RESUMO o que é Dialética
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Resumo do Livro “O que é Dialética”
1. As Origens da Dialética
Segundo o autor, a palavra dialética, para os gregos, significava a arte do
diálogo, a arte de demonstrar uma tese por meio da retórica, ou seja, mediante a
argumentação.
Por outro lado, na modernidade, a Dialética passa a ter um sentido diverso
daquele adotado pelos gregos. A dialética na modernidade constitui-se de observação
das contradições da realidade, bem como a forma pela qual se assimila a realidade
como de natureza fundamentalmente contraditória e mutável, uma vez que sofre
constantes transformações.
Desse modo, pode-se afirmar que em tudo há movimento; não há inércia no
mundo; e, dessa forma, a Dialética corresponde a permanente instabilidade do ser.
Logo, esse ser encontra-se em constante transformação. Nesse desiderato, a Dialética
nada mais é do que o estudo do lado dinâmico(movimento/transformação) e
inconstante da realidade, é aquilo que vê o real como um processo em constante
transformação, e não como um fato dado, imutável e imediato.
Influenciados pelo pensamento de Aristóteles, que acreditava que todas as
coisas possuem movimento, seja ele mecânico, quantitativo, qualitativo ou nascente,
os filósofos não abandonaram o estudo do lado dinâmico e inconstante da realidade.
Essa ideia trazida pelo Aristóteles é chamada de Teoria do ato e potência: o
movimento das coisas são potências que estão se atualizando. Muito embora o
pensamento aristotélico tenha influenciado no conceito de dialética que existe hoje,
Aristóteles reduzia a dialética à Teoria do ato e potência, do movimento dos objetos,
das coisas.
Apenas os Filósofos recentes identificaram na teoria de Aristóteles uma
primeira grande construção teórica dialética moderna, pode trazer-se como exemplo
dessa mutabilidade a frase dita por Heráclito de que “o homem não se banha duas
vezes no mesmo rio”, deixando cristalina a ideia de que a realidade é dinâmica. Esse
exemplo traduz o que é dialética no sentido moderno da palavra.
O estudo do movimento das coisas é enterrado na Idade Média e, portanto,
pela filosofia medieval na medida em que o início e fim último das coisas era Deus, um
ser imutável. Temos aí uma realidade dada e posta por um ser único, permanente e
sobrenatural que controla o mundo material, e cujo pensamento se dá pela revelação,
pela fé e não pela investigação, pela observação ou pelo exame criterioso e racional
dos fenômenos.
O estudo do lado dinâmico dos fenômenos reaparece com o renascimento,
com a retomada da cultura greco-romana pelos europeus ocidentais, mais
precisamente àqueles ligados às cidades italianas em ascensão como Gênova e
Veneza, que controlavam as rotas de comércio pelo Mar Mediterrâneo, havendo aí
uma grande circulação e troca entre diferentes culturas e povos.
Sustenta o autor que, no renascimento, quem ajuda a reavivar o estudo do movimento
das coisas ou fenômenos (a dialética) é o matemático Pascal (1623-1654) e o filósofo
Giambattista Vico (1680-1744). Pascal reconheceu no ser humano um caráter instável,
dinâmico e contraditório. Já Vico sustentava, por um lado, que o homem não podia
conhecer a natureza porque fora feita por Deus e só Ele poderia conhecê-la como e
enquanto tal (apesar de Francis Bacon e René Descartes afirmarem o contrário), mas
por outro lado, afirmava que o homem poderia conhecer a sua própria história “já que
a realidade histórica é obra humana” (p. 14), é criada por homens e não por Deus.
Esse avanço no conhecimento é um reflexo da visão antropocêntrica adjacente ao
período renascentista que perpassa os séculos XV e XVI, entretanto, apesar da
predominância de uma visão antropocêntrica marcada pelo retorno aos clássicos,
pelos avanços na filosofia, na ciência e enfim, no conhecimento da realidade, os
pensadores dos séculos XVI e XVII viviam e pensavam numa situação de certo
isolamento em relação à dinâmica social, em relação aos movimentos políticos e
econômicos da época. A visão que tinham da história ainda não era aquela de
processo transformador da condição humana e das estruturas sociais. Um breve
amadurecimento dessa concepção só ocorre no século XVIII, com o advento do
movimento iluminista.
O amadurecimento do processo histórico que resultou na Revolução Francesa criou
condições que permitiram aos filósofos e demais pensadores um estreitamento e uma
compreensão mais concreta da dinâmica das transformações sociais. Os iluministas
acompanharam de perto os movimentos sociais do século XVIII, sendo aí
influenciados. No entanto, estes iluministas, apesar de mais próximos dos movimentos
sociais, das lutas políticas e econômicas, da realidade em constante transformação,
não trouxeram muitas contribuições ao avanço da dialética, uma vez que reduziam a
idéia de processo, de transformação social à idéia de progresso, no qual tudo era
controlado pela razão, um agente universal e imutável, um ser em-si mesmo e não
passível de transformação. Eles não refletiram sobre as contradições internas da
realidade histórica. Entretanto, um deles se salva: é Denis Diderot (1713-1784). Este,
por sua vez, afirmou que:
o indivíduo era condicionado por um movimento mais amplo, pelas mudanças da
sociedade em que vivia /.../. Se mudarem o todo, necessariamente eu também serei
modificado. O todo está sempre mudando. Todos os seres circulam um nos outros.
Tudo é um fluxo perpétuo. A vida é uma sucessão de ações e reações. Nascer, viver e
passar é mudar de formas (p. 36-37).
Ao lado de Diderot, quem deu maior contribuição à dialética na segunda metade do
século XVIII foi Jean J. Rousseau (1712-1778). Ao contrário dos iluministas, Rousseau
não confiava na razão humana, confiava mais na natureza deste, chegando a afirmar
em uma de suas maiores obras que “o homem nasce bom, a sociedade o corrompe”.
Observando a estrutura da sociedade do seu tempo, percebeu Rousseau inúmeras
contradições, inúmeros conflitos de interesses entre os indivíduos. Rousseau sabia
que mudanças sociais profundas, realizadas por sujeitos históricos (os homens) não
costumam ser tranqüilas.
2. O TRABALHO
O filósofo iluminista alemão Immanuel Kant (1724-1804) percebeu que a consciência
humana não se limitava a registrar passivamente impressões provenientes dos
sentidos, do mundo exterior. Ela (a consciência humana) é sempre consciência de um
ser que interfere ativamente na realidade e isso interfere no processo de
conhecimento humano. Sustentou por isso que toda filosofia anterior (à ele) era
ingênua ao interpretar a realidade sem antes ter resolvido uma prévia questão: o que é
o conhecimento e como é possível conhecer? Nesse sentido, descobriu Kant que na
própria razão pura (antes da experiência) já existiam contradições (as chamadas
atinomias da razão, esboçadas em A Crítica da Razão Pura).
Já o também filósofo alemão Georg W. F. Hegel (1770-1831) concordava com Kant ao
reconhecer que o sujeito humano é essencialmente ativo e está sempre interferindo na
realidade. Mas superou Kant ao demonstrar que a contradição não era apenas uma
dimensão da consciência (e na consciência) do sujeito, mas um princípio básico que
não podia ser suprimido nem da consciência do sujeito nem da realidade objetiva.
Portanto, sustentava Hegel que a questão central da filosofia não era o conhecimento,
mas o ser, responsável por tal conhecimento.
Hegel descobriu, observando a realidade concreta (a história) em que vivia, que o
homem transforma ativamente a realidade, mas quem impõe o ritmo e as condições
dessa transformação ao sujeito é a realidade objetiva. Avaliando de maneira realista e
objetiva as possibilidades do sujeito humano, Hegel procurou estudar/observar seus
movimentos no plano objetivo, das atividades políticas e econômicas. Fez uma
profunda reflexão sobre a Revolução Francesa e a Industrial Inglesa percebendo aí
que o trabalho (a atividade humana transformadora do meio, de si mesmo e da
realidade) é a mola que impulsiona o desenvolvimento humano. É no trabalho que o
homem se produz, que se realiza enquanto homem, que faz história. O trabalho é o
núcleo ou o centro a partir do qual podem ser compreendidas as formas complicadas
da realidade. Foi por meio do trabalho que o homem desprendeu-se da natureza e
pôde, a partir de então, contrapor-se a ela e fazer-se sujeito ao mundo e em um
mundo de objetos materiais, produzidos pelo trabalho. Foi pelo trabalho que o homem
deixou de ser um ser natural, tornando-se um ser social. Foi por meio do trabalho que
o homem começou a fazer sua história. A história humana é a história do trabalho, de
suas relações, condições, limites e possibilidades.
O homem não deixa de ser um ente natural, mas agora, por meio do trabalho, não
pertence inteiramente a ela. Ele depende da natureza para sobreviver, mas tem sua
liberdade em relação a ela, liberdade que foi conquistada por meio do trabalho. Com o
trabalho, não é mais a natureza que impera os homens, mas os homens quem
imperam a natureza. O homem conquista certa autonomia (liberdade) diante da
natureza. O trabalho é ato de criação, de transformação da realidade, pois transforma
tanto a natureza como o próprio homem. É através do trabalho que o homem modifica
a realidade e faz dela um processo, que o homem passa a viver em sociedade, que
passa a ter consciência de sua atividade, de sua historicidade.
2.1. A superação dialética hegeliana
Trabalho é o conceito-chave para compreendermos o sentido de superação dialética
em Hegel. Superação, para Hegel, vem da palavra alemã Alfheben que designa um
triplica significação:
1. negar, anular ou cancelar;
2. conservar ou proteger;
3. elevar ou superar (elevar qualitativamente a um nível superior).
Hegel emprega a palavra superação (alfheben) nos 3 sentidos simultaneamente, pois,
para ele, a superação é, ao mesmo tempo, a negação, conservação e
superação/elevação de algo essencial que existe nessa realidade negada elevada a
um nível superior.
Isso fica claro se tomarmos o exemplo da ação transformadora do trabalho humano.
Tomemos como exemplo uma canoa. A matéria-bruta da canoa (a árvore ou a
madeira da árvore) é negada (ou seja, a sua forma de árvore), mas ao mesmo tempo
é conservada sua essência (a madeira, a propriedade da árvore) que assume uma
nova forma, modificada, transformada, correspondente aos objetos humanos (a
canoa). Assim, a madeira sai de uma condição considerada inferiorizada (árvore) e é
elevada a um nível superior (a canoa), conservando-se suas propriedades mais
elementares para esta elevação (a madeira); deixando assim, a madeira, de ser parte
da natureza, sendo agora parte da humanidade. De uma planta ela vira um meio de
transporte[2].
Apesar das importantes observações de Hegel para o estudo dialético, possuía ele
suas limitações, uma vez que era um filósofo idealista, ou seja, subordinava todo
movimento da realidade material (até o trabalho) à lógica de uma idéia universal e
imutável: a Idéia Absoluta, responsável pela criação do mundo, dos homens, de tudo e
de todos.
Já o também alemão Karl Marx (1818-1883) superou dialeticamente as afirmações
hegelianas negando seu idealismo, conservando o sentido de trabalho como ato
transformador e refletindo sobre bases materiais e não ideais. Marx concordou com
Hegel em relação ao fato de que o trabalho é a mola propulsora do desenvolvimento
humano, mas rebateu Hegel por considerar apenas o trabalho intelectual como
promotor das coisas e do mundo, desqualificando o trabalho físico-material.
3. A ALIENAÇÃO
Para Marx, o trabalho é a atividade pela qual o homem relaciona-se com a natureza,
domina-a, transforma-a, bem como a si mesmo na medida em que os homens
dependem dela para sobreviverem e fazem dela seu meio de existência. Para Marx,
ao relacionar-se com a natureza na, em e pela busca de meios necessários à sua
sobrevivência, os homens vêem-se obrigados e relacionarem-se uns com os outros,
constituindo-se em sociedade, transformando-se em seres sociais. Portanto, o
trabalho, para Marx, é a constituição e a realização de um ser: o ser social. Mas,
então, como o trabalho, de realização, de atividade transformadora do homem, de
humanização do mesmo, passa a ser sofrimento? Segundo KONDER, há duas causas
para isso:
1. A divisão social do trabalho, que engendra a apropriação privada dos meios de
produção e do produto do trabalho, que também engendra ou dá origem a classes
sociais antagônicas: de um lado uma que produz riquezas e de outra uma que se
apropria dessas riquezas e dos meios para fabricação dessas riquezas;
2. O estranhamento. As condições criadas pela divisão do trabalho e pela propriedade
privada dos meios de produção de riquezas materiais introduziram um estranhamento
entre o trabalhador e o trabalho, na medida em que o produto do trabalho, antes
mesmo de se realizar, pertence à outra pessoa que não o trabalhador. Por isso, o
trabalhador não se realiza ou não se reconhece no produto de seu trabalho, porque o
produto daquilo que ele produziu, não é seu desde o início, tornando-se (o produto do
trabalho) uma “coisa”, algo estranho a ele que trabalha.
Segundo o autor, o agravamento da alienação do trabalho sob o capitalismo não afeta
apenas os operários (os trabalhadores), mas também os capitalistas. A mesma busca
desenfreada pelo lucro por meio da exploração da força de trabalho alheia também o
leva a tirar vantagens sobre outros capitalistas, ocasião em que um capitalista, nesta
busca desenfreada pelo lucro, torna-se hostil e estranho frente a outro capitalista.
4. A TOTALIDADE
A verdade é o todo. Afirma KONDER que a realidade é mais rica do que o
conhecimento que temos dela. Há sempre algo que escapa à nossa análise, à nossa
observação, à nossa síntese.
A síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir os aspectos da
realidade, que segundo ele são múltiplos. É essa multiplicidade do real, proporcionado
pela visão do todo (do conjunto) que chamamos totalidade. A totalidade é a unidade
do diverso.
Segundo o autor, para captar a dialeticidade do todo é preciso reconhecer primeiro
que o todo é composto de múltiplas partes que interligam-se e influenciam-se entre si.
O todo (a totalidade) não é simplesmente a soma das partes, mas o processo de inter-
relação entre elas num movimento constante ou permanente de inter-relação entre as
partes. É preciso reconhecer ainda que o todo só se transforma, só se modifica após
um acúmulo de mudanças nas partes que o compõem.
A modificação do todo só se realiza, de fato, após um acúmulo de mudanças nas
partes que o compõem. Processam-se alterações setoriais, quantitativas, até que se
alcança um ponto crítico que assinala a transformação qualitativa da totalidade. É a lei
dialética da transformação da quantidade em qualidade. /.../ a modificação do todo é
mais complicada que a modificação de cada um dos elementos que o integram. E
devemos sublinhar outra coisa: cada totalidade tem sua maneira diferente de mudar;
as condições da mudança variam, dependendo do caráter da totalidade e do processo
específico do qual ela é um momento (p. 39-40).
Economia, política, direito, religião, arte, filosofia, etc., aspectos e esferas sociais são
elementos de uma mesma realidade, de uma mesma totalidade (a sociedade). Uma
esfera do real pode sofrer profundas modificações sem alterar profundamente a outra.
É o caso da ditadura militar: altera-se o regime político de forma abrupta, mas a
economia sofre ligeiras modificações, pois ainda há permanência de um modo de
produção, de um todo mesmo debaixo de outro regime político.
Em suma, a totalidade é síntese de múltiplas determinações; é o inter-relacionamento
das partes que constituem um ou o todo, no qual estas partes modificam e são
modificadas simultaneamente.
5. CONTRADIÇÃO E MEDIAÇÃO: aparência e essência
A concepção de Marx, segundo a qual o conhecimento não é um ato e sim um
processo, desenvolveu-se em polêmica contra a concepção irracionalista. Os
irracionalistas consideram a intuição um instrumento privilegiado do conhecimento
humano; para eles, o que é “sacado” intuitivamente já possui valor de verdade, de
modo que não existe nenhum motivo para nós trilharmos o trabalhoso caminho
indicado por Marx: a impressão genérica obtida no ponto de partida já nos basta. O
irracionalismo desestimula o ser humano a realizar o paciente esforço de ir além da
aparência, em busca da essência dos fenômenos (p. 45).
A dialética é muito mais exigente do que o irracionalismo. Para reconhecer a totalidade
em que a realidade está efetivamente articulada (em vez de inventar totalidades e
procurar enquadrar nelas a realidade), o pensamento dialético é obrigado a identificar,
com esforço, gradualmente, as contradições concretas e as mediações específicas
que constituem o “tecido” de cada totalidade /.../.
Os irracionalistas, implicitamente, dispensam-nos desse esforço. Quem achar que já
“sacou” intuitivamente o todo não precisará examinar cuidadosamente as partes. Mas
também não terá uma compreensão clara das conexões e conflitos internos e ficará
com uma totalidade um tanto nebulosa (p. 46).
5.1. A mediação
/.../ para nós podermos ir além das aparências e penetrar na essência dos fenômenos,
precisamos realizar operações de síntese e de análise que esclareçam não só a
dimensão imediata como também, e sobretudo, a dimensão mediata delas (p. 47).
Ou seja, ao contrário do empirismo, que reduz à verdade os dados dos sentidos,
fenômenos captados empiricamente e sem análise, a dialética não capta a dimensão
imediata e aparente dos fenômenos, mas através dessa aparência, dessa empiria (ou
seja, sem descarta-la) analisa suas interconexões com a totalidade, observando aí
suas mediações. Tomemos este livro como exemplo. Ele é uma realidade imediata, ou
seja, algo dado, visível e palpável aos nossos sentidos. Sua realidade imediata é que
ele tem 90 páginas impressas, tem capa, tamanho e peso específico e está na mão
para ser lido. No entanto, para ele parar na mão de alguém, teve que passar por uma
série processos, de mediações. Ele era uma madeira que foi cortada por um homem,
colocada num caminhão por outro homem que dirigiu/transportou-a para uma usina de
papel para ser processada e transformada em papel pelo trabalho de um terceiro
homem; na usina, esse papel foi cortado no tamanho desejado pelo trabalho de outro,
que foi impresso e encapado por outro trabalhador, que saiu da gráfica e foi
transportado para a livraria por alguém onde lá comprei. A mediação aqui é que o livro
foi mediado por uma série de trabalhos para chegar à minha mão. O livro passou por
um processo, por uma relação entre o homens até chegar à minha mão. Daí, quando
compro o livro, pago por ele o preço de e por toda essa relação que houve do corte da
árvore à sua disposição na prateleira da livraria. Em resumo: o livro que agora está em
minhas mãos passou por uma série de mediações que não vi [3].
No caso de tentar analisar uma criação histórica, ensina-nos a dialética que nenhuma
criação humana pode ser adequadamente compreendida e assimilada pelas épocas
que vieram depois delas sem um exame das condições específicas em que essa obra
foi elaborada. Cada da uma delas é produto de seu momento histórico, de sua
totalidade e mediações históricas. A dialética, portanto, parte do imediato e vai
aprofundando-se em busca das mediações, em busca das relações, da interação, do
processo e não do ato.
5.2. A contradição
As mediações nos levam ou nos obrigam a refletir sobre outro elemento insuprimível
da realidade: as contradições. Contradição não é a contradição da lógica formal, que
significa a manifestação de um defeito do raciocínio. Segundo o autor: “existem
dimensões da realidade humana que não se esgotam nas disciplinas das leis da lógica
[formal]” (p. 48). Contradição não é aqui uma discrepância, uma antinomia da razão
como quer Kant. Contradição é a conexão íntima entre o que é e o que não-é, é a
conexão e interdependência dos contrários, a ponto de só podermos afirmar que algo
é pelo que ele não-é, vice-versa[4]. Segundo o autor:
As conexões íntimas que existem entre realidades diferentes criam unidades
contraditórias. Em tais unidades, a contradição é essencial: não é um mero defeito do
raciocínio. Num sentido amplo, filosófico, que não se confunde com o sentido que a
lógica confere ao termo, a contradição é reconhecida pela dialética como princípio
básico do movimento pelo qual os seres existem. A dialética não se contrapõe à
lógica, mas vai além da lógica, desbravando um espaço que a lógica não consegue
ocupar (p. 49).
Desse modo, a dialética não trabalha com conceitos definidos enquanto tais. Como a
realidade, a totalidade e a própria dialética são processos em constante
transformação, a dialética trabalha com determinações reflexivas promovendo a
fluidificação dos conceitos.
6. A FLUIDIFICAÇÃO DOS CONCEITOS
Para dar conta do movimento infinitamente rico pelo qual a realidade está sempre
assumindo formas novas, os conceitos com os quais o nosso conhecimento trabalha
precisam aprender a ser “fluídos” (p. 51-52).
A fluidificação dialética dos conceitos não tem nenhuma relação com o relativismo. O
que se altera é o conteúdo dos conceitos de acordo com sua realidade histórica (sua
totalidade) e não sua denominação. Por exemplo, Marx não reconhece nenhum
aspecto da realidade humana situada acima ou fora da história, mas admite que
determinados aspectos da realidade humana perduram na história. É o caso na
natureza humana: não existe uma natureza humana acima da história, pois, os
homens modificam historicamente sua natureza; ou seja, sociologicamente, não existe
uma “essência humana” acima, fora ou desligada da história, que explique o homem
acima de suas sociedades, pois, os seres humanos são seres determinados
socialmente. A “natureza humana” só existe na história, num processo global de
transformação que abarca todos os seus aspectos. E a história, em seu conjunto, não
é outra coisa senão uma transformação contínua da natureza humana. O que muda
não é a palavra “natureza humana”, mas o conteúdo dessa tal natureza humana.
7. AS LEIS DA DIALÉTICA
O amigo de Karl Marx, Friedrich Engels (1820-1895), procurou resgatar as leis da
dialética formulada por Hegel e dar-lhes um caráter ou sentido claramente materialista.
Ao realizar esse trabalho, exposto no Anti-During ou Dialética da Natureza, Engels
caiu num equivoco: os exemplos usados para esclarecer o funcionamento das leis da
dialética eram todos extraídos das ciências naturais. Segundo KONDER:
O terreno em que a dialética pode demonstrar decisivamente aquilo que é capaz não é
o terreno da análise dos fenômenos quantificáveis da natureza e sim o da história
humana, o da transformação das sociedades[5] (p. 60-61).
8. O SUJEITO E A HISTÓRIA
Depois da morte de Marx (1883) e Engels (1895), Eduard Bernstein (1850-1932)
passou a criticar as posições de Marx afirmando que seus escritos, além de não
responderem à realidade do início do século XX, seus “diagnósticos” (no caso, o
Manifesto Comunista) tinham falhado, razão para uma profunda revisão do marxismo.
Segundo Bernstein, líder do partido socialista alemão, abandonar a dialética marxiana,
a herança hegeliana e retornar ao kantismo seria a saída.
Foi nas duas primeiras décadas do século XX que se inicia o chamado materialismo
vulgar que possui por característica a negação da dialética e a deformidade do
materialismo histórico formulado por Marx em troca de um determinismo econômico
face ao movimento dialético da realidade, ao desenvolvimento contraditório
(movimento interno da sociedade). Tentou-se construir um marxismo estruturalista que
não levava em conta o aspecto da mutabilidade, da constante transformação e
interconexão das várias esferas da totalidade. Ao contrário, partiu-se do pressuposto
de que a economia determinava única e exclusivamente o movimento da sociedade,
não sofrendo interferências dos aspectos políticos e ideológicos desta mesma
realidade múltipla e determinada. No marxismo vulgar não há uma inter-relação, uma
interação constante e dialética entre economia, política e ideologia (que também
possui força material).
Vladmir Ulianov Lênin (1870-1924) tentou resgatar a importância da herança hegeliana
do marxismo e advertiu que a não assimilação dos ensinamentos contidos na Lógica
Dialética de Hegel, implicaria no não entendimento da dialética marxiana.
O húngaro Georg Lukács (1885-1971) advertiu ainda que:
não é a predominância dos motivos econômicos na explicação da história que
distingue decisivamente o marxismo da ciência burguesa: é o ponto de vista da
totalidade. Somente o ponto de vista da totalidade é que permite à dialética enxergar,
por trás da aparência das “‘coisas”, os processos e inter-relações de que se compõe a
realidade (KONDER, 2003: p. 67-68).
Em Marx, Engels e Lênin, a prática exigia um reexame da teoria e a teoria servia para
criticar a prática em profundidade, servia para questionar e corrigir a prática[6]. Em
Stalin, isso mudou: a teoria perdeu sua capacidade de criticar a prática e a prática, a
sua habilidade de negar a teoria. Stalin intrumentalizava o trabalho teórico, fazia dele a
justificação permanente de todas as medidas decididas por ele. Manipulava assim a
teoria e a prática.
9. O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE
Sustenta o autor que o gênero humano está excessivamente fragmentado, sendo
muito difícil compreendê-lo como totalidade concreta; que a falta de coesão e
interação entre os seres humanos (provocado pelo individualismo exacerbado da
sociabilidade do capital) diminui as possibilidades de fazerem história de modo
consciente. Diminui as possibilidades de se organizarem e de se reconhecerem na
ação da comunidade organizada a que se integraram. O fato é que o indivíduo isolado
não faz história, não transforma a realidade em que vive, pois sozinho suas forças são
muito limitadas em relação à sociedade.
Por isso, o problema da organização capaz de levá-lo a multiplicar suas energias e
ganhar eficácia é um problema crucial para todo revolucionário. É preciso que a
organização não se torne opaca para o indivíduo /.../; é preciso que ela não o reduza a
uma situação de impotência /.../ ou a um ativismo cego. Senão, o indivíduo fica
impossibilitado de atuar revolucionariamente e se sente alienado na atividade coletiva.
A organização deixa de ser o lugar onde suas forças se multiplicam e passa a ser um
lugar onde elas são neutralizadas ou instrumentalizadas por outras forças, orientadas
em função de outros objetivos (p. 76-77).
Quaisquer que sejam os caminhos que venham a ser trilhados, entretanto, os
indivíduos precisarão se empenhar em elevar seu nível da consciência crítica, para
poderem participar mais efetiva e conscientemente do movimento de transformação da
sociedade; e para isso precisarão assimilar melhor e aprofundar o pensamento
dialético (p. 78-79).
O homem é e sempre foi um ser social. Foi somente ao longo de sua história em
sociedade que os homens, depois de muitos séculos, chegou a se individualizar. A
racionalização utilitária do capitalismo e o espírito exageradamente competitivo
estimulado pelo mesmo sistema agrava em demasia o individualismo entre os seres
humanos e destrói formas tradicionais de comunidades como a família, a antiga
vizinhança, criando situação de solidão, falta de caráter, desenvolvendo ainda
frustrações.
A falta de uma compreensão dialética dos problemas sociais e a necessidade dos
indivíduos de associarem-se em um determinado grupo ou comunidade visando a
busca de uma identidade coletiva num sistema como o capitalismo faz com que essas
pessoas se insiram em grupos que anulam sua compreensão de sujeitos históricos,
como sujeitos ou seres transformadores realidade social.
Homens são seres sociais, históricos, temporais e limitados espacialmente. São
sujeitos da história, transformadores desta, mas também produtos de seu tempo e
espaço, transformados pelas circunstâncias em que vivem. É enfim um ser
impregnado de dialeticidade. Muitas vezes, idéias revolucionárias se combinam, numa
mesma pessoa, com sentimentos bastante reacionários e conservadores.
Por isso, não são raros os casos revolucionários que tendem a transformar a
organização em que desenvolvem suas atividades políticas numa espécie de ídolo
sagrado, que não pode ser submetido a críticas profundas e que deve merecer todos
os sacrifícios [no caso, Jesus para os cristãos]. Essa atitude, alienada, causa graves
prejuízos tanto a indivíduos como à organização /.../ (p. 82).
10. SEMENTE DE DRAGÕES
Uma das características essenciais da dialética é o espírito crítico e autocrítico. Assim
como examinam constantemente o mundo em que atuam, os dialéticos devem estar
sempre dispostos a rever as interpretações em que se baseiam para atuar (p. 83).
Segundo o autor, o método dialético nos incita e rever o passado à luz do presente,
razão pela qual questiona o presente à luz ou em nome do futuro. Para os que
assumem consciente ou inconscientemente uma posição de compromisso com o
capitalismo, a dialética é “subversiva”, porque demonstra que o capitalismo está sendo
superado ou incita a superá-lo.
Longe disso, a dialética é, segundo o autor, semente de dragões, dragões que
assustam muita gente e que causam tumulto, objeções à ordem e à harmonia, não
sendo todavia baderneiros inconseqüentes. A presença destes dragões na
consciência das pessoas atormentam-nas, pois mostram que são sujeitos históricos,
responsáveis pelos processos sociais e pela alteração no decurso da história; que a
responsabilidade por tal situação real e atual da sociedade, com seus avanços e
limitações, é produto histórico, é fruto do processo de interação, dos seres humanos, é
sua herança.
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[1] Leandro KONDER. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 2003.
[2] Perceba-se que o trabalho de quem faz a canoa é o agente da transformação, da
mudança, da modificação. Dialeticamente falando, o artesão, por meio de seu
trabalho, é aquilo que nega a madeira em seu estado puro (a árvore), conservando
sua propriedade, sua essência (a madeira), mas simultaneamente transformando-a em
um objeto elevado, superior à árvore, no caso, acanoa. Assim, dialeticamente, a
árvore é a tese que é negada pelo trabalho humano. Já o trabalho humano pode ser
considerado uma antítese, pois é uma negação, algo que está na mediação entre a
madeira em forma de árvore e a madeira em forma de canoa, transformando ou
elevando essa árvore à um patamar superior (a canoa). Já a canoa pode representar a
síntese do processo transformador da madeira-árvore em madeira-canoa, síntese esta
causada pelo trabalho. Não obstante, é impressionante como essa concepção
assemelha-se, de certa forma, com a teoria da causalidade aristotélica, que, apesar de
não ser formulada com e para este princípio, proporciona margem à uma interpretação
dialética. Por movimento, Aristóteles entendia toda mudança qualitativa, quantitativa,
de lugar ou locomoção e de geração ou corrupção de um corpo qualquer. Enfim, por
movimento entendia-se toda e qualquer alteração de uma dada realidade, de uma
dada coisa, seja ela qual for. Segundo Aristóteles, só há conhecimento da realidade
(ou seja, da permanência e do movimento dos seres) quando se conhece ou se busca
conhecer suas causas, que são, ao todo, quatro: a material (da matéria em si), a
formal (da forma da matéria, que é determina ou dada por alguma intervenção), a
eficiente (ou o agente da mudança, da transformação ou movimento) e a final
(finalidade da forma, do movimento, transformação e da causalidade de um ser). Para
Aristóteles, uma causa é o que responde ou se responsabiliza por algum aspecto da
realidade. Tomemos como exemplo nossa canoa: no caso desta, sua causa material é
a madeira; a formal é a forma de canoa; a eficiente é o artesão, aquele que imprime na
madeira a forma de canoa e a causa final é o uso da canoa (valor de uso), o motivo ou
a razão pela qual ela foi fabricada. Perceba-se que o trabalho do artesão (a causa
eficiente) que confecciona a canoa enquanto tal é o agente da mudança, do
movimento, da transformação da árvore em canoa. Dialeticamente falando, o trabalho
do artesão (causa eficiente) é aquilo que nega a madeira em seu estado puro (causa
material), transformando-a em canoa (causa formal) para ser usada por alguém (causa
final), elevando-a à um nível superior (passagem de uma causa à outra, por meio do
trabalho: a causa eficiente). No processo de passagem da árvore para a canoa, há
uma “superação dialética hegeliana”, ou seja, há uma negação (a árvore é negada em
seu estado de árvore), há uma conservação (da árvore à canoa, a matéria madeira é
conservada) e há uma superação, uma elevação à um nível superior (a árvore deixa
de ser árvore para virar/transformar-se numa canoa, algo humano, mais útil aos
homens, que poderão atravessar o rio).
[3] Um belo exemplo de mediação o que ela representa é a terceira parte da
Introdução à Crítica da Economia Política de Marx, denominada “O Método da
Economia Política”, quando este exemplifica como se chega à categoria de população,
indo do sentido mais simples e/ou abstrato ao mais complexo do termo, fazendo, por
sua vez, um caminho inverso, compreendendo de forma concreta o que é população.
[4] A lógica formal afirma que “é impossível que A seja A e não-A ao mesmo tempo e
na mesma relação”. A contradição consiste em mostrar que isso é possível. Em O que
é ideologia, Marilena Chauí (2003: p. 38) afirmará que: “Diversamente da oposição,
em que os termos podem ser pensados fora da relação em que se opõem, na
contradição só existe a relação, isto é, não podemos tomar os termos fora dessa
relação /.../, trata-se de tomar os termos ao mesmo tempo e na mesma relação,
criados por essa relação e transformados nela e por ela. Além disso, a contradição
opera com uma forma muito determinada de negação, a negação interna. /.../ A
negação é interna quando o que é negado é a própria realidade de um dos termos, por
exemplo, quando dizemos: ‘A é não-A’. Ou seja, quando digo ‘A não é B’, a negação é
externa; mas quando digo ‘A é não-A’, a negação é interna. /.../ Só há contradição
quando a negação é interna e quando ela for a relação que define uma realidade que
é em si mesma dividida num pólo positivo e num pólo negativo, pólo este que é o
negativo daquele positivo e de nenhum outro”. Por exemplo: quando digo que “a canoa
é a não-canoa” definimos a canoa por sua relação interna, ou seja, a não-canoa é a
árvore negada, suprimida como árvore pelo trabalho humano que preservou sua
essência (a madeira) para transformá-la em canoa ou não-árvore. A não-canoa é a
árvore, assim como a não-árvore é a canoa. O trabalho do canoeiro consiste em negar
a árvore enquanto tal (em estado natural, matéria bruta) transformando-a numa coisa
humana, cultural (a canoa, valor de uso). O trabalho do canoeiro, nessa
transformação, preserva o que a árvore tem de mais essencial (a madeira). Assim, o
canoeiro eleva a essência da árvore (a madeira) à um patamar superior (a canoa),
efetuando o que o autor (KONDER, 2003) chamará de “superação dialética de (em)
Hegel”. Nessa perspectiva de negação interna, na mesma relação, temos o caso do
senhor e do escravo: o senhor é o não-escravo e o escravo é o não-senhor. Ou seja,
só haverá escravo quando e onde houver senhor, ao mesmo tempo em que só haverá
senhor onde e quando houver escravo, pois ambos se relacionam entre si, estando
ambos na mesma relação. Para haver um senhor é necessário haver um escravo
(vice-versa). Que e quem é o senhor? Aquele que vive graças ao trabalho do escravo.
Portanto, o senhor é aquele cujo ser depende de outro ser que é sua negação. Assim,
o senhor vive ou depende do não-senhor (o escravo), existindo enquanto senhor pela
sua negação. Aí está o sentido de contradição interna.
[5] “/.../ a história é o real, e o real é o movimento incessante pelo qual os homens, em
condições que nem sempre foram escolhidas por eles, instauram um modo de
sociabilidade e procuram fixá-lo em instituições determinadas (família, condições de
trabalho, relações políticas, instituições religiosas, tipos de educação, formas de arte,
transmissão dos costumes, línguas, etc.)” (CHAUÍ, 2003: pp. 22-23). “A história é
história do modo real como os homens reais produzem suas condições reais de
existência. É história do modo como se reproduzem a si mesmos (pelo consumo direto
ou imediato dos bens naturais e pela procriação), como produzem e reproduzem suas
relações sociais (pela divisão social do trabalho e pela forma da propriedade, que
constituem as formas das relações de produção). É também história do modo como os
homens interpretam todas essas relações, seja numa interpretação imaginária, como
na ideologia, seja numa interpretação real, pelo conhecimento da história que produziu
ou produz tais relações” (Id., Ibid.: p. 47). “A dialética é materialista porque seu motor é
o trabalho material propriamente dito: o trabalho como relação dos homens com a
Natureza, para negar as coisas naturais enquanto naturais, transformando-as em
coisas humanizadas ou culturais, produtos do trabalho” (Id., Ibid.: p. 52). “O motor da
dialética materialista é a forma determinada das condições de trabalho, isto é, das
condições de produção e reprodução da existência social dos homens, forma que é
sempre determinada por uma contradição interna, isto é, pela luta de classes ou pelo
antagonismo entre proprietários das condições de trabalho e não-proprietários (servos,
escravos, trabalhadores assalariados)” (Id., Ibid.). “/.../ o que interessa realmente à
dialética materialista não é a simples relação dos homens com a Natureza através
(pela mediação) do trabalho. O que interessa é a divisão social do trabalho e, portanto,
a relação entre os próprios homens através do trabalho dividido. Essa divisão começa
no trabalho sexual de procriação, prossegue na divisão de tarefas no interior da
família, continua como divisão pastoreio e agricultura e entre estes e o comércio,
caminha separando proprietários das condições do trabalho e trabalhadores, avança
como separação entre cidade e campo e entre trabalho manual e trabalho intelectual.
Essas formas de divisão social do trabalho, ao mesmo tempo em que determinam a
divisão entre proprietários e não-proprietários, entre trabalhadores e pensadores,
determinam a formação das classes sociais” (Id., Ibid.: pp. 52-53).
[6] “Marx e Engels dão à teoria um sentido inteiramente novo enquanto crítica
revolucionária: a teoria não está encarregada de ‘conscientizar’ os indivíduos, não está
encarregada de criar a consciência verdadeira para opô-la a consciência falsa, e com
isto mudar o mundo. A teoria está encarregada de desvendar os processos reais e
históricos enquanto resultados e enquanto condições da prática humana em situações
determinadas, prática que dá origem à existência e à conservação da dominação de
uns poucos sobre todos os outros. A teoria está encarregada de apontar os processos
objetivos que conduzem à exploração e à dominação e aqueles que podem conduzir à
liberdade”. (CHAUÍ, 2003, p. 74). “Percebemos, então, que a teoria – ao contrário da
ideologia – não está encarregada de tomar o lugar da prática, fazendo a realidade
depender das idéias /.../. A relação entre teoria e prática é revolucionária porque é
dialética. /.../. Que significa dizer que a relação entre teoria e prática é dialética e não
ideológica /.../? A relação entre teoria e prática é uma relação simultânea e recíproca
por meio da qual a teoria nega a prática enquanto prática imediata, isto é, nega a
prática como um fato dado para revelá-la em suas mediações e como práxis social, ou
seja, como atividade socialmente produzida e produtora da existência social /.../. A
prática, por sua vez nega a teoria como um saber separado e autônomo, como puro
movimento de idéias se produzindo umas às outras na cabeça dos teóricos. Nega a
teoria como um saber acabado que guiaria e comandaria de fora a ação dos homens.
E negando a teoria enquanto saber separado do real que pretende governar esse real,
a prática faz com que a teoria se descubra como conhecimento das condições reais da
prática existente, de sua alienação e de sua transformação.” (Id., Ibid.:p. 75-76).