Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sutentável 01_01/2013
Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sutentável 01_01/2001
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AGROECOLOGIA EDESENVOLVIMENTO
RURAL SUSTENTÁVEL
AGROECOLOGIA EDESENVOLVIMENTO
RURAL SUSTENTÁVEL
AGROECOLOGIA EDESENVOLVIMENTO
RURAL SUSTENTÁVEL
AGROECOLOGIA EDESENVOLVIMENTO
RURAL SUSTENTÁVELASCARASCAR
ASSOCIAÇÃOSULINA DE CRÉDITO EASSISTÊNCIA RURAL
Porto Alegre/RSBRASILV.2, nº 1,Jan/Mar 2001
Revista trimestral publicada pela Emater/RS
DicasEconotasEco LinksResenhas
DicasEconotasEco LinksResenhas
Como produzirmilho variedade
Agroecologia, sustentabilidade e alternativas ao capitalismo global Fórum Social
MundialGlobalizar a solidariedade
é possível
3Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
Editorial
Para a satisfação dos editores, este númeromarca o início do segundo ano de circulação deAgroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável.Neste curto período de tempo, os debates relati-vos aos fenômenos que haviam recomendado oseu lançamento se mostraram crescentes, tantoem abrangência como em profundidade de análi-se, justificando, sobremaneira, a linha editorialadotada. Não obstante, a Revista continua sendoum dos poucos veículos abertos à discussão, teó-rica e prática, de conteúdos e propostas alternati-
vas ao modelo de desenvolvimento rural conven-cional. Este, por sua vez, mantém perigosa inér-cia de avanço, em que pesem os muitos exem-plos, cada vez mais dramáticos, das externalida-des socioambientais negativas que oferece. Nes-te contexto, o denso artigo assinado porFernández Durán avalia que a expansão do mo-delo hegemônico, em seu processo de desarticu-lação das economias locais, já gerou uma onda dedesgarrados que supera os 120 milhões demigrantes, contra a qual o mundo que se preten-de desenvolvido tem, como defesa, as opções béli-cas. Segundo sua avaliação, o modelo neoliberal,ao mesmo tempo em que força o êxodo, inviabilizao trânsito e a absorção da mercadoria trabalho,ampliando um potencial de conflito sem prece-dentes na história. Mesmo na hipótese descabi-da de manutenção do crescimento econômico, oaprofundamento da crise se afigura inevitável, poisa capacidade de reforma endógena do capitalismoglobal se revelou nula, enquanto os limites eco-lógicos da autopreservação planetária já foramrompidos. As simples evidências de que não maisexistem territórios e esferas da atividade huma-na a serem submetidos à lógica mercantil, e deque a escassez de água para consumo humano eoutros efeitos da ocidentalização do mundo estãomultiplicando a fome e os conflitos armados, cujolimite é o dos armamentos nucleares, são sufici-entes para sustentar sua tese de que a manu-tenção da vida exige não apenas acabar com o sub-desenvolvimento da periferia como também, eantes, acabar com o desenvolvimento do centro. "Losindivíduos desposeídos no tienen otra salida quereinventar la totalidad de su mundo", afirma oautor. Para tanto, propõe a reconstrução das es-truturas comunitárias, a partir da realidade lo-cal, pois o enfrentamento da crise ecológica exigeconsonância com o meio ambiente e a recupera-ção de formas tradicionais de relação homem-na-tureza, com ênfase para valores de uso e não paravalores de troca. Entendendo ser necessário mun-
dializar as resistências, com anteposição do cida-dão planetário, à ditadura global do capital, reco-menda a construção de redes internacionais, em
processo de emancipação coletiva que reforce eamplie os diferentes tipos de movimentos sociaiscontrários à globalização, movimentos estes emer-gentes em todo o mundo. Demonstrando a exis-tência de sustentação teórico-conceitual paraaprofundamento da proposta de Fernández Duránsob o ponto de vista da agricultura e do rural, oartigo de Sevilla Guzmán aponta estratégias parapromover processos de desenvolvimento ruralsustentável a partir da reconstrução do poder lo-cal, em bases participativas. Idéias desta nature-za vêm sendo praticadas no Estado através doOrçamento Participativo, que orienta as priorida-des de ação da Secretaria da Agricultura e colocao poder público e a sociedade lado a lado na to-mada de decisões estratégicas para a promoçãodo desenvolvimento rural do Rio Grande do Sul.Ainda, segundo Sevilla Guzmán, a recuperação dasculturas locais, como mecanismo de resistênciaà pausterização global, pode se dar através da ade-quada utilização de características peculiares aoprocesso de desenvolvimento rural de base agro-ecológica. Sugerindo estes caminhos, o referidoautor sustenta que a Agroecologia "está assenta-da na busca e identificação do local e sua identi-dade para, a partir daí, recriar a heterogeneidadedo meio rural, através de diferentes formas deação social coletiva, de caráter participativo". Emabordagem mais específica, na qual examina mo-delos locais emergentes no sul do País, a partirda introdução de estilos de Agricultura Orgânicaou Ecológica, Schmidt oferece artigo coerente econsistente com os pressupostos assumidos nosdemais artigos publicados neste número. Suge-rindo que instrumentos de certificação poderãoconverter-se em importante reforço para a incor-poração de agricultores familiares na linha de pro-dução ecológica, o autor enfatiza a dimensão éti-ca como necessária e indispensável para susten-tar "a construção de um meio rural vivo e maisequilibrado em termos sociais e ambientais". Fi-nalmente, cabe destacar a reportagem sobre oFórum Social Mundial. Resgatando os temas daglobalização, das identidades locais e de novosvalores solidários e éticos, mostra que, na per-cepção de importantes lideranças e organizaçõesde diversos continentes, um outro mundo é possí-vel. Aliás, em consonância com esta perspectiva,a Via Campesina, considerada a mais importantefederação de camponeses do mundo, propõe, apartir de Porto Alegre, em oposição ao Fórum Eco-nômico Mundial realizado em Davos (Suiça), que"globalizemos la lucha, globalizemos la esperanza".Mais uma vez, desejamos a todos uma boa leitu-ra destes e de outros temas que compõem a pre-sente edição.
Globalização, identidade local e ética ambiental
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4Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
Revista da Emater/RS
v. 2, n.1, Jan/Fev/Mar 2001
Coordenação Geral : Diretoria Técnica da EMATER/RS
Conselho Editorial: Ângela Felippi, Alberto Bracagi oli, AriHenrique Uriartt, Dulphe Pinheiro Machado Neto, Ero s MarionMussoi, Fábio José Esswein, Francisco Roberto Capor al,Gervásio Paulus, Jaime Miguel Weber, João Carlos Ca nuto, JoãoCarlos Costa Gomes, Jorge Luiz Aristimunha, Jorge L uiz Vivan,José Antônio Costabeber, José Mário Guedes, Leonard o AlvimBeroldt da Silva, Leonardo Melgarejo, Lino De David , LuizAntônio Rocha Barcellos, Nilton Pinho de Bem, Renat o dosSantos Iuva, Rogério de Oliveira Antunes, Soel Anto nio Claro.
Editor Responsável: Jorn. Ângela Felippi - RP 7272Editoração de Texto: Mariléa Fabião BorralhoProjeto Gráfico e Ilustração: Sérgio BatsowDiagramação: Nina de OliveiraCharge: SantiagoRevisão: Deise MietlickiFotografia: Kátia Farina Marcon, Leonardo Melgarejo ,
Rogério da S. FernandesPeriodicidade: TrimestralTiragem: 3.000 exemplaresImpressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.Distribuição: Biblioteca da EMATER/RS
EMATER/RSRua Botafogo, 1051Bairro Menino Deus90150-053 - Porto Alegre - RSTelefone: (051) 233-3144Fax: (051) 233-9598
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A Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é umapublicação da Associação Riograndense de Empreendimentos deAssistência Técnica e Extensão Rural - EMATER/RS.Os artigos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidadede seus autores.
CartasAs instituições interessadas em manter permuta podem enviar cartaspara a bibliotecária Mariléa Fabião Borralho, EMATER/RS, RuaBotafogo, 1051, 2° andar, Bairro Menino Deus, CEP 90.150.053Porto Alegre/RS ou para [email protected] .ISSN 1519-1060
SUMÁRIO
Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.| Porto Alegre| v.1| n.2| p.1-84| jan./mar.2001
RReportagem 5
Fórum Social Mundial e a agricultura
OOpinião 11Negociar com o clima?Caporal, Francisco Roberto
RRelato de EExperiência 14Adubação verde de verãoMüller, André
AA rtigo 18La necessidad de alternativas al capitalismo globalRamón Fernández Durán
AA lternativa TTecnológica 33Produção de semente própria de milho variedade
AA rtigo 35Uma estratégia de sustentabilidade a partir da AgroecologiaGúzman, Eduardo Sevilla de
TTópico EEspecial 46
EEconotas 57
DDica AA groecológica 59Uso do enxofre e calda sulfocálcica para tratamentofitossanitário
Eco Links 61
AA rtigo 62Agricultura orgânica: entre a ética e o mercado?Schmidt,Wilson
RResenha 74
NNormas editoriais 82
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5Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
FSMA globalização da esperança
Reportagem
A construção de uma nova sociedade ba-
seada na solidariedade. A frase busca sin-
tetizar o objetivo das múltiplas dis-cussões e experiências ocorridas
em Porto Alegre, durante o pri-
meiro Fórum Social Mundial
(FSM), realizado de 25 a 30
de janeiro. Registraram
presença 4.702 represen-tantes de 117 países nas 16
conferências, mais de 400
oficinas, acampamentos e
encontros, unidos pela con-
vicção de que um outro mun-
do é possível. O Fórum teveo apoio do governo do Estado
e da prefeitura de Porto Alegre.
O eixo comum para o grande volu-
me de temas debatidos foi a busca de
saídas contra a exclusão social e a lutapor um mundo mais democrático e
igualitário. Configurando-se como espaço para
a troca de experiências e realização de articu-
lações, o FSM não convergiu para um docu-
mento unitário, viabilizando a emergência de
vários compromissos e a articulação de dife-rentes oportunidades de ação. Coerentes en-
tre si, estes resultados foram construídos a par-
tir de exemplos trazidos do mundo todo. Nas
palavras do sociólogo português Boaventura
Santos: "nós queremos salientar as diferen-ças, queremos os princípios da igualdade e da
diferença andando juntos nessa nova socieda-
de civil, pois temos o direito de sermos iguais
quando a diferença nos descarta e sermos di-
ferentes quando a igualdade nos descaracteri-
za".Divididos em quatro eixos, os temas do FSM
versaram sobre a produção de riquezas e a
reprodução social, o acesso à riqueza e à sus-
tentabilidade, com entusiástica afirmação do
papel reservado à sociedade civil e da impor-
tância dos espaços públicos, do poder políticoe da ética, num mundo mais ajustado às ne-
cessidades da maioria dos seus habitantes.
Entre os novos paradigmas e os novos valores
evidenciou-se a importância de uma nova
ética, como base para o controle social do Es-
tado, em suas várias dimensões.Neste sentido, o FSM se revelou como es-
pécie de fonte abastecedora de corações e
mentes irmanados pela certeza de que o fu-
turo do planeta depende da construção de uma
consciência cidadã, em escala global. Ativis-tas de várias nações reforçaram suas convic-
ções, retornando mais confiantes para suas
áreas de intervenção setorial, conscientes de
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6Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
Reportagem
que estão imersos em
movimento de escalaglobal a favor da vida.
A qualidade política
do encontro se revelou
como marca histórica
na trajetória das orga-nizações populares e na
luta pela autonomia dos
povos. Produzindo cons-
ciência coletiva a res-
peito de que um novo
mundo é possível, o FSMresultou em organiza-
ções populares mais for-
tes e mais unidas, arti-
culadas por propósito co-
mum e com pautas de-terminadas para perío-
dos subseqüentes. As-
sim, no próximo ano, o
FSM ocorrerá novamen-
te em Porto Alegre e, si-
multaneamente, emoutros locais do planeta, na mesma data que o
Fórum Econômico de Davos.
A experiência de construção participativa,
desenvolvida pelos governos municipal de Por-
to Alegre e estadual do Rio Grande do Sul, ser-viu como referência e base de lançamento
para movimento internacional de luta contra
o neoliberalismo.
Estimular a luta coletiva do homem contra
o capital é a síntese maior de um projeto que
se expande no planeta com o primeiro FSM, apartir de Porto Alegre. De 2002 em diante, se-
rão motivadas rodadas de fóruns sociais em
outros lugares do mundo, de dois em dois anos,
até que prevaleça a solidariedade, até que os
valores éticos superem os econômicos e a jus-
tiça social se estabeleça.E para os envolvidos com os temas agricul-
tura e meio ambiente, dois grandes desafios
estiveram em pauta: como combater a exclu-
são social e a degradação ambiental. Estas
questões dialogaram
permanentemente emtodas as conferências e
debates, oficiais e de
bastidores. Relatos de
experiências, acordos
firmados e proposiçõescompuseram uma gama
de alternativas que con-
tinuam a ser construí-
das nas diferentes par-
tes do mundo.
A gr i cul t uraf ami l i a r é o
cami nhoA terra deve ser tra-
tada como bem comum,
não como mercadoria, e
a reforma agrária denada servirá se não for
estabelecida a agricul-
tura de base familiar.
Essas duas idéias con-
sensuais foram apresentadas e debatidas na
conferência Como garantir as múltiplas funções
da terra, durante o FSM.
Segundo os números apresentados, atual-
mente 75% dos camponeses brasileiros vivem
abaixo da linha da pobreza. Na Colômbia e na
Venezuela, a miséria atinge 57% e 86% dos
agricultores, respectivamente. No mundo in-teiro, há 800 milhões de famintos. E a terra
continua sendo desrespeitada como recurso
natural, tratada como mercadoria e geradora
de conflitos no mundo inteiro.
"A agricultura familiar consegue resolvermelhor o problema da fome, gera mais em-
pregos e distribui mais renda", defendeu a
economista Tânia Bacelar, uma das paine-
listas. Ela ressaltou que o estímulo à produ-
ção nas pequenas propriedades traz reflexos
positivos sobre o êxodo rural, impedindo oinchaço das grandes metrópoles e possibili-
tando a formação de cidades de pequeno e
Mar chaMar cha pelas r uas de Por to Alegr e mar ca aber tur a doFó r um
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7Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
Reportagem
médio porte.
Segundo o vietnamita Dau Thê Thuan, doInstituto Nacional de Ciências Agronômicas,
a agricultura familiar foi a maneira encon-
trada por seu país para superar o problema
crônico da fome. Hoje, o Vietnã é o segundo
maior exportador de arroz do mundo, atrás ape-nas da Tailândia, e o terceiro maior exporta-
dor de café, depois do Brasil e da Colômbia.
O ex-ministro da agricultura do Chile
Jacques Chonchol disse que a globalização
aumentou as exportações, mas acabou com a
agricultura de subsistência e instituiu o tra-balho assalariado no campo. Ele defendeu a
intervenção do Estado na formulação de polí-
ticas públicas de estímulo à agricultura fa-
miliar, como suporte tecnológico e programa
de segurança alimentar. "É necessária a dis-tribuição de renda, facilitando o acesso à ter-
ra, à tecnologia e às políticas públicas. Não
queremos a reforma agrária pregada pelo Ban-
co Mundial", ressaltou Chonchol.
Já na oficina Pauperização, crise e margi-
nalização do campesinato, eixos prioritários de
mobilização internacional, Marcel Mazoyer tra-
tou de tema semelhante. Segundo ele, no
mundo existem 1,3 bilhão de agricultores,
mas apenas 28 milhões têm acesso à meca-
nização e aos benefícios da globalização. "Omodelo hegemônico é minoritário. Não se di-
fundiu e está concentrado nas mãos de pou-
cos", disse o professor do Instituto Nacional
de Agronomia de Paris. "A soberania alimen-
tar é fundamental para as nações. O livre co-
mércio mundial é maltusiano, reduz a deman-da alimentar proporcionalmente à redução da
produção agrícola. Por isso, é fundamental a
comunicação entre os agricultores. Os agri-
cultores da França precisam saber da histó-
ria dos agricultores da América Latina para
que possam se fortalecer. É dessa globaliza-ção que precisamos".
A l i ança e nt re agr i cul t o re sUm dos resultados imediatos importantes
do Fórum Social Mundial foi a formação de
uma aliança internacional de agricultores
contra o modelo neoliberal e seus efeitos ne-
gativos. Realizada através da Via Campesina,
movimento mundial de agricultores, esta ali-ança assegura integração e cooperação en-
tre os agricultores familiares dos quatro con-
tinentes. A idéia da formação desta frente foi
desenvolvida durante o evento, nos contatos
dos movimentos de agricultores com um gran-de número de entidades sociais, sindicatos,
ONGS, igrejas, universidades. Essas entida-
des querem continuar a lutar em conjunto e
em âmbito mundial, consolidando-se como ca-
nais interconectados para expressão de resis-
tência e oposição ativa às organizações e in-teresses representativos do capital especula-
tivo internacional.
Com o lema Globalizemos a luta, globalize-
mos a esperança, a aliança comporá agendas
permanentes e internacionais, de protestos
contra a Organização Mundial do Comércio eorganismos internacionais que sustentam o
modelo neoliberal. "Nós os seguiremos onde
estiverem", disse Rafael Alegria, de Honduras,
representante da Via Campesina, em entre-
vista coletiva no FSM, junto com FranciscaRodrigues, do Chile, Paul Nicholson, do País
Basco, Henry Saragih, da Indonésia, e Egídio
Brunetto, do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra. Os protestos estão marca-
dos para datas e locais de reuniões de entida-
des como a Organização Mundial de Comér-cio, o Fundo Monetário Internacional, o Ban-
co Mundial, Área Livre de Comércio das Amé-
"A fome da humanidade não cessaráenquanto o mundo for alimentado poragricultores famintos, que sonham emfugir para as cidades. Há que construir
novas posturas. Recuperar a auto-estima,assegurar preços que permitam ao agri-
cultor familiar reconstruir sua vida eproduzir a base da qualidade para a
vida nas cidades".Marcel Mazoyer
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8Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
ricas, o G-8 e Banco Asiático.
A Via Campesina é um movimento de cam-
poneses sem-terra, pequenos proprietários,
trabalhadores rurais, povos indígenas. "Somos
a maior parte dos trabalhadores do mundo.Éramos nós que produzíamos alimentos. Ago-
ra, querem nos substituir pelas multinacio-
nais", disse Rafael Alegria, referindo-se à afir-
mação do megaespeculador George Soros de
que as multinacionais produzem mais que os
agricultores.Para a Via Campesina, o modelo neoliberal
é excludente e perverso, arrasa os mercados
regionais e produz alimentos contaminados.
"Nós, como agricultores, produzimos vida e
queremos produzir vida saudável".
Pe q ue no s p ro d ut o re s i rmanad o sParalelo às conferências do FSM, o gover-
no do Rio Grande do Sul e a Fundação France
Liberté, presidida por Danielle Mitterrand,
assinaram acordo no qual o Estado passa aser interveniente no processo de irmanamen-
to dos agricultores. Os beneficiados são as-
sentados pela reforma agrária nas comuni-
dades de Pedras Altas, Herval, Arroio Grande
e Pedro Osório. A formalização do compromis-
so envolveu também a Fundação Holos, a Con-federação Camponesa dos Departamentos de
Jura, de Saône et Loire e a Rede de Agricul-
tura Sustentável do Departamento de
Mayenne.
As entidades francesas irão participar com
tecnologia, crédito e suporte para o desenvol-vimento da produção leiteira em 40 assenta-
mentos nas cidades irmanadas.
Pelo acordo, a Fundação Holos irá elaborar
o projeto de cooperação e a Fundação France
Liberté trabalhará pela obtenção de créditospara os agricultores assentados nas cidades
irmanadas do RS. As entidades francesas dos
pequenos produtores se encarregarão de pro-
mover a troca de experiências, levando agri-
cultores gaúchos para viagens de conheci-
mento junto aos departamentos signatários
do convênio. Este projeto se ajusta à principal
atividade da agricultura familiar, à pecuária
leiteira, já que aqueles departamentos são es-pecializados na produção de leite e derivados.
Para celebrar o acordo, foi realizado o Ato
de Irmanamento, no assentamento São
Virgílio, em Herval, no dia 28 de janeiro, reu-
nindo agricultores brasileiros e franceses,além de autoridades locais e a ex-primeira-
dama francesa Danielle Mitterand.
Transgê ni co s x se gurança al i me nt ar"Os transgênicos representam uma ame-
aça à segurança alimentar", denunciou o di-retor da Greenpeace no Brasil, Roberto
Kishinami, durante o FSM. Os organismos
geneticamente modificados (OGMs) foram um
dos temas mais discutidos no evento, em de-
bates que estabeleciam a relação dos trans-
gênicos com segurança alimentar, autonomiados agricultores, biossegurança e saúde dos
consumidores.
Uma das presenças mais marcantes foi a
do Greenpeace, que reconheceu que é preci-
so destacar mais nas campanhas de protesto
a oligopolização das sementes e o risco deempobrecimento da diversidade biológica com
a implantação dos organismos geneticamen-
te modificados. Kishinami ressaltou que nes-
te início de século todas as crises ambientais
são globais _ poluição química, risco à biodi-versidade, escassez de água, contaminação
dos oceanos _, ao contrário do que ocorria no
início do século passado, com crises regionais
localizadas.
Com os problemas ambientais há uma cri-
Reportagem "Para sonhar com um mundo dife-rente, mais democrático, sem pobres,
precisamos primeiro resolver o proble-ma da propriedade da terra. A refor-ma agrária é a principal solução para o
desenvolvimento, como mostrou ohemisfério norte, que chegou ao queé distribuindo terras para impulsionar
as economias internas"João Pedro Stédile
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9Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
se de acesso aos benefícios davida moderna, reforçou o ecologis-
ta. "Um norte americano consome
hoje 16 vezes mais energia do que
um brasileiro. O planeta não su-
portaria um nível de vida igual aodos Estados Unidos para toda a hu-
manidade", alertou, ressaltando a
importância de mudar o atual
modelo de desenvolvimento, pois
é preciso rever os padrões de aces-
so aos recursos da natureza.Foi reafirmada a posição de
manter o Rio Grande do Sul como
território livre da produção de
transgênicos. "Dizer que os alimentos trans-
gênicos vão resolver o problema da fome nomundo é uma promessa demagógica", afirma
o deputado estadual e especialista em OGM
Elvino Bohn Gass. De acordo com ele, o pro-
blema não está na quantidade de alimentos
produzidos, mas na sua distribuição. Para
Bohn Gass, há muita desinformação. Os agri-cultores, ao plantarem esses alimentos, acre-
ditam que irão aumentar sua produtividade.
Porém, nos Estados Unidos já existe um re-
torno às plantações tradicionais, motivado por
uma grande insegurança e problemas de co-
mercialização.Para o biólogo francês Jacques Testart, pre-
sente nas discussões sobre OGMs, deixar a
decisão de comprar ou não produtos transgê-
nicos nas mãos dos consumidores é uma aber-
ração porque nem os especialistas sabem pre-cisar os riscos que o consumo destes alimen-
tos podem provocar à saúde humana e ao meio
ambiente.
Para o ecologista José Lutzenberger, os
camponeses eram os grandes criadores da
diversidade de sementes. Antes das empre-sas multinacionais de sementes comprarem
as empresas menores que possuíam maior
diversidade, havia 10 mil variedades de arroz
diferentes para cada parte do planeta. Hoje,
são as mesmas em todo o mundo por conta do
monopólio das multinacionais. Convocou: "é
necessária uma briga global e intensiva pelo
uso da semente"."Não se pode patentear coisas relativas à
vida", defendeu a economista chilena Rayén
Martinez, postando-se contra o patenteamento
de sementes. "A propriedade das sementes
não pode ser privada. Deve ser coletiva", acen-
tuou. Durante a conferência, a organizaçãointernacional Via Campesina propôs uma
campanha de manutenção e socialização de
sementes nativas.
Í nd i o s acamp ad o s e lab o ramre i v i nd i caçõ e s
Reportagem
"Os poderosos tendem a se apropri-ar do conceito de sustentabilidade.Sustentabilidade é incompatível com
busca desenfreada de lucro, compadrão rentista do solo. Implica com-
preensão da função da terra comohabitat, significa recursos naturais
comuns, de uso público, compreensãode que é de todos o dever e o direitode usufruir e zelar pelos patrimônios
naturais"Tânia Bacelar
MosaicoMosaico montado no FSM com pedr as dos paí ses par ticipantes
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10Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
Os integrantes do acampamento dos povos
indígenas Confederação dos Tamoios, ocorri-do durante o FSM, aproveitaram o evento para
elaborar documento com propostas e reivin-
dicações dos povos indígenas. O relatório fi-
nal foi dividido entre aspectos mundiais eexigências nacionais.
Na questão internacional, a comunidade
indígena presente exige o direito a uma edu-cação diferenciada (bilíngüe e bicultural), po-
líticas de proteção ambiental em áreas indí-
genas, reconhecimento das organizações in-
dígenas constituídas, respeito à constituição
Reportagem
de cada país, políticas públicas para as mu-
lheres, o direito dos índios de patentear seusconhecimentos e a consolidação da conven-
ção 169 da Organização Internacional do Tra-
balho (OIT), que se refere ao direito de possee utilização das terras por parte dos índios.
No aspecto nacional, as propostas buscam
aprovar um novo Estatuto do Índio, a ser elabo-rado a partir das opiniões dos próprios indíge-
nas, a formação e capacitação de professores
índios, o reconhecimento das escolas indíge-
nas, que a saúde do índio seja também res-ponsabilidade do governo federal, assim como
a elaboração de progra-
mas habitacionais, a im-plantação de políticas
agrícolas, o reconheci-
mento da convenção 169
da OIT e a conclusão dasdemarcações das terras
indígenas nos próximos
cinco anos.Cerca de 700 índios, de
120 etnias, participaram
do acampamento. O docu-mento foi entregue à co-
ordenação do fórum.AA
"Há que resgatar o saber popular. No altiplano peruano, emdeclividades onde qualquer agrônomo moderno juraria que aatividade agrícola é impossível, os índios ergueram uma civili-zação que durou milhares de anos e alimentaram milhões depessoas com tecnologia que os cientistas modernos entendematrasadas. Fizeram isso combinando terraços com rodízios de
cultivos e fertilização natural. Eles inventaram uma combinaçãode cultivos que estamos abandonando e que, no entanto,
toda ciência moderna ainda não conseguiu igualar. A simplescombinação de milho, feijão e abóbora, benéfica para o solo,
completa nutricionalmente e barata." ".Jacques Chonchol
Raf ael Alegr iaRaf ael Alegr ia em ato contr a os tr ansgê nicos em Nã o-Me-Toque
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11Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
piniãoO
* O autor é Engenheiro Agrônomo, Diretor Técnico daEMATER/RS, Mestre em Extensão Rural pelo CPGER/UFSM e Doutor em Agronomia pela Universidad de
Córdoba - Espanha. Escrito em Dez./2000.Email: [email protected] Este artigo foi elaborado
com base em diferentes documentos, dentre os quaisdestacamos texto de José Santamarta, Diretor da
Revista World Watch em Espanhol.Email: [email protected]
Negociar com o clima?Soluções ecotecnocráticas para o efeito estufa
C ap o r a l , Fr an c is c o Ro b e r t o *
As evidências científicas e as projeções
sobre as mudanças climáticas e seus efeitos
no presente e no futuro são, simplesmente,
assustadoras. Não obstante, os países ricos,
industrializados e opulentos do Norte acabamde boicotar mais uma tentativa de estabele-
cer limites às emissões contaminantes, es-
pecialmente de CO2, ainda que sabendo tra-
tar-se da principal causa do efeito estufa. E,
mais uma vez, vão tratar de transferir a solu-
ção do problema para os países periféricos doSul ou para as zonas periféricas destes países.
Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão,
os reis do boicote à VI Conferência sobre Cam-
bio Climático (realizada em Haia, Holanda, de
13 a 24 de novembro de 2000) sabem que os
efeitos maléficos do aquecimento global re-cairão, principalmente, sobre os países mais
pobres e sobre as populações mais pobres nes-
tes países, de modo que para eles vale mais
continuar com seus negócios e com sua de-
senfreada corrida poluente.
Os limites de emissões de CO2 estabeleci-dos pelo Grupo Assessor das Nações Unidas
sobre Gases de Efeito Estufa já foram sobre-
passados. E isto acontece não por um afã
poluidor do homem moderno, senão que por
conseqüência inevitável do modo de produçãocapitalista, modelo cuja "Segunda Contradi-
ção" vem sendo analisada por especialistas,
à luz das Leis da Termodinâmica (em resu-
mo, estão sendo destruídas as bases de re-
cursos naturais necessários para a continui-
dade do modo de produção).Assim, diante do poder econômico que di-
rige as decisões de congressos e governos
nacionais, a questão climática parece que
continuará a ser tratada como mais uma
"oportunidade de negócio", ainda que as ten-
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12Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
piniãoOdências atuais sobre as emissões de CO2 nos
deixem pouco lugar para o otimismo.
As Nações Unidas admitiam um cresci-
mento da temperatura global na ordem de 1°
C no próximo século e um crescimento do ní-
vel do mar de até 20cm. Para isto a concen-tração atmosférica de CO2 deveria ser de no
máximo 350 ppm. Atualmente, já chegamos
aos 367 ppm. A média atual mundial de emis-
sões é de 4,6 t de CO2 por habitante/ano,
havendo estudos que determinam a necessi-dade de se reduzir a 1,8 t de CO2 até 2030 e a
0,55 t de CO2/habitante/ano a longo prazo.
Mas tudo isto será impossível se os países
ricos não reduzirem suas emissões atuais,
que variam, em média, de 7 a 10 t de CO2/
habitante/ano. Inclusive, cabe destacar queos Estados Unidos da América, principal res-
ponsável pelo fracasso da recente Conferên-
cia sobre o Clima, têm somente 4,6 % da po-
pulação mundial e emitem aproximadamen-
te 24 % do total de CO2 produzido no mundo,
chegando a absurdas 20 t/habitante/ano, en-quanto seus governos se negam a reduzir ape-
nas 7 % deste potencial poluidor, mesmo sa-
bendo que as emissões de gases de efeito es-
tufa tenham aumentado em 21,8 % entre
1990 e 1998, naquele país.Deste modo, nem as mais engenhosas e
maquiavélicas proposições governadas pelas
"forças do mercado" serão capazes de dar con-
ta deste problema, como pretendem os defen-
sores das flexibilizações, uma vez que os es-
tudos mostram a necessidade de uma redu-ção de pelo menos 80% dos níveis atuais de
emissões de gases de efeito estufa.
Esta tendência de tratamento neoliberal
para a questão climática, capitaneada por al-
gumas multinacionais, especialmente do se-tor automotivo e do petróleo, tem levado à bus-
ca de soluções ecotecnocráticas, sabidamente
insuficientes para o enfrentamento à grave
crise ambiental em que estamos imersos.
Neste sentido, já se fala em um mercado
mundial de carbono da ordem de 30 a 40 bi-
lhões de dólares/ano (a maior parte destina-
da a projetos relacionados com créditos de
emissões), como se estivéssemos falando de
vender melancia na feira.
Como "alternativa" à necessária redução de
emissões pelos países ricos, as políticas ecotec-nocráticas nos próximos períodos vão estar con-
centradas nos chamados "direitos de poluir", na
compra e venda de "commodities ambientais",
no incentivo ao plantio de árvores nos países
em desenvolvimento, para a ampliação doschamados "sumidouros de carbono".
A idéia dos "sumidouros de carbono" pas-
sou a ser moda nos países ricos e objeto de
programas das organizações internacionais
que eles controlam, como o FMI, o Banco Mun-
dial e a ONU. Em resumo, se trata de desen-volver e financiar projetos de plantio de espé-
cies de árvores de rápido crescimento (como
eucaliptos e pinus), de modo a criar proces-
sos de "aprisionamento" do CO2 emitido. Fi-
nanciados por "verdes" dólares, estes projetos
criariam novas "commodities ambientais", oque tem tido espaços nos debates em congres-
sos, em academias, assim como a adesão de
muitos ingênuos e verdes cidadãos.
Os debates, no entanto, estão centrados na
falsa ilusão de um "ganho econômico adicio-nal por plantar árvores e preservar matas
cultivadas" (as matas nativas são outra his-
tória) e, em geral, não estão acompanhados
de qualquer reflexão sobre o impacto socio-
ambiental que poderia resultar de tais em-
preendimentos (grandes monocultivos de es-pécies exóticas).
Se imaginarmos isto acontecendo num
Estado como o Rio Grande do Sul _ e esta moda
de origem neoclássica e ecotecnocrática já se
ensaia entre nós _ em breve vamos ter gran-des monocultivos homogêneos (improdutivos?)
de espécies clonadas de eucaliptos e pinus
(talvez outras) ocupando espaços dos campos
e bosques nativos, empurrando e desalojando
pessoas e pondo em risco a existência da
fauna e flora nativas, acabando com a biodi-
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3512
13Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
al, consomem 66 % da energia mundial pro-
duzida, o que exige outro debate sobre a distri-
buição das responsabilidades pela crise ambi-ental de nossos dias. Por sorte, começaram a
ser fechadas as usinas nucleares, que alguns
insistem em dizer que produzem energia lim-
pa, esquecendo que seus resíduos radioativos
podem causar problemas por centenas de anos.Tudo isto deixa claro que, enquanto os paí-
ses ricos não admitirem diminuir a poluição
que causam e, neste caso, suas emissões de
CO2, todas estas idéias ecotecnocráticas se-
rão insuficientes para resolver o problema do
efeito estufa, cujos resultados colocam emrisco a vida sobre o planeta. Está na hora, pois,
da sociedade civil mobilizar-se, pois os gover-
nos de nossos países do Sul (e a representa-
ção do Brasil, em Haia, mostrou isto) estão,
mais uma vez, submetidos ao poder político eeconômico dos países do Norte e ao "lobby" de
algumas empresas transnacionais para as
quais o "direito de poluir" faz parte do seu ne-
gócio, ainda que isto signifique a continuida-
de de um modelo de desenvolvimento compro-
vadamente insustentável.Enquanto seguem as soluções ecotecnocrá-
ticas, estão se derretendo as geleiras, está
crescendo o nível do mar, estão aumentando
as ocorrências de enchentes e outras catás-
trofes no mundo todo e logo experimentare-
mos outro alerta da natureza: o calor e as al-terações climáticas deste verão.
piniãoOversidade local. O impacto ao ambiente local
e regional dos monocultivos homogêneos de
árvores de rápido crescimento ainda está porser estudado, mas é certo que como todo
monocultivo, tende a gerar mais desequilíbrio
ambiental.
A idéia dos "sumidouros de carbono", além
do mais, pode transformar-se em um estímu-lo ao desmatamento dos bosques naturais
para permitir o acesso a "créditos de emis-
são" pelo plantio de novas árvores. Assim
mesmo, não nos garante nada em termos de
futuro, pois é possível que o "carbono armaze-
nado" nestas árvores seja liberado à atmosfe-ra por um incêndio natural ou provocado.
Até aqui, nenhum projeto sério para en-
frentar o problema foi devidamente tratado,
por isso não se fala em políticas para dimi-
nuir os subsídios aos combustíveis fósseis,para reduzir o consumo de fertilizantes quí-
micos ou o uso de cimento (cada tonelada de
cimento consumida causa a emissão de 498
quilos de CO2), assim como não há política
para incentivar o transporte coletivo e o trans-
porte ferroviário ou para eliminar as queima-das em campos e florestas, para incentivar
as reciclagens e, muito menos, para incenti-
var o uso das energias alternativas dos ven-
tos, do sol, do hidrogênio.
Por falar em energia, outro grande proble-
ma ambiental, cabe registrar que os países doNorte, com apenas 25 % da população mundi- AA
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14Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
RExperiênciaelato
de
M ü l le r , A n d r é *
1 Int ro d uçãoO município de Porto Mauá
está situado na Região Noro-
este do Estado do Rio Grandedo Sul, junto à região costei-
ra do Rio Uruguai, fronteiracom a Argentina. Sua base
econômica é a atividade agro-pecuária desenvolvida em cer-
ca de 550 propriedades rurais,distribuídas em 10 comunida-
des rurais. Destacam-se a produção de grãos(milho e soja) e a atividade leiteira. No en-
tanto, acompanhando as tendências do mo-delo agrícola vigente, as pequenas proprieda-
des rurais têm enfrentado enormes dificul-dades para a sua manutenção e sobrevivên-
cia, devido não apenas ao alto custo dos insu-mos, mas também pela gradual desvaloriza-
ção dos preços dos produtos agrícolas tradicio-nais produzidos na região. Além disso, atual-
mente se observa nessas propriedades umadiminuição da fertilidade das terras, uma vez
que a extração de nutrientes, que se dá atra-vés das colheitas, supera a adição de nutri-
entes via aplicação de insumos minerais eorgânicos.
Neste contexto, a prática da adubação ver-de vem sendo estimulada e difundida, com ofim de favorecer o desenvolvimento das lavou-
ras de milho e soja. Entretanto, o manejo eutilização destas espécies ainda devem ser
aperfeiçoados visando melhorar o aproveita-mento das terras, assim como os níveis de
Programa de adubação verdedo município de Porto Mauá
* Eng. Agr., Chefe do Escritório Municipal da EMA-TER/RS de Carlos Barbosa. Relata o trabalho desenvol-vido enquanto atuava como extensionista rural em Porto
Mauá. Fone: 0 XX (54) 461-1505.
fertilidade do solo. A introdução de outras es-
pécies de cobertura de solo e para adubaçãoverde, tais como a ervilhaca e o nabo
forrageiro, também vem assumindo importan-te papel nesse processo, seja na redução dos
custos de adubação nitrogenada das lavourasde grãos, seja na melhoria da estrutura dos
solos. Os resultados vêm se mostrandosatisfatórios, o que pode ser constatado no
aumento da produção de milho solteiro oumesmo na produção de milho e soja consorci-
ados. Existem, pois, perspectivas futuras po-sitivas em relação ao programa de adubação
e cobertura verde em Porto Mauá. De qual-quer maneira, ainda se faz necessário supe-
rar problemas de manejo em algumas espéci-es, evitando-se competições por nutrientes
com a cultura principal cultivada na área.
2 A d ub ação ve rd e d e ve rão nare gi ão co st e i ra d o Ri o UruguaiA adubação verde de verão era praticamen-
te desconhecida na região. Tradicionalmen-
te, se empregavam no verão apenas o sorgo eo milheto como culturas forrageiras. Mais tar-de, espécies como crotalária, mucuna e
guandu, apesar de pouco conhecidas dos pro-dutores, despertaram a curiosidade de alguns
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3514
15Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
RExperiênciaelato
de
"pioneiros" e, aos poucos, passaram a seradotadas pelos pequenos agricultores.
A partir de 1997, através da SecretariaMunicipal de Agricultura e EMATER, promo-
veu-se a distribuição de pequenas quantida-des de sementes de crotalária, mucuna e
guandu-anão a agricultores membros do Con-selho Municipal de Desenvolvimento Rural,
com o objetivo de ampliar o conhecimento so-bre estas espécies e difundi-las a outros agri-
cultores. Observou-se, então, que as condiçõesde clima e solo da região costeira permitiamum desenvolvimento diferenciado de algumas
espécies em relação a outras regiões maisfrias ou de maior altitude. Cabe salientar que
as referências de trabalho, uso e emprego deespécies de verão baseavam-se na pesquisa
e prática de técnicos e agricultores da regiãoOeste Catarinense e, também, em estudos
desenvolvidos nas regiões Planalto Médio eMissões do Rio Grande do Sul, feitos pela
COTRIJUÍ e FUNDACEP. Este aporte de dadoscontribuiu substancialmente para a avalia-
ção de Unidades de Observação implantadasem 1997/98, servindo como suporte técnico
e demonstrativo para vários municípios daregião. Dias de campo e excursões foram rea-
lizados, com o intuito de ampliar os conheci-mentos práticos sobre as plantas de cobertu-
ra de solo (espécies de verão).Na unidade de experimentação principal
foram implantadas 16 espécies de verão, en-tre elas algumas exóticas praticamente des-
conhecidas, como a anileira e as sesbânias.Durante as demonstrações e dias de campo,
procurou-se enfatizar o seu uso e manejo(como cultura solteira ou intercalar) e os seus
benefícios, inclusive como alternativa para aalimentação de gado leiteiro, suínos, aves, pei-xes e coelhos, sob as formas de pastejo direto
consorciado, corte para forragem ou silagem.Entretanto, vale assinalar que ainda existem
entraves para a adoção plena destas espéciespelos agricultores no município. O principal
deles é representado pela concorrência dire-ta por área entre as espécies de adubação
verde e as culturas tradicionais de verão,como soja e milho.
3 Est rat é g i as ut i l i zad as p araamp l i ar cul t i vo s d e ad ub ação
ve rd eDesde que se iniciaram os trabalhos de ex-
perimentação e divulgação das espécies de
cobertura de solo e adubação verde no muni-cípio, vêm se usando uma série de procedi-
mentos e estratégias que permitem a parti-cipação de agricultores no processo. Ou seja,as unidades e eventos desenvolvidos estão
servindo como palco privilegiado de discussõese intercâmbio de conhecimentos e experiên-
cias entre técnicos e agricultores. Dentre asprincipais estratégias até agora utilizadas,
destacam-se as seguintes:aCriação de unidades demonstrativas em
todas as comunidades rurais, usando as es-pécies de maior interesse para os agriculto-
res (crotalária juncea, crotalária spectabilis,guandu-anão, mucuna cinza, feijão-de-porco
e soja preta);aEstímulo ao emprego de plantas de cober-
tura de solo na fruticultura (citros, abacaxi ebanana), destacando-se o uso de crotalária,
mucuna e feijão-de-porco;aTroca/distribuição de sementes aos agri-
cultores interessados, através de venda dire-ta ou pelo sistema troca-troca, visando à pro-
dução de sementes tanto de espécies de in-verno como de verão nas propriedades rurais;
aInstalação de áreas demonstrativas pararecuperação e manejo em áreas de pousio e/
ou degradadas que apresentavam baixa ferti-lidade ou em parcelas de lavoura de fumo e
milho, visando à reciclagem de nutrientes eredução no aporte de insumos químicos du-rante o ciclo da cultura principal;
aInstalação de unidades de demonstraçãoe de observação nas comunidades rurais, com
vistas a melhor conhecer o emprego e mane-jo das plantas de cobertura e procedimentos
para a produção de sementes em pequenasáreas, assim como para avaliar a produção de
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16Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
RExperiênciaelato
de
massa verde, cobertura de solo, competiçãocom inços e aporte de nutrientes;
aRealização de Dias de Campo em comu-nidades ou em nível municipal e microrregi-
onal;
4 Re sul t ad o s p arc i a i s a lcançad o sOs trabalhos de adubação verde e de cober-
tura do solo em Porto Mauá têm abarcado prin-cipalmente nos seguintes processos:
a) Consórcio com frutíferas
O uso do feijão-de-porco, crotalária, mucuna
e guandu (em cultivo solteiro ou em consórciode espécies) proporcionou bons resultados, tan-
to na melhoria da fertilidade quanto na redu-ção e controle de ervas invasoras, especial-
mente nos citros. Observamos um papel im-portante desempenhado pela mucuna-cinza
na supressão, redução e/ou eliminação degramíneas indesejáveis. Nas frutíferas tropi-
cais, como o abacaxi, em áreas de microcli-ma na costa do Rio Uruguai, o uso do feijão-
de-porco nas entrelinhas pareadas reduziu apresença de inços e, por conseguinte, os re-
querimentos de adubação nitrogenada.
b) Consórcio com milho
As diversas espécies de adubação verde fo-
ram semeadas em épocas diferentes nas en-trelinhas da cultura: no plantio do milho, aos
40 dias (momento da enverga) e na floração.Os melhores resultados foram obtidos na se-
gunda situação, pois a adubação verde não es-tabeleceu competição com o milho, aprovei-
tando-se, além disso, uma das operações detrabalho na cultura do milho. Todas as espé-
cies apresentaram rendimentos relativos su-periores ao cultivo solteiro, destacando-se ofeijão-de-porco, pelo fato deste fornecer nitro-
gênio durante o ciclo do milho. As demais es-pécies contribuíram com aporte de nutrien-
tes para as culturas subseqüentes. Situaçãoespecial ocorreu com a mucuna-cinza, a qual,
por ser de ciclo longo e apresentar um rápidocrescimento, pode ser plantada após a dobra
do milho, facilitando assim a colheita deste.
c) Consórcio com forrageiras
A consorciação de milheto com crotalária
juncea e guandu permite a obtenção desilagem com um maior percentual de proteí-
na bruta quando comparado ao obtido a partirda silagem de milheto isoladamente. Além
disso, animais leiteiros têm mostrado boaaceitação dessa forragem, seja sob a forma
de silagem, seja como pasto fornecido direta-mente no cocho. No entanto, necessitam-se
mais testes sobre consorciação de pastagens,com vistas a adequar as proporções de cadaespécie e, por conseguinte, alcançar uma
melhor qualidade nutricional da forragem aser obtida mediante consórcio.
d) Consórcio com outras culturas
Estão sendo obtidos bons resultados atra-vés do uso de feijão-de-porco consorciado com
a cana-de-açúcar, visando ao suprimento deadubação nitrogenada, bem como a redução
de inços (principalmente milhã, grama-finae papuã). O uso de crotalária e feijão-de-porco
como plantas de cobertura de solo em lavou-ras de mamona, seja em sistema de plantio
direto ou em cultivo mínimo, também estásendo experimentado e acompanhado com o
propósito de reduzir ou substituir a adubaçãoquímica convencional. Nos próximos anos,
pretende-se incrementar o uso de espéciesde gramíneas em consórcio com leguminosas,
buscando-se atingir um melhor equilíbrio denutrientes para esta cultura.
e) Produção de sementes em pequenas la-
vouras
Atualmente, existe pouca oferta de semen-
tes de algumas espécies e, por isso, seus pre-ços são elevados em Porto Mauá. Nesse sen-
tido, o acompanhamento no manejo, visandoà produção de sementes, tem se revestidonum importante desafio para o incremento
da adubação verde. Embora a região do Valedo Rio Uruguai apresente aspectos favoráveis
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17Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
tos tecnológicos por parte dos agricultores, emespecial nas áreas com fruticultura. No caso
da recuperação de áreas degradadas ou em
sistemas intercalares com culturas anuais,a adoção deverá ser ritmada pela visualização
dos resultados práticos e pelo domínio do usoe manejo das espécies por parte dos agricul-
tores e técnicos.aUm aumento das áreas destinadas à pro-
dução de sementes. Devido ao alto custo das
sementes de certas espécies, alguns agricul-tores estão se especializando nessa produção
para a comercialização. Neste caso, o acom-panhamento técnico será fundamental, em
função das dificuldades de ordem climática e
dos problemas de manejo ainda existentes naprodução de sementes com boa qualidade.
aA implantação de unidades de estudo ede pesquisa na microrregião costeira, em par-
cerias ou convênios com universidades e ins-
tituições de pesquisa, visando melhor avali-ar os resultados práticos destas espécies,
aprofundando-se os conhecimentos sobre suaadaptação nas condições edafo-climáticas lo-
cais e, com isso, ampliando os registros bibli-
ográficos existentes.Em suma, as espécies para adubação ver-
de e cobertura de solo _ que vêm sendo estu-dadas e difundidas em
Porto Mauá _ possuem
um enorme espaço aser potencializado nas
pequenas e médias pro-priedades do município.
Devemos, então, somar
esforços, consolidar par-cerias, realizar experi-
mentos com a participa-ção direta dos agriculto-
res, ampliando assim as
possibilidades de êxitodo programa em curso,
na perspectiva do De-senvolvimento Rural
Sustentável.
RExperiênciaelato
de
quanto ao clima, algumas espécies de ciclomédio a longo (crotalária juncea e mucunas
cinza e preta, por exemplo) ainda necessitamser melhor estudadas quanto à época de plan-
tio. Ademais, é preciso estabelecer e/ou con-solidar parcerias com instituições de pesqui-
sa e ensino, com o objetivo de aprimorar co-nhecimentos e técnicas de manejo para a pro-
dução de sementes em pequenas áreas.
f) Recuperação de áreas degradadas
O uso da crotalária e da mucuna em áreas
de baixa e média fertilidade, respectivamen-te, está permitindo a obtenção de excelentes
resultados. O uso da mucuna cinza tem per-
mitido a recuperação de áreas de pousio emapenas um ou dois ano, representando uma
importante vantagem em relação ao sistematradicional de pousio utilizado na região, o
qual demanda um período médio de 3 a 4 anos,
ademais de diminuir a incidência de inçosna área em questão.
Como conseqüência dos processos referi-dos acima alcançou-se, até o presente mo-
mento, uma área cultivada de 150 ha comespécies de inverno, envolvendo 150 produto-
res. Para o período de verão, a área cultivada
foi de 50 ha (incluindo cultivos em consórcioentre plantas cultivadas e
espécies de adubação ver-de e cobertura do solo), com
a participação de 50 agri-
cultores.
5 Pe rsp e ct i vas p araa ad ub ação ve rd e
d e ve rão na re g i ãoEm face das ações rea-
lizadas e dos resultados até
agora alcançados, existemperspectivas otimistas em
relação ao programa. Espe-
ra-se, pois:aUma adoção gradual
das práticas e procedimen- AA
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18Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
La necesidad de alternativasal capitalismo global*
D u r á n , Ra m ó n Fe r n á n d e z* *
1 La i ngo b e rnab i l i d ad d e l nue vo( d e s) o rd e n mund i a l
Los dos principales bloques del Centro, elespacio norteamericano (Estados Unidos y
Canadá) más el espacio europeo occidental (la
Unión Europea y su área de influencia) han
consolidado una nueva estructura y estrate-
gia de la Organización del Tratado del AtlánticoNorte (OTAN), bajo un firme y reforzado
liderazgo estadounidense, para defender sus
intereses e intervenir en el mundo del capi-
talismo global y de la post-guerra fría 1,
volviendo a incrementar sus presupuestos
militares, que
bajaron cuando
cayó el Muro de
Berlín. No hayque olvidar que
en este amplio
espacio geográfi-
co se ubica el
grueso del poder
e c o n ó m i c otransnacional y
financiero, cuyos
agentes son los que más se benefician de los
procesos de globalización en marcha, desta-
cando, en este sentido, especialmente Esta-dos Unidos. Además, poseen las dos principa-
les monedas del planeta - el dólar y el euro -,
y una gran parte de sus poblaciones disfrutan
de un nivel de consumo que sería impensable
sin una tremenda aportación de recursos de
todo tipo del resto del mundo. Estos dos bloques,y muy en concreto Estados Unidos, son los que
han salido más favorecidos de las crisis finan-
cieras de la segunda mitad de los noventa,
pues aparte de la expansión de sus mercados
financieros (los flujos de capital se han refu-
*Este artículo se ha confeccionado a partir de un texto másamplio del autor titulado: "Capitalismo Global, ResistenciasSociales y Estrategias del Poder. Un recorrido histórico porlos procesos antagonistas del siglo XX, y perspectivas para
el siglo XXI". Madrid, octubre de 2000.* * Miembro de Ecologistas en Acción y del
Movimiento contra la Europa de Maastricht y laGlobalización Económica.
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19Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
p.e., los recursos energéticos). Y esta actua-ción puede llevarse a efecto al margen de lo
que dictamine la, en teoría, máxima repre-
sentación política mundial: las Naciones Uni-
das (véase los ejemplos de Kosovo o de Irak),
dejando en papel mojado el llamado derecho
internacional. En paralelo, se acuñaba elllamado "intervencionismo humanitario", que
intenta legitimar, en cierto supuestos, las
nuevas ansias intervencionistas de Occidente
tras el velo "humanitario" (González Reyes,
2000). Y más recientemente tras el camuflajede la lucha contra el narcotráfico (Plan
Colombia, p.e.).
La reacción ante esta arrogancia de
Occidente fue inmediata. Los Estados perifé-
ricos, que ya venían manifestando su creci-
ente descontento contra los procesos de glo-balización económica y financiera (en espe-
cial sus élites, pues dichos procesos les
marginan progresivamente, suponen una
nueva "colonización" y dependencia, y
socavan la legitimidad de su dominio),
manifestaron su rechazo ante este nuevo pasode Occidente, que significaba el inicio de la
voladura controlada de las Naciones Unidas.
Y, por consiguiente, una marginación adicio-
giado en este espacio, "huida hacia la calidad",
provocando - hasta hace poco - una fuerte alza
de sus bolsas), la quiebra y devaluación de las
monedas periféricas les ha concedido una
reforzada capacidad de compra sobre el restodel planeta (un doble "efecto riqueza"). Sobre
todo los activos en dólares, pues esta divisa
se ha revalorizado casi un 30% respecto del
euro. Además, la gestión por parte del Fondo
Monetario Internacional (FMI) de la crisiseconómico-financiera del sudeste asiático y
de Japón, les ha permitido acceder a la com-
pra, o control, de gran parte de las grandes
empresas e instituciones bancarias de dicha
región. En América Latina el proceso de
privatizaciones, y su control por parte del ca-pital de Europa y Estados Unidos, principal-
mente, ya estaba en marcha desde finales de
los ochenta, habiéndose visto reforzado por las
crisis financieras de los noventa.
No es de extrañar que intenten defender,conjuntamente, aunque con ciertas tensiones
internas (ansias y prácticas de unilateralismo
por parte de Estados Unidos), esta posición de
privilegio. Y para ello han reforzado una
estructura militar, la OTAN, de carácter
supraestatal, a la que han remozado conside-rablemente tras la caída del muro de Berlín.
En la nueva estructura se contempla un pilar
europeo de defensa, la UEO, que permitirá a
los países europeos actuar, de forma autóno-
ma en algunos casos, en su área de influen-
cia, entendida ésta de forma flexible. La OTANactualizó su estrategia el año pasado en su
reunión de Washington, al tiempo que amplió
su cobertura hacia el Este, con la incorpora-
ción de nuevos miembros que anteriormente
estaban dentro del Pacto de Varsovia. En lanueva estrategia se contempla, entre otras
cosas, la posibilidad de intervenir práctica-
mente en cualquier lugar del globo, desbor-
dando el espacio noratlántico previo, si están
en peligro los intereses vitales de Occidente
(para garantizar la gobernabilidad de zonasclave, o el acceso a materias primas básicas,
Unión Europea y Estados Uni-
dos son los que han salido más
favorecidos de las crisis financi-
eras de la segunda mitad de los
noventa, pues aparte de la expan-
sión de sus mercados financieros,
la quiebra y devaluación de las
monedas periféricas les ha conce-
dido una reforzada capacidad de
compra sobre el resto del planeta
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20Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
nal. En especial los principales Estados fuera
de la Organización para la Cooperación y De-
sarrollo Económicos (OCDE): Rusia (crecien-
temente aislada), China, India, Indonesia...Quizás, ésta fue una importante razón, junto
con la marginación en las negociaciones pre-
vias a la Ronda del Milenio, y a lo que ésta
suponía para ellos, de su actitud de rechazo
que derivó, junto con la potente movilización
social, en el fracaso de la cumbre de Seattle.Y también de la posterior reunión, este año
(2000) en la Habana, del G-77, que agrupa a
más de 133 países de la Periferia, en los que
habitan cinco sextas partes de la población
mundial, en la que éstos plantaron cara a la
globalización neoliberal que diseña Occidenteen su beneficio casi exclusivo (El País,
11.4.2000). No es que estuvieran en contra
de la globalización, sino que pedían, ilusamen-
te, una globalización que les favoreciera
también a ellos, es decir, a las élites2 . El úni-co sector social que se ha beneficiado del "de-
sarrollo" en los espacios periféricos.
Una vez desaparecido el "Imperio del Mal",
muerto de muerte natural el "comunismo",
el "viejo enemigo", las Periferias se perfilan
como el espacio de donde pueden provenir losretos principales al dominio del Centro sobre
el conjunto del planeta. Ello se intenta
teorizar a través del "Choque de Civilizacio-
nes" (Huntington, 1997), pues hay que deli-
mitar los "nuevos enemigos", y dentro de esteenfoque se resalta el peligro que representa
el auge del fundamentalismo islámico, sobre
todo en el mundo árabe (y en concreto en Ori-
ente Medio), el área del globo más refractaria
a la penetración de los valores occidentales,
y donde se ubican las principales reservas depetróleo del mundo. Dentro de quince o veinte
años, prácticamente todo lo que quede de pe-
tróleo en el planeta estará en esa región,
pues el resto de las explotaciones se habrán
agotado (British Petroleum, 1999). La actual
alza del crudo avanza ya escenarios deencarecimiento (y escasez) de petróleo3, con
las tensiones sociales correspondientes que
afectarán de lleno a una sociedad energívora,
y sobre todo a los sectores más dependientes
del oro negro: la agroindustria y la movilidadmotorizada. Occidente, pues, prepara ya la
retórica y los escenarios de intervención, si
fallan los mecanismos de sumisión actuales,
reforzados en la zona tras la Guerra del Golfo,
cuando se garantiza una presencia continu-
ada de las tropas occidentales, en especial deEstados Unidos.
Fuera de las áreas clave para el funciona-
miento del capitalismo global, y de las rutas
estratégicas del comercio mundial, la
gobernabilidad, si quiebran los instrumentos
de dominio "normales" que no permitan elbusiness as usual, se intentará garantizar
mediante intervenciones de las Naciones
Unidas, con "cascos azules" de países de la
Periferia. O bien, directamente, mediante
fuerzas mercenarias privadas. Esto es lo queya hacen en ocasiones muchas empresas
transnacionales en territorios concretos de
dónde extraen recursos (energéticos, mine-
rales, forestales...). En el resto de muchos de
los espacios estatales donde se ubican dichos
enclaves, no importa que reine el caos o eldesorden más absoluto, donde sólo cuenta la
ley de los "señores de la guerra", mientras
que se pueda asegurar la extracción, proce-
samiento y transporte de los productos
imprescindibles para el funcionamiento de laFábrica Global. En esta tesitura se halla ya
prácticamente el conjunto del Africa subsaha-
riana, ante la mirada cada vez más indife-
rente y distante de la Aldea Global.
Finalmente, en la gestión de la ingober-
nabilidad cobra cada día más importancia elcontrol y manejo de los flujos migratorios a
escala mundial. Los flujos migratorios se han
disparado en las dos últimas décadas en todo
el planeta, en paralelo con los procesos de glo-
balización económica y financiera. Más de
120 millones de personas desarraigadas sedesplazaban a finales de los noventa por el
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3520
21Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
mundo (Nair y
Lucas, 1997), acausa de guerras
locales (muchas
de ellas residuos
de los enfrenta-
mientos Oeste-Este en la Perife-
ria Sur), grandes
proyectos de in-
fraestructuras
(macroempresas,
sobre todo), crisis económicas y financieras(agudizadas por la actuación del Banco Mun-
dial y el FMI, que en ocasiones derivan en
conflictos civiles y bélicos), desarticulación de
economías locales por el "desarrollo", actua-
ciones de grupos paramilitares para expulsara campesinos de sus tierras, etc. Esta cifra
se ha visto sustancialmente incrementada
tras las crisis monetarias y financieras que
sacuden las Periferias desde 1997. El grueso
de estos flujos migratorios se produce entre
los propios países periféricos, desestabilizandoen muchos casos sus economías y estructu-
ras estatales. Si bien una parte importante
de éstos se orientan, cada vez más, a inten-
tar penetrar en la "tierra prometida" del Cen-
tro para acceder a una "vida mejor".Pero Occidente se blinda contra esta marea
humana que llama a sus puertas. Se permite
el tránsito del conjunto de mercancías, pero
no de esa mercancía tan peculiar que es la
fuerza de trabajo. O al menos no en la cuantía
asombrosa que pugna por entrar. Simplemen-te porque no se necesita. Se permiten tan sólo
aquellos volúmenes necesarios para desarro-
llar los trabajos más penosos, serviles (servicio
doméstico y de cuidados) y degradantes
(prostitución), o para quebrar la estructura sa-
larial de determinados sectores, o bien paraatender a la abultada demanda de técnicos
especializados para la "Nueva Economía". Y
cada día se dedican más recursos económi-
cos, policiales, tecnológicos y hasta militares
para intentar fre-
nar, vanamente,esta presión mi-
gratoria. Berlus-
coni ha llegado a
plantear, desde la
oposición, que lamarina de guerra
italiana disparara
en altamar con-
tra las embarca-
ciones de inmi-
grantes. La nueva OTAN contempla tambiénentre sus objetivos, llegado el caso, el control
de los flujos migratorios. Y se intenta
involucrar a los países limítrofes con Occiden-
te en el control de los flujos migratorios ("Es-
tados tapón"), a cambio de "ayudas económi-cas". En este contexto proliferan las mafias
que se dedican a traficar con esta mercancía
humana, que hacen verdaderas fortunas con
este nuevo "tráfico de esclavos". Y desde el
Centro se bombean sin escrúpulos otra vez
hacia las Periferias, desde las llamadas "zo-nas internacionales de retención", verdaderos
espacios sin ley, a los "ilegales afortunados"
que lograron alcanzar la "tierra prometida"
(ensalzada por la propia Aldea Global).
Este precario (des)orden mundial semantiene en un frágil equilibrio porque
todavía la economía crece, principalmente el
ámbito de la gran actividad productiva y el co-
mercio mundial (dominado por las transnaci-
onales)4, y porque los mercados financieros
son capaces, por el momento, de dar una ele-vada rentabilidad al capital y, en menor me-
dida, a los ahorros de las clases medias (al-
tas) del Centro, y a lo poco que queda de ellas
en las Periferias5. Este "efecto riqueza" es el
que está tirando del crecimiento mundial. Se
produce no para satisfacer las necesidadesbásicas de la población mundial, sino para la
demanda siempre en ascenso, hasta ahora,
de unos 500 millones de personas en el mun-
do (Ramonet, 1999). Pero qué pasará si se
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22Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
desatan nuevas crisis financieras, y especi-
almente si se produce una severa corrección
de los mercados bursátiles en el Norte. Es
decir, un crack financiero en el Centro, y es-
pecialmente en Wall Street, como ha alertado
hasta el propio Greenspan, presidente de lareserva federal estadounidense. La consecu-
encia de ello sería una brusca interrupción
del crecimiento, una probable depresión-
deflación mundial de impacto muy superior a
la de los años treinta, y una volatilización dela riqueza de los sectores que son el sustento
de la erosionada legitimidad de las estructu-
ras estatales en los países de Centro, y de los
débiles mimbres que aún apuntalan muchos
Estados de la Periferia. Lo cual derivaría en
una agudización sin precedentes de lastensiones y conflictos anteriormente menci-
onados, y una muy probable incapacidad de
las estructuras de poder económico, político e
ideológico para gestionar la ingobernabilidad
que todo ello acarrearía, al menos en su diseño
actual.
2 M ás al lá d e l me rcad o ,d e l e st ad o y d e l d e sarro l lo
De cualquier forma, haya o no haya crack,
opción seguramente más probable a corto
plazo, los límites de todo tipo: económicos,
sociales, políticos y ecológicos se perfilan cadavez más claramente en el medio y, por
supuesto, largo plazo, como distintos frenos a
la expansión irrefrenable del actual modelo
económico y productivo. Se hace imperioso por
tanto prepararse, resistir y enfrentar esosposibles escenarios de colapso, en los cuales
se encuentran ya importantes sectores de la
población mundial. Ni el Mercado, ni el Esta-
do, ni el Desarrollo son, hoy en día menos que
nunca, una solución a este estado de cosas,pues la capacidad de reforma del capitalismo
global (fuera de la lógica de la acumulación
de "más madera") se puede afirmar, sin lugar
a dudas, que en la actualidad es nula.
El Mercado, porque su propia dinámica no
hace sino agudizar los desequilibrios y desi-gualdades a todos los niveles, y porque se
acerca el momento en que sea imposible
mantener el crecimiento económico continuo
en que su funcionamiento se basa. De hecho,
hay una tendencia a la baja del crecimientode las economías nacionales y la economía
mundial. No sólo porque ya quedan cada vez
menos territorios y esferas de la actividad
humana por someter a la lógica mercantil,
con lo cual, se quiera o no, antes o después,
se frenará el crecimiento económico. Sinoporque, principalmente, ya estamos
sobrepasando los límites ecológicos a
escala planetaria, y ello está derivan-
do en la destrucción (y alteración) de
la base material en la que se asienta
este modelo depredador. "La eviden-cia de esto puede observarse en las
masas forestales que desaparecen,
la expansión de la erosión y el dete-
rioro de los suelos (y por consigui-
ente la disminución del suelo fér-til), el agotamiento de los recursos
hídricos, el colapso de los recursos pesqueros,
las temperaturas en ascenso, la fusión de los
glaciares, la muerte de los arrecifes de coral,
y la creciente desaparición de las especies
de plantas y animales (...) Conforme laeconomía global se expande, los ecosistemas
locales están colapsando a un ritmo que se
acelera" (Brown, 2000). Mientras el índice Dow
Jones, de Wall Street, subía de 3000 a
principios de los noventa a 11000 en 1999, el
Se produce no para satisfacer las necesida-
des básicas de la población mundial, sino
para la demanda siempre en ascenso, hasta
ahora, de unos 500 millones de personas en
el mundo.
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23Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
deterioro ambiental alcanzaba máximos his-
tóricos en el umbral del milenio, haciéndose
patentes los límites ecológicos planetarios.
El Estado, porque su propia esencia se basa
en la imposición del orden y los intereses de
una minoría sobre la mayoría social. Y si bienen un momento histórico determinado (du-
rante los "treinta años gloriosos") la presión
política y social, las características del capi-
talismo de la época, y el marco geoestratégico
mundial, hicieron factible que en los espacioscentrales (solamente) se desarrollara el
llamado "Estado social", esa situación se puede
dar definitivamente por zanjada, sin vuelta
atrás posible. Las pretendidas conquistas del
Estado del Bienestar fueron posibles por el alto
crecimiento económico en esa etapa, que
profundizó los desequilibrios ecológicos, y por
las relaciones de explotación centro-periferia,
que se intensificaron también en dicho periodo.
El Estado es una poderosa, costosa, compleja,
burocrática, jerarquizada y antidemocrática
estructura que necesita también del creci-miento económico continuo para mantener-
se. Y, por consiguiente, la inviabilidad del cre-
cimiento económico continuo en el futuro,
socava también su propia capacidad de
mantenimiento en el porvenir. Además, lareestructuración a que le somete el capita-
lismo globalizado actual, hace aún mucho más
difícil cualquier tipo de reforma que le haga
caminar hacia la equidad y la sostenibilidad
ambiental. Máxime cuando las vías institu-
cionales para llevar a cabo dichas reformasestán quedando absolutamente esclerotiza-
das. A ello se añade que, ni siquiera en el
Centro, el Estado "está en condiciones de
ofrecer seguridad a cambio de pasividad" (En-
cyclopedie des Nuisances, 1989).Y el Desarrollo, porque se ha demostrado
como un tremendo espejismo, una trampa
mortal, para los países periféricos. El "desar-
rollo", como apuntó Serge Latouche, no es sino
la occidentalización del mundo (Latouche,
1993). Y en ese proceso hay unos espacios
"beneficiados", los espacios centrales, es decirOccidente, y un vasto territorio vampirizado
por el "desarrollo", las Periferias Sur y Este,
que nunca podrán salir de su condición
dependiente (histórica, en el caso del Sur, o
sobrevenida, en el del Este), pues ésta es laotra cara, obligada, del "desarrollo" de los
espacios centrales. El mito del "desarrollo" se
desmorona a ojos vista, ya que éste no es sino
el sometimiento absoluto de los países peri-
féricos a la lógica del capitalismo global,
después de haber sido "liberados" de susubordinación colonial (Sachs, 1996) o del "so-
cialismo real". Para acabar con el "subdesar-
rollo" periférico es preciso terminar primero,
o paralelamente, con el "desarrollo" del cen-
tro. En el barco mundial del "desarrollo" cada
vez viajan menos pasajeros, mientras que losnáufragos de éste se agolpan masivamente a
su alrededor. Los náufragos son sobre todo las
poblaciones de las Periferias, aunque cada vez
más se les unen sectores crecientes de la
población de los países centrales. El "desarro-llo" y el "progreso" tan sólo generan un plane-
ta de náufragos y desarraigados (Latouche,
1993).
El capitalismo global ha extendido el ámbito
de la economía monetaria de forma horizon-
tal (expansión geográfica) y vertical (distin-tas facetas de la actividad humana), alcan-
Las pretendidas conquistas del
Estado del Bienestar fueron
posibles por el alto crecimiento
económico en esa etapa, que
profundizó los desequilibrios
ecológicos, y por las relaciones
de explotación centro-periferia,
que se intensificaron también en
dicho periodo
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24Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
hacia el que se desliza el mo-
delo en su caída no nos arras-tre inexorablemente, es preci-
so estar preparados para ello.
La progresiva constatación
de la inviabilidad de las opcio-
nes reformistas del capitalis-mo global realmente existen-
te, es lo que está propiciando
la confluencia de las activida-
des de denuncia, desde pers-
pectivas neokeynesianas6 y
anticapitalistas, contra la ló-gica del mercado mundial y las instituciones
que lo impulsan. Llama la atención como a lo
largo de los últimos años se han ido decan-
tando en la lucha contra el FMI, el Banco
Mundial o la Organización Mundial del Co-
mercio, las opciones más rupturistas queponen el énfasis en la desaparición de estos
organismos, pues va haciéndose patente la
imposibilidad de su transformación para pro-
mover la equidad y la sostenibilidad ecológi-
ca. Lo mismo se podría decir respecto de laspropuestas (trampa) de un gobierno mundial
que pudiera controlar la lógica del capitalis-
mo global. Pues si la transformación de las
actuales estructuras estatales se convierte
en una tarea casi imposible en el camino
hacia otra sociedad, la posibilidad de que unnuevo entramado institucional planetario, es
decir, una especie de gobierno mundial, que
se construyera a partir de éstas y otras es-
tructuras supraestatales existentes, pudiera
permitir el iniciar la transformación hacia unmodelo que promoviera la igualdad, en la
diversidad, lasolidaridad, y el equilibrio con
el entorno, se convierte en un reto sencilla-
mente inimaginable. Sólo será desde fuera
de la lógica del ciclo de acumulación, desde
fuera de las estructuras de poder existentes,y desde abajo,no desde arriba, como se pueda
transitar hacia un mundo nuevo, si es que
antes no nos anega el caos social generaliza-
do. La hipótesis más probable caso de no
zando niveles difícilmente imaginables haceunas décadas. La dependencia del dinero es
hoy en día (casi) absoluta a escala planetaria.
Un dinero que va suprimiendo la naturaleza
social del individuo, y cuya creación y
reproducción controlan cada vez más los po-
deres económicos y financieros, sin prácti-camente ningún control político o social. Se
nos ha hecho dependientes del dinero para
acceder a la satisfacción de nuestras necesi-
dades básicas y para desarrollar nuestras po-
tencialidades humanas y de relación social.
Pero al mismo tiempo se hurta a ingentescantidades de la población mundial el acceso
a este preciado bien, ya sea a través de un
trabajo asalariado, o autónomo dependiente,
o mediante una prestación del Estado. Hoy en
día empieza a ser cada vez más la exclusiónsocial que la explotación económica lo que
amenaza a la humanidad. Es preciso pues
salirse del ámbito de la economía monetaria
y del mercado, para construir otro tipo de
sociedad. Además, no queda otra opción. No
sólo basta con resistir, es preciso empezar aconstruir ya, con toda la dificultad que ello
conlleva, otro tipo de sociedad dentro de ésta.
Algo así dicen los zapatistas, al expresar que
no quieren tomar el poder, sino construir un
mundo nuevo. Pues la sociedad actual tarde otemprano lo más probable es que se desmoro-
ne, como de hecho está ocurriendo ya en dis-
tintos lugares del mundo. Y para que el caos
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25Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
actuar colectivamente los sujetos sin poder,
dominados, explotados y excluidos. "Losindividuos desposeídos no tienen otra salida
razonable que la de reinventar la totalidad de
su mundo" (Encyclopedie des Nuisances,
1989).
En este sentido, todas las experiencias detransformación alternativa de la sociedad
(más allá del trabajo asalariado, de nuevas
formas de producción y consumo responsable,
de formas de vida, de relación interpersonal y
de género, y creación de estructuras comu-
nitarias, de trueque y desarrollo de monedaslocales7 ...) al margen del mercado y de la ló-
gica patriarcal dominante, tienen un gran va-
lor como semillas y polos de referencia de lo
que puede llegar a ser una transformación a
mayor escala. En ese proceso hay que dar una
enorme importancia a la reconstrucción denuestras mentes, tan colonizadas por el pen-
samiento occidental dominante, para recom-
poner nuestro yo escindido. Rescatando los va-
lores humanos, e incorporando, entre otros
valores transformadores, la noción de mesu-ra y el concepto de límite, contra el ansia de
dominio, consumo irrefrenable y hedonismo
insolidario del mundo occidental. Tarea que
no sólo es individual, sino que debe ser sobre
todo colectiva o grupal.
Se debe recuperar el espacio colectivo comolugar de génesis y reflexión, de elaboración
de pensamiento crítico, de superación de la
sociedad atomizada, y especialmente como
lugar de transformación. Esta reconstrucción
de los sujetos individuales y colectivos debepermitir la emancipación de nuestro imagi-
nario, de tal forma que, al mismo tiempo,
potenciemos nuestra capacidad de participa-
ción y autogestión. Es preciso descolonizar
nuestro imaginario, individual y colectivo,
para poder cambiar verdaderamente el mun-do.
3 La re co nst rucci ó n d e lo lo calLa reconstrucción de las estructuras co-
munitarias, de los nuevos ámbitos de comu-nidad, se debe producir principalmente a par-
tir de lo local. Lo local, que ha sido sometido y
desarticulado por el capitalismo global, es
necesario en gran medida restaurarlo ex
novo. Una restauración que posibilite hacer
compatible su existencia con el entorno na-tural en el que forzosamente se debe desar-
rollar su actividad. La crisis ecológica global
sólo podrá enfrentarse reconstruyendo lo lo-
cal en consonancia con el medio, incremen-
tando su autonomía y autosuficiencia, en la
medida de lo posible, y desvinculándose para-lelamente de la dependencia del mercado
mundial. La recuperación del mundo rural (a
través de experiencias agroecológicas), y el
consiguiente freno (y desmontaje) de lo urba-
no y de la movilidad motorizada, cumplirá unpapel trascendental en esta restauración de
lo local. Recomposición que se debe impulsar
a partir de la complejidad del mundo actual,
recuperando probablemente formas tradicio-
nales de relación de la actividad humana con
el medio, que han demostrado a lo largo de lahistoria su bajo impacto ambiental. Pero des-
de la perspectiva de una sociedad en la que
se ha producido un considerable mestizaje, y
cuyos valores urbano-metropolitanos es pre-
ciso transformar profundamente, si bienteniendo en cuenta también las aportaciones
positivas que en el camino de la liberación
humana se han producido indudablemente en
Todas las experiencias de trans-
formación alternativa de la
sociedad al margen del mercado
y de la lógica patriarcal dominan-
te, tienen un gran valor como
semillas y polos de referencia de
lo que puede llegar a ser una
transformación a mayor escala
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26Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
el ámbito de la ciudad.
La reconstrucción de lo local permitirá iredificando modelos productivos y sociales más
descentralizados y autónomos, de carácter di-
verso y adaptados a las peculiaridades espe-
cíficas de cada lugar y región del planeta. Mo-
delos que no necesiten de enormes burocra-cias alienadoras (públicas o privadas) para su
gestión, lo que posibilitará ir desmontando y
someter a control popular las actuales
megaestructuras (empresas transnacionales,
grandes instituciones...), así como hacer
progresivamente superflua la existencia delos Estados. Modelos que utilicen tecnologías
blandas, de pequeña escala, plurales, adapta-
das a las necesidades del ser humano y la
naturaleza, y no que estén concebidas para
maximizar el beneficio del capital. Ello per-
mitirá la progresiva reapropiación real de losmedios productivos y de las estructuras y los
procesos de decisión por la población en su
conjunto. Modelos, también, que no necesiten
del crecimiento económico continuo, y del
consumo de energía (no renovable) enascenso, para sustentarse, lo que permitirá
restaurar el equilibrio con el medio. Modelos
que permitan reducir la tendencia actual a
maximizar la entropía, basando su funciona-
miento en la única fuente de energía
inagotable: aquella que proviene del sol. Eneste sentido, liquidar el actual sistema
monetario y financiero internacional, basado
en la lógica del interés compuesto, es un ele-
mento clave para poder digerir el "crecimiento
cero" a escala mundial.A nadie se le escapa la enorme dificultad
de estas tareas, pues el funcionamiento del
propio sistema impide esta reconstrucción de
lo local al margen del mercado mundial. Esta
actividad es en sí misma antagonista con la
lógica dominante. Pero su plasmación podríaser una simple fuga personal o colectiva sin
conexión con otros procesos antagonistas y de
transformación social. De cualquier forma,
"nadie se puede salvar sólo, (ya que) es
necesaria la sociedad del género humano para
ser feliz" (Encyclopedie des Nuisances, 1997).Es aquí donde cobra importancia y perspecti-
va la necesidad de vincular la transformaci-
ón de lo local, con otras luchas de resistencia
y transformación, locales y globales, para
reforzarse mutuamente. Es preciso mundia-lizar las resistencias, globalizar las luchas,
conseguir un contrapoder ciudadano planeta-
rio a la dictadura global del dinero, pues
nuestra resistencia tiene que llegar a ser tan
transnacional como el capital. Pero ello se debe
hacer a partir de lo local. Este necesarioequilibrio entre lo local y lo global, es funda-
mental para no caer en una falsa realidad vir-
tual de luchas globales, que se convocan a tra-
vés del ciberespacio, que no están enraizadas
en una verdadera resistencia y transforma-ción local.
En este proceso será necesario profundizar
en la construcción de redes internacionales
contra el enemigo común: el capitalismo glo-
bal, que permitan la confluencia de la
pluralidad de antagonismos que confrontan lasinstituciones que lo representan, superando
posibles sectarismos. Redes que funcionen
como verdaderos ecosistemas, altamente
interconectadas, y que al mismo tiempo
posibiliten la descentralización y autonomía
de las partes, arraigadas y basadas en ladiversidad de lo local, que vinculen diferen-
tes identidades, con vocación de sumar
voluntades transformadoras, que generen
confianza mutua y hagan factible el intercam-
La reconstrucción de lo local
permitirá ir edificando modelos
productivos y sociales más des-
centralizados y autónomos, de
carácter diverso y adaptados a las
peculiaridades específicas de
cada lugar y región del planeta.
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27Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
bio enriquecedor y el mestizaje. Su funcio-namiento debería propiciar la acción directa
no violenta, la desobediencia civil, el boicot
ciudadano, la desocupación del espacio del
poder, como vía principal para la emancipaci-
ón colectiva. En esta dinámica de confluenciadebería quedar claro el rechazo a los integris-
mos de cualquier naturaleza, que en muchas
ocasiones enfrentan también el capitalismo
global. Así como la denuncia clara de los mo-
vimientos de extrema derecha que se oponen,
en ocasiones, a la lógica del mercado mundi-al. Todo ello permitirá la convergencia, en la
diversidad, contra el pensamiento único del
capitalismo global, desde una perspectiva
liberadora.8
Por otro lado, la violencia ha sido el ins-
trumento principal al que han recurrido lasdiferentes estructuras de poder y explotación
a lo largo de la historia para imponer su
dominio. Y en la actualidad es la vía que de
forma creciente utiliza el mercado, el Estado
y el "desarrollo" para establecer su ley, sifallan los mecanismos "normales" de subor-
dinación y sumisión. La violencia es también
el eje común que recorre los distintos
comportamientos desordenados, asociales,
que propicia la desintegración y desestructu-
ración, individual y social, que promueve laexpansión del capitalismo global. Es el camino
predilecto que utilizan los antimovimientos
sociales (fascistas, xenófobos, racistas,
integristas...) para impulsar su credo. La for-
ma asimismo en que, en muchas ocasiones,se expresa el dominio patriarcal sobre las
mujeres, y una componente patológica
asociada a los valores y comportamientos
masculinos. Y es, igualmente, la senda que,
de cara al futuro, nos propone el poder para la
resolución de los conflictos en ascenso queprovoca el desarrollo del libre mercado mun-
dial. No en vano, es ese uno de los mensajes
hegemónicos que promueven los mass media,
y todo aquello que compone la realidad virtu-
al (p.e., los videojuegos), para que nos
insensibilicemos ante ésta, y para que nosreagrupemos pasiva y sumisamente, en base
al miedo colectivo, en torno a las estructuras
de poder, que disponen del monopolio legíti-
mo de la violencia. Es preciso romper este cír-
culo infernal, pues en esa dinámica son los
sujetos más débiles y desposeídos los quetienen todo que perder, y porque entrando en
esa espiral nunca podrá salir un mundo
nuevo.
Llama la atención la aparición de diferen-
tes tipos de movimientos sociales que a es-cala mundial cuestionan las distintas
expresiones de violencia que promueve la
sociedad del capitalismo global. Estas dinámi-
cas son portadoras, a nuestro entender, de un
mensaje y una práctica enormemente
sugerente. El movimiento de mujeres contrala violencia en Estados Unidos, que reciente-
mente, sin impulso institucional, ha logrado
sacar a la calle a más de un millón de
personas (fundamentalmente mujeres), de-
nunciando la pasividad del Estado y la sociedad
ante la proliferación de armas de todo tipo, laviolencia indiscriminada que ello implica, y
los valores que supone. O los movimientos con-
tra la brutalidad policial y contra la pena de
muerte en Estados Unidos. El primero, ha
tenido un amplio seguimiento en los últimostiempos, ante la expansión creciente de la
barbarie policial. El segundo, a pesar de ser
más minoritario, está creando, en ocasiones,
nuevas expresiones de solidaridad, de gran
contenido humano, entre familiares de las
víctimas de la violencia y los convictos deejercerla encarcelados. En Europa occidental
el desarrollo de los movimientos antifascistas,
antixenófobos y antirracistas ("Ningún ser
humano es ilegal", campañas contra la
existencia de fronteras...), también estánponiendo el énfasis, cada vez más, en la críti-
ca de la violencia de la ultraderecha (y del
Estado) contra las minorías étnicas, los
colectivos de inmigrantes y los marginados,
en general.
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3527
28Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
En la Periferia, se asiste asimismo a la ex-
pansión de movimientos contra la violenciaindiscriminada (y no tan indiscriminada),
ante el cáncer que supone su desarrollo ex-
ponencial para estas sociedades. Los movimi-
entos ciudadanos contra el auge de la
violencia en Colombia, o en distintas ciuda-des en Brasil, denunciando la connivencia
entre las estructuras policiales, las mafias y
los grupos paramilitares, son un buen ejemplo
de ello. En distintos lugares del mundo, en el
Centro y en la Periferia, se producen también
movimientos contra el nuevo auge del mili-tarismo, del armamentismo y la proliferación
de conflictos bélicos. Y en muchas partes se
va creando, poco a poco, un estado de opinión
acerca de la necesidad de actuar contra la
violencia en ascenso que sufren las mujeres
en todos los ámbitos de la sociedad, y en es-pecial en el mundo invisible del hogar. Así
como se constata la aparición de distintos
movimientos de solidaridad con los presos, las
principales víctimas de la violencia institu-
cional de este orden mundial injusto, que sevan hacinando de forma imparable, en
condiciones infrahumanas, en las prisiones
del planeta.
Hoy, más que nunca, es preciso impulsar
una reflexión crítica sobre lo que significa la
violencia estructural del mundo del capitalis-
mo global, en sus múltiples expresiones.
Profundizar en el conocimiento de las raícesde la violencia, para no ocultar y desconocer
sus causas, con el fin de poder enfrentarlas.
Y también repensar las formas de lucha y
liberación que todavía utilizan la vía armada
como medio principal de oposición a la lógicadominante. Las vanguardias armadas se han
ido demostrando, en general, como un meca-
nismo que tiende a imponer la lógica militar
en su confrontación con el poder, supeditando
a los movimientos sociales a dicha lógica, y
reforzando en muchas ocasiones a las propiasestructuras estatales que dicen combatir, por
la legitimación de la violencia estructural del
Estado que inducen. Sobre todo en un mundo
donde el control de los mass media está abso-
lutamente en manos del poder. Otra cosa es
contemplar la necesidad de la autodefensa,ante la creciente violencia estructural. En
este sentido, es ilustrativo el contenido de
resistencia de la guerrilla zapatista, el EZLN,
y su disposición a actuar no como vanguardia
iluminada separada de la sociedad, sino, comoellos mismos dicen, a mandar obedeciendo.
Una concepción radicalmente distinta a la que
ha predominado hasta ahora en los movimi-
entos armados.
Pero indudablemente todas estas ansias de
liberación humana son todavía más o menosminoritarias, y la
población mundial en
su conjunto se encu-
entra enclaustrada
en la jaula de hierrodel capitalismo glo-
bal. Sin siquiera te-
ner la capacidad de
imaginar que otro
mundo es posible.
Quizás cuando se ha-ga (aún más) paten-
te, de forma genera-
lizada, que este mo-
delo no tiene futuro,
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29Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
o que el (quizás poco) que tiene es aterrador,
puedan liberarse nuevas energías de trans-formación, que lleguen a sectores más
amplios de población. Tal vez, "el fin de
cualquier posibilidad de identificación con el
progreso económico determine una ruptura
histórica cuya eficacia desmoralizadora yahemos probado, pero cuyos efectos beneficio-
sos están por llegar" (Encyclopedie des
Nuisances, 1989). Será entonces, a lo mejor,
cuando la sociedad se pueda desembarazar del
encefalograma plano en el que parece que le
ha sumido la dictadura de la imagen de laAldea Global, y pueda volver a pensar y soñar.
Abandonando su cómoda pero alienante
instalación en la realidad virtual, para recons-
truir sus conciencias y subjetividades, con el
fin de volver a la (dura) realidad para intentar
cambiarla.Lo cual permitirá acentuar la ruptura de
esta imagen especular, hasta hace poco sin
réplica, de la que se había dotado el capitalis-
mo global, profundizando en la brecha que los
movimientos antagonistas de fin de siglo yahan abierto (Seattle, Washington, Melbourne,
Praga...) y están en trance de ensanchar. Será
en ese momento, cuando las falsas bellezas
virtuales de la postmodernidad se vean con-
frontadas, en toda su crudeza, con las
verdaderas miserias reales que están al otrolado del espejo, desenmascarándose brusca-
mente "el presente como la culminación de
los tiempos" (Subcomandante Marcos, 2000).
Hace poco, en un acto quizás premonitorio,
el anuncio de una multinacional nos alertabaque "el futuro es una idea vieja, (y que había)
que inventar el presente", con el fin de que
pudiésemos disfrutar de "este falso presente,
desembarazado de futuro, viejo horizonte de
las existencias serenas de antaño" (Encyclo-
pedie des Nuisances, 1997). El "presente per-petuo" (junto con la pérdida de la memoria
histórica) en el que parece que se ha instala-
do la sociedad del capitalismo global, es un
buen indicador de la incapacidad del sistema
para ofrecer una idea de futuro, al tiempo que
nos incita a no pensar. "La tan cacareadamodernidad ha dejado atrás hace tiempo su
impulso ascendente y creador para entrar en
un ciclo declinante y nihilista" (Saña, 1994).
La agonía de esta "civilización" hace tiempo
que está en marcha. Y, a pesar de suarrogancia, sabe (internamente) que su co-
lapso se puede producir "de la noche a la
mañana", como le acontenció al bloque del
Este, hace algo más de una década, aquejado
por un cúmulo de contradicciones internas, y
presionado también desde Occidente. Lascontradicciones y límites a los que se debe
enfrentar el capitalismo global, conforme pasa
el tiempo, para evitar su colapso, son de igual
o superior magnitud. Pero en esta ocasión,
en contraste con lo que ocurrió en la caída
del imperio romano, "los bárbaros" saldrán dedentro, pues ya no hay un "afuera" (Negri y
Hardt, 2000).
4 La me t ró po l i s co mo e spaci o d ela cr i si s g lo b al
Esos posibles escenarios de crisis global,que repetimos que ya, de una forma u otra,
se están dando, se manifestarán prioritaria-
mente en las metrópolis. Pues las metrópolis
son las "catedrales" del mercado mundial, del
"desarrollo" y de la actuación del Estado. Si
los tres fallan como resultado de la crisis delcapitalismo global, será en ellas donde prin-
cipalmente se manifieste la quiebra de este
modelo. Las metrópolis se convertirán, pues,
en los espacios "privilegiados" de la crisis del
capitalismo global9. Algo similar ocurrió conRoma, una ciudad en torno a un millón de
habitantes previa al colapso del imperio, y que
en pocos años disminuyó bruscamente su
población cuando éste quebró. Iniciándose un
proceso de ruralización que duraría casi mil
años. Pero hoy en día no hay una Roma, haybastante más de trescientas ciudades en el
mundo que sobrepasan el millón de habitan-
tes, muchas de ellas alcanzan ya los diez
A r t i go
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30Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
millones, y algunas pocas se sitúan en el en-
torno de los veinte millones (Naciones Uni-das, 1996)10. Sería pues preciso poder conducir
consciente, colectiva y ordenadamente este
proceso, que muy probablemente se dé, antes
o después, pues este modelo es sencillamen-
te insostenible, con el fin de que los "costes"sociales y ambientales sean lo más reducidos
posibles. Si no, lo hará posiblemente la
Historia con unas consecuencias difíciles
imaginar (Fernández Durán, 1993).
Pero no somos optimistas. La crisis del ca-
pitalismo global podría precipitarlo directa-mente hacia el caos, donde predominaría la
ley del más fuerte, y donde el ser humano se
convertiría en un lobo para con otros congé-
neres. Sería pues conveniente no llegar a ese
punto de bifurcación, porque salir de él, en elcorto o medio plazo, constituiría una tarea aún
más difícil, si cabe, que transformar la
realidad actual de una manera consciente.De cualquier forma, pasaron los tiempos de
la visión optimista en el devenir de la historia.
Se acabaron las épocas del mesianismo, de
los sujetos objetivamente revolucionarios que
se ven impelidos a cumplir una misión histó-rica. Sólo desde una visión profundamente
pesimista del devenir de la humanidad, es
decir, conscientes de las enormes dificultades
que habrá que encarar en el futuro, pero
también teniendo en cuenta con el ansia de
vivir, será posible construir un mun-do nuevo.
El pensamiento único se está
viendo obligado cada vez más a
justificarse y hacer frente a la cre-
ciente ingobernabilidad (y antago-nismo) que el capitalismo global pro-
voca. El viento parece que ya no le
sopla de cola. Otra cosa es que nos
sople a nosotros.
Todavía el viento es racheado
(quizás durante bastante tiempo) y nos azotadirectamente en la cara. Y el parte meteoro-
lógico apunta a la aparición de fuertes bor-
rascas y a una aguda caída de las temperatu-
ras. Es preciso pues agruparse, solidariamen-
te, para resistir el frío y darnos calor, espe-rando a que lleguen nuevas primaveras.
Las metrópolis son las "catedrales" del
mercado mundial, del "desarrollo" y de la
actuación del Estado. Ellas se convertirán,
pues, en los espacios "privilegiados" de la
crisis del capitalismo global.
A r t i go
AA
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31Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
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1Japón, junto con otros países de la OCDE(Nueva Zelanda, Australia...) de la cuenca delPacífico, quedan bajo otros esquemas de"protección" y acción militar, en conjunción conEstados Unidos, que no alcanzan ni de lejos elpapel preeminente de la OTAN.
2Piden acceso a los mercados del Centro,recursos financieros y tecnología barata, el 0,7%del PIB de los países del Norte para ayuda al"desarrollo", reducción de la deuda externa, noinclusión de ningún tipo de normativa social,ambiental, laboral mínima mundial de obligadocumplimiento, etc. (El País, 11.4.2000).
3En algún momento entre el 2004 y el 2010se alcanzará el pico máximo de producción, apartir de ese momento la producción decaerá.La demanda entonces superará a la capacidad
No t as
de oferta, provocando un probable bruscoencarecimiento del crudo. "No es imaginable lasusti tución en el t iempo que queda, deltransporte aéreo, marítimo o terrestre, o de laagricultura mecanizada, por las energías eólica,solar nuclear que sólo producen electricidad(Prieto, 2000).
4En gran medida a costa de la pequeña ymediana actividad productiva, y de introduciren la esfera de la economía monetariaactividades hasta ahora al margen del mercado.
5Que mantienen sus ahorros en divisasfuertes, y en muchos casos en activos einstituciones financieras fuera de sus países, alabrigo de sacudidas financieras en relación consus monedas respectivas.
6Imposibles de materializar hoy debido a la
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agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3531
32Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
No t as
lógica actual del capitalismo global.7Experiencias de trueque y creación
autónoma de monedas locales, que permitansatisfacer las necesidades humanas básicas ydesarrol lar las potencial idades humanas,individuales y colectivas, al margen de ladictadura que implica las formas de creaciónde dinero y acceso al mismo. Vía necesaria parauna gran parte de la población dependiente queva quedando al margen de la economíamonetaria del capitalismo global, y para aquellaque decida voluntariamente sal i rse de sudinámica. Este será uno de los caminos para lareconstrucción de las economías locales, bajocriterios sociales y medioambientales, decididosautónoma y colectivamente, fuera de la lógicaexcluyente y depredadora del mercado mundial.
8Gran parte de estos planteamientos son losque inspiran el funcionamiento de la red AGP
(PGA, 2000)9Signos de ello no faltan. Quizás, uno de los
más paradigmáticos, por su magnitud, fueronlas revueltas sociales en Los Ángeles en 1992.Pero continuamente asistimos a crisis, estallidossociales y revueltas en las metrópolis, del Centro,del Sur y del Este, que nos indican que lasmetrópolis se transforman en espacios deldesorden, crecientemente ingobernables. Esdecir, en los lugares de máxima entropía social.
10La globalización económica acelera losprocesos de urbanización a escala planetaria,cuya intensificación se inició con la revoluciónindustrial, alcanzando ya a la mitad de unapoblación mundial (de seis mil mil lones depersonas) en pleno proceso de explosióndemográfica (en el Sur). Este porcentaje era del3% a principios del siglo XIX, del 15% a comienzosdel XX y del 33% en 1950 (Beauchard, 1993).
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33Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
Um dos problemas enfrentados pelo peque-
no agricultor que planta milho é o alto custo
das sementes, principalmente de cultivares
híbridas. Uma das formas de diminuir esse
custo e evitar a compra de sementes de mi-
lho todos os anos é a produção de milho varie-dade. Desta forma, o agricultor poderá redu-
zir a dependência de insumos adquiridos fora
da propriedade, o que constitui um dos objeti-
vos do enfoque agroecológico.
O q ue é mi lho var i e d ad eÉ um milho cuja semente não é resultado
de um cruzamento de duas outras linhagens
ou variedades, isto é, não é uma semente hí-
brida. Em condições ideais de produção (ferti-
lidade do solo, regime de chuvas, temperatu-ra, etc), as cultivares híbridas podem produ-
zir mais que o milho variedade, mas quando
não ocorrem essas condições ideais, o milho
variedade pode produzir tão bem ou até me-
lhor que o híbrido.
Produção de semente própriade milho variedade
O q ue é p re ci so para p ro d uzi rse me nt e d e mi lho var i e d ad e
Para produzir a semente própria de milho
variedade é necessário manter a variedade
pura. Na hora de plantar o milho variedade,
devemos nos certificar de que, durante a sua
floração não ocorra o cruzamento do pólen de
outras cultivares próximas. Isso se consegueatravés de uma das seguintes maneiras (ou
as duas juntas).
a) Isolando a lavoura de milho no espaço:
A área destinada para a produção de se-mentes deve ser plantada a uma distância
mínima de 500 metros de outras lavouras de
milho, caso o pendoamento dessas lavouras
ocorra na mesma época;
b) Isolando a lavoura no tempo:Caso não seja possível manter essa distân-
cia mínima de outras lavouras de milho, a
A lternativaTecnológica
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3533
34Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A lternativaTecnológica
opção é realizar o plantio em diferentes épo-
cas, de maneira que se garanta um período
de aproximadamente um mês de diferença en-
tre as épocas da floração do milho para se-
mente e do que está próximo deste.Vale observar que o isolamento no espaço
ou no tempo da lavoura de milho-semente so-
mente é necessário se as variedades em tor-
no da área forem diferentes. Assim, uma al-
ternativa interessante é reservar a área cen-tral da lavoura para produzir sementes, pois
as plantas que estão em volta já funcionam
como uma barreira para evitar a mistura de
pólen com outras variedades.
Se le ção d e se me nt e sUma vez garantida a não-contaminação da
variedade que escolhemos
para a produção de semen-te, é desejável que, no mo-
mento da colheita, se pro-
ceda uma seleção das me-
lhores fileiras ou, se pos-
sível, das plantas com asmelhores espigas. Assim,
maiores serão as chances
de obter plantas com carac-
terísticas parecidas.
A lguns e x e mp lo sd e mi lho var i e d ad e
Existem variedades de milho tradicionais
conhecidas de muitos agricultores (por exem-
plo, caiano, cunha, dente-de-cão, palha roxa,
etc), e outras que são resultado do melhora-
mento da pesquisa. Entre estas últimas cita-
mos a BR S Planalto, BR S Sol da Manhã, BR S4150, BR 106, BR 451 QPM, BR 473 QPM, BR
5202 Pampa, AL 25, AL 30, AL 34, AL Mamdur,
FUNDACEP 34, FUNDACEP 35 e a RS 21
(lançada pela FEPAGRO no ano passado).
Responsáveis técnicos:Eng. Agr. Gervásio Paulus - Assessor Especial da
Diretoria da EMATER/RS.Eng. Agr. Dulphe Pinheiro Machado Neto - Chefe da
Divisão Técnica (DIT) da EMATER/RS.
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35Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
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Uma estratégia de sustentabilidadea partir da Agroecologia*
G u zm án , Ed u a rd o S ev i l la * *
* Texto traduzido e adaptado por Francisco RobertoCaporal, mediante autorização do autor. Trata-se departe do texto original intitulado Ética Ambiental y
Agroecología: elementos para una estrategia de susten-tabilidad contra el neoliberalismo y la globalización
económica. Sevilla Guzmán, E., ISEC - Universidad deCórdoba, España, 1999, 30p. (mimeo).
* * O autor é Doutor em Sociologia, Professor Catedrá-tico e Diretor do Instituto de Sociología y Estudios
Campesinos - ISEC, da Escuela Superior de IngenierosAgrónomos y de Montes - ETSIAM, Universidad de
Córdoba, España.
Resumo
O presente artigo é uma reflexão, a partir
da Agroecologia, a respeito da emergente éti-
ca ecológica e sociocultural, que nos leva arepensar os estilos de desenvolvimento rural,
dentro de uma perspectiva de sustentabilida-
de. O texto é parte de um trabalho maior, em
que o enfoque agroecológico é apresentado
como contraponto à lógica do neoliberalismo
e da globalização econômica, assim como aos
cânones da ciência convencional, cuja crise
epistemológica está dando lugar a uma nova
epistemologia, participativa e de caráter polí-tico. Ao contrário da ciência convencional, que
utiliza uma forma de conhecimento atomista,
mecânica, universal e monista, a Agroecolo-
gia, respeitando a diversidade ecológica e so-
ciocultural e, portanto, outras formas de co-nhecimento, propugna pela necessidade de
gerar um conhecimento holístico, sistêmico,
contextualizador, subjetivo e pluralista, nas-
cido a partir das culturas locais. Neste senti-
do, o artigo procura destacar aspectos em que
a Agroecologia, como um novo campo de estu-dos, pode contribuir para o desenho de estra-
tégias de desenvolvimento rural sustentável,
enfatizando alguns elementos que podem ser-
vir como orientadores para a ação. Ademais,
se desenvolve uma reflexão sobre a importân-cia do desenvolvimento local ou endógeno,
destacando a necessidade de construção e
reconstrução do conhecimento local, como
estratégia básica para processos de transição
agroecológica.
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36Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
Palavras-chave:
Agroecologia, desenvolvimento rural susten-tável, sustentabilidade, conhecimento local.
1 I mp act o s e re si st ê nci asO pensamento científico convencional,
através do conceito de desenvolvimento, defi-
niu como o "progresso" para as zonas rurais asua homogeneização sociocultural e, com isso,
levou à erosão do conhecimento local, que foi
desenvolvido e apropriado mediante a intera-
ção entre os homens e a natureza, em cada
específico ecossistema. Esta erosão aconte-ceu através de um processo de imposição pau-
latina das pautas de relações econômicas,
sociais, políticas e ideológicas vinculadas à
"modernização", definida e entendida como tal
a partir da identidade sociocultural ocidental.
Diante desta imposição e invasão cultural,as culturas locais reagiram de diferentes
maneiras, ainda que, em geral, a estrutura
de poder estabelecida neste processo e guia-
da pela lógica do lucro e do mercado tenha
causado a submissão (primeiro formalmente
e, mais tarde, em muitos casos, de forma real)dos elementos especificamente locais relaci-
onados aos recursos naturais de cada etnoe-
cossistema, a esta outra lógica. Assim, o modo
industrial de uso dos recursos naturais foi
substituindo as formas de manejo (campone-sas) tradicionais, vinculadas às culturas lo-
cais, de maneira que o contexto social, tec-
nológico e administrativo, como nova forma
de gestão, atuou como mecanismo
homogeneizador que implementou, de forma
paulatina, um modo de vida "moderno", hostile dissolvente das formas de relação comuni-
tária existentes nas comunidades rurais,
onde os valores de uso sempre prevaleciam
sobre os valores de troca.
Não obstante, apesar da persistência des-te processo de modernização, as comunida-
des locais geraram múltiplos mecanismos de
resistência para sobreviver a um contexto for-
temente hostil à natureza de suas relações,
tanto das relações entre as pessoas como das
pessoas com os recursos naturais. Tais for-mas de resistência constituem as respostas
locais a uma generalizada agressão sociocul-
tural, manifestando-se através de uma gran-
de quantidade de elementos específicos de
cada etnoecossistema. Dito em outras pala-vras, nasciam as respostas endógenas,
surgidas a partir da própria cultura local.
2 Um out ro enf oq ue ded e se nvo lv i me nt o , a p ar t i r
d a A gro e co lo g i aO conceito de desenvolvimento rural que
aqui estamos propondo, amparado nos princí-
pios da Agroecologia, se baseia no descobri-
mento e na sistematização, análise e poten-
cialização dos elementos de resistência locais
frente ao processo de modernização, para,
através deles, desenhar, de forma participa-tiva, estratégias de desenvolvimento defini-
das a partir da própria identidade local do et-
noecossistema concreto em que se inserem.
A Agroecologia, que propõe o desenho de
métodos de desenvolvimento endógeno para
o manejo ecológico dos recursos naturais,necessita utilizar, na maior medida possível,
os elementos de resistência específicos de
cada identidade local. Em nossa opinião, a
maneira mais eficaz para realizar esta tarefa
consiste em potencializar as formas de açãosocial coletiva, pois estas possuem um poten-
cial endógeno transformador. Portanto, não se
trata de levar soluções prontas para a comuni-
dade, mas de detectar aquelas que existem lo-
calmente e "acompanhar" e animar os proces-
sos de transformação existentes em uma di-nâmica participativa. Este é o núcleo central
de nossa proposição teórica e metodológica.1
Assim, a ferramenta central de nossa aná-
lise é a agricultura participativa, que trata
de gerar elementos para o desenho de méto-dos de desenvolvimento endógeno, a partir do
contexto e com base nos princípios da Agroe-
cologia. Através da agricultura participativa,
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3536
37Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
pretendemos o desenvolvimento participativo
de tecnologias agrícolas, como orientação quepermite fortalecer a capacidade local de expe-
rimentação e inovação dos próprios agriculto-
res, com os recursos naturais específicos de
seu agroecossistema. Se trata, pois, de criar e
avaliar tecnologias autóctones, articuladascom tecnologias externas que, mediante o
ensaio e a adaptação, possam ser incorpora-
das ao acervo cultural dos saberes e ao siste-
ma de valores próprio de cada comunidade.
Ressalte-se que, apesar de sua crítica à
agronomia convencional desenvolvida emestações experimentais (que favorece um cul-
tivo específico contra o sistema produtivo em
sua totalidade; que prioriza o mercado frente
à reposição de nutrientes; que subestima o
conhecimento local, entre outros erros deenfoque), a agricultura participativa utiliza
múltiplas formas de experimentação, mas não
pretende substituir a pesquisa realizada nas
estações experimentais ou negar a investi-
gação científica. O que pretende é modificá-
la, transformando o núcleo central de poderque esta detém, baseado na ciência conven-
cional, por outro núcleo, agora baseado no co-
nhecimento local, porque este responde às
prioridades e capacidades das comunidades
rurais, aceitando, ademais, que estas sãocapazes de desenvolver agroecossistemas efi-
cazes, rentáveis e sustentáveis.
Neste sentido, Calatrava (1995) propõe um
modelo de desenvolvimento rural ao qual atri-
bui as características de "integral, endógeno
e sustentável". Isto é, contra as correntes do-minantes na atualidade, aquele autor atribui
a dito modelo um caráter agrícola/agrário e
uma natureza ecológica, considerando que
não existe desenvolvimento rural se este não
estiver baseado na agricultura e na sua arti-
culação com o sistema sociocultural local,como suporte para a manutenção dos recur-
sos naturais. Com base neste trabalho, e re-
alizando as modificações oportunas para
adaptá-lo ao enfoque agroecológico, entende-
A ferramenta central de nossa
análise é a agricultura
participativa, que trata de gerar
elementos para o desenho de
métodos de desenvolvimento
endógeno, a partir do contexto e
com base nos princípios da
Agroecologia
mos que é possível estabelecer a elaboração
de um plano de desenvolvimento sustentávelpara uma zona rural. Vejamos, então, as ca-
racterísticas que devem ser levadas em con-
ta neste processo.
a) Integralidade
Ainda que o manejo dos recursos naturais,através da agricultura, da pecuária e da silvi-
cultura, seja o elemento inicial para o esta-
belecimento das estratégias de desenvolvi-
mento, estas estratégias devem ser aplica-
das ao conjunto das potencialidades e oportu-nidades de aproveitamento dos distintos re-
cursos existentes na comunidade. Desta for-
ma, deve-se buscar o estabelecimento de ati-
vidades econômicas e socioculturais que
abranjam a maior parte dos setores econômi-
cos necessários para permitir o acesso aosmeios de vida da população, em busca da me-
lhoria do bem-estar da comunidade.
b) Harmonia e equilíbrio
Os esquemas de desenvolvimento, geradosa partir da base material dos recursos natu-
rais do agroecossistema, devem ser realiza-
dos buscando-se uma harmonia entre cres-
cimento econômico e manutenção da quali-
dade do meio ambiente. Deve existir sempre
um equilíbrio entre os sistemas econômico eecológico. Como se depreende do anterior, as
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3537
38Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
d) Minimização das externalida-
des negativas nas atividades pro-
dutivas
Este é um tema delicado e que, em geral,vem determinado pela natureza da dependên-
cia do mercado e dos agentes da circulação.
Normalmente, os sistemas agroalimentares,
através dos insumos de natureza industrial e
estandartizada, geram uma estrutura de po-
der vinculada às "casas comerciais", na mai-oria dos casos multinacionais (ou vinculadas
a elas) que impõem a lógica do manejo indus-
trial dos recursos naturais, introduzindo, com
isto, as fontes de degradação e determinan-
do, desta forma, a necessidade de levar a caboa internalização das externalidades dentro dos
já estreitos limites da sustentabilidade. Como
é sabido, as externalidades negativas da agri-
cultura industrializada geram diferentes im-
pactos à biosfera: impactos no solo, na atmos-
fera, nos recursos hídricos, na biodiversida-de, muitas vezes incontroláveis. Por isto, em
nossa proposta de desenvolvimento rural sus-
tentável joga um papel fundamental o esta-
belecimento de redes locais de intercâmbio
de insumos localmente disponíveis, como ele-
mento de resistência e enfrentamento ao con-trole externo exercido pelas empresas comer-
ciais introdutoras dos elementos de natureza
industrial (o que gera impactos negativos no
manejo dos recursos naturais), tanto na fase
de produção como na fase de comercialização.A geração de mercados alternativos de insu-
mos e produtos tem um papel-chave como es-
tratégia de resistência.
e) Manutenção e potencialização dos cir-
cuitos curtos
Estreitamente vinculada à característica
antes assinalada, aparece esta, como uma
estratégia para manter e potencializar, na
atividades agrícolas devem ser realizadasmantendo, também dentro do setor, um cará-
ter integral, ou seja, buscando um processo
de integração agrossilvopastoril que permita
a manutenção do equilíbrio ecológico.
c) Autonomia de gestão e controle
Os próprios habitantes da zona devem ser
os responsáveis pela gestão e controle dos ele-
mentos-chave do processo. Isto não quer di-
zer que nossa proposta tenha um caráter
"autárquico", ao contrário, a intervenção pú-blica deve existir em um certo grau dentro do
processo. Entretanto, como mostra a experi-
ência, os processos de desenvolvimento ru-
ral, ao longo do tempo, foram impostos pela
intervenção pública, o que não deve ocorrer.
Tal imposição, muitas vezes, ocorreu de for-ma inconsciente por parte da administração,
já que esta, ao estabelecer as infra-estrutu-
ras organizativas necessárias para o estabe-
lecimento dos processos, introduzia, também,
um contexto social, tecnológico e administra-tivo alheio aos mecanismos socioculturais da
comunidade, gerando, com isto, barreiras à
participação local. Como assinala Calatrava
(1995: 314), "o tema da autonomia, estreitamente
ligado ao problema da intervenção pública nos
processos de desenvolvimento rural, é um tema
muito delicado e polêmico, sobre o qual é difícil
estabelecer soluções genéricas, pois a necessi-
dade de intervenção pública (na comunidade lo-
cal) é função das características da zona, do grau
de desenvolvimento geral da região e do país,
do contexto institucional genérico que afeta às
comunidades rurais em questão, do grau
de desenvolvimento da administração lo-
cal, entre outros fatores”.
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3538
39Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
medida do possível, os mercados locais já que
os mercados de circuitos curtos permitem
adquirir a experiência e controle na busca de
mercados regionais e mais amplos. E, somente
após o conhecimento da complexidade dos pro-
cessos de intercâmbio nos mercados conven-cionais e do estabelecimento de mecanismos
de defesa frente à estrutura de poder carac-
terística destes mercados (em geral, vincula-
dos à dimensão econômica da globalização), é
possível dar-se o passo no sentido de introdu-zir-se em mercados de circuitos mais longos.
Inclusive, quando o debate interno entre as
redes alternativas de comercialização, gera-
das no nível local, assim o aconselhar, é pos-
sível pensar-se em mercado de exportação de
natureza solidária. É muito difícil, entretan-to, estabelecer uma estratégia de ação gene-
ralizada sobre este ponto. O importante, em
nossa opinião, é assegurar uma tendência a
minimizar a dependência do exterior das co-
munidades e das redes convencionais de co-
mercialização.
f) Utilização do conhecimento local vin-
culado aos sistemas tradicionais de manejo
dos recursos naturais
Esta é outra característica central no en-foque agroecológico, já que as "respostas" à
agressão modernizadora surgem, em geral,
desta base epistemológica. Dito em outras pa-
lavras, a co-evolução local possui a lógica de
funcionamento do agroecossistema, naquelas
zonas em que o manejo tradicional históricomostrou condições de sustentabilidade. So-
mos conscientes de que, na maior parte das
zonas rurais das "sociedades avançadas" ou
em regiões fortemente impactadas pela lógi-
ca da modernização, a erosão do conhecimen-to local foi tão forte que parece tremendamen-
te difícil o "resgate" destes conhecimentos
locais. Não obstante, existe uma contunden-
te evidência empírica que nos mostra a pos-
sibilidade de recriação e, inclusive, de inova-
ção de tecnologias de natureza ambiental,
naqueles lugares onde os homens recuperam
a co-evolução com seu ecossistema.
Vale a pena que nos fixemos neste ponto,
para considerar a definição que Sidney W.
Mintz (1989) apresenta sobre o campesinato
caribenho como "ranura histórica"2 . Este au-tor, mediante uma análise de tipo histórico-
antropológica, estudando o manejo dos recur-
sos naturais de diversas gerações e o siste-
ma de dominação política em que estas esti-
veram imersas, chegou à conclusão de que,superados os períodos de tempo em que o con-
trole colonial europeu manteve os campone-
ses em forma de escravidão, estes começa-
ram a desenvolver um conhecimento local
plasmado em formas de manejo agrossilvopas-
toril análogo ao que era realizado em épocasanteriores, pelas suas gerações passadas. Isto
quer dizer que o homem possui a capacidade
de ler os "indicadores naturais" que lhe são
oferecidos pelo ecossistema e de interpretar
as inter-relações da "trama da vida". Isto é,
os ciclos climáticos na natureza, junto comas formas de vida vinculadas a um meio am-
biente específico, oferecem, por si só, respos-
tas locais de natureza ecológica que são apre-
endidas e apropriadas pelo conhecimento lo-
cal. Não é necessária a existência de ummanejo camponês ou indígena (produto da
sabedoria acumulada pela transmissão oral
do conhecimento durante muitas gerações)
para se obter o desenvolvimento de tecnologi-
as de natureza ambiental específicas para um
dado agroecossistema. É a lógica ecológicaexistente nos ciclos naturais, vinculada a
cada aspecto de natureza, que possibilita a
geração do conhecimento local. Nos agroecos-
sistemas fortemente artificializados, onde o
manejo tem uma natureza profundamenteindustrializada, também é possível gerar um
conhecimento local que aporte soluções es-
pecíficas para cada realidade. Este conheci-
mento oferecerá respostas análogas àquelas
que, há séculos atrás, estabeleceram os ha-
bitantes da mesma zona, realizando um ma-
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40Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
nejo ambiental dos recursos naturais.
Cremos que a evidência até agora acumu-
lada nos permite desenhar sistemas de ma-
nejo dos recursos naturais de natureza agro-
ecológica, com base no conhecimento local,
inclusive naquelas zonas de manejo fortemen-te industrializado. Os processos de transição
da agricultura convencional a um manejo
agroecológico são, por conseguinte, suscetíveis
de ser realizados, independentemente da zona
em que nos encontremos. Como afirmaCalatrava (1995: 315), "Em se tratando de uma
zona de agricultura industrial, inclusive muito
intensiva, deve-se analisar detidamente seu ní-
vel de sustentabilidade e tentar, a partir dos pon-
tos de estrangulamento, reconduzir o sistema em
busca de contextos de sustentabilidade. Isto não
implica, necessariamente, a implantação da agri-
cultura ecológica em sentido estrito, senão que a
recondução gradual dos sistemas agrícolas em
direção a situações ecologicamente desejáveis"3.
g) Pluriatividade, seletividade e comple-
mentaridade da renda
As estratégias de desenvolvimento rural
sustentável, aqui propostas, se baseiam no
princípio agroecológico que indica a necessi-
dade de articular os elementos de sustentabi-lidade existentes nas formas históricas de
manejo, com as novas tecnologias de nature-
za ambiental. Quer dizer, estão baseadas na
geração de uma "modernidade alternativa"
quanto ao manejo dos recursos naturais. O uso
múltiplo do território e o aproveitamento detodas as suas potencialidades, mediante a
reutilização da energia e materiais, buscan-
do a reposição dos elementos deteriorados,
constitui uma prática histórica mais recen-
te, pretende inventar de novo, agora com onome de pluriatividade. Entretanto, a prática
real dos programas sobre pluriatividade, no
contexto das estratégias de desenvolvimento
rural integrado, se limitou à introdução de
atividades não-agrícolas no trabalho dos agri-
cultores, especialmente aquelas vinculadas ao
turismo rural. A pluriatividade que propomos
se baseia mais na complementaridade de ati-
vidades e supõe uma recuperação de práti-
cas ecológica e economicamente sustentá-
veis que historicamente se realizavam na
comunidade. Neste sentido, o turismo rural(e outras iniciativas semelhantes e deriva-
das) só é válido no contexto das estruturas
associativas existentes na comunidade ru-
ral para reforçar seus laços de solidariedade
e buscando uma complementaridade de ren-das que permita a melhoria do nível de vida
dos agricultores.
Todas estas características de um novo
estilo de desenvolvimento, acima comenta-
das, necessitam ser entendidas a partir do
conceito de "endógeno", como passamos aabordar a seguir.
3 O e nd ó ge no co mo co nst ruçãoso ci al re cr i ad o ra d a
he t e ro ge ne i d ad e no me i o rura lAinda que, etimologicamente, endógeno
signifique "nascido desde dentro"4, seu signi-ficado está distante de ter um caráter estáti-
co, até porque a mudança social não só é ubí-
qua, senão que, ademais, se produz com gran-
de intensidade e vigor nas comunidades ru-
rais e nos sistemas tradicionais de manejo
dos recursos naturais. Nos lugares onde taissistemas, pela sua durabilidade na história,
provaram ser sustentáveis, a mudança soci-
al e a inovação tecnológica são uma constan-
te, ainda que, na maior parte dos casos, re-
sultam invisíveis aos "olhos urbanos". Comodeixamos claro quando nos referimos à res-
posta da Agroecologia, esta articula o tradici-
onal (com sustentabilidade histórica) com o
novo (tecnologias e processos de natureza
ambiental). É somente unindo ambas as ca-
racterísticas que a aplicação dos princípiosda Agroecologia chega a garantir um risco mí-
nimo de degradação da natureza e da socie-
dade produzido pela artificialização dos ecos-
sistemas, por um lado, e pelos mecanismos
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41Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
de mercado, por outro.
Levando-se em conta o que antes menci-onamos, o "endógeno" não pode ser visualizado
como algo estático e que rechace o externo. Ao
contrário, o endógeno "digere" o que vem de
fora, mediante a adaptação à sua lógica etnoe-
cológica e sociocultural de funcionamento. Ouseja, o externo passa a se incorporar ao endó-
geno quando tal assimilação respeita a identi-
dade local e, como parte dela, a autodefinição
de qualidade de vida. Somente quando o exter-
no não agride as identidades locais é que se
produz tal forma de assimilação.Os mecanismos de assimilação do externo
por parte da localidade ocorrem através de
atores locais, os quais incorporam a seus "es-
tilos de manejo dos recursos naturais" aque-
les elementos externos que não sejam agres-sivos ou contrários a sua lógica de funciona-
mento. É por isto que os processos de moder-
nização, como forma de agressão, que impõem
uma homogeneidade sociocultural são recha-
çados por aqueles grupos e indivíduos que
mantêm uma lógica de funcionamento denatureza endógena. Em todo caso, as forças
sociais existentes na localidade são hetero-
gêneas, razão pela qual determinados "esti-
los de manejo dos recursos naturais" incor-
poram, acriticamente, os elementos moder-nizantes, vendo-se sujeitos às suas formas de
erosão ecológica e cultural. Portanto, para
entender cabalmente "o endógeno", é neces-
sário compreender o que aqui denominamos
"estilos de manejo dos recursos naturais"5.
Assim, utilizamos o conceito de estilos demanejo dos recursos naturais, com referên-
cia ao espaço sociocultural e ecológico que
existe entre o homem e os recursos naturais,
gerado como conseqüência da co-evolução no
interior de um específico etnoecossistema.
Significa, pois, aqueles ajustes entre os ele-mentos da biosfera (ar, água, solo e diversi-
dade biológica) e a matriz cultural que permi-
te sua articulação, gerando tecnologias espe-
cíficas e locais. Isto, por sua vez, leva à apari-
ção de um repertório ecológico e cultural pró-
prio, que não é senão o produto dos intercâm-bios gerados entre o pedaço da natureza (agro-
ecossistema) que adquire uma identidade
específica na co-evolução e os contínuos ele-
mentos externos que dinamizam esta, intro-
duzindo uma mudança sociocultural e umaalteração da sucessão ecológica, retardando-
a e simplificando o ecossistema em compa-
ração com seu estado pré-agrícola.
Ainda que no ecossistema exista um me-
nor número de espécies e tipos biológicos, o
legado cultural introduzido mediante adomesticação leva consigo um acervo cultu-
ral que, mesmo que simplifique também a
estrutura do solo e a diversidade das distin-
tas populações vivas, fortalece a circulação de
nutrientes, gerando, por sua vez, um mais
rápido crescimento e uma maior vulnerabili-dade do sistema. Definitivamente, o homem
artificializa a natureza através da cultura,
deixando impressa nela a sua marca (huella)6
e introduzindo, deste modo, sua específica
identidade.Portanto, é falsa a crença generalizada de
que a identidade concreta de uma localidade
é produto de seu isolamento. Ao contrário, as
respostas socioculturais e ecológicas, resul-
tantes da co-evolução, são produtos tanto do
manejo dos recursos naturais, como das ex-plicações que dada cultura atribui aos resul-
tados obtidos. Quando as respostas são ade-
quadas à localidade (comunidade) e a suas
condições concretas e específicas, se produz
a geração de um potencial endógeno, eviden-ciando as próprias possibilidades e limitações.
O mais relevante das respostas socioculturais
e ecológicas geradas a partir do local são os
mecanismos de reprodução e as relações so-
ciais que surgem destas respostas. É nos pro-
cessos de trabalho e nas instituições sociaisgeradas em torno deles, onde aparece a au-
têntica dimensão do endógeno.
Para finalizar, podemos afirmar que o en-
foque agroecológico pretende ativar este po-
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42Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
tencial endógeno, gerando processos que
dêem lugar a novas respostas e/ou façamsurgir as velhas (se estas são sustentáveis).
O mecanismo de trabalho, através do qual se
obtém esta ativação, é constituído pelo forta-
lecimento dos marcos de ação das forças so-
ciais internas à comunidade local. É assimque se realiza a apropriação, por parte dos ato-
res locais, daqueles elementos de seu entor-
no (tanto genuinamente locais, como generi-
camente exteriores) que permitem a que es-
tes atores estabeleçam "novos cursos de ação".
4 Co mo co nclusão : asust e nt ab i l i d ad e no e nf o q ue
d a A gro e co lo g i aPara a Agroecologia, o desenho de modelos
agrícolas/agrários alternativos, de natureza
ecológica, constitui-se no elemento median-te o qual se pretende gerar estratégias de de-
senvolvimento sustentável, utilizando como
núcleo central o conhecimento local e as "pe-
gadas"7 que, através da história, este gerou
nos agroecossistemas, produzindo ajustes esoluções tecnológicas específicas de cada lu-
gar, isto é, gerando, criando e/ou recriando o
endógeno. Entretanto, como sabemos, a arti-
culação transnacional dos Estados, através
dos organismos internacionais, gerou um fal-
so discurso ambiental, estabelecendo uma in-
A r t i go
consistente definição oficial de sustentabili-
dade que leva a crer que a repetição e o apro-fundamento dos processos de difusão de ino-
vações, em sua vertente mais moderna, de-
nominada intensificação verde, podem trazer
a solução para os descaminhos do desenvol-
vimento convencional. Por isto, é importanteprecisar aqui o que é o "sustentável" sob o
ponto de vista da Agroecologia, para evitarmos
as armadilhas da sustentabilidade presente
no discurso ecotecnocrático8.
O fazemos tomando como base os ensina-
mentos de Gliessman (1990), que afirma quea sustentabilidade não é um conceito absolu-
to, mas, ao contrário, só existe mediante con-
textos gerados como articulação de um con-
junto de elementos que permitem a perdura-
bilidade no tempo dos mecanismos de repro-
dução social e ecológica de um etnoecossis-tema. Assim, os contextos de sustentabilida-
de, que buscamos através da Agroecologia,
devem ser construídos a partir de ações que
tenham em conta, entre outros, os seguintes
elementos:a) a ruptura das formas de dependência que
põem em perigo os mecanismos de reprodu-
ção, sejam de natureza ecológica, socioeco-
nômica e/ou política;
b) a utilização daqueles recursos que per-
mitam que os ciclos de materiais e de ener-gia existentes no agroecossistema sejam o
mais fechados possível;
c) a utilização dos impactos benéficos que
se derivam dos ambientes ecológico, econô-
mico, social e político, existentes nos diferen-tes níveis, desde a propriedade até a socieda-
de maior;
d) a não-alteração substantiva do meio am-
biente quando tais mudanças, através da
trama da vida, podem significar transforma-
ções significativas nos fluxos de materiais eenergia que permitem o funcionamento do
ecossistema. Isto significa a necessidade de
tolerância ou aceitação de condições biofísi-
cas, em muitos casos, adversas;
Para finalizar, podemos afirmar
que o enfoque agroecológico
pretende ativar este potencial
endógeno, gerando processos
que dêem lugar a novas respostas
e/ou façam surgir as velhas (se
estas são sustentáveis)
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3542
43Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
e) o estabelecimen-
to dos mecanismosbióticos de regeneração
dos materiais deterio-
rados, para permitir a
manutenção, a longo
prazo, das capacidadesprodutivas dos agroe-
cossistemas;
f) a valorização, re-
cuperação e/ou criação
de conhecimentos lo-
cais, para sua utiliza-ção como elementos de
criatividade, que me-
lhorem o nível de vida
da população, definido a
partir de sua identidade local;g) o estabelecimento de circuitos curtos
para o consumo de mercadorias que permi-
tam uma melhoria da qualidade de vida da
população local e uma progressiva expansão
espacial do comércio, segundo os acordos par-
ticipativos alcançados pela sua forma de açãosocial coletiva; e finalmente,
h) a potencialização da diversidade local,
tanto biológica como sociocultural.
Assim, novas estratégias de ação, orienta-
das para a construção de contextos de sus-
A r t i go
Novas estratégias de ação,
orientadas para a construção de
contextos de sustentabilidade,
devem garantir o incremento da
biodiversidade e da diversidade
cultural, minimizando, ao mesmo
tempo, as dependências às quais
os etnoecossistemas estão
submetidos
tentabilidade, devem
garantir o incrementoda biodiversidade e da
diversidade cultural,
minimizando, ao mes-
mo tempo, as depen-
dências às quais osetnoecossistemas es-
tão submetidos. No que
diz respeito às formas
de relação com os re-
cursos naturais, estas
devem atender não so-mente à utilização dos
mesmos, mas também
a sua conservação, em-
pregando, para isto, tec-
nologias respeitosas para com o meio ambi-ente. Ademais, as intervenções externas de-
vem garantir a abertura de espaços na admi-
nistração que permitam a efetiva participa-
ção dos atores locais.
Por fim, a Agroecologia, como enfoque ci-
entífico que promove o desenvolvimento ru-ral sustentável, está assentada na busca e
identificação do local e sua identidade para, a
partir daí, recriar a heterogeneidade do meio
rural, através de diferentes formas de ação
social coletiva de caráter participativo. AA
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3543
44Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
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45Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
1 Ver Sevilla Guzmán y González de Molina
(1993).
2N.T.: No contexto do artigo, ranura histórica
se refere a uma fissura ou pequeno espaçoexistente nas próprias contradições do sistemahegemônico.
3N.T.: Este processo vem sendo tratado na
EMATER/ RS, a partir do conceito de TransiçãoAgroecológica.
4Ver Ploeg & Long (1994).
5A gênese teórica do conceito do "estilo de
cultivar" (Style of Farming) se desenvolveu nosPaíses Baixos e se deve a E.W. Hofster (1957) eà Escola de Wageningen sua primeiraconfiguração, tendo cabido a Bruno Benvenuti& Jan Douwe van der Ploeg (Ploeg & Long, 1994)sua configuração empírica. Tal conceito fazreferência à articulação de: a) o repertóriocultural existente, vinculado a uma forma demanejo; b) a organização específica doselementos internos da exploração agrícolaconcreta; c) o modo de interpretar e modelar asrelações da propriedade com o mercado e atecnologia; e d) a forma de gestão e a políticaadministrativa da propriedade. Ademais, oconceito de "estilo de cultivar" possui, em nossaopinião, uma grande potencialidade analítica
para caracterizar e explicar a heterogeneidade"do endógeno". Assim, com o objetivo de tentardefinir as diversas formas específicas de manejodos recursos naturais existentes em umacomunidade rural, elaboramos há alguns anos(González Molina y Sevilla Guzmán, 1993: 73-9) o conceito de "forma social de exploração"(referente tanto à exploração dos recursosnaturais como do trabalho humano). Se trata"da forma específica de relação ou combinaçãoentre o trabalho humano, os saberes, osrecursos naturais e os meios de produção, como objetivo de produzir, distribuir e reproduzir osbens e serviços socialmente necessários para avida". Ainda que a denominação não tenha sidoa melhor, o conceito em si mesmo nos permitira reelaboração do "estilo de cultivar", comocontinuidade teórica.
6N .T.: A palavra "huel la" não tem uma
tradução literal para o português que expresseo mesmo significado do castelhano. Ela significaas marcas históricas de uma cultura em um dadoecossistema.
7Aqui com o mesmo sentido de huellas ou
marcas históricas.
8Sobre o "discurso ecotecnocrático da
sustentabilidade", ver Alonso Mielgo y SevillaGuzmán (1995).
No t as
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46Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
T ópicospecialE
Por um futuro sem contaminantesorgânicos persistentes
* O autor é Diretor de World Watch e editor da revistaWorld Watch em espanhol. A publicação deste textofoi autorizada pelo autor à Revista Agroecologia eDesenvolvimento Rural Sustentável. A tradução foiautorizada e elaborada pelo Engenheiro AgrônomoValdir Secchi, da EMATER/RS. Mais informações
podem ser buscadas na página web www.nodo50.org/worldwatch ou pelo Email [email protected]
S a n t a m a r t a , J o s e *
De 4 a 9 de dezembro tem lugar em Johan-
nesburgo, África do Sul, a 5ª reunião do Comi-
té Intergubernamental Negociador sobre Conta-
minantes Orgánicos Persistentes (COP). A mai-
oria dos COP são compostos organoclorados. Aquímica do cloro produz mais de 11 mil com-
postos organoclorados, a maioria danosos para
as pessoas, os animais e o meio ambiente em
geral. Foi um erro do desenvolvimento indus-
trial, hoje com seus dias contados.
Os Contaminantes Orgânicos Persistentes(COP), POPs em inglês, são substâncias quí-
micas extraordinariamente tóxicas e dura-
douras. As emissões atuais causarão câncer
e alterações hormonais nos próximos mil
anos. É necessário e possível deixar de produ-zir este tipo de substância.
Entre os COP estão as dioxinas e furanos,
o DDT e inúmeros agrotóxicos e substâncias
químicas de uso corrente. Os COP são subs-
tâncias tóxicas e persistentes, conhecidas
como COP, sigla dos Contaminantes Orgâni-cos Persistentes. A definição completa de um
COP, sem dúvida, é algo mais complexo do que
a sigla significa. Além de serem persistentes
(que não se decompõem rapidamente), orgâ-
nicos (com estrutura molecular baseada nocarbono) e contaminantes (no sentido de se-
rem muito tóxicos), os COP têm outras duas
propriedades. São solúveis em graxas e, por
conseguinte, se acumulam nos tecidos vivos;
e podem se deslocar em grandes distâncias.
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TópicospecialE
Estas cinco propriedades juntas os tornammuito perigosos.
A aleatoriedade aparente da ameaça se
agrava pelo fato de que a lesão, via de regra,
demora em aparecer ou é indireta. Os produ-
tos químicos extremamente tóxicos podemesperar seu tempo, envenenando suas víti-
mas de maneiras tais que são muito difíceis
de se perceber. O benzeno, por exemplo, é um
dissolvente comum. É um ingrediente de al-
gumas tintas, em produtos desengordurados,
gasolinas e em vários outros contaminantesindustriais e comerciais. É cancerígeno e afe-
ta os descendentes de pessoas contaminadas,
inclusive os homens, pois a exposição fetal
não é a única maneira pela qual o benzeno
pode envenenar as crianças; também podeafetar os cromossomos e prejudicar os genes
que seu filho herdará. O benzeno pode preju-
dicar sem tocar diretamente a criança.
Os COP são também potentes venenos eco-
lógicos. E, como no corpo humano, seus efei-
tos ecológicos, via de regra, seguem caminhostortuosos. Nos EUA, nos anos 60, por exemplo,
os biólogos começaram a encontrar evidênci-
as de que o inseticida DDT (diclorodifeniltri-
cloretano) e outros produtos químicos simila-
res eram perigosos. Mas a evidência não pro-
veio dos organismos que haviam absorvido oinseticida diretamente. Veio das águias e fal-
cões que estavam sofrendo fracassos repro-
dutivos generalizados.
Embora os COP sejam tóxicos por defini-
ção, seus efeitos à saúde e os impactos ambi-entais a longo prazo, em grande parte, são
desconhecidos. Mais complexa do que a aná-
lise de um COP individual é a necessidade de
entender que tipos de interações sinérgicas
são produzidas pela exposição a vários COP
ou a um COP junto com outros produtos quí-micos. A contaminação múltipla é a regra, em
vez da exceção, mas, efetivamente, não se
conhecem seus efeitos. O que sabemos é que
a maioria dos organismos vivos estão expos-
tos a uma mistura difusa de COP. E isto afeta
a nós todos. Independentemente de onde vi-
vemos, provavelmente estaremos contamina-dos por certas quantidades de COP. Estão nos
alimentos e na água; provavelmente também
no ar que respiramos; provavelmente de vez
em quando entre em contato com nossa pele
se, por exemplo, manipulamos pinturas,dissolventes ou combustíveis.
Atualmente, 140 países estão negociando
um tratado para eliminar 12 COP específicos.
Esta “dúzia suja” compreende nove agrotóxi-
cos, um grupo de contaminantes industriais
conhecidos como bifenilas policloradas (PCBs),e dois tipos de subprodutos industriais, as
dioxinas e furanos industriais. O tratado se
chama “Instrumento Legalmente Vinculante
para levar a cabo a Ação Internacional em
Certos Contaminantes Orgânicos Persisten-
tes” e, como seu nome sugere, é um esforçolouvável, mas tímido. Seus partidários espe-
ram que servirá no futuro como um meca-
nismo para eliminar dúzias de outros COP.
Mas, ao menos em sua forma atual, não se
afronta o problema fundamental. Se quiser-mos reduzir os riscos do imenso e crescente
número de produtos químicos sintéticos que
estão sendo liberados no ambiente, teremos
que repensar algumas das noções básicas do
desenvolvimento industrial.
Ainda que se desconheça que muitos dosorganoclorados são perigosos, um número
substancial deles apresenta grandes riscos.
Na maioria, esses riscos são o resultado de
três características comuns. Os organoclora-
dos são muito estáveis, daí o atrativo de suafabricação, e é por isso também que não nos
livramos deles facilmente. Tendem a ser so-
lúveis nas gorduras, significando que se bio-
acumulam. Muitos têm uma toxicidade crô-
nica, significando que, embora a exposição a
curto prazo não seja freqüentemente perigo-sa, a longo prazo o é. (As razões para a
toxicidade variam. Alguns organoclorados po-
dem imitar substâncias químicas naturais,
como os hormônios, e podem perturbar os pro-
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T ópicospecialE
porém a toxicidade destes continua crescen-
do. As formulações atuais dos agrotóxicos sãode 10 a 100 vezes mais tóxicas do que em
1975.
Hoje, os fabricantes de agrotóxicos querem
que seus produtos tenham uma toxicidade
aguda alta e uma toxicidade crônica baixa.
Buscam contaminantes que matem rapida-mente, mas que não permaneçam no campo
indefinidamente, como os organoclorados, que
com suas toxicidades crônicas substanciais,
já não têm o atrativo universal de antes. Os
mais novos agrotóxicos provavelmente nãocontenham cloro. Isto evidentemente é bom,
mas não o bastante, por duas razões: os agro-
tóxicos que não são organoclorados, às vezes,
também podem resultar em COP, e quase to-
dos os produtos velhos, ainda estão conosco.
Persistem no ambiente e a maioria ainda éusada nos países em desenvolvimento.
Uma série mais obscura de COP é da famí-
lia de organoclorados que tem sido usada como
isolantes líquidos, como fluidos hidráulicos e
como aditivos em plásticos, pinturas, inclusoem papel decalque sem carbono. Estas são as
bifenilas policloradas ou PCBs. Durante dé-
cadas, a estabilidade extrema, a baixa
inflamabilidade e a baixa condutividade das
PCBs fizeram-nas o isolante líquido normal
nos transformadores. E, considerando que
cessos químicos dos organismos vivos; algunsdebilitam o sistema imunológico, outros afe-
tam o desenvolvimento dos órgãos e muitos
promovem o câncer e assim sucessivamen-
te). Estabilidade, solubilidade em graxas e
toxicidade crônica: o mesmo que os COP. Cer-tamente não é necessário que um produto
tenha cloro para que seja um COP. Entre os
COP sem cloro há vários organometais (usa-
dos, por exemplo, em pinturas de barcos) e
organobrometos (usados como agrotóxicos e
como isolantes líquidos em equipamentos elé-tricos). Entretanto, a maioria dos COP conhe-
cidos, inclusive a “dúzia suja”, são organoclo-
rados.
Os agrotóxicos organoclorados são os COP
mais notórios. Não é surpreendente que os
agrotóxicos sejam dos produtos químicos maisperigosos, pois têm sido concebidos para se-
rem tóxicos e são produzidos em grandes quan-
tidades. Desde 1945, a produção global de agro-
tóxicos tem se multiplicado por 26 (de 0,1 mi-
lhão de toneladas para 2,7 milhões), apesardo crescimento ter se rarefeito nos últimos
15 anos, já que os efeitos à saúde e as preo-
cupações ambientais têm inspirado um nú-
mero crescente de proibições, principalmen-
te nos países industrializados. Estas restri-
ções têm reduzido a quantidade total de agro-tóxicos usados nos países industrializados,
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estas são um componente essencial das re-
des de distribuição de eletricidade, a conta-minação de PCBs é onipresente. Nos países
industrializados, foram fabricadas PCBs en-
tre os anos 20 e finais dos 70; entretanto, são
fabricadas na Rússia e ainda são usadas em
muitos países em desenvolvimento. Os cien-tistas estimam que 70% de todas as PCBs
fabricadas ainda estão em uso, ou no meio
ambiente, principalmente nos depósitos de
lixo de onde gradualmente vão contaminando
os aqüíferos. O Programa das Nações Unidas
para o Meio Ambiente (PNUMA) recentemen-te publicou um guia para ajudar os funcioná-
rios de países em desenvolvimento a identifi-
car as PCBs. Porém, devido a seus múltiplos
usos e os mais de 90 nomes comerciais, só
encontrá-las é uma tarefa ingente e não fa-
lamos em eliminá-las.A maioria dos COP não é produzida inten-
cionalmente, mas são subprodutos, como as
dioxinas e furanos, duas classes de COP que
são resultantes, principalmente, da produção
de organoclorados, do branqueamento das pas-tas papeleiras e da incineração de resíduos
sólidos urbanos. Um inventário de emissões,
de 1995, realizado pelo PNUMA em 15 países,
contabilizou cerca de 7 mil quilos de dioxinas
e furanos emitidos pelos incineradores, que
representavam 69% das emissões totais des-sas substâncias, nesses países (sete mil qui-
logramas podem parecer pouco, mas tenha-
se em conta que essas substâncias extrema-
mente tóxicas são produzidas em quantida-
des ínfimas). Conhecem-se 210 dioxinas efuranos. Entre os subprodutos da fabricação e
uso de organoclorados, é possível que hajam
milhares de COP a descobrir.
Clo roA química do cloro é a causa de muitos pro-
blemas ambientais. Gases que contêm cloro,
como os Clorofluorcarbonos (CFCs) e os HCFs,
destroem o Ozônio estratosférico e são poten-
tes gases de efeito estufa, agrotóxicos orga-
noclorados como o DDT (diclorodifenilcloroe-
tano) prejudicam a capacidade reprodutiva deinúmeras aves, as PCBs (bifenilas policlora-
das) afetam todas as espécies de peixes e
mamíferos marinhos, o Pentaclorofenol (PCP)
provoca a atrofia da medula óssea, cirrose
hepática e desordens nervosas. As dioxinascausaram, em 1976, a catástrofe de Seveso
(escape de 34 a 120 kg de dioxinas na fábrica
de Hoffman La Roche) e os efeitos tóxicos do
agente laranja, usado na Guerra do Vietnã,
persistem e continuam matando, 25 anos após
o término da guerra.Segundo a OMS, a cada ano ocorrem de 30
mil a 40 mil mortes por intoxicação por agro-
tóxicos organoclorados e organofosforados em
grande parte, e meio milhão de pessoas so-
frem envenenamento por ingestão ou inala-
ção. A produção de Lindano deixou uma he-rança de 185 mil toneladas de resíduos em
Vizcaya e Huesca. Desde a Antártida ao Pólo
Norte, desde o Mar Báltico ou o Mediterrâneo
à estratosfera (onde destroem a camada de
Ozônio), nenhum rincão do planeta se livrada presença mortal dos mais de 11 mil orga-
noclorados que são produzidos hoje, compos-
tos que praticamente não existiam até que
nos últimos 80 anos se criou e se expandiu
uma nova indústria, a química do cloro.
O cloro na natureza está em forma decloretos, retido através de fortes enlaces e,
uma vez livre, é extremamente reativo, ligan-
do-se a átomos de Carbono formando organo-
clorados, compostos inexistentes na nature-
za, razão pela qual os seres vivos não são ca-pazes de decompô-los. Os organoclorados são
substâncias tóxicas, persistentes e bio-
acumulativas e constituem um grave risco
para as pessoas e para o meio ambiente. Os
organoclorados permanecem no meio ambi-
ente dezenas de anos, alguns durante sécu-los e, como são muito estáveis e não se dis-
solvem em água, acabam por entrar na ca-
deia trófica, depositando-se nos tecidos graxos
dos seres vivos.
TópicospecialE
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50Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
O cloro e os organoclorados em geral são
empregados em dissolventes, plásticos comoo PVC, agrotóxicos como o DDT, refrigerantes
industriais (CFCs), branqueamento do papel
e têxteis e tratamento de águas. A indústria
do cloro é a causa da formação das dioxinas
tóxicas, que são os agentes cancerígenos eteratogênicos mais potentes, com uma
toxidade tal que tem sido impossível estabe-
lecer um nível mínimo de exposição, por se-
rem tóxicos em quantidades incrivelmente
baixas. O termo dioxina refere-se a uma fa-
mília de 75 compostos químicos, cuja toxidadeestá determinada pela quantidade e posição
do cloro; a 2,3,7,8–tetraclorobibenzeno–p–
dioxina (TCDD) é o composto químico mais tó-
xico de quantos tenham sido sintetizados pelo
homem. As dioxinas são tão tóxicas por atua-
rem como se fossem hormônios naturais,substâncias muito potentes em pequeníssi-
mas quantidades, pois excitam, inibem ou
regulam a atividade de outros órgãos, entre-
tanto, ao contrário dos hormônios, a ativida-
de das dioxinas continua indefinidamente du-rante anos e anos. As dioxinas atuam dentro
das células do nosso organismo.
O cloro é um gás amarelo-esverdeado, al-
tamente tóxico, de odor penetrante e é mais
pesado do que o ar, e se acumula ao nível do
solo. Descoberto por Carl Wilhelm Scheele em1774, em 1868 foi iniciada a fabricação in-
dustrial de cloro através do processo idealiza-
do por Henry Deacon; em 1874 foi descoberto
o DDT (redescoberto pelo suíço Paul Müller em
1939, pelo que recebeu o Prêmio Nobel de1948); em 1913 foi patenteado o PVC; quando
o mundo entrou na era do cloro, em 22 de abril
de 1915, quando as tropas alemãs utilizaram
o gás cloro contra os britânicos e franceses
em Ypres, Bélgica (a Pátria de Solvay), cau-
sando 5 mil baixas e 15 mil intoxicações.Em vários países e em inúmeras cidades
crescem as iniciativas para eliminar o PVC.
O PVC cedo ou tarde será proibido, como foi o
DDT, ou mais recentemente, os CFCs. Em
setembro de 1994, a EPA dos EUA tornou pú-
blico, depois de três anos e meio de investi-gação, um informe de aproximadamente 2 mil
páginas, no qual se demonstra que as dioxinas
podem provocar câncer e danificar os siste-
mas imunológicos e reprodutivos das pesso-
as. O informe atual da EPA é uma ampliaçãosolicitada pela própria indústria do cloro, que
em 1985 viu-se desagradavelmente surpre-
endida por outro informe da EPA sobre os pos-
síveis riscos cancerígenos das dioxinas. A in-
cineração de plásticos como o PVC produz
dioxinas e furanos e o PVC está presente emtodo tipo de resíduos, sejam industriais ou do-
mésticos. Solvay, ICI e Clorox destinam mui-
tos milhões de dólares para convencer à opi-
nião pública e às administrações sobre o be-
nefício do cloro e do PVC. Um dos objetivos das
campanhas de imagens é desacreditar o Gre-enpeace e outras organizações ecologistas por
sua oposição ao PVC e ao cloro em geral.
Há mais de três décadas, em 1962, Raquel
Carlson havia demonstrado os danos que po-
dem causar os inseticidas organoclorados,como o DDT, e desde então inúmeros pesqui-
sadores têm demonstrado os riscos dos com-
postos organoclorados bio-acumulativos nos
seres humanos e na vida selvagem em geral.
A Administração espanhola esperou até 17 de
fevereiro de 1994 para proibir os agrotóxicoscom cloro, como o DDT, o Aldrin, Dieldrin,
T ópicospecialE Os Contaminantes Orgânicos
Persistentes (COP), POPs em inglês,
são substâncias químicas extraordi-
nariamente tóxicas e duradouras. As
emissões atuais causarão câncer e
alterações hormonais nos próximos
mil anos. É necessário e possível
deixar de produzir este tipo de
substância
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51Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
Clordano, HCH, Heptacloro ou o Hexacloroben-
zeno. Ainda hoje o Lindano é vendido livre-
mente nas farmácias espanholas para com-
bater os piolhos do cabelo das crianças e é uti-lizado em Murcia e outras zonas agrícolas.
Clo ro - SodaO cloro não se encontra livre na natureza,
mas combinado em forma de cloretos é um
elemento abundante e freqüente, retido atra-
vés de fortes enlaces. A indústria extrai o clo-ro do sal comum (Cloreto de Sódio, NaCl), ao
mesmo tempo que a soda cáustica (Hidróxido
de Sódio) por eletrólise. A água do mar possui
até 3,5% de NaCl.
Três são as tecnologias empregadas para
fabricar clorados: a de células de mercúrio,células de membranas e células de diafrag-
mas. As células de mercúrio têm o grave pro-
blema dos arrastes de mercúrio pelas corren-
tes de Hidrogênio, Cloro, Soda, Salmoura, lo-
dos e águas residuais. Nas fábricas com célu-las de mercúrio podem-se substituir estas
pelas de membranas, com a vantagem de não
utilizar mercúrio. A média mundial de emis-
sões, segundo o Banco Mundial, é de 7,5 gra-
mas de mercúrio por tonelada de cloro, cifra
que outras fontes elevam até 20 gramas.A produção mundial de cloro ascende a 40
milhões de toneladas; EUA, com 29,2%, é o
maior produtor. O Japão produz 9%, a Europa
43,4%, Canadá 4,1%, América Latina 5%, Áfri-
ca 1% e 8,3% corresponde aos países da Ásia,excetuando-se o Japão. As principais multi-
nacionais produtoras de cloro na Europa são
Solvay, ICI, Dow Benelux, Enimont, Atochem,
Bayer, Hoechst, Akzo e BASF. Os 40% do cloro
na Europa são destinados à produção de PVC,
26% para a fabricação de agrotóxicos, 10% paradissolventes (tetracloroetileno, cloreto de
metila e percloroetileno, entre outros), 6%
para branquear papel e têxteis e o resto a ou-
tros usos, como tratamento de águas (de 2,5%
a 5%) e matérias-primas para a indústria
química. A redução do consumo de cloro para
TópicospecialE
a produção de CFCs, agrotóxicos, PCBs e ou-
tros produtos já proibidos, é uma das causas
que explica o baixo preço do PVC, ao ter-se
convertido este em um autêntico sumidouropara os produtores de cloro-soda. A solução
mais racional seria produzir a soda por ou-
tros meios que não requeiram a produção si-
multânea de cloro (a tecnologia existe) e dei-
xar de produzir cloro.
Na Espanha a cifra máxima de produçãode cloro foi alcançada em 1989, com 646.210
toneladas. Em 1995, foram produzidas 582.037
toneladas de cloro e o consumo aparente as-
cendeu a 580.795 toneladas. Há sete empre-
sas fabricantes. A maior produtora é a
multinacional belga Solvay com uma capaci-dade de produção de 230 mil toneladas dividi-
das entre as fábricas de Torrelavega (Santan-
der) e Martorell (Barcelona). A segunda é
Energía e Industrias Aragonesas, com uma
fábrica em Palos de la Frontera (Huelva) e aterceira é ERCROS com um planta em Flix
(Tarragona) com capacidade para 120 mil to-
neladas. ELNOSA tem uma planta capaz de
produzir 30 mil toneladas anuais em Lourizán
(Pontevedra), Electroquímica Andaluza tem
uma capacidade de 24 mil toneladas reparti-das entre Vidaseca (Tarragona), Ubeda (Jaén)
e Sabiñánigo (Huesca) e Electroquímica de
Hernani uma capacidade de 10 mil toneladas,
em Hernani (Guipúzcoa).
De 1% a 5% do cloro, segundo países, sãoutilizado para potabilizar a água, sendo este
um dos poucos usos admissíveis do cloro,
embora existam alternativas. Entre as cida-
des européias que já não usam cloro para tra-
tar a água estão Amsterdã=, Paris Berlim e
Munique. A desinfecção da água pode ser re-alizada com Ozônio, radiação ultravioleta com-
binada com água oxigenada e, em geral, com
a prevenção e eliminação da contaminação
da água.
Branq ue ame nt o d o p ap e lO branqueamento do papel e têxteis pode
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52Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
T ópicospecialE
ser realizado sem o emprego de cloro. São
necessários de 30 a 80 quilos de cloro para
fabricar uma tonelada de pasta Kraft. Cerca
de 10% do cloro empregado no branqueamen-to acaba reagindo com as moléculas orgâni-
cas da madeira, formando organoclorados, para
passar aos efluentes da fábrica. As fábricas
espanholas emitem de 3 a 8 quilos de AOX
(Halógenos Orgânicos Absorvíveis) por tone-
lada branqueada. Os AOX medem a quantida-de dos organoclorados presentes nos despejos
finais, mas não sua periculosidade. No pro-
cesso de branqueamento chegam se formar
até 1 mil compostos organoclorados, embora
só possam ser identificados cerca de 300. En-
tre as alternativas propostas e desenvolvidasno branqueamento com cloro está a desligni-
ficação com Oxigênio, o emprego de água oxi-
genada (peróxido de Hidrogênio) ou de enzimas
naturais e biodegradáveis.
Igualmente, existem alternativas aos agro-tóxicos clorados (rotação de culturas, controle
biológico das pragas, defensivos naturais) e
aos solventes clorados (métodos mecânicos,
água, dissolventes naturais). O dissolvente
percloroetileno, empregado para limpeza a
seco (dry cleaning), é cancerígeno e seu usodeve ser evitado a todo custo. As pastilhas para
desinfetar os vasos sanitários contaminam de
uma maneira desnecessária e irresponsável
com organoclorados as águas residuais.
Po l i c lo re t o d e v i ni laAo reduzir-se o consumo de cloro para a
fabricação de produtos perigosos como o DDT,
o Lindano, as PCBs e os CFCs que destroem a
camada de Ozônio, o PVC se converteu no
sumidouro para os excedentes de cloro. O preço
do cloro baixou cerca de 35% desde 1986, de-vido à redução da demanda de cloro. É signifi-
cativo que as mesmas empresas produtoras
de cloro, como a Solvay ou Atachem, sejam as
produtoras de PVC; à medida que se fecham
mercados para o cloro, mais interesse há emencontrar novos mercados ao PVC. Hoje, o PVC
consome 40% do cloro produzido na Europa.
Igualmente assistimos a um processo dedeslocalização da fabricação dos produtos mais
tóxicos, como o dicloro etano (DCE) e o
monocloreto de vinila (MVC), matérias-primas
do PVC, até países como o Brasil, México e
Venezuela, e nos últimos anos até os paísesdo Leste Europeu. O transporte de cloro, des-
de 1980, causou a morte de uma centena de
pessoas, deixando dezenas de milhares de
pessoas feridas e centenas de milhares de
pessoas tiveram que ser evacuadas, para fu-
gir aos seus efeitos maléficos.O PVC não se biodegrada e sua reciclagem
é um mito sem base real, pela grande varie-
dade de produtos com muitos aditivos diferen-
tes, alguns muito tóxicos, embora se reciclem
em quantidades irrisórias e a um custo
proibitivo, só por razões de imagem; a indús-tria pretende criar a imagem de um material
ecológico e que pode ser reciclado. Os aditivos
podem conter mais de 50% do peso final e al-
guns são extremamente tóxicos, como o
cádmio e outros metais pesados. O plásticode PVC, utilizado para envolver os alimentos,
pode chegar a contaminá-los, pela migração
do plastificador dioctiladipato (DOA). Também,
as garrafas de PVC para água mineral podem
apresentar problemas, sobretudo se ficarem
abertas e em contato com a radiação solar e,além disso, os micróbios podem se reproduzir
melhor e mais rapidamente do que nas em-
existem alternativas aos agrotó-
xicos clorados (rotação de cultu-
ras, controle biológico das pra-
gas, defensivos naturais) e aos
solventes clorados (métodos
mecânicos, água, dissolventes
naturais)
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TópicospecialE
balagens de vidro. Em caso de incêndio, o PVC
é um material extremamente perigoso, pois
a fumaça contém cloreto de Hidrogênio, pro-
dutos organoclorados, furanos e dioxinas. Osbrinquedos de PVC não são nada recomendá-
veis para as crianças devido aos perigos dos
plastificadores, como o Di-2-etil-hexilftalato
(DEHP).
Quatorze por cento de 1,6 milhão de tone-
ladas de plásticos que vão ao lixo são incine-rados. Uma parte dos plásticos que vai ao lixo
são PVC, em torno das 290 mil toneladas anu-
ais e cerca de 50 mil toneladas de PVC são
incinerados na Espanha. Especialmente gra-
ve é a incineração de produtos com PVC nos
hospitais. A incineração de 1 quilo de PVC pro-duz até 50 quilos de dioxinas, quantidade ca-
paz de provocar câncer em 50 mil animais de
laboratório. A incineração do PVC forma
cloreto de Hidrogênio, substância venenosa e
corrosiva, de difícil e dispendiosa eliminaçãoe, ao final, sempre restam as cinzas com
metais pesados e outros aditivos, cinzas que
devem ir parar nos desaguadouros especiais
para resíduos tóxicos e perigosos.
A produção mundial de PVC é de aproxima-
damente 20 milhões de toneladas. Na Euro-pa, 8% do PVC é consumido em garrafas de
azeite e água mineral; 17,4%, em filmes e
lâminas; 27%, em tubagem; 21%, em perfis e
mangueiras; 8,4%, em cabos; 5,1%, em solos;
4,1%, em revestimentos; 0,3%, em discos e7,9%, em outros usos. Na Espanha, em 1995,
o consumo foi de 421.485 toneladas. As em-
presas fabricantes são três: Hispavic Indus-
trial (filial da Solvay) com uma fábrica com
capacidade para produzir 130 mil toneladas
em Martorell (Barcelona); Elf Atochem comuma planta de 75 mil t em Miranda de Ebro
(Burgos) e outra de 25 mil t em Hernani
(Guipúzcoa) e Aiscondel com 145 mil t de ca-
pacidade, e duas fábricas, uma em Monzón
(Huesca) e outra em Vilaseca (Tarragona).
A totalidade dos usos do PVC é facilmentesubstituível por outros produtos e materiais,
como vidro, borracha, metal, madeira ou ou-
tros plásticos menos tóxicos, com o PET
(Polietilenotereftalato), o prolipopileno ou o
polietileno. O PVC passará à triste históriajunto ao DDT, PCB, PCT e CFCs. O debate so-
bre os desreguladores endócrinos e os conta-
minantes orgânicos persistentes deveria ser-
vir para avançar até uma produção industrial
limpa, na qual o cloro não tenha lugar.
De sre gulad o re s e nd ó cr i no sUm grande número de substâncias quími-
cas artificiais que têm sido despejadas ao meio
ambiente, assim como algumas naturais, têm
potencial para perturbar o sistema endócrino
dos animais, inclusive os seres humanos.Entre eles encontram-se as substâncias per-
sistentes, bioacumulativas e organo-halóge-
nas que incluem alguns agrotóxicos (fungici-
das, herbicidas e inseticidas) e as substânci-
as químicas industriais, outros produtos sin-
téticos e alguns metais pesados.Muitas populações animais têm sido afe-
tadas por estas substâncias. Entre as reper-
cussões figuram a disfunção da tireóide em
aves e peixes; a diminuição da fertilidade em
aves, peixes, crustáceos e mamíferos; a di-minuição do êxito da incubação em aves, pei-
xes e tartarugas; graves deformidades de nas-
cimento em aves, peixes e tartarugas; anor-
malidades metabólicas em aves, peixes e
mamíferos; anormalidades de comportamen-
to em aves; desmasculinização e feminizaçãode peixes, aves e mamíferos machos; desfe-
minização e masculinização de peixes e aves
fêmeas; e perigo para os sistemas imunológi-
co em aves e mamíferos.
Os desreguladores endócrinos interferem
no funcionamento do sistema hormonal me-diante algum destes três mecanismos: alte-
rando os hormônios naturais; bloqueando sua
ação ou aumentando ou diminuindo seus ní-
veis. As substâncias químicas desreguladoras
endócrinas não são venenos clássicos, nemcarcinogênicos típicos. Limitam-se a regras
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54Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
T ópicospecialE
diferentes. Algumas substâncias químicas
hormonalmente ativas parecem expor a pou-
cos riscos de câncer.
Nos níveis em que se encontram normal-mente no entorno, as substâncias químicas
desreguladoras hormonais não matam célu-
las, nem atacam o ADN. Seu objetivo são os
hormônios, os mensageiros químicos que se
movem constantemente dentro da rede de
comunicação do corpo. As substâncias quími-cas sintéticas hormonalmente ativas são “de-
linqüentes” da auto-estrada da informação
biológica que sabotam comunicações vitais,
atacam os mensageiros ou os alteram. Mu-
dam os sinais de lugar. Revolvem as mensa-
gens. Semeiam desinformação. Causam todotipo de estragos. Considerando que as men-
sagens hormonais organizam muitos aspec-
tos decisivos do desenvolvimento, desde a di-
ferenciação sexual até a organização do cé-
rebro, as substâncias químicas desregulado-res hormonais representam um especial pe-
rigo antes do nascimento e nas primeiras eta-
pas da vida. Os desreguladores endócrinos po-
dem pôr em perigo a sobrevivência de espéci-
es inteiras, quiçá a longo prazo, inclusive a
espécie humana.A espécie humana carece de experiência
evolutiva com estes compostos sintéticos.
Estes imitadores artificiais dos estrógenos di-
ferem em aspectos fundamentais dos estró-
genos vegetais. Nosso organismo é capaz dedecompor e excretar os imitadores naturais
dos estrógenos, porém muitos dos compostos
artificiais resistem aos processos normais de
decomposição e se acumulam no corpo, sub-
metendo os humanos e animais a uma expo-
sição de baixo nível, mas de longa duração.Este modelo de exposição crônica a substân-
cias hormonais não tem precedentes em nos-
sa história evolutiva e, para se adaptar a este
novo perigo, seriam necessários milênios não
décadas.
A maioria de nós carrega no corpo váriascentenas de substâncias químicas persisten-
tes, entre elas, muitas que têm sido identifi-
cadas como desreguladores endócrinos. Por
outro lado, as carregamos em concentrações
que multiplicam por vários milhares os níveisnaturais dos estrógenos livres, ou seja, es-
trógenos que não estão envolvidos por proteí-
nas sangüíneas e são, portanto, biologicamen-
te ativos.
Descobriu-se que quantidades insignifi-
cantes de estrógeno livre podem alterar o cur-so do desenvolvimento no útero; tão insigni-
ficante como uma décima parte por bilhão. As
substâncias químicas desreguladoras endó-
crinas podem atuar juntas, e quantidades
pequenas, aparentemente insignificantes de
substâncias químicas individuais, podem terum importante efeito acumulativo.
Causa grande preocupação a crescente fre-
qüência de anormalidades genitais nas cri-
anças, como testículos retidos (criptorquidia),
pênis extremamente pequenos e hipospadias,um defeito onde a uretra que transporta a uri-
na, não se prolonga até o final do pênis. Nas
zonas de cultivo intensivo na Província de Gra-
nada e Almería, onde se usa o endossulfan e
outros agrotóxicos, foram registrados cerca de
500 casos de criptorquidias. Alguns estudoscom animais indicam que a exposição à subs-
tâncias químicas hormonalmente ativas no
período pré-natal ou na idade adulta aumen-
ta a vulnerabilidade a cânceres sensíveis a
hormônios, como os tumores malignos damama, próstata, ovários e útero.
Entre os efeitos dos desreguladores endócri-
nos está o aumento dos casos de câncer de tes-
tículo e de endometriose. O sinal mais espeta-
cular e preocupante de que os desreguladores
endócrinos já podem ter cobrado um preço im-portante, encontra-se nos informes indicando
que a quantidade e mobilidade dos espermato-
zóides têm despencado no último meio século.
O estudo inicial, realizado por uma equipe
encabeçada pelo Dr. Niel Skakkebaek e publi-
cado em 1992, descobriu que a quantidade mé-dia de espermatozóides masculinos havia caí-
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55Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
T ópicospecialE
do 45%, de uma média de 113 milhões por mili-
litro de sêmen em 1940 a apenas 66 milhões
por mililitro em 1990. Ao mesmo tempo, o volu-
me de sêmen ejaculado havia caído 25%, com
uma queda real dos espermatozóides equiva-lente a 50%. Tal redução ameaça a capacidade
fertilizadora masculina.
Uma política adequada para reduzir a ame-
aça das substâncias químicas que alteram o
sistema hormonal requer a proibição imedi-ata de inseticidas como o endossulfan e o
metoxicloro; fungicidas como a vinclozolina,
herbicidas como a atrazina, os alquilfenóis,
os ftalatos e o bisfenol-A. Para evitar a gera-
ção de dioxinas, se requer a eliminação pro-
gressiva do PVC, o percloroetileno, todos os in-seticidas clorados, o branqueio da pasta de
papel com cloro e a incineração de resíduos.
Entre as substâncias químicas de efeitos des-
reguladores sobre o sistema endócrino figuram:
aas dioxinas e furanos, que são geradas
na produção de cloro e compostos cloradoscomo o PVC ou os inseticidas organoclorados,
o branqueio com cloro da pasta de papel e
a incineração de resíduos;
aas PCBs, atualmente proibidas. As
concentrações em tecidos humanos têmpermanecido constantes nos últimos anos,
mesmo quando a maioria dos países in-
dustrializados puseram fim na produção de
PCBs, há mais de uma década.
anumerosos agrotóxicos, alguns proi-
bidos e outros não, como o DDT e seus pro-dutos de degradação, o Lindano, o Metoxi-
cloro, piretróides sintéticos, herbicidas de
triazinas, kepona, dieldrin, vinclozolina,
dicofol e clordane, entre outros.
ao inseticida endossulfan, de amplo
uso na agricultura espanhola e na Améri-ca Latina, apesar de estar proibido em di-
versos países.
ao HCB (hexaclorobenzeno), emprega-
do em sínteses orgânicas, como fungicida
para o tratamento de sementes e comopreservativo da madeira.
aos ftalatos são utilizados na fabricação de
PVC. 95% do DEHP (di(2etilexil)ftalato) são usa-
dos na fabricação do PVC.
aos alquifenóis, antioxidantes presentes
no poliestireno modificado e no PVC, e comoprodutos da degradação dos detergentes. Os
fabricantes adicionam nonilfenóis ao polies-
tireno e ao policloreto de vinila (PVC), como
antioxidante para que estes plásticos sejam
mais estáveis e menos frágeis. Um estudodescobriu que a indústria de processamento
e embalagem de alimentos utilizava PVC que
continham alquifenóis. Outro informava o
achado da contaminação por nonilfenol na
água que havia passado pelas tubulações de
PVC. A decomposição de substâncias quími-cas presentes em detergentes industriais,
agrotóxicos e produtos para o cuidado pessoal,
também pode dar origem a nonilfenol.
ao bisfenol-A, de amplo uso na indústria
agroalimentar (revestimento interior das em-
balagens metálicas de estanho) e por partedos dentistas. AA
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56Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
T ópicospecialE
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Re f e rê nc i as Bi b l i o g rá f i cas
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3556
57Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n.3, jul./set.2000
57
Prejuízo à exportação"O Japão e a Coréia do Sul não estão com-prando milho dos EUA", disse o presiden-te da Associação Americana de Produto-res de Milho. Ele advertiu líderes agríco-las e do governo que "empurrar cultivostransgênicos aos países compradores, quenão os querem, irá prejudicar os agricul-tores familiares americanos". As exporta-ções americanas de milho têm sofrido umaredução nos seus volumes negociados emfunção dos transgênicos, especialmente emdecorrência do StarLink.O presidente da AAPM, Keith Dittrich, dis-se também que "a administração, o Con-gresso Americano e as organizações agrí-colas e de commodities que sustentam aagricultura atual e as políticas para trans-gênicos devem admitir que estão erradosem esperar que os agricultores america-nos paguem a conta por uma política debiotecnologia de visão curta, que sugereque consumidores estrangeiros e impor-tadores serão, em última análise, força-dos a aceitar os transgênicos".
Alimentos promotores de saúdeOs "nutracêuticos" são alimentos funcio-nais, que contém níveis significativos decomponentes ativos biologicamente, quetrazem benefícios à saúde, além da nutri-ção básica. O que torna funcional um ali-mento é a presença ou não de um novogrupo de compostos identificados nas fru-tas e nos vegetais: os fitoquímicos. Aindanão se sabe a maneira exata como estescompostos de plantas agem em nosso cor-po, pois os mecanismos de ação são tãodiversos quanto os compostos: alguns atu-am como antioxidantes, outros como
inibidores de enzimas. Mas o importanteé que os fitoquímicos desempenham umpapel fundamental para o organismo: aju-dam a promover a saúde e a prevenir do-enças, oferecendo apoio ao sistema dedefesa interno.Os principais fitoquímicos são: compostossulfurosos, isoflavonas, isocianatos eindoles e clorofila, que estão presentes noalho, cebola, soja, ervilha, couve-flor, bró-colis, repolho, agrião, nabo, rabanete, al-gas e vegetais verdes.
Cientista s desconhecem e fe i to detransgênicoMais de uma década após o governo ame-ricano permitir a primeira liberação nomeio ambiente de um organismo geneti-camente modificado, cientistas admitiram,em artigo publicado na revista Science,que ainda não sabem quais podem ser osefeitos dos transgênicos na natureza. Asquestões levantadas se referem aos pou-cos recursos que o governo americano des-tina para os estudos de risco ambiental eao tempo necessário ao entendimento dasinterações ecológicas.Apesar do milho e das borboletas monar-cas serem dois dos organismos mais estu-dados do planeta, a partir das experiênci-as com milho que recebeu um gene dabactéria Bacillus thuringiensis (Bt) e pro-duziu uma toxina que matou a broca-do-milho européia, os cientistas ainda nãoconseguiram definir a dimensão do riscodo milho transgênico para as borboletasmonarcas.Embora a biotecnologia se tenha adianta-do, a habilidade dos cientistas em preverconseqüências para a natureza não pro-grediu, o que exige estudos em escala bem
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58Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
58Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.1, n.4, out/dez.2000
maior para detectá-las.
Varejistas do Reino Unido não queremtransgênicosDois dos três principais varejistas de ali-mentos do Reino Unido, Tesco e Asda (dogrupo Walmart), anunciaram sua intençãoem comercializar apenas produtos deriva-dos (carne e leite), de fazendas que utili-zam ração livre de transgênicos para seusanimais. A iniciativa deve gerar grande im-pacto no mercado internacional de soja emilho e pode beneficiar as exportaçõesbrasileiras.Recentemente, outras multinacionais deal imentos - Carrefour, na Bélgica,Wiesenhof, na Alemanha, e a rede McDonald´ s, de quase toda a Europa - tam-bém anunciaram intenção em não comer-cializar carnes de animais alimentados comtransgênicos.A rejeição cada vez maior à ração animaltransgênica na Europa é um desastre paramultinacionais importadoras de grãoscomo a Cargill, uma das principais forne-cedoras de soja e milho para a Europa.
AO em CubaDurante décadas, Cuba dependeu deagrotóxicos e adubos químicos para suaagricultura. Hoje, quase todo o alimentoda ilha é orgânico.Com a retirada da ajuda da União Sovié-tica, a partir de 1989, 1,3 milhão de tone-ladas de fertilizantes químicos, 17 mil deherbicidas e dez mil de praguicidas nãopuderam mais ser importadas. Em um ano,Cuba havia perdido 80% do seu comércioe os preços do açúcar tiveram uma tremen-da queda.Pessoas, terra, animais, conhecimentos e
criatividade foram os recursos utilizadospara dar uma resposta à crise. A partir dofinal dos anos 90, mais de oito mil granjasurbanas e hortas comunitárias passarama produzir uma enorme diversidade deplantas, quase totalmente orgânica. E nocampo, os excrementos animais passaram aser utilizados como fertilizantes, melhoran-do a estrutura do solo. Mais de 200 centrosregionais começaram a atuar na assessoriaa agentes de biocontrole. Nos cultivos dacana de açúcar e da banana é utilizada amosca lixophaga e a vespa tricogramma,para combater algumas pragas.
Clonagem humanaRecentemente, a Associação Médica da Itá-lia anunciou que irá cassar a licença demédico de Severino Antinori, que, junta-mente com o norte-americano PanosZavos, pretende clonar um ser humano.A Itália não tem leis contra a clonagem hu-mana mas deve ratificar uma proibição doConselho da União Européia.
Soja não transgênica para a Itá liaNa era da vaca louca e dos alimentostransgênicos, os países industrializadosolham para a América Latina com a inten-ção de encontrar produtos agrícolas "lim-pos". A Itália, que adora comer bem, é umdesses países. O ministro italiano da Agri-cultura, Alfonso Pecoraro Scanio, afirmouem recente reunião de uma das maioresassociações agrícolas italianas, que o Brasilé um país que poderá fornecer sementescertificadas aos produtores italianos quetemem uma invasão das sementes trans-gênicas americanas. A preocupação do mi-nistro é com a segurança alimentar dopovo italiano.
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59Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
dicAgroecológica
O enxofre é um produto natural que tem po-
der fungistático. Pode ser usado puro ou, en-
tão, ser feita a calda sulfocálcica.
1) USO DE ENXOFRE PURO: misturar, a seco,800 g de enxofre e 200 g de farinha de milho
bem fina. Diluir 34 g em 20 litros de água e
aplicar sobre as plantas.
2) CALDA SULFOCÁLCICA: a calda é prepa-rada com enxofre e cal.
Materia l :- 2 tonéis
- 1 pano para coar
- 4 quilos de cal virgem em pó
- 1 balde de plástico- 5 quilos de enxofre peneirado
- 1 bastão de madeira
- "espalhante adesivo": farinha de milho, ca-
chaça ou leite
Preparo da Calda:Colocar 25 litros de água limpa em um tonel
para aquecer ao fogo. Então, retira-se um
balde de água morna e misturamos o enxofre
peneirado. Para facilitar a mistura, convém
Uso de enxofre e calda sulfocálcicapara tratamento fitossanitário
colocar um pouco (meio copo) do "espalhante
adesivo".
Em outro tonel, colocar 4 kg de cal virgem e
queimar com 2 a 3 litros de água morna, reti-
rada do primeiro tonel. Quando a cal começara queimar, mistura-se o enxofre, mexendo sem-
pre com o bastão de madeira. Em seguida,
adiciona-se o restante da água quente, mar-
cando a altura que a mistura alcançou. Ferver
a mistura durante uma hora com fogo nãomuito forte, mexendo com o bastão e repondo
a água evaporada na altura da marca.
Após uma hora, deixar o fogo apagar e esfri-
ar a calda. Retira-se a calda do tonel e, com o
auxílio de um pano, o produto é filtrado (coa-
do). A calda deve ser guardada em vasilhasde vidro, madeira ou plástico bem fechadas.
Na hora de preparar a calda, deve-se prepa-
rar somente a quantidade a ser usada nos pró-
ximos dias, isto é, não deixar a calda envelhe-
cer, usá-la até um mês depois de pronta.
Para se saber a quantidade de calda para cadalitro de água, é só utilizar o Aerômetro de
Baumé, e verificar no quadro a seguir a quan-
tidade de água a ser misturada para cada tipo
de tratamento que for feito.
Quadro 1: Diluição da calda sulfocálcica, conforme a concentração desejada
º Bé da calda CONCENTRAÇÃO DA CALDA A PREPARAR (ºBé) original 4,0º 3,5º 3,0º 2,0º 1,5º 1,0º 0,8º 0,5º 0,3º
33º 9,4 10,9 12,9 20,2 27,3 41,4 52 84 14232º 9,0 10,5 12,4 19,3 26,2 38,7 50 81 13731º 8,6 9,9 11,9 18,5 25,1 38,1 48 77 13130º 8,2 9,5 11,3 17,7 24,0 36,5 46 74 12929º 7,8 9,1 10,8 17,0 23,0 34,8 44 71 12028º 7,4 8,7 10,3 16,2 21,9 33,3 42 68 11627º 7,1 8,3 9,8 15,4 20,9 31,9 40 65 11025º 6,4 7,4 8,9 13,9 18,9 29,0 36 59 10122º 5,3 6,2 7,5 11,8 16,2 24,7 31 51 8620º 4,7 5,5 6,6 10,5 14,4 22,0 28 45 7717º 3,7 4,4 5,3 8,5 11,7 17,0 23 37 64
Exemplo:Para preparar uma
calda de 4º Bé, partin-
do de uma calda de
32º Bé: na tabela,
procuramos o encontro
da coluna 4º Bé e a
linha 32º Bé. O número
encontrado (9,0) é a
quantidade de litros de
água para cada litro da
calda original .
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60Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
dicAgroecológica
Quadro 2: Aplicação da calda sulfocálcica para trata mentofitossanitário em diferentes culturas
Cultura Doença Concentração Época de Aplicação
Alho Ferrugem 0,3º Bé Fase de crescimento
Caqui Várias 4º Bé Em estado de dormência
Cebola Ferrugem 0,3º Bé Fase de crescimento
Citros (1) Feltro, rubelose, ácaro 0,4-0,8º Bé Antes da brotação
Ervilha Ferrugem 0,3º Bé Fase de crescimentoFava Ferrugem 0,3ºBé Fase de crescimento
Feijão Ferrugem 0,3ºBé Fase de crescimento
Figo (2) Várias 4º Bé Em estado de dormência
Maçã Várias 4º Bé Em estado de dormência
Maçã Sarna, Monilia 0,5º Bé Fase de florescimentoPêra Várias 4ºBé Em estado de dormência
Pêra Sarna, Monilia 0,5º Bé Fase de florescimento
Pêssego Várias 3,5º Bé Em estado de dormência
Uva Várias 4º Bé Em estado de dormência
O BSERV A ÇÕ ES:® Não misturar calda sulfocálcica com
emulsões oleosas e esperar, pelo me-
nos, três semanas nas aplicações en-
tre uma e outra.
® Recomenda-se todo o cuidado nopreparo e aplicação da calda. Con-
vém usar óculos, chapéu e luvas;
® Usar pulverizadores de latão ou
estanhados interiormente para aplica-
ção, pois a calda ataca o cobre. Caso
necessário, lavá-lo muito bem após serusado.
® A calda é aplicada somente com
água e espalhaste adesivo.
Fonte: PAULUS, G.; MÜLLER, A.M. & BAR-CELLOS, L.A.R. Agroecologia Aplicada:práticas e métodos para uma agricultu-ra de base ecológica. EMATER/ RS: 2000,
p. 67-69.
Obs:Em frutíferas, aplicar no inverno. Controla também musgos, liquens, ácaros e cochonilhas.
(1)Para os Citros, aplicar quando não houver ramos novos.
(2)No caso de aplicação em figo, evitar altas temperaturas.
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61Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
Agroe c o log ia e DRSAgroe c o log ia e DRS
Neste espaço, estão sendo divulgadas informações sobre páginasWeb que contêm dados sobre Agroecologia, desenvolvimento rural
sustentável e assuntos correlacionados. Consideramos que oacesso a estas informações pode fornecer inúmeros subsídios emforma de artigos, pesquisas, atividades e experiências desenvolvi-das, permitindo que sejam compartilhadas e consultadas institui-ções e pessoas em diferentes países do mundo. Os hiperlynks
destes endereços podem ser encontrados na homepage daEMATER-RS http://www.emater.tche.br/tecnica_agro_links.htm
http:/ / www.agroecologica.com.br/Idioma: português
Editora AgroecológicaReúne diversas informações sobre teorias e
práticas relacionados à Agroecologia . Tem um
completo banco de dados de eventos, publi-
cações e vídeos.
http:/ / www.agrorganica.com.br/
Idioma: português
AgrorgânicaÉ um portal autodenominado de agriculturaecológica e saudável. Através dele é possível
percorrer um grande número de informações,
sejam estas entrevistas, dicas técnicas, publi-
cações, além de ser possível fazer um cadas-
tro para participar do Fórum da Rede
Agrorgânica.
http:/ / www.permacultura.org.br/
Idioma: português
Rede Brasileira de PermaculturaÉ uma "porta de entrada" para diversas insti-
tuições que trabalham com a perspectiva dapermacultura no Brasil. São apresentados cur-
sos e experiências que vêm sendo desenvolvi-
das em diversas regiões do Brasil.
http:/ / www.fao.org/ organicag/Idioma: espanhol e francês
La agricultura orgánica en la FAOEste site oferece as informações disponíveis na
FAO sobre agricultura orgânica. Possibilita
acesso a grande número de documentos,
fórum de debates, contatos, dados por paí-ses, fotografias e vídeos.
http:/ / www.jornalismoambiental.jor.br/
Idioma: português
Jornalismo AmbientalO jornalismo ambiental tem ocupado seu es-
paço em diversas mídias. Através deste link é
possível contatar profissionais, entidades,
vídeos e artigos de entidades e jornalistas que
têm trabalhado com esta temática.
http:/ / www.eco.unicamp.br/ ecoeco/
Idioma: português
Sociedade Brasileira de Economia EcológicaEsta sociedade tem como objetivo "repensar a
natureza das atividades econômicas e seus
efeitos negativos ao meio ambiente, de formaa buscar equacioná-los em resultados concre-
tos que direcionem a um desenvolvimento sus-
tentável". Através deste site é possível acessar
artigos, publicações e links com outras enti-
dades congêneres.Sugestões: [email protected]
EcoL inks
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62Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
Agriculturaorgânica:
entre a ética eo mercado?*
* Este artigo se beneficiou dos comentários e sugestões feitos por Vanice D. B. Schmidt, coordenadora técnica, até finsde 2000, do Programa Desenvolver - Desenvolvimento da Agricultura Familiar Catarinense pela Verticalização da
Produção. Atualmente, ela realiza, na França, estudos sobre os "sinais oficiais de qualidade" utilizados na agricultura.* * Doutor, Professor do Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina(PGAGR/UFSC). Atualmente, é Bolsista da CAPES - Brasília/Brasil, para realização de Pós-Doutorado no CRBC/EHESS (Centre de Recherches sur le Brésil Contemporain - Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales), em Paris.
Dentro das atividades de extensão do Departamento de Zootecnia e Desenvolvimento Rural da UFSC, tem assessorado,nos últimos anos, a Associação dos Agricultores Ecológicos das Encostas da Serra Geral - Agreco, que tem sede em
Santa Rosa de Lima, Santa Catarina.E-mail: [email protected]
S c h m id t , W i ls o n * *
Resumo
A agricultura orgânica (AO)
tem sido apontada como um
meio para a construção de um
novo padrão de produção agro-pecuária e para a reconstrução
da cidadania no campo. Para
isso, é necessário ampliar for-
temente e em um prazo relati-
vamente curto o número de
agricultores que a praticam; oque, na prática, exige a mudan-
ça dos circuitos de comerciali-
zação. O artigo procura discutir
se, com isso, a AO fica imedia-
tamente submetida aos mes-
mos modos de organização e co-mercialização da agricultura
convencional, perdendo o seu
conteúdo ético e o seu caráter
contestatório. Inicialmente, ele
trabalha a passagem da AO de uma situaçãode marginalidade para outra em que é vista
como elemento estratégico. Em seguida, ana-
lisa as mudanças nos circuitos de comercia-lização e no perfil do consumidor dos produtos
da AO. Depois, discute como a AO pode ser
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63Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
impactada pelos preços e pela certificação, que
são importantes para o consumidor. Finalmen-te, conclui que a estreita associação da AO
com a agricultura familiar é a melhor forma
de fazer prevalecer as suas dimensões éticas.
Palavras-chave
Agricultura orgânica, Agroecologia, cadeia pro-
dutiva, comercialização, agricultura familiar.
1 Int ro d uçãoA perspectiva de trabalhar a agricultura
orgânica não como um fim em si, mas comoum meio para a "construção de um novo pa-
drão de produção agropecuária e para a re-
construção da cidadania no campo", para usar
uma expressão da Carta Agroecológica do Rio
Grande do Sul (I Seminário Estadual sobre
Agroecologia, 1999), exige a ampliação do nú-mero de agricultores familiares presentes
nesse tipo de cadeia produtiva. A experiência
parece indicar que os circuitos curtos de co-
mercialização (feiras, vendas diretas na pro-
priedade ou via "sacolas" ou "cestas" entre-gues a domicílio) dificilmente dão conta des-
sa "inclusão". Uma opção consciente e prag-
mática pelo grande circuito é percebida, con-
tudo, como uma via dominada por uma lógica
exclusivamente centrada no produto, descon-
siderando as dimensões éticas pregadas pelomovimento de agricultura orgânica. Entre os
objetivos econômicos desse movimento estão,
por exemplo, trabalhar com empresas à esca-
la humana, preços equitáveis, negociações
em todos os níveis da cadeia, vendas de proxi-
midade. Entre os objetivos sociais e huma-nistas, a aproximação entre o produtor e o
consumidor, a cooperação e não competição,
a eqüidade entre todos os atores; mas, tam-
bém, a manutenção dos agricultores na terra
e a defesa do emprego rural. A pergunta quese coloca é se a busca pela ampliação da agri-
cultura orgânica - e dos seus mercados - faz
com que ela seja, imediatamente submetida
aos mesmos modos de organização e comer-
cialização da agricultura convencional, per-dendo, por isso, o seu conteúdo ético e o seu
caráter contestatório.
Para procurar respondê-la, estruturou-se
este artigo - que tem característica de um
ensaio - em quatro partes. Inicialmente, tra-balham-se as relações da agricultura orgâni-
ca (AO) com o seu ambiente técnico, procu-
rando ressaltar a passagem de uma situação
de marginalidade para outra em que é vista
como elemento estratégico ou como "um pro-
tótipo da agricultura diferente" (Inra, 2000).Em seguida, analisam-se as mudanças nos
circuitos de comercialização e no perfil do
consumidor dos produtos da AO. Procura-se,
então, discutir como a agricultura orgânica,
vista como prática e não como produto, pode
ser impactada por dois aspectos julgados im-portantes pelo consumidor: os preços e a cer-
tificação. Finalmente, conclui-se que a asso-
ciação entre AO e agricultura familiar é a
melhor forma de fazer prevalecer no mercado
e entre os atores da cadeia produtiva as di-mensões éticas da agricultura orgânica.
2 Da re j e i ção mút ua ao d e saf i o d ap arce r i a
Apesar de um suposto "efeito de moda", a
AO continua representando uma pequeníssi-
ma parcela da produção agrícola brasileira.Antes, ela foi encarada fundamentalmente
como uma estratégia de resistência e de per-
manência de agricultores familiares no campo
- no período em que as idéias da moderniza-
ção "conservadora" e "dolorosa" seguiam umpensamento único - e foi defendida e imple-
mentada quase que exclusivamente por or-
ganizações não-governamentais de assesso-
ria e apoio. Agora, com a explicitação da crise
e da insustentabilidade da agricultura indus-
trial, a AO passou a ser uma idéia veiculadatambém por instituições governamentais ou
internacionais que antes faziam a apologia
da modernidade industrial. É que, na prática,
não havia outro caminho para elas, com o for-
A r t i go
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3563
64Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
da agricultura orgânica, aparece no reconhe-cimento pelas últimas do papel desbravador
das ONGs. Servem de exemplo os serviços de
pesquisa e extensão rural de Santa Catarina
e do Rio Grande do Sul. O primeiro reconhece
que as organizações não-governamentais fo-ram entidades pioneiras na introdução e di-
vulgação da produção agroecológica em San-
ta Catarina, como de resto no Brasil (Epagri,
2000). O segundo dá destaque para iniciati-
vas que surgiram na década de 80, reconhe-
cendo que a maior parte delas foi impulsio-nada pelas organizações não-governamentais2
(Felippi, 2000). Parece pouco, mas devem ser
considerados dois momentos anteriores3. No
primeiro, de um lado, a agricultura orgânica
era vista, nestas instituições, como margi-
nal e sem futuro e os seus defensores, comodogmáticos ou charlatões, com os quais seria
impossível realizar uma discussão racional.
De outro, os técnicos das ONGs, submetidos a
esta falta de reconhecimento e buscando uma
contestação profunda do modelo de desenvol-vimento, acabavam descartando qualquer pos-
sibilidade de parceria com estas instituições
que eram vistas como um braço importante
do próprio modelo. Em um segundo momento,
as instituições governamentais quiseram fa-
zer parecer que sempre defenderam e traba-lharam com a agricultura orgânica, utilizan-
do como exemplos estudos ou ações isolados,
apenas "tolerados" anteriormente. Por isso, es-
sas pequenas menções representam um pas-
so importante.
3 Do ci rcui t o curt o ao lo ngo ,d o co nsumi d o r co nvi ct o ao
o casi o nal : o d e saf i o d a si ne rg i aHoje, a maioria dos técnicos comprometi-
dos efetivamente com uma proposta de um
desenvolvimento rural sustentável baseado na
agricultura familiar (AF) _ estejam eles nasONGs ou nas instituições governamentais, _
reconhece o papel da AO na diferenciação dos
produtos deste tipo de agricultura e na agre-
talecimento da proposta de um desenvolvi-
mento sustentável e a clara mudança na pos-tura do consumidor, que passa a estar preo-
cupado com sua saúde e com a qualidade de
vida em geral1 . Essa "institucionalização" da
AO é vista, de um lado, como bastante positi-
va. Mas, de outro, como trazendo o risco de
uma descaracterização ou mesmo de uma "in-dustrialização" da agricultura orgânica.
O desenvolvimento deste tipo de agricul-
tura depende, no entanto, de uma construção
nova, feita da confrontação de saberes entre
os sistemas de pesquisa e desenvolvimentovoltados ao agrícola e ao rural e os agriculto-
res familiares; de um trabalho efetivo de de-
senvolvimento, a ser animado por uma rede
de técnicos competentes, sensíveis e moti-
vados; e de apoio financeiro à produção orgâ-
nica e aos esforços de reconversão de agri-cultores convencionais para esse tipo de agri-
cultura. É indispensável, portanto, que as es-
truturas, as competências e os recursos do
Estado sejam mobilizados neste processo.
Um ponto positivo para terminar com a
incompreensão recíproca e a rejeição mútuaentre ONG e instituições públicas, no campo
A pergunta que se coloca é se a
busca pela ampliação da agricul-
tura orgânica faz com que ela seja
imediatamente submetida aos
mesmos modos de organização e
comercialização da agricultura
convencional, perdendo, por
isso, o seu conteúdo ético e o seu
caráter contestatório
A r t i go
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65Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
gação de valor. Isto porque essa estratégia
(temporária) de aumento da renda, pela ven-da de produtos diferenciados a um preço mais
alto, pode contribuir para a consolidação des-
ta proposta nesse período de "transição agro-
ecológica" (Costabeber e Moyano, 2000). Mas
é preciso que, contraditoriamente, esta es-tratégia contenha em si o seu próprio fim: a
inclusão de cada vez mais agricultores e, por
conseqüência, a ampliação dos volumes co-
mercializados. Isto exige, é claro, a baixa
gradativa de preços.
Recorde-se que a comercialização dos pro-dutos da AO era feita quase que exclusiva-
mente em circuitos curtos (venda direta ou
feiras), para uma clientela geralmente inici-
ada nos debates sobre alimentação e saúde e
já motivada para a compra deste tipo de pro-duto. Tratava-se de uma opção _ normalmen-
te feita pelos técnicos _ que era o fruto da pró-
pria resistência ideológica dos militantes das
ONGs à inserção nos circuitos longos. E, ao
mesmo tempo, o resultado de uma incapaci-
dade (quantidades e regularidade, padroniza-ção, logística, gestão) de se inserir nestes
mesmo circuitos.
Ora, a perspectiva de trabalhar a agricul-
tura orgânica não como um fim em si, mas
como um meio de resistência e de permanên-cia da agricultura familiar, dentro de um pro-
grama maior de desenvolvimento rural sus-
tentável e solidário, faz com que se venha tra-
balhando a ampliação do número de agricul-
tores orgânicos. Não se pode esquecer, porém,
que os agricultores orgânicos ou em recon-versão, que foram _ ou estão sendo _ anima-
dos a entrar neste processo, são, antes de tudo,
produtores e contam com esta atividade para
ter uma remuneração satisfatória do seu tra-
balho e, assim, viver dignamente e criar seus
filhos. Vai se precisar, por isso, mais e maisconsumidores deste tipo de produto. A experi-
ência parece indicar que os circuitos curtos
dificilmente darão conta dessa expansão. As-
sim, para realizar-se uma efetiva ampliação
É indispensável que as estrutu-
ras, as competências e os recursos
do Estado sejam mobilizados
neste processo de desenvolvi-
mento da agricultura orgânica
do número de agricultores que têm acesso à
cadeia da AO, é preciso vir ao encontro dos
consumidores, especialmente os urbanos. Di-zendo de outra forma, faz-se a defesa da am-
pliação do mercado de produtos orgânicos, mas
se resiste à adoção dos circuitos adaptados,
em termos físicos e organizacionais, à con-
centração urbana, em um momento em que
a demanda por esses produtos puxa a oferta eestimula o crescimento de circuitos longos de
comercialização. Como afirma Sylvander
(1993), "não se pode, ao mesmo tempo, pregar
o desenvolvimento do mercado e negligenci-
ar a sua localização". Isso não quer dizer quese deva abandonar os circuitos atuais. Ao con-
trário, eles devem ser fortalecidos, reinven-
tados. A melhor marca de qualidade ainda
continua a ser a relação de confiança
estabelecida entre o vendedor e o comprador
(Plassard, 1993). Mas é preciso aprender a tra-balhar com as sinergias entre os circuitos
curto e longo.
O principal ator na cadeia longa são as
grandes redes de supermercados que, também
no Brasil, começam a entrar fortemente na
distribuição dos produtos orgânicos. A relaçãoentre os atores da AO com as grandes redes
de supermercado é bastante complicada. Uns
continuam a vê-las como o próprio "diabo".
Outros preferem considerar que negar a gran-
de distribuição é muito fechado e restritivo.Primeiro, porque este tipo de distribuição aca-
ba eliminando aqueles consumidores que não
participam dos circuitos de quase confidenci-
alidade atuais4. Depois, porque acaba elimi-
nando agricultores familiares, principalmente
A r t i go
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66Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
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que os preços dos produtos orgânicos devem
baixar porque há uma diferença muito gran-de entre os preços praticados e o nível ótimo
(Sylvander, 1993). Muitos atores da AO _ em
especial, os técnicos _ afirmam que ela deve
ser acessível imediatamente aos que têm ren-
das mais modestas. Le Noallec (1999), no en-tanto, destaca que "sob essa intenção, louvá-
vel e desejável, há uma espécie de peso na
consciência, que deriva da crítica ao elitismo".
Para esta autora (que é presidente de uma
associação de consumidores da AO - a UCBio),
baixar muito os preços vai obrigar a diminui-ção do número de empregos e dos salários e o
aumento do rendimento, abrindo caminho a
uma "AO-intensiva" e a uma "AO-indústria",
que trarão, como resultado, o desaparecimen-
to das pequenas estruturas. Para ela, isso éseguir o sistema neoliberal, devendo-se bus-
car, ao contrário, uma justa remuneração do
produtor e do beneficiador-transformador, que
leve em consideração a qualidade do trabalho
e do produto. Só isto permitirá que as peque-
nas e médias empresas continuem a vivercom toda a independência.
Estes pontos de vista devem nos levar à
reflexão e não ser vistos como posições extre-
mas sobre as quais devemos tomar partido. A
noção de Rendimentos Crescentes de Adoção(RCA)7 aplicada à agricultura orgânica
(Pernin, 1994; 1995), por exemplo, nos ajuda
a pensar como pode existir coerência entre
um programa de desenvolvimento rural sus-
tentável para uma região e a possibilidade de
redução dos preços. As fontes de RCA são: aaprendizagem, as externalidades de rede, as
economias de escala em produção, os rendi-
mentos crescentes de informação, as normas
de avaliação econômica e as inter-relações
tecnológicas. Os fenômenos de aprendizagem
constituem a principal fonte de RCA na AO. Aformação de grupos, condomínios e associa-
ções permite a troca de informações técnicas
e de experiências, a realização de seminári-
os de formação, a contratação de assessores.
aqueles que participam (ou tendem a partici-
par) de esforços maiores de produção e comer-cialização em grupo, que resultarão em uma
escala maior nas vendas.
É claro que as grandes redes de supermer-
cado não passaram, repentinamente, a ter
simpatia pelas teses e a prática ideológica daagricultura orgânica. Como destaca Hatrival
(1993), suas motivações são bem mais sim-
ples: a vontade de melhorar e consolidar sua
imagem de marca e a pressão do mercado ou
dos concorrentes5. Em suma, o supermerca-
dista está interessado em reforçar junto aoconsumidor a percepção de uma oferta comer-
cial diferente daquela dos seus concorrentes_ percepção capaz de atrair novos clientes - e
em harmonia com as aspirações que ele (con-
sumidor) tem _ percepção capaz de fidelizar aclientela (Pontier, 1998). Ou seja, o produto
orgânico se transforma em um instrumento
de promoção.
Quanto ao "novo consumidor"6, é normal-
mente durante uma ida ao supermercado, mo-
tivado por outros tipos de compra, que ele vaidirigir sua atenção aos produtos orgânicos. Em
geral, trata-se de consumidores "não dedica-
dos" à comida orgânica e que alternam os ti-
pos de alimentação. Eles desejam encontrar
os produtos orgânicos nos circuitos de comer-cialização que estão acostumados a freqüen-
tar: os supermercados. Ora, esse consumidor
"ocasional" parece estar muito mais próximo
da média da sociedade _ em termos econômi-
cos, de hábitos, de educação formal e de in-
formação _ do que o consumidor "convicto".Talvez por isso, ele é mais sensível aos ele-
mentos mais perceptíveis do produto, como
preço (relação produto orgânico versus con-
vencional), disponibilidade e certificação.
4 Pro d uzi r mai s!I sso t e m um "p re ço "?
Como em tudo o que se refere à produção
orgânica, no debate sobre os preços também
existem divergências. Há os que defendem
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67Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
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Ou seja, pode se pensar em uma aprendiza-
gem técnica coletiva. As externalidades darede se referem principalmente ao efeitos do
aumento do número de produtores em uma
região. Normalmente, ela induz a uma me-
nor dispersão geográfica dos produtores e, por-
tanto, a uma diminuição de custos de trans-
porte para a distribuição de insumos e de aces-so ao mercado, ou, ainda, para os trabalhos
de assistência técnica e de certificação. Essa
menor dispersão favorece, da mesma forma,
a criação de estruturas associativas para o
beneficiamento ou transformação e para a co-mercialização dos produtos. Essas atividades
constituirão outra fonte de RCA: as economi-
as de escala. Os rendimentos crescentes em
informação se manifestam quando da adoção
da AO, como conseqüência da circulação de
informações sobre a agricultura orgânica en-tre os próprios produtores. Estudos mostram
que a principal influência sobre um agricul-
tor, para a passagem propriamente dita à AO,
é a de outros agricultores que a praticam. A
norma de avaliação econômica da técnica naAO _ que é diferente daquela da agricultura
convencional: a produtividade física ou ren-
dimento (Kg/ha) _ é o preço de venda dos pro-
dutos e, fundamentalmente, o valor agrega-
do, ou seja, a parte que fica efetivamente com
o agricultor. As inter-relações tecnológicas,que se referem às relações que uma técnica
pode estabelecer com o seu ambiente técni-
co, são praticamente ausentes na AO. As difi-culdades ainda existentes de relacionamen-
to entre os técnicos que trabalham com a AO
e os técnicos da pesquisa agrícola, já mencio-
nadas neste artigo, explicam esse fato.
O que se pode deduzir desta análise é que
o desenvolvimento da AO necessita do cresci-mento do número de agricultores familiares
envolvidos e de organizações regionais des-
tes produtores. Essa organização deve se dar
também a jusante da produção _ beneficiamen-
to, transformação e comercialização _ o quevai permitir a redução das margens aplica-
das ao longo do circuito de comercialização e
uma baixa no preço ao consumidor, ao mes-
mo tempo que favorece a adoção da AO por
um número maior de produtores. E, nestas
condições, os agricultores orgânicos podem seinserir nos circuitos de comercialização já
estabelecidos. Para isso, será necessário que
os atores da AO passem a conhecer o merca-
do, a entender de comercialização e a traba-
lhar informações econômicas. De outra for-ma, ter-se-á, mais uma vez, a transferência
das fontes de poder para os agentes a jusante
da AO. Dizendo de outra forma, deve-se pen-
sar em maneiras de criar efetivamente, a
montante da cadeia, um poder de negociação
que permita que os agricultores se apropriemdos resultados da qualidade por eles produzi-
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3667
68Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
da. Evitar que,
de novo, ocorra
uma fuga do va-
lor gerado paraos beneficiado-
res e os distri-
buidores. E,
como destaca
Plassard (1993),
o momento defazê-lo é quando
o mercado está
em expansão e
a demanda puxa a oferta. Não se pode esperar
que o mercado esteja saturado para fazê-lo.
5 Ce r t i f i cação : e nt re ad e sco nf i ança d o s at o re s d a A O e
a co nf i ança d o s co nsumi d o re sCom a intensificação da produção agríco-
la, a industrialização da alimentação e a ur-
banização da população, os consumidores se
sentiram, cada vez mais, em um estado deinsegurança em relação aos produtos indus-
triais (Sylvander, 1993). As polêmicas sobre a
"vacalouca", a contaminação com dioxinas ou
a utilização de transgênicos só reforçam esta
insegurança. Face a esse quadro, constata-
se que os produtos orgânicos desfrutam deuma excelente imagem em termos de "valor
saúde". Isso por causa das técnicas de produ-
ção, em especial pela não utilização de adu-
bos químicos de síntese e de agrotóxicos. Ou-
tros produtos, no entanto, procuram aprovei-
tar os segmentos de mercado abertos pelas
preocupações
do consumi-
dor. Trata-se
dos "produtosà imagem bi-
ológica", men-
cionados por
S y l v a n d e r
(1993). Ou
seja, os produ-tos "naturais",
da "agricultu-
ra de preci-
são" ou da "produção integrada" ou, ainda, os
selos de qualidade de redes de supermercado.
Isso pode ser considerado como uma aproxi-mação entre "oferta convencional" e "oferta
orgânica", o que pode gerar confusões mesmo
nos consumidores mais atentos (Pontier,
1998). Na percepção do consumidor, a vanta-
gem do produto orgânico se baseia quase sem-pre na confiança que ele tem em uma certifi-
cação.
Na Europa, essa certificação se dá dentro
das normas dos selos de qualidade oficiais
regulamentados pelos Ministérios da Agricul-
tura de cada país e pela Comunidade Europé-ia. Um "selo" na embalagem informa ao con-
sumidor que o produto ou seus ingredientes
foram obtidos segundo um modo de produção
orgânico. Fundamentalmente, o sistema de
certificação julga se um processo de produ-ção está em conformidade com as regras es-
tabelecidas pela normalização. Para a produ-
ção orgânica esta normalização proíbe, por
exemplo, a utilização de adubos e de produtos
fitossanitários de síntese, de organismos ge-
neticamente modificados ou de radiaçõesionizantes. Não há, a princípio, a análise in-
trínseca da qualidade dos produtos, ou a cha-
mada obrigação de resultados. Caplat e
Giraudel (1996) destacam o artigo 10-2 da re-
gulamentação européia sobre a agricultura
orgânica8: "não pode ser feita nenhuma afir-mação no selo ou na publicidade sugerindo
Na percepção do consumidor, a
vantagem do produto orgânico se
baseia quase sempre na confiança
que ele tem em uma certificação
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69Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
ao comprador que a indicação de con-formidade com o regime de controle
constitui uma garantia de uma qua-
lidade organoléptica, nutricional ou
sanitária superior". Para estes auto-
res, "a agricultura orgânica garanteao consumidor, portanto, somente
uma metodologia". Ou uma prática,
como preferimos falar no Brasil. Os
controles ou fiscalizações permitirão
unicamente verificar se há o respei-
to às técnicas de produção da agricul-tura orgânica. É por isso que há uma
grande discussão sobre o que se entende por
produção orgânica.
Normalmente, os setores ligados à agricul-
tura familiar defendem uma definição que
seja a mais precisa e restritiva possível, le-vando em conta, exatamente, os princípios
éticos da agricultura orgânica. Porque a tole-
rância _ ou a frouxidão das normas _ vai favo-
recer, é claro, os oportunistas e os que acei-
tam ou querem uma agricultura orgânica "pa-tronal" ou empresarial. Também por isso, se
defende a certificação por um "terceiro" _ nem
produtor, nem o distribuidor e nem alguém a
eles ligado _, que seja, portanto, independen-
te e imparcial, além de competente e eficaz.
Não se pode esquecer que o comportamentooportunista ou os "atalhos" também são ten-
tadores. Ter a cobertura de um selo orgânico
(e os possíveis diferenciais que ele traz ) sem
o ônus de produzir organicamente é, sem dú-
vida, o melhor "negócio".No caso brasileiro, o Ministério da Agricul-
tura e do Abastecimento estabeleceu, atra-
vés da Instrução Normativa (IN) 007, de 17 de
maio de 1999, "as normas de produção,
tipificação, processamento, envase, distribui-
ção, identificação e de certificação da quali-dade para os produtos orgânicos de origem ve-
getal e animal" (Brasil, 1999)9. Segundo a IN-
007, "os produtos de origem vegetal ou ani-
mal, processados ou in natura, para serem
reconhecidos como orgânicos10 devem ser
certificados por pessoa jurídica, sem fins lu-
crativos, com sede no território nacional,
credenciada no Órgão Colegiado Nacional (…)".A denominação "produto orgânico" deverá ser
mencionada no rótulo e deve constar da em-
balagem um "selo de qualidade" da entidade
certificadora credenciada.
As ONGs ligadas à agricultura familiar e à
Agroecologia têm participado ativamente dosdebates e da montagem das estruturas que
se seguiram à IN-007 (como a constituição
dos Colegiados Estaduais, a discussão sobre
os protocolos para o credenciamento de
certificadoras ou a realização de semináriossobre o tema). Uma parte de seus militantes,
no entanto, considera que se trata de uma
burocratização ou de uma estatização da re-
lação entre o produtor orgânico e os consumi-
dores, que é _ e deveria continuar sendo, fun-
damentalmente, uma relação de confiança.Outros, julgam que se trata de mais uma for-
ma de complicar a vida dos agricultores e de
fazê-los pagar por mais um serviço, em um
quadro em que seus rendimentos já estão
bastante achatados. Há também os que têm
carreado seus esforços para a construção deuma espécie de sistema híbrido: a certifica-
ção participativa. Ela seria feita através de
uma rede de associações de agricultores or-
gânicos, mas teria uma estrutura capaz de
atender às exigências da IN-007 (comissãotécnica, conselhos de certificação e de recur-
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70Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
sos, descrição clara de sanções etc). Ou seja,
a "certificadora participativa11" buscaria seucredenciamento junto ao Colegiado Nacional.
Entende-se que a iniciativa do Governo
Federal _ que foi feita sob uma lógica pura-
mente mercantil, tendo em conta a pressão
de exportadores brasileiros e de importadores
europeus _ desencadeou um processo muitointeressante no movimento da agricultura
orgânica do sul do Brasil. Finalmente, a pro-
posta de certificação participativa passou do
discurso à tentativa de construção e trouxe
consigo algo fundamental: a aproximaçãomais efetiva dos diversos atores que traba-
lham a agricultura orgânica em associação
com propostas de fortalecimento da agricul-
tura familiar e de desenvolvimento rural sus-
tentável. Isso começou a dar corpo a uma rede
centrada em aspectos mais "pragmáticos" daprodução e da comercialização da AO, que pas-
sou a ser chamada apropriadamente de "Rede
Ecovida". Há dúvidas sobre a capacidade de
uma certificadora ligada a esta Rede compro-
var sua independência e imparcialidade e,mais importante do que isso, de passar ao con-
sumidor a imagem de independente e de im-
parcial, ou seja, de assumir o papel de orga-
nismo de controle. Julga-se, por outro lado, que
ela tem todas as condições de exercer o papel
de organismo gestionário, que vai produzir eadministrar os "cadernos de normas12"; discu-
tir a construção de uma marca coletiva; traba-
lhar uma política de comunicação sobre a agri-
cultura orgânica ligada à agricultura familiar;
zelar para a efetivação de um programa de for-
mação e de assistência técnica; definir ques-tões importantes a serem trabalhadas pela
pesquisa agrícola e as possibilidades de apro-
ximação com as instituições que a realizam.
Um "pólo de referência" deste tipo poderá
contribuir para que a agricultura orgânicaconsiga a conjunção de quatro condições ne-
cessárias ao seu sucesso. Ou seja, que ela
tenha a capacidade de "fazer" tecnicamente
(condições técnicas, necessárias mas não
suficientes); que se coloque no mercado de for-
ma a valorizar os seus produtos com um dife-
rencial de preço (condições econômicas), que
permita a evolução das competências de seus
atores (condições organizacionais); que seusprodutos sejam certificados por um organismo
terceiro; que saiba fortalecer as relações ins-
titucionais nos diferentes níveis; e que reali-
ze uma comunicação (informação, propagan-
da) sobre os seus produtos em conformidadecom a legislação (condições institucionais).
6 Co nclusãoExiste, hoje, uma preocupação com a for-
mação de um “agri-organic-business”. A me-
lhor maneira de evitar uma especialização,
uma concentração da produção, um nivela-mento por baixo dos preços e da qualidade na
agricultura orgânica, é associá-la diretamen-
te com a agricultura familiar e com propostas
de desenvolvimento regional sustentável.
Ora, para ser reconhecida como sustentável,a AO deve manter a sua dimensão ética. E
essa dimensão ética deve se impor, cedo ou
tarde, até mesmo para os industriais. Para
isso, é necessário que se dê condições para
que os agricultores familiares se apropriem
pura e simplesmente da AO. Dizendo de ou-tra forma, precisa haver a construção de ins-
trumentos que façam saber ao consumidor que
é este tipo de agricultor que produz essa qua-
lidade, graças aos seus conhecimentos, ao seu
trabalho e ao seu talento. E a certificação podeservir como um instrumento de reforço a esta
estratégia. Uma vez informados, os consumi-
A r t i goA certificação participativa seria
feita através de uma rede de
associações de agricultores
orgânicos, mas teria uma
estrutura capaz de atender às
exigências da IN-007
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3670
71Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
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SYLVANDER, B. Des orientations marketing pourla f i l ière biologique. Agrobioscopie , Par is:Fncivam, 1993. p.32-40.
A r t i go
dores de produtos orgânicos também devem
fazer sua escolha. Eles precisam diferenciarclaramente quando a ética aparece como um
simples argumento publicitário de quando ela
tem uma clara ligação com a realidade. E ir
no sentido desta última, ou seja, optar por uma
AO que esteja contribuindo, de fato, para a
construção de um meio rural vivo e mais equi-
librado em termos sociais e ambientais.Em suma, pode não ser necessário para a
agricultura orgânica escolher entre ética e
mercado, se a ética se impuser como uma
condição para a participação no mercado de
produtos orgânicos. AA
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72Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
A r t i go
No t as
1Por isso, considerado por alguns como"consumidor-cidadão" ou "consum-ator".
2O caso do Rio Grande do Sul mereceriauma análise específica, que foge aos objetivosdeste artigo, com a ocupação de importantescargos das instituições públicas voltadas àpolítica agrícola estadual e ao desenvolvimentorural por quadros das ONGs (ver, por exemplo,Pelaez e Schmidt, 2000). Este fato não invalidanosso argumento, mas, ao contrár io, oreforça.
3Esses argumentos baseiam- se emdiscussão semelhante presente em Inra(2000).
4O Brasil ainda não conta com um tipo deestrutura intermediária: os supermercadosespecial izados em produtos orgânicos,também chamados de "supérettes". Ele édiferente das feiras, julgados, pelosconsumidores, como "lugares míticos de troca"e de encontro. Mas é diferente, também, doshipermercados, associados a uma imagemnegativa, mas nos quais a venda de produtosorgânicos é vista como inelutável. Na verdade,as supérettes conseguem as vantagens dosupermercado com a qualidade transacionalda compra das feiras. Ou seja, elas aparecemmais como um lugar onde vai se viver umaexperiência de consumo e menos como umlugar onde vai se comprar produtos. Por isso,mais do que vantagens objetivas, o ambientedeste tipo de loja é o que é preferido pelosclientes. Ao mesmo tempo, no entanto, elasoferecem uma riqueza de mercadorias(algumas com mais de 4 mil referências-produto), uma ótima apresentação dosprodutos (embalagens a vácuo, refrigeração,conservação), uma qualidade dos materiaisutilizados e, sobretudo, credibilidade. Este tipode loja aparece ao consumidor como capazde garantir a ideologia original da produçãoe do consumo orgânico. (Pontier, 1998)
5Segundo esta autora, o itinerário daaparição de produtos orgânicos nas redes desupermercados é globalmente o mesmo em
todos os países europeus. Na origem, seencontra uma rede que orientou sua políticade comunicação para os produtos dequalidade superior e/ou para a inovação. Umsegundo grupo de redes fortementemajori tário segue aquela primeira. Suasmotivações são diferentes. Tendo observadouma sensibilização crescente da populaçãopelos produtos mais sadios e, sobretudo, maisrespeitosos do meio ambiente, elas desejam,antes de tudo, mediar a importância real dessademanda latente e verificar em que medida estanova atitude do consumidor se traduzirá emuma modificação do seu comportamento decompra. Em outros termos, esses distribuidoresdão seus primeiros passos para uma possíveladaptação da oferta e da demanda. E eles nãohesitarão em suprimir os produtos orgânicosde suas prateleiras se o mercado se mostrarmarginal demais. Finalmente, um terceiro grupoque, mantendo seu ceticismo ou sua reticênciaà agricultura orgânica, introduz os produtosdela em suas lojas unicamente sob a pressãodo mercado, procurando evitar que a suaclientela se desloque para os seus concorrentes.(Hatrival, 1993)
6Como contraponto ao "velho consumidor"de circuitos curtos.
7Trata-se de estudar os processos pelosquais uma tecnologia vem a ser superior àsoutras. Nesta problemática, os desempenhos(as capacidades de rendimento) das diversastecnologias presentes não são dadas, masconstruídas. São os processos de construçãoque o conceito de RCA se propõe a descrever.O ponto de partida da análise consiste emsupor que não é porque uma tecnologia temdesempenho superior que ela é adotada, mas,ao contrário, que uma tecnologia passa aterum desempenho maior que uma outraporque ela é adotada. (Pernin, 1994)
8Trata-se do Regulamento CEE 2092/ 91, de24 de junho de 1991, que diz respeito "aomodo de produção orgânico de produtosagrícolas e a sua apresentação sobre os
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73Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
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produtos agrícolas e os alimentos".9Tramita na Câmara Federal o Projeto de
Lei n° 659, de 1999, de autoria do DeputadoMurilo Domingos, que "define sistema orgânicode produção agropecuária e produto daagricultura orgânica, dispõe sobre acertificação, e dá outras providências."
10A In-007 considera "produto daagricultura orgânica, seja in natura ouprocessado, todo aquele obtido em sistemaorgânico de produção agropecuária eindustrial". Este sistema de produção, por suavez, "abrange os denominados ecológico,biodinâmico, natural, sustentável,regenerativo, biológico, agroecológico epermacultura".
11O uso da expressão não representanenhuma ironia. Há, na verdade, limites parao seu credenciamento e à sua legitimidade.Alguns apresentados rapidamente a seguir.Pode se pensar, de fato, em uma certificaçãofeita por um organismo independente, comesta rede participativa funcionando como um
organismo de ligação. Ela assumiria, utilizandopráticas participativas, o papel efetivo deformação, assessoria, vistorias etc, junto aosagricul tores. Seus procedimentos seriamfiscal izados pelo certi f icador, que fará,também, um controle por amostragem juntoaos agricul tores. O s l imites deste art igoimpedem, no entanto, que estes pontos sejamaprofundados.
12Os cadernos de normas ou de encargossão os documentos que definem as "regras deprodução" ou as condições a seremrespeitadas, em todo a cadeia de produção,pelos membros de uma rede ou por aquelesque querem se beneficiar de um selo dequalidade. Eles definem, através de critérios,a prática. Ou seja, eles contêm o conjunto deprocedimentos, de insumos ou ingredientesque são exigidos ou proibidos, na produção,no manuseio, no beneficiamento, naembalagem, no transporte e nacomercial ização. Eles são o pr incipalinstrumento para o controle e a certificação.
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3673
74Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
Gonçalves, Reinaldo.
Globa liza çã o e des-na ciona liza çã o. São
Paulo: Paz e Terra,
1999.
Gonçalves, atra-
vés de um texto sim-
ples, consegue con-
duzir o leitor a uma
análise crítica em
relação a todo o processo de "globa-
lização" que vem fazendo do Brasil um dos des-
tinos do investimento realizado por grandes gru-
pos multinacionais. Segundo o autor, todo o
processo de liberalização e privatização que vem
ocorrendo no país faz com que a vulnerabilida-
de externa aumente a cada fusão ou aquisição
de empresas nacionais por grupos estrangei-
ros. Considerando o investimento externo dire-
to como todo o fluxo de capital estrangeiro des-
tinado a uma empresa (residente), sobre o qual
o estrangeiro (não-residente) exerce controle
sobre a tomada de decisão, pode-se observar
claramente o motivo que leva a desnacionaliza-
ção a aumentar a vulnerabilidade do país.
Analisando especificamente os mandatos do
Presidente FHC, o autor constata que num perí-
odo de três anos, 1996-1998, o Brasil aumen-
tou em 80% seu grau de desnacionalização.
A presença do capital estrangeiro no Brasil
pode ser identificada desde a época colonial, já
que a economia primário-exportadora era con-
trolada por empresas estrangeiras. O século XX
é também marcado pela influência dos investi-
mentos estrangeiros no Brasil. A partir da déca-
da de 20, as empresas internacionais tiveram
um papel importante na expansão e na diversi-
ficação da produção industrial brasileira, espe-
cialmente na infra-estrutura de transportes. En-
tre a Primeira Guerra e a Grande Depressão,
há uma grande expansão dos investimentos
americanos, que em poucas décadas ultrapas-
sam o montante de investimento inglês, até en-
tão predominante.
O início dos anos 40 marca a expansão e a
consolidação do capital americano como o ca-
pital estrangeiro hegemônico no país. No perí-
odo seguinte, até 1964, ocorre a industrializa-
ção brasileira através do processo de substitui-
ção de importações. O investimento externo tor-
nou-se mais crítico, ou seja, era selecionado atra-
vés de um aparato institucional que incentivava
a importação de bens de capital e tarifava a
importação de bens de consumo. Na década
de 70, os investimentos estrangeiros foram in-
centivados, para determinadas áreas o capital
externo era tratado da mesma forma que o ca-
pital nacional. Durante a década de 80, o autor
comenta uma certa renacionalização da indús-
tria brasileira. Entretanto, a partir de 1995, ocor-
re o mais amplo, profundo e rápido processo
de desnacionalização ocorrido na história do
país (amplamente elogiado pelo FMI).
Um dos exemplos mais marcantes deste pro-
cesso é o setor brasileiro de serviços. Até a dé-
cada de 90, não havia registro de empresas es-
trangeiras no setor de serviços de utilidade pú-
blica, atualmente são poucos os serviços que
ainda são controlados pelo Estado (inclusive
serviços estratégicos foram vendidos ao capital
estrangeiro). O resultado de todo esse proces-
so está quantificado nos fluxos de repatriação,
ou seja, no volume de dinheiro enviado pelas
filiais instaladas em solo brasileiro para as suas
matrizes nos respectivos países de origem, que
em 1995 e em 1997 ultrapassaram a marca de
US$ 1 bilhão pela primeira vez na história.
Os fatores principais que permitem a entra-
da do capital estrangeiro no país são a
desregulamentação, as novas condições mun-
diais de concorrência e o tamanho do mercado
potencial brasileiro. A mineração, o setor de
autopeças, de laticínios, de seguros, de super-
mercados, bem como o dos meios de comuni-
cação são os mais atingidos pelo processo de
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3674
75Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
desnacionalização. O setor bancário, cada vez
mais internacionalizado, foi influenciado ainda
pela situação macroeconômica, que extinguiu o
imposto inflacionário. Um dos poucos setores
que ainda tem barreiras à entrada do capital
estrangeiro é o da aviação.
Gonçalves foi um dos primeiros autores a cri-
ticar o processo de "globalização" e "liberaliza-
ção" por que tem passado o Brasil na década
de 90. A partir da leitura de Globalização e Des-
nacionalização, é possível compreender de for-
ma mais clara o mecanismo que o governo fe-
deral tem utilizado na desnacionalização do
capital brasileiro. Utilizando estatísticas recen-
tes, o autor atualiza o leitor e informa a gravi-
dade do problema da dependência e da vulne-
rabilidade no Brasil. Toda a estratégia econômi-
ca liberal implantada no país pelo governo FHC
não compromete apenas os resultados da pró-
xima eleição, compromete o futuro da democra-
cia e da sociedade brasileira enquanto condutora
do seu processo de desenvolvimento, afirma
Gonçalves.
Resenha elaborada por Daniela Dias da Silva, estagiá-ria do Programa de Cooperação Técnica entre
EMATER/RS e UFRGS - [email protected]
LEFF, Enrique. Saberambienta l : sustentabi-
l idad, racionalidad,
complejidad, poder. 2.
ed. México-DF: Siglo
Veintiuno Editores,
2000.
A obra Saber
Ambiental significa
um esforço de vincular
abertamente temas que de alguma maneira
tenham incidência sobre a questão ambiental,
transpondo fronteiras entre disciplinas e amar-
rando os elos de um conhecimento fragmenta-
do. Foge da comodidade disciplinar para exa-
minar os grandes movimentos que determinam
as relações entre sociedade e meio ambiente.
Diagnostica os processos sociais de apropria-
ção e uso dos recursos naturais e as conseqüên-
cias em termos de custos e benefícios sociais e
ambientais. O diagnóstico mostra também os
movimentos de contratendência, a gestação de
um novo conhecimento e a necessidade de uma
política e de uma pedagogia que o amparem.
O livro traça linhas mestras, princípios e méto-
dos que podem ser bases para esta nova forma
de conhecer e de relacionar-se com a natureza.
Para Leff, o saber ambiental é uma reflexão
sobre a construção social do mundo atual, "é a
confluência de processos físicos, biológicos e sim-
bólicos reconduzidos pela intervenção do homem_ da economia, da ciência e da tecnologia _ para
alcançar uma nova ordem geofísica, da vida e
da cultura". O saber ambiental é construído pela
percepção e a atuação sobre campos de conhe-
cimento híbridos, que mostram as continuidades
entre disciplinas e possibilitam operar a partir de
novos valores e de uma racionalidade mais am-
biental e menos instrumental.
O livro questiona a retórica do desenvolvi-
mento sustentável e a lógica da capitalização
dos recursos naturais, bem como a descaracte-
r ização cul tural . A crít ica sobre a
(ir)racionalidade ecológica do modelo neoliberal
passa pelas formulações da economia ecológi-
ca. O saber ambiental se forja também na bus-
ca da cidadania e nos movimentos sociais, que
nunca são somente sociais, mas freqüentemen-
te têm fundo ambiental. O saber ambiental
emergente é o que rege a nova racionalidade
ambiental. Nela devem estar embutidos os prin-
cípios de uma ética renovada, da participação,
da educação libertadora e da democracia.
O discurso do desenvolvimento sustentável
"inscreve as políticas ambientais aos ajustes da
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76Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
economia neoliberal para dar solução aos pro-
cessos de degradação ambiental", legitimando
assim as regras da economia de mercado. A ló-
gica ambiental neoliberal também subjuga cul-
turas, debilitando suas resistências. Desmante-
lam-se as formas tradicionais de manejo dos
recursos e a própria agricultura não mais é agri-
cultura, visto que perde seu sentido simbólico,
que é o cimento das relações materiais.
Desagregada a cultura, com a perda das raízes
e referências, a invasão cultural dominante abre
caminho para o estabelecimento de novas rela-
ções de propriedade e de trabalho.
Valores culturais estão freqüentemente asso-
ciados a formas específicas de apropriação e
manejo dos recursos da natureza. Por isso mes-
mo, movimentos indígenas e camponeses nos
países pobres têm surgido com uma plataforma
que combina a preservação dos valores cultu-
rais à reapropriação do patrimônio de seus re-
cursos naturais.
Refletindo categorias mais amplas da econo-
mia, Leff entra na discussão original sobre dívi-
da externa. Para ele há três tipos de dívidas: a
dívida financeira, seja assumida ou não, pagá-
vel ou não, negociável, refinanciável; a dívida
ecológica, não mensurável mas capaz de ser
revalorizada, internalizada, redistribuída; e a dí-
vida da razão, que abre caminho a uma
ressignificação e à construção de um desenvol-
vimento alternativo, fundado em uma nova ra-
cionalidade produtiva.
O conhecimento do autor sobre os conceitos
da termodinâmica permitem-no estabelecer vín-
culos entre os processo de crescimento econô-
mico e a entropia. A sustentabilidade "material"
do planeta não pode ser obtida por meio de
uma sustentabilidade frágil, de corte tecnológi-
co e amparado por medidas mitigadoras. Nes-
sa altura cabe a reflexão sobre as diferenças
conceituais, mas também de desdobramentos
práticos _ políticos, sociais e econômicos _, entre
a economia ambiental e a economia ecológica.
Uma temática muito recorrente no trabalho
de Enrique Leff é o da apropriação social dos
recursos naturais, sobre as formas de reconfi-
guração que o capital lhes imprime e, principal-
mente, sobre a questão dos movimentos para a
reapropriação popular da natureza. A distribui-
ção dos recursos é extremamente desigual e a
busca de uma justiça ambiental é o caminho in-
dicado pelo autor para resolver os conflitos ge-
rados pela concentração da propriedade dos
recursos naturais.
O saber ambiental desemboca no terreno da
educação "questionando os paradigmas esta-
belecidos e desvelando fontes e mananciais que
irrigam o novo conhecimento: os saberes indí-
genas, os saberes populares, os saberes pes-
soais". Uma pedagogia do saber ambiental
agrega estes saberes e lhes dá uma nova di-
mensão _ o saber popular já não apenas como
uma curiosidade antropológica, mas como cul-
tura viva, feita de tradição e moldada na reali-
dade do mundo moderno. A complexidade das
relações entre homem e natureza leva à obriga-
tória análise transdisciplinar. Para tanto, o sa-
ber ambiental passa pela sociologia do conhe-
cimento e pelo reconhecimento da necessidade
de trabalhar a consciência no desmonte da ló-
gica unitária do pensamento. O novo conheci-
mento ambiental coloca as bases para ações
práticas de educação ambiental e de mudança
rumo ao desenvolvimento sustentável. Leff apre-
senta esta mudança dentro de um movimento
de geração de novas utopias, sendo o próprio
saber ambiental a fonte que a impulsiona.
Ao final, o autor também desenvolve outras
reflexões que completam e ilustram seus argu-
mentos sobre o saber ambiental, tais como a
relação entre demografia e meio ambiente, tec-
nologia, saúde e qualidade de vida.
Enrique Leff é um autor vastamente reconhe-
cido e merece maior divulgação em nosso país.
A obra Saber Ambiental é uma recompilação de
materiais _ notas, palestras e escritos _ elabora-
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3676
77Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
dos ao longo de dez anos. Mais que isso, a obra
é produto de textos retrabalhados, onde o mé-
todo e a cosmovisão do autor orientam os ar-
gumentos e organizam a compreensão sobre
as relações socioambientais no mundo contem-
porâneo.
Resenha preparada por João Carlos Canuto - FEPAGRO - e-mail: [email protected]
Caporal, Francisco
Roberto; La extensiónagrária del sector pú-b l ico a nte los
desa fíos del desar-rollo sostenible : el
caso de Rio Grande
do Sul, Brasil (Una
aproximación histó-
r ico-crít ica a la
extensionismo rural y
contribuciones para el paso del para-
digma dominante). Córdoba, 1998. 516 p. Tese
de (Doutorado). Programa de Doutorado em
Agroecologia, Campesinato e História, ISEC -
ETSIAM, Universidade de Córdoba, Espanha,
1998.
"... la actividad extensionista, ...,de hecho es
un conjunto
de campos interdiscipl inario que, en la
práctica cotidiana de los agentes,
se muestra en toda su complejidad y totalidad,
absolutamente indivisible, cuyos distintos ele-
mentos influyen unos sobre los otros".
(Francisco Caporal)
Nas mais diversas áreas do conhecimento,
fala-se numa mudança de paradigmas, entre-
tanto qual é o papel do extensionista dentro
dessa nova visão de mundo que vem se forman-
do? Como esse processo está ocorrendo no ser-
viço de extensão rural?
Essas e muitas outras questões são tratadas
por Caporal na sua tese de doutoramento. O
autor aborda de forma extremamente clara todo
o processo histórico da extensão rural no mun-
do, no Brasil e no Rio Grande do Sul, procuran-
do em seguida debater a história da ocupação
territorial sulista e como foi e tem sido conduzi-
do o processo social responsável pelo aumento
da qualidade de vida no campo.
A partir do conhecimento da realidade his-
tórica estadual, Caporal procura analisar a ex-
tensão rural gaúcha e suas perspectivas num
novo paradigma de produção rural baseada no
desenvolvimento sustentável. As hipóteses dis-
cutidas pelo autor são as seguintes:
1ª) A extensão rural da esfera pública res-
ponde a dois elementos, às vezes contraditórios:
é utilizada como instrumento de política do Esta-
do e deve escutar as demandas dos distintos se-
tores da sociedade com os quais se relaciona.
2ª) Ao longo do tempo, não se pode obser-
var uma política estatal clara capaz de afirmar
que o Estado esteve empenhado na busca do
desenvolvimento rural e da agricultura susten-
tável. Em geral, os discursos das instituições pú-
blicas não se expressam em forma de políticas e
programas orientados ao longo de tal desen-
volvimento.
3ª) O Estado, atualmente, através das suas
instituições, deixa claro um discurso ecológico
no qual se inclui a perspectiva do desenvolvi-
mento rural sustentável, o que permite ampliar
o leque da ação extensionista.
4ª) Os clientes da extensão apresentam de-
mandas divergentes e nem sempre relaciona-
das com o desenvolvimento sustentável. As de-
mandas têm a ver com as diferentes realidades
dos agricultores, assim como com seus proble-
mas imediatos.
5ª) As idéias das representações dos agri-
cultores sobre a extensão rural e as percepções
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3677
78Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
das instituições públicas relacionadas a ela são
muito distintas.
As hipóteses citadas são confirmadas a par-
tir do trabalho de entrevistas realizado pelo au-
tor. Entretanto, é importante salientar a
constatação de que a clientela quando solicita-
da procurou sempre sugerir alguma ação no
sentido da aperfeiçoar o serviço de extensão (o
que significa claramente a necessidade de uma
maior participação da clientela no processo de
atuação da extensão rural).
Cada um dos aspectos envolvidos no pro-
cesso de extensão é discutido de acordo com a
prática "difusionista" tradicional e também com
a nova concepção de formação do profissional
da "extensão rural agroecológica".
Segundo o autor, a Extensão Rural Agroeco-
lógica "é um processo de intervenção de caráter
educativo e transformador, baseado em meto-
dologias de investigação-ação participativas que
permitam o desenvolvimento de uma prática so-
cial em que os sujeitos do processo buscam a
construção e sistematização de conhecimento
que os leve a atuar conscientemente na realida-
de, com o objetivo de alcançar um modelo de
desenvolvimento socialmente equitativo e ambi-
entalmente sustentável, adotando princípios te-
óricos da Agroecologia como critério para o de-
senvolvimento e seleção das soluções mais ade-
quadas e compatíveis com as condições especí-
ficas de cada agrossistema e do sistema cultu-
ral das pessoas responsáveis pelo seu manejo".
A discussão sobre a necessidade de um novo
padrão de serviço público de extensão rural con-
segue, no trabalho, abranger muito mais do que
a simples dicotomia entre um serviço sob total
responsabilidade do Estado ou controlado pela
iniciativa privada. Uma das questões principais
do trabalho é o "repensar" sobre a função insti-
tucional do agente extensionista
A tese de Francisco Caporal, brevemente dis-
cutida neste espaço, encontra-se a disposição
dos colegas na Biblioteca da EMATER/ RS no 2°
andar do escritório central. A contribuição dada
nesta obra é essencial aos interessados em co-
nhecer mais sobre o processo histórico-social da
formação dos extensionistas rurais (especialmente
os gaúchos), bem como discutir qual o papel da
extensão em relação ao futuro da produção agrí-
cola. Os extensionistas têm agora uma nova mis-
são: promover e difundir tecnologias de produ-
ção agrícola mais sustentáveis para os agriculto-
res e, dentro desse processo, estar sempre ensi-
nando e aprendendo com aqueles que também
acreditam em um mundo menos excludente.
Resenha elaborada por Daniela Dias da Silva, estagiá-ria do Programa de Cooperação Técnica entre EMA-
TER e UFRGS - [email protected]
CO LBO RN, T.;
DUMANO SKI, D. e
MYERS, J.P.: O futuroroubado . Porto Ale-
gre: L & PM, 1997.
354 p.
Traduzido do
original Our Stolen
Future, editado
em 1996, o livro é
apresentado como "uma con-
tinuação aprofundada e atualizada" da obra
de Rachel Carson, intitulada Primavera Silenciosa
(1962). Se trata de uma obra instigante, cujo con-
teúdo, extremamente preocupante, deveria ser do
conhecimento de tantos quantos estejam ocupa-
dos de salvar o planeta e a humanidade das atro-
cidades que a sociedade dita moderna tem provo-
cado em nome do progresso.
Aqueles que não tivemos acesso ao alerta de
1962, pelo menos naquela época, agora temos a
possibilidade de atualizar nossos conhecimentos
sobre os impactos sobre a saúde do homem, dos
agroecomar01.p65 19/06/01, 16:3678
79Agroecol.e Desenv.Rur.Sustent.,Porto Alegre, v.2, n.1, jan./mar.2001
animais e de todas as formas de vida existentes
sobre a terra, que vêm sendo causados por pro-
dutos criados pela "inteligência" humana e res-
paldados na ciência e tecnologia convencionais.
O livro começa com um capítulo em que são
relatados casos empíricos em que as alterações
em hábitos e mesmo a ocorrência de epidemias
e mortandade de animais passaram a constituir
evidências de que estávamos diante de efeitos
tóxicos de diferentes produtos químicos de sín-
tese.
Na seqüência, os autores trazem um conjunto
de informações científicas que vão desvendan-
do, pouco a pouco, a relação de produtos quí-
micos sintéticos com a ocorrência de alterações
hormonais em homens e animais, diretamente
responsáveis por problemas sexuais, reproduti-
vos, imunossupressão tumores etc. E o pior, tais
efeitos nocivos aparecendo em adultos e jovens
indicavam que tais produtos também funcionam
como "venenos hereditários".
Os autores mostram que os agentes quími-
cos sintéticos são capazes de alterar as "mensa-
gens" químicas enviadas pelas glândulas endó-
crinas, modificando as "ordens" dadas por es-
tes sistemas, o que evidenciam, especialmente,
mediante estudos sobre alterações sexuais. Eles
mostram também que agentes químicos sintéti-
cos podem funcionar como hormônios, desta-
cando os efeitos nocivos causados a bebês no
conhecido caso da talidomida, "que acabou
como mito da inviolabilidade do útero". Os efei-
tos do DES também foram associados a outros
problemas congênitos, como a criptorquidia.
Igualmente, anunciam evidências relacionadas
com a ocorrência de espermatozóides anormais
e em menor número, testículos poucos desen-
volvidos, pênis atrofiados etc.
Para evidenciar a demora na identificação de
externalidades negativas e não controladas, oca-
sionadas por muito produtos característicos dos
"avanços científicos", os autores informam que
foi somente em meados da década de 70 que
ficou evidenciado o efeito hormonal de produ-
tos como o DDT, que chegou a ser considerado
"o pesticida milagroso". Alguns efeitos nocivos
destes produtos são apresentados, em maior
detalhe, a partir do quinto capítulo, destacan-
do a possibi l idade do DDT agir como um
estrógeno.
Além do DDT, os autores afirmam que cerca
de 51 químicos sintéticos podem alterar, de al-
guma forma, o sistema endócrino. Entre eles,
são destacados os PCBs, as dioxinas e os
furanos, todos produtos presentes no nosso
cotidiano ou espalhados no meio ambiente de
forma incontrolada. Ademais, os autores rela-
tam experimentos com fungicidas como o
vinelozolin e derivados da pirimidina, o primeiro
atuando como "mimetizador", que toma o lugar
do hormônio sem gerar a "resposta biológica"
ocasionada pela testosterona, enquanto que o
segundo grupo funciona inibindo a capacidade
de produção de hormônios esteróides, evitan-
do a remessa das mensagens.
Mas os autores mostram, também, a inca-
pacidade da ciência e da tecnologia atual para
"controlar" a dispersão destes produtos nocivos,
por todos os lugares e por todo o planeta. Fa-
lam sobre os múltiplos usos dos PCBs no mun-
do "moderno" e seus comprovados efeitos per-
versos ao meio ambiente, aos homens e aos
animais.
No capítulo 7, os autores desmistificam a re-
tórica da "dose diária aceitável", quando o as-
sunto é alteração hormonal, examinando com
detalhes o caso das dioxinas e seus mais de 70
"agentes químicos problemáticos". Lembram o
caso de Seveso que, entre outros, passou a ser
emblemático na luta contra os produtos clorados
persistentes, e nos recordam sobre o uso do
herbicida 2, 4, 5-T na Guerra do Vietnã, relacio-
nado a evidências de câncer e outros males, in-
clusive, seus efeitos hereditários.
Como estas, o livro traz muitas outras reve-
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lações de igual importância e interesse para a
sociedade em geral, o que nos alerta para o
fato de que o avanço da ciência e da tecnologia
não é algo por si só benéfico, senão que pode
estar significando impactos incontrolados e
incontroláveis _ muitas vezes desconhecidos _
sobre o homem e o meio ambiente.
Como assinalava Rachel Carson, na década
dos 60, "estamos expondo populações inteiras
a agentes químicos que, em muitos casos, têm
efeitos cumulativos. Atualmente, este tipo de ex-
posição começa a acontecer tanto antes como
durante o nascimento. N inguém sabe ainda
quais serão os resultados deste experimento, já
que não há nenhum paralelo anterior que pos-
sa nos guiar."
Agora, diante do debate sobre a introdução
ou não de cultivos e produtos transgênicos em
nosso meio, a leitura deste livro pode ser decisi-
va para quem deseja se esclarecer sobre os ris-
cos escondidos em muitos chamados "avanços
científicos", que com o passar do tempo vão se
mostrar um pesadelo para o homem e o meio
ambiente, como se mostraram ser o DDT, os
CFCs, os PCBs, as dioxinas, os furanos e tantos
outros inimigos da vida sobre a terra.
Resenha elaborada por Francisco Roberto Caporal.Engenheiro Agrônomo da EMATER/RS -
TEÓFILO, Edson (org).
Distribuição de rique-za e crescimento eco-nômico - Estudos
NEAD, v. 2. Brasília:
Ministério do Desen-
volvimento Agrário,
2000, 200 p.
O documento é
composto por seis
artigos, que refletem conteúdos trabalhados no
Seminário Internacional sobre Distribuição de
Riqueza, Pobreza e Crescimento Econômico. As
análises são assinadas por J. STIGLITZ (econo-
mista chefe do Banco Mundial), K. HOFF (eco-
nomista, titular da Universidade de Maryland e
sênior do BIRD), N. BIRSALL (vice-presidente do
Banco Interamericano de Desenvolvimento), M.
LUNDBERG e L. SQUIRE (respectivamente, con-
sultor do Gabinete do Economista-Chefe e vice-
presidente sênior de Economia do BID, e diretor
do The Global Development Netword), V. TANZI
(diretor do Departamento de Assuntos Fiscais
do FMI) E J. E. da VEIJA (titular do Departamen-
to de Economia da USP). As diferentes aborda-
gens são coerentes e, dada a inserção profissi-
onal e autoridade dos analistas, possuem enor-
me relevância. Num esforço de síntese, que se-
guramente não reproduz a clareza das exposi-
ções e oculta a farta documentação em que se
apoiam as análises, é possível afirmar que o
documento sustenta as seguintes conclusões:
1. Contrariamente ao que afirmam as políti-
cas neoliberais, que recomendam sucessivas
privatizações na busca de um Estado mínimo,
os Governos possuem importância e responsa-
bilidade estratégia, devendo exercer papel ativo
na elaboração e execução de políticas públicas
voltadas à ampliação de oportunidades econô-
micas para as camadas mais pobres. Para tan-
to, devem implementar reformas estruturais e
institucionais de ataque à pobreza que viabilizem
a participação produtiva e organizada dos po-
bres nas economias nacionais. Estas reformas
devem incluir o fortalecimento de instituições da
sociedade civil e o controle social do Estado.
2. Opostamente às premissas do pensamen-
to econômico tradicional é na distribuição e não
na concentração de riquezas e bens que devem
ser buscadas formas eficientes para o desen-
volvimento das sociedades. Modelos economé-
tricos aplicados a vários países demostram que
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a Reforma Agrária é fundamental para a modi-
ficação nas matrizes de distribuição de renda,
devendo ser interpretada e implementada como
instrumento capaz de viabilizar o crescimento
econômico sustentável. Neste sentido, e contra-
riamente a posições assumidas por analistas
renomados, a Reforma Agrária constitui peça
fundamental para a retomada do desenvolvi-
mento econômico, não carecendo de seus efei-
tos sociais positivos para ser legitimada.
3. É equivocada a hipótese de que os pro-
gramas sociais devem ser separados dos eco-
nômicos, dos quais seriam decorrentes. Ao con-
trário, o crescimento econômico revela-se depen-
dente de articulações das forças sociais, cuja
dinamização responde diretamente ao alarga-
mento das oportunidades de acesso dos pobres
à educação e à terra. Nesse sentido, reformas
estruturais que garantam estas possibilidades
são instrumentos insubstituíveis para a forma-
ção do capital social e devem constituir priori-
dade nacional em todos os países com fortes
desigualdades econômicas e sociais.
4. Contrariamente a teses tradicionais, de
que agricultura empresarial é mais eficiente e
pode responder adequadamente às demandas
da sociedade moderna, o que se observa é que
a agricultura familiar possui potencial de desen-
volvimento superior. Neste sentido, embora ig-
norada pelos formuladores de políticas públi-
cas, constitui um dos trunfos de países como o
Brasil, em vista da crescente globalização dos
mercados internacionais.
Surpreendentes, tanto em vista de sua
contundência como das culturas institucionais
de seus autores, os artigos originais reforçam a
linha editorial adotada pela Revista Agroecolo-
gia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Assim,
pela atualidade, densidade e importância dos
seus conteúdos, recomendamos, enfaticamen-
te, a leitura da obra aqui resenhada.
Resenha elaborada pelo chefe da Divisão de Planeja-mento da EMATER/RS, agrônomo LeonardoMelgarejo. E-mail: [email protected]
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1. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é umapublicação da EMATER/RS, destinada à divulgação detrabalhos de agricultores, extensionistas, professores,pesquisadores e outros profissionais dedicados aos temascentrais de interesse da Revista.
2. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é umperiódico de publicação trimestral que tem como públicoreferencial todas aquelas pessoas que estão empenhadasna construção da Agricultura e do Desenvolvimento RuralSustentáveis.
3. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentávelpublica artigos científicos, resultados de pesquisa, estudosde caso, resenhas de teses e livros, assim como experiênciase relatos de trabalhos orientados pelos princípios daAgroecologia. Além disso, aceita artigos com enfoquesteóricos e/ou práticos nos campos do DesenvolvimentoRural Sustentável e da Agricultura Sustentável, estaentendida como toda a forma ou estilo de agricultura debase ecológica, independentemente da orientação teóricasobre a qual se assenta. Como não poderia deixar de ser,a Revista dedica especial interesse à Agricultura Familiar,que constitui o público exclusivo da Extensão Rural gaúcha.Neste sentido, são aceitos para publicação artigos e textosque tratem teoricamente este tema e/ou abordem estratégiase práticas que promovam o fortalecimento da AgriculturaFamiliar.
4. Os artigos e textos devem ser enviados em papel e emdisquete à Biblioteca da EMATER/RS (A/C MariléaFabião Borralho, Rua Botafogo, 1051 – Bairro MeninoDeus – CEP 90150-053 – Porto Alegre – RS) ou porcorreio eletrônico (para [email protected]) até oúltimo dia dos meses de março, junho, setembro e dezembrode cada ano. Ademais, devem ser acompanhados de cartaautorizando sua publicação na Revista Agroecologia eDesenvolvimento Rural Sustentável , devendo constar oendereço completo do autor.
5. Serão aceitos para publicação textos escritos em Portuguêsou Espanhol, assim como tradução de textos para estesidiomas. Salienta-se que, no caso das traduções, deve sermencionado de forma explícita, em pé de página, “Traduçãoautorizada e revisada pelo autor” ou “Tradução autorizadae não revisada pelo autor”, conforme for o caso.
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centrados em temas da atualidade e contemporâneos aodebate e ao “estado da arte” do campo de estudo a quese refere. Assim mesmo, terão prioridade os textosencomendados pela Revista.
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10. As referências bibliográficas devem ser reunidas no fim dotexto, na Bibliografia, seguindo as normas da ABNT (NBR6023/2000).
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sobrenome(s), acompanhado(s) de nota de rodapéonde conste: profissão, titulação, atividadeprofissional, local de trabalho, endereço e E-mail.
c) Resumo: no máximo em 10 linhas.d) Corpo do trabalho: deve contemplar, no mínimo,
4 (quatro) tópicos, a saber: introdução,desenvolvimento, conclusões e bibliografia. Poderãoainda constar listas de quadros, tabelas e figuras,relação de abreviaturas e outros itens julgadosimportantes para o melhor entendimento do texto.
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