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Centro Universitário de BrasíliaFaculdade de Ciências Jurídicas e Sociais
Curso de Direito
RHODE LUCY DE SOUZA RAMOS PONTES MOURA
O TRATAMENTO DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NO BRASIL
Brasília
2016
RHODE LUCY DE SOUZA RAMOS PONTES MOURA
O TRATAMENTO DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NO BRASIL
Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB.
Orientadora: Professora MSc. Ariane Guimarães
Brasília2016
RHODE LUCY DE SOUZA RAMOS PONTES MOURA
O TRATAMENTO DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NO BRASIL
Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB.
Orientadora: Professora MSc. Ariane Guimarães
Brasília, 11 de abril de 2016.
BANCA EXAMINADORA
_________________________________Nome do(a) examinador(a)
__________________________________Nome do(a) examinador(a)
A Eduardo, definição de amor, por cada um dos dias em que escolheu não desistir de mim.A Keila, Hadassa, Roberto e Alberto, família amada que, apesar de mim, sempre me faz
lembrar o que são felicidade, acolhimento e amor incondicional.
AGRADECIMENTOS
Eu, que nunca havia pensado que um dia poderia dizer a mim mesma que tenho tantas pessoas a quem agradecer, hoje espero não esquecer nenhuma delas.
Antes, agradeço à Prof. Ariane Guimarães, por sua disponibilidade e por haver aceitado orientar-me nesta intensa jornada que é o Trabalho de Conclusão de Curso. Pessoa de
grande cultura e indubitável saber jurídico, merece toda a deferência.
A Cristina Krause, que, por meio de seus talentos gastronômicos, sempre soube confortar-me nos momentos em que não acreditei que concluiria esta etapa.
A André e Karoline Bertran, Luís Henrique e Luciana Marques, Daniella Jinkings Santana, Julian Vilela e Juliana Medeiros, Giuliana Marques, Alexandre Procópio e Juliana Allemand, José Carlos e Martha Vilela, Larissa Itaborahy, Guilherme Costa e Fernanda Michelis, por todo o apoio emocional e técnico a mim oferecido; pela torcida; pelo desejo de me verem feliz; pela tolerância com meus melindres; e por lutarem ao meu lado o bom combate. Muito obrigada, queridos. Quem tem vocês, tem tudo.
Ao Dr. Bruno Correa Burini, eterno líder e professor, jurista de grande poder intelectual que me ensinou, paulatinamente, o que é o amor ao Direito, com todas as suas vicissitudes.
RESUMO
O presente estudo se propõe a esmiuçar as bases legais, doutrinárias e jurisprudenciais do planejamento tributário, apresentando suas características primordiais, pressupostos teóricos e requisitos de validade. Para os fins deste exame, analisar-se-ão os institutos do tributo, desde sua conceituação até o enfrentamento de princípios e valores que o norteiam, oferecendo uma elucidação à luz do princípio da ponderação dos preceitos constitucionais. Com o instituto do planejamento fiscal, exsurgem questões atinentes à moral e justiça tributárias, as quais são cruciais para que se compreenda a ratio essendi da mencionada forma de organização financeiro-econômica de sociedades empresárias e, não raro, de pessoas físicas,
cujo desiderato é de maximizar suas receitas, buscando uma forma legítima de economia de tributos. Discorrer-se-á, ademais, sobre figuras ilícitas que se fazem presentes nos planejamentos eivados de vícios, o que tem servido, hodiernamente, como argumento de que as autoridades fiscais comumente lançam mão para justificar pretensões de desconsideração de atos e negócios jurídicos celebrados com o fim precípuo de obtenção de vantagens tributárias. Por derradeiro, proceder-se-á a uma análise paralela entre o planejamento tributário, o treaty shopping e os paraísos fiscais, identificando-se os pontos de contato entre os fenômenos e suas distinções.
Palavras-chave: planejamento tributário; legalidade; elisão; treaty shopping; paraísos fiscais.
Sumário
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................8
1.1. CONCEITO DE TRIBUTO............................................................................................................................... 111.2. ASPECTOS DA MORAL TRIBUTÁRIA DO ESTADO E DO CONTRIBUINTE.......................................................................15
2. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO..................................................................................23
2.1. TEORIAS INFORMADORAS DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO...................................................................................272.1.1. Prevalência da substância sobre a forma............................................................................................272.1.2. Interpretação econômica do direito tributário....................................................................................33
2.2. O PROPÓSITO NEGOCIAL NO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO....................................................................................382.3. ELISÃO, EVASÃO E SIMULAÇÃO...................................................................................................................... 48
3. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E TREATY SHOPPING.......................................57
3.1. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL.................................................................................573.2. DUPLA TRIBUTAÇÃO E TRATADOS PARA EVITÁ-LA...............................................................................................593.3. CONCEITO E ELEMENTOS DO TREATY SHOPPING.................................................................................................65
3.3.1. Tipos de treaty shopping: empresas canais (ou direct conduit companies) e sociedades trampolins (ou stepping stones).......................................................................................................................................68
4. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E PARAÍSOS FISCAIS.........................................71
5. TREATY SHOPPING, PARAÍSOS FISCAIS E ELISÃO FISCAL: APONTAMENTOS FINAIS..................................................................................................74
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................80
INTRODUÇÃO
O planejamento tributário é instituto controverso na doutrina nacional, uma vez que é
permeado por princípios e valores cuja significância - ou mesmo aplicabilidade pelo
ordenamento jurídico em matéria tributária - é relativizada à luz dos diferentes
posicionamentos infirmados na compreensão atual do tema. Com efeito, parte da doutrina
vislumbra na tipicidade cerrada e na legalidade estrita da norma tributária autorização
legislativa para a elaboração de um planejamento fiscal que atenda aos fins almejados pela
pessoa jurídica, a saber, a minoração ou supressão da carga tributária suportada em razão de
sua atividade econômica e financeira. Como consequência de tal noção, surge entendimento
segundo o qual é ilegítimo que a autoridade fiscal proceda à desconsideração da pessoa
jurídica sob o argumento de que o planejamento não é dotado de propósito negocial, mas tão
somente de uma busca pela redução tributária. Por outro lado, há corrente doutrinária que
compreende que os preceitos a que ora se fez menção devem ser ponderados e relativizados,
aduzindo que o propósito negocial deve ser o fim precípuo de todo ato havido no âmbito das
pessoas jurídicas, e que a supressão ou redução tributária, embora desejadas, não devem se
sagrar objetivos superiores de um planejamento tributário. Tal entendimento é o que conduziu
à promulgação da Lei Complementar 104/2001, que alterou o artigo 116 do Código Tributário
Nacional – CTN, acrescentando-lhe parágrafo único, com o fim de autorizar a desconsideração
dos atos jurídicos desprovidos de propósito negocial – é a chamada norma antielisão.
As discussões acerca do planejamento tributário culminam em temáticas ainda mais
controversas, notadamente a prática de treaty shopping e a existência de paraísos fiscais.
Cuida-se de institutos que a significativa maioria dos doutrinadores nacionais e estrangeiros
dedicados ao assunto reputa ilícitos, dados os esforços empreendidos pela comunidade
internacional, por meio da edição de acordos e convenções segundo o Modelo da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, no sentido de combater a
interposição de empresas ou inauguração de sociedades subsidiárias para a obtenção de
vantagens fiscais, além de prevenir e evitar os efeitos produzidos por operações realizadas no
âmbito de paraísos fiscais. Outrossim, há de se considerar que, segundo a doutrina majoritária,
tais institutos representam verdadeiros algozes da concorrência fiscal internacional, o que deve
ser juridicamente atacado no âmbito do direito interno e daquele alienígena.
A temática do planejamento tributário, considerado como um todo, é dotada de vital
importância, na medida em que há um patente confronto entre normas de índole constitucional
– como os princípios da capacidade contributiva, livre iniciativa, igualdade e propriedade
8
privada, além dos limites ao poder de tributar, inseridos como regramentos norteadores da
esfera tributária por força do artigo 150 da Letra Maior – e regramentos ordinários e
complementares, mormente em razão de sua complexidade e grande quantidade. Afigura-se
sua relevância, outrossim, em face da noção de ética que deve residir na relação entre
contribuinte e Fisco, uma vez que, como preleciona Klaus Tipke, há uma justa medida entre os
interesses de um e de outro: ao passo em que um deve ter seu patrimônio resguardado da
ingerência estatal excessiva, o outro tem a necessidade de arrecadar fundos para a consecução
de atos tendentes a garantir o pleno exercício da liberdade individual dos membros da
sociedade civil.
Em verdade, subsiste a relevância do tema a partir do momento em que se adquire a
noção de que é crucial permitir que o Estado aufira parcela da renda de seus administrados e
que estes, por sua vez, encontrem guarida na segurança jurídica para questionar aquilo que
acreditam exercer impacto negativo sobre seu patrimônio, e não unicamente sobre o acréscimo
advindo dos rendimentos. Desta feita, a questão que se coloca é esta: até que ponto está o
Estado a exercer regularmente sua prerrogativa arrecadatória, e a partir de que instante pode o
contribuinte elidir tributos? Aliás, é legítima a elisão tributária?
Tais questionamentos hão de ser elucidados no presente estudo por um iter que se
principia na compreensão preliminar acerca do instituto da exação tributária, seu caráter fiscal,
extrafiscal e parafiscal e os preceitos que a norteiam. Posteriormente, conveniente será
introduzir o planejamento tributário a partir de diretrizes teóricas traçadas por referenciados
doutrinadores do tema, como Marco Aurélio Greco, Amilcar Falcão e Hugo de Brito
Machado, os quais recorrem à explanação das teorias da substância sobre a forma, do
propósito negocial e da interpretação econômica do fato jurídico, bem como de questões
atinentes ao abuso de formas e de direito, simulação e dissimulação, elisão e evasão fiscal.
Finalmente, far-se-á necessário estabelecer relações e comparações entre o instituto
em apreço e condutas praticadas na seara tributária, notadamente o treaty shopping e os
paraísos fiscais como instrumentos de elisão. O que se busca, acima de tudo, é introduzir
conceitos inerentes a uma prática que é amplamente visitada e adotada no seio de sociedades
empresárias e, por vezes, por pessoas físicas com o intuito de maximização de lucros e rendas,
desde que circunscrita aos limites jurídicos. Procura-se, outrossim, divorciar o instituto do
planejamento tributário – que, em sua forma original, é lícito – de práticas abusivas de tratados
e acordos contra a dupla tributação, que são os paraísos fiscais e o treaty shopping. Por
derradeiro, impende a ponderação do caráter de ilicitude que permeia os últimos institutos
mencionados, porquanto aquele não é pacificamente aceito entre os acadêmicos. Isso porque
vem de ser considerada para a discussão da matéria, por exemplo, a Loi Fédérale sur les 9
Banques et les Caisses d’Épargne1, ou Lei Bancária Suíça de 1934, promulgada durante a
Segunda Guerra Mundial para assegurar aos judeus fugitivos do regime do III Reich sigilo
bancário, de modo que estes evadissem dos territórios de domínio germânico sem perderem
suas economias. Ainda que modificada em 2009, a lei suíça serve de arcabouço legislativo para
os defensores da existência de paraísos fiscais como meios legítimos de estabelecimento de
uma concorrência fiscal internacional.
Com todo o exposto, o que se propõe é o debate acerca do instituto do planejamento
tributário e seus paralelos – treaty shopping e paraísos fiscais -, de modo que se busque uma
compreensão teórica sobre o tema e uma profícua reflexão quanto a seus critérios de validade
e eficácia, além do preenchimento de tais requisitos, à luz das disposições legislativas,
doutrinárias e jurisprudenciais hodiernamente construídas.
1 SUÍÇA. Loi fédérale sur les banques et les caisses d'épargne, de 8 de novembro de 1934. Disponível em: <https://www.admin.ch/opc/fr/classified-compilation/19340083/index.html> Acesso em: 10 abr. 2016.
10
1. ASPECTOS GERAIS DO TRIBUTO
1.1. Conceito de tributo
Antes que se adentre o exame do planejamento tributário, cumpre compreender, além
do próprio conceito de tributo, as funções da tributação. Ora, se atualmente é possível discutir
causas e efeitos do planejamento tributário, é porque afigura-se no ordenamento jurídico
brasileiro – bem como nos diversos sistemas jurídicos estrangeiros – a obrigatoriedade do
pagamento de exações destinadas aos cofres públicos. Portanto, indispensável se mostra a
explanação a respeito da formação do tributo e sua razão de ser.
Para uma profícua discussão concernente ao instituto do planejamento tributário, faz-
se necessário, ademais, o enfrentamento de questões inerentes à moralidade que permeia o ato
de proceder a condutas empresariais tendentes a mitigar consequências fáticas no campo do
Direito Tributário, evitando-se, assim, a formação de um fato gerador, isto é, o fato imponível
que faz nascer a obrigação tributária. Para tanto, imperioso é, preliminarmente, levantar
discussões acerca do conceito de tributo e sua relação com o Estado e com o contribuinte.
Com efeito, a necessidade de conceituação do termo tributo advém do fato de ser
inevitável que dada exação, se revestida de um caráter tributário, produza efeitos na esfera
patrimonial do contribuinte, devendo ser a relação firmada entre o primeiro e o segundo
estabelecida, ao menos em linhas genéricas, pela Constituição Federal. Essa, de fato, disciplina
a forma como o tributo deve ser instituído, modificado ou extinto, bem como fixa limitações
ao poder de tributar e os meios adequados à inovação legislativa em relação à matéria. Por
outro lado, uma dada obrigação imposta pelo Estado que não possua natureza jurídica, embora
também impacte diretamente no patrimônio do sujeito passivo, deve receber tratamento
diverso.
A Constituição Federal de 1988 não traz qualquer definição para o termo tributo, mas
encampa fatos, atos e negócios jurídicos que expressam riqueza e distribui competências entre
os entes federativos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios –, para que estes
instituam, modifiquem e extingam as exações segundo moldes previamente estabelecidos pela
própria Carta Política. Portanto, a Constituição traça diretrizes básicas para a conceituação de
tributo, delegando a lei complementar a tarefa de positivar essa definição, e suas
peculiaridades. Tal é o que explicita a Letra Maior em seu artigo 146:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:(...)III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
11
especialmente sobre:a) definição de tributos e suas espécies, bem como, em relação aos
impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.”2
Desta feita, incumbiu-se o legislador infraconstitucional de definir tributo e imputar-
lhe fato gerador, alíquota, base de cálculo e contribuinte destinatário da imposição, acatando
os comandos constitucionais atinentes à sua disciplina, competência e limitações. Obedecendo
ao mandamento da Constituição, a Lei nº 5.172/1966 – Código Tributário Nacional, em seu
artigo 3º, assim conceitua o tributo:
“Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”3
A prescrição legal sob comento apresenta matizes inerentes ao tributo que se devem
fazer presentes de forma indubitável, dos quais não se pode prescindir – do contrário, não mais
se haveria de cogitar de uma exação tributária, mas de montante de qualquer outra natureza a
ser recolhido aos cofres públicos. Por primeiro, assinale-se que o tributo deve consistir de
prestação pecuniária, expressa em moeda ou cujo valor possa nela exprimir-se. Desta sorte, é
incabível o pagamento de tributos mediante a dação em pagamento ou prestação de serviços
compensatórios destinados à autoridade de competência tributária. Outrossim, o tributo é ex
lege, porque exigível tão somente uma vez que há inovação legislativa que descreva o fato
gerador abstrato com o condão de fazer nascer uma obrigação tributária.
Por derradeiro, merece destaque a cláusula “que não constitua sanção de ato ilícito”,
dada a preocupação técnica do legislador de afastar inexoravelmente o tributo da multa. Com
efeito, não houvesse sido incluída tal condicionante, a apropriada definição de tributo
padeceria de imprecisão dogmática e, por conseguinte, de ambiguidade em sua interpretação.
Reconheça-se o mérito do legislador Geraldo Ataliba, citado por Sacha Calmon Navarro
Coêlho, em relação à formulação do artigo 3º do CTN:
“Acolhemos o conceito formulado da disposição do art. 3º do CTN, que tem o notável mérito de, pela cláusula excludente das obrigações que configurem sanção de ato ilícito, evitar a abrangência também das multas, as quais, doutra forma, ver-se-iam nele compreendidas.”4
2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.3 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios . Diário Oficial da União, Brasília, DF, seção I, parte I, 27 out. 1966.4 ATALIBA apud COÊLHO, 2015.
12
Luís Eduardo Schoueri, com o fim de elucidar a definição proposta pelo CTN e
rememorar a aplicação do conceito no período antecedente à promulgação da Constituição de
1988, traz à baila o conceito ofertado pela Lei 4.320/1964 e ensina que:
“Assim, quando se pretende estudar o conceito de tributo pressuposto pelo constituinte, toma-se o artigo 3º do Código Tributário Nacional, mas sem perder de vista que, apesar de silente o Código a esse respeito, o tributo é (i) receita derivada; (ii) instituído por entidades de direito público; (iii) nos termos da constituição e das leis vigentes; (iv) destinando-se seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas.”5
A Lei 4.320/1964 é produto do Projeto de Lei nº 201, de 1950, que, uma vez enviado
à revisão do Senado Federal para posterior sanção presidencial, aguardou 12 anos para tornar-
se objeto de deliberação – o que ocorreu já na gestão do Presidente João Goulart. A
aprovação da lei em apreço se deu poucos dias antes da deposição de Goulart, cujo governo
foi substituído pelo regime militar, o qual perdurou até a redemocratização do Brasil.
Cuida-se de lei de extrema relevância, porquanto disciplina até os dias de hoje
elaboração e controle orçamentários pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. O
Ministro Carlos Ayres Britto, ao mencionar a Lei 4.320/1964, caracteriza-a como “a lei
materialmente mais importante do ordenamento jurídico, logo abaixo da Constituição”6.
Embora recepcionada pela Constituição de 1988, a Lei 4.320/1964 é alvo de críticas na esfera
jurídica, máxime em relação ao conceito por ela oferecido para o instituto do tributo.
Com a vigência da hodierna Carta Magna, a conceituação de tributo oferecida pela
Lei 4.320/1964 deixou de ser possível, porquanto não mais se admite que as exações
tributárias se prestem a custear atividades exercidas por entidades de direito público, máxime
em razão da extrafiscalidade e da parafiscalidade de que se revestem alguns tributos, como o
aumento da alíquota tributária sobre o cigarro. O caráter extrafiscal se extrai das exações
tributárias destinadas primariamente não à mera arrecadação de receitas aos cofres públicos,
mas sobretudo ao estímulo ou desestímulo de determinada atividade. Quanto ao objetivo
parafiscal do tributo, por sua vez, preleciona Hugo de Brito Machado que se afigura “quando
o seu objetivo é a arrecadação de recursos para o custeio de atividades que, em princípio, não
integram funções próprias do Estado, mas este as desenvolve através de entidades
específicas.”7
Leandro Paulsen8 assevera que, em verdade, a expressão parafiscal remetia, antes do 5 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 157.6 STF, ADI-MC 4.048-1/DF.7 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 76.8 PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 51.
13
advento da Constituição de 1988, a toda sorte de contribuição de natureza tributária não
destinada à entidade de direito público e sintetiza a orientação proposta pela doutrina
dominante no que concerne à caracterização da exação como parafiscal, aduzindo que “ser ou
não parafiscal é uma característica acidental, que, normalmente, sequer diz com a finalidade da
contribuição, mas com o ente que desempenha a atividade respectiva”9.
Esposando as diferentes considerações tecidas, há de se definir a parafiscalidade do
tributo como meio pelo qual se destina o produto da exação a entidades paraestatais, que, a
seu turno, se incumbem de atender e aplicar as políticas públicas não essenciais ao Estado,
descentralizando-se, assim, o poder público. Isso posto, evidente está que a conceituação de
tributo ofertado pela Lei 4.320/1964 não se amolda às definições hodiernamente adotadas,
razão pela qual manter-se-á presente o conteúdo do artigo 3º do Código Tributário Nacional
como dispositivo informador das características formadoras do instituto do tributo.
Em verdade, os esforços legislativos empreendidos na redação do CTN, notadamente
de seu artigo 3º, culminaram na recepção de seu conteúdo pela ordem jurídica inaugurada pela
Constituição de 1988, não por acaso, mas porque a ponderação jurídica foi intensa ao ponto
de produzir uma prescrição de inequívoca precisão e inegável empirismo, apta a traduzir com
exatidão o significado de tributo e a explanar seus principais caracteres, tais como a
obrigatoriedade de pagamento em pecúnia e a vedação a qualquer aproximação entre a exação
e a multa. Sacha Calmon Navarro Coêlho bem exalta a definição proposta pelo CTN, ao
pontificar:
“O conceito de tributo no sistema brasileiro, fruto de intensa observação do fenômeno jurídico, é dos mais perfeitos do mundo. Se nos compararmos com os países do Common Law, com a Itália, França e Alemanha, no plano dogmático, a vantagem da tributarística brasileira desponta com notável evidência (...).”10
De fato, o conceito de tributo oferecido pelo CTN e recepcionado pela Constituição
Federal de 1988 traz em seu bojo precisão jurídica satisfatória, cujo condão é de habilmente
separar exações tributárias de preços públicos e exigências pecuniárias diversas do tributo.
Com isso, o ordenamento jurídico pátrio delineia limites de competência e ao poder de tributar,
modo de exigibilidade e atos processuais aptos a assegurar o adimplemento da pretensão
executória do quantum devido.
É bem verdade que, não raro, o STF se depara com a necessidade de discussão acerca
da distinção entre uma exigência pecuniária feita pelo Estado e outra – por exemplo,
9 Ibidem.10 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 463.
14
rememore-se a ponderação realizada entre os Ministros da Suprema Corte que culminou na
edição da Súmula 54511 –, mas resta claro que as reflexões ocorridas no âmbito judiciário se
têm prestado majoritariamente a dirimir dúvidas quanto a peculiaridades inerentes às exações,
como a compulsoriedade e a existência ou ausência de finalidade específica da arrecadação
pela Administração Pública. Assim sendo, não há de se cogitar de imprecisão normativa acerca
do conceito de tributo, mas tão somente de delineamentos específicos para o melhor
atendimento à prescrição legal de dado tema no âmbito tributário.
1.2. Aspectos da moral tributária do Estado e do contribuinte
Não obstante a indelével marca que deixa o legislador nos estudos jurídicos pátrios,
não se pode deixar de observar que a disposição do artigo 3º nada explicita a respeito do
escopo justificador da imposição de tributos à sociedade civil. Em verdade, discorrer acerca
dos intentos estatais que embasam a cobrança de exações tributárias ao contribuinte significa
elucubrar não apenas sobre a destinação da receita derivada de tal oneração, mas sobretudo os
efeitos que ela produz sobre seus destinatários, mormente em se tratando de pessoas jurídicas.
Afinal, é o próprio descontentamento com a descrição legal de um fato gerador diretamente
ligado a uma cobrança pecuniária que desperta no contribuinte o sentimento de ter o direito de
orientar seus negócios de forma a impedir a constituição do mencionado fato imponível ou, ao
menos, a ocasionar a formação de fatos menos valiosos para o ente de direito público.
Ponderar, pois, sobre as motivações fiscais da máquina pública submetida ao Estado
Democrático de Direito significa digressionar quanto ao aparato moral que conduz aquela a
impor o recolhimento aos cofres públicos de porcentagem de um acréscimo patrimonial ou de
uma exportação de produtos, bem quanto à moralidade que norteia o contribuinte e nele
fomenta o desejo de esquivar-se de formar um fato gerador, pois que o advento deste
forçosamente implicará perda econômica. Desta feita, a questão que se coloca é se a justiça
tributária se perfaz na distribuição equânime da carga tributária total e se opõe limites à
oneração tributária de cada indivíduo (aqui compreendidas pessoas físicas e jurídicas, com
especial atenção às segundas, em razão do escopo do presente trabalho). Como consequência
lógica, não nos havemos de furtar a buscar respostas às seguintes indagações, formuladas por
Klaus Tipke12: até que ponto é imoral desobedecer às leis tributárias? Por que alguns
11 “Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 545. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/> Acesso em: 25 mar. 2016) 12 TIPKE, Klaus. Moral tributária do Estado e dos contribuintes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2012.
15
contribuintes reduzem massivamente tributos?
A reflexão que aqui se suscita advém, em primeiro lugar, da necessidade de
reconhecimento de que a justiça tributária existe tão somente quando se opõe uma ética fiscal
do Estado e dos contribuintes ao próprio Direito Tributário – tarefa esta que tem se
desenvolvido desde a Antiguidade até os tempos modernos, perpassando por filósofos como
Thomas Hobbes, David Hume e Adam Smith13. Hodiernamente, a justiça tributária tem como
corolário a noção constitucional de justiça como forma de expressão do preceito da igualdade,
como confirma a análise teleológica da relação entre a primeira e a segunda. Cuida-se da
“constatação de que os juízos de igualdade devem ser formulados segundo critérios de justiça
para, daí, definirem-se tratamentos jurídicos com suporte na isonomia”14 e, de forma aplicada
ao Direito Tributário, na limitação do Estado de impor exações fiscais segundo a capacidade
contributiva do sujeito passivo. Corrobora essa visão Tipke:
“Em um Estado de Direito tudo deve o quanto possível ocorrer com justiça. Essa é a mais alta exigência que se pode fazer. Essa exigência não pode em sua essência ser anulada ou deslocada por outras exigências. Daí partem também as constituições que expressis verbis invocam a direitos e deveres dos seus cidadãos. Há muito tempo já afirmava Montesquieu: ‘As rendas do Estado são uma porção que cada cidadão dá de seus bens para ter a segurança da outra ou para gozar dela agradavelmente. Para estabelecer corretamente esta receita, devem-se considerar tanto as necessidades do Estado quanto as necessidades dos cidadãos. Não se deve tirar das necessidades reais do povo para dar as necessidades imaginárias do Estado’.”15
A própria justiça – observe-se – traz contornos diversos, a dependerem de seu âmbito
de aplicação e mesmo do modelo de Estado constitucionalmente estabelecido. Destarte, há de
se comentar brevemente uma noção de justiça comutativa, que se traduz no dar a cada
indivíduo a porção que lhe cabe, a partir de uma relação entre particulares16. Cuida-se de
concepção de justiça aceita por parte da doutrina, não apenas em relação ao Estado liberal –
em que se afigurava um modelo constitucional patrimonialista, em que a atuação estatal se
resumia ao mínimo necessário para a condução da vida em sociedade –, mas também
hodiernamente, em cada relação jurídica de cunho privado, seja entre pessoas físicas, pessoas
13 TIPKE (2012, p. 10), rememorando que um exame de eticidade e socialidade tem lugar na análise do Direito Tributário e, em proporções mais robustas, na formulação de constituições como a grega, a espanhola e a portuguesa, faz menção a Hobbes em razão de sua obra Philosophical Rudiments Concerning Government and Society; Hume, por On Taxes; e Smith, por Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations.14 OLIVEIRA, Marcos Roberto de. O princípio da igualdade e as imunidades tributárias subjetivas referentes às taxas: uma aproximação inicial. In BORGES, Antônio de Moura; MEIRA, Liziane Angelotti; VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira (Coord.). Direito tributário constitucional. São Paulo: Almedina Brasil, 2015.15 TIPKE apud OLIVEIRA, 2015.16 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 26. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 204.
16
jurídicas de direito privado ou composta por ambas concomitantemente. A justiça distributiva,
a seu turno, exsurge como, no ensinamento de André Franco Montoro 17, “a virtude pela qual a
comunidade dá a cada um de seus membros uma participação no bem comum, observada uma
igualdade proporcional ou relativa”. Em suma, trata-se do proveito que faz a coletividade dos
benefícios comuns e da oneração em encargos sociais. Afigurou-se a justiça distributiva de
forma predominante durante a vigência do Estado social, quando a máquina estatal prevalecia
sobre o desiderato particular e, assim, os ganhos e ônus obtidos pela coletividade eram
colhidos conjuntamente em face do retorno do Estado a incentivos de diversas ordens,
notadamente política e econômica.
A verdade, não obstante a postulação a que procederam Smith e, atualmente, Tipke
acerca da justiça tributária, ora traduzida como capacidade contributiva, é que, como ensina J.
Lang, citado por Carlos Palao Taboada18, “keine axiomatische Leistungsfähigkeitindikation”,
ou, em tradução livre, “não existe indicação axiomática de capacidade contributiva”. Ao
contrário, o preceito deve desenvolver-se segundo os parâmetros valorativos de cada
ordenamento jurídico tributário. Tais padrões, por óbvio, são sobremaneira distintos entre si.
Feita essa breve consideração, torna-se claro que a capacidade contributiva adquiriu
características diversas de acordo com o modelo de Estado vivido durante a vigência de cada
sistema constitucional, sempre à luz dos resultados filosóficos alcançados pelos principais
pensadores ocidentais. Desta sorte, com o advento do Estado liberal, o princípio da capacidade
contributiva assumiu contornos intimamente relacionados à experiência de trocas orientadas
por custos de oportunidade, tradeoff e razão entre custo e benefício. A transição da sociedade
para o modelo de Estado social, a seu turno, traz à lume a noção de que a capacidade
contributiva traz em seu bojo a ideia de que a tributação deve ser efetuada segundo as
características pessoais de cada contribuinte, isto é, de acordo com seu patrimônio, sua renda e
sua carga laboral. Finalmente, sob os auspícios do Estado Democrático de Direito, o que se
observa é o sincretismo entre as duas formas de emprego do princípio da capacidade
contributiva. Nesse contexto, a capacidade contributiva consiste da ponderação entre justiça
comutativa e justiça distributiva, em que se afere verdadeira solidariedade de grupo. Essa, na
lição de Ricardo Lodi Ribeiro, se revela “a partir da destinação do tributo a uma atividade
estatal que guarda referência, não com a pessoa do contribuinte, mas com o grupo econômico
ou social que ele participa”19.
17 Idem, pp. 220-221.18 TABOADA, Carlos Palao. El principio de capacidad contributiva como criterio de justicia tributaria: aplicación a los impuestos directos e indirectos . In TÔRRES, Heleno Taveira (Org.). Tratato de direito constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2005. pp. 293 e ss.19 RIBEIRO, Ricardo Lodi. O princípio da capacidade contributiva nos impostos, nas taxas e nas contribuições parafiscais. 2011. Disponível em: <http://www.e-
17
Assim como o exame histórico e filosófico que permeia a concepção da justiça
tributária e, por conseguinte, da capacidade contributiva, há de se reconhecer a própria noção
que se invoca de que toda norma, inclusive aquela tributária, deve orientar-se pelos direitos
fundamentais consagrados na Constituição de 1988, os quais imprimem uma razão ética sobre
a qual não cumpre nem ao Estado nem ao contribuinte dispor. No ordenamento jurídico pátrio,
o princípio informador da imposição tributária é o da capacidade contributiva, insculpido no
artigo 145, §1º, da Carta Política, como segue:
“Art. 145. (...)§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”20
O constituinte, ao exaltar a capacidade econômica do contribuinte como conditio
sine qua non de exigibilidade de imposto sobre a renda, visou a conduzir ao entendimento
inquestionável de que o imposto, como exação incidente sobre a renda, pode ser cobrado tão
somente sobre renda concretamente obtida, desde que, como preleciona Tipke, “ultrapasse o
mínimo existencial e não deva ser empregada para obrigações privadas inevitáveis”21. Assim,
desarrazoado seria qualquer intento legislativo ou executivo no sentido de pressupor aumento
de capacidade contributiva aparentemente surgida em razão de crescimento de níveis
inflacionários, porquanto tal liberalidade resultaria não na oneração da renda do contribuinte,
mas de seu patrimônio. A capacidade contributiva deve, pois, ser fundada em dados reais, e
não estimados, potenciais ou presumíveis. Nesse sentido, o Ministro Marco Aurélio Mello,
relator do Recurso Extraordinário 221.14222, em discussão acerca da legalidade da majoração
de imposto sobre a renda embasada em potencialidade ilustrada por novo índice de inflação,
aduziu em seu voto, in verbis:
“(...) Mais do que isso, ao desprezarem-se os parâmetros próprios ao afastamento dos nefastos efeitos da inflação, ante a obrigação tributária, menosprezaram-se os princípios da igualdade – o mesmo índice para corrigir valores, seja qual for o direito ou a obrigação – e da capacidade contributiva. É corolário do lucro inflacionário dizer-se da obrigação de alguém de
publicacoes.uerj.br/index.php/rfduerj/article/download/1371/1161> Acesso em: 11 mar. 2016.20 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.21 TIPKE, op. cit., p. 21.22 “IMPOSTO DE RENDA – BALANÇO PATRIMONIAL – ATUALIZAÇÃO – OTN – ARTIGOS 30 DA LEI Nº 7.730/89 E 30 DA LEI Nº 7.799/89. Mostra-se inconstitucional a atualização prevista no artigo 30 da Lei nº 7.799/89 no que, desconsiderada a inflação, resulta na incidência do Imposto de Renda sobre lucro fictício. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO – REPERCUSSÃO GERAL. Na dicção da ilustrada maioria, é possível observar o instituto da repercussão geral quanto a recurso cujo interesse em recorrer haja surgido antes da criação do instituto – vencido o relator.” (RE 221142, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
18
satisfazer tributo que não corresponde à base de incidência e, se isso ocorre, do desprezo à capacidade contributiva prevista no § 1º do artigo 145 da Constituição Federal.”
De fato, a capacidade contributiva goza de tamanha importância no regramento
constitucional, que, como os demais princípios que informam a atividade fiscal do Estado, não
se permite adotar por expectativas e correções monetárias futuras. O uso de argumento sob a
égide do princípio da capacidade contributiva para favorecer aumento de alíquota sobre o
imposto de renda sobre cotação inflacionária futura resulta – repita-se –, não na cobrança de
porção de acréscimo patrimonial do contribuinte por parte do ente fiscal da Administração
Pública, mas em verdadeira dilapidação de seu patrimônio de per si.
Tal raciocínio não deve ser tido por aleatório. Os sistemas jurídicos europeus de
tradição romano-germânica – ao qual se integra o ordenamento jurídico brasileiro pela via do
sistema português – trazem no bojo de suas Constituições alguns princípios tributários
fundamentais, sendo certo que aqueles cujos países são de inspiração federalista os formularam
em maior número23. O Brasil, com efeito, enunciou uma grande quantidade de princípios
basilares para o exercício da atividade tributária em face do contribuinte, levando às seguintes
conclusões: i) os fundamentos do Direito Tributário estão de tal modo enraizados na
Constituição Federal, que não apenas o tributarista deve também ser um habilidoso
constitucionalista, mas também toda norma tributária de estatura constitucional deve ser
invariavelmente projetada sobre a ordem jurídica parcial da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios; ii) as postulações constitucionais de cunho tributário são dignas das
primícias do operador do Direito e inabalável perante relativizações de interpretação; e iii) as
doutrinas tributárias alienígenas devem ser recebidas com cautela, dadas as significativas
diferenças constitucionais entre estas e a ordem jurídica brasileira quanto ao tema24.
Assim, a visão esposada pelo Ministro Marco Aurélio Mello demonstra, em
corroboração ao exposto acima, que, no tocante a temas afeitos ao Direito Tributário,
liberalidades tendentes a alterar o comando constitucional no que tange à ocorrência de fato
gerador e incidência tributária sobre este (o artigo 150, III, a, da Constituição Federal postula
que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir tributos em
relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído
ou aumentado”25) – antijuridicidade que se revela no aumento de alíquota de imposto de renda
ao contribuinte em razão de estimativa de aumento de inflação – não apenas afrontam o
preceito basilar da capacidade contributiva, mas também dão azo à indesejável insegurança
23 COÊLHO, op. cit., p. 47.24 Ibidem.25 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.
19
jurídica, visto que a permissividade em relação ao fato antijurídico sob comento tem o condão
de afetar sobremaneira as relações jurídicas tributárias entre o Estado e seu administrado. Dita
insegurança ocorreria também se os demais princípios tributários fossem relativizados em
desfavor do contribuinte, ainda que sob o argumento da ponderação da norma jurídica.
Indubitavelmente, a capacidade contributiva é corolário da justa tributação e afluente
do princípio da igualdade, na medida em que a Constituição Federal prevê que, sempre que
possível, o tributo tem caráter pessoal e é graduado segundo a capacidade econômica – e,
portanto, contributiva – de cada contribuinte. É assim porque é incontestável que os tributos
representam, por sua própria ratio essendi, uma limitação à liberdade. Paradoxalmente, é
também a exação tributária fator essencial à própria manutenção da liberdade, como Tipke
aduz:
“Sem a imposição só fugazmente haveria para os cidadãos mais liberdade, sem o Estado e os impostos necessitados por ele para sua existência ver-se-iam os cidadãos entregues logo, logo à violência, à arbitrariedade e à justiça privada dos outros.”26
Nesse diapasão, surge nas Constituições ocidentais como limitador da imposição
tributária, cuja incidência não pode se furtar a assegurar a igualdade, evitando-se, assim, a
excessiva carga, o instituto da função social, ao qual o exercício da liberdade e manutenção da
propriedade privada está submetido27. A Constituição italiana28, à guisa de exemplo, traz em
seu artigo 42 a seguinte prescrição:
“La proprietà privata è riconosciuta e garantita dalla legge, che ne determina i modi di acquisto, di godimento e i limiti allo scopo di assicurarne la funzione sociale e di renderla accessibile a tutti (grifo nosso).”
A Constituição brasileira de 1988 traz texto semelhante em seu artigo 5º, incisos
XXII e XXIII, os quais postulam o direito à propriedade e que esta deve atender à função
social. Justifica-se a proteção concomitante à propriedade e à função social porque a Letra
Maior de 1988 não constitui o Brasil em um Estado de Direito nem em um Estado puramente
social. Como pontifica Marco Aurélio Greco, a Assembleia Nacional Constituinte, formada por
26 TIPKE, op. cit., p. 44.27 Idem, p. 52: Tipke faz menção às Constituições belga, dinamarquesa, finlandesa, holandesa, portuguesa, sueca e francesa como cartas constitucionais que comportam a possibilidade de desapropriação mediante indenização, sobre a qual não se deduzem tributos. O artigo 17.1 da Constituição grega, por sua vez, estabelece a vedação ao exercício dos direitos de propriedade que afrontam o interesse geral. A Constituição irlandesa impõe sujeição dos direitos de propriedade às “exigências do bem comum”. Por fim, a Constituição italiana garante o estabelecimento por lei infraconstitucional de limites à propriedade privada “para garantir sua função social e torná-la acessível a todos”, segundo o artigo 42.28 ITÁLIA. Costituzione della Repubblica Italiana, de 27 de dezembro de 1947. Disponível em: <http://www.quirinale.it/qrnw/statico/costituzione/pdf/Costituzione.pdf> Acesso em: 15 mar. 2016. Tradução: “A propriedade privada é reconhecida e garantida pela lei, que determina seus modos de aquisição, de gozo e os limites com o propósito de assegurar sua função social e de torná-la acessível a todos”.
20
linhas defensivas tanto de um modelo liberal quanto de um modelo intervencionista de Estado,
“(...) não optou entre linhas ideológicas opostas; ao contrário, assumiu uma decisão de compromisso no sentido de acolher ambas as visões. Isto fez com que o texto aprovado (a Constituição de 1988) resultasse de uma fusão das duas linhas ideológicas dando vida a essa figura híbrida que é o Estado Democrático de Direito (grifo nosso).”29
Entretanto, resta evidente que a disposição constitucional não faz extrair do preceito
nenhum direito de imposição estipulada pelo Estado, embora seja indiscutível que os tributos
podem ser cobrados com fundamentos legais. Por outro lado, a expressão igualmente não
aparece ligada ao preceito ora sob exame no texto constitucional, de modo que não é possível
alcançar qualquer conclusão no tocante a limites ao gravame tributário.
Não obstante, o regramento constitucional traz tampouco a permissão à imposição
tributária de maneira a elevar-se ao extremo da abolição econômica ou profissional, conforme
observa Tipke30. Resta, pois, o uso de exegese fundada na seara jurídica, que conduz ao
entendimento de que, se a Constituição Federal assegura a propriedade e a liberdade, fomenta
o empreendedorismo e a formação empresarial e favorece a iniciativa privada, não há sentido
em pretender o Estado que o indivíduo recolha a seus cofres tributos que somem carga
demasiadamente expressiva, com o condão de inviabilizar o negócio e mesmo o exercício da
liberdade pessoal no seio da sociedade. Do contrário, elevação desarrazoada da carga
tributária resultaria no desestímulo ao desenvolvimento da iniciativa privada e ao desempenho
da atividade econômica.
Crucial, pois, se revela a ponderação entre a necessidade estatal de arrecadação e a
preservação das garantias fundamentais, insculpidas na Constituição, de livre iniciativa e
propriedade privada. Referida ponderação se dá por meio da conjugação entre os princípios da
igualdade e da capacidade contributiva. Destarte, a Constituição, em seu artigo 5º, determina
que todos são iguais perante a lei (cabendo aqui a ressalva de que, somada à isonomia, a
garantia de igualdade se traduz, em verdade, no igual tratamento a pessoas inseridas em igual
situação jurídica, sendo razoável a distinção de circunstâncias para a adequada incidência legal
de soluções). Em relação à tributação, maiores distinções não se verificam, pois que o artigo
150 da Constituição, em seus incisos I e II, concomitantemente impõe limitações ao poder de
tributar à União e aos demais entes federativos e veda o tratamento tributário desigual entre
contribuintes que se encontrem em situações equivalentes, sem discriminação em razão de
ocupação profissional e função exercida, independentemente de denominações de rendimentos,
títulos e direitos.
29 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 2004. p. 43.30 TIPKE, op. cit., p. 53.
21
Incumbiu-se a Constituição Federal da tarefa de determinar que, sempre que possível,
cabe à lei ordinária imputar cargas tributárias em caráter pessoal e segundo a capacidade
econômica de cada contribuinte – o que a Constituição faz no artigo 145, §1º. Insta sopesar as
diferentes disposições sob comento com o fim de elucidar o cabimento e a legitimidade do
instituto do planejamento tributário segundo as teorias e os princípios que o informam. Afinal,
o fim precípuo do planejamento fiscal é a obtenção de supressão ou minoração da carga
tributária a ser suportada pelo contribuinte. A questão que se coloca é, assim, até que ponto é
razoável proceder à organização de receitas e rendas com o fito de elidir tributos e a partir de
que momento a conduta fere normas de índole constitucional ou infraconstitucional; e como se
mantêm as necessidades arrecadatórias do Estado em face do desiderato do contribuinte de
preservar a integridade de seu patrimônio.
22
2. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Por primeiro, cumpre elucidar que os motivos que permeiam a realização do
planejamento tributário não são de ordem jurídica, mas econômica. Isso porque o que buscam
as empresas é a condução de sua atividade econômica de modo a prevenir a ocorrência de
fatos geradores ou, ao menos, daqueles que ensejam tributos de alíquota mais expressiva.
Decerto, o planejamento tributário encontra amparo na Constituição Federal,
mediante os princípios da liberdade de iniciativa e da livre concorrência, bem como as
limitações ao poder de tributar. Por outro lado, os preceitos constitucionais, na mesma medida
em que servem de arcabouço jurídico para a realização do planejamento, podem ser seus
algozes. É indubitável que a minoração de tributos em favor do contribuinte que procede ao
planejamento fiscal o coloca em posição diferenciada em relação aos demais, criando-se, assim,
situação que põe em risco a livre concorrência dentro de um mercado relevante31. Isso posto,
imprescindível se faz o uso da ponderação, cara à exegese equânime de disposições
constitucionais para o deslinde da controvérsia acerca do cabimento ou descabimento do
instrumento em apreço. A discussão quanto à legalidade do planejamento tributário tem início
tão logo sejam superadas as fases de conceituação e celeumas doutrinárias preliminares acerca
do tema, às quais passar-se-á imediatamente.
Edmar Oliveira Andrade Filho aduz que, embora o planejamento tributário seja
almejado majoritariamente por pessoas jurídicas, o instrumento a estas não está circunscrito,
uma vez que também é dado a pessoas físicas o uso de tal meio preventivo de incidências
tributárias. Andrade Filho preleciona que a busca pela menor carga tributária pode ser feita
“por pessoas comuns, não necessariamente vinculadas a uma empresa; é o caso, por exemplo,
da dona de casa que escolhe um produto de menor preço”32. Em contraponto à visão de
Andrade Filho, está o posicionamento de Marco Aurélio Greco, que aduz que a mera
substituição de um produto por outro não se traduz em realização do planejamento tributário.
Preleciona o doutrinador:
“Em determinadas hipóteses, como por exemplo no caso dos produtos sem muita felicidade denominados ‘supérfluos’ ou produtos de baixo grau de essencialidade, a maior carga tributária imposta pelo ordenamento induz o contribuinte a fazer uma substituição material e deixar de consumir determinado produto. Promover a substituição material e passar a consumir
31 GRECO, op. cit., p. 111.32 FILHO, Edmar Oliveira Andrade. Planejamento tributário. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 7.
23
outro produto é realizar planejamento tributário? Não.”33
Filiamo-nos à orientação esposada por Greco, uma vez que o ato de deixar de
adquirir um produto mais custoso em razão de seus incrementos tributários para passar a
buscar outro de menor valor e, por conseguinte, passível de menor carga tributária não
configura planejamento de tributos, mas tão somente efeito explicado por uma breve análise
econômica: os custos de transação de uma operação de compra de determinado bem são
definidos por fatores como a complexidade de sua busca, da avença com o ofertante e do
enforcement, isto é, a produção de efeitos do contrato que, mesmo verbalmente, celebraram as
partes. A tributação se insere em tais custos. A procura por produtos com menores custos de
transação intrínsecos é atividade quotidiana de todos aqueles que compõem a demanda, não
gozando da mesma complexidade jurídica inerente ao planejamento tributário, embora com
este apresente uma intersecção. Isso porque a relação de compra e venda que se estabelece
entre o ofertante de um dado produto e seu demandante carece de elementos identificadores
próprios do planejamento. Feitas essas considerações, o entendimento infirmado por Greco
traz maior precisão do que a explanação oferecida por Andrade Filho, razão pela qual naquele
nos embasamos para os fins deste trabalho.
Assim, a relação que se estabelece entre o contribuinte, que tem o dever de pagar os
tributos instituídos por lei tão logo ocorra o fato gerador, e o Estado, que tem o dever de
exigir daquele a exação precisa que a lei o autoriza a pretender - e nada além da permissão
legal - dá ensejo à figura do planejamento tributário como meio de se buscar a supressão ou,
quando possível, a redução da carga tributária incidente, com o fito de se viabilizar o exercício
da atividade econômica.
Todavia, a realidade fática não encerra tal simplicidade. É tarefa do jurista buscar
meios legítimos, válidos, de minimizar os custos tributários enfrentados pelo contribuinte, sem,
no entanto, tolher à autoridade arrecadatória competente o direito garantido pelo ordenamento
jurídico de nutrir os cofres públicos com recursos suficientes à prestação de serviços, os quais
se revertem em melhorias para a sociedade. Contudo, tal equilíbrio se vê ameaçado
sobremaneira quando se afere a consecução de condutas que permitem o esquivo à tributação
mediante o uso de meios ilícitos – fato este que, se não detectado e punido, pode conduzir a
uma verdadeira erosão tributária do Estado circunscrito à reiterada prática de atos
antijurídicos.
Feita essa observação, é oportuno corroborar a lição de Marco Aurélio Greco, que
delineia os contornos do planejamento:
33 GRECO, op. cit., p. 85.24
“Quando se menciona ‘planejamento’, o foco de preocupação é a conduta de alguém (em geral, o contribuinte); por isso, a análise desta figura dá maior relevo para as qualidades de que se reveste tal conduta, bem como para os elementos: liberdade contratual, licitude da conduta, momento em que ela ocorre, outras qualidades de que se revista etc (grifo nosso).”34
Com o escopo de estabelecer a circunscrição em que se insere o planejamento
tributário, Greco introduz três conjuntos de comportamentos identificadores do que se deseja
alcançar em matéria tributária, a saber: i) o conjunto de condutas repelidas, isto é, hipóteses
que configuram ilicitudes; ii) o conjunto de condutas desejadas ou induzidas pelo regramento
legal infraconstitucional, ou seja, os atos que configuram a imposição de tributo com finalidade
extrafiscal; e iii) o conjunto de condutas positivamente autorizadas, ou opções fiscais35. Cuida-
se de hipóteses não insertas no campo do planejamento tributário, por razões e efeitos
diversos, sobre os quais discorrer-se-á neste momento. Em relação à ilicitude da conduta a que
se aludiu acima, cumpre tecer algumas breves considerações.
Greco assevera que todo ato ilícito de ordem penal, civil ou tributário macula o
escopo do planejamento tributário, desclassificando a conduta para fato ensejador de nulidades
e sanções36. Nesse diapasão, merece destaque a norma do artigo 187 do Código Civil, que
estabelece que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes”. A reflexão que aqui se impõe é de máxima relevância, pois que o operador do
Direito se depara com hipótese em que há direito configurado em favor do agente, mas este,
ao exorbitar das prerrogativas naquele contidas, dá causa à nulidade da operação que se
encontra fora da esfera lícita. Esse excesso se traduz em ilícito com o condão de tolher ao
elemento a proteção jurídica de que gozaria o planejamento tributário se fosse formado tão
somente por atos lícitos. Disso se depreende que a existência de apenas uma ilicitude, desde
que praticada com o fim precípuo de propiciar a redução ou supressão de carga tributária,
desqualifica o planejamento fiscal.
Greco afirma que, em relação ao ilícito penal, o planejamento não é contaminado por
condutas albergadas pelo princípio da insignificância, porquanto, conforme entendimento do
doutrinador, ainda que o comportamento seja lastreado pelo binômio tipicidade-ilicitude
atribuído pelo ordenamento jurídico, a baixa gravidade das consequências experimentadas pela
prática da conduta permite que prevaleça a caracterização do planejamento37. Não obstante tal
orientação, o Superior Tribunal de Justiça, embora ampare o acolhimento do princípio da
34 GRECO, op. cit., p. 75.35 GRECO, op. cit., p. 77.36 Idem, p. 80.37 Idem, p. 82
25
insignificância para crimes com feição tributária ensejadores de débito de até R$ 10.000, fá-lo
com ressalvas. Conveniente que nos remetamos à interpretação pacificada pela Corte:
“PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 381, III, DO CPP. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 211/STJ, 282/STF E 356/STF. AFRONTA AO ART. 1º, III, DA LEI Nº 8.137/90. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. DISPOSITIVO DE LEI QUE NÃO AMPARA A PRETENSÃO RECURSAL. APELO ESPECIAL COM FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. VIOLAÇÃO AO ART. 619 DO CPP. INOCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. TEMA DEVIDAMENTE APRECIADO PELA CORTE A QUO. VILIPÊNDIO AO ART. 111 DO CP. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.LAPSO PRESCRICIONAL. INÍCIO. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. (I) - ART.255/RISTJ. INOBSERVÂNCIA. (II) - AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO DE LEI VIOLADO. RECURSO ESPECIAL COM FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. (III) - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.ICMS. TRIBUTO DE COMPETÊNCIA ESTADUAL. INAPLICABILIDADE DO PATAMAR DISPOSTO NO ARTIGO 20 DA LEI Nº. 10.522/02. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL APENAS AOS TRIBUTOS DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.(...)7. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça preceitua que a aplicação do princípio da insignificância aos crimes sobre débitos tributários federais que não excedam R$ 10.000,00 (dez mil reais), com esteio no disposto no artigo 20 da Lei n. 10.522/2002, não se estende a tributos que não sejam da competência da União, devendo ser aplicada a legislação do ente competente para legislar sobre o tributo em análise (grifo nosso).8. Agravo regimental a que se nega provimento.”38
Com esteio na ementa, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de
que é cabível a aplicação do princípio da insignificância aos crimes sobre débitos tributários
que não excedam a R$ 10.000,00, sem possibilidade de extensão da interpretação a tributos
estaduais ou municipais. Ora, se plausível a adoção do mencionado preceito a crimes de ao
menos uma feição tributária, razoável a adoção do critério de julgamento também em relação à
aferição de ilicitudes insignificantes no bojo do planejamento tributário, a fim de que este
mantenha intacta esta característica, desde que respeitado o limite de R$ 10.000,00 para o
38 AgRg no AREsp 753.887/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 13/10/2015, DJe 03/11/2015.
26
débito. Portanto, o entendimento apresentado por Marco Aurélio Greco tem espaço entre as
possibilidades de exegese para o tema. Em se adotando posicionamento favorável à aplicação
do preceito da insignificância ao ilícito penal tendente a suprimir ou minorar a carga tributária,
o ato passa a ser atípico, não havendo de se cogitar de descaracterização do planejamento
tributário para classificá-lo como meio escuso de esquivo da obrigação. Se, ao contrário, se
entende desfavoravelmente ao uso do princípio, o ato ilícito não perde sua tipicidade e,
portanto, macula o planejamento, o qual deixará de existir.
Impende, assim, pontuar que o planejamento tributário deve guardar lastro de
estratégias lícitas, isto é, não defesas em lei, que culminam em efeitos de redução ou supressão
da incidência tributária sobre determinada atividade. Cuida-se, como doutrina Greco, do
fenômeno da elisão, a qual constitui, em princípio, a prática de atos lícitos com o fito de se
evitar a ocorrência de determinado fato gerador no âmbito de um ordenamento jurídico mais
favorável à arrecadação fiscal, ou de transferir a ocorrência do fato imponível em uma ordem
jurídica mais benéfica à manutenção da renda no seio privado.
2.1. Teorias informadoras do planejamento tributário2.1.1. Prevalência da substância sobre a forma
As elucubrações em torno do princípio da prevalência da substância sobre a forma
dos negócios jurídicos remontam às discussões – ainda não pacificadas – acerca dos limites da
organização da vida privada relacionada à menor oneração fiscal dos atos de cunho jurídico
que a integram. Não pacificadas porque, além das controvérsias encontradas no meio
doutrinário, o advento da Lei Complementar 104/2001, que altera o artigo 116 do CTN e
acrescenta-lhe parágrafo único, trouxe à baila o instituto da desconsideração de atos jurídicos
lastreados por condutas ilícitas, tais como evasão ou simulação negocial, ou indícios delas.
Em verdade, há de se salientar que a redação da Lei Complementar 104/2001, ao
invés de solucionar problemáticas no campo do planejamento tributário, termina por fomentar
maiores dissensos, máxime após sua regulamentação pela Lei Ordinária 13.202/2015.
Igualmente, a jurisprudência disforme (e pouco elucidativa) a respeito do tema, por não haver
ainda sedimentado interpretação bastante ao deslinde da controvérsia, deixa de apresentar
elementos satisfatórios ao assentamento do debate.
Ensina Alberto Xavier que a doutrina da prevalência da substância sobre a forma,
embora não encontre respaldo no ordenamento jurídico pátrio, foi importada da práxis
internacional, que consagrou o preceito a partir da substance over form doctrine, de tradição
27
anglo-saxônica39. Oportunamente, Xavier define substância como “conceito que exprime a
relação de adequação da estrutura da empresa às funções que constituem seu objeto social”40.
Preleciona, ainda, o doutrinador:
“É evidente que os meios humanos e materiais adequados ao exercício, por uma pessoa jurídica, de uma função de pura holding não são comparáveis aos necessários ao exercício de uma atividade industrial: enquanto a holding é um puro centro abstrato de imputação de direitos, a atividade industrial requer um estabelecimento, isto é, um complexo de pessoas e bens organizado para o exercício da empresa (art. 1.142 do Código Civil), que é a atividade econômica de produção ou circulação de bens e serviços (art. 966 do Código Civil).”41
Assim, já que a substância se traduz em relação de consonância entre a estrutura
empresarial e suas funções, não pode ser prescrita de forma genérica, mas deve submeter-se à
análise de cada caso concreto para que se afiram os efeitos de tal ligação. A ausência da
substância, tão logo seja comprovada – o ônus da prova recai sobre o Fisco –, legitima a ação
fiscal no sentido de promover a desconsideração da entidade interposta, sob o fundamento do
artigo 167, § 1º, I, do Código Civil, cujo texto assim determina:
“Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.§ 1º. Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:I – aparentarem conferir ou distribuir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; (...)”42
A ponderação acerca do instituto da simulação será feita em seção específica.
Observe-se que a preocupação legislativa primeira é a de preservar avenças jurídicas
com substância e forma válidas, e a disposição constitui verdadeiro arcabouço fático e teórico
para o enaltecimento do princípio da prevalência da substância sobre a forma.
Com o propósito de elucidar e corroborar a lição de Alberto Xavier no que tange ao
preceito sob comento, cumpre-nos lançar mão da definição ofertada pelas ciências contábeis ao
princípio em tela, o qual foi encampado pelo Direito mediante a prática internacional na seara
tributária. O Pronunciamento Contábil Básico aprovado pela Comissão de Valores Mobiliários
– CVM define o princípio da substância sobre a forma ou, como preferem os contabilistas,
39 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 274.40 Idem, p. 275.41 Ibidem.42 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, Diário Oficial da União de 11 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 5 abr. 2016.
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primazia da essência sobre a forma, como a seguir exposto:
“Para que a informação represente adequadamente as transações e outros eventos que ela se propõe a representar, é necessário que essas transações e eventos sejam contabilizados e apresentados de acordo com a sua substância e realidade econômica, e não meramente sua forma legal. A essência das transações ou outros eventos nem sempre é consistente com o que aparenta ser com base na sua forma legal ou artificialmente produzida (...).”43
O surgimento do princípio da prevalência da substância sobre a forma é atribuído ao
caso Gregory vs. Helvering, de 193544. Trata-se de leading case julgado pela Suprema Corte
norte-americana, com o objetivo de dirimir a controvérsia que se travava entre o contribuinte e
o Internal Revenue Service. In casu, o contribuinte, proprietário de 100% das ações da
Companhia X, a qual, a seu turno, detinha ações da Companhia Y, desejava passar a ter
propriedade das ações em posse desta última empresa, sem, no entanto, se submeter ao
pagamento de dividendos por sua Companhia X. Para tanto, constituiu a Companhia Z, que
adquiriria as ações da Companhia Y. Ocorre que, poucos dias após a transferências das ações,
a Companhia Z encerrou suas atividades, transferindo seu capital para o contribuinte e
esquivando-se de quaisquer exações fiscais, a não ser pelo pagamento do imposto de renda,
atinente tão somente ao acréscimo patrimonial do contribuinte.
À época do julgamento do caso Gregory vs. Helvering45, os magistrados, fazendo
exegese da definição de reestruturação empresarial constante do ordenamento jurídico norte-
americano, decidiram pela desconsideração da entidade interposta por haverem entendido que
a formação da Companhia Z foi efetuada sem propósito negocial, com o único fito de transferir
a propriedade das ações sem incorrer em incidência tributária. Em verdade, o órgão julgador
ultimou na desconsideração da forma jurídica em que se apresentava o negócio jurídico e na
consideração de sua substância – o que, ao tempo, configurava solução excepcional, antes de
ser alçada pela prática internacional ao status de regra geral.
Insta salientar que, sob o enfoque jurídico, a substância de que trata o decisum se
submete à forma jurídica, a qual só não deve ser observada se for delineada sem propósito
negocial, em contraponto ao Pronunciamento Contábil anteriormente citado, que traz como
fator preponderante ao princípio a substância econômica do negócio em detrimento de sua
forma jurídica, tenha sido adotada com ou sem propósito negocial. Observa-se, assim, que há
discrepância abismal entre uma concepção e outra do preceito, mas ambas são de vital
importância no cotejamento do histórico do princípio da prevalência da substância sobre a
43 Item 35 do Pronunciamento Contábil Básico aprovado pela Deliberação CVM nº 539/08.44 ROLIM, João Dácio. Normas antielisivas tributárias. São Paulo: Dialética, 2001. pp. 142-161.45 Gregory v. Helvering. United States Supreme Court, decided on January 7th, 1935. 293 U.S. 465. Disponível em: <http://caselaw.findlaw.com/us-supreme-court/293/465.html> Acesso em: 5 abr. 2016.
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forma do negócio jurídico, máxime no que tange à sua adaptação no direito tributário
brasileiro.
Pontifica Alberto Xavier que “precisamente uma das presunções ou indícios que, em
tese, pode conduzir à prova da simulação residiria na alegada ausência de substância da
pessoa jurídica utilizada pelas partes como sujeito de uma dada operação”46. Embora não seja
enunciada pelo direito pátrio, a prática jurisprudencial e doutrinária estrangeira tem mantido
posicionamento favorável à exigência da substância como conditio sine qua non de
determinada atividade econômica, a qual só poderia ser provada mediante a comprovação do
requisito47.
O autor faz uso do emblemático caso Cadbury Schweppes48, julgado pelo Tribunal de
Justiça da União Europeia, cujo colegiado decidiu que, ao instalar duas subsidiárias na Irlanda
com o único objetivo de obter vantagens tributárias, o Grupo Cadbury não poderia pretender
se beneficiar de tratamento fiscal diferenciado, pois que tal conduta ensejaria violação à
liberdade de estabelecimento. Nesse diapasão, o acórdão prolatado pela Grande Seção do
Tribunal assim dispôs:
“A tributação prevista pela legislação relativa às SEC está igualmente excluída quando é satisfeito o teste dito ‘da intenção’. Este teste inclui dois requisitos cumulativos. Por um lado, quando as transacções que deram origem aos lucros da SEC relativos ao exercício em causa conduzirem a uma redução do imposto no Reino Unido relativamente ao que seria pago se essas transacções não tivessem ocorrido e o montante dessa redução ultrapassar determinado limite, a sociedade residente tem de provar que tal diminuição não constituía o objectivo principal ou um dos principais objetivos dessas transacções.”49
No entendimento pretoriano, a única hipótese que balizaria a restrição à liberdade de
estabelecimento diz respeito a razões imperiosas de interesse geral e, sem embargo, que sua
aplicação seja adequada a garantir a realização do objetivo almejado, sem que se incorra em
excessos para o atingimento da finalidade. Excluída essa possibilidade, não se há de falar em
admissibilidade de cerceamento à liberdade de estabelecimento. A liberdade de estabelecimento
resta comprometida a partir do momento em que se verifica a existência do wholly artificial
46 XAVIER, op. cit., p. 274.47 Ibidem.48 Idem, p. 275.49 Cadbury Schweppes and Cadbury Schweppes Overseas v. Commissioners of Inland Revenue . Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção), 12 de setembro de 2006. Membros do colegiado: V. Skouris, presidente; P. Jann e A, Rosas, presidentes de seção; J. N. Cunha Rodrigues; R. Silva de Lapuerta; K. Lenaerts (relator); E.Juhász; G. Arestis; e A. Borg Barthet, juízes vogais. Disponível em: <http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30db59f0bf58c61f4a26bedbfca4594cabc9.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxuKc3v0?text=&docid=63874&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=76414> Acesso em: 5 abr. 2016.
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arrangement, que Patricia Lampreave conceitua como:
“A wholly artificial arrangement exists when, by analyzing subjective and objective evidence, the conclusion is reached that a transaction lacks any economic reality and was carried out not for a valid commercial reason but for the essential objective of obtaining a tax advantage.”50
Indubitavelmente, a União Europeia tem avançado a largos passos no sentido de
consolidar limitações ao planejamento tributário à luz do princípio da prevalência da substância
sobre a forma do negócio jurídico e do propósito negocial que deve permeá-lo, quando se trata
de pleitear supressões ou minorações tributárias para o exercício da atividade econômica. A
respeito do fenômeno sob comento, Lampreave traz à lume a imprescindibilidade da realidade
econômica, traçando ponto de contato com a conceituação abordada na jurisprudência norte-
americana, que também tem por requisito a existência de um embasamento econômico para
uma restruturação societária, a qual deve visar a objetivos comerciais desprendidos do único
desiderato de obtenção de vantagens tributárias51.
Ao contrário do que se afere nos precedentes inglês e norte-americano - cujo sistema
jurídico é o de Common Law –, o sistema jurídico brasileiro traz peculiaridades no tocante ao
princípio da prevalência da substância sobre a forma do negócio jurídico. As razões para a
diferenciação acerca do tratamento da substância em um modelo e outro reside mormente em
suas formas de tutelar a propriedade. Fábio Konder Comparato aduz que, no sistema Civil
Law, no qual se enquadra o ordenamento brasileiro, a propriedade “representa um direito
exclusivo, não comportando a possibilidade de propriedades concorrentes”52, ao passo que os
países de tradição Common Law reputam a coisa como “objeto de diversos direitos por parte
de diferentes indivíduos”53. Por tal razão, no direito brasileiro, não se há de falar em
propriedade estritamente sob o ponto de vista econômico, uma vez que o próprio instituto da
propriedade é, em si, um fato jurídico – problemática que não se apresenta em ordenamentos
de inspiração na Common Law, porquanto um mesmo bem pode ser objeto de propriedade sob
diferentes aspectos, por diferentes titulares. Ademais, todos os aspectos atinentes à tributação,
incluídos elementos identificadores de fraudes e possibilidades de desconsideração da avença
para fins fiscais, são albergados pela reserva legal. Assim, justifica-se a peculiaridade do
tratamento do princípio da prevalência da substância sobre a forma à luz do direito tributário
brasileiro, que, embora tenha importado a noção primordial do preceito, o incorporou à prática 50 LAMPREAVE apud CALDAS, 2015. Tradução: “Uma avença completamente artificial existe quando, mediante a análise da prova subjetiva e objetiva, a conclusão é alcançada no sentido de que uma transação carece de alguma realidade econômica e se concretizou, não por uma razão comercial válida, mas pelo objetivo essencial de obtenção de uma vantagem tributária”.51 Ibidem.52 COMPARATO apud ROLIM, 2001.53 ROLIM, op. cit., p. 255.
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jurídica hodierna com matizes próprios.
No Brasil, ainda que pouco elucidativa seja a jurisprudência orientada a pacificar
entendimentos acerca da doutrina da prevalência da substância sobre a forma do negócio
jurídico, há julgados que trazem esta noção, além de enunciar que, para fins de
desconsideração de entidade interposta e, por conseguinte, de inoponibilidade de vantagem
tributária obtida, é vital que subsista entre a obtenção do benefício e o intuito simulatório da
avença um nexo de causalidade, do qual não prescinde o intento de desconsideração, para que
este seja encampado pelo manto da legalidade. Tal é o teor da ementa:
“SIMULAÇÃO - SUBSTÂNCIA DOS ATOS - INSTRUMENTOS SIMULATÓRIOS DEVEM SER HÁBEIS A SUPRIMIR TRIBUTO - ATO SIMULATÓRIO NÃO PODE PERMANECER HÍGIDO APÓS O LEVANTAMENTO DO VÉU DAS OPERAÇÕES OCULTAS - Não se verifica a simulação quando os atos praticados são lícitos e sua exteriorização revela coerência com os institutos de direito privado adotados, assumindo o contribuinte as conseqüências e ônus das formas jurídicas por ele escolhidas, ainda que motivado pelo objetivo de economia de imposto. A caracterização da simulação demanda demonstração de nexo de causalidade entre o intuito simulatório e a subtração de imposto dele decorrente. Ademais, se após o descobrimento de eventuais operações ocultas permanece íntegro o pretenso ato simulado, deve-se reconhecer que não ocorreu a simulação. Para haver simulação, o ato simulado não pode permanecer hígido após o descobrimento das operações que objetivou ocultar (grifo nosso).”54
O planejamento tributário, por sua essência, visa à supressão ou minoração da carga
tributária e, para que goze do respaldo legal oferecido pelo ordenamento jurídico, deve ser
lastreado tão somente de elementos lícitos, sendo certo que a ilicitude aferida em algum deles
contamina todo o planejamento. Contudo, simplória seria a determinação de que toda e
qualquer operação societária efetuada com o fim precípuo de reduzir a carga tributária é
eivada de vícios, pois que, não raro, a operação tendente a tal objetivo traz em sua substância,
outrossim, lastro negocial e de otimização da atividade econômica realizada pela empresa.
Portanto, não é razoável equiparar o planejamento à figura da simulação.
A ementa acima, almejando delimitar o campo de atuação do Fisco para desconsiderar
fatos insertos no planejamento tributário, evidencia o papel fundamental desempenhado pelo
nexo causal entre conduta, que deve ser ilícita, e o propósito desejado, que é o de minoração
da incidência tributária. Inegavelmente, trata-se de requisito indispensável à prevenção de
exacerbada discricionariedade adotada no âmbito do Fisco que, não obstante, pouco é
comentado pela doutrina tributarista e mesmo nas instâncias superiores com competência para
54 1º Conselho de Contribuintes, 6ª Câmara. Acórdão 106-16.546, de 18 de outubro de 2007.32
o julgamento de lides afins à área jurídica em apreço.
2.1.2. Interpretação econômica do direito tributário
O artigo 118 do CTN, ao estabelecer que a interpretação da definição do fato gerador
deve dar-se de forma a abstrair a validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelo sujeito
passivo, é, como observa Eduardo Sabbag55, disposição consoante à teoria da preponderância
do conteúdo econômico dos fatos. Cuida-se de meio pelo qual a autoridade fiscal supera a
legalidade e os ritos por que se concretiza o fato gerador para atingir os reais objetivos
imputados ao contribuinte. Mediante tal técnica, a autoridade se propõe a desconsiderar os
negócios jurídicos avençados pelo particular e ultima na eleição do tributo mais elevado a ser
recolhido aos cofres públicos.
A doutrina da preponderância do conteúdo econômico dos fatos nasce no direito
alemão, sob os auspícios das contribuições jurídicas de Enno Becker56, que fez introduzir o
artigo 4º do Ordenamento Tributário germânico (RAO), de 1919, cujo teor é o que segue:
“Na interpretação das leis fiscais deve-se levar em conta a sua finalidade, o seu conteúdo econômico e a evolução das circunstâncias.”57
A redação do RAO traz à baila a noção de elevar a interpretação econômica a
status de fator determinante do ato jurídico praticado – em outras palavras, se ocorreu fato
imponível ou não –, atribuindo às leis tributárias feição econômica e, por conseguinte, fazendo
prevalecer o princípio da isonomia e da capacidade contributiva. O desiderato do sistema
normativo alemão foi, assim, o de tributar o fato de haver o contribuinte auferido
rendimentos, e de tal assertiva decorre a ciência de que, em se tratando de exercício de
atividade ilícita, não será este tributado, mas tão somente o incremento patrimonial em favor
do contribuinte, o qual deverá, em homenagem ao princípio da generalidade tributária, declará-
lo. Desta sorte, não se há de cogitar de ignomínia proposital do Fisco com o fito de
arrecadação, mas considerar que não cabe à autoridade fiscal proceder a investigações quanto
ao teor da atividade econômica que dá ensejo ao acréscimo patrimonial – incumbe-lhe
unicamente a tarefa de arrecadar segundo a alíquota prevista em lei para o caso.
André Mendes Moreira vislumbra na redação do artigo 4º do RAO de 1919 a geração
55 SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 78.56 Ibidem.57 ALEMANHA. Deutsche Reichsabgabennordnung, de 13 de dezembro de 1919. Disponível em: <https://www.digizeitschriften.de/dms/img/?PID=GDZPPN000391433> Acesso em: 8 abr. 2016. Tradução livre de: “Bei Auslegung der Steuergesetze sind ihr Zweck, ihre wirtschaftliche Bedeutung und die Entwicklung der Verhältnisse zu berücksichtigen.”
33
de forte insegurança jurídica quanto à repercussão de atos negociais na esfera jurídica58. O
jurista atribui à disposição a discricionariedade adotada pelo Estado-Administração do III
Reich ao desconsiderar a forma jurídica das avenças para prestigiar seus objetivos econômicos
e, assim, reputá-los inválidos.
O RAO de 1919 perdurou até o ano de 1977, quando foi revogado para ceder espaço
ao Código Tributário Alemão vigente, o qual, em seu artigo 42, rompeu definitivamente com a
regra da interpretação econômica do fato jurídico sujeito a tributação. A tradução do
dispositivo é a que segue:
“A lei tributária não pode ser fraudada por meio do abuso de formas jurídicas. Sempre que ocorrer abuso, a pretensão do imposto surgirá, como se para os fenômenos econômicos tivesse sido adotada a forma jurídica adequada.”59
Entende Hermes Marcelo Huck60 que o AO de 197761 preservou a interpretação
econômica postulada por Enno Becker e, assim, não inovou verdadeiramente a práxis fiscal
alemã. Todavia, tal posicionamento não tem prosperado no exame histórico do instituto da
interpretação econômica do direito tributário no ordenamento jurídico alemão, uma vez que a
alusão à expressão fraudar por meio de abuso de formas jurídicas remete, indubitavelmente,
às figuras da evasão fiscal – ilícita por sua própria essência – e aos atos de simular e dissimular
relações jurídicas com o fito de obtenção de vantagem tributária.
Revela-se, assim, a preponderância do conteúdo econômico que pretende a lei
conferir ao negócio jurídico. Embora seja predominante no Direito brasileiro corrente
doutrinária que sustente que o exame científico de determinado fenômeno jurídico deve
limitar-se a avaliar os aspectos pelos quais se apresenta, sem, no entanto, alterar-lhe a
conformação, não seja olvidada a corrente de inspiração alemã, que, segundo Amilcar Falcão,
“(...) recomenda seja a lei tributária interpretada funcionalmente, levando em conta a consistência econômica do fato gerador (wirtschaftliche Betrachtungsweise), a normalidade dos meios adotados para atingir certos
58 MOREIRA, André Mendes. Elisão e evasão fiscal – limites ao planejamento tributário. Disponível em: <http://sachacalmon.com.br/publicacoes/artigos/planejamento-tributario-sob-a-otica-do-codigo-tributario-nacional/> Acesso em: 13 abr. 2016.59 ALEMANHA. Deutsche Abgabenordnung, de 16 de março de 1976. Disponível em: <https://www.berlin.de/imperia/md/content/bamitte/presse/ehs/ehs_abgabenordnung.pdf?start&ts=1189073170&file=ehs_abgabenordnung.pdf> Acesso em: 13 abr. 2016. Texto original: “Durch Missbrauch von Gestaltungsmöglichkeiten des Rechts kann das Steuergesetz nich umgangen werden. Liegt ein Missbrauch vor, so entsteht der Steueranspruch so, wie er bei einer den wirtschaftlichen Vorgängen angemessenen rechtlichen Gestaltung entsteht.”60 HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão – rotas nacionais e internacionais do planejamento tributário. São Paulo: Saraiva, 1997. pp. 184-188.61 A expressão Reichsabgabenordnung, vigente em 1919 para denominar o Código Tributário alemão, foi substituída em 1977 pelo termo Abgabenordnung porque, à época da promulgação do Código de Becker, a nação alemã era denominada Deutsches Reich, forma de Estado adotada entre 1871 e 1943 (o II Reich). Em razão da queda do III Reich, a promulgação do novo Código Tributário alemão, em 1977, abandonou a palavra Reich para designá-lo.
34
fins (Typisierungstheorie) e a finalidade ou função que o tributo instituído vai desempenhar (Teleologische Auslegungsmethode).”62
A esse respeito, Sabbag63 esposa posicionamento contrário, asseverando que a
preponderância do conteúdo econômico do fato fulmina o princípio da reserva legal no âmbito
do direito tributário, na medida em que sobrepõe a autoridade fiscal ao ordenamento jurídico.
A reprimenda à corrente favorável ao prestígio da substância econômica do negócio jurídico
em detrimento de sua forma legal se deve máxime à interpretação de que a norma perde seus
caracteres de eficácia e hegemonia em relação a fatos não albergados pela lei tributária. Nesse
diapasão, Sabbag se filia à ideia de que cabe ao Fisco ater-se exclusivamente à norma
positivada, para que não se imiscua no rigor formal do ordenamento, de modo a desconsiderar,
suprimir ou relativizar a forma legitimamente adotada pelo contribuinte ao proceder a
declarações e lançamentos de tributos sobre os atos por ele praticados.
Em sentido oposto entende Falcão, que compreende que não se há de falar em
interpretatio abrogans da lei tributária, nem em interpretação corretiva, nem em peculiaridades
intrínsecas à hermenêutica da lei fiscal. Há, contrariu sensu, uma técnica própria de exegese da
legislação tributária quanto às situações ensejadoras de incidências de tributação, além de
pesquisa a estas inteira e exclusivamente voltada. Pontifica Falcão oportunamente:
“Quando a lei tributária indica um fato, ou circunstância, como capazes de, pela sua configuração, dar lugar a um tributo, considera esse fato em sua consistência econômica e o toma como índice de capacidade contributiva. A referência é feita, sempre, à relação econômica.”64
Convém aqui salientar que, conforme o entendimento de Falcão, a interpretação em
prestígio à relação econômica se dá mormente quando se afigurarem motivos de conveniência
e utilidade que conduzam à necessidade de tradução de tal relação em direito, razão pela qual
o doutrinador explana que “trata-se, porém, de uma forma elíptica, empregada brevitatis ou
utilitatis causae”65. In casu, o que interessa é a relação econômica que consubstancia o fato
jurídico ensejador de fato imponível e, portanto, a hermenêutica da preponderância do
conteúdo jurídico do fato prevalece sobre a consideração da forma jurídica. Com efeito, se de
maneira contrária se operasse a interpretação no campo tributário, abalizar-se-ia a adoção de
métodos escusos de supressão ou minoração de tributos pelo contribuinte, o que configura ato
ilícito à luz da norma civilista e, por extensão, ao regramento fiscal.
62 FALCÃO, Amilcar de Araújo. Interpretação e integração da lei tributária. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: FGV, v. 40, p. 24-37, 1955. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/issue/view/1080> Acesso em: 8 abr. 2016. 63 SABBAG, op. cit., p. 7864 FALCÃO, op. cit., p. 32.65 Ibidem.
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Nessa seara, rememore-se a lição do jurista Massimo Severo Giannini, que assim
percebe a técnica de interpretação da lei tributária:
“Le leggi tributarie si interpretano extra-testualmente come tutte le altre leggi. (...) L’unico profilo sotto il quale l’applicazione delle leggi tributarie presenta qualche particolarità è quindi quello relativo alla tecnica dell’interpretazione, (...) ad esso attengono le varie interpretazioni economico-contenutistiche o secondo interessi della dottrina germanica e svizzera. Ad esso attiene la più profonda ‘interpretazione funzionale’ dal Griziotti. La particolarità di questo profilo tecnico consiste nel fatto che l’interpretazione (o meglio l’intera applicazione) delle leggi tributarie deve farsi attraverso lo studio delle scienze delle finanze e della politica finanziaria, cioè della sistemazione scientifica dell’antefatto materiale ed economico-politico che costituisce la situazione di fatto oggetto di parificazione giuridica astratta della norma tributaria (grifo nosso).”66
Por derradeiro, mencione-se a jurisprudência brasileira, que, embora parca em relação
à matéria, apresenta interpretações tendentes a prestigiar a forma jurídica sobre o conteúdo
econômico dos negócios, com o fim de preservar a segurança jurídica e evitar que se incorra
ao que, no entendimento doutrinário majoritário pátrio, se compreende como arbitrariedade
pela autoridade fiscal. No REsp nº 229.986/SC, de relatoria da Ministra Eliana Calmon,
discutia-se a possibilidade de descaracterização de contrato de leasing. Na ocasião, o Fisco
interpôs Recurso Especial contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que
consagrou o entendimento de que o contrato de arrendamento mercantil não é
descaracterizado pelo fato de as parcelas avençadas não serem uniformes. O Fisco defendia a
tese de que se tratava de um contrato de compra e venda a prazo simulado como leasing para
o único fim de obtenção de vantagem tributária. O voto de lavra da Ministra Eliana Calmon
expressa o seguinte posicionamento, in verbis:
“Neste Tribunal, evolui no entendimento, para considerar que a Lei n. 6.099, de 12/09/74, ao dispor sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil, mesmo após a redação que lhe deu a Lei 7.032/83, só autoriza a transmissão quando ocorrer violação à lei e/ou regulamento. Portanto, é desinfluente para a descaracterização os elementos fáticos destacados pelo recorrente, tais como valor da prestação, número de parcelas de financiamento, etc. Assim, está o leasing definido no artigo 1º, § 1º, da Lei 6.099/74, com as alterações da Lei 7.132/83, como sendo: Negócio jurídico realizado entre pessoas jurídicas, na qualidade de arrendadora, e pessoa física
66 GIANINNI apud BERLIRI, 1952. Tradução: “As leis tributárias se interpretam extra-textualmente como todas as outras leis. (...) O único perfil sob o qual a aplicação das leis tributárias apresenta algumas particularidades é aquele relativo à técnica da interpretação, (...) a ele atêm-se as várias interpretações de conteúdo econômico ou segundo interesses da doutrina alemã e suíça. A ele atém-se a mais profunda ‘interpretação funcional’ enunciada por Griziotti. A particularidade desse perfil técnico consiste no fato de a interpretação (ou melhor a inteira aplicação) das leis tributárias dever dar-se através do estudo das ciências das finanças e da política financeira, isto é, a sistematização científica do fato gerador material e econômico-político que constitui a situação de fato objeto de equiparação jurídica abstrata da norma tributária” .
36
ou jurídica, na qualidade de arrendatária e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora segundo especificações da arrendatária para uso próprio desta. Por seu turno, pela Resolução BACEN 2.309, de 28/08/96, é considerado o arrendamento mercantil financeiro como a modalidade em que: I - As contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos; II - as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária; III - o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor do mercado do bem arrendado. A própria Lei 6.099 estabelece situações em que não se pode aceitar o arrendamento, como na hipótese do artigo 2° (arrendamento entre pessoas jurídicas coligadas ou o contrato com o próprio fabricante); art. 9 o (arrendamento contratado com o vendedor do bem ou com pessoas a ele vinculadas); art. 11, § 1º (compra, pelo arrendatário, de bens arrendados em desacordo com a lei); e art. 14 (se na opção de compra a diferença entre o valor residual do bem arrendado e o seu preço de venda, seja menor do que o valor contábil residual), dentre outros.”67
Concluiu a Ministra que não merece provimento o pleito de descaracterização do
contrato à luz da interpretação econômica, devendo-se preservar a forma jurídica em que foi
firmada a avença. O Recurso Especial em apreço sedimentou precedente para decisões em
relação a objetos semelhantes, qualificando o prestígio à forma jurídica como tendência de
interpretação do contrato para fins de aferição de vantagens tributárias pelo Fisco.
Evidenciada, assim, a necessidade de aplicação da realidade econômica à legislação
tributarista, desde que, como pontuado por Amilcar Falcão, tão somente quando se afigurarem
a conveniência e utilidade da medida – ou seja, em caráter excepcional. No mais das vezes, a
sobreposição da interpretação econômica à forma jurídica, ao invés de ultimar, como
explanado por Eduardo Sabbag, no aperfeiçoamento dos princípios da isonomia e seu
corolário, da capacidade contributiva, terminaria por corrompê-los, cedendo espaço à
prevalência de figuras ilícitas, como a simulação e a evasão fiscal, na relação de prestação que
há entre contribuinte e Estado. Se preterida fosse a técnica da interpretação da forma jurídica
em favor da econômica, a insegurança jurídica para o contribuinte seria patente, cerceando o
intento de estabelecimento de relações jurídicas, as quais devem gerar receitas também para o 67 TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE RENDA - LEASING: DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO PELO FISCO.1. A jurisprudência tem entendido que o contrato de leasing deve ser respeitado como tal, em nome do princípio da liberdade de contratar.2. Somente quando o leasing estiver contemplado em uma das situações de repúdio, pela Lei 6.099/74 (artigos, 2º, 9º, 11, § 1º, 14 e 23) é que se tem autorização legal para a descaracterização e imputação das conseqüências.3. Recurso especial improvido.(REsp 229.986/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/08/2001, DJ 01/10/2001, p. 185)
37
Estado, mas em medidas proporcionais e respeitosas às disposições constitucionais atinentes à
livre iniciativa e à propriedade privada.
2.2. O propósito negocial no planejamento tributário
Decerto, o planejamento tributário se submete a um elevado grau de subjetividade,
porquanto toda análise de legitimidade e legalidade do instituto perpassa por estudos
concernentes aos aspectos que o formam, como o negócio jurídico em que se baseia, os
agentes envolvidos na operação e a aferição de eventuais ilícitos tendentes a simular atos ou
evadir divisas. Resta, portanto, evidente que, ainda que determinada operação não porte em si
mesma a titulação de planejamento tributário, guarda suas características intrínsecas. Por outro
lado, fatos jurídicos denominados planejamento são, em verdade, meros instrumentos de
simulação ou dissimulação. Com efeito, o exame de legalidade do ato destinado a reduzir ou
suprimir a incidência tributária deve considerar cada caso concreto, com todos os aspectos que
o permeiam, a fim de que se evite a fuga ao propósito precípuo do Direito, que é a busca pela
justiça.
Isso posto, e considerando o alto número de operações que podem ou não ser
qualificadas como planejamento tributário, não é possível ao legislador elencar cada uma delas,
e esta impossibilidade ensejou a criação doutrinária e jurisprudencial de parâmetros segundo os
quais é possível aferir atos jurídicos lastreados pela licitude, requisito primordial do instituto
sob comento. Facilita-se, por tal via, o trabalho da autoridade fiscal e do órgão julgador ao
apreciarem as situações hipotéticas e sobre elas decidir com maior precisão e respeito à
Constituição Federal e à legislação infraconstitucional.
É certo que o planejamento tributário guarda íntimo envolvimento com o exercício da
liberdade individual de organizar a vida financeira pela busca da menor carga tributária
possível, desde que conformada ao ordenamento jurídico68. Nessa senda, oportuna a lição de
Heleno Tôrres:
“Com a expressão ‘planejamento tributário’ deve-se designar (...) a técnica de organização preventiva de negócios, visando a uma legítima economia de tributos. (...) A finalidade de economizar tributos pode ser atingida tanto por atos legítimos como por atitudes ilícitas (evasão ou elusão) do contribuinte. Por esse motivo, somente quando constituídos os atos jurídicos pretendidos pelo sujeito, ou verificada a sua omissão na constituição dos fatos, por meio da linguagem competente, é que poderá o Fisco controlara a operação para determinar sua liceidade (legítima economia de tributos) ou ilicitude e precisar
68 GRECO, op. cit., p. 452.38
de houve evasão, elusão de tributos ou negócio indireto legítimo e válido que atenda a uma lícita economia de tributos. De nenhum ilícito se pode cogitar antes que se ponha em prática os atos planejados.”69
A inteligência que se faz do excerto mencionado é, inevitavelmente, no sentido de que
ao Fisco é vedado analisar o planejamento tributário com o fim precípuo de aplicar ao
contribuinte uma sanção – com efeito, a sanção cominada pela autoridade fiscal é válida tão
somente uma vez que se verifiquem efeitos de ordem ilícita sobre a nova realidade tributária
promovida pelo contribuinte. O mero ato de organização de atos tendentes à minoração de
carga tributária nada expressa a respeito de qualquer lastro de ilicitude, cabendo unicamente
aos efeitos por ele produzidos a aferição do vício.
A regra aqui pormenorizada advém do fato de serem os requisitos do planejamento
tributário conhecidos – propósito negocial, substância sobre a forma e inexistência de
simulação no negócio realizado – e, não obstante, serem de árduo vislumbre as reais linhas
limitadoras da licitude dos atos que o permeiam. Destarte, cumpre-nos proceder inicialmente a
um exame do planejamento sob a égide do Código Civil, uma vez que o exercício da
autonomia da vontade empregada no ato de contratar é pelo diploma impregnado. Deveras,
não se há de discorrer sobre o propósito negocial como requisito do planejamento sem que
antes se relacione a disciplina tributária aos contornos formais oferecidos pelo Código Civil.
Antes ainda, faz-se mister rememorar as origens constitucionais e limitações pela
Constituição Federal impostas à liberdade de contratar. Greco aduz que o planejamento
tributário encontra guarida nos artigos 1º, IV, e 170 da Constituição Federal. O primeiro
dispositivo contempla a livre iniciativa, ao passo que a segunda disposição, corroborando o
princípio já mencionado, subordina a ordem econômica aos princípios da propriedade privada e
da livre concorrência.
A liberdade enaltecida pela Letra Maior é, no entendimento de Alberto Xavier70,
dotada de caráter absoluto e ilimitado, a justificar os rumos normativos a descreverem os
elementos intrínsecos ao planejamento tributário. Contudo, ao lado dos preceitos da livre
concorrência, propriedade privada e livre iniciativa, repousam princípios que os limitam. De
fato, a ordem econômica é fundada também em valores como a função social da propriedade,
que submete a livre propriedade à exploração econômica; a soberania nacional, que regula e
disciplina o funcionamento da atividade de cunho privado; e a busca pelo pleno emprego, isto
é, a economia que se encontra em equilíbrio entre preço e quantidade, harmonizando-se oferta
69 TÔRRES, Heleno. Direito tributário internacional – planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 37.70 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva . São Paulo: Dialética, 2001. p. 137.
39
e demanda (o que, em certa medida, se propicia com uma realidade tributária eficiente).
Portanto, merece cautela a exegese realizada pelo autor, uma vez que os princípios e valores
insculpidos na Constituição Federal devem ser interpretados segundo a ponderação, também
por ela contemplada, evitando-se, assim, o desarranjo da ordem republicana em que se funda a
nação.
Desta feita, a liberdade contratual exaltada pelo artigo 421 do Código Civil deve
irremediavelmente ser exercida dentro dos limites impostos pela função social do contrato (a
qual traz implicitamente em seu bojo a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho
e a isonomia), e em razão desta. Nessa seara, Judith Martins-Costa preleciona:
“Diferentemente do que ocorria no passado, o contrato, instrumento por excelência da relação obrigacional é veículo jurídico de operações econômicas de circulação de riqueza, não é mais perspectivado desde uma ótica informada unicamente pelo dogma da autonomia da vontade. Justamente porque traduz relação obrigacional – relação de cooperação entre as partes, processualmente polarizada por sua finalidade – e porque se caracteriza como o principal instrumento jurídico das relações econômicas, considera-se que o contrato, qualquer que seja, de direito público ou privado, é informado pela função social que lhe é atribuída pelo ordenamento jurídico.”71
A autonomia da vontade abandona os matizes meramente patrimoniais na medida em
que o processo constitucional brasileiro sofreu evoluções. Na transição do Estado monárquico
para a Constituição de 1824, que consagrara o Estado liberal constitucional, a relação jurídica
adquire contornos patrimonialistas, em que tinha relevância somente a pacta sunt servanda
inerente às avenças, sem consideração sobre os efeitos sociais do negócio. Hodiernamente, o
Direito Civil se orienta, segundo Miguel Reale72, pela socialidade, eticidade e operabilidade,
graças ao rol de preceitos e valores fundamentais, máxime a função social, inseridos na
Constituição Federal de 1988. É sob tal perspectiva que se discute a imprescindibilidade do
propósito negocial como elemento intrínseco ao planejamento tributário.
De inspiração jurisprudencial norte-americana (porque importado pelo Direito pátrio
do leading case Gregory v. Helvering, já mencionado no presente estudo), o propósito
negocial tem dividido doutrina e órgãos julgadores acerca de sua legitimidade como elemento
imprescindível ao planejamento tributário, sob pena de ser este reputado abusivo pelo Tribunal
Administrativo Fiscal brasileiro – ou Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) –,
o qual tem buscado tutela na norma antielisiva promulgada pela Lei Complementar 104/2001
para abalizar seu entendimento de que o planejamento sem o business purpose configura ato
de locupletação indevida de vantagens tributárias. Em verdade, assinala Marciano Buffon que a
71 MARTINS-COSTA apud GRECO, 2004.72 REALE apud GRECO, 2004.
40
caracterização do planejamento tributário quanto a seus aspectos temporal e legal, objeto de
perplexidade dos estudos tributaristas clássicos, tornou-se obsoleta, cedendo espaço à
discussão acerca da abusividade em sua realização, em busca de delineamentos teóricos para a
justiça fiscal, e trazendo à lume ponderações acerca do instituto do propósito negocial como
elemento condicionante do planejamento73.
Tendo por corolário a teoria da substância, isto é, do real conteúdo do negócio
jurídico, sobre sua forma, a doutrina do propósito negocial tem por contexto de surgimento,
como pontua Arnaldo Sampaio Moraes Godoy74, um momento de delicada situação econômica
havida nos Estados Unidos de 1935, quando da luta pela recuperação da Grande Depressão de
1929, o que legitimou a Suprema Corte norte-americana a entender que as operações serão
consideradas inválidas quando seu único objetivo for a redução de tributos, a não ser que se
destinem a alcançar determinado propósito negocial legalmente válido e independente75.
Verificada a minoração tributária e ausentes finalidades estritamente negociais na relação
jurídica sub examine, pode a autoridade fiscal desconsiderar o ato, ainda que sua forma
jurídica seja coberta pelo manto da legalidade.
O propósito negocial se afigura, em razão do stare decisis como forma de controle de
constitucionalidade adotado no Poder Judiciário norte-americano, essencial ao surgimento de
determinado negócio e seu prosseguimento. Assevera Tulio Rosembuj:
“El business purpose test en los EEUU resulta aplicado por los Tribunales para descalificar o declarar la ineficácia de determinadas actividades o negócios jurídicos cuya finalidad o alguna de las fases de los mismos, aún cuando sean verdaderas, no son apropiadas ni necesarias a la empresa, dirigidos como están a obtener una situación de ventaja tributaria.”76
Incumbido está o Fisco de buscar no negócio jurídico tendente a promover um
planejamento tributário seu propósito negocial, e para tal fim se afigura indispensável a
interpretação econômica sobre a qual se discorreu em tópico pretérito. Isso porque é a
realidade econômica em que se funda o negócio celebrado a força motriz da atividade
empresarial, evidenciando-se o caráter essencial daquela na avença. Sob tal perspectiva,
impraticável seria a negligência à interpretação econômica do fato jurídico, e por esta razão,
73 BUFFON, Marciano; SILVA, Isaías Luz. O propósito negocial como condição da elisão fiscal nas reorganizações societárias. In Revista de Direito Mackenzie, São Paulo, v. 8, p. 59-79, 2015.74 GODOY, Arnaldo Sampaio Moraes. Interpretação econômica do direito tributário – o caso Gregory v. Helvering e as doutrinas do propósito negocial (business purpose) e da substância sobre a forma (substance over form). In Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, n. 1, p. 9-18, 2003.75 Ibidem.76 ROSEMBUJ apud BUFFON, 2015. Tradução: “O business purpose test nos Estados Unidos termina por ser aplicado pelos Tribunais para desqualificar ou declarar a ineficácia de determinadas atividades ou negócios jurídicos cuja finalidade, ou alguma das fases dos mesmos, ainda quando sejam verdadeiras, não são apropriadas nem necessárias à empresa, dirigidos como estão a obter uma vantage tributária”.
41
razoável se mostra a conexão entre a assertiva e a defesa a ela feita por Amilcar Falcão,
sobretudo quanto à necessidade do uso da interpretação segundo sua conveniência e utilidade
para um dado caso concreto. Corrobora a noção aqui esposada Marcelo Hermes Huck, ao
pontificar que “o significado econômico do negócio jurídico é indispensável, e, não sendo
encontrado, é lícito ao Fisco taxar a operação dissimulada pelo negócio ostensivamente
apresentado”77.
É de se assentar, destarte, que está o instituto do propósito negocial intimamente
ligado à teoria da substância sobre a forma, vez que esta se destina a desvelar a real natureza
do negócio jurídico, detectando-se e removendo-se os artifícios formais eventualmente
utilizados para contornar a obrigação tributária. Assim, resta a consideração pelo Fisco do
negócio realmente celebrado, sem os disfarces da forma jurídica, para, então, imputar a
obrigação tributária adequada.
Guilherme Costa Val Machado subdivide a teoria do propósito negocial conjugada à
substância sobre a forma em três categorias: i) as transações fictícias, ou sham transactions,
quando o texto do propósito negocial se presta a desconsiderar sociedades e benefícios por
elas angariados em razão de motivação única de obtenção de vantagem na seara tributária, e
quando se constatar que a operação não precisava ser realizada de fato para tal fim; ii) as
transações alheias à realidade econômica, isto é, que, embora efetivadas dentro dos ditames
legais, mostram-se irreais, porquanto os efeitos sobre os tributos são seu único objetivo; e iii)
as step transactions, em que a empresa opta por um iter mais complexo da legislação tributária
para realizar operações em série – caso em que a administração fiscal, observando a operação
como um todo, pode desconsiderar cada passo eivado de vícios78.
No Direito brasileiro, muito se tem ponderado acerca da legitimidade do planejamento
tributário realizado sem propósito negocial. As divergências entre o CARF e a doutrina pátria
são inúmeras, uma vez que a Secretaria da Receita Federal, não raro, lavra autos de infração
sob o argumento de que planejamento tributário feito com o único fito de obtenção de
supressão ou minoração de tributos, sem o business purpose, afronta a redação do parágrafo
único do artigo 116 do CTN. Enuncia o dispositivo:
“Art. 116. (...)Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”
77 HUCK, op. cit., p. 200.78 MACHADO, Guilherme Costa Val. Planejamento tributário: o papel do “business purpose test” e da “step transaction doctrine” na verificação da simulação. In Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 211, p. 70-79, abr. 2013.
42
Ives Gandra Martins preleciona que o debate cabível deve ter por enfoque, não a
existência ou ausência do propósito negocial, mas a legitimidade do planejamento tributário em
razão do preenchimento dos requisitos temporal e de licitude79. Com efeito, o procedimento
fiscal de desconsiderar todo e qualquer ato praticado dentro de forma lícita ou, ao menos, não
defesa em lei, unicamente em função do propósito negocial, é abusivo pelos motivos sobre os
quais se discorrerá doravante.
Em primeiro lugar, cumpre-nos invocar o princípio da legalidade, que, na seara
tributária, adquire contornos de aplicação de todo restritos, não guardando razoabilidade a
interpretação extensiva de norma tributarista. Nesse sentido, oportuna a lição de Aires
Fernandino Barreto:
“Impõe esse princípio que o tributo tenha sua hipótese de incidência definida exclusivamente em lei, encerrando, assim, a construção do que se tem denominado de tipo normativo ou tipo tributário. Esse modelo legal é cerrado, fechado, não ensejando dilargamento pelo aplicador da lei, o que confere a preservação das garantias e direitos prestigiados pela Constituição. Só a lei poderá erigir as hipóteses de incidência, dispondo sobre os aspectos que esta comporta, inclusive quanto à base de cálculo e à alíquota.”80
Com o excerto, é de se compreender que a restrita aplicação de tributos segundo
imposição legal proíbe o Fisco de ultrapassar os limites de sua própria competência. Afinal, o
artigo 5º, II, da Constituição Federal de 1988, que disciplina a legalidade genérica, tem seu
conteúdo somado ao disposto no artigo 150, I, do mesmo diploma, cujo teor versa sobre a
legalidade tributária, estabelecendo que é vedado aos entes federativos “exigir ou aumentar
tributo sem lei que o estabeleça”.
Quanto à legalidade exigida para que a autoridade fiscal estabeleça a imposição de
determinado tributo sobre cada caso concreto, desconsiderando atos que considera
desprovidos de propósito negocial, Ives Gandra preceitua que, em direito tributário, só é
possível estudar o princípio da legalidade a partir da premissa de que a reserva de lei formal é
insuficiente81. De fato, a reserva legal meramente formal dá azo a um grau de
discricionariedade, e isso não é admissível, seja no direito penal, seja naquele tributário. Nessa
seara, Alberto Xavier, rememorando que, nesse campo, a interpretação por analogia e a
discricionariedade são vedadas, assevera:
“E daí que as normas que instituem sejam verdadeiras normas de decisão material (Sachentscheidungsnormen), na terminologia de Werner Flume,
79 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Planejamento fiscal anterior a ocorrência do fato gerador sem propósito negocial e legalidade. In Revista Bonijuris, ed. 616, Curitiba, p. 6-19, mar. 2015.80 BARRETO apud MARTINS, 2015.81 MARTINS, op. cit., p. 7.
43
porque, ao contrário do que sucede nas normas de ação (Handlungsnormen), não se limitam a autorizar o órgão de aplicação do direito a exercer, mais ou menos livremente, um poder, antes lhe impõem o critério da decisão concreta, predeterminando o conteúdo de seu comportamento (grifo nosso).”82
Extrai-se do trecho que, a toda evidência, a norma tributária tem caráter inelástico,
não permitindo interpretação ultra legem em favor do Fisco, de tal forma que a pretensão da
autoridade fiscal de arguir a ausência de um propósito negocial inerente ao planejamento
tributário como fundamento para sua desconsideração e, por conseguinte, a criação da
obrigação tributária em face do contribuinte não encontra guarida na lei e, portanto, deve ser
reputada nula de pleno direito.
Consignado resta o posicionamento esposado por Ives Gandra, no sentido de que a
teoria da desconsideração do planejamento tributário desprovido de propósito negocial só
pode ser aplicada por expressão permissão normativa, e não por interpretação pretoriana83.
Na contramão do entendimento adotado por Gandra, Heleno Tôrres apresenta a
enunciação realizada por Enno Becker, segundo quem deveria ser reservada ao direito
tributário a possibilidade de criar e modificar institutos, conceitos e formas de direito privado.
Em sua visão, a abordagem a esses pelo campo fiscal é diversa da roupagem atribuída pelo
direito privado, pois que caberia àquele a adoção de contornos distintos a conceitos, formas e
institutos idênticos84. Tôrres interpreta a tipicidade das formas no direito tributário de forma
semelhante, mas faz ressalvas:
“(...) o direito tributário não se constitui em espécie distinta dos outros ramos, em vista do princípio de unidade do conceito de ordenamento jurídico. Deveras, os conteúdos dos enunciados não serão preenchidos segundo uma tomada de posição arbitrária por parte do intérprete. Todos os significados atribuídos hão de guardar compatibilidade com as regras do sistema que o orientam na construção dos valores que a sociedade quer ver realizados. (...) Em resumo, não se pode deixar de reconhecer ao legislador tributário autonomia de qualificação, nos limites do quanto o ordenamento lhe autorize.”85
Outra não é a diretriz de Antonio Berliri, para quem “in realtà i termini giuridici
hanno, in campo tributario, lo stesso valore che hanno negli altri settori del diritto”86.
Embora de inestimável valor jurídico, tal forma de compreensão da tipicidade da
norma no campo tributário não se há de aqui endossar, uma vez que o direito tributário, tal
82 XAVIER apud MARTINS, 2015.83 MARTINS, op. cit., p. 10.84 TÔRRES, Heleno. Direito tributário e direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. P. 73.85 Idem, p. 74.86 BERLIRI, Antonio. Corso istituzionale di diritto tributario. Milão: Giuffrè, 1985, vol. I, p. 22. “Na realidade os termos jurídicos têm, no campo tributário, o mesmo valor que têm nos outros setores do direito” .
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qual o direito penal, tutela o bem da vida fundamental do patrimônio, e por esta razão, não se
há de aceitar tipicidade aberta ou extensiva, visto que a decisão da autoridade fiscal não
lastreada pela norma positivada enseja uma indesejável arbitrariedade, a qual dá azo à
subtração discricionária do bem particular do contribuinte. Tal conduta, uma vez havida
preponderante em um sistema jurídico, propicia a exacerbada intervenção do Estado sobre a
propriedade privada, o que pode passar a adquirir contornos tirânicos em favor do Fisco. A
Constituição Federal, ao resguardar a propriedade privada, sujeitando-a tão somente à sua
função social, não coaduna com outra visão que não a da tipicidade cerrada.
No que tange à figura da desconsideração do planejamento tributário por ausência de
propósito negocial, Luís Eduardo Schoueri leciona que, após a introdução do parágrafo único
do artigo 116 do CTN, a doutrina do propósito negocial e seus afluentes, com outras
denominações, como abuso de direito ou fraude à lei, tem sido amplamente adotada no âmbito
da autoridade fiscal87. A Lei Complementar 104/2001, ao inserir o parágrafo único ao artigo
116 do CTN, dependia de regulamentação por lei ordinária. Não foi apenas uma tentativa de o
Poder Executivo instaurar a figura da desconsideração no ordenamento jurídico: inicialmente,
a Medida Provisória 66/2002 trazia o intento de conformação legal de norma antielisão, mas
não logrou conversão em lei ordinária pelo Congresso Nacional, passando, assim, a ser
revogada com o fim do prazo constitucional de vigência. Sem embargo, o Fisco continuou a
fazer uso do propósito negocial como fator condicionante de validade do planejamento
tributário.
Ensina Buffon que a tentativa do Conselho de Contribuintes de consolidar a tese do
propósito negocial em seus julgados, ainda que sem autorização normativa, suscitou
controvérsias no campo do planejamento tributário, máxime quanto à incompatibilidade que se
afigura entre a adoção da lógica pelo ordenamento jurídico e os princípios da tipicidade e da
segurança jurídica. A esse propósito, assevera Hugo de Brito Machado:
“A exigência do propósito negocial para a validade dos atos ou negócios jurídicos perante o Fisco, que ganhou força a partir da Medida Provisória nº 66, constitui limitação intolerável à liberdade do cidadão contribuinte, sendo rejeitada até pela doutrina mais favorável à Fazenda em matéria de planejamento tributário. O pior, todavia, é que a rejeição, pelo Congresso Nacional, dos dispositivos daquela Medida Provisória que cuidavam deste assunto, que pareceu ser uma vitória contra o arbítrio, na prática terminou sendo um caminho para seu agravamento.”88
87 SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Planejamento tributário: elisão abusiva e evasão fiscal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2002.88 MACHADO, Hugo de Brito. A falta de propósito negocial como fundamento para a exigência de tributo. In Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 143, 2007, p. 51.
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Posteriormente, a Medida Provisória 685/2015 trouxe a obrigatoriedade de
informação pelo contribuinte acerca de eventual planejamento tributário, tendo a elisão fiscal
como conduta dolosa em matéria tributária, isto é, considerando-a ato ilícito, o que não se
harmoniza com a jurisprudência administrativa do CARF. De fato, a jurisprudência do CARF
traz as seguintes assertivas:
“(...)PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. ELISÃO. EVASÃO. Em direito tributário não existe o menor problema em a pessoa agir para reduzir sua carga tributária, desde que atue por meios lícitos (elisão). A grande infração em tributação é agir intencionalmente para esconder do credor os fatos tributáveis (sonegação). ELISÃO. Desde que o contribuinte atue conforme a lei, ele pode fazer seu planejamento tributário para reduzir sua carga tributária. 0 fato de sua conduta ser intencional (artificial), não traz qualquer vicio. Estranho seria supor que as pessoas s6 pudessem buscar economia tributária licita se agissem de modo casual, ou que o efeito tributário fosse acidental.”89
A despeito das variações que orbitam o tema da legalidade da elisão, esta é vista pela
doutrina majoritária como meio lícito, válido e eficaz de supressão ou redução da alíquota de
tributo em favor do contribuinte. Não por outra razão, a Câmara dos Deputados revogou o
disposto nos artigos 7º, 8º e 9º da Medida Provisória em apreço – os quais impunham ao
contribuinte a declaração de quaisquer atos ou negócios jurídicos que acarretem alguma forma
de elisão fiscal, sob pena de lançamento de ofício de respectivas exações, como se não
houvesse sido realizado o planejamento tributário -, havendo-a convertido na Lei Ordinária
13.202/2015 sem capítulo atinente ao planejamento tributário de per si90.
89 BRASIL. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Acórdão nº 1.101-00.78, 1ª Câmara/1ª Turma Ordinária, Rel. Edeli Pereira Bessa. Brasília, 11 de abril de 2012. Disponível em: <https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudenciaCarf.jsf> Acesso em: 10 abr. 2016.90 São os artigos 7º, 8º e 9º da Medida Provisória 685/2015, excluídos da Lei Ordinária 13.202/2015 e que disciplinam o regramento de declaração pelo contribuinte de atos elisivos e pena para a desobediência à disposição, os seguintes: “Art. 7º. O conjunto de operações realizadas no ano calendário anterior que envolva atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo deverá ser declarado pelo sujeito passivo à Secretaria da Receita Federal do Brasil, até 30 de setembro de cada ano, quando:I - os atos ou negócios jurídicos praticados não possuírem razões extratributárias relevantes;II - a forma adotada não for usual, utilizar-se de negócio jurídico indireto ou contiver cláusula que desnature, ainda que parcialmente, os efeitos de um contrato típico; ouIII - tratar de atos ou negócios jurídicos específicos previstos em ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil.Parágrafo único. O sujeito passivo apresentará uma declaração para cada conjunto de operações executadas de forma interligada, nos termos da regulamentação.
Art. 8º. A declaração do sujeito passivo que relatar atos ou negócios jurídicos ainda não ocorridos será tratada como consulta à legislação tributária, nos termos dos art. 46 a art. 58 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.
Art. 9º. Na hipótese de a Secretaria da Receita Federal do Brasil não reconhecer, para fins tributários, as operações declaradas nos termos do art. 7º, o sujeito passivo será intimado a recolher ou a parcelar, no prazo de trinta dias, os tributos devidos acrescidos apenas de juros de mora.”
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Os excertos da Medida Provisória 685/2015 tragos à lume foram amplamente
criticados pela classe tributarista do País, porque o tratamento dispensado à elisão fiscal é o de
conduta autorizada com ressalvas, sem que possa ser ampla e irrestritamente adotada pelo
contribuinte, sob pena de se obrigar ao recolhimento de exações lançadas de ofício. No
entanto, a prática de atos com o fim de supressão ou minoração de tributo, desde que
praticada antes da ocorrência do fato gerador, é de todo lícita.
Acertada, portanto, a decisão havida no Plenário da Casa, que, em sua
fundamentação, pontuava que a manutenção das disposições vetadas da Medida Provisória
ultimaria na outorga de poder excessivo à autoridade fiscal, a qual passaria a ser legitimada a
fazer uso draconiano da discricionariedade do Estado. Embora alguns deputados tivessem
proposto a inclusão de rol elaborado pela Receita Federal com elementos considerados
“planejamento abusivo”, a proposição não prevaleceu, em homenagem ao princípio da
legalidade conjugada à tipicidade cerrada para o campo tributário.
No que tange ao parágrafo único do artigo 116 do CTN, Ives Gandra rememora que,
no direito tributário, não vige a figura desconsiderativa norteada por um suposto princípio de
que, na ausência de um propósito negocial, o planejamento tributário destinado tão somente a
obter redução de tributo, pautado nos instrumentos legais consagrados no ordenamento
jurídico, seja reputado ilegal91. De fato, além de violar direitos fundamentais do contribuinte
(livre iniciativa e propriedade privada), a disposição fere o artigo 150 da Constituição, que
impõe limites ao poder de tributar da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios. A
redação do artigo 116 do CTN, pela Lei Complementar 104/2001, sob comento termina por
demonstrar que ao Estado, mais do que cumprir a lei, tem importância a arrecadação em si
mesma. Isso exposto, o festejado doutrinador conclui suas ponderações aduzindo que
“qualquer planejamento tributário, anterior à ocorrência do fato gerador, mesmo sem
propósito negocial, (...) é legal, não podendo ser impugnado por falta de lei que hospede tal
inteligência”92.
Em verdade, a exigência de propósito negocial como condition sine qua non de um
planejamento tributário válido aos olhos da autoridade fiscal não pode prosperar, pois que a
prática ora adotada pelo Fisco de impô-lo não apenas afronta a segurança jurídica com que
devem contar as instituições e o contribuinte, mas também não apresenta qualquer lastro de
legalidade, tão cara ao ordenamento jurídico pátrio, em especial a campos do Direito cujo bem
da vida, uma vez corrompido ou deteriorado, é de difícil reparação, tal como o patrimônio da
pessoa física ou jurídica. Portanto, assiste razão a Ives Gandra e Hugo de Brito Machado em
91 MARTINS, op. cit., p.14.92 Idem, p. 19.
47
suas contundentes defesas à desvinculação do propósito negocial ao instituto do planejamento
tributário, de modo que seja este consagrado em razão de sua licitude – que é indiscutível – e
seu intento, qual seja, a preservação da renda ou receita mediante a supressão ou minoração de
tributos.
2.3. Elisão, evasão e simulação
A doutrina tributarista porta pouca dissonância entre seus membros quanto à
definição de elisão fiscal. Alberto Xavier, ao conceituá-la, traz à lume algumas noções que são
caras ao contribuinte e podem ser vistas como elementos favoráveis à consecução do
planejamento tributário. Ensina Xavier:
“(...) a prática de atos (em princípio) lícitos, praticados no âmbito da esfera de liberdade de organização mais racional dos interesses do contribuinte, em face de uma pluralidade de regimes fiscais de ordenamentos distintos.”93
Embora o doutrinador tenha procedido a um exame detido sobre a elisão fiscal no
plano internacional, hão de se extrair aspectos utilizáveis no plano interno para a definição do
instituto sob comento: primeiro, observe-se que a elisão fiscal deve consistir de atos lastreados
por uma imprescindível licitude, porquanto a conduta de elidir significa suprimir, eliminar
algo por completo. Tal observação é de vital importância, na medida em que a Lei
Complementar 104/2001 confere tratamento diverso à elisão ao alterar o parágrafo único do
artigo 116 do CTN, conferindo a este último dispositivo a seguinte redação:
“Art. 116. (...)Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos atos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”94
A alteração mencionada introduziu celeuma ainda não pacificada entre os
doutrinadores, porquanto parte vislumbra no teor do novel texto uma cláusula antielisiva
genérica, ao passo que, ao ver dos opositores deste posicionamento, a alteração significa passo
importante no combate do planejamento tributário ardiloso, que comporta simulação no ato de
elidir.
93 XAVIER, op. cit., p. 235.94 BRASIL. Lei Complementar nº104, de 10 de janeiro de 2001. Altera dispositivos da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp104.htm> Acesso em: 31 mar. 2016.
48
O segundo elemento descritivo da elisão fiscal é aquele que respeita ao conflito
doutrinário que há pouco se apresentou superficialmente. Xavier evidenciou, ao utilizar a
expressão “em princípio”, que o instituto da elisão fiscal é frágil e possibilita a realização de
condutas insidiosas, hábeis a propiciar uma simulação negocial que conduz, não a um
planejamento tributário de per si, mas a ato eivado de ilicitudes passíveis de anulação pela
autoridade tributária. Essa fragilidade jurídica é a mola propulsora das controvérsias travadas
nos âmbitos doutrinário e judiciário.
Greco, reconhecendo a tênue linha que separa a elisão de, por exemplo, evasão e
simulação, adverte que a conclusão quanto ao enfrentamento ou não desses eventos é de suma
importância, porquanto, em caso de se afigurar uma elisão fiscal, o ordenamento jurídico,
indubitavelmente, amparará a conduta, devendo os respectivos efeitos tributários ser aceitos
pelo Fisco; por outro lado, porém, se dado comportamento não esposa qualquer caráter lícito,
não há de se falar em resguardo legal à sequência de atos eivados de vícios jurídicos95.
Outrossim, Xavier, a fim de mais bem delimitar os elementos de configuração da
elisão fiscal no campo internacional, assinala a confluência dos seguintes pressupostos:
“(...) A existência de dois ou mais ordenamentos tributários, dos quais um ou mais se apresentam, em face de uma dada situação concreta, como mais favoráveis que o outro ou outros; a faculdade de opção ou escolha voluntária pelo contribuinte do ordenamento jurídico aplicável, pela influência voluntária na produção do fato ou fatos geradores em termos de atrair a respectiva aplicação.”96
Notável que, além de lícita, a elisão fiscal é voluntária, de modo que esta
característica atrai para a conduta a natureza de planejamento tributário. Deveras, a
voluntariedade constitui conditio sine qua non da elisão tributária, ainda que a faculdade de
eleição da ordem tributária aplicável mais benéfica deva dar-se de maneira indireta – por certo,
a eleição do ordenamento mais favorável pela via direta, tão cara à matéria contratual
encampada pelo Direito Internacional Privado, não se comunica com o princípio da legalidade
no mérito tributário. Desta feita, a busca pela ordem mais benéfica ao contribuinte se opera
pela via indireta, qual seja, a de localizar o fato em determinado ordenamento e,
voluntariamente, exercer influência sobre o elemento de conexão entre a questão e a norma,
atraindo-se, assim, a disciplina legal da ordem mais favorável. Cuida-se, portanto, de
planejamento que, para gozar de proteção jurídica que a considere válida, não prescinde do
caráter incidental de eleição da norma mais benéfica ao contribuinte.
Infirmou-se a compreensão de que a elisão fiscal consiste de conduta lícita tendente a
95 GRECO, op. cit., p. 75.96 XAVIER, op. cit., p. 235.
49
evitar a ocorrência de fato imponível que enseja tributação, o que se logra evitando-se a
prática de negócio jurídico que faça nascer a obrigação ou optando-se por avença menos
onerosa. Tal é a definição oferecida por Roque Carrazza:
“A elisão fiscal pode ser definida como a conduta lícita, omissiva ou comissiva, do contribuinte, que visa impedir o nascimento da obrigação tributária, reduzir seu montante ou adiar seu cumprimento. A elisão fiscal é alcançada pela não realização do fato imponível (pressuposto de fato) do tributo ou pela prática de negócio jurídico tributariamente menos oneroso, como, por exemplo, a importação de um produto, via Zona Franca de Manaus.”97
Isso posto, a inserção da elisão fiscal no rol de condutas legalmente admitidas tem
como pressuposto imprescindível a aferição de um critério cronológico, a distinguir uma
conduta lícita de outra viciada. Nesse sentido, oportunamente Sacha Calmon, citado por André
Mendes Moreira, leciona que, para que o planejamento tributário mantenha o lastro de legítima
economia de tributos, há de ser atendido um critério cronológico, isto é, a conduta deve
ocorrer antes da concretização da hipótese de incidência tributária98. A assertiva se confirma
quando se tem presente que a obrigação tributária nasce tão somente quando praticado seu
fato gerador – tal é a inteligência do artigo 113, §1º, do CTN, que estabelece que “a obrigação
principal surge com a ocorrência do fato gerador (...)” –, e tal determinação é ex lege, não
podendo a autoridade fiscal fazer uso de qualquer discricionariedade para decidir
autonomamente se o fato imponível se deu na situação in concreto. Desta sorte, a inocorrência
de hipótese de incidência tributária não pode dar ensejo à imposição de obrigação, pois esta
não encontra fundamento fático que a consubstancie.
Outrossim, Calmon enuncia um segundo critério distintivo da elisão fiscal em relação
a meios de abuso de direito, qual seja, a licitude dos meios utilizados. Na ocasião, postula o
tributarista que, “diante dos princípios da legalidade e da especificidade conceitual fechada,
informadores do direito tributário brasileiro, será lícita toda conduta que busque a economia
dos impostos, desde que não vedada pelo legislador”99. Ressalte-se, assim, que a distinção
entre elisão e evasão fiscal encontra respaldo mormente nos meios utilizados para o não
pagamento de tributos, ou ao menos sua minoração. De fato, a conceituação ofertada pelo
International Bureau of Fiscal Documentation (IBDF) corrobora a afirmação:
“Tax avoidance. This term is used to denote the reduction of tax liability by
97 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 349.98 COÊLHO apud MOREIRA, André Mendes. Elisão e evasão fiscal – limites ao planejamento tributário. Disponível em: <http://sachacalmon.com.br/publicacoes/artigos/planejamento-tributario-sob-a-otica-do-codigo-tributario-nacional/> Acesso em: 13 abr. 2016.
99 Ibidem.50
legal means. It often has pejorative overtones, where for example it is used avoidance achieved by artificial arrangements of personal or business affairs to take advantage of loopholes, anomalies or other deficiencies of tax law. (...) In contrast with avoidance, tax evasion is the reduction of tax by illegal means (grifo nosso).”100
Amilcar Falcão, em contraponto à noção até agora examinada (ou seja, a licitude da
elisão fiscal), vislumbra na elisão um instrumento ilícito de combate à incidência tributária, se
analisado sob a égide da interpretação econômica do fato gerador, e invoca a redação do
artigo 109 do CTN, cujo texto assim enuncia:
“Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.”
Nessa esteira, Falcão assevera que a lei tributária deve ser objeto de interpretação
funcional e, portanto, deve considerar: i) a consistência econômica do fato gerador; ii) a
normalidade e a forma dos meios empregados; e iii) a finalidade a ser desempenhada pelo
tributo. Partindo dessa premissa, Falcão esposa o entendimento de que a análise da
legitimidade do ato ou negócio, sob os auspícios da norma tributária, não deve se submeter ao
mero exame do enquadramento da situação em formas jurídicas predeterminadas pelo direito
privado, mas a seu conteúdo econômico101. Para Jorge Lima Abud, a visão do mencionado
doutrinador é no sentido de que a hipótese de incidência tributária efetivamente ocorreu, para
além da aparência e, portanto, a exação tributária é exigível.
Entretanto, como já observado anteriormente, Amilcar Falcão demonstra que é
crucial que a interpretação econômica do fato gerador de tributos, sem consideração à forma
jurídica que lhe deu ensejo, deve ser realizada sempre que verificadas a conveniência e a
utilidade de tal exegese, evitando-se, desta maneira, que se releguem as normas contratuais a
segundo plano e que se converta em regra a discricionariedade adotada pelo Fisco ao buscar a
satisfação da obrigação tributária que pretende impor. Isso posto, há de se relativizar a
compreensão feita por Abud, sendo certo que a assertiva é insuficiente para advogar pelo
caráter ilícito da elisão fiscal. Resta, portanto, consagrada a interpretação de que é aquela
lícita, dados os critérios cronológico e de licitude pontificados por Sacha Calmon102.
100 HOLANDA. International Tax Glossary. Amsterdam: IBDF, 1988. p. 22. Tradução: “Elisão fiscal. Esse termo é usado para denotar a redução da exação fiscal por meios lícitos. Frequentemente carrega tons pejorativos, onde por exemplo a elisão é alcançada por avenças artificiais de relações pessoais ou negociais para obtenção de vantage por brechas, anomalias ou outras deficiências de normas tributárias. (…) Em contraste com elisão, a evasão fiscal é a redução da exação fiscal por meios ilícitos (grifo nosso).”101 ABUD, Jorge Lima. Interposição fraudulenta de terceiros em comércio exterior. E-book. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 57.102 COÊLHO apud MOREIRA, André Mendes. Elisão e evasão fiscal – limites ao planejamento tributário. Disponível em: <http://sachacalmon.com.br/publicacoes/artigos/planejamento-tributario-sob-a-otica-do-codigo-
51
São, assim, ambos os critérios, aplicados de forma conjunta, hábeis a separar a elisão
da evasão.
Evasão fiscal, ao contrário da elisão, traz aspecto cronológico diverso, consistente da
ocorrência de fato gerador antes ou concomitantemente à conduta de supressão tributária.
Deveras, o ato de esquivo do tributo ou, quando nada, sua redução se dá posteriormente à
verificação do fato imponível, ou ao mesmo tempo em que este se opera, além de,
impreterivelmente, se concretizar mediante instrumento lastreado de ilicitudes, ou seja, abuso
de formas e de direito. Sacha Calmon pontua:
“Na evasão ilícita a distorção da realidade ocorre no momento em que ocorre o fato jurígeno-tributário (fato gerador) ou após sua ocorrência. Na elisão, a utilização dos meios ocorre antes da realização do fato jurígeno-tributário, ou como aventa Sampaio Dória, antes que se exteriorize a hipótese de incidência tributária, pois, opcionalmente, o negócio revestirá a forma jurídica alternativa não descrita na lei como pressuposto de incidência ou pelo menos revestirá a forma menos onerosa.”103
Quanto aos elementos formativos da evasão fiscal, André Mendes Moreira lhe atribui
três: i) sonegação; ii) fraude; e iii) simulação104.
O crime de sonegação fiscal é descrito, inicialmente, pela Lei 4.729/1965105 e consiste
no ato de prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser
transmitida a agente da administração tributária com o fim de eximir-se do pagamento de
tributos. A lei mencionada traz em seus incisos especificidades que tornam o ilícito descrito
possível, tais como falsificações de faturas e outros documentos de operações mercantis;
pagar, exigir ou receber, em proveito próprio ou de outrem, percentual sobre parcela deduzida
ou dedutível de imposto de renda como incentivo fiscal; e fornecer ou emitir documentos
graciosos ou majorar despesas com o fim de obter reduções de tributos.
Hugo de Brito Machado assevera, contudo, que o advento da Lei 8.137/1990106, ao
definir os crimes contra a ordem tributária, fê-lo de modo a trazer as mesmas descrições
outrora oferecidas pela Lei 4.729/1965, o que, no entendimento do doutrinador, ocasionou a
revogação tácita desta107. Decerto, o artigo 1º da lei de 1990, embora não utilize a expressão
tributario-nacional/> Acesso em: 13 abr. 2016.103 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria da evasão e da elisão em matéria tributária. In ROCHA, Valdir de Oliveira. (Coord.). Planejamento fiscal – teoria e prática. São Paulo: Dialética, 1998. p. 174.104 MOREIRA, ibidem.105 BRASIL. Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965. Define o crime de sonegação fiscal e dá outras providências. Brasília, Diário Oficial da União de 19 de julho de 1965. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4729.htm> Acesso em: 23 abr. 2016. 106 BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências . Brasília, Diário Oficial da União de 28 de dezembro de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8137.htm> Acesso em: 23 abr. 2016. 107 MACHADO, op. cit., pp. 457-458.
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sonegação fiscal, tipifica o crime de forma semelhante à sua antecessora, de sorte que o
instituto permanece em voga no direito brasileiro e, portanto, não merece ser reputado atípico.
Fraude, a seu turno, é instituto que se encontra no Código Penal, nos incisos II a VI
do artigo 171. Corresponde ao ato de obter vantagem ilícita pelo uso de meios artificiosos para
induzir ou manter alguém em erro, tendo profunda ligação com o crime de estelionato. É
encampada também pela lei civil, segundo a qual a fraude se caracteriza pela ação ou omissão
de fato com o fim de causar prejuízo a uma parte da relação jurídica108.
Na seara tributária, a fraude é dotada de contornos próprios. O artigo 149, VII, do
CTN determina o lançamento de ofício da obrigação tributária quando “se comprove que o
sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação”. Os
artigos 150, §4º, e 154, parágrafo único, estabelecem, por sua vez, que a extinção da
exigibilidade da obrigação tributária e a moratória não serão possíveis em caso de fraude.
Para os fins de compreensão do instituto da fraude no âmbito do direito tributário,
imperioso é que se proceda à distinção entre fraude tributária e fraude à lei tributária. A
primeira se afigura como elemento subjetivo intrínseco à prática de determinado ato na esfera
fiscal, tal como se verifica nos crimes descritos pelo artigo 1º da Lei 8.137/1990 e nos
dispositivos mencionados do próprio CTN. Portanto, consiste de violação frontal a deveres
inerentes às obrigações tributárias principais e acessórias, como o falseamento de documentos
e livros fiscais, além do que comumente se denomina “caixa dois”, constituindo verdadeiro
ilícito de evasão fiscal. A fraude à lei tributária se traduz na preservação do conteúdo legal,
com a defraudação de sua imposição normativa. Desta sorte, o agente faz uso da letra da
norma, porém de forma a obter ilicitamente vantagem fiscal. Nesse sentido, é valiosa a lição do
Ministro Moreira Alves:
“Quando o ato vai contra as palavras e o espírito da lei, é ele contra legem, contrário à lei, em que há a violação direta da lei. Já quando o ato preserva a letra da lei, mas ofende o espírito dela, o ato é de fraude à lei. É possível, para praticar-se fraude à lei, que haja a utilização de um ato só ou de um complexo de atos.”109
Portanto, resta consignado que a fraude em matéria tributária não apenas é possível –
vide as disposições legais que repetidamente sedimentam esta noção –, mas também se verifica
de duas formas, a saber, violação direta e violação indireta, sendo a primeira a afronta ao
próprio teor da lei, pelo uso de meios artificiosos para obtenção de vantagem fiscal de maneira
ilícita; e a segunda, o uso da literalidade da lei para o alcance de escopo ilícito, isto é, como
preleciona Moreira Alves, o ferimento ao espírito da lei, sua ratio essendi.108 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. V. II. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p. 718.109 ALVES, José Carlos Moreira. As figuras correlatas da elisão fiscal. Belo Horizonte: Fórum, 2003. p. 19.
53
A simulação, por derradeiro, já mencionada no presente estudo, merece exame
aprofundado, máxime em razão de seu impacto na seara tributária. Está disposta no artigo 167,
§1º, I, do Código Civil, da seguinte forma:
“Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem.”
Interessante notar que a disposição do diploma civilista, embora estabeleça a nulidade
de pleno direito do negócio simulado, procura manter o teor daquele objeto de dissimulação.
Tal distinção se justifica em face da diferença conceitual entre simulação e dissimulação, o que
se aferirá neste momento.
Washington de Barros Monteiro define simulação como o “intencional desacordo
entre a vontade interna e a declarada, no sentido de criar, aparentemente, um negócio jurídico
que, de fato, não existe, ou então oculta, sob determinada aparência, o ato realmente
querido”110. Cuida-se de negócio jurídico indireto, por meio do qual o agente cria a aparência
de determinada forma jurídica, mas seu real desiderato é o de conduzir avenças com outras
partes sob um molde negocial diverso daquele proclamado. Na simulação, com efeito, oculta-
se uma verdade com uma vontade ostensivamente declarada. Porta o fenômeno, pois, quatro
características basilares, a saber, i) o falseamento da declaração bilateral de vontades; ii)
vontade ostensivamente declarada que diverge do real desiderato das partes; iii) declaração de
consonância entre as partes acerca da simulação a ser praticada, caracterizando-se a intenção
inequívoca; e iv) o propósito de iludir um terceiro (aqui, o Fisco).
No tocante à figura da dissimulação, Maria Helena Diniz adverte que
“Não há que confundir a simulação da dissimulação. A simulação absoluta provoca falsa crença num estado não real, que enganar sobre a existência de uma situação não verdadeira, tornando nulo o negócio. Procura, portanto, aparentar o que não existe. A dissimulação (simulação relativa) oculta ao conhecimento de outrem uma situação existente, pretendendo, portanto, incutir no espírito de alguém a inexistência de uma situação real e no negócio jurídico subsistirá o que se dissimulou se válido for na substância e na forma.”111
O legislador, ao passo que fez o ato de simulação atrair a nulidade, ressalvou a
dissimulação, desde que o que se dissimulou no negócio jurídico mantenha íntegras a
110 MONTEIRO, Washington de Barros; PINTO, Ana Cristina de Barros Monteiro França. Curso de direito civil – parte geral. 44. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 272.111 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 22. ed., v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 459.
54
substância e a forma, que devem estar encampadas pelas condições legais de validade. Por
óbvio, também resguardou os direitos do terceiro de boa-fé em face dos contraentes do
negócio simulado – tal é a exegese do § 2º do artigo 167 do Código Civil.
Oportuno, ainda, rememorar a lição de Emilio Betti, que assevera que não se há de
invariavelmente imiscuir o instituto da simulação à fraude de per si, porquanto os fenômenos
apresentam características distintas. Preleciona Betti que se cuida
“(...) de duas qualificações heterogêneas, dependentes de dois aspectos diversos, sob os quais o negócio pode ser considerado. A fraude, e de uma maneira geral a ilicitude, exprime uma qualificação do interesse que determina em concreto a celebração do negócio, apreciado em conexão com a causa típica. A simulação, pelo contrário, exprime, simplesmente, uma divergência, ou uma repugnância, entre aquele interesse e a causa (grifos nossos).”112
Pelo exposto por Betti, explicita-se o provável intento do legislador em buscar a
manutenção do negócio jurídico dissimulado. Ademais, a fim de amparar a visão do
doutrinador, não olvidamos a figura da simulação inocente, que, na definição oferecida pelo
jurista Francisco Amaral, “é a que se faz sem o intuito de prejudicar, como ocorre, por
exemplo, no caso de um homem solteiro simular qualquer venda à sua companheira, ocultando
na verdade uma doação, pois não há qualquer impedimento para este ato (CC, art. 550)”113. No
plano civil, a simulação inocente não produz qualquer efeito prático - com a guarida do
legislador, que buscou, por meio da edição do artigo 167 do Código Civil, preservar o negócio
jurídico que mantenha sua substância e sua forma válidas perante o ordenamento, de modo que
as partes e os terceiros de boa-fé não se vejam em hipótese de desnecessária judicialização de
causa contratual. Na seara tributária, por outro lado, os desdobramentos da simulação, ainda
que inocente, são diversos.
No tangente ao ordenamento jurídico brasileiro e suas disposições acerca da
simulação contratual, no ensinamento de Alberto Xavier114, a doutrina tributarista se divide em
duas correntes: a posição majoritária considera que tão somente a simulação, como definida
pelo Código Civil, é situação autorizadora de desconsideração pelo Fisco de atos e negócios
jurídicos destinados a evitar ou reduzir a incidência tributária. Destarte, se não se verifica a
prática de simulação ou qualquer outra forma de ilícito dolosa ou fraudulenta, não há de se
cogitar de negócio jurídico simulado, mas tendente à prática de elisão fiscal plenamente eficaz
e legítima. Nesse particular, há de se rememorar que a inserção do parágrafo único do artigo
112 BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Campinas: Servanda, 2008. p. 568.113 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 534.114 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001. pp. 156-157.
55
116 do CTN pela Lei Complementar 104/2001 visou a autorizar a autoridade fiscal a
desconsiderar atos ou negócios viciados por simulação, com interpretação extensiva favorável
à desconsideração de relações jurídicas firmadas sob os auspícios do abuso de formas e de
direito e do negócio indireto, o que tem sido objeto de críticas veementes pela doutrina pátria.
Xavier115, além de suscitar o descabimento da regra ao negócio lastreado de dissimulação (por
ser esta considerada simulação relativa e, consoante a redação do artigo 167, §1º, I, do Código
Civil, apta a manter preservado o teor do negócio ou ato jurídico maculado pela dissimulação),
assevera que, se a norma do dispositivo do CTN for reputada verdadeiramente norma geral
antielisiva, será inconstitucional, pois afronta os princípios da legalidade estrita e da tipicidade
cerrada, além de ferir a disposição do artigo 108, §1º, do CTN, que dispõe que “o emprego da
analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei”.
A segunda corrente, formada por uma parcela minoritária da doutrina, mantém o
posicionamento de que não apenas a simulação, mas também fraude à lei e o abuso de direito
ensejam a desconsideração pelo Fisco de atos e negócios jurídicos praticados com o fim de
supressão ou minoração tributária116. Cuida-se de posicionamento doutrinário que vislumbra na
introdução do parágrafo único do artigo 116 do CTN verdadeira norma antiabuso. Todavia, há
de se rememorar que a norma em comento carece de regulamentação por lei ordinária, o que
não se deu nem mesmo pela conversão em lei da Medida Provisória 685/2015 – ao menos no
que concerne às normas proibitivas relativas ao planejamento tributário. Por tal motivo, não
assiste razão à corrente minoritária a que se fez menção, porquanto, além de ser vedada a
prática da desconsideração arbitrária de atos e negócios jurídicos, em atenção à tipicidade
fechada e à legalidade estrita que permeiam o direito tributário, o parágrafo único do artigo
116 do CTN encontra-se hodiernamente em circunstância de ineficácia e, portanto, não goza
referida norma de condão de amparar juridicamente a pretensão do Fisco de proceder à figura
desconsiderativa.
115 Idem, pp. 19, 98, 102 e 138.116 FERRAZ, Andréa Karla; GODOI, Marciano Seabra de. Planejamento tributário e simulação: estudo e análise dos casos Rexnord e Josapar. In Revista de Direito GV, São Paulo, n. 8, jan.-jun. 2012. pp. 359-380.
56
3. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E TREATY SHOPPING
Feitas as devidas elucubrações acerca dos conceitos de elisão e evasão fiscal, com
seus afluentes, impõe-se ponderar sobre a licitude e legitimidade do treaty shopping como
instrumento de se evitarem tributos. Assim é porque o treaty shopping tem como elemento
motivador a bitributação internacional, a qual pode, em determinadas situações, constituir
verdadeiro percalço ao comércio internacional e à atração de investimentos estrangeiros, o que
pode retardar sobremaneira o crescimento econômico de um país. Em razão da problemática
que se impõe, verificam-se hoje tratados internacionais cujo intento é o de representar medida
bilateral com o condão de dirimir ou reduzir a incidência do fenômeno da bitributação entre
diferentes nações, mediante a limitação do alcance do ordenamento jurídico interno de
determinado Estado e o estabelecimento de uma repartição de competências entre os países em
matéria tributária. Contudo, é cediço que não são todos os Estados que celebram tais tratados,
o que faz nascer o desiderato de uma parte de recorrer ao treaty shopping como alternativa de
otimização de receitas e supressão de tributos.
3.1. Princípios norteadores da tributação internacional
A fim de que se proceda ao estudo do treaty shopping propriamente dito, faz-se
57
mister digressionar brevemente sobre os princípios norteadores do instituto da tributação
internacional, uma vez que é a tais preceitos que deve o operador do direito recorrer ao
examinar hipótese de planejamento tributário internacional e sua legitimidade – com efeito, são
os princípios elementos que norteiam não somente um fenômeno jurídico, mas sua disciplina
legal. A afronta àqueles representa verdadeira violação ao arcabouço legislativo que permeia o
fenômeno, a dar azo à desconsideração pelo Fisco do negócio inserto no planejamento
lastreado por ilicitudes.
Por primeiro, o princípio da territorialidade atende ao critério da fonte, ou seja,
aplica-se em relação à tributação aferida sobre a renda por contribuinte não residente no
território do Estado tributante117. Assim, o critério da fonte atém-se ao local onde nasce o fato
gerador do tributo, sendo certo que a renda auferida de fonte de produção localizada em
território estrangeiro não é passível de incidência tributária. Traduz-se o critério da fonte,
ademais, no fato de incidir imposição tributária sobre a renda auferida em fonte de produção
localizada no território de um dado Estado, sem consideração à residência fiscal ou à situação
dos bens do sujeito passivo.
Alberto Xavier traz à lume quatro aspectos intrínsecos ao princípio da territorialidade,
a saber: i) não tributação dos rendimentos e ganhos de capital advindos de atividade, seja
funcional ou jurídica, auferidos no exterior, relegando-se a função tributante ao país onde se
situa a fonte dos acréscimos; ii) a tributação unicamente dos resultados atribuídos à parte de
atividade mista exercida no Brasil, quando se tratar de atividades prestadas parcialmente no
País e no exterior; iii) a não tributação de lucros imputáveis à atividade indireta no exterior por
intermédio de filiais e sucursais estrangeiras, ainda que transferidos ao Brasil; e iv) a não
tributação de lucros imputáveis às atividades indiretas no exterior por meio de sociedades
controladas e coligadas ou domiciliadas no exterior118.
Anota o tributarista que o princípio da territorialidade vigorava no Brasil até o
advento do Decreto-Lei nº 1.168/1939, que passara a disciplinar alterações ao regramento do
imposto sobre a renda, quando o preceito mencionado cedeu espaço ao princípio da
universalidade, o qual rege até os dias de hoje o direito tributário brasileiro119. Diametralmente
oposto ao preceito da territorialidade, aquele da universalidade (ou do worldwide income) foi
definitivamente incorporado à práxis jurídica pátria graças ao Regulamento do Imposto de
Renda de 1980, que, em seu artigo 21, VIII, estabelece que:
“Art. 21. Entrarão no cômputo do rendimento bruto, nas cédulas em que couberem:
117 XAVIER, Alberto. Direito tributário..., op. cit., p. 366.118 Ibidem, p. 370.119 Ibidem, p. 365.
58
(...)VIII – os rendimentos recebidos no exterior, transferidos ou não para o Brasil, ainda que decorrentes de atividade desenvolvida ou de capital situado no exterior (...).”120
O princípio da universalidade, ou critério da residência, enuncia que toda a renda da
pessoa jurídica deve ser passível de tributação no país de domicílio, e aqui inclui-se a renda
externa, decorrente de qualquer atividade inerente ao funcionamento da empresa, seja obtida
por filiais ou subsidiárias121. Extrai-se da assertiva que o fato de a pessoa, física ou jurídica,
estabelecer residência em um país cujo ordenamento se submete ao princípio da universalidade
a sujeita ao rito de declaração e lançamento dos acréscimos patrimoniais auferidos naquele
território, porquanto ali serão devidas imposições tributárias, não importando se os ganhos se
deram no exterior ou internamente. Nesse particular, e no tocante às pessoas jurídicas, há de se
ressalvar, como orienta Xavier122, que as empresas subsidiárias (que são dotadas de
personalidade jurídica própria) se submetem à tributação sobre os dividendos por estas
distribuídos, pois que constituem renda da sociedade controladora. Todavia, nesse caso, não
incidirão tributos sobre os lucros acumulados ou retidos pela subsidiária, porque consistem de
sua renda, não disponibilizada à controladora.
3.2. Dupla tributação e tratados para evitá-la
Discorrer sobre dupla tributação significa elucubrar acerca do concurso de normas em
matéria tributária. O concurso de normas existe quando o mesmo fato é integrado em duas ou
mais ordens jurídicas distintas e, assim, no caso do direito tributário, quando subsiste um
mesmo fato que seja tido como imponível perante legislações de nacionalidades diversas.
Nesse sentido, Alberto Xavier enuncia que, “para haver concurso de normas (e portanto dupla
tributação) é indispensável que se verifique a identidade do fato”123. Com efeito, é certo que a
incidência de normas diversas sobre fatos diferentes entre si não tem o condão de conduzir à
bitributação, porquanto trata-se de situações jurídicas várias, cada qual com uma solução
intrínseca própria, ou seja, não se faz presente uma identidade de fato para aferição da dupla
tributação – requisito primeiro para a constituição de concurso de normas, notadamente em
120 BRASIL. Decreto nº 85.450, de 4 de dezembro de 1980. Aprova o Regulamento para a cobrança e fiscalização do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Brasília, Diário Oficial da União de 5 de dezembro de 1980. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-85450-4-dezembro-1980-434900-norma-pe.html> Acesso em: 24 abr. 2016. 121 XAVIER, Alberto. Direito tributário..., op. cit., p. 367.122 Idem, p. 368.123 XAVIER, Alberto. Direito tributário..., op. cit., p. 22.
59
matéria tributária.
Prossegue Xavier elucidando acerca do requisito da identidade do fato, dispondo que,
dados os aspectos material, subjetivo, espacial e temporal, que devem ser estipulados pela lei
instituidora de tributo, a doutrina dedicada ao estudo da dupla tributação formulou a regra das
quatro identidades124. Esmiúça o autor:
“Segundo ela (a regra das quatro identidades), para que se possa falar em identidade do fato (e portanto em dupla tributação), seria necessária (i) a identidade do objeto, (ii) a identidade do sujeito, (iii) a identidade do período tributário e (iv) a identidade do imposto.”125
A assertiva conduz ao entendimento de que é necessária a concomitância de todos os
aspectos para o nascimento de hipótese de dupla incidência tributária. No entanto, a regra das
quatro identidades parece comportar entraves quanto ao seu cabimento, sendo o principal
deles a justaposição da identidade em face de cada uma das ordens jurídicas cujos dispositivos
se fazem presentes em relação ao fato a ser examinado pelo operador do direito. Isso porque
as normas em concurso provêm de ordenamentos diferentes, informados por preceitos
provavelmente diversos e que invocam soluções e conceitos também distintos, o que reclama
interpretação dos elementos de identidade de maneira flexível.
Em razão da problemática que se apresenta, Xavier rememora que a regra das quatro
identidades tem sofrido relativização por tributaristas como Manlio Udina, para quem “a
definição de dupla tributação deve ser encarada à luz de um critério geral de valoração
fornecido pelo próprio Direito Tributário – e esse critério deve ser um critério objetivo,
deduzido do princípio constitucional da capacidade contributiva”126. Desta feita, o aspecto
material da hipótese de incidência tributária desempenharia papel norteador da dupla
tributação, não obstante seja o sujeito diferente na situação. Para Udina,
“Existiria verdadeiro concurso se o mesmo rendimento fosse tributado por normas tributárias distintas, das quais uma o atinge na sociedade, pessoa jurídica onde se gerou, e outra no sócio a quem foi distribuído, e, em geral, sempre que o mesmo fato (ou aspecto material do fato) é tributado cada vez que muda de titular, operando-se assim o que se tem designado por dupla tributação por discriminação de contribuintes.”127
Entre os doutrinadores pátrios, Xavier traz posicionamento reputado dominante no
direito brasileiro, contrário ao entendimento esposado por Udina, segundo o qual a existência
da dupla tributação tem como pressuposto fundamental a identidade do sujeito, e que a
124 Idem.125 Idem.126 UDINA apud XAVIER, 2010.127 Idem.
60
unidade do aspecto subjetivo é o elemento distintivo entre a dupla tributação jurídica e a dupla
imposição econômica, em que a identidade objetiva se harmoniza com a diversidade de
sujeitos128. Consigna-se, assim, o posicionamento que eleva a identidade subjetiva a requisito
básico para a ocorrência do fenômeno da dupla tributação em sentido jurídico, coexistindo
com a identidade do objeto, além da pluralidade de normas tributárias incidentes sobre a
circunstância concreta que guarda tais características.
Destarte, as convenções destinadas a evitar a bitributação têm o fim precípuo de
eliminar ou, ao menos, reduzir a dupla incidência tributária sobre o mesmo objeto e mesmo
sujeito. Não obstante, não se há de olvidar as demais finalidades almejadas com a elaboração
de tais convenções – de fato, salienta Brian Arnold que:
“From 1977 until early 2003, the Commentary (Para. 7) on Art. 1 of the OECD Model emphasized that the purpose of bilateral tax treaties was to facilitate international trade and investment by eliminating double taxation.”129
Com o fim de se solucionarem a incidência da bitributação e as controvérsias afeitas
ao tema, a diplomacia internacional tem empreendido esforços no sentido de oferecer remédios
unilaterais ou bilaterais, notadamente a assinatura de tratados e convenções. Em razão da
completude que comportam as medidas bilaterais, tem-se presente que a assinatura, ratificação
e internalização de tratados e convenções internacionais merecem destaque no exame dos
instrumentos jurídicos aptos a conter as iniciativas de dupla tributação havidas entre dois
Estados. Nessa perspectiva, tais documentos não se prestam a fixar circunstâncias de aplicação
extraterritorial da lei interna de cada país, mas a delimitar suas competências tributárias.
Deveras, a celebração de tratados e convenções internacionais é o mais eficaz meio de
que pode um país lançar mão para instituir sua política fiscal internacional. Os documentos
supralegais prestam-se, outrossim, a limitar a aplicação fiscal interna – o que, no caso do
Brasil, se mostra vantajoso, uma vez que a legislação tributária pátria se revela complexa e
extensa.
Nesse diapasão, impõe-se a reflexão acerca da aplicação ou não da primazia do
direito internacional sobre o direito interno. O Supremo Tribunal Federal ainda não pacificou
sua interpretação sobre a questão, em face dos permissivos legais constantes do artigo 4º, IX,
da Constituição (princípio da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade),
128 XAVIER, Alberto. Direito tributário..., op. cit., p. 24.129 ARNOLD, Brian J. Tax Treaties and Tax Avoidance: The 2003 Revisions to the Commentary to the OECD Model. In Bulletin – Tax Treaty Monitor, junho de 2004. p. 245. Tradução: “De 1977 até o início de 2003, o Comentário (parágrafo 7) ao Art. 1 do Modelo OCDE enfatizou que o propósito dos tratados bilaterais de tributação era o de facilitar o comércio internacional e o investimento internacional por meio da eliminação da bitributação”.
61
parágrafo único da mesma disposição (integração econômica, social, cultural e política dos
países da América Latina) e artigo 5º, §2º, do mesmo diploma (não exclusão do teor de
tratados internalizados pelo Brasil em razão dos direitos e garantias consagrados em sede
constitucional). O artigo 98 do CTN estabelece que tratados e convenções internalizados pelo
ordenamento jurídico brasileiro revogam ou modificam as leis tributárias internas e deverão ser
observados por normas internas supervenientes. Diante das divergências, o STF tem entendido
de forma heterogênea, a depender das circunstâncias e do teor do tratado e da lei interna,
quando insertos no cerne da discussão judicial. Por exemplo, em relação à Constituição
Federal, é inegável que esta se sobreporá ao conteúdo de tratados e convenções. Tal é o que
demonstra a ementa do RE 172.720/RJ, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello:
“INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - EXTRAVIO DE MALA EM VIAGEM AÉREA - CONVENÇÃO DE VARSÓVIA - OBSERVAÇÃO MITIGADA - CONSTITUIÇÃO FEDERAL - SUPREMACIA. O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos morais. Configurados esses pelo sentimento de desconforto, de constrangimento, aborrecimento e humilhação decorrentes do extravio de mala, cumpre observar a Carta Política da República - incisos V e X do artigo 5º, no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil (grifo nosso).”130
Por outro lado, o Excelso Pretório infirmou também a noção de supralegalidade dos
tratados internacional, como se verifica no RE 349.703, de relatoria do Ministro Carlos Ayres
Britto:
“PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei nº 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI Nº 911/69.
130 RE 172720, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 06/02/1996, DJ 21-02-1997 PP-02831 EMENT VOL-01858-04 PP-00727 RTJ VOL-00162-03 PP-01093
62
EQUIPAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e b) o Decreto-Lei nº 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão "depositário infiel" insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO (grifo nosso).”131
Decerto, uma vez que não uniformizada a jurisprudência da Suprema Corte brasileira,
há de se observar que a tutela dos tratados e das convenções internacionais, no que tange a sua
hierarquia em relação ao regramento interno, será analisada segundo o caso in concreto.
Como regra, assenta Alberto Xavier que as convenções para evitar a dupla tributação
seguem o Modelo OCDE, e o fato de o Brasil estar incluído no rol de Estados que o seguem, a
especial referência ao modelo se justifica132. O modelo tem origem nos trabalhos desenvolvidos
pelo Comitê Fiscal da Organização Europeia de Cooperação Econômica (OECE), cuja
incumbência era de elaborar e apresentar um projeto de convenção com o fim de evitar a dupla
tributação sobre rendas e patrimônio. O mandato do Comitê Fiscal se renovou em 1961, ano
de criação da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a qual veio a
substituir a antiga OECE.
Continua Xavier a lição, lecionando que foi no ano de 1992 que surge um novo
Modelo de Convenção, o qual, ao contrário das versões de 1963, 1977 e posteriores, tem o
propósito de se renovar periodicamente. Datam as últimas atualizações de 1994, 1995, 1997,
2000, 2003, 2005, 2008 e 2014 (esta última consistindo de modelo atualmente adotado pelos
países signatários, inclusive o Brasil)133.
Sendo o combate à bitributação um meio para o alcance do incentivo ao comércio
internacional e ao investimento estrangeiro, há de se depreender da leitura do Modelo da
131 STF - RE: 349703 RS, Relator: Min. CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 03/12/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009132 XAVIER, Alberto. Direito tributário..., op. cit., p. 71.133 Idem.
63
OCDE134 que o propósito intrínseco de tal empreendimento diplomático encampa os seguintes
objetivos: i) estabilidade em relações e investimentos internacionais; ii) cooperação entre os
Estados signatários, a qual implica fornecimento de informações fiscais de pessoas físicas
jurídicas para fins de averiguação quanto ao cabimento de incidência tributária; iii) não
discriminação em matéria fiscal contra estrangeiros e não residentes nos Estados signatários;
iv) uniformização de regimes tributários entre os signatários; e v) estabelecimento de
procedimento amistoso de resolução de controvérsias quanto à interpretação e aplicação de
dispositivos de matéria fiscal. Cuida-se de medidas que visam não somente à minoração da
carga tributária em favor do contribuinte, mas principalmente de instrumentos tendentes a
combater a evasão fiscal, a qual encontraria menos entraves para se perfazer se não se
deparasse com as disposições de cooperação entre países para o fornecimento de informações
e antecedentes fiscais de contribuintes que entre aqueles estabelecerão uma relação de
transferência de rendimentos e ganhos.
Em 2011, a Receita Federal brasileira editou a Instrução Normativa IRFB
1.226/2011135, a qual regulamenta o fornecimento de informações a respeito da situação fiscal
do contribuinte residente no País ou em outra nação com a qual tenha firmado tratado para
evitar a dupla tributação.
Hodiernamente, como demonstra a Subsecretaria de Aduana e Relações
Internacionais da Receita Federal136, o Brasil celebrou Acordos para Evitar a Dupla Tributação
com 33 países, sendo estes: África do Sul, Alemanha (embora o Acordo haja sido denunciado
e, portanto, reputado sem efeito desde 1º de janeiro de 2006), Argentina, Áustria, Bélgica,
Canadá, Chile, China, Coreia do Sul, Dinamarca, Equador, Eslováquia, Espanha, Filipinas,
Finlândia, França, Hungria, Índia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Países
Baixos, Peru, Portugal, República Tcheca, Suécia, Trinidad e Tobago, Turquia, Ucrânia e
Venezuela. Em relação aos demais países, é comum o estabelecimento de relações empresariais
que reclamem um planejamento tributário internacional, o qual, não raro, abrange os ritos
procedimentais do treaty shopping, e é ao seu exame detido que ora nos dedicamos.
134 FRANÇA. Model Convention with Respect to Taxes on Income and On Capital . Paris: Organization for Economic Cooperation and Development (OECD), 2014.135 BRASIL. Instrução Normativa nº 1.226, de 23 de dezembro de 2011. Dispõe sobre o uso do "Atestado de Residência Fiscal no Brasil", do "Atestado de Rendimentos Auferidos no Brasil por Não Residentes" e do "Atestado de Residência Fiscal no Exterior". Brasília, Diário Oficial da União de 26 de dezembro de 2011, p. 211.136 Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-rapido/legislacao/acordos-internacionais/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao> Acesso em: 24 abr. 2016.
64
3.3. Conceito e elementos do treaty shopping
Antônio de Moura Borges preleciona:
“Considerando que os tributos representam importante fatia do resultado de atividades humanas com repercussão econômica, principalmente com o advento da globalização, o planejamento tributário internacional passou a ser objeto de especial atenção. Com efeito, se, por um lado, os Estados devem estabelecer sistema tributário justo e socialmente aceitável, por outro, cabe aos contribuintes organizar suas atividades de modo a não terem que pagar a título de tributos mais do que o esperado e rigorosamente devido.”137
Ensina Verónica Alessi que o treaty shopping tem suas origens nos Estados Unidos e
se relaciona ao forum shopping, utilizado no processo civil do país. Alessi faz menção aos
ensinamentos de David Rosenbloom, segundo quem o nascimento da expressão está ligado a
uma audiência pública promovida pelo Congresso norte-americano em 1971, sobre a temática
dos paraísos fiscais, ainda que a problemática do treaty shopping remonte a períodos
anteriores, porquanto há em tratado firmado entre os Estados Unidos e o Reino Unido, em
1945, cláusulas e normas antiabuso138. Na definição de Alessi, o treaty shopping é assim
tratado:
“Podríamos decir que un contribuyente ‘compra’ los beneficios de un tratado que normalmente no le corresppnderían. Para este fin, generalmente el contribuyente interpone una sociedad en un país que tiene una ventaja por la firma de un convenio.”139
Com a assertiva, insta inserir o instituto do treaty shopping no âmbito do
planejamento tributário internacional, consubstanciando-se na opção feita pelo contribuinte de
tratado que mais bem reduza ou mitigue o encargo tributário. Luís Eduardo Schoueri assim o
define:
“Treaty shopping ocorre quando, com a finalidade de obter benefícios de um acordo de bitributação, um contribuinte, que de início, não estaria incluído entre seus beneficiários, estrutura seus negócios, interpondo, entre si e a fonte do rendimento, uma pessoa ou estabelecimento permanente, que faz jus àqueles benefícios.”140
137 BORGES, Antônio de Moura. Formas de minimização do encargo tributário nas operações internacionais e planejamento tributário internacional. In Revista dos Procuradores da Fazenda Nacional. Ano 6/7. Brasília: Fortium, 2004/2005. 138 ALESSI, Verónica. Treaty shopping – abuso a los convenios internacionales. Buenos Aires: Asociación Argentina de Estudios Fiscales, 2003. p. 3. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/238101917_TREATY_SHOPPING-ABUSO_A_LOS_CONVENIOS_INTERNACIONALES> Acesso em: 24 abr. 2016. Tradução: “Poderíamos dizer que um contribuinte ‘compra’ os benefícios de um tratado que normalmente não lhe corresponderiam. Para esse fim, geralmente o contribuinte interpõe uma sociedade em um país que tem uma vantagem pela assinatura de um acordo”.139 Idem.140 SCHOUERI, Luís Eduardo. Planejamento fiscal através de acordo de bitributação . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 21.
65
Da conceituação ofertada por Schoueri, é possível denotar algumas características
inerentes ao treaty shopping, ou requisitos para que se afigure o fenômeno, a saber: i) a
escolha de tratado que mais bem se amolde à situação fiscal do contribuinte, de modo que este
se beneficie da opção com o fito de obter supressão ou redução de carga tributária; ii) não ser
o beneficiário residente em um dos Estados signatários do acordo mais conveniente; e iii) a
interposição de pessoa – em geral, jurídica, como uma holding – no país contemplado pelo
tratado mais benéfico, criando-se artificialmente uma ponte com o condão de efetivar a relação
requerida no documento supranacional e, assim, fazer produzirem-se os efeitos dele
constantes. Extrai-se da assertiva de Schoueri a obviedade dos questionamentos feitos pela
doutrina acerca da legalidade da aplicação do treaty shopping como meio de planejamento
tributário internacional. Nessa esteira, Alberto Xavier traz posicionamento pela ilegalidade do
instrumento:
“Tendo presente que os tratados contra a dupla tributação se aplicam às pessoas que sejam residentes dos Estados contratantes, a residência num desses Estados pode ser obtida com o propósito exclusivo de aproveitar o regime mais favorável de um tratado que, de outro modo, não abrangeria a entidade em causa. Fala-se em tal da treaty shopping, de uso impróprio ou de abuso das convenções (grifo nosso).”141
Notório que, ao oferecer conceituação jurídica para o treaty shopping, Xavier lança
mão de expressões que, em seu entendimento, representam sinônimos para o fenômeno,
elegendo os termos uso impróprio e abuso das convenções, elucidando que, a seu ver, o
instituto em apreço traz uma indelével carga de ilicitude.
Dos requisitos apresentados por Schoueri, observe-se que os dois primeiros pontos
(escolha do acordo mais benéfico e o fato de ser o contribuinte residente fora do campo de
aplicação do tratado) se perfazem antes da concretização da operação, a qual se consubstancia
no momento em que é interposta a pessoa no país contratante.
Configura-se o treaty shopping, por exemplo, em situação em que determinada
pessoa física residente em Mônaco, é titular de investimentos feitos em sociedade empresária
alemã. Os dois países não firmaram entre si acordos para evitar a bitributação, o que leva a
pessoa a constituir holding na Suíça com o exclusivo fim de obter os benefícios tributários
advindos de tratado existente entre Suíça e Alemanha, cuja previsão é de redução de alíquota
do imposto de retenção na fonte sobre os dividendos. Verifica-se, desta sorte, a aplicação do
treaty shopping como instrumento de redução de carga tributária sobre os dividendos
141 XAVIER, Alberto. Direito tributário..., op. cit., p. 280.66
auferidos pela pessoa monegasca em razão de seus investimentos na empresa alemã.
Agostinho Tavolaro doutrina que, em razão das figuras atinentes ao planejamento
tributário internacional e do treaty shopping, surgiu no âmbito do direito tributário
internacional a expressão beneficial owner, para designar a pessoa que de fato auferirá as
vantagens decorrentes do tratado contra a dupla tributação, máxime em se tratando de
sociedades trampolins142. O Black’s Law Dictionary, fundamentando a definição da expressão
por Tavolaro, assim a conceitua:
“Beneficial owner – 1. One recognized in equity as the owner of something because use and title belong to that person, even though legal title may belong to someone else; esp., one for whom property is held in trust. – Also termed equitable owner. 2. A corporate shareholder who has the power to buy or sell the shares, but who is not registered on the corporation’s books as the owner.”143
Extrai-se da definição do verbete que o beneficial owner é o proprietário por
equidade, uma vez que os títulos lhe pertencem, a despeito de, legalmente, serem de
titularidade alheia. A figura do beneficiário efetivo, como traduzido e incorporado pelo
vernáculo português, se afigura nos tratados que seguem o Modelo OCDE, nos artigos 10, que
versa sobre dividendos; 11, sobre juros; e 12, sobre royalties.
Tavolaro aduz que o beneficiário efetivo se faz presente no treaty shopping como
hipótese em que uma pessoa, por meio de ente interposto, aufere vantagens constantes do
tratado contra dupla tributação escolhido, sem daquelas ser titular legal144. Nesse particular,
Vogel explana que a figura do beneficiário efetivo, em relação ao treaty shopping, subsiste tão
logo preencha os seguintes requisitos: i) deter o direito de decidir se seu investimento deve ou
não produzir rendimentos; e ii) deter o direito de dispor livremente dos rendimentos145. Disso
decorre o ensinamento de Heleno Tôrres, que preleciona que a caracterização do beneficiário
efetivo se dá pela existência concomitante da busca deliberada pelo tratado contra a dupla
tributação que represente o maior benefício tributário a ser auferido; que o beneficiário efetivo
não resida nos Estados contratantes do acordo; a interposição de terceira pessoa a remeter os
dividendos com a menor carga tributária possível, segundo os ditames do tratado elegido; e,
142 TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Utilização abusiva dos tratados internacionais de dupla tributação (treaty shopping). pp. 9-10. Disponível em: <http://www.tavolaroadvogados.com/doutrina/cs506.pdf> Acesso em: 24 abr. 2016.143 BLACK, Henry Campbell. Black’s Law Dictionary. 7. ed. St. Paul: West Academic, 1999. Tradução: “Proprietário efetivo – 1. Aquele reconhecido por equidade como o proprietário de algo porque o uso e o título pertencem àquela pessoa, embora o título legal pode pertencer a outrem; especificamente, aquele a quem a propriedade é conferida por confiança. – Também chamado de proprietário por equidade. 2. Um acionista empresarial que tem o poder de comprar ou vender as ações, mas que não é registrado nos livros da companhia como proprietário”.144 TAVOLARO, op. cit., p. 8.145 VOGEL apud TAVOLARO, op. cit., p. 9.
67
finalmente, o afastamento da tributação no país onde se originam os rendimentos, por força do
conteúdo jurídico do tratado146. Subsume-se da elucidação de Tôrres a própria conceituação de
treaty shopping, com a devida inserção da expressão beneficiário efetivo, de modo a interligá-
los.
Adverte Xavier que não se há de confundir o instituto do treaty shopping com rule
shopping, que consiste de hipótese em que as partes, “no âmbito de um tratado que
normalmente lhes seria aplicável, (...) se utilizam ‘artificialmente’ de certa ou certas regras
objetivas em função de critérios de qualificação”147.
A OCDE, em seus Comentários, tece críticas ao uso do treaty shopping como
instrumento de elisão fiscal internacional, e a tais observações nos dedicaremos em momento
oportuno. Por primeiro, cumpre trazer à baila elementos de constituição do instituto e suas
definições pela doutrina.
3.3.1. Tipos de treaty shopping: empresas canais (ou direct conduit companies) e sociedades trampolins (ou stepping stones)
Configura-se o treaty shopping por direct conduit companies quando é interposta
uma sociedade empresária beneficiária de um tratado para evitar a bitributação, a qual
desempenhará o papel de conduzir ao efetivo contribuinte beneficiário o rendimento livre de
tributos ou, ao menos, com os encargos tributários minorados148. Na hipótese em tela, a
sociedade interposta é uma terceira pessoa, destinada a conduzir os rendimentos sem
incidência tributária, ou com a menor carga possível.
À guisa de exemplo, considere-se um sócio C da empresa A, situada nos Estados
Unidos, que reside no Brasil e tem o interesse de receber os dividendos da empresa no país de
residência com o menor encargo tributário possível. Entre o Brasil e os Estados Unidos, como
visto anteriormente, não vigora nenhum tratado para evitar a bitributação, o que ocasionaria a
incidência fiscal em ambos os Estados. Para evitar a dupla exação, o sócio estabelece uma
empresa B no Chile, país que mantém com o Brasil um acordo e, hipoteticamente, tem firmado
com os Estados Unidos um tratado que vise à isenção tributária. Assim, os dividendos são
encaminhados ao Chile, de onde serão enviados ao sócio no Brasil, reduzindo-se os tributos a
146 TÔRRES, Heleno. Direito tributário internacional: planejamento tributário e operações transnacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 329.147 Idem.148 ALESSI, op. cit., p. 4.
68
incidirem sobre os dividendos. Desta forma, observa-se que a lógica das direct conduit
companies se opera da seguinte forma: Empresa A Empresa B Sócio C (beneficiário
final). Há, portanto, interposição de uma terceira pessoa destinada a receber os dividendos e
repassá-los ao contribuinte final, que arcará com a menor carga tributária possível.
O treaty shopping por sociedades trampolins, por sua vez, são definidas por
Agostinho Toffoli Tavolaro149 como a hipótese em que determinada sociedade cria uma
empresa subsidiária em país com tributação mais favorável, a qual poderá ser um paraíso fiscal
(tenha-se presente, todavia, que os institutos não se hão de confundir – verificar-se-á a seguir
que há distinções fundamentais entre treaty shopping e paraísos fiscais). A instituição da
empresa subsidiária propicia vantagens fiscais decorrentes de negociações celebradas com
empresas de outros Estados, as quais serão utilizadas nos investimentos de interesse da
empresa matriz. A subsidiária, in casu, desempenha função de sociedade trampolim, pois
permitirá negociações mais profícuas envolvendo a matriz, que não seriam possíveis se o
fenômeno não se operasse.
De toda sorte, é pacífico o posicionamento adotado pela doutrina no sentido de que o
treaty shopping constitui meio abusivo de uso de acordos e tratados tendentes a evitar a
bitributação com o fito de obtenção de supressão ou minoração da carga tributária, por
intermédio da estruturação artificiosa de sociedade empresária em país contemplado pelo
regramento favorável em matéria fiscal para o repasse de rendas e dividendos sem incidência
tributária. A esse propósito, mister relacionar o instituto ao ilícito civil do abuso de direito,
insculpido no Código Civil, em seu artigo 187, in verbis:
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Cuida-se de hipótese em que há um direito conformado a determinada pessoa – seu
titular – que vem a ser objeto de excesso de exercício, quando o titular exorbita do campo de
aplicação da prerrogativa para satisfazer interesses que transbordam os limites de legitimidade.
Em verdade, antes mesmo da promulgação do Código Civil de 2002, a figura do abuso de
direito era colacionada em outros diplomas, tais como o Código de Defesa do Consumidor, em
que, no artigo 28, estabelece que:
“Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. (...)”
149 TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Utilização abusiva dos tratados internacionais de dupla tributação (treaty shopping). pp. 9-10. Disponível em: <http://www.tavolaroadvogados.com/doutrina/cs506.pdf> Acesso em: 24 abr. 2016.
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O mesmo se há de asseverar em relação à Lei 8.884/1994 – Lei Antitruste -, que, no
artigo 18, dispõe sobre o abuso de direito da seguinte maneira:
“Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. (...)”
A figura do abuso de direito, expressamente vedada pelo direito brasileiro, também se
faz presente no treaty shopping, sob a forma de abuso de direito dos tratados de dupla
tributação. Nesse diapasão, o doutrinador italiano Pasquale Pistone, citado por Tavolaro,
esclarece que o abuso de direito, no caso em tela, se exprime como “o fenômeno pelo qual um
contribuinte, com o fim de obter uma economia de imposto, pretende os benefícios de um
tratado aos quais não faz jus em razão de sua situação substancial”150.
De flagrante ilegalidade, o instituto do treaty shopping vem de ser combatido em
nível internacional, por intermédio da inclusão de cláusulas proibitivas, ou cláusulas de
salvaguarda, nos tratados contra a dupla tributação. Tavolaro151 explana tais cláusulas,
elencando-as da seguinte forma: i) cláusula de abstinência, que determina que um país deixe de
concluir tratado contra dupla tributação ou denuncie aqueles já assinados com paraísos fiscais;
ii) cláusula de transparência (ou look through approach), pela qual os benefícios fiscais
constantes do tratado favoreçam tão somente as sociedades cujo capital pertença às pessoas
residentes em um dos Estados signatários; iii) cláusula de exclusão, que estabelece que devem
ser privadas dos benefícios do tratado países considerados paraísos fiscais ou que se situem em
área geográfica incentivada; iv) cláusula de sujeição efetiva, que restringe a concessão de
benefícios intrínsecos ao tratado somente a empresas verdadeiramente submetidas ao regime
fiscal do outro Estado contratante; v) cláusula de prevenção de uso de sociedades interpostas,
cujo escopo é o de assegurar a tributação das sociedades empresárias interpostas como
conduit companies ou stepping stones; e vi) cláusula da boa-fé, que prevê as ressalvas aos
impedimentos e exclusões constantes das demais cláusulas a empresas interpostas oriundas do
planejamento tributário legítimo e legal, por meio de verificações do razoável motivo de
existência da sociedade interposta (motive test) e do efetivo exercício de atividade comercial
ou industrial no país de fonte dos rendimentos auferidos (activity test).
É de se observar, por todo o exposto, que a prática de treaty shopping não pode ser
reputada como forma de planejamento tributário internacional, uma vez que o segundo
instituto tem como pressupostos básicos a elisão fiscal aliada à licitude da operação, o que não
150 PISTONE apud TAVOLARO, op. cit., p. 7.151 TAVOLARO, op. cit., p. 11.
70
se verifica no caso ora discutido. Com efeito, a não ser que a operação seja lastreada por teste
de motivo e de atividade positivo, não se há de cogitar de licitude relativa à interposição de
sociedades terceiras para a mitigação de exação tributária, ainda que a inserção se dê
previamente à ocorrência do fato gerador (o nascimento de proventos e dividendos
direcionados ao sócio).
4. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E PARAÍSOS FISCAIS
Na atualidade, a elisão fiscal, almejada por inúmeras empresas e, por vezes, também
por pessoas físicas, se tem consubstanciado não apenas na prática do planejamento tributário
convencional, lastreado por uma licitude e por forma aceitas pelo ordenamento jurídico
brasileiro, mas também pelo treaty shopping, que, como visto anteriormente, constitui meio
ilícito de se elidirem impostos, e pela utilização de paraísos fiscais, sobre os quais se discorrerá
doravante.
Alberto Xavier assenta que, dentre os instrumentos de elisão fiscal internacional,
aqueles relativos ao ordenamento jurídico mais favorável ao contribuinte são facultados pelos
paraísos fiscais, descrevendo-os da seguinte forma:
“Os ordenamentos fiscais que isentam certos fatos que deveriam ‘normalmente’ tributar, de harmonia com os princípios gerais comumente aceitos em países mais desenvolvidos, ou os tributam a alíquota ‘anormalmente’ baixa – via de regra para atrair capitais estrangeiros -, são considerados refúgios, oásis ou paraísos fiscais.”152
Cuida-se de territórios cuja principal característica é a não incidência de imposto de
renda sobre empresas cujo capital seja de titularidade de não residentes, com atividade
econômica intrínseca exercida fora de tais territórios. Outrossim, nessa sistemática, não incide
imposto de renda retido na fonte sobre os dividendos remetidos aos sócios, nem sobre
rendimentos pagos a terceiros. Preleciona Xavier que os territórios encampados na definição
de paraísos fiscais têm, em regra, “legislação societária e financeira flexíveis, liberdade cambial
absoluta, além de eficiente sistema de comunicações e estabilidade política e social”153. De tais
caracteres formativos do instituto do paraíso fiscal, depreende-se que também diz respeito às
práticas adotadas em tais territórios o absoluto sigilo de operações ali efetuadas, em razão de
152 XAVIER, Alberto. Direito tributário..., op. cit., p. 239.153 Ibidem, p. 240.
71
seu desprendimento jurídico em relação à intervenção estatal.
A OCDE154 classifica a concorrência fiscal internacional como composta por três tipos
de sistemas fiscais, organizados em patamares: i) o low tax system, de países que adotam
alíquotas de tributos significativamente inferiores às de outras ordens tributárias, sem, porém,
representarem prática concorrencial fiscal prejudicial; ii) o preferential tax system, em que são
aplicadas alíquotas de todo reduzidas ou nulas; e, por derradeiro, iii) o tax haven, ou paraíso
fiscal, em que se configuram condutas nocivas à concorrência fiscal internacional. Em verdade,
a lesividade material está presente também na prática tributária adotada por países com sistema
de preferential tax.
A despeito da ilicitude que permeia a existência dos paraísos fiscais, o contribuinte
recorre às vantagens por aqueles oferecidas – como assevera José Manuel Braz da Silva155 -,
tais como uma menor incidência tributária e, por conseguinte, maior rentabilidade e liquidez
nos rendimentos auferidos com a atividade empresarial, confidencialidade, flexibilidade para a
realização das operações e inexistência de restrições ou regulamentos de índole legislativa.
Ademais, aponta Xavier que, não raro, os paraísos fiscais tornam-se signatários de tratados
para evitar a dupla tributação, o que confere ainda mais vantagens ao contribuinte que os
procura para basear suas sociedades empresárias e auferir dividendos e rendimentos. É o caso
de Malta, Chipre, Antilhas Holandesas (que, como rememora o doutrinador, tem firmada
convenção contra a bitributação com a Holanda) e Ilha da Madeira (que tem a mesma
modalidade de acordo com Portugal)156. Nesse cenário, vislumbra-se a obtenção de vantagem
cumulada da isenção de imposto de renda sobre o lucro da sociedade com a mesma isenção
sobre o lucro distribuído aos sócios, bem como a redução de alíquotas sobre os rendimentos
pagos por residentes em Estados contratantes dos tratados contra a dupla tributação.
Uma vez que a consistência de determinado Estado como um paraíso fiscal é objeto
de subjetivismos – uma vez que, em relação a um país com sistema fiscal robusto, com alta
incidência tributária e altas alíquotas, outra nação com alíquotas menos onerosas pode ser
reputada zona de regime fiscal diferenciado -, Edson Pinto157 formulou critérios de aferição do
instituto. Elenca os critérios o doutrinador:
“(i) segurança em relação à conservação de isenções e garantias contra a imposição de possíveis impostos futuros, que venham a comprometer as aplicações dos investidores; (ii) ausência de convenções para a troca de informações ou assistência administrativa e judiciária; (iii) sigilo bancário e de dados rigoroso, assim como leis que impõem anonimato relativo às
154 Organization for Economic Cooperation and Development. Tax Haven Criteria. 1998. Disponível em: <http://www.oecd.org/ctp/harmfultaxpractices/taxhavencriteria.htm> Acesso em: 26 abr. 2016.155 SILVA, José Manuel Braz da. Os paraísos fiscais. Coimbra: Almedina, 2007. p. 22.156 XAVIER, op. cit., p. 240.157 PINTO, Edson. Lavagem de capitais e paraísos fiscais. São Paulo: Atlas, 2007. p. 145.
72
operações comerciais, inclusive com sanções aos agentes públicos do sistema financeiro que divulguem informações; (iv) controle de câmbio inexistente; (v) autorização para negociar com as autoridades fiscais o índice da base de cálculo ou alíquota aplicável; (vi) presença de títulos anônimos ou de ações ao portador; (vii) falta de transparência fiscal; (viii) flexibilidade da legislação sobre sociedades, como sigilo societário, não obrigatoriedade de publicação dos dados contábeis, falta de exigência de demonstração da efetividade das operações realizadas etc.; (ix) sistema tributário ameno ou mesmo inexistente; (x) Poder Legislativo ágil para acomodar a legislação interna às novas tendências do mercado globalizado; (xi) difusão do país como opção empresarial lucrativa; (xii) sistema tributário dos residentes (ordinário), separado dos não residentes; (xiii) desregulamentação sobre preços de transferência, (xiv) acesso facilitado a diversos acordos internacionais; (xv) sistemas de comunicação eficientes; (xvi) estabilidade política e social, dentre outras”.
A OCDE158, no relatório já mencionado, apresenta os marcos definitivos para a
configuração do paraíso fiscal, que são os seguintes: “whether there is a lack of transparency”;
“whether there are laws or administrative practices that prevent effective exchange of
information for tax purposes with no other governments on taxpayers benefiting from the
nominal tax”; e “whether there is an abscence of a requirement that the activity be
substantial”.
Verifica-se entre a construção doutrinária e as diretrizes oferecidas pela OCDE que há
uma identificação de critérios para a averiguação de um Estado em relação à sua classificação
como paraíso fiscal. A toda evidência, embora a doutrina haja esmiuçado o conceito e suas
características fundamentais, é de se notar que a tendência seguida pela OCDE tem sido a de
sintetizá-las, simplificando os critérios de aferição do instituto no tocante a determinado país.
De toda sorte, é sedimentada a interpretação dos paraísos fiscais como territórios onde vigora
ampla liberdade quanto à estipulação tributária, sendo notório que as alíquotas incidentes sobre
dividendos e rendimentos são consideravelmente baixas. Ademais, verifica-se a aferição de
benefício ao contribuinte não residente no mencionado território, bem como o exercício de
atividade econômica fora da circunscrição em questão. Intrínseco ao paraíso fiscal está a alta
confidencialidade, a abalizar as operações ali efetuadas, com o objetivo de resguardar os
propósitos negociais do contribuinte. Cuida-se de aspectos aventados pela doutrina de forma
unânime e que vêm a ser corroborados pela formulação proposta no âmbito da OCDE.
158 Organization for Economic Cooperation and Development, op. cit. Tradução: “se falta transparência; se não há leis ou procedimentos administrativos que previnem a troca eficaz de informações para fins fiscais com nenhum outro governo a respeito de contribuintes se beneficiando do tributo nominal; e se há uma falta de requisito de que a atividade seja substancial”.
73
5. TREATY SHOPPING, PARAÍSOS FISCAIS E ELISÃO FISCAL: APONTAMENTOS FINAIS
Superada a fase de compreensão conceitual e circunstancial dos institutos do treaty
shopping e dos paraísos fiscais, impõe-se breve reflexão acerca de sua relação com a elisão
fiscal.
Como já assentado anteriormente, a Lei Complementar 104/2001 introduziu no artigo
116 do CTN o parágrafo único, cujo teor autoriza a desconsideração de atos ou negócios
jurídicos tendentes a dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos
elementos constitutivos da obrigação tributária. O debate acerca da constitucionalidade ainda
não alcançou harmonização doutrinária, pois, ao passo que há corrente – representada por Ives
Gandra, como já exposto – que vê na disposição afronta aos princípios da legalidade estrita e
da tipicidade cerrada, caros à norma do artigo 150 da Constituição, que estabelece limites ao
poder de tributar, e posicionamento diverso, liderado por Marco Aurélio Greco159, para quem a
alteração sob comento é plausível e admissível, desde que respeitadas às limitações ao poder
de tributar, considerando que a norma inserta pela Lei Complementar visa a coibir atos de
planejamento abusivo e inescrupuloso.
Hugo de Brito Machado, filiando-se ao posicionamento esposado por Ives Gandra,
assevera que:
“(...) A vigência da norma do parágrafo único, do art. 116, do CTN, com redação dada pela LC nº 104, somente será plena quando entrar em vigor a lei ordinária na mesma referida. É uma norma cuja aplicação depende da disciplina, em lei ordinária, dos procedimentos a serem observados pela autoridade administrativa. (…) Se colocada em texto de lei complementar, pode ter sua constitucionalidade contestada, pois colide com o princípio da legalidade que tem como um de seus desdobramentos essenciais a tipicidade, vale dizer, a exigência de definição, em lei, da situação específica, cuja concretização faz nascer o dever de pagar tributo.”160
Carvalho Estrella, a seu turno, faz contraponto ao entendimento infirmado pela
corrente a que se faz menção acima, adotando interpretação que vai ao encontro da visão de
Marco Aurélio Greco, elucidando-a pela apresentação de ideia segundo a qual há dois regimes
antielisivos que podem ser depreendidos da norma do parágrafo único do artigo 116 do CTN.
Aduz Carvalho Estrella:
“O primeiro consiste na previsão da norma antielisiva geral disposta no CTN associada à legislação ordinária meramente procedimental dos membros da
159 GRECO apud ROCHA, 2000.160 MACHADO, Hugo de Brito. Planejamento tributário e crime fiscal na atividade contabilista . In ANDRADE, José Maria Arruda de; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (Coord.). Planejamento tributário. São Paulo: MP, 2007. p. 353.
74
Federação. O segundo dispõe a norma antielisiva de forma genérica no CTN e deixa ao legislador de cada ente federativo para elaborar a norma antielisiva específica que contenha a lista dos negócios inoponíveis ao fisco, prestigiando o pacto federativo, que atualmente vem sendo esquecido.”
Em que pese o indiscutível saber jurídico de todos os doutrinadores a que se fez
menção, mister se faz chancelar a primeira visão, porquanto, com efeito, carece a norma
inserta no CTN pela Lei Complementar 104/2001 de regulamentação por lei ordinária.
Aventou-se anteriormente a Medida Provisória 685/2015, cujo fim primeiro era fixar
limitações ao planejamento tributário realizado pelo contribuinte, podendo seu teor confirmar a
tese de que a disposição do CTN guarda caracteres de norma antielisiva. Contudo, ainda que a
Medida Provisória tenha se convertido em lei ordinária, o excerto atinente ao planejamento
tributário foi excluído da convolação e, portanto, é desprovido de força normativa.
Desta feita, além de não haver sido regulamentado, o parágrafo único do artigo 116,
se o fosse, enfrentaria caloroso debate na esfera judicial, máxime quanto à sua
constitucionalidade, uma vez que, por força de disposição constitucional, não pode a
autoridade fiscal proceder a desconsiderações e criação de obrigações tributárias sem lei
anterior que autorize o feito. A tese que pugna pela constitucionalidade do dispositivo em
apreço macularia os preceitos constitucionais de legalidade e tipicidade da lei tributária de
relativismo, o que não é admissível na esfera maior.
Isso posto, não é cabível a pretensão de se reputar a norma sub examine como
cláusula antielisiva geral, uma vez que sua própria eficácia está comprometida pela ausência de
lei ordinária regulamentadora do texto da disposição. De toda sorte, ainda que eficaz, seria
objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, que possivelmente lhe tolheria a validade erga
omnes. Se desarrazoado é reputar o parágrafo único do artigo 116 do CTN norma antielisiva,
igualmente descabido seria autorizar sua aplicação para desconsiderar atos e negócios jurídicos
inerentes ao planejamento tributário lastreado de licitude.
Todavia, em relação ao treaty shopping, considerando-se que constitui meio pelo qual
o contribuinte procede ao abuso de formas e de direito, não há de se inserir o instituto na
esfera da elisão fiscal, uma vez que esta é lícita, em razão de seus aspectos cronológico e de
licitude, expostos por Sacha Calmon. Nessa esteira, o treaty shopping devem ser reputado
nulo de pleno direito, e os rendimentos e dividendos auferidos em decorrência de tal operação
devem ser passíveis de incidência tributária, em homenagem ao princípio da generalidade.
William Brittain-Catlin assevera que, embora a elisão fiscal seja, em princípio, uma
atividade lícita, e que os paraísos fiscais são meios utilizados pelo contribuinte para a
elaboração do planejamento tributário, aqueles também se afiguram como mecanismos de
fraude dos ordenamentos jurídicos em matéria fiscal, como se verifica no caso da empresa 75
Enron161.
Observe-se, assim, que a elisão fiscal é possível nas operações que envolvam paraísos
fiscais, mediante as sociedades-base, as holdings e as sociedades de serviço. Ensina Ernesto
Roessing Neto que as sociedades-base são “sociedades instaladas em um país de baixa
tributação (ou ao menos tributação inferior ao do país da sociedade-mãe) diferente do que
sedia a sociedade-mãe”162. In casu, tais sociedades são controladas por pessoas físicas ou
jurídicas residentes em outro país. Quanto às holdings, o fim precípuo é a participação no
capital de outras sociedades. Nessa hipótese, cuida-se de isenção de tributação sobre o lucro
auferido pelas sociedades das quais participa a holding. Por derradeiro, as sociedades de
serviço, mais comumente caracterizadas como sociedades de faturação e de artistas, que são
responsáveis pela compra e venda de produtos por conta da sociedade-mãe, manipulando
preços e, por conseguinte, transferindo os lucros auferidos para territórios de tributação mais
baixa163.
Em todas as hipóteses, o que se busca é a isenção ou minoração tributária por meio
do estabelecimento artificioso de sociedade em território caracterizado como paraíso fiscal,
para que o contribuinte e sua empresa original, ambos residentes em países diversos, tenham
acesso a ganhos e dividendos não tributados. Tendo em vista tais aspectos, há de se salientar
que o ordenamento jurídico brasileiro tem empreendido esforços no sentido de tipificar
condutas tendentes a manipular supressões e reduções tributárias com base nos paraísos
fiscais, imputando-lhes penas a serem executadas pela autoridade fiscal ou, em última instância,
na esfera penal – tal é o caso do artigo 116, parágrafo único, do CTN (a justificar a relação
entre os paraísos fiscais e a norma antielisiva genérica), a despeito de sua atual ineficácia, e da
Lei 9.430/1996, cujo intento é o de combater distorções em preços de transferência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho propõe-se a ofertar contribuição ao tema do planejamento
tributário, o qual não comporta conclusões que carecem de uniformização na jurisprudência
atual e na doutrina brasileira. Em verdade, o instituto a que se faz menção é ainda objeto de
discussões pouco elucidativas, máxime em razão do desconhecimento da comunidade
acadêmica acerca da temática. Há de se afirmar que a parca pesquisa que hodiernamente se
161 BRITTAIN-CATLIN, William. Offshore: the dark side of the global economy. Nova Iorque: Farrar, Straus and Giroux, 2005. pp. 47-48.162 NETO, Ernesto Roessing. Elisão tributária internacional: o uso dos “paraísos fiscais” como ferramenta. In Revista Doutrina do TRF-4ª Região, 28 fev. 2008. pp. 6-7. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao022/Ernesto_Neto.htm> Acesso em: 26 abr. 2016.163 Ibidem, p. 8.
76
encontra a respeito do planejamento tributário, sua licitude e os princípios e fenômenos que o
permeiam pode ser reputada paradoxal, dada a riqueza intelectual e a complexidade com que
conta o atual ordenamento jurídico tributário pátrio.
Para os fins da pesquisa ora sob comento, fez-se necessária uma extensa busca
jurisprudencial e doutrinária alhures, em razão do momento avançado em que se encontram os
sistemas jurídicos alienígenas quanto à matéria do planejamento tributário. Com efeito, tal
instituto é tão plenamente discutido em países como os Estados Unidos, a Suíça e a Alemanha,
que pouca dissonância há entre seus representantes acadêmicos e intelectuais devotos ao
Direito Tributário. Outrossim, recorreu-se à construção doutrinária hodiernamente realizada
no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, que, dado seu estado embrionário – se
comparado aos sistemas europeus e norte-americano -, traz consideráveis dissonâncias, as
quais, por outro lado, em muito contribuem para a exegese do tema em apreço.
Deveras, pairam dúvidas de duas ordens no tocante ao planejamento tributário: i) se
diz respeito verdadeiramente a um meio elisivo de organização financeira, mormente de
pessoas jurídicas; e ii) antes ainda, se a elisão fiscal é meio lícito ou carece de arcabouço
jurídico apto a reputá-la legítima. Frente a tais indagações, parte da doutrina pátria –
representada, por exemplo, por Ives Gandra Martins – infirma o entendimento de que, não
apenas é a elisão fiscal meio legítimo de esquivo ao surgimento de fato gerador atrelado a
determinada avença jurídica, mas também de que não se há de cogitar necessariamente de um
propósito negocial intrínseco ao ato para que este seja reputado lícito, válido e eficaz. Isso
porque, não raro, um ato jurídico é praticado artificialmente, com o fim de oferecer à parte
uma supressão ou redução da carga tributária, mas culmina na criação de aspectos favoráveis
ao funcionamento da empresa que dele se beneficia. Ademais, não estaria a autoridade fiscal
apta a desconsiderar tal ato tão somente em razão da ausência de um propósito negocial, em
homenagem aos princípios da tipicidade cerrada e da legalidade estrita da norma tributária.
Outra corrente, a seu turno, representada aqui por Amilcar Falcão, vislumbra na
elisão fiscal o condão de atribuir a atos simulatórios ou dissimulatórios, fraudulentos ou
evasivos, roupagem de avenças lícitas, sem vícios hábeis a invocar o fenômeno da figura
desconsiderativa pelo Fisco. Tal noção, de inspiração no RAO de 1919, da Alemanha, tem o
propósito de considerar para fins de planejamento tributário tão somente os atos revestidos de
conteúdo econômico, sem o qual não há de ser aceitável pela autoridade tributária a avença. A
corrente sub examine vê na Lei Complementar 104/2001, que alterou o artigo 116 do CTN,
acrescentando-lhe parágrafo único, verdadeira e legítima norma antielisiva, tendente a
desconsiderar operações destinadas mormente a proporcionar a redução ou supressão das
exações fiscais a serem suportadas.77
Há de se reconhecer que o planejamento tributário é meio legítimo e válido para a
busca pelo menor encargo tributário a ser suportado pelo contribuinte, porquanto não tem este
por escopo a evasão fiscal em relação a fato gerador já ocorrido – aqui, valioso é mais uma vez
rememorar a lição de Sacha Calmon a respeito dos aspectos cronológico e de licitude, diversos
em se tratando de elisão ou de evasão -, mas a prevenção de sua concretização. Afinal, o
planejamento tributário nada mais é do que uma organização da vida financeira e orçamentária
de empresas e, em menor proporção, de pessoas físicas, o que se reverte no eficiente
funcionamento da administração pública, destinatária imediata que é dos recolhimentos de
exações fiscais promovidos por seus administrados.
Embora lícito, é cediço que a autoridade tributante, com certa frequência, busca a
desconsideração de atos e operações jurídicas perante o Poder Judiciário brasileiro, com o fito
de lograr arrecadação a título de obrigação tributária em favor dos cofres públicos, sem as
supressões ou reduções outrora pretendidas pelo contribuinte que recorre ao instrumento do
planejamento tributário. Todavia, são robustas as imposições legislativas – tanto em âmbito
constitucional quanto infraconstitucional – no sentido de atribuir à norma tributária tipicidade
cerrada e legalidade estrita, a limitarem a capacidade interpretativa do caso concreto pelo
Fisco. É bem verdade que, repita-se, a doutrina pátria enxerga nos comandos legais diferentes
matizes, mais ou menos permissivos à atuação fiscal, mas também o é a baixa elasticidade da
norma tributária, à semelhança do que se verifica na seara penal, uma vez que o bem da vida a
ser tutelado é de grande vulto e, portanto, não pode se submeter a análises demasiadamente
arbitrárias. Assim entende a atual jurisprudência consolidada pelo CARF.
O debate acerca do planejamento tributário é, assim, de vital importância para que se
busque a compreensão dos mais específicos institutos do treaty shopping e dos paraísos fiscais.
Assim é porque, se o planejamento fiscal é internamente compreendido de forma ambígua, com
mais razão o são aqueles fenômenos. Com efeito, os acordos e tratados para evitar a
bitributação existem para estimular investimento e comércio internacionais, mas também para
coibir a prática de interposição de sociedades empresárias em países signatários daqueles
acordos, uma vez que estes teriam, por si sós, o condão de prevenir o uso de tratados em
terceiros países, beneficiários de condições tributárias mais favoráveis. A prática, contudo, não
encerra tal simplicidade, porquanto as empresas (ou mesmo pessoas físicas) que fazem uso do
treaty shopping assim agem com o fim de cumular benefícios e vantagens – ciente de tal
tendência, o Modelo OCDE prevê métodos de identificação da mencionada conduta e combate
a esta. Igualmente, a comunidade internacional busca coibir o uso dos chamados paraísos
fiscais por meio de inserção em acordos bi ou multilaterais de cláusulas de prestação de
informações de cunho bancário e financeiro, a fim de que se fiscalize o comportamento e se 78
comine sanção proporcional e razoável.
Observa-se, desta feita, que institutos como o treaty shopping e os paraísos fiscais,
por sua fragilidade no campo da legalidade, não podem ser equiparados à figura da elisão
fiscal, porquanto esta diz respeito a meio inegavelmente lícito de esquivo de obrigações
tributárias ou, ao menos, daquelas mais onerosas. Os primeiros fenômenos, por outro lado, são
objeto de combate e vedação no seio do Modelo de Convenção para evitar a bitributação e
para assegurar a troca de informações entre os países signatários.
Entretanto, não havemos de furtar-nos a questionar os rumos hodiernamente
adotados pela comunidade internacional no sentido de tipificar como ilícitos a prática de treaty
shopping e os paraísos fiscais. A esse propósito, razoável é o exame detido do ordenamento
jurídico dos países que albergam o último fenômeno – e dos aspectos influenciadores de
empresas que se utilizam do primeiro -, bem como o contexto em que se insere sua iniciativa
legislativa, a fim de que se compreenda o fundamento fático sobre o qual se infirmou a
autorização legal para a recepção de capital estrangeiro sem que haja um legítimo elemento de
conexão para com o ente que faz uso do low tax system e do preferential tax system.
Ademais, há de se observar que há, hodiernamente, posicionamentos acadêmicos e
informais que, embora minoritários, vislumbram nas práticas em apreço legítimos mecanismos
de promoção da concorrência fiscal internacional, ao passo que o ponto fulcral de acordos e
tratados tendentes a propiciar transparência e flexibilizações tributárias tem sido o de preveni-
las e coibi-las. É em torno de tais contrapontos que se desenvolve o presente trabalho, cujo
intento maior é o de fomentar a discussão no âmbito acadêmico brasileiro acerca dos muitos
alicerces de ordem jurídica na seara tributária que vêm de fortalecer ou mitigar o uso do
planejamento tributário, tanto em âmbito doméstico quanto em sua maior amplitude,
notadamente por meio do treaty shopping e dos paraísos fiscais.
A questão que ora se impõe é: qual a força impositiva dos princípios da prevalência
da substância sobre a forma, do propósito negocial e da interpretação econômica sobre a
prática do planejamento fiscal na atualidade? A indagação comporta inumeráveis respostas
distintas – tanto é assim, que não se há de sagrar determinada corrente doutrinária superior a
outra, sobretudo em razão da hodierna realidade jurídica, sobremaneira complexa e ampla. O
que se busca, nessa esteira, é ofertar diferentes visões no tocante ao tema, as quais se mostram,
cada uma a seu turno e dentro de seus limites, satisfatórias a depender da teleologia utilizada
para a aplicação da norma de ordem tributária.
79
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