Revista Instantes, nº 5 - Destacável
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Instantes
05
Biblioteca Escolar/Centro de Recursos Educativos
Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes
Destacável
O idoso – o nosso maior património
O idoso
o nosso maior património
Ivone Dias Ferreira
Jornalista/Socióloga
Coordenadora do projeto “Vencer o Tempo nas 7 Cidades”
Os jovens andam aos grupos, os adultos aos pares, e os velhos, simplesmente,
andam sozinhos!
Existem civilizações em que a velhice é olhada com respeito, tratada com veneração.
Há jovens, homens e mulheres, em plena força da vida que reconhecem a sabedoria das
experiências vividas por quem percorreu caminhos diferentes, mais difíceis, mas
superados com êxito.
Essas civilizações, essas sociedades, a que alguns chamam de primitivas ou em
desenvolvimento, são afinal aquelas que acreditam que é com a sabedoria do passado
que se vive o presente em plenitude e se constroem futuros sólidos.
Na Grécia clássica relegavam-se os velhos a um lugar subalterno e a beleza, a força e a
juventude eram enaltecidas por alguns filósofos gregos, até que Platão trouxe uma
nova visão onde mostrava que a velhice trazia uma melhor harmonia, prudência,
sensatez, astúcia e juízo.
Ao contrário, na sociedade romana os anciãos tinham uma posição privilegiada. O
direito romano concedia-lhes a autoridade de “pater familias” e a própria República
Romana também conferia cargos importantes, no senado, aos anciãos, como “patrícios”.
A imagem negativa da velhice foi combatida por Séneca, mas foi em Cícero, com sua
obra "Senectute", que a velhice encontrou o seu maior defensor.
Nas sociedades orientais, principalmente na China e Japão, o ancião era visto com uma
aura de privilégio sobrenatural e ocupava um lugar primordial, porque a longevidade
se associava com a sabedoria e a experiência.
Nas culturas Inca e Azteca, a população anciã era, obrigatoriamente, tratada com muita
consideração e a atenção e os cuidados que lhes eram dados eram vistos como atos de
verdadeira responsabilidade pública.
Finalmente, os antigos Hebreus também se destacavam pela importância que davam a
seus anciãos, que, em épocas de nomadismo, eram considerados os chefes naturais dos
povos e consultados sempre que necessário. Acreditava-se que Matusalém tivesse
vivido 969 anos.
Estes são apenas alguns exemplos, que a História confirma, de muitas culturas e
civilizações, onde a velhice é vista com respeito e veneração porque representa a
experiência, o valioso saber acumulado ao longo dos anos, a prudência e a reflexão.
No entanto, as sociedades ditas “civilizadas”, as sociedades modernas, não seguem estes
exemplos e a atividade e o ritmo acelerado da vida marginalizam aqueles que não os
acompanham.
A velhice é o último período da evolução natural da vida, mas não há uma idade
universalmente aceite como o limiar da velhice até porque é fundamental ter em conta
o aumento progressivo da longevidade, logo uma maior expectativa de vida, que
aconteceu nas últimas décadas do século XX, devido aos avanços nas áreas de saúde
pública e da medicina em geral, e à melhoria das condições de vida de todas as
populações, nos seus mais variados aspetos.
O crescimento da percentagem de idosos, sobretudo nos países desenvolvidos, pôs em
evidência a problemática da velhice, tanto do ponto de vista estritamente médico como
do ponto de vista socioeconómico e, por isso, o tema ganhou uma grande relevância e
atualidade. Tanta, que a Comissão Europeia declarou o ano de 2012 como o Ano
Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre Gerações.
Estes “anos europeus” têm, como
objectivo, dar visibilidade a temas
que a Europa, o continente onde
vivemos e nos integramos, considera
que devem ser alvo de atenção
especial pela sua relevância, pelos
aspectos positivos ou negativos que
devem ser conhecidos, estudados,
debatidos e, sempre que possível,
solucionados a favor dos europeus,
que somos todos nós, sem
discriminação de raça, sexo, género,
crenças religiosas ou idade.
No entanto, vale a pena recordar que
já a OMS, Organização Mundial da
Saúde, vinha a alertar para o
envelhecimento da população
mundial e, em Junho de 2005, nasceu
o conceito Cidades Amigas das
Pessoas Idosas, na sessão inaugural
do XVIII Congresso da Associação Internacional de Gerontologia e Geriatria (AIGG)
que decorreu no Rio de Janeiro, Brasil, tendo imediatamente despertado um interesse
entusiástico, traduzido em generosas contribuições de muitos parceiros.
Atualmente, em Portugal, algumas associações e movimentos sem fins lucrativos,
encetaram, com muitas autarquias, esse percurso difícil, mas entusiasmante e generoso,
com vista a tornar cada freguesia, cada vila, cada cidade, espaços amigos das pessoas
mais velhas. Espaços que as convidem a conviverem, a permanecer, a opinar e a
continuar a aprender e a ensinar, a participar, a dar e a receber sem medo e com
confiança e alegria, sentindo-se integrados e bem recebidos. Espaços que não excluam
por falta de transportes públicos adequados, por falta de locais públicos onde seja
possível passearem ou descansarem, por falta de zonas limpas, seguras e com condições
para se permanecer por muito tempo, como por exemplo, bancos de jardim ou casas de
banho públicas.
Mas, sobretudo, cidades onde encontram jovens, homens, mulheres, filhos, filhas,
netos, sobrinhos ou até vizinhos atentos, cuidadores e cuidadosos, que os respeitem e
respeitem as suas condições e formas de estar, enquanto mais velhos para que, mais
tarde, esses que agora respeitam, possam esperar ser respeitados.
Foi sobretudo dessa inclusão social, ou da falta dela, que os seniores de Portimão,
envolvidos no projeto “Vencer o Tempo nas 7 Cidades” e participantes na acção “O
meu amigo sénior”, desse mesmo projeto, falaram, nas várias reuniões que
protagonizaram, para apresentarem as suas opiniões sobre o que sentem de bom e de
menos bom, nos percursos que a vida lhes vai proporcionando ao longo de tantas
décadas de existência.
Para que todos possamos pensar e refletir sobre atitudes, ações, formas de estar, de
conviver e de comunicar, aqui ficam algumas frases, opiniões, desabafos, dos seniores
de Portimão:
F. (72 anos): “ Olha esta velha… é assim que eles dizem. E dizem com desprezo. E o desprezo
é que magoa.”
A. (65 anos): “Esta juventude já não respeita as pessoas. Já não liga aos mais velhos. Tenho a
impressão que lhes deram muita liberdade e não ensinaram o que era o respeito.”
A. (82 anos): “Olhe, eles agora dizem olha a velhinha… E se o dizem com desprezo, fico
triste.”
R. (76 anos): “Lá na minha aldeia não se olhava a ricos ou a pobres, sabíamos que tínhamos
que cumprimentar toda a gente com respeito. Agora já não se vê isso.”
E.( 92 anos): “Ser velho é muito feio. Hoje vivo das recordações…”(…) “Gosto de viver
sozinho, na minha própria casa. Estive em Lisboa, em casa do meu filho, mas quis regressar e
voltei há um mês. Não quis estar a incomodar mais tempo.”
M. (74 anos): “Eu tenho dificuldades em andar. Tenho muitas dores nas pernas. Não tenho
muitos amigos. Só uma menina, filha de um amigo meu, que me dá muita atenção… mas é
quase única e, para mim, ela é como uma filha.”
C. (69 anos): “Ainda no outro dia, o próprio médico, em vez de me atender e auscultar
devidamente, o que me disse foi: Ó minha senhora, isso é o caruncho…”
Frases ditas, por vezes a sorrir, por vezes com tristeza. Frases que nos
responsabilizam, a todos e a todas, na construção de laços de solidariedade entre as
diversas gerações.
Frases que nos deveriam fazer refletir e, quem sabe, se for o caso, mudar de atitudes, de
comportamento, de forma de ser e estar em sociedade.
Pequenos gestos podem construir grandes mudanças. Um sorriso, um abraço, um
apoio, às vezes até, apenas, a paciência com que se espera que alguém, mais velho,
atravesse a rua ou suba os degraus de um edifício ou de um autocarro…
A realidade, nua e crua, é apenas esta: quando nascemos, já estamos a envelhecer.
Quereremos para nós, amanhã, os mesmos comportamentos que hoje preenchem, no
dia-a-dia, a nossa convivência com os mais velhos? Ou, nessa altura, desejaremos aquilo
com que eles hoje também sonham: ser considerados pessoas, gente com experiência,
com saberes, com valores, com estórias e com História? Afinal, esta gente, tal como
nós, mais tarde, é um verdadeiro património!
Por tudo isto não podemos esquecer que só quem dá hoje, pode receber no futuro…
Lisboa, 22 de Maio de 2012
Fotografias de António Homem Cardoso, gentilmente cedidas pelo autor.