REVOLUQAO SOCIAL A Ayentura Sociologica · (ou surveys) na America Latina era, em larga medida,...

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A REVOLUgAO BURGUESA NO BRASIL Florestan Fernandes (2* Para chegar a conceituacao c "revolucao burguesa", Florest; formacao da economia e da s em que se iniciou a coloniza exercer melhor a critica da <_ a nossa )rocesso de tempos snao para j suas estruturas, submetidas a rigorosa analise. Hssa angulacao Ihe permite ver as singularidades brasileiras dos conceitos de- "revolucao burguesa", "burguesia" e "burgues", conceitos estes que nao podem ser aplicados no Brasil como simples transposicao academica. Capitulos como os que versam sobre o status colonial, as implicacoes sociais e economicas da Independencia e a formacao da ordem social competitiva estabelecem as condicoes e iluminam os estagios do desencadeamento historico da nossa "revolucao burguesa". Alto nivel de interesse ganham igualmente as paginas dedicadas ao exame dos prol>lemas da crise do poder burgues no Brasil, crise deflagrada pela passagem do capitalismo competitive ao capitalismo mcnopoHsta. Desdobra-se essa analise na abordagem do modelo autarquico-burgues de transformacao capitalista vigente no Brasil, e das contradicoes sociais e politicas geradas no interior da nova ordem. A SOCIOLOGIA NUMA ERA DE REVOLUQAO SOCIAL Florestan Fernandes (2. a ed., reorg. e ampl.) Este livro, que anarece sob organizacao relativamente diversa, em sua segunda edicao, reiine ensaios voltados para o tipo de conhecimento que o sociologo deve criar quando se procura atingir o desenvolvimento de acordo com os requisites da democratic. Escritos numa epoca em que narecia pacifico que os principals pafses da America Latina, o Brasil inclusive, possuiam condicoes para desencadear uma revolucao democratica "dentro da ordem", eles fccalizam as tarefas r,r£ticas da Sociologia e a interacao^dos panels que o scciologo deve desempenhar em sua dupla condicao de cientista e cidadaa. Apesar das aparencias, o livro nao perdeu sua atualidade. Suas principais ideias ainda estao de pe. Que estrategia devemos seguir, nas condicoes brasileiras, nara o desenvolvimento da ciencia? O que precisa fazer o sociologo, enquanto cientista, para converter o ccnhecimento sociologico em um conhecimento critico, litil ao "planejamento dentro da Uberdade"? A realidade que exigia o debate dessas ideias nao desapareceu. Ao contrario, ela se agravou, impondo que retomemos, de modo ainda mats intenso, o debate interrompido. Z A H A R A culture o service do progresso social «?H' •^ L } k iJi ^f > ^\ -^ "^ r-Y :JB *' ^.J -.. >«Jh»- **'fl (6.001,5 EDITORES idson de Oliveira Nunes (organizador) A Ayentura Sociologica Objetividade, Paixao, Improvise e Metodo na Pesquisa Social Z A H A de ciencias sociais EDITORES

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A REVOLUgAO BURGUESA NO BRASILFlorestan Fernandes (2*

Para chegar a conceituacao c"revolucao burguesa", Florest;formacao da economia e da sem que se iniciou a colonizaexercer melhor a critica da <_

a nossa)rocesso detempos

snao paraj suas

estruturas, submetidas a rigorosa analise. Hssa angulacao Ihe permitever as singularidades brasileiras dos conceitos de- "revolucao burguesa","burguesia" e "burgues", conceitos estes que nao podem ser aplicadosno Brasil como simples transposicao academica. Capitulos comoos que versam sobre o status colonial, as implicacoes sociais eeconomicas da Independencia e a formacao da ordem socialcompetitiva estabelecem as condicoes e iluminam os estagios dodesencadeamento historico da nossa "revolucao burguesa".Alto nivel de interesse ganham igualmente as paginas dedicadas aoexame dos prol>lemas da crise do poder burgues no Brasil, crisedeflagrada pela passagem do capitalismo competitive ao capitalismomcnopoHsta. Desdobra-se essa analise na abordagem do modeloautarquico-burgues de transformacao capitalista vigente no Brasil,e das contradicoes sociais e politicas geradas no interior da nova ordem.

A SOCIOLOGIA NUMA ERA DEREVOLUQAO SOCIAL

Florestan Fernandes (2.a ed., reorg. e ampl.)

Este livro, que anarece sob organizacao relativamente diversa, emsua segunda edicao, reiine ensaios voltados para o tipo de conhecimentoque o sociologo deve criar quando se procura atingir odesenvolvimento de acordo com os requisites da democratic. Escritosnuma epoca em que narecia pacifico que os principals pafses daAmerica Latina, o Brasil inclusive, possuiam condicoes paradesencadear uma revolucao democratica "dentro da ordem", elesfccalizam as tarefas r,r£ticas da Sociologia e a interacao^dos panelsque o scciologo deve desempenhar em sua dupla condicao decientista e cidadaa.

Apesar das aparencias, o livro nao perdeu sua atualidade. Suasprincipais ideias ainda estao de pe. Que estrategia devemos seguir,nas condicoes brasileiras, nara o desenvolvimento da ciencia?O que precisa fazer o sociologo, enquanto cientista, para convertero ccnhecimento sociologico em um conhecimento critico, litil ao"planejamento dentro da Uberdade"? A realidade que exigia o debatedessas ideias nao desapareceu. Ao contrario, ela se agravou,impondo que retomemos, de modo ainda mats intenso, o debateinterrompido.

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EDITORES

idson de Oliveira Nunes(organizador)

A AyenturaSociologica

Objetividade, Paixao, Improvise eMetodo na Pesquisa Social

Z A H A

d e c i e n c i a s s o c i a i s

EDITORES

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Metodo e Improvisagao, ou como Conseguiruma Entrevista Naquele Setor Que Vai dosFundos da Igreja Matriz ate o Corrego e

Dali as Margens da Rio — Bahia

AMAURY DE SOUZA

Ha cerca de dez anos, Havens (1964:88) sugeria que o montantede problemas eneontrado na realizacao de pesquisas por amostras(ou surveys) na America Latina era, em larga medida, fungao dograu de "treinamento para a ineompetencia" recebido pelo cientis-ta social.1 Havens queria que esta expressao designasse a^ aplicacjJorigida e meeanica de metodos de survey em paises caracterizadospela virtual inexistencia de informagoes contextuais basicas (decunho historico, eensitario e etnologico) e da infra-estrutura deapoio (material e humana) requeridas por estes metodos. A sele-930 probabilistica, lembrava ele, demanda, no mfnimo, informaecesconfiaveis sobre, primeiro, o mimero total de pessoas em uma dadaunidade de amostragem; e, segurido, os locais onde as pessoas in-cluidas na amostra possam ser entre vistadas.JE aqui, por maissimples que estes requisites possam parecer, comega o calvario dopesquisador.t A docmnentagao sobre as subdivisoes eensitarias epobre e imprecisa, ou quase inutil,)caso se trate de areas rurais;

I A expressao "pesquisa por amostra" parece ser a melhor tradugao determos tais como enquete par sondage, encuesta ou sample survey. Aexpressao diz respetto & investtgagao das caracteristicas de uma populaeauatraves da observagao daquelas caracteristicas em uma amostra dos eie-m«nto3 daquela populacao. O metodo de observacjio em surveys de popu-lacoes humanas e quase sempre a entrevista, baseada em um questionario,de uma amostra de elementos. Para quebrar a monotonfa do texto, usareiindistintamente as expressoes "pesquisa por amostra" e survey.

A VERSAO QUANTITATIVA 87

gracas ao alto crescimento populacioaal e a desatualizacao dasenumeracoes eensitarias, areas rurais ou urbauas podem ser povoa-das e crescer incognitas durante os periodos intercensos;(_os ma-pas, quando existem em escalas que permitam a identificagSo dasuuidades que se quer selecionar, raramente se encontram atualiza-dos.

O argumento de Havens e simples.(Os metodos de pesquisapor amostras demaudam um montante e uma variedade de infor-macoes contextuais sobre as comunidades que se quer estudar quedificibnente existem em paises latino-americanos.| Frente a esses obs-taculos, restam ainda algumas escolbas ao pesquisador. Desistir derealizar a pesquisa e a alternativa mais simples — e, nao raro, maisrealista — com que ele se depara. Mas e quase sempre possiveloptar por uma certa flexibilidade, invencao no trabalbo de campo,e pelo recurso a metodos complementares de pesquisa.2 [_0 pes-quisador, pode, em uma palavra, improvisar^ X.

L O problema e como improvisar sem perder o controle sobre asdiversas fontes de erro na pesquisa por amostrasj? Como veremosmais adiante, esse controle e particularmente importante no surveY.Visto deste angulo, o dilema entre metodo e improvisagao nao etauto uma prerrogativa do pesquisador latino-americano, mas simo reflexo da necessidade mais geral de^conciliar, por um lado, asaspiragoss de precisao e de acuracia de uma pesquisa e, por outro,os custos de sua implementagao.5 Onde exista abundancia de infor-mac5es contextuais e solida infra-estrutura de pesquisa, menoresserao os custos da rigorosa implementagao dos metodos de selecaoe de entrevista de amostras. Onde o pesquisador tenha que sero seu prdprio agente censitario, geografo, estatistico e cartografo,os custos de realizacao de uma pesquisa minimamente decente se-rao certamente proibitivos.

As situacoes reais de pesquisa, a bem da verdade, encontram-se quase sempre a meio-caminho entre esses dois extremos. Comalgum esforgo, e sempre possivel reunir o minimo necessario deinformacoes para a realizacao de uma pesquisa, ainda que isto ve:

aiha a requerer outra pesquisa entre as varias instituicoes coletorasde dados. Havens (1964:89), escreveiido sobre as suas experien-das de trabalho de campo na Colombia, relata que o censo, pelasua desatualizagao, provou-se inutil para a selecao de domicilios ru-

2 Os metcdos antropologicos de observacao direta e de observacSo parti-cipante sao particularmente relevantes para a pesquisa por amostra. Boa?discussoes desta coraplementaridade entre os metodos encontram-se eraBennett e Thaiss (1967) e Sieber (1973).

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rats, ao passo que o Servigo Nacional de Erradicacao de Malaria.dispunha de excelente enumeragao dos domicilios em sua jurisdi-gao. Alem disso, o pesquisador pode modificar o seu desenho amosrtral visando adapta-lo as condigoes locals de trabalho. Improvisa-gao, no sentido positivo do termo, requer do pesquisador a capaci-dade_de reduzir, drastieamente se necessario for, a escala de suas.ambicoes.jUma pesquisa bem feita em um unico bairro, por exem-plo, e sempre mais desejavel do que uma pesquisa de qualidadeduvidosa sobre a populagao de toda uma cidadeT)

CExiste, certamente, um limite para a improvisagao, pois a me-tologia da pesquisa por amostras suporta apenas um , tanto deadaptagao sem perda de sua integridade.^Esto e, existe um limite,.passado o qual simplesmente nao vale <mais a pena fazer um survey-Nao faze-lo ou recorrer a metodos alternatives de investigagao esempre preferivel ao esbanjamento de recursos escassos e a analisede resultados obtidos por pesquisas inteiramente improvisadas, eu-femisticamente conhecidas entre nos pelo nome de "pesquisas ex-ploratorias". O survey e um instrumento de investigagao parti-cularmente sensivel e, conseqiientemente, e um instrumento cujaaplicagao tern altos custos. A improvisagao, por essas razoes, naopode significar o recurso a tecnicas "simplificadoras" do trabalhode campo ou o uso irrefletido de informacoes toscasAMesmo por-que pouco ou nada se salva de um survey feito aos tapas: de quevalem achados "interessantes" ou "indicatives", se a amostra etendenciosa, se as questoes foram mal formuladas, se os entrevista-dores preencheram os questionarios sentados na praca? Na minnaopiniao, a solucao para os problemas encontrados pelo pesquisador,aqui ou em qualquer outra parte, nao reside na aparente segurangade formas rudimentares de investigagao, mas sim na utilizagaocriteriosa e realista do acervo de teorias, metodos e tecnicas de sur-vey acumulado no mundo inteiro nestes liltimos cento e cinqiientaanos.

Este e um breve depoimento sobre uma pesquisa por amos-tra realizada na Regiao Sudeste do Brasil entre 1972 e 1973.3 Fielao seu titulo, este texto relata os nossos sucessos e fracassos ao ten-tar a aplicagao criteriosa de metodos de survey sob condigoes algodesfavoraveis de trabalho. Armados das melhores intengoes e ted-

3 Essa pesquisa, dirigida pelo autor e pelos professores Philip E. Con-verse e Peter J. McDonough, foi realizada pelo Institute Universitario de.Pesquisas do Rio de Janeiro e pelo Institute for Social Research da Uni-versidade de Michigan. O projeto de pesquisa foi batizado "Representa-cao e Desenvolvimento no Brasil". Agradeco seus comentSrios, bem comaos de Carlos Hasembalg, a versao primitiva deste texto.

A VfiKSSO QUANTITATIVA go

rias e, no agregado dos diretores do projeto, de uma certa experien-cia com surveys, saimos a campo dispostos a conciliar nao maiaque o minimo estritamente necessario para que a pesquisa fosselevada a cabo em tempo litfl. Na pratica, infelizmente, a teoria eoutra. Imprevistos aconteceram, o certo e seguro falhou, o ritmodo trabalho exigia decisoes rapidas — e se improvisou, e muito. Aimprovisagao resultou satisfatoria em varias instancias; provou-seum desastre, em outras; em outras mais, produziu resultados pifiose o inevitavel arrependimento tardio de nao se ter refletido commais vagar e com mais acerto. Tivemos, enbtetanto, o bom sensode documentar, com a minucia que nos foi possivel, todas as fasesdo trabalho de campo. Esse material constitui a substancia desta,cronica de nossos erros e acertos.

Fontes de Erros em Pesquisa por Amostras

O entendimento ingeuuo e superficial da natureza da investi-gagao empirica nao e privilegio daqueles que Havens considera te-rem sido "treinados para a incompetencia". Ao contrario, variosfatores — entre os quais se podem destacar a inexistencia de cur-sos especificos em metodologia de pesquisa em muitos centros deensino ou a sua diluigao em uma dieta, em geral tao balofa quan-to inocua, de preceitos epistemologicos para as ciencias soeiais;uma forte tendencia, onde esses cursos existem, a abrevia-los em-favor do ensino de "receitas para a culinaria da pesquisa", descui-dando-se de uma formagao mais disciplinada e mais completa; aenfase despropositada na importancia da critica da produgao doconhecimento em detrimento da producao do conhecimento pro-priamente dita; e a crenca transmontana na superioridade inata dedeterminados inetodos de conhecimento sobre outros, nao importaqual o problema substantive que se quer explicar — tudo isso COBS-pira para perpetuar entre nos uma visao simploria do problema. Ocientista social revela, por um lado e em geral, profunda inocenciaem tudo o que diz respeito aos erros de inferencia e de mensuragaoinerentes ao conhecimento que ele proprio produz, consome e trans-mite; e, por outro lado, uma teimosa credulidade em mimeros,particularmente se estes sao mimeros extraidos de um censo ou de umregistro historico.

Erros de mensuragao e de inferencia, nao obstante, sao cdm-poneutes intrinsecos e irredutiveis do conhecimento produzido pelaciencia empirica, seja qual for o seu objeto de estudo. "]S funda-mental observar", insiste Oskar Morgenstern (1963: 7) em seuclassico e pouco lido estudo sobre a natureza do erro na pesquisa

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economica, "que pelo menos todas as fontes de erros que ocorremnas ciencias naturals tambem ocorrem nas ciencias socials: ou.-dito de outra forma, que os problemas estatisticos das ciencias so-ciais nao podem, seguramente, ser menos series do que aqueles dasciencias naturais" (os grifos sao de Morgentern). Como veremos aseguir, os problemas estatisticos das ciencias sociais podem ser in-clusive mais serios do que aqueles com os quais se confrontam asciencias naturais.

0 objetivo da pesquisa por amostras, vale lembrar, e fazerinferencias sobre uma determinada populagao com base na mensu-ragao das caracteristicas dos elementos selecionados para cornpor aamostra.4 0 survey envolve, portanto, tres processes interdependen-tes: a amostragem, ou o processo de selegao de uma parte dapopulagao que se quer estudar; a mensuragao, ou o processo deobtengao de informagoes sobre os elementos de uma amostra; e aestimagao, ou o processo de fazer interferencias sobre a populagaoda qual a amostra foi selecionada.5 Os processos de amostragem ede estimagao constituent o que se convencionou designar por dese-nko ou piano amostral.

Falar de estimativa e falar do calculo por aproximagao de al-gum valor; e falar de aproximagoes e falar de erros. Assim, na pes-quisa por amostras, e imperative que o pesquisador possa especifi-car de antemao a magnitude dos erros que ele esteja disposto a to-lerar em suas estimativas, bem como utilizer urn desenho amos-tral que efetivamente confine os erros aos limites de tolerancia

4 Por que usar amostras. pode-se perguntar, para o estudo de algumacaracterfstica que seja do nosso interesse? Uma resposta absolutamentetrivial & que e muito mais barato (em termos do 'dispendio de tempo,energia e dinheiro) coletar informacoes sobre uma amostra do que sobretoda a populacao. Outra razao, possivelmente menos trivial, e que a obser-va$ao ou mensuracao destas caracteristicas quase sempre pode ser feitade raaneira mais acurada em uma amostra do que em uma populagao.Como veremos mais adiante, os erros sistematicos de observacao ou vieses,cujo controle e muito mais difi'cil em censos do que em surveys, geral-mente causam prejuizcs muito mais serios do que os erros das estimativas

_<lerivadas de uma amostra.5 Os termos "populacao" e "universo" sao frequentemente usados comosinonimos, uma pratica que causa certa confusao na literatura. Prefirolimitar o termo popula<?ao a urn conjunto finito de elementos, definidopelo pesquisador em funcao de seus interesses teoricos e substantives. Adefinicao do que seja uma poula?ao e, portanto, sempre arbitraria. Opesquisadcr pode, por exernplo, dcfinir como populacoes todos os ope-rarios de uma fdbrica, todos os operarios de um ramo industrial ou todosos operarios do pais. O termo universo, em contraste, denota um conjuntoinfinite de elementos gerado por um rnodelo te6rico. Como exemplos,.podemos citar o universo de todos os operarios brasileiros em qualquerepoca oil o universo de todos os possiveis langamentos de um par de dados.

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previamente tracados. 0 calculo e o coutrole de erros desta natureza so sao possiveis atraves da amostragem probabilistica. A selegaoprobabilistica da amostra pode ser sucintamente descrita como se-gue: (a) atribui-se a cada elemento da populagao uma probnljiU-dade conhecida de ser incluido na amostra, probalidade esta inde-pendente da probabilidade de selegao de qualquer outro elemento;(6) a amostra e extraida por meio de algum metodo de selegaocleatorio que seja congruente com as probabilidades de sele-gao atribuidas aos elementos da populagao; e (c) estas pro-i>abilidades de selegao sao parte integrante do calculo dasamostras probabilisticamente selecionadas. Inferencias faaseadasem amostras nao-probabilisticas (tais como amostras por quotas oumeramente casuais) podem ate mesmo ser precisas; mas o seraopor acidente, por nao se dispor de uma base teorica para o calculodo erro de suas estimativas.

0 objetivo da pesquisa por amostras pode ser expresso de for-ma mais rigorosa. O que se quer e obter um valor da amostra (ouuma estatistica) que sirva como estimativa do mesmo valor napopulagao. Precisemos o significado destes termos. 0 resultado fi-nal do processo de mensuragao e um valor, qual seja: uma expres-sao numerica que resuma a informagao sobre alguma caracteristi-ca dos elementos de uma amostra ou de uma populagao. Um valorda populagao e o valor obtido pela mensuragao de uma caracteris-tica entre todos os elementos daquela populagao. A media e o exem-plo basico de um valor da populacao; outros exemplos significati-vos sao proporgoes, a mediana e o proprio total de elementos napopulagao. Cabe notar, entretanto, que o valor obtido por um een-so completo da populagao, por consistir em uma unica mensura-gao em cada elemento, e sempre passivel de erro, de tal forma quesucessivas mensuragoes da mesma caracteristica na mesma popula-gao certamente resultariam em diferentes valores. 0 valor observaT

do na populagao, por esta razao, deve ser distinguido do valor ver-dadeiro (ou parametro) da populagao, um valor que se supoe serlivre de erros. Estes erros de observagao ou mensuragao, responsa-veis pela diferenga entre o valor verdadeiro e o valor obsrvado. saodenominados aqui erros extra-amostragem para contrasta-Ios com oserros gerados quando o processo de mensuragao abarca apenas umaparte da populagao.

0 valor da amostra e uma estimativa derivada da mensuragaoem cada elemento incluido na amostra. Tal como o valor da popula-fiao, esse valor esta sujeito a erros de mensuragao. Mas, ainda que

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nao estivesse, o fato e que uma estimativa nao pode ser tao acura-da quanto o valor derivado de um censo completo da populagao. Qproprio processo de selegao dos elementos da amostra esta sujeitoa flutuacoes aleatorias, as quais influenciam indiretamente o valorda estimativa. E mera sorte, diga-se de passagem, que uma estima*tiva coincida perfeitamente com o valor da populacao. A estimati-va derivada de uma unica amostra e apenas um dentre todos os vale-res que poderiam ser obtidos em diferentes amostras daquelamesma populacao. Digamos que a media de alguma variavel seja ovalor desejadu. A media amostral (leia-se a estimativa da medialda populagao ofatida em uma amostra) depende, literalmente, dequal amostra, dentre todas as possiveis amostras de igual tamanho,venha a ser selecionada pelo pesquisador.

A variabilidade das estimativas exige o concurso de algummodelo teorico que permita ao pesquisador avaliar a precisao daestimativa que ele obtem em um survey. Tal modelo deve espeeifi-car, para cada tipo de desenho amostral, quais os valores possiveisda media e qual e a probabilidade de ocorrencia de cada um deles:Imaginemos a selegao, dentre a mesma populagao e segundo o mes-mo desenho amostral, de um niimerb infinitamente grande deamostras independentes de igual tamanho. Calculemos a media decada amostra e registremos a frequencia relativa com que cada umdesses possiveis valores ocorre. A distfibuigao de todos esses valo-res ira tornar-se mais estavel a medida que o niimero registradode medias amostrais aumentar, aproximando-se gradativamente daforma da distribuigao amostral teorica. Isso ocorrera, em outrag pa-lavras, na medida em que as freqiiencias relatives das diferentes'medias se forem aproximando de suas verdadeiras probabilidadesde ocorrencia. Teoricamente, a media dessa distribuigao amostral(isto e: a media de todas as possiveis medias amostrais) deve serigual ou estar bem proxima da .media da populagao. A variabilida-de das estimativas ao redor desta media e medida pelo desvio pa-drao da distribuigao amostral. Esta medida, conhecida pelo nomede erre gadrao da media amostral, permite ao pesquisador calcularo quanto (e com qual probabilidade de ocorrencia) a estimativaderivada de uma amostra diverge do valor que seria obtido por umcenso completo daquela populacao. 0 erro padrao e, portanto, amedida do erro de amostragem.

Os valores obtidos em uma pesquisa por amostra estao, con-sequentemente, sempre sujeitos tanto a erros de amostragem quan-to a erros extra-amostragem. Os primeiros ocorrem porque apenasparte de uma populagao e eleita para a mensuragao de uma ou

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mais caracteristicas de interesse. Os ultimos ocorrem porque osmetodos de observacao e de mensuragao sao imperfeitos.

Os erros extra-amostragem podem ser classificados em doisgrandes tipos. Erros varidveis sao aqueles que, ao longo de todasas suas ocorrencias, tendem a se anular mutuamente. Cre-se, in-clusive, mas sempre de forma um tanto vaga, que estes erros ten-dem a se distribuir aleatoriamente. Um exemplo do erro extra-amostral variavel e o registro descuidado de alguma observagao.Digamos que o questionario demande a observagao e registro dosexo do entrevistado. 0 entrevistador observa (acuradamente, e dese crer) tratar-se, no caso, de uma pessoa do sexo feminino; mas,por pressa ou cansago, ele registra esta observagao na entrada des-tinada ao sexo masculino. Outro entrevistador comete o erro inver-se; e embora estes erros persistam (em geral, incognitos) ao ni-vel de cada elemento observado, eles se anulam ao nivel do vaioragregado da amostra. 0 vies, ao contrario, e o erro sistematico, oerro que nao se cancela e que afeta o valor observado em uma uni-ca diregao.

Um vies curioso na declaracao de idade foi detectado por Ans-ley J. Coale (1955) em sua investigagao sobre a validade dos re-latos sobre outros membros da familia obtidos pelo censo demogra-fico dos Estados Unidos em 1950: os entrevistados abaixo de 40anos de idade tendem a preferir idades que terminem com os ulti-mos cinco digitos, de tal forma que os resultados censitarios super-estimam os valores dos grupos entre 25-29 e 35-39 anos de idade,ao passo que subestimam aqueles dos grupos entre 20-24 e 30-34anos de idade. Esse tipo de erro sistematico resulta em estimativastendenciosas de valores da amostra ou da populacao.6

E usual considerar todos estes erros: de amostragem e extra-amostrais, variaveis ou nao, componentes do erro total da amostra.0 erro total e definido como a raiz quadrada da soma dos quadra-dos dos erros extra-amostrais e de amostragem. Isto e: (Erro to-6 Podemos dizer que a maiorla dos erros variaveis e constituida de errosde amostragem, ao passo que a maioria dos erros sistematicos ou viesese de erros de enumerafao", observagao, processamento, etc. EXistem, diga-se de passagem, erros sistematicos de amostragem: por exemplo, elemeii-tos listados duas ou mais vezes em um registro do qual se quer selecionaruma amostra aleatoria simples. O vies, conforms Cochran (1963: 292 ss.>,pode ser definicio como segue. Consideremos um valor obtido pelo censocompleto de uma populacao. Esse valor, jS o sabemos, esta sujeito a erros<3e mensuracao. Tal como a distribuicao teorica de medias amostrais, ima-ginemos a distribuicao de medias obtidas por repetidas observacoes damesma populate. A media desta distribuicao e o "valor esperado dapopulacao". O vies e a diferenca entre o valor esperado e o valor verda-deiro da populacao.

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tal )2 = (Erro padrao)~ -{- (Erros extra-amostrais )2. A relagaoentre erros pode ser tambem visualizada como um triangulo retan-gulo, cujos catetos sao o erro padrao e os erros extra-amostrais, ecuja hipotenusa e o erro total.7

0 erro de estimacao e usualmente parte da sintaxe das afir-mac,6es de resultados empiricos. Faz-se, em geral, a afirmagao pro-babilistica de que o valor x da populagao encontra-se em um inter-valo de confianca delimitado pelo valor x1 da amostra e o erro pa-drao. Isto e, afirma-se que x encontra-se no intervalo entre x1 —k (erro padrao de ar*) e *' + fc (erro padrao de #'); e que estaafirmagao tern uma probabilidade P de estar correta. Esta probabi-lidade aumenta rapjdamente na medida em que o valor de k e, con^seqiientemente, a extensao do intervalo de confianga, aumentam.Se k = 1. a probabilidade P de que a afirmacao esteja correta ede, aproximadamente, 0,68; se k = 2, P sobe para cerca de 0,95;se k = 3, P atinge 0,997; finalmente, para k = 4, P e igual a0,99994. Infelizmente, quanto mais amplo o intervalo de confian-53, menos litil ele e. Dizer, por exemplo, que a proporgab de bra-sileiros a favor da legalizagao do aborto esta entre 0 e 100% einegavelmente uma afirmagao verdadeira, mas iniitil.

"O objetivo do pesquisador", resume Kish (1963: 183), "eestreitar o intervalo de confianga sem reduzir a probabilidade defazer afirmacoes verdadeiras." Na pratica, o pesquisador estabeleceum nivel de probabilidade (e convengao fixar P em 0,95) e usao valor k para calcular o intervalo de confianga. Isso significa que,para um nivel fixo de probabilidade, a extensao do intervalo deconfianga depende do valor do erro padrao da estimativa. Reduziro erro padrao dos resultados de uma amostra (estreitar o intervalode confianga das estimativas) significa, portanto, auinentar a pre-cisao da pesquisa. Ora, em qualquer desenho amostral, a maneirade reduzir o erro padrao e aumentar o mimero de elementos daamostra. A razao e simples: quanto maior for a amostra, maiorsera a probabilidade de que a media amostral esteja proxima damedia da populagao. No limite, se a amostra for tao grande quantoa populagao. o valor da amostra sera igual ao valor da populagao,e o erro padrao sera igual a zero.

Um resultado precise nao e necessariamente um resultadoacurado. Precisao denota a magnitude da diferenga entre a esti-mativa e o valor observado da populagao. Ambos estes valores, co-

7 Kish (1965: 510) define esta equacSo como: (Erro total)2 = (Errosvariaveis)2 ~\- (Vieses)2. Neste caso, a equagao apresentada no textorepresenta apenas um caso especial, isto e": os erros variaveis sao unica-mente erros de amostragem.

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mo sabemos, estao sujeitos a erros de mensuragao. Acurdcia, potsua vez, denota a magnitude da diferenga entre o valor observadoe o valor verdadeiro. Para dize-lo de outra forma: o conceito de pre-cisao inclui apenas o erro de amostragem. mas o conceito de acura-cia inclui tanto o erro de amostragem quanto os erros extra-amostrais, variaveis ou viesados. Uma pesquisa acurada e, ao mes-mo tempo, precise e nao tendenciosa.

E facil visualizar agora o dilema com que se defronta o pes-quisador. O erro de amostragem e, em geral, posto sob controlepelo aumentd do tamanbo absoluto da amostra. Mas o desenbo dapesquisa como um todo focaliza nao apenas o erro de amostragem,mas o erro total. 0 vies e o componente principal dos erros extraamostragem e, por exercer uma influencia sistematica, e um tipode erro insensivel ao numero de elementos na amostra. Se as pes-soas tendem a mentir sobre a sua propria idade, elas o farao, damesma forma e com as mesmas consequencias, em amostras v>e-quenas ou giandes' ou no censo complete da populagao. Na ver-dade, se nos reportarmos a equagao do erro total, e visivel que aimportancia relativa do vies dentro do erro total da pesquisa au-menta em fungao direta do tamanbo absoluto da amostra. Em con-traste com o erro de amostragem, a unica forma de controlar ovies e pelo aperfeicoamento dos metodos de realizagao do survey,da sele§ao da amostra ate o processamento de dados.

Difereutes procedimentos sao requeridos para o controle dediferentes tipos de erro. Mais ainda: as fontes de erro distribuem-se por todos os estagios da realizagao da pesquisa. O Quadro 1 aios-tra uma classificagao das principals fontes de erros, variaveis outendenciosas, em pesquisas por amostras.8 0 retangulo em linhas

8 Morgentern (op. tit.) enumera nada menos do que nove fontes deerros, como segue; (a) o erro na definicao do problema da pesquisa; (6)o erro de amostragem; (e) o erro do instrumcnto de observacao, o ques-tionario, no caso; (<f) o erro de entrevista; (e) o erro de codificagao; (/)o erro de perfuragao; (g) o erro de processamento; (A) o erro de ana-lise, e (0 o erro de inferencia. Um modelo interessante dos erros depesquisa, baseado na teoria da informacao, foi desenvolvido por Galtung(1969: 174-178). O modelo baseia-se na estimativa do montante de "riri-do" que interfere na comunicacao de uma informacao do entrevistadopara o pesquisador. Se visualizarmos as etapas de realizacao de um surveycomo o canal desta comunicacao, a estimativa do "ruido" pode ser obtidapor meio de uma matriz cujas linhas registrem a informacao emitida pelorespondenle, cujas colunas registrem a informagao recebida pelo pesqui-sador ao fun do projeto, e cujas celas contenham as probabilidades deIransicao da informacao em erro.

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A VERSAO QUANTITATIVA 97

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interrompidas delimita as fontes de erros que serao mais cuidado-samente analisadas no restante deste texto.

E desnecessario repetir a distingao entre os erros de amosrra-gem e os erros extra-amostrais. Pouca atengao sera dada aos primei-ros, mesmo porque sao objeto de extensas discussoes em qualquerlivro sobre amostrageni. Os erros extra-amostrais, inclusive por naoestarem formalizados em tuna teoria estatistica, eludem com maiorfacilidade o entendimento do pesquisador.

Os erros de nao-observacao resultam do fato de que segtnen-tos da populacao sao excluidos do processo de observagao. Exclu-sao, e importante sublinhar, tern aqui um significado bem preciso.Ao definir a populagao que sera objeto de pesquisa por amostra,quase sempre excluimos, deliberada e expHcitamente, vastos seg-mentos da populagao mais abrangente. Uma pesquisa sobre os pa-droes de lazer da juventude exclui, por definigao, todos os velhos,Falamos aqui, ao eontrario, da exclusao de elementos que perten-cem a populacao definida pelo pesquisador. A exclusao de taiselementos pode ocorrer ou porque eles (ou as unidades amostraisas quais eles pertencem) nao foram adequadamente inclufdos nacobertura da amostra, ou porque nenbuma resposta sobre as suascaracteristicas pode ser obtida. Mais adiante, discutiremos com de-talbes os problemas de nao-cobertura e de nao-resposta em surveys.E fundamental enfatizar, entretanto, que esta exclusao de elemen-tos e uma das principals fontes de vies na pesquisa por amostras,pela simples razao de que os elementos excluidos pertencem des-pronorcionadamente a determinados grupos socio-demograficos dapopulagao.

Os erros de observagao resultam da coleta e do registro incor-retos das observances feitas em uma amostra. Fodemos separar 03erros originarios da coleta de dados, ou do trabalho de campo, da-queles que resultam do processamento dos dados. Comecemos peloserros de coleta de dados, tambem conbecidos como erros de res-posta. Os erros de selecao tern origem nas decisoes do enumera-dor ou do entrevistador sobre quern sera, no final das contas, en-trevistado. Suponhamos que se queira realizar uma entrevista comum dos adultos residentes, em carater permanente, em cada umdos domicilios selecionados. Uma empregada domestica deve serconsiderada residente permanente do domicflio? E o primo queveio do interior passar uma semana na capital e esta de cama baonze meses? Ate mesmo os residentes efetivos do domicflio podemter dificuldades em qualificar os demais residentes. Mas a subs-tituigao de enderegos e, de longe, a causa mais importante doserros de selecao. O entrevistador sempre encontra domicilios onde

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98 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA

os residentes estao ausentes durante a maior parte do dia. For quonao, pode-se perguntar, substitui-los por domicilios adjacentes?Afinal de contas, familias de padrao de vida similar tendem a ha-bitar as mesmas areas, de tal forma que os vizinhos que se encon-tram em casa devem ser substitutes adequados para os residentesausentes. Acontece que, por mais homogenea que seja a area resi-dencial, as pessoas que trabalham fora tendem a ser significativa-mente diferentes das pessoas que ficam em casa durante todo odia. A substituigao, por exemplo, provavelmente incluiria na amos-tra um niimero desproporcional de donas de casa; o pesqnisador,inocente de reificagoes, podera tratar todas essas observances sobo nome generieo de "mulheres" e, assim, generalizar para a popu-lacao feminina como um todo valores amostrais enviesados emfavor de um segmento.

Os erros de entrevista ou de resposta tern multiplas brigens.*Uma de suas fontes e o proprio questionario. A formulacao deuma pergunta pode induzir uma resposta enviesada: por exemplo,uma pergunta fechada pode oferecer um niimero insuficiente ouincomplete de alternativas de resposta. A questao: "Por que o Sr.resolveu alugar a casa onde mora?", seguida das alternativas: (a)"O aluguel e baixo"; (b) "A casa e confortavel", e (c) "A vizi-nhanca e boa", pode gerar uma resposta tendenciosa justamentepor nao ter espeeifieado alternativas provaveis do tipo: "A casafica perto do meu trabalho." Pela forma da questao, o entrevistadose re forgado a escolher uma alternativa que nao expressa a suareal motivagao.10 Uma segunda fonte de erros e o entrevistador. Arelacao social da entrevista e sempre paradoxal, exigindo, por umlado, que o entrevistador se mantenha suficientemente distante doentrevistado para nao perder a sua objetividade; e, por outro lado,que ele se aproxime suficientemente do entrevistado para gauhara sua confianga. Diferengas em atributos visiveis (tais como sexo,educagao ou raga) podem inibir o entrevistado, levando-o a re-cusar-se a responder certas questoes; o entrevistador pode comu-nicar as suas proprias atitudes ao entrevistado ou, o que e muito-

9 Existe uma vasta literatura sobre os erros de entrevista ou de resposta.Vale a pena consultar os trabalhos de Canell e Kahn (1968) e, printipal-mente, de Sudman e Bradburn (1974).10 Litwak (1956), entretanto, arguments (com razao, a meu ver) quenao e possivel classificar uma questao como sendo enviesada ou nao combase apenas nas intengoes do pesquisador. Utilizando o modelo te6rico daanalise de estrutura latente, Litwak sugere que o vies pode ser geradopela especificacao inadequada da dimensao que se quer mensurar, ou pelaconcep?ao erronea da forma da distribuicao das respostas ao longo destadimensao.

A VERSXO QUANTITATIVA 99

mais freqiiente, reinterpretar uma resposta ambigua em termos desuas proprias crengas. A omissao de perguntas para apressar o ter-mino da entrevista ou a fraude pura e simples de todo um questio-nario sao outras maneiras, infelizmente nao tao raras, pelas quaiso entrevistador pode deformar os resultados da investigagao. A ler-ceira fonte de erros e o proprio entrevistado. Alguns erros de res-posta sao deliberados, tal como ocorre com a declaragao da rendade entrevistados de alto nivel soeio-economico; outros erros saodevidos a lapses de memoria ou incompreensao do objeto da per-gunta; outros ainda decorrem do fato de que respostas relativasa fatos da vida corrente do entrevistado teudem a ser mais esta-veis do que respostas sobre a sua vida pregressa ou respostas queimpliquem avaliag5es ou julgamentos. A forma mais conhecida devies induzido pelo entrevistado e o chamado "conjunto aquies-cente de respostas". Esta e a tendencia, freqiiente entre entrevis-tados de nivel educacional mais baixo, a responder afirmativa-mente a um conjunto de perguntas, independentemente de seusconteudos. 0 caso classico do conjunto aquiescente de respostas ea mensuragao de escalas de autoritarismo em populagoes pobres epouco educadas; nesta e outras baterias de questoes projetivas, oentrevistado tende a concordat com tudo que Ihe e perguntado: abem da verdade, menos por reais predisposigSes autoritarias do quepor acreditar ser este o comportamento sociaunente desejavel du-rante uma entrevista.

Os erros de processamento, finalmente, somam-se aos demaiserros ja nos estagios finals e mais mecanicos da pesquisa. A codi-ficagao, ou a versao das informagoes textuais do questionario paracodigos numericos, esta sujeita a erros de diversas origens: des-cuido ou cansago do codificador; anotag5es incompletas ou ilegi-veis do entrevistador; codigos ambfguos ou vagos, etc. 0 erro decodificagao e particularmente acentuado, observam. Crittenden eHill (1971), quando os codigos exigem, ao mesmo tempo, a bus-ca e a avaUacao da importancia relativa de informagoes contidagem respostas a perguntas abertas. Os codigos numericos sao, em se-guida, expostos a outra fonte de erros: a sua transladacao paraperfuragoes em cartoes ou gravacao em fita magnetica. Um casoantologico de erro de perfuragao e o "caso dos indios e vitivos ado-lescentes", detectado por Coale e Stephan (1962) no Censo Demo-grafico de 1950 nos Estados Unidos. Os resultados do censo mos-tram um numero desproporcional de indios e de viiivos entre 10e 14 anos de idade gragas a um erro mecanico: o deslocamento daperfuracao para uma coluna a direita em varies milhares de car-toes. Nao termina ai a odisseia do pesquisador. O processo de com-

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putagao esta igualmente sujeito a erros mecanicos; ou ate mesmoa erros tendenciosos, dependendo, por exemplo, de como e quaudouma sub-retina determine o truneamento e o arredondamento dasfragoes decimals de series numericas.

Esta digressao sobre a natureza e as conseqiiencias do erro napesquisa empirica indica um novo angulo para a avaliacao do in-tercambio entre metodo e improvisagao. "Como selecionar umaamostra probabilistica?", pergunta Kish (1963: 184). "Sempreque algum dentre varios elementos da populagao e incluido naamostra", responde ele, "a sua selegao deve ser realizada por meiode algum procedimento mecanico que assegure as probabilidadesde selegao atribuidas a todos os elementos em questao. Precisamos,portanto, de alguma operagao fisica, algum procedimento pratiooque seja congruente com o modelo probabilistico subjacente a nossateoria estatistica". Este e, precisamente, o amago do problema. Oque faz uma amostra probabilistica e a escolha de elementos se-gundo probabilidades conhecidas de selegao; essas probabilidadessao assegurados pelo uso criterioso de procedimentos mecanicos deselegao (por exemplo, a tabela de numeros aleatorios ou rotinasde enumeragao de domicilios). Em suma: os procedimentos me-canicos de selegao de elementos sao uma tradugao operacional deum modelo probabilistico, de tal forma que omissSes ou mudangasindevidas nos procedimeutos afetam diretamente a integridade domodelo.

O restante deste texto analisa duas fontes de erros na pes-quisa por amostra: a nao-cobertura e a nao-resposta de elementosque, por definicao, pertencem. a populagao em causa. 0 estudo des-tas fontes de erros exemplifica bem os limites da improvisagaoem surveys. Dada a relative pobreza de recursos e de informacoescontextual, o pesquisador pode escolber certos atalhos para o tra-balho de campo que, na realidade, aumentam a probabilidade deocorrencia desses erros. Na pratica, a nao-cobertura e nao-respostade determinados elementos importa em atribuir-lbes uma probabi-lidade zero de selegao, excluindo-os efetivamente do calculo dos va-lores amostrais. Acontece que a nao-cobertura e a nao-resposta pena-lizam desproporcionalmente determinados grupos da populagao. Aexclusao destes elementos da amostra e uma causa segura de esti-mativas tendenciosas.

0 Desenho Amostral e o Problema da Nao-Cobertura

O problema da cobertura em surveys e melhor avaliado nocontextp ^geral da implementacao de um projeto de pesquisa. Era0 nosso proposito selecionar uma amostra probabilistica da popu-

A VERSAO QUANTITATIVA 101

lagao de residentes adultos da regiao sudeste brasileiro. Essa regiao,coextensiva as regioes censitarias numeros V a IX, inclui o Espi-rito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, o desde entao extintoEstado da Guanabara, Sao Paulo, Parana, Santa Catarina e BioGrande do Sul. JEsta populagao, por definigao, inclui todos os re-sidentes permanentes, de 18 ou mais anos de idade, das areas ur-banas e rurais daquela regiao. £ importante notar que a populagaodefinida exclui todos os residentes com menos de 18 anos de ida-de; os encarcerados; qs alienados mentais e os enfermos interna-dos em clinicas, hospitals e bospicios; os residentes em instalagoesmilitares, e a chamada populagao flutuante de residentes tempora-ries da regiao, tais como turistas, marinheiros em viagem, etc.11

Decidimos selecionar, em estagios miiltiplos, uma amostra debase geografica, ou por probabilidade de areas. A amostragem porareas tira partido do fato de que cada elemento de uma popula§aobumana pode ser identificado com um e apenas um domicilio;e que cada domicilio, por sua vez, tem uma localizagao geograficaprecisa. A selegao de amostras por areas e geralmente realizadaem varios estagios: (1) a populagao e dividida em aglomeradosde elementos, as cbamadas unidades primdrias de amostragem (ouU.P.A.S), seguindo-se usuahnente os limites tragados para unida-des administrativas ou censitarias; (2) uma amostra probabilisti-ca das U.P.A.S e selecionada para representar o conjunto inicial deaglomerados; (3) subamostras de domicilios sao selecionadas emcada U.P.A. e, finalmente, (4) Tim ou mais elementos (as pes-soas que se quer entrevistar) sao selecionados em cada um dosdomicilios eleitos.

A amostragem por areas oferece diversas vantagens. Primeiro,nao se necessita coletar um grande volume de informagoes contex-tuais basicas para toda a populagao, mas tao-somente para asU.P.A.S inicialmente selecionadas. Este primeiro estagio de sele-gao requer apenas uma lista exaustiva das U.P.A.S e alguma me-dida de seus respectivos tamanhos — em geral, o tamanbo da po-pulagao residente e/ou o numero de domicilios. A enumeragao detodos os domicilios ou, se o desenho amostral o exigir, de todos oselementos residentes, e requerida apenas para as U.P.A.S inclui-das na amostra. 0 que significa que, em comparagao com outrospianos amostrais, a amostragem por areas e, em geral, mais con-veniente e menos dispendiosa. Uma segunda vantagem da amostra-gem por areas e a utilizagao de diferentes metodos de selegao em

11 Evidentemente, estao tambem exclm'dos da populate definida pelosurvey todos aqueles elementos que, a rigor, nao estao associados a qual-quer domicilio especifico: mendigos, andarilhos, criminosos em fuga, etc.

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102 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA

diferentes estagios do processo de amostragem. Metodos de amos-tragem por aglomerados ou por estratos da populagao, a selecaoprobabilistica e a selegao sistematica, sao todos eles utilizados paramaximizar a precisao e reduzir os custos da amostragem por areas.Este tipo de amostra, a bem da verdade, tambem tern as suasdesvantagens. 0 principal problema da amostragem por areas ternorigem no uso de metodos de selegao por aglomerados, qual seja:a probabilidade mais alta de erros de amostragem. Sabemos quequanto maior a amostra, menor o erro padrao. Esta afirmagao everdadeira, entretanto, somente quando cada elemento da popula-gao e selecionado iudependentemente da selecao de qualquer outroelemento, tal como ocorre na amostragem aleatoria simples. Naamostragem por aglomerados, por definigao, os elementos sao sele-cionados nao individuabnente, mas em grupos. Neste caso, o in-cremento do erro padrao, em comparacao ao erro que seria obtidoem uma amostra aleatoria simples da mesma populacao, dependerado quao homogeneos, com respeito a uma ou mais caracteristicasde interesse, sejam os elementos de cada aglomerado tanto em re-lagao a si mesmos, quanto em relagao aos elementos componentesdos demais aglomerados.12

No nosso caso, a selegao da amostra foi efetuada em cinco es-tagios. Nao se inclui neste numero a escolba dos Estados que re-presentariam a regiao. Seis Estados, cuja populacao conjunta re-presentava, em 1970, mais de 90% da populagao total do Su-deste brasileiro e cerca da metade da populagao nacional, foramintencionalmente escolhidos: Espirito Santo, Minas Gerais, Rio deJaneiro, Guanabara, Sao Paulo e Rio Grande do Sul. Uma serie dedificuldades levou-nos a definir Minas Gerais e o Espirito Santocomo um unico modulo estadual de amostragem. Eleitos os Esta-dos, o primeiro estagio da amostragem consistiu na selegao de umaamostra de municipios, as nossas unidades primaries de amostra-gem. Todos os municipios foram inicialmente estratificados em

12 A amostra nacional de domicilios do Survey Research Center da Uni-versidade de Michigan £ um. exemplo de amostra em estagios multiplespor probabilidade de areas. Esta amostra tern a vantagem de ser multl-funcional, podendo ser utilizada para a selecao de subamostras ou para aselecao de diferentes agregados de populacao, Seu uso para a selecao decondados, cidades e vilas e exemplificado no trabalho de Hess, Souza eJuster (1977). A Fundacao IBGE mantem permanentemente atualizadauma excelente amostra em estagios multiples por probabilidade de areas:a Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciles ou PNAD. Os detalhesdesta amostra encontram-se em Barbosa e Lindquist (1970). Warwick eNininger (1975: 111-125), com base na experiencia de criacao de umaamostra nacional no Peru, descrevem com excepcional clareza as etapasde implementacao da amostragem por areas.

A VERSAO QUANTITATIVA 103

fungao de duas caracteristicas: o tamanho da populacao municipalem 1970 e a proporgao daquela populagao classificada como urba-na. Seleeionou-se em seguida uma amostra de 24 U.P.A.S, comprobabilidades de selegao proporcionais ao tamanho de suas popu-lagoes, dentre os diferentes estratos formados. Vale notar que to-das as capitais de Estado foram defimdas como UiP.A.s auto-re-presentativas e incluidas com certeza na amostra. 0 Quadro I listaa populagao adulta em 1970 dos seis Estados e 24 municipios sele-cionados.

O segundo estagio consistiu na selegao de um numero rela-tivamente grande de setores censitarios nas areas urbanas ou ru-rais dos municfpios selecionados. 0 setor censitario e a unidade deenumeragao do Censo, um aglomerado com numero bastante varia-vel de habitantes e de domicilios: nas areas urbanas, o setor tipicoconta com cerca de 1.400 babitantes em aproximadamente 300domicilios, caindo nas areas rurais e suburbanas incluidas naamostra para cerca de 900 habitantes em 200 domicilios. Umalista complete de setores, com o tamanho respective de suas popu-lagoes, foi obtida para cada U.P.A., selecionando-se dai, com pro-babilidades proporcionais ao numero de habitantes, 98 setores ur-banos e 16 setores rurais e suburbanos. Toda a documeutagao dis-ponivel sobre os setores selecionados foi obtida, inclusive copiasdos mapas originalmente preparados pelos agentes censitarios paraa enumeracao de domicilios em 1970. Estes setores, entretanto, in-cluiam um territorio e uma populagao demasiado grandes, dado onosso orgamento, para serem totalmente cobertos na enumeracaode seus domicilios. A solugao foi criar um terceiro estagio de sele-gao de subsetores.

Nas areas urbanas, nao encontramos grandes dificuldades nadelimitacao e selegao de subsetores. Os mapas de setores urbanoapermitiam a identificagao de quarteiroes, ou seja, dos subsetores"naturals" de uma cidade. Nao tinhamos, e verdade, como saberde antemao o numero de domicilios em cada quarteirao. Volta-mos a improvisar: determinamos o numero de enderegos a seremvisitados em urn dado setor e, em seguida, selecionamos umaamostra aleatoria simples de quarteiroes, equacionando o numerode tentativas de selegao ao numero (gerahnente pequeno) de en-trevistas a serem realizadas naquele setor. Nas areas rurais, esteprocedimento estava, obviamente, fora de questao. Dada a pessi-ma qualidade dos mapas de setores rurais, alguns deles nao maisque rabiscos indicatives de estradas e domicilios, fomos obrigadosa buscar as informagoes basicas que necessitavamos para a sele-Sao da amostra em outro lugar. Com a indispensavel e eficientecolaboragao do sistema brasileiro de extensao rural, redesenhamos

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104 A BUSCA DA REALIDADE OBJETTVAQUADRO I

A AMOSTRA DA REGIAO CENTRO-SUL: POPULACAO ADULTAEM 1970 NOS ESTADOS E MUNICfPIOS SELECIONADOS1

Estados e MunicipiosSelecionados Populagao Adulta em 1970 z

GuanabaraGuanabara

Rio de JaneiroNova Iguacu

* NiteroiCampos

Minos Gerais - Espirito Santo sBelo HorizonteJuiz de ForaGovernador ValadaresVitoriaCaratingaParaisopolis

§ Poco Fundo§ Ouro Branco

Sao PauloSao PauloSantos

* JundiaiSao Caetano do SulSSo Jose dos CamposMauaRio ClaroAvare

Rio Grande do SulPorto Alegre| Gravatai

Erechim§ Humaita

TotalEstados selecionadosRegiao Centro-SulBrasil

2.691.4042.691.404

2.487.330344.624185.663146.187

6.432.257619.438123.6^569.57565.51046.765

6.1905.7772.885

10.068.4073.395.998

212.58192.66689.28671.50247.90343.62819.207

3.592.345515.851

26.18024.0774.625

25.271.74027.587.13447.469.837

1 O municipio e a unidade primaria de amostragem. Na maioria dosmunicipios, apenas domicflios urbartos foram selecionados. Dentre osrestantes, a selecao incluiu tanto domicflios urbanos quanto rurais (*)ou limitou-se apenas aos domicflios rurais (§).

2 Os dados sobre populagao adulta foram extraidos do Censo Demogra-fico de 1970 (Fundacao IBGE, 1973). Em virtude das diferentesclassificacoes usadas nas publicacoes do Censo, os dados sobre os Es-tados referem-se a populacao com 18 anos de idade ou mais, ao passoque os dados ao ni'vel de municipios incluem apenas a populacao com20 anos de idade ou acima.

3 Para efeitos de selecao da amostra, Minas Gerais e Espirito Santoforam definidos como constituindo um unico Estado,

A VEESAO QUANTTTATIVA 105

os mapas e listamos, tao acuradamente quanto possivel, os domi-cflios rurais. Os setores foram entao divididos em subareas aolongo das estradas existentes, de tal forma que a selegao de domi-cflios pudesse ser efetuada segundo uma rotina simples: dirigindapor essas estradas, o entrevistador selecionaria a enesima fazenda,ora a sua direita, ora a esquerda, enumerando em seguida todasas suas unidades domiciliares.

0 quarto estagio consistiu na selegao dos domicflios. Um do-micflio foi definido como uma construgao permanentemente ha-bitada por uma ou mais pessoas, fosse esta construcao um aparta-mento, quarto de pensao, barraco de fundos ou alojamento ocupa-do pelo vigia de uma fabrica. Nas cidades, eleitos os quarteirSes,.sorteou-se a esquina de onde deveria partir o entrevistador, cami-nhando sempre no sentido dos ponteiros do relogio. Munido deuma folha de percurso, ele deveria localizar e enumerar todos o&domicflios do quarteirao, selecionando sistematicamente o enesimadomicflio para a entrevista. Nas areas rurais, o entrevistador ape-nas enumerava e escolhia sistematicamente uma unidade domici-3iar na fazenda selecionada.

Finalmente, gelecionou-se o morador a ser entrevistado. Uti-lizamos aqui, com sucesso, o metodo de selecao probabilistica deresidentes desenvolvido por Kish (1949). O entrevistador enume-rava os residentes, anotando o primeiro nome, a relacao com o-chefe da fanulia, o sexo e a idade de todas as pessoas adultas dodomicflio, inclusive empregadas domesticas. Essa enumeragao se-guia sempre uma certa ordem: primeiro os homens, depois as mu-Iheres, as pessoas sempre ordenadas das mais velhas as mais jo-vens. A selecao agora era facil, pois uma tabela, determinando apessoa a ser selecionada em funcao do numero de pessoas adultasno domicflio, havia sido prevjamentc carimbada em cada questio-nano.

A cobertura de uma populacao refere-se a enumeracao com-pleta e acurada de todos os sens elementos. A identificacao e lo-calizagao de todos os elementos elegiveis para inclusao na amos-tra e a garantia de que eles recebam probabilidades de selecao di-ferentes de zero — uma condicao essencial para a implementacaode um modelo probabilistico de amostragem. A nao-cobertura, porimplicacao, diz respeito a exclusao acidental de unidades amos-trais elegiveis ou mesmo conjuntos inteiros de tais unidades, se-jam elas domicflios ou pessoas, dos quadros amostrais de enume-racao e mapeamento.15

IS Podemos igualmente falar em supercobertura quando elementos ine-legfveis sao inclui'dos na amostra.

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106 A BUSCA DA REALIDADE OBJETTVA

Ja observamos que a nao-cobertura e uma fonte de vies porincidir desproporoionalniente sobre determinados grupos da po-pulagao. Nao tenho a mao informagoes sobre o montante estimadode nao-cobertura no censo demografico brasileiro. Mas uma breveavaliacao desse problema nos censos norte-americanos de 1950 e1960 serve como indicagao de sua seriedade. A taxa global de nao-cobertura em 1950 foi estimada em 3,6% da populaeao total,caindo para 3,1% em 1960 — isto e, arnbos os censos deixaran;de contar cerca de 6 milhSes de americanos. Da mesma forma,cerca de 2,5% ou mais de um milhao de domicilios, localizadosprincipalmente em areas rurais e cortigos urbanos, iludiram a enu-meragao censitaria. Mais importante, contudo, sao os diferenciaisentre subgrupos da populagao. Em 1950, o survey pos-enumera-cao do Bureau do Censo estimou a taxa de nao-cobertura da popu-lagao branca em 2,6%, enquanto na populagao nao-branca, negrae hispano-ainericana, o sen valor era de 11,5%. O aperfeicoamen-to dos metodos de enumeraeao em 1960 trouxe a nao-coberturada populagao branca para 2,2% e a da populacao nao-branca pa-ra 9,5%. Ainda assim, encontramos em 1960 diferenciais destaordem: as taxas de nao-cobertura de homens entre 25 e 29 anosde idade foram, respectivamente, 4,3% para os brancos e 19,7%para a populacao nao-branca. Os exemplos poderiam ser multi-plicados, mas a conclusao seria a mesma: a nao-cobertura penalizasobretudo as populates jovens e pobres, bem como as areas ru-rais e corticos urbanos. Dada a qualidade do censo norte-ameri-cano, e de se crer que o problema da nao-cobertura, especiahnen-te no campo e nas favelas, seja um pouco mais grave no censobrasileiro.

No caso de nossa pesquisa, nao tenho como estimar o mon-tante de nao-cobertura por nao dispor de enumeragoes completespara comparacao. Nao obstante, vale a pena registrar a suspextade nao-cobertura nesta amostra e alertar o leitor para algumasde suas provaveis causas. A nao-cobertura, relembro, diz respeitoou a domieilios, ou a residentes, ou a ambos. A perda de domici-lios, em principio elegiveis para inclusao na amostra, e mais rele-vante para esta discussao.

Uma das causas importantes da omissao destas unidades en-contra-se precisamente na definicao inadequada ou incompleta doque seja um domicflio.14 Os domicilios de dificil acesso ou loca-

^ Por definicao, o domicilio inabitado ou vazio e inelegi'vel para a sele-cao, mas deve ser inclui'do na enumerac.ao, Em nossa pesquisa, estimamos.

A VERSAO QUANTITATTVA 107

lizados em lugares e construcoes insuspeitos (barracos de fundosou quartos de vigias, por exemplo) tern, naturalmente, maioreschances de serem omitidos na enumeracao. Por esta razao, e aocontrario do que fizemos em nossa pesquisa, e prudente separarpor completo a tarefa de enumeraeao da tarefa de entrevista, sub-metendo as unidades domiciliares a uma dupla contagem por dife-rentes pessoas. Fizemos, e claro, a veriflcagao das folhas de per-curso e seleeoes de domicflios em uma subamostra de cerca de10% do total de enderecos, encontrando um numero insignifi-cante de domicilios nao-cobertos ou de erros de selegao. Mas a ve-rificagao por subamostras de forma alguma substitui uma enu-meraeao previa e completa de cada setor.

Os erros de enumeragao, como seria de se esperar, ocorremcom muito maior frequencia em certos aglomerados de domicilios.A nao-cobertura nas areas rurais deve ter sido razoavel. Ali, fal-tam ao pesquisador mapas e informagoes mais precisas e, ademais,o campo brasileiro e povoado por um numero indeterminado deposseiros, residhido incognitos nos recantos menos acessiveis dasareas rurais. 0 mesmo deve ser verdade nas favelas e nos corti-cos urbanos.

Nunca e demais sublinhar o fato de que a documentacao im-precisa ou incompleta sofare os aglomerados de domicilios e umadas principals causas da nao-cobertura. Ja nem falo de mapas oudescrigoes inadequadas. Falemos dos limites de um setor censita-rio. A definigao clara e precisa da fronteira entre dois setoresevita que os domicilios ai localizados sejam, por descuido ou in-decisao do enumerador, sistematicamente excluidos da amostra.O titulo deste texto inspura-se, a proposito, na descrigao dos limi-tes de um setor urbano no interior de Minas Gerais. A descrigaodo IBGE reza: "Este setor tern como pontos de imcio e finalos fundos da igreja. A linha de limites segue pelos seguintes pon-tos de referencia: a margem da Rio-Bahia ate um pequeno filetede agua, e por este ate o corrego maior; por este corrego ate aultima casa da rua principal, ja saindo novamente na Rio-Bahia,pela qual segue ate os fundos da igreja matriz." Como distinguir ofilete e o corrego na epoca das aguas? Onde fica exatamente aultima casa da rua principal? A propria igreja pertence ao setorou nao? A nossa dificuldade em responder estas perguntas sugereo dilema do enumerador, sempre pressionado a tomar decisoes no

que cerca de 1,5% dos domicilios cobertos estivesse vazio. Vale obser-var que a proporgao de domicilios vazios e mais ou menos invariante como tamanho da U.P.A., sendo quase inexistente nas areas rurais.

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108 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA

local, decisoes estas que podem, com excessiva facilidade, redun-dar em uma selegao tendenciosa de elementos amostrais.

0 Trabalho de Campo e o Problema da Nao-Resposta

A amostra mais cuidadosamente selecionada, coberta de ma-neira t£o completa quanto possfvel, apenas produzira resultadosprecisos case as pessoas efetivamente entrevistadas sejam repre-sentatitvas da populagao. Dado que poucas pesquisas conseguementrevistar todos os elementos inclufdos na amostra, a possibili-dade de que a nao-resposta enviese os resultados deve ser umapreocupacao constante do pesquisador.

Um certo montante de nao-respostas, devido a doenca ou via-gem, e quase sempre inevitavel, como tambem o sao as recusas ona iucapacidade em responder a certas questoes.15 O problema serioda nao-resposta, entretanto, encontra-se na impossibilidade de seconseguir qualquer informagao sobre determinados elementos dapopulacao. Caso estes elementos fossem, para todos os efeitos pra-ticos, similares aos respondentes, as conseqiiencias da nao-respostaseriam triviais. Acontece que, geralmente, e a exemplo da nao-cobertura, eles nao o sao. E ai esta a fonte de vies da nao-resposta.

O montante e as razoes de nao-respostas, ao contrario da nao-cobertura, podem ser diretamente estimados pelo pesquisador.Conforme a sugestao de Kish (1965: 532-535), classificamos asfontes de nao-respostas em quatro grupos. A recusa expli-cita da entrevista pode ocorrer em dois momentos: a recusano contato inicial (RCI) ou a recusa pela pessoa selecionada(RPS). A distribuicao e jmportante: a RCI e geralmente anuncia-da, em nome de todo o domicilio, pelo chefe da familia ou peloresidente que primeiro recebe o entrevistador. Ao contrario daRPS, a RSI pode refletir ou nao a receptividade dos demais resi-dentes a entrevista. Em adicao, o entrevistador necessariamentecompleta a enumeragao de todos-os residentes antes de receber aRPS, obtendo assim importantes informacoes sobre os correlates

15 fi costumeiro distinguir-se entre a recusa em responder uma questSoe a nao-resposta por falta de informacao ou de opiniao ("nao sabe"). Anatureza, a incidencia e os correlates de nao-respostas a certas questoessao discutidos por Coombs e Coombs (1976) e por Converse (1976). Evi-dentemente, sempre existe a possibilidade de que uma certa proporfSodas respostas do tipo "nSo sabe" consista, na verdade, em recusas emresponder as questoes. Com base nos dados do nosso projeto, Cohen (1976)elaborou um modelo estrutural para estimar os efeitos da situacao deentrevista sobre estas nao-respostas, bem como as relacoes entre recusasexplicitas e recusas camufladas como "nao sabe".

A VERSAO QUANTITATIVA 109

socio-demograficos desse tipo de nao-resposta. A ausencia de um oude todos os residentes por periodos de tempo incompativeis com ocronograma da pesquisa denota o segundo grupo de nao-respostas.Novamente, dtstinguimos aqui a ausencia de todos os residentes deum domicilio habitado, ou "ninguem em casa" (NEC), da situacaoem que apeuas a pessoa selecionada esta ausente (PSA), fi im-portante sublinhar o fato de que qualquer tipo de ausencia e defi-nido em funcao do mimero maximo de tentativas de entrevistas•determinado pelo pesquisador. O terceiro grupo reune outras ra-zoes de nao-resposta: primeiro, a pessoa selecionada e receptiva,mas encontra-se incapacitada para a entrevista (PSI) por doenca.invalidez, senilidade ou intoxicagao; ou, segundo, a pessoa selecio-nada e receptiva, mas e impedida por familiares de responder aentrevista, um tipo de nao-resposta particularmente freqiiente entremulheres. Finalmente, a nao-resposta pode ser devida a perda daentrevista como um todo. Tres razoes basicas determinam esta per-da. A perda literal do questionario pelo entrevistador ou pela ad-ministra£ao da pesquisa e a primeira delas, um evento mais fre-qiiente do que seria desejavel. Em segundo lugar, podemos todauma entrevista por estar incompleta ou pobremente realizada. Fi-nalmente, ha que se eliminar da amostra todos os questionariosfraudados pelo entrevistador. A fraude de entrevistas e o flagelodos censos e das pesquisas por amostras, e so pode ser elimina-do pelo controle rigoroso do trabalho de campo. Esta quarta cate-goria de nao-respostas, felizmente, nao aparece os resultados finalsde nossa pesquisa, conforme resumidos no Quadro 2.

Esse quadro mostra os resultados finals na pesquisa pelo mime-ro de tentativas de realizacao de entrevistas. Os entrevistadores de-veriam fazer um minimo de tres tentativas antes de desistir de rea-lizar uma entrevista, classificando o domicilio ou um residente emum dos grupos de nao-resposta. Na pratica, tentou-se obter umaentrevista ate um maximo de sete visitas a uns poucos domicfliospromissores, mas particularmente reealcitrantes. Como mostra oquadro, o numero medio de tentativas para se obter uma entrevis-ta foi de 1,5 visitas ao domicilio.

A primeira coluna do Quadro 2 mostra simplesmente as pro-porgoes do total de enderecos finalizados em uma ou mais tentati-vas, isto e, as proporsoes de enderegos que resultaram em uma en-trevista ou em uma nao-resposta. Por exemplo, 58% de todos osenderecos foram finalizados na primeira tentativa. A segunda co-luna mostra a proporcao de entrevistas realizadas pelo numero de

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A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA

tejam em casa e mais alta, como tamfoem o e a probabilidade detrue elas nao abram a porta para conversar com urn bomem). Ou-tros procedimentos podem certamente ser utilizados para reduziro montante de nao-resposta em uma pesquisa.

£ necessario, entretanto, que o pesquisador tenha uma ideiaclara da rentabiKdade marginal de se investir em uma enesima vi-sita a uma nao-respondente. Neste sentido, calculei para a nossa pes-quisa uma taxa de sucesso para cada tentativa adicional de se con-seguir uma entrevista, taxa esta operacionalmente definida como omimero de entrevistas multiplicado pelo numero de tentativas paraobte-ias. A Figure 2 apresenta os resultados.

Figura 2

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A VERSAO QUANTITATIVA 113

Os resultados falam por si mesmos. Em suma: <juanto maioro numero de tentativas, menor a probabilidade de se conseguir umaentrevista. A razao e simples: o segmento da populagao mais recep-tivo a entrevista concede ser entrevistado na primeira visita aos seusdomicflios. Mais de 90% das primeiras visitas, entendido o termocom o numero de tentativas vezes o numero de entrevistas, resulta-ram em respostas ao questionario. Dai para a frente, o entrevista-dor encontra maior resistencia e ja comeca a perseguir os residen-tes mais indecisos ou refratarios a entrevista. A taxa de sucesso dc-clina rapidamente e, alem de tres tentativas, o entrevistador defron-ta-se, por assim dizer, com a turma da pesada, os nao-respondentesmais empedernidos e bostis a pesquisa. Tentar entrevistar esse gru-po, fazendo tantas visitas qiiantas necessarias para obter uma res-posta, pode impor custos monetarios e uma perda de tempo inaceita-veis ao projeto de pesquisa.

A decisao do pesquisador e grandemente facilitada caso ele co-nhega as caracteristicas tipicas do segmento da populacao mais re-ceptivo a ser entrevistado. Imaginemos que cada elemento da popu-lacao tenha certa probabilidade de responder a entrevista. A pri-meira visita ao domicflio, como vimos, atinge um numero despro-porcionado de elementos com alta probabilidade de resposta. Cadavisita adicional, ao contrario, tende a contatar os elementos combaixa probabilidade de resposta ate o limite daquele grupo residualcom probabilidades de resposta proximas a zero. Conhecendo algu-mas das caracteristicas socio-demograficas dos elementos com altaou baixa probabilidades de resposta, o pesquisador pode estimar deantemao o numero de tentativas requerido para a realizacao da en-trevista. Os resusltados estao no Quadro 3.

O local de residencia, tirbano ou rural, e o nivel educacionaldo entrevistado sao os melhores preditores de sua receptividade aentrevista, entendido o termo como o numero medio de tentativasnecessario para obter a sua resposta. 0 efeito do local de residenciae, na realidade, menor do que os dados deixam entrever, no senti-do de que a populagao urbana, particularmente a populacao dasareas metropolitanas, e, em media, melhor educada do que a po-pulacao rural. 0 leitor fica tambem alertado para a possibUidade deque diferengas educacionais expliquem parte do efeito atribuido aosexo do entrevistado.

De qualquer forma, e interessante notar quais sao os elemen-tos mais receptivos a entrevista: (a) as mulheres, requerendo emmedia 1,5 tentativas; (b) os respondentes analfabetos ou de niveleducacional mais baixo, com 1,3 tentativas, e (c) os residentes deareas rurais ou pequenas cidades, com 1,1 e 1,4 tentativas, respecti-

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118 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA

vamente. Utilizando o mesmo criterio, os elementos mentis recepti-vos a entrevista sao: (a) os homens, com 1,7 tentativas por en-trevista; (b) os respondentes com mais escolaridade parlicular-mente os de nivel universitario, com 2,0 tentativas em media, e(c) os habitantes das grandes cidades, com 1,8 tentativas. Por simesma, a idade do entrevistado nao parece afetar a sua receptivi-dade a entrevista.

Se uma escoiha tivesse que ser feita entre estes preditores, euescolheria, em priineiro lugar, o nivel educacional e, em segundolugar, o sexo do elemento selecionado para a entrevista. Isto e, combase nestes atributos, o entrevistador' pode estimar, em media, quan-tas visitas serao necessarias para obter a resposta e organizar umcronograma compativel com estas expectativas.

E claro que o pesquisador tambem gostaria de ter a mao in-formag5es sobre as caracteristicas tipicas dos nao-respondentes, or-ganizadas por tipo de nao-resposta. Algumas dessas caracteristicaspodem ser enccntradas no Quadro 4. Antes, entretanto, e necessariodizer uma ou duas palavras sobre esses resultados. Observe-se, porexemplo, que as categofias de nao-resposta incluem apenas os casosem que foi possivel ao enlrevistador observer e registrar as carac-teristicas da pessoa selecionada para a entrevista. As categorias"recusa no contato inicial" e "ninguem em casa" estao excluidasdeste quadro,. embora tenhamos informa9oes sobre esses elementos,informae.oes essas derivadas de estimativas do entrevistador ou derelates de vizinhos. O problema e que este tipo de informacao, espe-cialmente se fornecida por vizinhos, tende a ser tendenciosa. Manti-ve na tabela • apenas duas estimativas feitas pelo entrevistador: ostatus socio-economico do domicilio e a manifestacao de medo oususpeita pelo nao-respondente.

Estes resultados sao bastante interessantes. Podemos analisa-los por categoria de nao-resposta. Os elementos com alta probabili-dade de recusar a entrevista sao os seguintes: (a) mulheres; (o)pessoas com 40 anos de idade ou mais, (c) familias ou residentesde status socio-economico mais alto, e- (d) habitantes de grandescidades. Cerca de 43% daqueles que se recusaram a ser entrevista-dos manifestaram medo ou suspeita quanta ao entrevistador ou aentrevista, ou' ambos.

A nao-resposta por ausencia prolongada e tipica de (a) ho-mens; (b) pessoas mais jovens; (c) familias ou residentes de statussocio-economico medio e (d) habitantes de cidades menores, especi-almente as ci,dades-dormitorio nas cercanias das areas metropolita-nas. E reconfortante observar que apenas 2% destes nao-respon-dentes manifestaram medo ou suspeita da entrevista.

A VER$AO QUANTITATIVA 119

Finalmente, as pessoas incapacitadas para a entrevista sao, emgeral, (a) mulheres; (6) pessoas com 40 anos ou mais idade; (c)residentes de status socio-economico baixo; (d) habitantes de ci-dades maiores. Nenhum destes elementos manifestou medo OH sus-peita da entrevista.

Estes resultados, diga-se de passagem, sao inteiramente con-gruentes aqueles registrados por Kish (1965: 537-538). Os homens,os jovens, as pessoas de status socio-economico mais baixo e os ha-bitantes de pequenas cidades e areas rurais sao os elementos maisdificeis de serem encontradas em casa. Comparando estes aos re-sultados do Quadro 3, vemos que a ausencia do domicilio e a prin-cipal razao do maior numero de tentativas requerido para a entre-vista destes elementos.

As mulheres, os velhos, as pessoas de status socio-economicomais alto e os habitantes de cidades maiores sao os elementos maispropensos a se recusarem a ser entrevistados. A comparagao com oQuadro 9 e, mais uma vez, instrutiva. Enetendemos agora em queconsiste a maior receptividade das mulheres a entrevista: ou bemelas se deixam entrevistar no prhneiro contato com o entrevistador,ou a recusa e quase certa. A qualidade do contato inicial pareceser particularmente importante para este grupo da popula^ao, e opesquisador pode adotar certas rotinas de apresentacao da pesquisaque minimizem o medo ou a suspeita que esses elementos revelamfrente a um entrevistador.

Quanto aos incapacitados, os resultados sao dramaticamenteclaros. Sao, na sua maioria, mulheres, pessoas senis ou invalidas,gente mais velha e, sobretudo, gente pobre e pouco educada. O pes-quisador dificilmente eucontrara procedimentos para o contato eentrevista que reduzam a proporcao de nao-respondentes nesse gru-po. A entrevista desses elementos e, para todos os efeitos praticos,impossivel.

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