentos negativos foi menor no D3 em relação ao D1 para FP e FT (54,5% vs. 83,6% e 35,8% vs. 52,8%, respectivamente). A distância de fuga foi menor no D3 em relação ao D1, ou seja, maior foi a porcentagem de vacas que deixaram ser tocadas nesse dia em ambos os grupos FP e FT (62,9% vs. 46,8% e 42,2% vs. 23,4%, respectivamente). Os acertos no questionário sobre conhecimento técnico em BEA foram maiores no D3 em relação ao D1 para FP (55,2% vs. 49%) e para FT (69,3% vs. 55,7%). Como conclusão, o treinamento foi positivo no comportamento humano em relação às vacas leiteiras, na diminuição do medo que as vacas têm do humano e no conhecimento técnico em BEA. Os resultados da variável ‘atitudes’ foram positivos para o grupo FT, mas não para o grupo FP. Dessa maneira, o treinamento em BEA influenciou os comportamentos, os conhecimentos técnicos, o medo em vacas e as atitudes dos trabalhadores. Palavras-chave: Bem-estar animal; Relação humano-animal; manejo positivo dos

animais

95

Abstract

Animal welfare (AW) has been gaining attention in various discussions involving animals, however, little is discussed about the human aspect in the rural scenario. Thus, training of employees in several areas, including AW, can be neglected, which could affect the welfare of animals under their care. This study aimed to evaluate the effects of AW training on employees and owners, the possible effects on human attitudes and behavior towards dairy cows, and the effect on cows' fear towards human. The experiment was develop in ten farms in the state of Sao Paulo. These farms were divided into two groups: farms whose cows were handled by the owners (O) and farms whose cows were handled by outsourced labor (employees; E). The protocol for the development of the research was the following: 1) Day 1 (D1), i.e., initial assessment, no training was provided; 2) Day 2 (D2), training on dairy cow welfare and 3) Day 3 (D3), final assessment two months after training. Protocol proposed by Hemsworth et al. (2002) was used to assess attitudes and behaviours. Technical expertise on AW at D2 before training and at D3 was also assessed. For group E, higher average score for positive attitudes (57.7 vs. 57.3) and lower for negative attitudes (26.1 vs. 27.5) at D1 compared to D3 were observed. Nevertheless, the opposite happened to group O, the mean score was greater for positive attitudes and lower for negative attitudes at D1 compared to D3 (52.7 vs. 51.7 and 27.8 vs. 28.9). The average percentage of positive behaviors was greater at D1 compared to D3 compared for O and E groups (45.5% vs. 16.4% and 64.2% vs. 47.2% respectively), whereas for negative behaviors the average was lower at D3 compared to D1 for O and E group (54.5% vs. 83.6% and 35.8% vs. 52.8%, respectively). The flight distance was smaller at D3 compared to D1, it means, more cows let humans come closer in both O and E group (62.9% vs. 46.8% and 42.2% vs. 23.4%, respectively). Questions answered right on AW questionnaire were higher at D1 compared to D3 for O group (55.2% vs. 49%) and E group (69.3% vs. 55.7%). In conclusion, the training was positive on human behavior towards dairy cows, on reducing the number of fearful cows, on AW technical expertise. The results of variable 'attitudes' were positive for group E, but not for group O. Thus, AW training influenced behaviors, technical expertise, fear in cows and employees' attitudes. Keywords: Animal welfare; Human-animal relationship; Positive handling of animals

3.1 Introdução

A ligação entre as atitudes daqueles que manejam animais de

produção e o BEA tem sido investigada amplamente (COLEMAN et al., 1998;

BREUER et al., 2000; HEMSWORTH et al., 2000; WAIBLINGER et al., 2002;

BOIVIN et al., 2007; JANSEN et al., 2009; ELLINGSEN et al., 2014). Esses estudos

vêm indicando uma ligação entre as atitudes positivas e os comportamentos

positivos humanos em relação aos animais de produção. Esse modelo é bem

exemplificado pela proposta de Hemsworth e Coleman (1998), em que as atitudes

96

modulam os comportamentos em relação aos animais, influenciando no medo que

esses têm do humano, o que, consequentemente, tem efeito sobre o bem-estar e a

produtividade animal.

Atitude e comportamento são conceitos diferentes. Atitudes são

disposições aprendidas (crenças) que podem mudar dependendo do contexto

(EAGLY; CHAIKEN 2007). Comportamento, por sua vez, basicamente se refere à

ação tomada levando-se em consideração as atitudes. Entretanto, as atitudes

sozinhas não determinam o comportamento, que é definido pelos resultados

associados ao ‘feedback’ desse comportamento sobre as atitudes (HEMSWORTH;

COLEMAN, 2011). Em outras palavras, mesmo se os trabalhadores acreditarem que

o manejo positivo facilita na rotina de trabalho, eles só mudarão seu comportamento

em relação aos animais se executarem o manejo de acordo com as novas crenças e

tiverem o ‘feedback’ positivo esperado.

Alguns estudos mostraram que as atitudes em relação aos animais podem

mudar de acordo com a abordagem da intervenção cognitiva-comportamental

(HEMSWORTH et al., 1994; COLEMAN et al., 2000; HEMSWORTH et al., 2002).

Essa abordagem se baseia em dois aspectos principais: 1) Fornece informações

sobre os animais, como eles deveriam ser manejados, a sensibilidade desses

animais em relação aos comportamentos humanos negativos, os efeitos negativos

do manejo errado e a consequência negativa disso na produtividade e na facilidade

de manejo; e 2) Fornece exemplos de manejos e respostas dos animais em relação

aos tipos de manejo; mostra manejos negativos e suas consequências no medo dos

animais (HEMSWORTH; COLEMAN, 2011). Assim, o treinamento com base numa

abordagem cognitiva-comportamental pode ser de grande ajuda para se estabelecer

uma cultura mais positiva no manejo dos animais de produção. Esses animais, por

sua vez, apresentam menor distância de fuga, o que significa que têm menos medo

daqueles que os manejam (HEMSWORTH et al., 1989; HEMSWORTH et al., 1994;

COLEMAN et al., 1998).

Apesar de os estudos citados apontarem para a importância do

treinamento em BEA nas fazendas, existem poucas oportunidades para que isso se

torne aspecto presente nos manuais de boas práticas na pecuária, o que é explicado

pela pouca importância dada ao tema no meio (ENGLISH et al., 1992;

HEMSWORTH e COLEMAN, 2011).

97

O presente trabalho tem como objetivo avaliar os efeitos do

treinamento em BEA dos manejadores (trabalhadores e proprietários) de fazendas

leiteiras, os possíveis efeitos sobre as atitudes e os comportamentos humanos em

relação às vacas leiteiras e o efeito sobre o medo das vacas em relação ao humano.

3.2 Material e métodos

A pesquisa foi conduzida em dez fazendas leiteiras nas bacias leiteiras de

Avaré, Campinas e Piracicaba, estado de São Paulo. Foram utilizadas vacas em

sistema de pastejo manejadas pelos próprios proprietários (FP) ou por mão de obra

terceirizada (trabalhadores; FT). O experimento foi dividido em quatro etapas, o que

pode ser observado na Figura 21: 1) seleção das fazendas, 2) avaliação inicial das

atitudes, comportamento humano e distância de fuga das vacas (D1), 3) pré-

avaliação dos conhecimentos em BEA dos trabalhadores e proprietários e

treinamento (D2) e 4) avaliação final das atitudes, comportamento humano, distância

de fuga das vacas e avaliação dos conhecimentos em BEA dos trabalhadores e

proprietários (D3), com o objetivo de se analisar o efeito do treinamento sobre as

atitudes e comportamentos humanos, e se isso teria alguma influência no medo das

vacas em relação ao humano.

98

Figura 21 - Desenho esquemático de todas as etapas da pesquisa que foi realizada em dez fazendas produtoras de leite em pasto na região de Piracicaba – SP. Observação: FP: fazendas manejadas pelos próprios proprietários e FT: fazendas manejadas por trabalhadores

Etapa I – Seleção das fazendas. Primeiramente, o contato foi feito pelo telefone com

produtores das bacias leiteiras de Avaré, Campinas e Piracicaba. Com a permissão

para desenvolver a pesquisa nas fazendas, as primeiras visitas foram realizadas e o

D1 foi estabelecido e agendado nesse mesmo dia. Em alguns casos, houve a

necessidade de reunião na própria fazenda antes do início da pesquisa, no intuito de

explicar com mais detalhes como o estudo seria conduzido. Entretanto, sem entrar

no mérito das avaliações que seriam realizadas, o que poderia prejudicar os

resultados. Foram selecionadas dez fazendas de leite em pasto e aquelas que

aceitaram participar da pesquisa foram adicionadas ao projeto, não havendo dessa

maneira critério mais rígido de seleção.

Em nenhuma das fazendas os respectivos trabalhadores ou proprietários

haviam recebido algum tipo de treinamento técnico referente à adoção de boas

práticas em BEA, assim como nenhum tipo de avaliação ou certificação anteriores. A

descrição geral das fazendas selecionadas se encontra na Tabela 12.

99

Tabela 12 - Descrição das fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) que foram selecionadas para realização das avaliações de bem-estar animal (BEA) e humano (BEH)

Fazendas Cidade Tipo Nº vacas lactantes

Produção diária (L / Dia)

Área (ha)

Nº trabalhadores

N º vacas ordenhadas / trabalhador

1 Piracicaba FP 32 500 40 2 16

2 Piracicaba FP 31 450 44 1 31

3 Piracicaba FP 25 250 40 1 25

4 Piracicaba FP 20 200 55 2 10

5 Piracicaba FP 17 180 55 1 17

6 Piracicaba FP 14 150 50 1 14

7 Serra Negra

FT 190 4300 102

5 38

8 Piracicaba FT 170 2150 104 4 ~42

9 Avaré FT 59 960 120 3 ~19

10 Piracicaba FT 52 1000 195 2 26

Outros dados não foram acrescentados por manutenção da privacidade das

fazendas envolvidas.

Etapa II – Avaliação inicial das atitudes e comportamentos humanos e distância de

fuga para vacas leiteiras. Foram aplicados os questionários de atitudes, realizadas

as observações dos comportamentos humanos e as avaliações de distância de fuga

das vacas leiteiras. Essas avaliações foram consideradas, nesse momento, como a

avaliação inicial (D1). Para as variáveis humanas, o objetivo foi verificar quais eram

as atitudes e comportamentos sem que ocorresse nenhum tipo de esclarecimento

teórico-prático para toda a equipe responsável pelas vacas leiteiras. Para a variável

distância de fuga, objetivou-se verificar o nível de medo que as vacas tinham do

humano antes de qualquer tipo de treinamento em BEA.

3.2.1 Avaliação das atitudes

Foi utilizado o escore de avaliação de atitudes dos trabalhadores em relação

às vacas leiteiras proposto por Hemsworth et al. (2002). Foi pedido a cada

trabalhador que respondesse o questionário, e o preenchimento dele foi justificado

100

como parte do estudo para identificação dos recursos humanos nas fazendas. O

questionário era composto por 27 itens que visavam conhecer quais eram as

crenças dos trabalhadores em relação às características das vacas (Tabela 13 e

informações complementares no Anexo G).

Tabela 13 - Questões para acessar as crenças dos trabalhadores em relação às vacas (Hemsworth et al., 2002)

Item Descrição do conteúdo

FÁCIL DE TRABALHAR

1 É fácil trabalhar com vacas leiteiras

2 Vacas leiteiras estimulam o meu trabalho

3 Vacas leiteiras são amigáveis

CRENÇAS NEGATIVAS

4 Vacas leiteiras são barulhentas

5 Vacas leiteiras são malcheirosas

6 Vacas leiteiras são feias

7 Vacas leiteiras não sentem dor

ANIMAIS AGRADÁVEIS

8 Vacas leiteiras são bonitas

9 É prazeroso trabalhar com vacas leiteiras

10 Vacas leiteiras são inteligentes

11 Vacas leiteiras são divertidas

12 Algum treinamento é necessário para trabalhar com vacas leiteiras

13 Alguma experiência é necessária para trabalhar com vacas leiteiras

14 Vacas leiteiras são fáceis de manejar

15 Algum tempo é necessário para manejar vacas leiteiras

CARACTERÍSTICAS NEGATIVAS

16 Vacas leiteiras são gulosas

17 Vacas leiteiras são agressivas

18 Vacas leiteiras são facilmente assustadas

19 Vacas leiteiras são curiosas

BOM COMPORTAMENTO

20 A reação das vacas em relação aos manejadores é positiva

21 A reação das vacas em relação a pessoas não familiares é positiva

22 Vacas leiteiras reagem positivamente a mudanças na rotina

23 As vacas leiteiras reagem bem à ordenha

ESFORÇO PARA MANEJAR

24 É necessário muito esforço físico para manejar vacas leiteiras

25 É necessário falar alto/gritar muito para manejar vacas leiteiras

CRENÇA DE FALAR COM VACAS E NOVILHAS EM LACTAÇÃO

26 Conversar com novilhas em lactação é importante

101

27 Conversar com vacas em lactação é importante

As respostas eram fornecidas de acordo com uma escala de cinco pontos,

definidas como: discordo totalmente (1), discordo (2), não discordo e nem concordo

(3), concordo (4) e concordo totalmente (5). Para cada grupo de perguntas, foi criado

um valor único pela soma dos itens listados, sendo que, quanto maior o valor para

os itens positivos, mais positiva era a atitude em relação às vacas e, quanto maiores

os valores para os itens negativos, menos positiva era a atitude em relação às

vacas.

3.2.2 Avaliação dos comportamentos humanos

A observação do comportamento dos trabalhadores foi realizada durante a

primeira ordenha do dia, de acordo com o protocolo aplicado por Hemsworth et al.

(2002). Assim, dois observadores, previamente treinados, registraram o

comportamento dos trabalhadores durante as seguintes atividades:

a. Mover as vacas do barracão para a linha de ordenha;

b. Posicionar as vacas para a ordenha;

c. Acoplar e desacoplar as teteiras;

d. Mover as vacas para fora da linha após a ordenha.

As interações táteis de humanos em relação às vacas foram classificadas

como positivas (POS) ou negativas (NEG). Interações positivas incluíram

“palmadinhas”, carinho ou apoiar a mão nas costas, pernas ou flancos da vaca.

Interações negativas incluíram tapas, empurrões ou golpes com a mão ou com

objetos de qualquer tipo. Além disso, dois tipos de interações táteis negativas foram

registrados: aquelas que eram ligeiras a moderadamente aversivas (tapas,

empurrões e batidas; NEG1), e aquelas que eram mais aversivas (tapas fortes,

empurrões fortes, agressões e torcidas de cauda; NEG2). As interações negativas

leves a moderadas diferiram das positivas em relação a algum ruído perceptível

associado com o contato e a intenção de mover as vacas. Um período de tempo de

cinco segundos foi escolhido para separar um nível do comportamento de outro nível

do mesmo comportamento.

102

3.2.3 Avaliação da distância de fuga das vacas

Essa variável é mensurada a partir da avaliação do critério ‘Boa relação

humano-animal’ do protocolo Welfare Quality®, que indica o nível de medo que os

animais têm dos humanos. A avaliação foi feita depois da ordenha, momento em

que as vacas já se encontravam no pasto. Foi utilizada uma amostra de cada lote

da fazenda, o que representou 686 vacas nos dois dias de avaliação. Essa

avaliação foi feita com base na distância de fuga (DF), zona individual de cada

animal (Figura 22), que é a distância entre a mão do observador e o focinho do

animal. A definição de distância de fuga é o ponto a partir do qual o animal se

move para trás ou vira a cabeça para o lado, na tentativa de esquivar-se

(WELFARE QUALITY®, 2009). Quanto maior a distância de fuga, maiores são as

chances de os animais sentirem medo dos humanos.

Figura 22 - a) Representação da zona de fuga ou distância de fuga dos animais (Parker et al., 2009) e b) A distância de fuga é a distância entre a mão do observador e o focinho do animal

Segundo o Welfare Quality®, são possíveis as seguintes distâncias:

vacas que permitem ser tocadas (DF = 0), que deixam o avaliador se aproximar até

50 cm (0 < DF ≤ 50), de 50 a 100 cm (50 < DF ≤ 100) e que não deixam o avaliador

se aproximar mais que 100 cm (DF < 100).

Etapa III – Treinamento. Antes da realização do treinamento, os trabalhadores e

proprietários responderam a um questionário de conhecimentos gerais em BEA.

a b

103

Essa avaliação teve como objetivo principal verificar os conhecimentos do assunto

sem nenhum tipo de esclarecimento. Todos os treinamentos técnicos foram

baseados nos pontos mais críticos avaliados na primeira visita. Foram abordados os

seguintes aspectos: BEA, biologia e comportamento animal; senciência e

consciência das vacas; percepções animal e humana em relação ao manejo;

necessidades físicas e psicológicas de animais; práticas de BEA e o papel do

trabalhador na melhora do BEA. Após a parte teórica, eles assistiram a um vídeo de

aproximadamente 15 minutos sobre como manejar bovinos de maneira calma e com

interações positivas (Parker et al., 2009). Depois disso, o treinamento seguiu como

uma conversa e foi se desenvolvendo conforme a participação da equipe de

trabalhadores e proprietários, cujos conhecimentos e percepções eram levados em

consideração. No final, todos os tópicos eram abordados e a base teórica e prática

era providenciada em aproximadamente uma hora.

Etapa IV – Avaliação final das atitudes, comportamentos humanos, distância de fuga

e conhecimentos gerais em BEA. Após dois meses do treinamento técnico, foram

realizadas novamente as avaliações de atitudes, comportamentos e distância de

fuga aplicadas no primeiro dia de visita, considerando-se esse momento como a

avaliação final. Também foi aplicado o questionário sobre BEA, a fim de verificar se

os conhecimentos passados no treinamento haviam sido absorvidos. O objetivo

dessa avaliação foi verificar se o treinamento técnico em BEA havia surtido efeito

sobre as variáveis humanas e consequentemente no medo que as vacas tinham dos

humanos.

3.2.4 Coleta de dados e análise dos resultados

Uma das principais diferenças entre propriedades rurais e empresas urbanas

está no número de trabalhadores. Nas fazendas leiteiras, encontram-se muitas

vacas sob os cuidados de poucos trabalhadores. Em função disso, várias limitações

surgiram ao se estabelecer o delineamento desta pesquisa:

1) Número de participantes: em dez fazendas, totalizaram-se 30 respondentes

da pesquisa, sendo dez proprietários das fazendas e 20 trabalhadores

contratados. Entretanto, durante o período da pesquisa, alguns trabalhadores

104

deixaram o trabalho e alguns proprietários não estavam no dia 2, o que

anulou sua participação. Ao final da pesquisa, totalizaram-se 22 respondentes

(oito proprietários e 14 trabalhadores) que estavam presentes em todos os

dias da pesquisa. Nas pesquisas avaliando BEH, os relatos envolvem

empresas urbanas com grande número de trabalhadores. Nos trabalhos

encontrados, a grande maioria envolveu mais que 280 participantes

(ALBUQUERQUE; TRÓCCOLI et al., 2004), pois normalmente foram

desenvolvidas em empresas com grande número de trabalhadores, apesar de

existirem pesquisas com menor número (n = 19; DANIELI et al., 2011).

Entretanto, nas fazendas não é comum encontrar grande número de

trabalhadores, sendo normalmente observados dois ordenhadores e um

trabalhador que maneja as vacas (Tabela 12);

2) Desequilíbrio do número de participantes de fazendas manejadas pelos

próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT): o grupo FT foi

representado por fazendas com maior número de vacas e o grupo FP por

fazendas com menor número de vacas, o que explicou a diferença entre o

número de participantes (Tabela 12).

Dessa maneira, optou-se pela análise descritiva dos dados para o estudo das

atitudes, comportamentos humanos, conhecimentos técnicos e a distância de fuga

das vacas em relação aos humanos (distância de esquiva). Para todas as variáveis,

utilizou-se o programa Microsoft Excel. Para a análise das atitudes, foi criado um

valor único pela soma dos itens listados de cada grupo de perguntas, sendo que,

quanto maior o valor para os itens positivos, mais positiva era a atitude em relação

às vacas e, quanto maiores os valores para os itens negativos, menos positiva era a

atitude em relação às vacas. Para a análise de comportamento humano, as

observações foram contabilizadas e classificadas como positivas (POS) ou negativas

(NEG), sendo que nesse caso foram divididas em nível 1 (NEG1) e 2 (NEG2). Para a

análise de conhecimentos técnicos em BEA, foi utilizada a porcentagem média de

acertos em cada grupo de fazenda. Para a análise do medo das vacas em relação

aos humanos, foi utilizada a média da distância de fuga (DF).

105

3.3 Resultados e discussão

3.3.1 Atitudes

Fazendas em que as vacas eram manejadas pelos próprios proprietários (FP)

apresentaram menor pontuação média (52,8 vs. 56,4 e 51,9 vs. 55,5) para atitudes

positivas referentes às vacas em relação às fazendas que eram manejadas por

trabalhadores (FT) no D1 e no D3. Já a pontuação média para atitudes negativas

apresentou-se maior (27,8 vs. 27,5 e 28,9 vs. 26,1; Tabela 14) para o grupo FP em

relação ao FT no D1 e D3.

Tabela 14 - Pontuações dos itens relacionados às atitudes positivas e negativas e a pontuação média total em fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) nos dias 1 (D1) e 3 (D3)

Atitudes D1 D3

Positivas FP FT FP FT

Facilidade de trabalhar 11,4 12,1 10,5 12,8

Animais agradáveis 17,4 20,3 17,0 19,9

Bom comportamento 14,8 15,9 15,7 16,0

Crença de conversar com os animais

9,1 9,0 8,5 9,0

Pontuação total 52,7 57,3 51,7 57,7

Negativas FP FT FP FT

Crenças negativas 8,0 9,7 9,6 9,2

Características negativas 14,0 13,1 13,4 12,6

Esforço para manejar 5,8 4,7 5,9 4,2

Pontuação total 27,8 27,5 28,9 26,1

Isso resulta, principalmente, da maior pontuação do item ‘Animais

agradáveis’ dada pelos entrevistados do grupo FT em relação aos entrevistados do

grupo FP no D1 e da maior pontuação dos itens ‘Facilidade de trabalhar’ e ‘Animais

agradáveis’ no D3. Em adição, comparando-se os diferentes dias (D1 e D3) na

Tabela 14, observou-se que no grupo FP as pontuações médias para atitudes

positivas foram menores no D3 em relação ao D1, já as pontuações médias para

atitudes negativas foram maiores no D3 em relação ao D1. Para o grupo FT, o

contrário e esperado aconteceu: as pontuações médias para atitudes positivas foram

maiores no D3 em relação ao D1, já as pontuações médias para atitudes negativas

foram menores no D3 em relação ao D1.

106

Alguns estudos (HEMSWORTH et al., 2002; WINDSCHNURER et al., 2009;

RUIS et al., 2010) observaram que trabalhadores que passaram por treinamento

com base na intervenção cognitiva-comportamental melhoraram suas atitudes e

comportamentos em relação aos animais quando comparados aos trabalhadores

que não tiveram acesso ao treinamento. Esses achados poderiam explicar o

resultado apenas para o grupo FT em relação à diminuição de atitudes negativas e

aumento de atitudes positivas depois do treinamento. Para o grupo FP, tanto em

relação às atitudes positivas e negativas após o treinamento, a presente pesquisa

não encontrou resultados semelhantes.

Uma possível explicação é que, apesar de o treinamento do presente

experimento ter sido baseado na intervenção cognitiva-comportamental, ele foi feito

em curto período de tempo (aproximadamente uma hora). O modelo proposto

inicialmente por Hemsworth e Coleman (1998), e aplicado por Hemsworth et al.

(2002), utilizava-se de uma hora de treinamento individual, além de visitas rotineiras

para verificar as dificuldades de se alcançar ou manter a mudança comportamental,

sendo que essas visitas também serviam para reforçar os conhecimentos passados

anteriormente. Assim, o treinamento oferecido para o grupo de proprietários no

presente experimento pode não ter representado o efeito esperado nas mudanças

de atitudes. Talvez haja necessidade, para esse grupo, de fornecer um treinamento

de maior duração, abordando temas mais específicos à realidade do pequeno

produtor de leite.

Uma outra explicação possível se baseia na escolha do questionário para

acessar as atitudes dos participantes, que se restringiu apenas às crenças sobre as

vacas, o próprio comportamento, o comportamento das vacas e à crença de falar

com animais (aspecto cognitivo), deixando de avaliar os aspectos de afeto (a

resposta emocional a algo ou alguém) e o aspecto de conação (tendência

comportamental em relação a algo ou alguém, ou ainda o processo mental de

formação da vontade e da intenção). Apesar de a metodologia escolhida para

desenvolver o presente experimento ser possível e correta (HEMSWORTH;

COLEMAN, 2011), segundo a Teoria da Ação Razoável de Fishbein e Ajzen’s

(AJZEN; FISHBEIN, 1977; 1980), a melhor proposta para explicar a relação entre

atitudes e comportamento é aquela que é composta pela análise dos três aspectos

mencionados anteriormente (aspectos cognitivo, de afeto e de conação).

107

Em outras palavras, as crenças que as pessoas possuem quando

combinadas com as avaliações dessas crenças, levam à formação das atitudes

(AJZEN; FISHBEIN, 1980). Nesse mesmo sentido, para que as atitudes resultem no

comportamento, a causa imediata é a intenção. Dessa maneira, atitudes são

determinadas pela combinação das crenças sobre os resultados que são prováveis

de acontecer, seguindo um comportamento específico e a avaliação desses

resultados (HEMSWORTH; COLEMAN, 2011).

Por outro lado, Hemsworth et al. (2002), utilizando o mesmo questionário para

verificar as atitudes, encontrou diferença apenas em dois itens (‘esforço para

manejar’ e ‘crença de conversar com novilhas’). Os autores sugeriram que essa

diferença evidenciou o treinamento como fator de mudança de atitude, o que

diminuiu as interações negativas no momento da ordenha. Isso foi explicado devido

à crença de que era necessário pouco esforço para manejar as vacas e que

conversar com novilhas ajudaria no manejo, uma vez que são animais mais

assustados em um ambiente novo.

O modelo de Hemsworth e Coleman (1998) que relaciona atitudes,

comportamentos e medo nos animais, tem sido comprovado por diversos estudos

(COLEMAN et al., 1998; BREUER et al., 2000; HEMSWORTH et al., 2000;

WAIBLINGER et al., 2002; BOIVIN et al., 2007; JANSEN et al., 2009). Alguns

estudos têm também sugerido ligação entre atitudes e produtividade dos animais

(BREUER et al., 2000; HEMSWORTH et al., 2000; WAIBLINGER et al., 2002;

HANNA et al., 2009), entretanto, Panamá-Arias e Spinka (2005) não encontraram

essa relação. Em adição, Hanna et al. (2009) encontraram outros aspectos, que não

atitudes, fortemente correlacionados à produtividade, como empatia e satisfação no

trabalho. Apesar de esses trabalhos discordarem, em parte, daqueles que utilizaram

a metodologia de Hemsworth e Coleman (1998), eles não abordaram o aspecto do

BEA, mas o fato de a produtividade animal estar correlacionada a outros fatores

humanos que não às atitudes. E isso pode lançar luz sobre as possíveis relações

entre BEA e fatores além das próprias atitudes humanas.

Dessa maneira, os resultados de atitudes para o grupo de trabalhadores (FT)

parece estar de acordo com outros trabalhos na área, entretanto, o grupo de

proprietários (FP) não parece ter seguido o padrão observado. Os resultados

divergentes podem ser explicados pelo curto tempo investido – comparado a outros

trabalhos – no treinamento e pelo modelo do questionário utilizado, que foi deficiente

108

em analisar os três aspectos dessa avaliação, o que pode ter mascarado uma

possível mudança positiva de atitude no grupo de proprietários (FP).

3.3.2 Comportamento

Podem-se observar na Tabela 15 as porcentagens de comportamentos

humanos positivos e negativos em relação às vacas leiteiras nos dias de avaliação.

Os comportamentos foram divididos em positivos, negativos nível 1 e negativos nível

2.

Tabela 15 - Porcentagem média de comportamentos humanos positivos e negativos observados no momento da ordenha em relação às vacas de fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) nos dias 1 (D1) e 3 (D3)

D1 D3

Comp.

Positivos (%) Comp. Negativos (%)

Comp. Positivos (%)

Comp. Negativos (%)

Nível 1 Nível 2 Nível 1 Nível 2

FP 16,4 44,3 39,3 45,5 43,2 11,3 Total (n)

10 27 24 20 19 5

FT 47,2 37,3 15,5 64,2 29 6,8

Total (n)

167 132 55 122 55 13

Está claro que programas de treinamento podem ter ação benéfica no manejo

mais positivo de animais de produção (HEMSWORTH et al., 1994; COLEMAN et al.,

2000; BOIVIN et al., 2003; HONORATO et al., 2012). Nesta pesquisa, para ambos

os grupos, houve maior porcentagem de comportamentos negativos no D1 em

relação ao D3 e maior porcentagem de comportamentos positivos no D3 em relação

ao D1 (Tabela 15). Observando-se os comportamentos entre grupos no D1,

percebe-se que fazendas manejadas pelos proprietários tiveram porcentagem menor

de comportamentos positivos em relação às fazendas manejadas por trabalhadores

(16,4% e 47,2%, respectivamente), o fato de proprietários terem tocado menos nas

vacas do que os trabalhadores durante o manejo possivelmente explica esses

109

resultados. Entretanto, quando observamos os comportamentos negativos nível 1,

percebe-se que o grupo FP teve porcentagem maior em relação ao grupo FT (44,3%

e 37,3%, respectivamente), possivelmente pelo toque ser utilizado mais quando o

proprietário perdia o controle da vaca, desempenhando manejo agressivo contra o

animal. Para o comportamento negativo nível 2, o mesmo aconteceu, o grupo FP

teve porcentagem maior em relação ao grupo FT (39,3% e 15,5%, respectivamente).

Observando-se agora os resultados no D3 entre grupos, percebe-se que a

porcentagem para o comportamento positivo aumentou para FP e FT (45,5% e

64,2%, respectivamente), já para o comportamento negativo nível 1 (43,2% e 29%,

respectivamente) e 2 (11,3% e 6,8%, respectivamente) diminuiu. Esses resultados

podem ser explicados pela influência positiva do treinamento no manejo dos

animais, sendo que o resultado parece ter sido mais positivo para o grupo FP em

relação ao FT, já que o aumento na porcentagem de comportamentos positivos e a

diminuição dos comportamentos negativos em relação aos animais foram maiores

em relação ao outro grupo.

A Figura 23 apresenta o resultado, em porcentagem, da observação de

manejo em 20 ordenhas, totalizando 1.220 vacas. Os números em vermelho

representam as porcentagens de comportamentos humanos negativos e os números

em azul, os comportamentos humanos positivos. Somando-se todos os manejos

observados, somando comportamentos antes e depois do treinamento, a maior

porcentagem de comportamentos negativos em todas as visitas foi observada no

momento de mover as vacas do barracão para a linha de ordenha (18% de todos os

comportamentos humanos observados), seguido pelo manejo de mover as vacas

para fora da linha após a ordenha (17%), posicionar as vacas para a ordenha (15%)

e acoplar e desacoplar as teteiras (1%). Também foi observado que os

comportamentos humanos positivos em relação às vacas aconteceram, na maioria

das vezes, no momento de mover as vacas do barracão para a linha de ordenha

(21%) e no momento de posicionar as vacas para a ordenha (19%).

110

Figura 23 - Esquema ilustrativo da sala de ordenha e dos momentos de manejo das vacas

pelos proprietários e trabalhadores

Os números representam os momentos em que os comportamentos foram observados: 1) Mover as vacas do barracão para a linha de ordenha, 2) Posicionar as vacas para a ordenha, 3) Acoplar e desacoplar as teteiras e 4) Mover as vacas para fora da linha de ordenha após a ordenha

Quando essa mesma avaliação é feita antes e depois do treinamento (Figura

24), verifica-se que a porcentagem total de comportamentos humanos em relação às

vacas no momento da ordenha é mais positiva no D3, dois meses depois do

treinamento, em relação ao D1 (61% vs. 43%, respectivamente). O contrário

acontece com os comportamentos negativos, que são mais prevalentes no D1 em

relação ao D3 (57% vs. 39%, respectivamente).

111

Figura 24 - Esquema ilustrativo da sala de ordenha e dos momentos de manejo das vacas pelos trabalhadores no dia antes do treinamento (D1; Figura a) e dois meses depois do treinamento em bem-estar animal (D3; Figura b)

Os números representam os momentos em que os comportamentos foram observados: 1) Mover as vacas do barracão para a linha de ordenha, 2) Posicionar as vacas para a ordenha, 3) Acoplar e desacoplar as teteiras e 4) Mover as vacas para fora da linha de ordenha após a ordenha

b

a

112

Rosa e Paranhos da Costa (2001) observaram que há destacada interação

entre trabalhadores e vacas no momento em que elas são conduzidas da sala de

espera até a linha de ordenha, o que parece estar de acordo com os resultados

desta pesquisa. Entretanto, os mesmos autores observaram que, no momento de

mover as vacas da linha de ordenha para fora, houve baixa interação, porém, ela foi

‘expressivamente negativa’ em direção às vacas que levaram mais tempo para se

moverem. Já Hemsworth et al. (2002) observaram que fazendas que tiveram

treinamento apresentaram maior porcentagem de comportamentos humanos

positivos e menor porcentagem de comportamentos humanos negativos quando

comparadas às fazendas do grupo controle. Alguns estudos (HEMSWORTH et al.,

2002; WINDSCHNURER et al., 2009; RUIS et al., 2010) mostraram que depois de

treinamento o comportamento dos trabalhadores foi mais positivo comparado ao

grupo que não recebeu treinamento. O que pode explicar os resultados deste

experimento, evidenciando o papel do treinamento no manejo mais positivo dos

animais.

Outro ponto que deve ser destacado, apesar de não ter sido mensurado

nesse experimento, é o retorno positivo do treinamento sobre as declarações dos

participantes no último dia de avaliação. Sem serem questionados, alguns

trabalhadores, gerentes e proprietários declararam suas opiniões sobre o

treinamento. Alguns exemplos de frases comuns que foram ouvidas: “Deixei de dar

tanta porrada nas vacas”; “Fiz o que vocês falaram na palestra e achei que as vacas

responderam bem”; “Entendi como a vaca enxerga e isso melhorou o meu jeito de

tocar elas”; “Elas [vacas] sentem dor como a gente, são inteligentes... depois do que

vocês falaram sobre o sentimento delas, eu comecei a tratar as vacas melhor”; “Eu

já sabia que fornecer sombra pra vaca ajuda ela a produzir mais e ter mais

conforto... bem-estar... mas faltava alguém vir aqui e falar isso, hoje estamos

construindo dois sombrites com as medidas que vocês passaram”; “Depois que

vieram aqui, sentimos que os trabalhadores estão tratando melhor as vacas, eles

gostaram do treinamento”.

É interessante notar que, mesmo sem alcançar o resultado esperado para a

variável ‘atitude’ em um dos grupos, os resultados para o comportamento humano

foram alcançados, ou seja, depois do treinamento foi observada menor porcentagem

de comportamentos negativos e maior de comportamentos positivos em relação às

113

vacas, evidenciando os resultados positivos do treinamento na maneira com que os

proprietários e trabalhadores manejam as vacas no momento da ordenha.

Nos resultados originários da observação do comportamento humano, um

fator que poderia ser considerado como interferência seria a observação presencial

do manejo no momento da ordenha. Entretanto, alguns cuidados foram tomados: 1)

a observação sem interferência no trabalho dos trabalhadores, mantendo certa

distância; 2) a justificativa de que as observações eram do manejo de ordenha como

um todo e não apenas dos humanos; e 3) a verificação do tempo de ordenha, que foi

o mesmo no D1 e D3, o que pode ajudar a comprovar o procedimento de manejo

usual em ambos os dias.

3.3.3 Medo em vacas leiteiras

A análise do medo que as vacas têm dos humanos é mensurada a partir da

Distância de Fuga (DF). Foi observado em ambos os grupos, FP e FT, que houve

maior porcentagem de vacas permitindo o toque pelo avaliador ou uma maior

aproximação no D3 em relação ao D1 (Tabela 16).

Tabela 16 - Porcentagem de vacas que deixaram ser tocadas (x = 0), que deixaram o avaliador se aproximar até 50 cm (0 < x ≤ 50), de 50 a 100 cm (50 < x ≤ 100) e que não deixaram o avaliador se aproximar mais que 100 cm (x < 100) em fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) nos dias 1 (D1) e 3 (D3)

Distância de fuga (DF; cm)

DF = 0 (%) 0 < DF ≤ 50 (%) 50 < DF ≤ 100

(%) DF > 100

(%) D1 D3 D1 D3 D1 D3 D1 D3

FP 46,8 62,9 24,5 25,2 17,3 9,8 11,5 2,1 Total (n) 65 90 34 36 24 14 16 3

FT 23,4 42,2 31,1 27,2 26,3 22,8 19,1 7,8 Total (n) 49 87 65 56 55 47 40 16

Hemsworth et al. (2002) e Breuer et al. (2000; 2003) observaram que vacas

em fazendas em que os trabalhadores foram treinados mostraram menores distância

de fuga, indicando menor nível de medo dos humanos por parte dessas vacas em

relação àquelas do grupo de trabalhadores que não foram treinados. Em adição,

Breuer et al. (1997) observaram que comportamentos negativos no manejo de

novilhas aumentou a distância de fuga. Outros estudos também indicaram que o

medo dos animais diminuiu quando os trabalhadores eram treinados para a

114

mudança de atitude e comportamento (HEMSWORTH et al., 1989; HEMSWORTH et

al., 1994; COLEMAN et al., 1998). Entretanto, Ruis et al. (2010) observaram que o

treinamento não afetou a distância de fuga. Os autores justificaram o fato alegando

que o período entre o treinamento e a segunda visita pode ter sido curto (quatro a

seis semanas) para mostrar os efeitos da mudança de comportamento dos humanos

no comportamento dos animais.

Outras ações que levam em consideração a capacitação/treinamento dos

trabalhadores para o manejo positivo dos animais têm mostrado resultados positivos.

Magalhães et al. (2007) observaram que, com a implementação do manejo positivo

de bezerros, a frequência de óbitos, uso de antibióticos, ocorrência de diarreia e

ocorrência de sinais de desidratação diminuíram. Outras pesquisas também

correlacionaram menor medo dos humanos pelos animais e produtividade

(HEMSWORTH et al., 1981; 1989; HEMSWORTH e BARNETT, 1991; BREUER et

al., 1997; BREUER, et al., 2000, HEMSWORTH, 2003), e atitudes e

comportamentos positivos à melhor produtividade e bem-estar dos animais

(HEMSWORTH et al., 1989; HEMSWORTH et al., 1994; COLEMAN et al., 1998;

BREUER et al., 2000; HEMSWORTH et al., 2000; HEMSWORTH et al., 2002;

WAIBLINGER et al., 2002; BOIVIN et al., 2007; JANSEN et al., 2009; ELLINGSEN et

al., 2014).

3.3.4 Conhecimento técnico em bem-estar animal

Em relação ao conhecimento técnico dos trabalhadores e proprietários que

participaram da pesquisa sobre BEA, foi fornecido um teste de múltipla escolha

(Anexo H) com base em conhecimentos de bem-estar e comportamento animal,

senciência e manejo. Observaram-se mais acertos (64,6%, aproximadamente oito

questões de 12) no D3, dois meses depois do treinamento, do que no dia do

treinamento (53,5%, aproximadamente seis questões de 12). Os entrevistados do

grupo FT acertaram mais questões que o grupo FP (Tabela 17).

115

Tabela 17 - Porcentagem média de acertos observada no questionário sobre bem-estar

animal, número aproximado de questões corretas e número de participantes no dia do treinamento (D2) e dois meses após o treinamento (D3) em fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT)

D2 D3 n

FP 49 % (6/12) 55,2 % (7/12) 8

FT 55,7 % (7/12) 69,3 % (8/12) 14

É interessante observar que mesmo utilizando-se um período curto de

treinamento, diferentemente de Hemsworth et al. (2002) que, além de aplicarem o

treinamento com base na intervenção cognitiva-comportamental, utilizaram relatórios

mensais e visitas rotineiras que reforçavam os assuntos abordados no treinamento,

os resultados foram positivos, evidenciando-se a importância do treinamento na

formação de recursos humanos com conhecimento em bem-estar animal nas

fazendas.

Dessa maneira, apesar de os resultados de atitudes em BEA não parecerem

favoráveis ao esperado, os comportamentos humanos foram mais positivos em

relação às vacas leiteiras no momento da ordenha, e a distância de fuga, que se

refere ao medo que os animais têm do humano, foi menor no D3 em relação ao D1.

Existem evidências claras de que atitudes positivas e comportamentos

positivos podem ser benéficos para os animais de produção, e que o modelo

proposto por Hemsworth e Coleman (1998) é de grande importância no alcance de

melhores níveis de BEA no setor da produção animal. Entretanto, existem outros

fatores importantes que devem ser considerados e que muitas vezes não seguem

um modelo padrão, como é o caso da cultura que se origina das interações

desenvolvidas dentro de cada fazenda e da melhoria das instalações (Burton et al.,

2012).

Em relação ao treinamento, alguns autores (SANTANNA e

PARANHOS DA COSTA, 2007; HEMSWORTH e COLEMAN, 2011) vêm apontando

para as dificuldades de se encontrar treinamento específico que aborde a mudança

de atitude e comportamento dos humanos em relação aos animais de produção. Isso

pode ser explicado pela falta de interesse das fazendas e da indústria nesse tópico,

116

bem como pela falta de entendimento desses grupos sobre a importância dos

trabalhadores no bem-estar e produtividade animal.

3.4 Conclusões parciais

De acordo com os resultados apresentados neste capítulo, o treinamento foi

positivo no comportamento humano em relação às vacas leiteiras, na diminuição do

medo que as vacas têm do humano e no conhecimento técnico em BEA.

Os resultados da variável ‘atitudes’ foram positivos para o grupo de

trabalhadores, mas não para o grupo de proprietários. Dessa maneira, o treinamento

em BEA influenciou os comportamentos humanos, os conhecimentos técnicos, o

medo em vacas e as atitudes dos trabalhadores.

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120

121

4 CONCLUSÕES FINAIS

De acordo com os resultados apresentados nesta pesquisa, concluiu-se que:

O treinamento teve efeito positivo sobre o bem-estar de animais em

ambos os grupos e sobre o bem-estar de trabalhadores, entretanto o mesmo

não aconteceu para o bem-estar de proprietários;

Fazendas classificadas em nível bom de BEA tiveram melhor

pontuação para BEH, e fazendas classificadas em nível aceitável de BEA

tiveram menor pontuação para BEH. Dessa maneira, quanto maior o nível de

BEH, maior o nível de BEA encontrado nas fazendas avaliadas;

O treinamento influenciou no comportamento e nos conhecimentos

técnicos dos manejadores (proprietários e trabalhadores);

O treinamento reduziu o medo das vacas em relação aos humanos,

evidenciando a importância do mesmo sobre o comportamento animal;

Em relação às atitudes, o efeito do treinamento foi positivo nas atitudes

dos trabalhadores, mas o mesmo resultado não foi apresentado pelos

proprietários.

122

123

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em todo o mundo, a preocupação da sociedade está impulsionando

mudanças importantes no bem-estar dos animais. Dentro da porteira, preocupações

com o manejo e alojamento são os principais pontos de atenção para a sociedade e,

consequentemente, para o setor corporativo. Entretanto, cada vez mais, outros

fatores do bem-estar animal (BEA) vêm sendo considerados por uma sociedade

mais informada sobre os produtos que adquire.

Apesar de o apelo para a produção animal mais ética ser voltado quase que

integralmente para os animais, outros são os atores que devem ser levados em

consideração nesse cenário: os humanos. Está claro que o fator humano é essencial

à implementação de uma cultura mais pacífica dentro das fazendas, ou seja, quando

a relação humano-animal, em grande parte ou integralmente, é positiva, o manejo é

mais fácil e positivo, e consequentemente animais e humanos são beneficiados.

É evidente a importância de fornecer oportunidades para que trabalhadores

se sintam felizes e satisfeitos no ambiente de trabalho. Apesar de essa não parecer

ser uma prioridade no setor, para que se tenha sucesso na implantação de

programas de BEA, é essencial que o bem-estar humano (BEH) seja considerado.

Nesse mesmo sentido, é necessário que as empresas rurais, considerando

suas particularidades, invistam em programas de gestão de recursos humanos

baseados na seleção e no treinamento, de forma similar ao que acontece no meio

urbano. A carência da discussão sobre esse tema no meio da produção animal

aponta que é necessário trabalhar em conjunto com especialistas em recursos

humanos e desenvolver treinamentos que se adequem à realidade da produção

animal, levando em consideração o bem-estar dos humanos envolvidos.

No Brasil, assim como em outras partes do mundo, o tema é pouco discutido.

Dessa maneira, acredita-se que esta pesquisa é apenas o primeiro passo – uma vez

que apresenta limitações no número de fazendas visitadas para uma discussão mais

profunda e conclusões mais completas – para que mais atenção seja dada ao BEH

no cenário da produção animal, sendo esse aspecto fundamental na implementação

de programas de BEA de sucesso. Em outras palavras, quando se pensa em BEA,

deve-se inicialmente pensar no bem-estar dos trabalhadores; BEA e BEH devem

caminhar juntos no mesmo sistema de gestão do agronegócio.

124

125

ANEXOS

126

127

ANEXO A

Metodologia adaptada do Welfare Quality® para avaliação de bem-estar de vacas leiteiras em sistema em pasto (WELFARE QUALITY®, 2009 adaptado por GARCIA, 2013)

1. Princípio Boa Alimentação

1.1 Ausência de fome prolongada

Medida Escore da condição corporal

Escopo Medida com base no animal: Vacas leiteiras

Tamanho da amostra

De acordo com a tabela do Anexo C

Descrição do método

Essa medida aplica-se para vacas em lactação bem como para vacas secas e novilhas prenhas, se mantidas com vacas em lactação.

As vacas não devem ser tocadas, mas somente observadas. Observam-se quatro regiões corporais do animal. Cada animal é pontuado (escore da condição corporal) em relação aos quatro indicadores.

Descritores para os indicadores em vacas leiteiras:

Região corporal Muito magra Muito gorda

1. Cavidade em

torno do alto da cauda

Profunda cavidade em torno do alto da

cauda

Cavidade do alto da cauda cheia e dobras

de tecido adiposo presente

2. Lombo Depressão profunda entre espinha dorsal e ossos do quadril

Abaulado entre espinha dorsal e ossos do quadril

3. Vértebra Extremidades dos

processos transversos afiadas

Processos transversos não

perceptíveis

4. Alto da cauda, ossos do quadril, espinha e costelas

Proeminentes

Esboço de manchas de gordura visíveis

sob a pele

Nível individual (Escore da Condição Corporal):

1- condição corporal regular 2- muito magra: indicadores de ‘muito magra’ presentes em, pelo menos, 3

regiões do corpo 3- muito gorda: indicadores de ‘muito gorda’ presentes em, pelo menos, 3 regiões

do corpo

Classificação Nível do rebanho:

porcentagem de vacas muito magras (escore 1)

Informação adicional

Até agora, para os cálculos de escores, somente animais muito magros são considerados nos cálculos. No entanto, para informação de fins consultivos sobre animais muito gordos (risco de distúrbios metabólicos e dificuldades de parto etc.)

este pode ser útil.

1.2 Ausência de sede prolongada

128

Medida Fornecimento de água

Escopo Medida com base nos recursos: bebedouros

Descrição do método O fornecimento direto de água, para as vacas, de fontes naturais (lagos, açudes e rios) não é avaliado. Os bebedouros avaliados são aqueles localizados dentro ou próximos da área de pastagem, com acesso livre, na qual as vacas em lactação estão mantidas, no momento da visita.

Registrar o número de animais e o número de bebedouros disponíveis para cada lote de animais (se houver, separação em grupos), dentro ou próximos de cada área/piquete na qual estão mantidos. Medir o comprimento e a altura dos bebedouros.

Classificação Nível de grupo: Número de animais Número de bebedouros

Comprimento e altura do(s) bebedouro(s) em cm.

Medida Limpeza dos bebedouros

Escopo Medida com base nos recursos: bebedouros

Descrição do método Os bebedouros avaliados são aqueles localizados dentro ou próximos da área de pastagem, com acesso livre, na qual as vacas em lactação estão mantidas, no momento da visita.

Verificar a limpeza dos bebedouros com relação à presença de sujeira velha ou nova na parte interna do bebedouro tal como a coloração da água. O bebedouro é considerado limpo quando não há evidência de crostas de sujeira (exemplo, fezes, lama) e/ou resíduos de alimentos deteriorados. Note que certa quantidade de comida fresca é aceitável.

Classificação Nível de grupo: – Limpo: todos os bebedouros e água estão limpos, no momento da inspeção

1 – Parcialmente limpo: bebedouros sujos, mas água fresca e limpa no

momento da inspeção ou apenas parte dos bebedouros limpos e contendo água limpa, no momento da inspeção. 2 – Sujo: todos os bebedouros e água estão sujos,no momento da

inspeção.

Medida Funcionamento dos bebedouros

Escopo Medida com base nos recursos: bebedouros

Descrição do método Os bebedouros avaliados são aqueles localizados dentro ou próximos da área de pastagem, com acesso livre, na qual as vacas em lactação estão mantidas, no momento da visita.

Verificar se os bebedouros estão funcionando corretamente, por exemplo, se alavancas estão se movendo e se a água flui quando estas são movidas.

Classificação Nível de grupo:

SIM – os bebedouros estão funcionando corretamente

NÃO – os bebedouros estão em mau funcionamento.

Medida Fluxo de água

Escopo Medida com base nos recursos: bebedouros

129

Descrição do método Os bebedouros avaliados são aqueles localizados dentro ou próximos da área de pastagem, com acesso livre, na qual as vacas em lactação estão mantidas, no momento da visita.

Verificar a quantidade de água que sai do bebedouro por minuto. Para ser suficiente, o fluxo de água deve ser de, pelo menos, 20 L/minuto por bebedouro.

Nível de cada bebedouro:

Quantidade de água em L/min por bebedouro. Classificação Nível de grupo:

Comprimento de bebedouro com suficiente fluxo de água

2. Princípio Boa Instalação

2.1 Conforto na área de descanso

Medida Limpeza dos úberes, flanco/parte superior e inferior das pernas

Escopo Medida com base no animal: Vacas leiteiras

Tamanho da amostra De acordo com a tabela do Anexo C

Descrição do método Os bebedouros avaliados são aqueles localizados dentro ou próximos da área de pastagem, com acesso livre, na qual as vacas em lactação estão mantidas, no momento da visita. Pode haver dois tipos de sujeiras sobre as partes do corpo avaliadas:

Respingos (por exemplo, fezes, lama)

Placas: camadas tridimensionais de sujeira numa quantidade do tamanho de uma palma da mão ou maior do que metade da área considerada

Avaliar um lado do corpo (seleção do lado aleatória) e por trás. As seguintes áreas são pontuadas:

1. Parte inferior das pernas traseiras (incluindo o jarrete) 2. Quartos traseiros – parte superior das pernas traseiras, flanco e

traseiro incluindo cauda (excluindo os úberes) 3. úbere

Nível individual: Inferior das pernas traseiras:

sem sujeira ou pequenos respingos separadas ou contínuas placas de sujeira

Quartos traseiros e flanco: 0 – sem sujeira ou pequenos respingos 2– separadas ou contínuas placas de sujeira Úbere: 0 – Sem sujeira ou pequenos respingos, com exceção dos tetos 2 – placas distintas de sujeira no úbere ou alguma sujeira sobre ou em torno

dos tetos

Classificação Nível de rebanho: Inferior das pernas traseiras: porcentagem de animais com pernas traseiras

sujas (escore 2) Quartos traseiros: porcentagem de animais com quartos traseiros sujos

(escore 2) Úbere: porcentagem de animais com úbere sujo (escore 2)

2.2 Conforto térmico

Medida Provisão de sombreamento

130

Escopo Medida com base nos recursos

Descrição do método O sombreamento artificial ou natural avaliados é aquele localizado dentro ou próximo da área de pastagem, com livre acesso, na qual as vacas em lactação estão mantidas, no momento da visita.

Verificar a presença de sombreamento disponível às vacas.

Registrar o número de animais e as áreas de sombra disponíveis para cada lote de animais (se houver separação em grupos), dentro ou próximos de cada área/piquete a que os animais têm acesso a qualquer momento.

Classificação Nível de grupo: Número de animais Número de áreas distintas disponíveis em cada lote Áreas de sombreamento em metros

Pé-direito das estruturas artificiais

Medida Qualidade do sombreamento

Escopo Medida com base nos recursos

Descrição do método O sombreamento artificial ou natural avaliado é aquele localizado dentro ou próximo da área de pastagem, com livre acesso, na qual as vacas em lactação estão mantidas, no momento da visita.

Verificar as áreas de sombreamento com relação à qualidade de sombra proporcionada aos animais O sombreamento é considerado adequado quando provém de sombreamento natural e artificial, no caso de estruturas fechadas (ex., telha francesa, fibrocimento, galvanizada etc.). N o caso de tela de polipropileno, uma tela com fator de proteção >50% é considerada adequada, <50% é considerada inadequada.

Classificação Nível de grupo: 0 – adequada: sombreamento referente à sombra natural e sombra artificial

fechada – inadequada: sombreamento referente à sombra artificial de tela de

polipropileno com fator de proteção contra radiação solar < 50%

Observação em relação à metodologia de avaliação do critério conforto térmico (GARCIA, 2013): De acordo com o WQ (2009), quando todas as medidas utilizadas para verificar um critério são em nível de propriedade (avaliação dos recursos disponibilizados aos animais) e expressas em um número limitado de categorias, uma árvore de decisão é produzida. Os dados produzidos pelas medidas são interpretados e sintetizados para produzir uma pontuação para o critério conforto térmico (C4) que reflete a conformidade da propriedade para este critério. Esta conformidade é expressa em uma escala que varia de 0 a 100 (0 – pior situação e 100 - a melhor situação). Desse modo, este trabalho optou por adotar o método da árvore de decisão para classificar a propriedade em relação ao conforto térmico (C4). Então, a pontuação para o Conforto Térmico será atribuída de acordo com a presença de sombreamento e suas características, nas áreas de pastagens. Para cada grupo de animais, três aspectos foram considerados: 1. Área de sombreamento por animal; 2. Fator de proteção contra radiação solar; 3. Se há pelo menos duas estruturas de sombreamento artificial ou áreas de sombreamento natural para cada animal, ou uma área maior do que 5,6 m² por animal.

Então, a pontuação do critério Conforto Térmico é atribuída ao grupo de vacas lactantes de acordo com as respostas para essas quatro questões (Figura abaixo).

131

Área de

sombreamento

adequada

No caso de estruturas artificiais de sombreamento, somente será computada para a

pontuação do C4 a estrutura que apresentar como altura mínima de pé-direito o valor de 3,5 m. Então, uma área de 4,2 m² por animal está adequada, enquanto uma área de 3 m² por animal está parcialmente adequada.

O sombreamento foi considerado de boa qualidade quando este apresentou um fator de proteção de, no mínimo, 50% contra radiação solar. O fator de proteção do sombreamento natural e das estruturas de sombreamento artificial com material fechado (por exemplo, telha francesa, galvanizada, fibrocimento) foi considerado como maior do que 50% de proteção contra radiação solar.

Considerou-se que os três aspectos – área, qualidade e acessibilidade de sombreamento – possuem a mesma importância dentro dos conceitos do bem-estar animal, e consequentemente o mesmo valor nos cálculos. Desse modo, a pontuação final foi estabelecida com 33 pontos para cada sim quando há uma área mínima de 4,2 m² por animal, e 20 pontos para cada sim quando há uma área mínima de 3 m².

Em seguida, a pontuação atribuída à propriedade leiteira é igual à pior pontuação obtida ao nível do grupo, sob a condição que este represente pelo menos 15% dos animais observados.

2.3 Facilidade de circulação

Medida Acesso ao pasto

Escopo Medida com base no gerenciamento: Questionário

Descrição do método Esta medida aplica-se para vacas em lactação bem como para vacas secas e novilhas prenhas, se elas estão mantidas com animais em lactação.

O gerente é questionado sobre o manejo dos animais na fazenda no que diz respeito ao acesso ao pasto e também às respectivas condições em termos de dias por ano e média de tempo gasto no pasto por dia.

Classificação Nível de rebanho: Número de dias no pasto por ano

Número de horas no pasto por dia

3. Princípio Boa Saúde

3.1 Ausência de Injúrias

Medida Claudicação

Escopo Medida com base no animal: Vacas leiteiras

Tamanho da amostra De acordo com a do Anexo C

132

Descrição do método Esta medida aplica-se para vacas em lactação bem como para vacas secas e novilhas prenhas, se elas estão mantidas com animais em lactação.

A claudicação descreve uma anormalidade de movimento e é mais evidente quando as pernas estão em movimento. É causada por uma redução da capacidade de usar um ou mais membros de um modo normal. A claudicação pode variar em gravidade, desde habilidade diminuída até reduzida capacidade para suportar o peso. Indicadores de claudicação são:

Passos irregulares

Ritmo temporal irregular entre as batidas do casco

Peso não suportado por tempo igual em cada um dos quatro pés

Os atributos de marcha são levados em conta:

Tempo dos passos

Ritmo temporal

Suporte de peso sobre os pés

Para avaliar o escore da marcha do animal, todos os animais devem estar andando em linha reta. Os avaliadores devem observar por trás e pelo lado. Animais não devem ser avaliados quando eles estão se virando.

Nível individual: – sem claudicação: tempo dos passos e distribuição do peso igualmente

sobre todos os 4 pés. – claudicação moderada: ritmo temporal imperfeito no tranco criando uma

mancação. –claudicação severa: forte relutância em suportar peso sobre um membro,

ou mais do que um membro afetado. Classificação Nível de rebanho:

Porcentagem de animais sem claudicação (escore 0) Porcentagem de animais com claudicação moderada (escore 1)

Porcentagem de animais com claudicação severa (escore 2)

Medida Alteração do tegumento

Escopo Medida com base nos animais: Vacas leiteiras

Tamanho da amostra De acordo com a tabela do Anexo C

Descrição do método Esta medida aplica-se para vacas em lactação bem como para vacas secas e novilhas prenhas, se elas estão mantidas com animais em lactação.

Alterações no tegumento são definidas como manchas sem pelos, lesões e inchaços. Somente alterações da pele com um diâmetro mínimo de 2 cm de extensão são contadas. Adicionalmente, alterações na pele em termos de manchas sem pelos e lesões/inchaços são contadas em acordo com os critérios abaixo:

Manchas sem pelo:

Área com pelo perdido

133

Pele não danificada

Desbaste intenso da pelagem devido a parasitas

Hiperqueratose Lesões/inchaços:

Pele danificada seja na forma de uma crosta ou uma ferida

Dermatite devido a ectoparasitas

Tetos total ou parcialmente ausentes

Lesões na orelha devido a marcas auriculares arrancadas

Marcação com ferro quente

A uma distância não superior a 2 m, cinco regiões do corpo de um lado do animal são examinadas com os devidos critérios listados abaixo.

Essas regiões do corpo são verificadas a partir da traseira para frente, excluindo o lado inferior da barriga e a parte interna das pernas, mas incluindo a parte interna da perna traseira oposta, bem como o úbere com os tetos. Uma seleção aleatória do lado (esquerdo ou direito) tem de ser assegurada. Para evitar resultados tendenciosos, o lado deve ser escolhido antes do exame. Na maioria dos casos, o lado que é visto primeiro quando o animal se aproxima pode ser escolhido. No caso de mais do que 20 alterações por região, somente “>20” é anotado. O valor “>20” é também anotado se a área afetada é pelo menos tão grande quanto o tamanho da mão. Se existem diferentes categorias de alterações na mesma região (por exemplo, inchaço e lesões em uma junta da perna) ou adjacente uns aos outros (por exemplo, mancha sem pelos com uma lesão em seu centro) todas estas alterações são contadas.

Nível individual: Número de manchas sem pelo Número de lesões/inchaços

Classificação Nível de rebanho: Porcentagem de animais sem alterações no tegumento (ausência de manchas sem pelo, ausência de lesões/inchaços) Porcentagem de animais com suaves alterações no tegumento (pelo menos uma mancha sem pelo, ausência de lesão/inchaço) Porcentagem de animais com severas alterações do tegumento (pelo

menos uma lesão/inchaço)

134

3.2 Ausência de doença

Medida Tosse

Escopo Medida com base no animal: Vacas leiteiras

Descrição do método Essa medida aplica-se para vacas em lactação bem como para vacas secas e novilhas prenhas, se elas estão mantidas com animais em lactação.

Tosse é definida como uma explosão súbita e ruidosa de ar dos pulmões. É registrada usando amostra de comportamento contínuo.

Observações realizadas em lotes de vacas lactantes. O tempo total de observação é de 60 minutos. Duração mínima de observação por lote é 10 minutos, no caso de haver 6 lotes de animais.

Classificação Nível de rebanho:

Número médio de tosse por animal e por 15 minutos.

Medida Corrimento nasal

Escopo Medida com base: Vacas leiteiras

Tamanho da amostra De acordo com a tabela do Anexo C

Descrição do método Esta medida aplica-se para vacas em lactação bem como para vacas secas e novilhas prenhas, se elas estão mantidas com animais em lactação.

Corrimento nasal é definido como fluído claramente visível das narinas; transparente a amarelo/verde e frequentemente de espessa consistência. O animal é observado, mas não deve ser tocado. Animais são pontuados com respeito aos critérios de escorrimento nasal.

Nível individual:

0 – sem evidência de corrimento nasal 2 – evidência de corrimento nasal

Classificação Nível de rebanho:

Porcentagem de animais com corrimento nasal (escore 2)

Medida Corrimento ocular

Escopo Medida com base no animal: Vacas leiteiras

Tamanho da amostra De acordo com a tabela do Anexo C

Descrição do método Esta medida aplica-se para vacas em lactação bem como para vacas secas e novilhas prenhas, se elas estão mantidas com animais em lactação.

Corrimento ocular é definido como fluído claramente visível (molhado ou seco) dos olhos; com pelo menos 3 cm de comprimento. O animal é observado, mas não deve ser tocado. Animais são pontuados com respeito aos critérios de corrimento ocular.

Nível individual:

0 – sem evidência de corrimento ocular 2 – evidência de corrimento ocular

Classificação Nível de rebanho:

Porcentagem de animais com corrimento ocular (escore 2)

Medida Respiração dificultada

Escopo Medida com base no animal: Vacas leiteiras

135

Tamanho da amostra De acordo com a tabela do Anexo C

Descrição do método Essa medida aplica-se para vacas em lactação bem como para vacas secas e novilhas prenhas, se elas estão mantidas com animais em lactação.

Taxa de respiração dificultada é definida como profunda e trabalhosa ou claramente dificuldade de respiração. A expiração é suportada pelos músculos do tronco, a maioria acompanhada por um som pronunciado. A taxa de respiração pode estar ligeiramente aumentado. O animal é observado, mas não deve ser tocado. Animais são pontuados com respeito aos critérios de dificuldade respiratória.

Nível individual:

0 – sem evidência de dificuldade respiratória 2 – evidência de dificuldade respiratória

Classificação Nível de rebanho:

Porcentagem de animais com respiração dificultada (escore 2).

Medida Diarreia

Escopo Medida com base no animal: Vacas leiteiras

Tamanho da amostra De acordo com a tabela do Anexo C

Descrição do método Essa medida aplica-se para vacas em lactação bem como para vacas secas e novilhas prenhas, se elas estão mantidas com animais em lactação.

Diarreia é definida como estrume aquoso abaixo da cauda em ambos os lados, em área afetada pelo menos do tamanho da mão. O animal é observado, mas não deve ser tocado. Animais são pontuados com respeito aos critérios de diarreia.

Nível individual:

0 – sem evidência de diarreia 1 – evidência de diarreia

Classificação Nível de rebanho:

Porcentagem de animais com diarreia (escore 2)

Medida Corrimento vulvar

Escopo Medida com base no animal: Vacas leiteiras

Tamanho da amostra De acordo com a tabela do Anexo C

Descrição do método Essa medida aplica-se para vacas em lactação bem como para vacas secas e novilhas prenhas, se elas estão mantidas com animais em lactação.

Corrimento vulvar é definido como efluente purulenta da vulva ou placas de pus na parte inferior da cauda (muco viscoso em animais no final da gravidez). O animal é observado, mas não é tocado. Animais são pontuados com respeito aos critérios de corrimento vulvar.

Nível Individual:

0 – sem evidência de corrimento vulvar 2 – evidência de corrimento vulvar

Classificação Nível de rebanho: Porcentagem de animais com corrimento vulvar

Medida Contagem de células somáticas do leite

Escopo Medida com base no gerenciamento: Questionário

136

Descrição do método Dados da contagem de células somáticas do leite podem ser obtidos pelos registros do leite. O avaliador deverá considerar a quantidade de células somáticas (cel/ml de leite) registrada na análise da amostra individual das vacas, nos últimos três meses.

Classificação Nível de rebanho:

% de vacas com CCS maior do que 400.000 cel/Ml de leite

Medida Mortalidade

Escopo Medida com base no gerenciamento: Questionário

Descrição do método Mortalidade é definida tanto como a morte ‘sem controle’ de animais quanto como casos de eutanásia e abate de emergência.

O gerente é questionado sobre o número de vacas leiteiras que morreram em sua fazenda, foram eutanasiadas devido a doenças ou acidentes ou foram abatidas emergencialmente, nos últimos 12 meses. Adicionalmente o número médio de vacas leiteiras na unidade animal é perguntado. Registros da fazenda devem ser consultados.

Classificação Nível de rebanho:

Porcentagem de animais mortos, eutanasiados e abatidos emergencialmente na fazenda nos últimos 12 meses.

Medida Distocia

Escopo Medida com base no gerenciamento: Questionário

Descrição do método Distocia é definida como o número de partos onde uma importante assistência foi requerida.

O gerente é questionado sobre o número de casos de distocia na fazenda nos últimos 12 meses. O número médio de partos (em uma base anual) é também registrado. Registros da fazenda devem ser consultados.

Classificação Nível de rebanho: Porcentagem de distocia, nos últimos 12 meses

Medida Sindrome da vaca deitada

Escopo Medida com base no gerenciamento: Questionário

Descrição do método Incidência de síndrome da vaca deitada é definida como o número de casos de vacas sem capacidade de caminhar.

O gerente é questionado sobre o número de vacas com a síndrome nos últimos 12 meses. O número médio de vacas leiteiras (em uma base anual) é também registrado. Registros da fazenda devem ser consultados.

Classificação Nível de rebanho:

Porcentagem de síndrome da vaca deitada nos últimos 12 meses

Medida Carrapato

Escopo Medida com base no animal: Vacas leiteiras

Tamanho da amostra De acordo com a tabela do Anexo C

137

Descrição do método Essa medida aplica-se para vacas em lactação bem como para vacas secas e novilhas prenhas, se elas estão mantidas com animais em lactação.

Avaliar um lado do corpo (seleção aleatória) e por trás do animal. O número de fêmeas do carrapato maiores de 4,5 mm no corpo do animal é registrado. O valor encontrado é multiplicado por 2 (considerando que os carrapatos se distribuem do mesmo modo em ambos os lados). Para calcular a intensidade de infestação, o número total de carrapatos é dividido pelo número de vacas examinadas.

Nível individual:

Número de carrapato fêmeas maiores que 4,5 mm

Classificação Nível de rebanho:

Intensidade de infestação de carrapato

3.3 Ausência de dor induzida por procedimentos de manejo

Medida Mochamento / descorna

Escopo Medida com base no gerenciamento: Questionário

Descrição do método O gerente é perguntado sobre as práticas de mochamento/descorna realizadas na fazenda em relação aos seguintes itens:

procedimentos usados para mochamento e descorna

uso de anestésicos

uso de analgésicos

Classificação Nível de grupo: 1- sem mochamento ou descorna 2- mochamento em bezerros usando termocauterizador (ferro quente)

2-mochamento em bezerros usando pasta cáustica

1- uso de anestésico 2- sem uso de anestésico

0-uso de analgésico

1-sem uso de analgésico

Medida Corte da cauda

Escopo Medida com base no gerenciamento: Questionário

Descrição do método O gerente é perguntado sobre as práticas de mutilações realizadas na fazenda em relação aos seguintes itens:

procedimentos para corte de cauda

uso de anestésicos

uso de analgésicos Classificação Nível de grupo:

Idem à medida mochamento

4. Princípio Comportamento Apropriado

4.1 Expressão de comportamentos sociais

Medida Comportamentos agonísticos

Escopo Medida com base no animal: Vacas leiteiras

138

Descrição do método Essa medida aplica-se para vacas em lactação bem como para vacas secas e novilhas prenhas, se elas estão mantidas com animais em lactação.

Comportamento agonístico é definido como comportamento social relacionado com o combate e inclui comportamentos agressivos, bem como comportamentos submissos. Aqui, apenas interações agressivas são consideradas. Avaliar a ocorrência dos comportamentos listados abaixo.

Observações realizadas nos piquetes ou áreas de pastejo, após 75% dos bovinos finalizarem o consumo de alimento no cocho (se for oferecido). O tempo total de observação é de 60 minutos. Duração mínima de observação por lote é de 10 minutos, no caso de haver seis lotes de animais.

Comportamentos agonísticos são registrados usando amostragem de comportamento contínuo sempre levando em conta o animal agressor.

Parâmetros Descrição

Cabeçada Interação envolvendo contato físico quando o agressor está batendo, empurrando o receptor com a testa, chifres ou base do chifre com um movimento forte; o receptor não desiste da sua posição (ausência de deslocamento, ver definição abaixo).

Deslocamento Interação envolvendo contato físico quando o agressor está batendo, empurrando ou penetrando o receptor com a testa, chifres, base do chifre ou qualquer outra parte do corpo com um movimento forte e, como resultado, o receptor desiste de sua posição (sair por pelo menos metade de um animal de comprimento ou pisar de lado por pelo menos um animal de largura).

Penetrante é definido como um animal enfiando-se entre dois outros animais, ou entre um animal e um equipamento (por exemplo, cocho, bebedouro). Se, após um animal se deslocar, o animal que está do lado também deixar seu local. Entretanto, se o contato físico, como descrito acima, não ocorrer, essa reação não é registrada como deslocamento.

Perseguição O agressor faz um animal fugir, seguindo-o rapidamente, e por vezes também utilizando ameaças como os movimentos da cabeça ‘jerky’.

Perseguição só é registrada se antes ocorrer uma interação com contato físico. Se, no entanto, a perseguição ocorre no contexto de combate, esta perseguição é registrada como combate.

Combate Dois competidores vigorosamente empurrando a cabeça (testa, base do chifre e/ou chifres) um contra o outro ao plantar os pés no chão na ‘posição sawbuck’ (ambos exercendo força um contra o outro).

Movimentos de empurrar pelo lado não são contabilizados como “cabeçada” quando esses movimentos fazem parte da sequência de luta.

Um novo combate começa se os mesmos animais recomeçarem o combate depois de 10 segundos ou se o combate mudar de parceiros.

Perseguir para levantar

O agressor usa o contato físico forte (por exemplo, batendo, empurrando) contra um animal deitado, fazendo o receptor levantar.

139

Antes de começar e depois de terminar a observação do comportamento em um segmento, o número de animais presentes no segmento é registrado.

Nível de grupo: Número de animais por lotes Número de cabeçadas por período de observação Número de deslocamento (ações de deslocamento, perseguição, combate e perseguir para levantar) por período de observação Duração de observação

Classificação Nível de rebanho: Média do número de cabeçadas por animal por hora Média do número de deslocamento por animal por hora

Informação adicional

Número de pontos de observação e duração de observação por segmento:

Nº lote (piquete)

Duração de observações (min)

Repetição das observações

Tempo total (min)

1 60 Não 60

2 30 Não 60

3 20 Não 60

4 15 Não 60

5 12 Não 60

6 10 Não 60

4.2 Expressão de outros comportamentos

Medida Acesso ao pasto

Escopo Medida com base no gerenciamento: Questionário

Descrição do método Verifique a disponibilidade de acesso das vacas ao pasto.

O gerente da unidade animal é questionado sobre o gerenciamento do pasto (dias por ano, tempo médio gasto no pasto por dia).

Classificação Nível de rebanho: Número de dias com acessos ao pasto por ano

Número de horas por dia no pasto

4.3 Boa relação humano-animal

Medida Distância de esquiva

Escopo Medida com base no animal: Vacas leiteiras

Tamanho da amostra De acordo com a tabela do Anexo C

140

Descrição do método Coloque-se a uma distância de 2 metros na frente do animal. Certifique- se que o animal está atento ou tomando conhecimento da sua presença.

A abordagem deve ser realizada a uma velocidade de um passo por segundo e um comprimento de passo de aproximadamente 60 centímetros com o braço em ângulo de aproximadamente 45º do corpo. Ao aproximar- se, dirigir o dorso da mão em direção ao focinho do animal. Não olhe nos olhos do animal, mas olhe para o focinho. Continue a caminhar em direção ao animal, até perceber os sinais de retirada do animal ou até tocar o focinho.

Definição de retirada é quando o animal se move para trás, vira a cabeça para o lado, ou puxa para trás a cabeça tentando se esquivar do observador; balançar a cabeça também pode ser observado. No caso de retirada, a distância de esquiva é estimada (= distância entre a mão e o focinho no momento da retirada) com uma resolução de 10 centímetros (200 cm a 10 cm possível). Se a retirada acontece a uma distância inferior a 10 cm, o resultado do teste ainda é 10 cm. Se o avaliador tocar o focinho, uma distância esquiva de 0 cm é registrada. Certifique-se de que a mão está sempre mais próxima do animal durante a abordagem (não o joelho ou o pé). Quando se aproximar de animais que estão se alimentando ou têm suas cabeças em uma posição baixa, dobre um pouco a fim de tentar tocá-los. Animais vizinhos que reagem a um animal que está sendo testado devem ser testados mais tarde. Faça o teste novamente em outro momento se a reação não foi clara.

Nível individual:

Distância em cm (200-0 cm, com resolução de 10 cm) Classificação Nível de rebanho:

Porcentagem de animais que podem ser tocados Porcentagem de animais que permitem aproximação menor que 50 cm, mas não deixa tocá-los Porcentagem de animais que permitem aproximação entre 100 e 50 cm.

Porcentagem de animais que não permitem aproximação menor que 100 cm

4.4 Estado emocional positivo

Medida Avaliação de comportamento qualitativo

Escopo Medida com base no animal: Vacas leiteiras

141

Descrição do método

A avaliação do Comportamento Qualitativo (ACQ) considera a qualidade expressiva de como os animais se comportam e interagem uns com os outros e com o ambiente, ou seja, sua “linguagem corporal”.

Essa observação poderá ser realizada juntamente com a Avaliação Comportamental e Tosse. Quando a observação for concluída e a “Avaliação Comportamental e Tosse” for finalizada, o avaliador deve encontrar um local tranquilo e marcar os 20 descritores utilizando a escala visual analógica (EVA). Note que a pontuação não é realizada durante a observação, e que apenas uma avaliação integradora é realizada por fazenda. Cada EVA é definida pela sua esquerda ‘mínimo’ e à direita ‘máximo’ ponto. “Mínimo” significa que neste ponto a qualidade expressiva indicada pelos termos está totalmente ausente em qualquer um dos animais observados. ‘Máximo’ significa que neste ponto este termo é dominante em todos os animais observados. Para marcar cada termo, desenhe uma linha ao longo da escala de 125 mm no ponto apropriado. A medida para esse termo é a distância em milímetros do ponto mínimo para o ponto onde a linha cruza a escala. Não pule nenhum termo. Cuidado quando marcar os termos que apresentarem valores negativos, tal como inseguro ou desconfortável. No ponto máximo, o significado da pontuação fica mais negativa, não mais positiva.

Os termos usados para o grupo de vacas leiteiras são:

ativo frustado irritado

relaxado amigável inquieto

apreensivo chateado sociável

agitado brincalhão apático

calmo positivamente ocupado feliz

contente animado estressado

indiferente inquisitivo Classificação Nível de rebanho:

Escala contínua para todos os parâmetros de linguagem corporal do mínimo ao máximo.

142

ANEXO B

QUESTIONÁRIO DE GERENCIAMENTO

Vacas secas são mantidas juntas com vacas em lactação? ( ) SIM ( ) NÃO Novilhas prenhas são mantidas juntas com vacas em lactação? ( ) SIM ( ) NÃO

Número (no momento da visita): vacas em lactação = vacas secas = novilhas =

Acesso ao pasto

Quanto tempo em média os animais têm acesso para pastar? .................. dias/ ano ; ................... Horas/dia

CCS - Contagem de Célula Somática – amostra do tanque (últimos 3 meses) ........................... cels/ml de leite

Distocia

Número médio de partos (últimos 12 meses) =

Número de vacas leiteiras que sofreram de distocia (últimos 12 meses) =

Síndrome da vaca deitada

Número de vacas leiteiras ou novilhas (se mantidas com vacas leiteiras) diagnosticadas com esta síndrome (últimos 12 meses) =

Taxa de mortalidade

Número de vacas leiteiras ou novilhas (se mantidas com vacas leiteiras) que morreram ou foram eutanasiadas devido a doenças ou acidentes (últimos 12 meses) =

Número total de vacas leiteiras e novilhas (se mantidas com vacas leiteiras) nos últimos 12 meses =

143

Descorna

Quantos animais são descornados? ......................% Os animais foram descornados na fazenda? ( ) Sim ( ) Não

Se SIM: Mochamento (bezerros) Idade: ...............semanas Método: ( ) Temocauterização ( ) Pasta cáustica Analgésicos: ( ) Sim ( ) Não

Descorna (animal mais velho) Idade: ................semanas/meses Analgésicos: ( ) Sim ( ) Não

Se NÃO: Você sabe como eles foram descornados? ( ) Sim ( ) Não Se SIM: Mochamento (bezerros) Idade: ...............semanas Método:( ) Temocauterização( ) Pasta cáustica Analgésicos: ( ) Sim ( ) Não

Descorna (animal mais velho) Idade: ...............semanas/meses Analgésicos: ( ) Sim ( ) Não

Corte de cauda Quantos animais têm a cauda cortada? ..................% Os animais foram amputados na fazenda? ( ) Sim ( ) Não

Se SIM: Idade: ................semanas/meses Método: ( ) anel rubber ( ) cirurgia Analgésicos: ( ) Sim ( ) Não

Se NÃO: Você sabe como eles foram amputados? ( ) Sim ( ) Não SE SIM Idade: ..................semanas/meses Método: ( ) anel rubber ( ) cirurgia Analgésicos: ( ) Sim ( ) Não

Produção anual: ......................

Produção diária: .........................

144

ANEXO C

Número de vacas a serem avaliadas individualmente de acordo com o número de vacas em lactação

Número de vacas em lactação

Número de vacas para avaliação (sugestão A)

Caso A não seja viável

30 30 30

40 30 30

50 33 30

60 37 32

70 41 35

80 44 37

90 47 39

100 49 40

110 52 42

120 54 43

130 55 45

140 57 46

150 59 47

160 60 48

170 62 48

180 63 49

190 64 50

200 65 51

210 66 51

220 67 52

230 68 52

240 69 53

Fonte: Welfare Quality® (2009)

145

ANEXO D

Observação: Houve mudança no título a critério de deixá-lo mais compatível com a pesquisa que se desenvolveu, essa mudança foi avisada à Comissão de Ética em

Pesquisas com Seres Humanos.

146

ANEXO E

Avaliação de bem-estar humano (GOUVEIA et al., 2008), com adição de escala visual (BORGES; PINHEIRO, 2002)

INSTRUÇÕES. Abaixo estão afirmações que mostram os diferentes afetos que o trabalho pode fazer a pessoa sentir. Por favor, leia com atenção as frases abaixo e indique quanto o seu trabalho tem feito você se sentir nos últimos 30 dias para cada um dos afetos abaixo. Pedimos que, para cada afeto, marque um “X” embaixo do desenho que mais estiver de acordo com a sua resposta, de acordo com a seguinte escala de resposta:

Nunca Pouco Às vezes Muitas vezes Sempre

1. Meu trabalho me faz sentir TRANQUILO

2. Meu trabalho me faz sentir ALEGRE

3. Meu trabalho me faz sentir CALMO

4. Meu trabalho me faz sentir CONTENTE

5. Meu trabalho me faz sentir ORGULHO DO QUE FAÇO

147

6. Meu trabalho me faz sentir COM ENERGIA

7. Meu trabalho me faz sentir ANIMADO

8. Meu trabalho me faz sentir EMPOLGADO

9. Meu trabalho me faz sentir ENTUSIASMADO

10. Meu trabalho me faz sentir FELIZ

11. Meu trabalho me faz sentir INSPIRADO

148

12. Meu trabalho me faz sentir AGRADECIDO

13. Meu trabalho me faz sentir HONRADO

14. Meu trabalho me faz sentir SATISFEITO

15. Meu trabalho me faz sentir À VONTADE

Nesse momento, há uma inversão dos desenhos, pois representam aspectos negativos que uma pessoa pode sentir no trabalho.

Nunca Pouco Às vezes Muitas vezes Sempre

16. Meu trabalho me faz sentir COM RAIVA

149

17. Meu trabalho me faz sentir CHATEADO

18. Meu trabalho me faz sentir ANSIOSO

19. Meu trabalho me faz sentir INCOMODADO

20. Meu trabalho me faz sentir CONFUSO

21. Meu trabalho me faz sentir DEPRESSIVO

22. Meu trabalho me faz sentir DESGOSTOSO

23. Meu trabalho me faz sentir DESENCORAJADO

150

24. Meu trabalho me faz sentir ASSUSTADO

25. Meu trabalho me faz sentir MALSUCEDIDO

26. Meu trabalho me faz sentir FURIOSO

27. Meu trabalho me faz sentir TRISTE

28. Meu trabalho me faz sentir CANSADO

29. Meu trabalho me faz sentir TÍMIDO

30. Meu trabalho me faz sentir MISERÁVEL

151

152

ANEXO F

1. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

1.1 Título da pesquisa: Bem-estar humano e sua influência no bem-estar de

vacas leiteiras

1.2 Justificativa para a realização da pesquisa: Existem poucas

pesquisas na área de bem-estar humano no meio urbano, e no meio rural são

raros os trabalhos que se preocupam com os aspectos que abordam o bem-estar

humano. Muito possivelmente, ter essas respostas será algo inédito no Brasil, e

poderá ser o primeiro passo para que os trabalhadores comecem a ser

reconhecidos como peça fundamental no alcance de melhores níveis de bem-

estar humano e animal no cenário agropecuário.

1.3 Objetivo: Avaliar se o bem-estar humano e o treinamento têm efeito

sobre o bem-estar animal (BEA) em propriedades leiteiras.

1.4 Procedimentos: Para avaliação dos animais, será utilizado um

protocolo para que os pesquisadores possam conhecer os níveis de bem-estar

das vacas leiteiras. Para avaliar o bem-estar do trabalhador, será aplicado um

questionário com 30 afirmações sobre os sentimentos e/ou realizações que uma

pessoa pode ter no ambiente de trabalho, e as respostas deverão ser

assinaladas em escala que varia de 1 a 5. Para verificar os pensamentos dos

trabalhadores em relação às vacas, será aplicado outro questionário, com 27

afirmações, e as respostas deverão ser assinaladas em escala que varia de 1

(discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). Ainda serão coletados dados

funcionais (quais cargos ocupam e tempo de trabalho no setor e na empresa) e

de caracterização (sexo, idade, estado civil e grau de instrução). Para verificar o

nível de conhecimento sobre as práticas em bem-estar animal, será aplicado

(antes e depois do treinamento) um questionário de múltipla escolha. Para

verificar a percepção dos mesmos sobre as possíveis mudanças pós-

treinamento, um questionário de opinião será aplicado para todos os

trabalhadores ao final do experimento. Em nenhum momento será necessária a

identificação do trabalhador, sendo as respostas totalmente sigilosas e a

privacidade do indivíduo totalmente preservada, de modo que não possam

provocar constrangimentos ou prejuízos aos voluntários. Diante de quaisquer

dúvidas, os pesquisadores estarão à disposição para esclarecê-las antes,

durante e após a realização da pesquisa.

1.5 Observação importante: Qualquer indivíduo pode se recusar a

participar em qualquer momento, sem que isto acarrete qualquer penalidade.

1.6 Forma de contato com os pesquisadores: Fernanda Victor

Rodrigues Vieira, Guilherme Amorim Franchi e Prof. Dr. Iran José Oliveira da

153

Silva; Avenida Pádua Dias, nº 11, Departamento de Engenharia de Biossistemas,

CX 09 / CEP: 13418-900, Piracicaba/SP. E-mail: [email protected],

[email protected], [email protected]. Telefones: (19) 3447-8563 ou

(19) 3447-8566.

154

ANEXO G

QUESTIONÁRIO DE ATITUDES (HEMSWORTH et al., 2002)

INSTRUÇÕES. Abaixo estão algumas afirmações sobre as vacas leiteiras. Por favor, leia com atenção as frases abaixo e indique qual a melhor resposta de acordo com o que você pensa e sente. Pedimos que, para cada afirmação, faça um “X” na resposta que mais estiver de acordo com o que você acredita.

1 2 3 4 5

Discordo totalmente Discordo Concordo em parte Concordo Concordo totalmente

1. É fácil trabalhar com vacas leiteiras

1 2 3 4 5

2. Vacas leiteiras estimulam o meu trabalho

1 2 3 4 5

3. Vacas leiteiras são amigáveis

1 2 3 4 5

4. Vacas leiteiras são barulhentas

1 2 3 4 5

5. Vacas leiteiras são malcheirosas

1 2 3 4 5

6. Vacas leiteiras são feias

1 2 3 4 5

7. Vacas leiteiras não sentem dor

1 2 3 4 5

8. Vacas leiteiras são agradáveis

1 2 3 4 5

9. É prazeroso trabalhar com vacas leiteiras

1 2 3 4 5

10. Vacas leiteiras são inteligentes

1 2 3 4 5

11. Vacas leiteiras são divertidas

1 2 3 4 5

12. Pouco treinamento é necessário para trabalhar com vacas leiteiras

1 2 3 4 5

155

13. Pouca experiência é necessária para trabalhar com vacas leiteiras

1 2 3 4 5

14. Vacas leiteiras são fáceis de manejar

1 2 3 4 5

15. Pouco tempo é necessário para manejar vacas leiteiras

1 2 3 4 5

16. Vacas leiteiras são gulosas

1 2 3 4 5

17. Vacas leiteiras são agressivas

1 2 3 4 5

18. Vacas leiteiras são facilmente assustadas

1 2 3 4 5

19. Vacas leiteiras são curiosas

1 2 3 4 5

20. A reação das vacas em relação aos manejadores é positiva

1 2 3 4 5

21. A reação das vacas em relação a pessoas não familiares é positiva

1 2 3 4 5

22. Vacas leiteiras reagem positivamente a mudanças na rotina

1 2 3 4 5

23. As vacas leiteiras reagem bem à ordenha

1 2 3 4 5

24. É necessário muito esforço físico para manejar as vacas leiteiras

1 2 3 4 5

25. É necessário muito esforço verbal (falar, gritar) para manejar as vacas

leiteiras

1 2 3 4 5

26. Conversar com novilhas em lactação é importante

1 2 3 4 5

27. Conversar com vacas em lactação é importante

1 2 3 4 5

156

ANEXO H

QUESTIONÁRIO DE CONHECIMENTO E PRÁTICAS EM BEM-ESTAR ANIMAL

O questionário foi aplicado antes e depois do treinamento para verificar o acréscimo que o treinamento propiciou ao conhecimento dos trabalhadores e proprietários. Os resultados foram apresentados em porcentagem, sendo que aqueles que acertassem as 12 questões corretamente teriam 100% de acerto. 1. A melhor definição de bem-estar animal é: a) Conforto térmico, saúde e comportamento; b) Alta produção de leite e saúde; c) Higiene e bom local para descansar; d) Somatória do ambiente, do comportamento e dos aspectos físicos dos

animais. 2. Escolha a afirmação verdadeira: a) Vacas leiteiras preferem rotinas diferentes todos os dias; b) Conhecer o comportamento das vacas é interessante, mas existem aspectos

mais importantes; c) Gritar com as vacas prejudica a produção de leite; d) Pessoas boas para lidar com as vacas são pessoas agitadas. 3. Escolha a afirmação verdadeira: a) A colocação de brincos não causa dor nos animais; b) A descorna nos animais deve ser feita até os três meses de idade; c) A remoção de tetos pode ser feita de maneira indolor sem uso de anestésico

e analgésico; d) O casqueamento deve ser feito quando a vaca apresentar algum problema. 4. Escolha a afirmação verdadeira: a) O corte de cauda, uso de argola no focinho e piques nas orelhas são manejos

necessários; b) Sempre é necessário encostar nas vacas para que elas se movam; c) O bastão elétrico auxilia na condução das vacas; d) Manejar as vacas em grupos pequenos facilita o trabalho. 5. Escolha a afirmação verdadeira: a) Vaca estressada pode reduzir a produção de leite na mesma hora; b) Colocar peso nas teteiras auxilia a retirada de leite; c) Misturar lotes na sala de espera ajuda o manejo ser mais rápido; d) É comum vacas defecarem e mugirem na sala de espera. 6. Escolha a afirmação verdadeira:

157

a) Vacas precisam de água limpa e à vontade depois da ordenha; b) O abate das vacas deve ser feito preferencialmente com um golpe forte na

cabeça; c) O piso é pouco importante no manejo das vacas leiteiras; d) As vacas se alimentam em momentos diferentes, por isso dimensionar o

cocho apenas para algumas vacas é um manejo adequado. .

7. Escolha a afirmação correta: a) Fornecer sombra no pasto é garantia de conforto térmico; b) É necessário considerar ventilação e aspersão na sala de espera para

adequado conforto térmico; c) O pedilúvio deve ser feito só quando existirem problemas de casco; d) Vacas tomam qualquer tipo de água, por isso a limpeza dos bebedouros pode

ser feita em intervalos longos. 8. Escolha a afirmação correta: a) É necessário limpar o comedouro a cada refeição; b) Fornecer qualquer tipo de pasto já garante os requerimentos nutricionais das

vacas; c) O escore de condição corporal é uma ferramenta apenas utilizada por

nutricionistas; d) Deve-se avaliar as vacas em relação à locomoção uma vez por mês. 9. Escolha a afirmação correta: a) Bovinos são animais solitários; b) Para acalmar uma vaca, deve-se isolar o animal e não permitir o contato

visual com os outros animais; c) A zona de fuga de uma vaca é caracterizada como a área de segurança

individual; d) Para manejar as vacas, a zona de fuga é um conceito pouco utilizado. 10. Escolha a afirmação correta: a) As vacas possuem visão binocular, monocular, área cega e ponto de

equilíbrio, aspectos importantes no manejo; b) As vacas enxergam em preto e branco; c) As vacas sabem diferenciar uma sombra de um buraco; d) As vacas são lerdas. 11. Escolha a afirmação correta:

a) Estereotipia é um comportamento normal nas vacas; b) Comer terra é sinal de falta de algum nutriente; c) Apenas para estudantes é importante saber sobre comportamento animal; d) Comportamentos anormais das vacas podem prejudicá-las. 12. Escolha a afirmação correta

158

a) Um ambiente de trabalho tranquilo é importante para o bem-estar do

trabalhador; b) Uma reunião por ano com os manejadores nas fazendas já é o suficiente, pois

cada um já sabe de sua função; c) A interação entre manejadores e animais influencia pouco na produção de

leite; d) O treinamento técnico visa apenas melhorar o conhecimento dos

manejadores em relação aos equipamentos de ordenha.

159

ANEXO I

Considerações gerais sobre o princípio Sanidade dos rebanhos analisados

Nas Tabelas 1 e 2, são apresentadas a incidência de claudicação e de algum

tipo de alteração no tegumento em 686 vacas no D1 e (n= 341) D3 (n= 345). Nas

outras tabelas dos resultados de avaliação dos critérios, também foram avaliadas

686 vacas.

Tabela 1. Porcentagem de claudicação em vacas de fazendas manejadas pelos

próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) no dia 1 (D1) e 3 (D3)

Critério Ausência de Injúria

Medida Claudicação (%)

D1 D3

Sem presença Moderada Severa Sem presença Moderada Severa

FP 96,5 1,4 2,1 97,2 2,1 0,7

FT 77,0 19,0 4,0 98,5 1,5 0,0

Segundo algumas pesquisas, as principais causas de claudicação

encontradas em propriedades leiteiras estão relacionadas com protocolos de

casqueamento, frequência de ordenha, nutrição e tipos de piso (BOND, 2010;

TELEZHENKO et al., 2007), sendo que Onyiro (2008) relacionou a alta incidência

de claudicação com a época do ano, além de que o uso de cascalho e pedras em

corredores de acesso, sem a compactação adequada, pode aumentar a prevalência

de problemas de casco por se tratar de uma agressão diária na sola dos bovinos.

De maneira similar, Cook et al. (2004) observaram que a laminite pode estar

associada à longa exposição dos cascos a piso úmido e com esterco, situação

comum nas fazendas analisadas, principalmente em áreas sombreadas nos pastos.

No estudo realizado por Paz (2012) em três sistemas de produção, não foi

registrado nenhum caso de claudicação severa. Vacas com acesso ao pasto

apresentaram 12,5% de claudicação moderada e vacas em sistema semi-

intensivo apresentaram 2,5%. Garcia (2013) observou 1,9% e 1,2% de

claudicação em sistemas de pasto, entretanto também observou valores acima,

representados por 7,2% das vacas com claudicação.

Pode-se observar que o valor para a medida claudicação foi maior no D1 em

relação ao D3 em ambos os grupos (Tabela 1). Para o grupo FT, apesar do

aumento no número de vacas com claudicação moderada no D3, houve

160

diminuição do número de vacas acometidas com claudicação severa. Acredita-se

que esses valores sejam explicados pelas diferentes épocas da avaliação das

vacas.

Em relação à medida de alteração de tegumento, foram observadas alterações

moderadas do corpo, com pele despigmentada, principalmente na área dorsal e

lombar, o que pode ser justificado pela fotossensibilização, pois se trata de vacas

que ficam muito tempo expostas ao sol. Pode-se observar que essas alterações,

principalmente lesões e inchaços, estavam também relacionadas à infestação por

berne. Já a presença de abscessos subcutâneos provavelmente originou-se devido

aos procedimentos de vacinação mal executados.

Observou-se maior incidência de alterações de tegumento no D1 em relação

ao D3 (Tabela 2), o que provavelmente pode ser explicado pelas diferentes

condições climáticas nos dias de avaliação das vacas, maior exposição ao sol e

maior quantidade observada de bernes (alteração severa, devido ao inchaço

provocado).

Tabela 2. Porcentagem de vacas com alguma alteração de tegumento em fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) no dia 1 (D1) e 3 (D3)

Critério Ausência de Injúria

Medida Alteração de Tegumento (%)

D1 D3

Sem alteração Moderada Severa Sem alteração Moderada Severa

FP 48,9 14,9 35,5 88,1 11,2 0,7

FT 47,00 10,50 42,50 77,2 5,4 17,3

Em relação à medida ‘Ausência de doença’, foi avaliada a incidência de

sintomas nos rebanhos leiteiros, como presença de corrimento nasal, ocular e

vulvar, respiração dificultada, tosse, diarreia, CCS, síndrome da vaca deitada,

distocia, mortalidade e infestação de carrapatos (Anexo A; 3.2).

Observou-se que o resultado para a medida distocia foi um dos problemas mais

encontrados em ambos os grupos. Esse problema também foi encontrado por Garcia

(2013). Outras medidas também se encontravam no limiar de alerta e alarme em

ambos os dias e grupos (% média de síndrome da vaca deitada, % média de

mortalidade e intensidade média de carrapatos; Tabela 3).

161

Tabela 3. Valor médio de medidas utilizadas para avaliar o critério ‘Ausência de doenças’ em fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT) no dia 1 (D1) e 3 (D3)

FP FT

Medidas D1 D3 D1 D3

% média das vacas com corrimento nasal 0,0 0,0 1,0 1,0 % média das vacas com corrimento ocular 0,7 0,7 3* 2,5 Frequência média de tosse por vaca por 15 minutos 0,0 0,0 2,7 1,3 % média das vacas com respiração dificultada 2,1 0,0 4,5* 0,5 % média de vacas com diarreia 0,0 0,0 5* 0,0 Média da CCS (cél. / Ml) 293,0 262,8 388,1 336,8 % média das vacas com corrimento vulvar 0,0 0,0 0,0 0,0 % média de distocia 3,5* 1,4 10,5** 5,4* % média de síndrome da vaca deitada 5* 2,1 4,5* 4* % média de mortalidade 3,5* 2,1 6,8** 5,9** Intensidade média de carrapatos 3,5 14,7** 7,3* 17,4**

*medidas que estão em limiar de alerta **medidas que estão em limiar de alarme

Ainda em relação ao princípio ‘Saúde’, foi avaliado o critério ‘Ausência de dor

induzida pelo manejo’, verificando-se os procedimentos relacionados ao

mochamento, descorna e corte de cauda. Não houve mudanças nos procedimentos

durante o experimento. Nove fazendas executavam o mochamento térmico nos

bezerros sem nenhum tipo de medicamento, não executavam a descorna e não

cortavam as caudas das vacas. Apenas uma fazenda, do grupo FP, administrava

analgésico aos bezerros depois do mochamento, o que elevou o escore médio

desse grupo (Tabela 4).

Tabela 4. Valor médio do escore de ausência de dor induzida pelo manejo em fazendas manejadas pelos próprios proprietários (FP) e por trabalhadores (FT)

Medida Ausência de dor induzida (manejo)

FP FT

Escore 33 28

Referências

BOND, G.B. Diagnóstico de bem-estar de bovinos leiteiros. 2010. Dissertação (Mestrado em Ciências Veterinárias) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010.

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COOK, N.B.; BENNETT, T.B.; NORDLUND, K.V. Using indices of cow comfort to predict stall use and lameness.In: INTERNATIONAL RUMINANT LAMENESS SYMPOSIUM, 13, 2004. Proceedings… Maribor, Slovenia, 2004. Disponível em http://www.vetmed.wisc.edu/dms/fapm/publicats/research_abs/Indicesand_Comfort.pdf. Acesso em 10/09/2015. GARCIA, P.R. Sistema de avaliação do bem-estar animal para propriedades leiteiras com sistema de pastejo. 2013. Dissertação (Mestrado em Ciências- Área de concentração: Engenharia de Sistemas Agrícolas) - Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2013. ONYIRO, O.M.; OFFER, J.; BROTHERSTONE, S. Risk factors and milk yield losses associated with lameness in Holstein-Friesian dairy cattle. Animal, Cambridge, v. 2 (8), p. 1230-1237, 2008. PAZ, T.C. Avaliação de bem-estar em vacas em lactação. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciência) - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, 2012. TELEZHENKO, E.; LIDFORS, L.; BERGSTEN, C. Dairy Cow Preferences for Soft or Hard Flooring when Standing or Walking. Journal of Dairy Science, Champaign, v. 90 (8), p. 3716-3724, 2007.