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1 Eixo: 01. História e Historiografia da Educação RESGATE HISTÓRICO DA EJA COM ÊNFASE NO PROJETO VÉSPER EM RIO CLARO-SP: ESTUDO DE CASO Sueli Iwasawa (UNESP) 1 Marilena A. Jorge Guedes de Camargo (UNESP) 2 Filipe Rafael Gracioli (UNESP) 3 Resumo: Neste texto apresentam-se etapas para o desenvolvimento de pesquisa em nível de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Rio Claro, linha de pesquisa: Linguagem-Experiência-Memória-Formação. Como delimitações do problema de pesquisa foram levantadas as questões, a seguir: Que tipo de política pública o município de Rio Claro-SP adotou no momento de responsabilização pela EJA (no início da década de 1990 - especificamente em 1991, quando assume a educação) com relação a essa modalidade de ensino? Como as intenções políticas se traduzem nos documentos e nas “falas” dos sujeitos envolvidos? A pesquisa tem como objetivo geral: compreender e contribuir com a história da EJA em Rio Claro-SP, especialmente por meio do Projeto Vésper, este no sentido da sua manutenção ou eliminação como instrumento político público de alfabetização de jovens e adultos no município. E como objetivos específicos: analisar por meio de um levantamento histórico como se deu a implantação e o desenvolvimento do Projeto Vésper no município de Rio Claro-SP; descrever e analisar as ações do Projeto Vésper no que se refere à EJA nesse município; e compreender por meio da análise dos questionários como se deu a atuação dos professores no projeto. A pesquisa é desenvolvida na perspectiva de abordagem histórica centrada em documental e bibliográfica, por meio dos procedimentos de localização, seleção e análise de fontes documentais; e de leitura de bibliografia sobre a EJA, especialmente de abordagem histórica. Também foram aplicados questionários com professores que atuaram nessa modalidade de ensino por meio do Projeto Vésper, no início da década de 1990, sob responsabilização municipal. Do desenvolvimento dessa pesquisa, que se encontra em andamento, resultará 1 Sueli Iwasawa, Instituto de Biociências (IB) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Rio Claro, SP, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Marilena A. Jorge Guedes de Camargo, Instituto de Biociências (IB) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Rio Claro, SP, Brasil. E-mail: [email protected] 3 Filipe Rafael Gracioli, Instituto de Biociências (IB) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Rio Claro, SP, Brasil. E-mail: [email protected]

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Eixo: 01. História e Historiografia da Educação

RESGATE HISTÓRICO DA EJA COM ÊNFASE NO PROJETO

VÉSPER EM RIO CLARO-SP: ESTUDO DE CASO

Sueli Iwasawa (UNESP)1

Marilena A. Jorge Guedes de Camargo (UNESP)2

Filipe Rafael Gracioli (UNESP)3

Resumo: Neste texto apresentam-se etapas para o desenvolvimento de pesquisa em

nível de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de

Biociências da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Rio Claro, linha de

pesquisa: Linguagem-Experiência-Memória-Formação. Como delimitações do

problema de pesquisa foram levantadas as questões, a seguir: Que tipo de política

pública o município de Rio Claro-SP adotou no momento de responsabilização pela

EJA (no início da década de 1990 - especificamente em 1991, quando assume a

educação) com relação a essa modalidade de ensino? Como as intenções políticas se

traduzem nos documentos e nas “falas” dos sujeitos envolvidos? A pesquisa tem como

objetivo geral: compreender e contribuir com a história da EJA em Rio Claro-SP,

especialmente por meio do Projeto Vésper, este no sentido da sua manutenção ou

eliminação como instrumento político público de alfabetização de jovens e adultos no

município. E como objetivos específicos: analisar por meio de um levantamento

histórico como se deu a implantação e o desenvolvimento do Projeto Vésper no

município de Rio Claro-SP; descrever e analisar as ações do Projeto Vésper no que se

refere à EJA nesse município; e compreender por meio da análise dos questionários

como se deu a atuação dos professores no projeto. A pesquisa é desenvolvida na

perspectiva de abordagem histórica centrada em documental e bibliográfica, por meio

dos procedimentos de localização, seleção e análise de fontes documentais; e de leitura

de bibliografia sobre a EJA, especialmente de abordagem histórica. Também foram

aplicados questionários com professores que atuaram nessa modalidade de ensino por

meio do Projeto Vésper, no início da década de 1990, sob responsabilização municipal.

Do desenvolvimento dessa pesquisa, que se encontra em andamento, resultará

1 Sueli Iwasawa, Instituto de Biociências (IB) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita

Filho” (UNESP), campus de Rio Claro, SP, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Marilena A. Jorge Guedes de Camargo, Instituto de Biociências (IB) da Universidade Estadual Paulista

“Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Rio Claro, SP, Brasil. E-mail:

[email protected] 3 Filipe Rafael Gracioli, Instituto de Biociências (IB) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de

Mesquita Filho” (UNESP), campus de Rio Claro, SP, Brasil. E-mail: [email protected]

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dissertação de Mestrado, na qual serão apresentados resultados da análise das fontes

documentais e dos questionários. Os resultados propiciarão compreender como se deu o

atendimento da EJA, especificamente no município de Rio Claro-SP, nesse período

histórico pesquisado.

Palavras-chave: História; EJA; Projeto Vésper.

Introdução - A escolha do tema

O interesse pelo estudo da temática da Educação de Jovens e Adultos (EJA) se

dá desde os tempos de graduação no curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia e

Ciências (FFC), da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),

campus de Marília. Foi a partir daí que tomamos contato maior com essa modalidade de

Ensino e sentimos a curiosidade científica pelo tema da “Alfabetização de Jovens e

Adultos”. Após um levantamento e elaboração de um instrumento de pesquisa

intitulado: Bibliografia brasileira sobre alfabetização de jovens e adultos no Brasil

(1953-2011): um instrumento de pesquisa, em que foram reunidas referências de textos

acadêmico-científicos em âmbito brasileiro, pudemos compreender melhor a respeito da

produção sobre o assunto no Brasil. Uma das constatações observada refere-se à

escassez de estudos sobre o tema, com abordagem histórica. Assim, após desenvolver

pesquisa de iniciação científica, como bolsista PIBIC/CNPq/UNESP, e também o

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), nos sentimos motivados a pensar algum tema

sobre a “EJA”, em História da Educação, em nível de Mestrado.

Dessa forma, com o ingresso no Curso de Mestrado do Programa de Pós-

Graduação em Educação, da UNESP, Rio Claro, juntamente com a orientadora, Prof.ª

Dra. Marilena A. Jorge Guedes de Camargo, após reflexões para a escolha do tema

nasceu: A história de uma educação de jovens e adultos no município de Rio Claro-SP,

que propusemos pesquisar.

Delimitação do problema

Que tipo de política pública o município de Rio Claro adotou no momento de

responsabilização pela EJA (no início da década de 1990 - especificamente em 1991,

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quando assume essa educação) com relação a essa modalidade de ensino? Como as

intenções políticas se traduzem nos documentos e nas “falas” dos sujeitos envolvidos?

Objetivos

Geral: Compreender a história da EJA em Rio Claro-SP, especialmente por meio

do Projeto Vésper, este no sentido da sua manutenção ou eliminação como instrumento

político público de alfabetização de jovens e adultos no município.

Específicos: analisar por meio de um levantamento histórico como se deu a

implantação e o desenvolvimento do Projeto Vésper no município de Rio Claro-SP;

descrever e analisar ações do Projeto Vésper no que se refere à EJA nesse município;

compreender por meio da análise dos questionários a atuação dos professores neste

projeto.

Metodologia

Para o desenvolvimento da pesquisa com abordagem histórica proposta,

desenvolveu-se pesquisa documental e bibliográfica, por meio dos procedimentos de

localização, seleção e análise das fontes documentais e de leitura de bibliografia sobre a

EJA, especialmente de abordagem histórica. Com relação à pesquisa documental, de

acordo com Sá-Silva; Almeida; Guindani (2009, p. 5) “[...] é um procedimento que se

utiliza de métodos e técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos

dos mais variados tipos.”. Relativamente à análise documental para Caulley (1981) apud

Lüdke e André (2015, p. 45) “[...] busca identificar informações factuais nos

documentos a partir de questões ou hipóteses de interesse.”.

A pesquisa foi realizada por meio de investigações nas atas das reuniões da

Câmara Municipal de Rio Claro, referentes ao período compreendido entre outubro de

1988 e agosto de 1992, além de consultas ao site da Prefeitura Municipal de Rio Claro,

na aba Publicações, em: Leis, Decretos e Portarias das publicações oficiais do município

selecionado. Foram realizadas pesquisas em jornais locais: Jornal Cidade de Rio Claro

e Jornal Diário do Rio Claro dos anos de 1989 a 1991. Os documentos pesquisados

foram dos tipos: oficiais (lei e decretos) e os jornais locais impressos do período de

investigação.

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Também foram aplicados questionários com professores que atuaram nessa

modalidade de ensino, no início da década de 1990, especialmente no Projeto Vésper,

sob responsabilização municipal. Desenvolvemos a pesquisa numa perspectiva de

estudo de caso, para melhor entendimento dos fenômenos que ocasionaram a EJA.

Justificativa

Como já brevemente apresentado, esta pesquisa é resultado de reflexões sobre o

tema “alfabetização de jovens e adultos”, desde o ano de 2009, na condição de

graduanda4 do curso de Pedagogia. No ano de 2009, passei a integrar o Programa de

Educação de Jovens e Adultos (PEJA), sob coordenação do Prof. Dr. José Carlos

Miguel. O PEJA destina-se à escolarização de jovens e adultos que não puderam efetuar

os estudos na idade regular, tendo como meta principal a articulação entre teoria e

prática na área da EJA, em sete campi da UNESP, localizados nas cidades de

Araraquara, Assis, Bauru, Marília, Presidente Prudente, Rio Claro e São José do Rio

Preto.

A relevância do estudo de Rio Claro-SP justifica-se por no município se

desenvolver salas de EJA, sob responsabilidade do município, que atendem jovens e

adultos: nas etapas de 1º segmento (processo de alfabetização – 1ª a 4ª séries) e 2º

segmento do Ensino Fundamental (5ª a 8ª séries); além de no município possuir salas

que atendem educandos jovens e adultos, por meio de um projeto de extensão

universitária – PEJA – desenvolvido pela UNESP, campus de Rio Claro.

A modalidade da EJA é também ofertada no município pela escola do Serviço

Social da Indústria (SESI), por meio do Programa de Alfabetização Intensiva (PAI) e

dos Projetos de Educação à Distância (EaD). O primeiro – PAI – é equivalente aos

primeiros anos do Ensino Fundamental, sendo que a metodologia utilizada é específica

do SESI-SP, com os objetivos de formar leitores e produtores autônomos de textos,

além de ampliar as competências matemáticas; educandos com no mínimo 14 anos de

idade podem ingressar nesse programa. Os cursos de EaD do Projeto de EJA são

correspondentes aos ensinos fundamental e médio por meio do Ambiente Virtual de

4 Considerando, aqui, a apresentação da minha experiência e trajetória enquanto graduanda no curso de

Pedagogia é que elejo a redação na parte da justificativa, em primeira pessoa do singular.

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Aprendizagem (AVA). O modelo de ensino de EaD adotado pela rede escolar SESI-SP

possibilita que o educando acesse todo o conteúdo disponibilizado em qualquer lugar e

a qualquer momento, pela internet, permitindo que o mesmo realize o aprendizado no

seu próprio ritmo. A idade mínima dos educandos para cursar o Ensino Fundamental é

de 15 anos completos, enquanto para o Ensino Médio é de 18 anos completos.

Ainda no nível equivalente ao Ensino Médio o município conta com salas de

EJA sob responsabilização da rede estadual de ensino, sendo oferecidas em algumas

escolas estaduais de Rio Claro-SP.

Um percurso histórico sobre a EJA no Brasil

A fim de compreender o processo histórico da sua situação atual, haverá uma

síntese do artigo intitulado: Breve história sobre a educação de jovens e adultos no

Brasil, de Thyeles Borcarte Strelhow (2010), no qual o pesquisador analisa ações

políticas dessa modalidade de ensino, desde o Império, até os nossos dias. As citações

de outros autores ao longo da síntese também contribuirão para delinearmos, como

numa viagem ao longo dos tempos, a trajetória histórica da EJA em nosso país.

Do Império à República

Desde o período colonial os jesuítas catequizaram e alfabetizaram na língua

portuguesa os indígenas adultos. Com a saída dos jesuítas do Brasil, em 1759, a

educação de adultos ficou sob a responsabilidade do Império, restringindo-se às classes

mais abastadas.

A partir da Constituição Imperial de 1824 procurou-se dar um significado mais

amplo para a educação, garantindo a todos os cidadãos a instrução primária. Essa lei, no

entanto, não foi levada a efeito. Com o Ato Constitucional de 1834, ficou sob a

responsabilidade das províncias a instrução primária e secundária, mas que foi

designada especialmente para jovens e adultos:

Com o Ato Adicional de 1834, conforme estipulado no artigo 10,

atribui-se às Assembléias Legislativas Provinciais a competência para

legislar sobre ensino, excluído o nível superior. Assim, a partir daí, o

governo central reteve a incumbência relativa ao ensino superior em

todo o país, limitando sua ação nos demais níveis ao município da

Corte. Às províncias cabia a responsabilidade pelo ensino primário e

secundário nos respectivos territórios. (SAVIANI, 1988, p. 43).

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De acordo com Saviani (1988), as instruções elementares e secundárias eram de

responsabilidade das províncias, enquanto o nível superior era destinado ao governo

central em todo o território nacional.

No início do século XX houve uma grande mobilização social que pretendia

acabar com o analfabetismo. Em 1915 foi criada a Liga Brasileira contra o

Analfabetismo que tinha como objetivo lutar contra a ignorância para estabilizar a

grandeza das instituições republicanas. Era necessário tornar a pessoa analfabeta um ser

produtivo que contribuísse para o desenvolvimento do país.

Da década de 40 à Marca dos Movimentos Sociais

Em 1920 era elevada a porcentagem de analfabetos no país (72%). Cria-se,

assim, em 1934 o Plano Nacional de Educação, que propunha o ensino primário integral

obrigatório e gratuito estendido às pessoas adultas. Foi um plano na história da

educação brasileira que previa um tratamento específico para a EJA.

A partir da década de 1940 e com grande intensidade na década de 1950 a EJA

ocupa a lista de prioridades necessárias do país. Em 1947 surgiu o programa, de âmbito

nacional, denominado Primeira Campanha Nacional de Educação de Adultos, visando

atender especificamente às pessoas adultas. Esse movimento durou até fins da década de

1950. Um dos motivos para o surgimento da Campanha foi a intensa pressão

internacional, após a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da UNESCO

(Órgão das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) para a erradicação do

analfabetismo nas ditas “nações atrasadas”, após o fim da Segunda Guerra Mundial, em

1945. O fim da década de 1950 e início da de 1960 foi marcado por uma grande

mobilização social em torno da educação de adultos.

Do Militarismo à Nova República

De acordo com Fávero e Freitas (2011, p. 374) “A alfabetização e educação das

pessoas adultas, no início dos anos de 1960, apareciam como perigosas para a

estabilidade do regime e para a preservação da ordem capitalista e por isto foram

suprimidas pelo golpe militar de 1964.”.

No período da ditadura militar o governo criou o Movimento Brasileiro de

Alfabetização (MOBRAL) em 1967, a fim de substituir a alfabetização utilizada pelos

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movimentos sociais antes do golpe, restringindo-se à apreensão da habilidade de ler e

escrever, sem a compreensão contextualizada dos signos.

Por fim, o Mobral foi extinto em 1985, com a chegada da Nova República.

Assim, outros programas de alfabetização surgiram em seu lugar como a Fundação

Educar, vinculada ao Ministério da Educação. Em 1990, a Fundação Educar foi extinta,

sem ser criado nenhum projeto em seu lugar. A partir daí começou a ausência do

governo federal nos projetos de alfabetização. Os municípios passam a assumir a função

da EJA. Paralelamente, foram feitas muitas experiências em relação à educação por

universidades, movimentos sociais e organizações não governamentais. Conforme

Fávero e Freitas (2011, p. 377):

A partir de então, com o retorno das eleições diretas para prefeitos, os

municípios que foram administrados por partidos políticos

progressistas buscaram qualificar a EJA, institucionalizando-a no

contexto de suas secretarias de educação, criando

setores/departamentos responsáveis pela sua implantação, cuidando da

formação continuada de professores, elaborando propostas

curriculares específicas, muitas delas retomando as propostas

freirianas, dentre outros pontos. Os municípios brasileiros que mais se

destacaram à época foram Porto Alegre, Santos, São Paulo, Diadema

dentre outros. (FÁVERO e FREITAS, 2011, p. 377).

Posteriormente, outros movimentos e programas existiram também, como o

Movimento de Alfabetização (MOVA), no início da década de 90; o Programa

Alfabetização Solidária (PAS), em 1996; o Programa Nacional de Educação na Reforma

Agrária (PRONERA), em 1998; o Programa Brasil Alfabetizado, em 2003. De acordo

com Fávero e Freitas (2011, p. 378):

Registramos, como iniciativa de governos locais, o Movimento de

Alfabetização (Mova) surgido na cidade de São Paulo no governo

Luíza Erundina, na gestão de Paulo freire como secretário municipal

de educação (1989-1991). (FÁVERO e FREITAS, 2011, p. 378).

Strelhow (2010) apresenta que os projetos e planos visavam o avanço na

educação e na erradicação do analfabetismo no Brasil, considerando, no entanto, que o

nível de organização desses planos é surpreendentemente atabalhoado. Avalia que se

criavam projetos e mais projetos sem ter, muitas vezes, o tempo necessário para surtir

efeito, desmantelando ou trocando por outros projetos.

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Visita a Secretaria Municipal da Educação (SME)

Para melhor informar a respeito de como se deu a EJA em Rio Claro, após a

responsabilização do município por essa modalidade de ensino, em nível fundamental5,

foi feita uma visita a Secretaria Municipal da Educação (SME) de Rio Claro-SP.

Atendida pela coordenadora da EJA em exercício, e a fim de tomar conhecimento dos

documentos oficias que abordam a institucionalização da EJA no município, pôde-se

tomar contato com um trabalho acadêmico-científico de Valéria Aparecida Vieira Velis,

que se trata de uma Monografia de curso de Especialização em Gestão Educacional. Na

monografia Um estudo das políticas públicas para o atendimento da educação de

jovens e adultos no município de Rio Claro, Velis (2008) faz uma análise das políticas

públicas de atendimento da EJA no município de Rio Claro. Levando-se em

consideração que as políticas públicas da EJA, na maioria das vezes, não são executadas

em âmbito nacional, ficando a incumbência aos municípios, é que essa pesquisa tem

como objetivo a análise das políticas públicas de EJA constituídas na gestão popular e

democrática no período de 1997-2004, por uma coligação partidária, tendo à frente o

prefeito Cláudio Antonio de Mauro.

A metodologia da pesquisa utilizada para a análise da experiência de

implantação de políticas públicas para a EJA no município de Rio Caro tem uma

abordagem qualitativa. A autora considera que se fez necessária a mobilização de outros

procedimentos metodológicos, considerando a complexidade da temática. Para a

compreensão da implantação das políticas públicas de EJA, realizou-se o levantamento

bibliográfico, a análise da legislação vigente e dos documentos produzidos pela

Secretaria Municipal de Educação de Rio Claro na gestão pública de 1997-2004,

referente à área. Além dos procedimentos metodológicos apresentados, Velis fez uso da

análise documental de arquivos da Secretaria Municipal da Educação, da análise dos

Planos Educacionais de 1998-2004, dos relatórios de atividades dos anos da pesquisa, e

de levantamento de dados estatísticos. Essa pesquisa em seu primeiro capítulo revisita a

história das políticas públicas para o atendimento da EJA no Brasil, procurando mostrar

o caminho que essa modalidade de ensino percorre, articulando-a com a educação. No

5 Inicialmente, no ano de 1991, atendendo-se o correspondente a EJA I (1ª a 4ª séries); e posteriormente,

no ano de 1996, criando-se demanda, atendendo-se o correspondente a EJA II (5ª a 8ª séries).

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segundo capítulo apresenta-se a história da EJA em Rio Claro, mostrando dados e

prioridade denotando a singularidade da experiência no atendimento dessa modalidade

de ensino, na contramão do processo educacional brasileiro, em virtude das mudanças

ocorridas na legislação.

Em conversa com Velis6, ex-coordenadora da EJA na Secretaria Municipal da

Educação de Rio Claro, no período de 1998 a 2004, pôde-se obter dados e prioridades

com relação ao atendimento da EJA em Rio Claro-SP. O ano de 1989 em Rio Claro foi

o momento em que os ânimos se voltaram para a preparação das atividades do Ano

Internacional da Alfabetização – 1990. Essas atividades de mobilização estiveram

coordenadas pela Fundação Educar, criada em 1985, posteriormente ao MOBRAL e

subordinada ao Ministério da Educação (MEC). De acordo com Velis (2008, p. 28) essa

Fundação:

[...] desempenhou no município de Rio Claro, no período de 1989 a

1991 a coordenação técnica da capacitação de professores, assessoria

pedagógica, distribuição de material didático para todos os alunos e

professores, orientação na mobilização da comunidade, mapeamento

da demanda e organização de eventos educacionais.

O município de Rio Claro-SP se responsabilizou pelo pagamento dos

professores e supervisão das ações educativas, pela criação e/ou utilização da

metodologia e material didático próprios.

No ano de 1990 a Fundação Educar é extinta pelo então governo Collor.

Esse ato fez parte de um extenso rol de iniciativas que visavam ao

“enxugamento” da máquina administrativa e à retirada de subsídios

estatais, simultâneas à implementação de um plano heterodoxo de

ajuste das contas públicas e controle da inflação. Nesse mesmo pacote

de medidas foi suprimido o mecanismo que facultava às pessoas

jurídicas direcionar voluntariamente 2% do valor do imposto de renda

devido às atividades de alfabetização de adultos, recursos esses que

conformavam o fundo que nas duas décadas anteriores financiara o

MOBRAL e a Fundação Educar. (HADDAD; DI PIERRO, 2000,

p. 121.).

Após esse período, com a falta de mobilização do governo federal com a EJA, os

municípios passam a se responsabilizar por essa modalidade de ensino. Em 1991, a

6 Atualmente é diretora do Departamento Pedagógico da Secretaria Municipal da Educação de Rio Claro-

SP.

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Secretaria Municipal da Educação e Cultura (SEMEC) de Rio Claro implanta o Projeto

Vésper, Educação Básica para jovens e adultos garantindo a essas pessoas a

oportunidade de serem alfabetizadas e de prosseguirem no caminho do aprendizado.

Com esse Projeto sete classes funcionavam em seis unidades distribuídas no

município e totalizavam 188 alunos que frequentavam o curso, onde eram alfabetizados

e recebiam a educação básica em Língua Portuguesa, Matemática, Estudos Sociais,

Ciências e Saúde. No ano de 1996 criou-se uma demanda de alunos a cursar o nível de

5ª a 8ª séries, passando a se instalar, assim, as primeiras salas desse nível na E.M. “Dr.

Paulo Koelle” e E.M. Jardim das Palmeiras – CAIC. (VELIS, 2008).

As investigações (realizadas) nas Atas da Câmara Municipal e no site da Prefeitura

Municipal

A fim de nos informarmos a respeito dos documentos que abordam a EJA no

município de Rio Claro, nesse processo de municipalização do ensino, quando o

governo federal vai deixando a responsabilização dessa educação, fizemos visitações à

SME e entramos em contato com ex e atual coordenadoras da EJA e também com uma

supervisora de ensino. No entanto, informações mais especificamente sobre esses tais

documentos oficiais, diretamente de âmbito municipal não nos foram fornecidas. As

explicações dadas foram as de que a maioria delas não acompanhou ou chegou ao cargo

posteriormente a esse momento de nosso interesse de investigação.

Apesar do desafio inicial quanto à localização e conhecimento desses

documentos, que seriam as fontes da pesquisa, continuamos por prosseguir no

levantamento de dados. Passamos a visitações no Arquivo Público e Histórico de Rio

Claro, no intuito e na esperança de algum documento relativo à investigação. Num

primeiro momento, foi exposto para os funcionários desse Arquivo o objeto de

pesquisa, contextualizando o que se propunha a pesquisar. Após, decidimos por buscar

pistas e investigar as Atas da Câmara Municipal7, referentes à 10/1988 a 10/1990 e a

10/1990 a 08/1992. O período investigado, fins do ano de 1988 a meados de 1992,

justifica-se por ser por volta desse período o momento em que o município passa a

assumir a modalidade de ensino pesquisada. Entretanto, com relação ao primeiro livro

7 Foram consultados os livros: Ata nº 23 e Ata nº 24, da Câmara Municipal de Rio Claro-SP.

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das Atas correspondente ao primeiro período pesquisado (10/88 a 10/90) foi localizado

apenas o Requerimento nº 666/89 com o seguinte registro: “Oficiar ao Senhor Prefeito

Municipal, solicitando informar se existe planos para a celebração de convênio com a

Secretaria da Educação do Estado/SP para a execução do Programa de Municipalização

oficial do Ensino, no município de Rio Claro.” Tal requerimento foi contestado:

Processo nº 9342. Há o registro de que o autor solicitou a retirada do requerimento, o

que foi aprovado por unanimidade. Mesmo esse requerimento localizado, em que se

aborda a Municipalização do Ensino, não se diz a que modalidade de ensino se refere.

Assim, não fica claro se trata da Municipalização do Ensino Fundamental regular, ou na

modalidade da EJA.

Com relação ao segundo livro das Atas pesquisadas correspondente ao período

de 10/1990 a 08/1992, uma informação interessante, mas que não vem diretamente ao

encontro com o interesse da pesquisa, refere-se aos Requerimentos: nº 627/90; nº 26/91

e nº 213/92, em que abordam a questão da suplência do 2º grau.

Podemos perceber que, até esta etapa da pesquisa explicitada, a busca por esses

documentos oficiais que institucionalizam a EJA no município não foram localizados.

Como passo seguinte da pesquisa a fim de localizar esses documentos foi

consultado o site da Prefeitura Municipal de Rio Claro, sugestão de uma funcionária do

Arquivo Público e Histórico. Assim, na aba Publicações, em Leis, Decretos e Portarias

das publicações oficiais, buscamos no campo “Assunto” por Educação de Jovens e

Adultos, na esperança de localizar documentos que contemplassem a pesquisa. Dessa

forma, foram listados quatro documentos: Lei nº 2548 de 1993; Decreto nº 6197 de

2000; Decreto nº 6918 de 2003, e Decreto nº 7862 de 2007; os quais serão apresentados

sinteticamente, a seguir. Pesquisamos ainda por Projeto Vésper, na tentativa de buscas

por documentos especialmente relacionados a esse Projeto de EJA desenvolvido no

município de Rio Claro-SP. Como resultado foi listado um único documento, que se

trata do Decreto nº 5535 de 1997, que também será explicitado, em seguida;

obedecendo a uma ordem cronológica de apresentação, de acordo com as datas de suas

publicações.

A Lei nº 2548 de 1993 trata-se de uma Lei Ordinária, cujo assunto: Abre Crédito

Adicional Especial para atender despesas com educação de jovens e adultos,

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promulgada pelo Vice-Prefeito José Aldo Demarchi no exercício de Prefeito Municipal,

data de 06/05/1993.

A Lei nº 5535 de 1997, Decreto de Claudio Antonio de Mauro, Prefeito do

Município de Rio Claro-SP, cujo assunto: Cria uma classe do Projeto Vesper – período

noturno – na EMEI “Prof. José Martins da Silva”, de 28 de fevereiro de 1997.

A Lei nº 6197 de 2000, Decreto Executivo também do Prefeito do Município,

Claudio Antonio de Mauro, cujo assunto: Dispõe sobre a vinculação das classes isoladas

de Educação de Jovens e Adultos Ciclo I – 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental, de 22

de março de 2000.

A Lei nº 6918 de 2003, outro Decreto Executivo daquele Prefeito Municipal,

dispõe sobre a vinculação das classes isoladas de Educação de Jovens e Adultos Ciclo I

– 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental e dá outras providências, de 08/09/2003.

A Lei nº 7862 de 2007, Decreto Executivo do Prefeito Municipal Dermeval da

Fonseca Nevoeiro Junior, em que dispõe sobre a criação de Classes de Educação de

Jovens e Adultos - EJA I (1ª a 4ª série) na Rede Municipal de Ensino e dá outras

providências, de 14 de fevereiro de 2007.

A partir da leitura na íntegra da lei e dos decretos apresentados é possível

considerar que todos abordam a EJA sob a responsabilização do município.

Especificamente a Lei nº 2548, de 1993, de acordo com o seu artigo 1º:

Fica aberto na Divisão de Contabilidade da Prefeitura Municipal de

Rio Claro um Crédito Adicional Especial no valor de Cr$270.000.000,

00 (duzentos e setenta milhões de cruzeiros) para atender despesas

decorrentes com a educação de jovens e adultos. (RIO CLARO,

1993).

Dentre esses documentos, o de 1993 é o que aborda e contempla a EJA no

período próximo ao da municipalização dessa modalidade de ensino, por meio da Lei nº

2548, quando o governo Federal deixando de se responsabilizar por essa modalidade de

ensino e os municípios assumem tal, investindo financeiramente, como ocorre no caso

de Rio Claro, abre-se Crédito Adicional Especial para atender despesas com essa

educação.

No ano de 1997, ainda sob a atuação do Projeto Vésper na modalidade da EJA

do município de Rio Claro-SP, o então Prefeito Municipal em exercício, por meio do

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Decreto nº 5535, de 28/02/97 cria uma nova classe desse Projeto, numa EMEI, no

período noturno, não especificando a que fase/etapa corresponde essa turma, se

correspondente aos anos mais iniciais ou finais do Ensino Fundamental. O artigo 2º

desse Decreto esclarece que: “As despesas decorrentes da aplicação deste Decreto,

correrão por conta das verbas próprias do orçamento, suplementadas se necessário.”.

(RIO CLARO, 1997).

No ano de 2000, o prefeito do município de Rio Claro, Claudio Antonio de

Mauro, por meio do Decreto nº 6197 considerando a LDBEN 9.394, de 20 de dezembro

de 1996 que aborda e estabelece a EJA e considerando-se também, que existem no

município de Rio Claro, 14 classes de EJA – Ciclo I, isoladas, que desenvolvem um

trabalho sintonizado com a política educacional da Secretaria Municipal da Educação,

decreta com o intuito de cumprir as exigências da nova LDB, que tais classes isoladas

ficam vinculadas às Unidades Escolares. Ainda, de acordo com esse mesmo Decreto no

artigo 2º:

Compete a Direção da Unidade escolar promover o entrosamento

pedagógico necessário, seguindo as normas atuais adotadas pela

Secretaria Municipal da Educação cabendo a ela também a

responsabilidade administrativa do processo. (RIO CLARO, 2000).

Assim sendo, essas classes isoladas de EJA existentes no município, a partir

desse Decreto nº 6197, de 2000, passarão a vincular-se a unidade escolar: sendo ou uma

Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental (EMEIEF) ou uma Escola

Municipal de Ensino Fundamental (EMEF), da Secretaria Municipal da Educação.

Em 2003, outro Decreto, de nº 6918, em sintonia com o Decreto anteriormente

apresentado, dispõe sobre vinculação das classes isoladas de EJA Ciclo I e dá outras

providências. Considerando a existência de classes isoladas de EJA Ciclo I, que

desenvolvem trabalho sintonizado com a política educacional da SME e considerando

que essa SME é um órgão que controla e coordena as atividades educacionais e

docentes do Município, o Sr. Prefeito Claudio Antonio de Mauro decreta:

Artigo 1º - Fica fixado sob a responsabilidade da titular da Secretaria

Municipal da Educação o processo de adequação das classes isoladas

de Educação de Jovens e Adultos do Ciclo I de 1ª a 4ª série do Ensino

Fundamental, [...]. (RIO CLARO, 2003).

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Ainda conforme o mesmo artigo desse Decreto compete à SME a elaboração do

quadro demonstrativo dos locais onde referidas classes serão implantadas; promover o

remanejamento, se necessário, das classes consideradas em locais onde estão oferecendo

condições de continuidade, ou proceder ao encerramento das atividades das classes

quando desnecessárias, e ainda promover o remanejamento ou a adequação dos

docentes nas respectivas classes remanejadas ou extintas.

Esse Decreto nº 6918, de 08 de setembro de 2003 vem revogar o Decreto

anteriormente apresentado: Decreto nº 6197, de 22 de março de 2000.

Em relação ao Decreto nº 7862, de 14 de fevereiro de 2007, o então Prefeito

Municipal de Rio Claro-SP Dermeval da Fonseca Nevoeiro Junior considerando a

existência de demanda para o Curso de EJA no período diurno na Rede Municipal de

Ensino decreta no artigo 1º:

Fica criada uma classe de Educação de Jovens e Adultos – EJA I (1ª a

4ª série) na Escola Municipal “Marcelo Schmidt”, a qual funcionará

provisoriamente no Instituto Allan Kardec, enquanto não houver

espaço físico disponível na escola-sede. (RIO CLARO, 2007).

Considerando a falta de espaço físico no período diurno nas escolas que

pertencem à região onde há essa demanda; aliada à disposição do Instituto Allan

Kardec, instituição conveniada com a SME, de conceder o espaço físico necessário,

levando-se em conta a existência de salas ociosas no período vespertino é que se dispôs

a criação de uma classe de EJA – Ciclo I, para funcionamento nessa instituição.

A pesquisa nos Jornais: Cidade de Rio Claro e Diário do Rio Claro

Na sede do Arquivo Público e Histórico do Município de Rio Claro foram

consultados os Jornais locais: Jornal Cidade de Rio Claro e Jornal Diário do Rio Claro,

de 1989 a 1991 sobre a questão da EJA, sob responsabilização do município.

A pesquisa inicial, que se deram nos jornais do ano de 1989, nos cadernos do

Jornal Cidade de Rio Claro, foi realizada folheando-se todas as páginas, dia-a-dia das

publicações desse ano. No Jornal Diário do Rio Claro, de 1989, além dos próximos

anos (1990 e 1991) de ambos os jornais locais, a pesquisa prosseguiu-se olhando

somente as capas das publicações diárias disponíveis, nas várias caixas existentes e

disponibilizadas por funcionários desse Arquivo Público e Histórico. Considerando o

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quesito tempo, a partir da experiência inicial de pesquisa nos jornais, na íntegra do

Jornal Cidade de Rio Claro, (de 1989), foi pensada uma nova estratégia para a

continuidade da pesquisa: atentando-se o olhar somente para as capas desses jornais.

Era uma nova maneira de contemplar a pesquisa: com informações a respeito da

implantação do Projeto Vésper em Rio Claro-SP, considerando que é na lide das

publicações que estão as principais informações e destaques dos fatos que serão notícia

no interior do impresso, tendo como principais elementos: manchete, texto chamada,

fotografias.

A pesquisa se deu nas capas dos jornais de 1989, 1990 e 1991, nas caixas

disponibilizadas. E, à medida que os textos da página inicial davam indícios, ou mesmo

notícias relacionadas à EJA, no município, remetíamos a leitura a páginas internas, que

traziam a notícia ou reportagem completa.

De acordo com o cabeçalho nas duas frentes dos jornais pesquisados, a fundação

do Jornal Diário do Rio Claro data de 1º de setembro de 1886; e o Jornal Cidade de Rio

Claro, de 9 de setembro de 1934. Em ambas as frentes dos jornais as publicações se dão

diariamente, exceto nas segundas-feiras e posteriormente aos feriados.

Em análise geral, as notícias nesses jornais não contemplavam especialmente a

institucionalização do Projeto Vésper no município. Os registros dessas análises a partir

das matérias dos jornais pesquisados ainda estão sendo organizados.

Questionários com os professores que atuaram no (período do) Projeto Vésper em

Rio Claro-SP

Com o intuito de compreender a respeito da atuação dos professores que

lecionaram no período de vigência do Projeto Vésper, em Rio Claro-SP, a pesquisa

contou com a participação de cinco participantes que fizeram parte da amostra: todos

professores, sendo quatro mulheres e um homem. O requisito para seleção e escolha dos

docentes para participação da pesquisa foi o de terem atuado como educadores na EJA

I, ao longo da existência desse Projeto.

Neste estudo, adotamos como procedimento de coleta de informações a

realização de um questionário com sete questões dissertativas e pessoais. Procuramos

contemplar questões com foco na formação (inicial e continuada), especialmente

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voltada para trabalhar com o público da EJA; época, local/locais, tempo de atuação e

como foi para que iniciassem o trabalho na modalidade de ensino da EJA. Também

questões de como viam o desempenho da SME, no que tange ao atendimento dessa

modalidade de ensino.

A participação dos professores nesta pesquisa foi importante na coleta de dados

(registros) com relação à atuação como docentes da EJA, especialmente por meio do

Projeto Vésper, que posteriormente serão analisados numa abordagem histórica

desenvolvida por meio dos procedimentos de localização, seleção e análise das fontes

documentais da época da implantação desse Projeto no município.

Para a relação de nomes de professoras que atuaram na EJA no período desse

Projeto contamos com uma lista, inicialmente, de aproximadamente 15 nomes de

professoras (atualmente em exercício, ou aposentadas), que nos foram indicados

gentilmente por Luciane Aparecida de Oliveira8, ex-coordenadora da EJA, na SME.

Além de Luciane, Valéria Velis e Rosemeire Colin, ex e atual coordenadoras da EJA na

SME, também contribuíram para o levantamento de nomes de professoras.

Destacamos que o contato inicial com os nomes levantados não foi tão simples.

Os primeiros cinco professores que aceitaram contribuir com os questionários são

Pedagogos de formação, ex-professores do antigo Projeto Vésper, atualmente

continuam em exercício na área da Educação, não mais como docentes na modalidade

de ensino da EJA. Alguns deles, de alguma forma, continuam a atuar com essa

educação, seja em cargos de Gestão, como quem ocupa função de Supervisão, na SME,

ou de Professora Coordenadora da EJA, de escolas municipais; ou mesmo seja quem

atua com educação profissional, ou ainda no Ensino Superior.

Ressaltamos que buscando não ferir a integridade moral, apresentaremos as

iniciais do nome e um dos sobrenomes de cada um, na medida do necessário, ao longo

deste texto. Procuramos contemplar questões com foco na formação (inicial e

continuada), especialmente voltada para trabalhar com o público da EJA; época,

local/locais, tempo de atuação e como foi para que iniciassem o trabalho na modalidade

8 Também atuou como professora da EJA, na época do Projeto Vésper em Rio Claro-SP. Atualmente é

Coordenadora do Ensino Fundamental I, da SME.

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de ensino da EJA. Apresentaremos, em seguida, alguns dos dados que mais chamaram a

atenção, com relação às respostas dos participantes, com intuito de discuti-los, a partir

de reflexões realizadas.

Relativamente ao quesito formações, todos os professores cursaram o Magistério

e são licenciados em Pedagogia. Duas delas relataram, inclusive, que vieram a cursar o

ensino superior – no caso, o curso de Pedagogia – depois de anos de prática

(participantes M.S. e S.M.). Outra participante (L.O.) expôs que “[...] quando ingressei

na Pedagogia, já trabalhava com EJA há aproximadamente sete anos.”. Com relação à

formação registramos ainda que três delas tem especialização em Gestão Escolar, duas

cursaram Especialização em Alfabetização e uma única professora (L.O.) tem

Especialização na EJA, ou seja, tem formação específica para essa modalidade de

ensino.

A respeito de como consideravam sua formação (no Magistério e na Pedagogia)

para atuação na EJA destacamos que três deles (M.C.; S.M.; M.S.) abordaram que na

prática é que foram se formando. Atrelado à prática apresentaram também a questão da

dedicação, curiosidade e vontade para o aprendizado. Outra participante relatou que em

todas as formações que teve a EJA foi pouco abordada; de acordo com o seu

depoimento (M.A.) registrou que: “O enfoque desses cursos, na época em que estudei,

sempre foram mais voltados para o ensino regular, assim como os estágios, planos de

aula e outras atividades relacionadas, não capacitando especificamente para atuação na

EJA.”. Outra participante (L.O.) apresentou que no Magistério nunca teve disciplina

nem orientação voltada para EJA. Relatou ainda que no curso de Pedagogia teve uma

disciplina obrigatória sobre a EJA, porém bastante superficial; não relacionando com

metodologia, teoria, nem prática, pelo que se recordou.

Da amostra de professores participantes da pesquisa todos foram atuantes no

Projeto Vésper, com início de trabalho com o público da EJA ao longo da década de

1990. Atuaram com essa modalidade de ensino, aos moldes da educação escolar

(básica), num total de tempo significativo, correspondendo a seis a 17 anos como

professores dessa educação.

Duas das professoras (M.S.; S.M) iniciaram os trabalhos na modalidade de

ensino EJA no começo da década de 1990, mais próximo ao início do Projeto Vésper,

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que se deu em 1991. A professora M.S. começou a atuar na EJA no final da década de

1980, mais especificamente em 1988, antes mesmo de passar a ser Projeto Vésper,

época ainda de atuação da Fundação Educar, que existiu até 1990. A professora S.M.

atuou inicialmente nessa modalidade de ensino a partir de 1992, na época já do Projeto

Vésper.

Outras duas (L.O.; M.A.) começaram a atuar nessa educação em meados da

década de 90, mais exatamente de 1994 e 1995, respectivamente. A professora L.O.

atuou por 12 anos como educadora da EJA; depois, em 2009 até o primeiro trimestre de

2011 passou a ocupar o cargo de Coordenadora da EJA, na SME.

O professor M.C. iniciou o trabalho com esse público da EJA mais no final da

década de 90, mais exatamente em 1998.

Todos eles pedagogos atuaram na etapa correspondente a EJA I, de 1ª a 4ª séries,

uns trabalhando mais com as fases dessas primeiras séries, mais diretamente com a

etapa de alfabetização, outros atuando com níveis relativos à pós-alfabetização, com

educandos jovens e adultos.

Os locais de trabalho desses educadores eram, no geral, escolas municipais,

comumente EMEIs, onde no período diurno se atendia a Educação Infantil e, no

noturno, a EJA. Além desses espaços escolares, em alguns outros locais, que não

especificamente escolas, foram realizadas aulas de EJA, como no “Centro Dia do

Idoso”, no Ginásio Municipal de Esportes, na Biblioteca do bairro Cervezão, no salão

localizado no Alto do Santana “Padre Augusto Casagrande”, no “Movimento Rural

Cristão”, na Capela Santa Terezinha e também em sala na UNESP. Conforme

depoimento da professora M.S.: “‘cheguei a dar aulas na Praça em frente a UNESP até

receber a liberação para o uso de uma sala dentro do campus.”

Ressaltamos que durante a gestão de um dos Secretários da Educação,

especialmente na do Prof. Romualdo Dias, em Rio Claro-SP, uma das propostas foi a da

realização de experiências de Educação Popular. Explicitamos que, embora em

momentos pessoais com os participantes da pesquisa esses tenham se expressado,

apresentado e mesmo se posicionado em relação a essa experiência pela qual

vivenciaram, de Educação Popular, alguns acabaram por não prezar/apresentar

informações de tais momentos nas respostas dos questionários respondidos. Assim, os

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dados para explicitação desse período na EJA no município foi possível a partir de

algumas informações por meio do que contaram de conversas.

Constatamos que em 1998, com o intuito de atingir maior número de pessoas na

EJA, institui-se nesse ano o Projeto Ler Rio Claro em locais diversos do município,

como igrejas e associações. A partir das palavras da professora M.A.: “Pelo que me

recordo, a proposta era a de que a Educação Popular deveria ocorrer em outros locais

além do espaço escolar para se aproximar mais dos alunos, sua realidade, etc.”. Com

base nos dados explicitados pela professora M.S., atuante nessa modalidade de ensino

antes mesmo do Projeto Vésper: “Durante o período na Fundação Educar tínhamos que,

a cada seis meses, procurar um local para ministrar as aulas ou permanecer onde já

estávamos. No início do Projeto Vésper também, mas com o passar dos anos as escolas

eram consideradas pólos para o Projeto. Mas me lembro que alguns pólos funcionaram

anos em igrejas, salões, biblioteca, não por falta de escolas mas por serem considerados

locais próximos para os alunos da localidade.”

Foi uma nova proposição de práticas/experiências de tentativa de Educação

Popular, nos quais os professores tiveram de mudar os critérios com os quais estavam

acostumados, de controle, inclusive; e “de repente” tendo que atuar mais diretamente

com a comunidade, mudando até mesmo os seus espaços de atuação costumeiros para

locais outros, que não as salas de aulas em prédios escolares, onde já estavam

habituados. Com isso, os indícios que tivemos, por meio das respostas e dos

depoimentos de alguns professores participantes da pesquisa foram sensações

relacionadas a desafios e dificuldades. Especificamente na questão em que visávamos

detectar quais eram os maiores desafios para cada um quanto à atuação na modalidade

de ensino da EJA, a resposta da professora S.M. foi: “[...] quando saímos das escolas

encontramos dificuldades para encontrar pessoas e lugares disponíveis para dar aulas.

Os locais encontrados não possuíam estrutura para receber alunos (lousa, material

didático, auxiliar administrativo e direção) e precisávamos ir atrás de alunos e nós

mesmos fazíamos as matrículas e encaminhávamos para a SME.”

Enfatizamos que essa experiência de tentativa de experiência de uma Educação

Popular no município de Rio Claro-SP fez parte praticamente do momento histórico da

transição do fim do Projeto Vésper, para a “EJA”, sua posterior denominação; na fase

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de mudança e atuação também de novo governo, sob nova gestão; incluindo o

Secretário Municipal de Educação, cujo cargo é comissionado. Nesse momento, o novo

governo a assumir a gestão pública do município de Rio Claro-SP foi o Prefeito Claudio

Antonio de Mauro. Nessa gestão foi nomeado como Secretário da Educação do

município o Prof. Romualdo Dias.

Relativamente à questão para saber como foi para que cada um começasse a

trabalhar com a EJA, três dos professores participantes da pesquisa (M.A.; S.M.; M.C.)

relataram que a atuação inicial nessa modalidade de ensino se deu por meio de um

processo seletivo. Apesar da falta de experiência desses educadores com relação à EJA,

o indicativo, a partir das respostas analisadas, no conjunto, assim como pelas suas falas

ao abordar essa educação, é de que apesar do(s) desafio(s) enfrentado(s), a priori,

tinham um ‘gosto’ especial para atuação com esse público da EJA. O relato da

professora S.M. foi de que: “[...], não tinha experiência com essa modalidade, mas

aprendi a gostar e respeitar o público atendido. Foi uma experiência válida e prazerosa.

Porque era uma época em que todos tinham vontade de estudar e não estavam lá

encaminhados por outro órgão ou porque eram obrigados por seus pais e dessa forma se

dedicavam por almejarem aprender.” Outra professora, M.A., apresentou que: “[...], não

tive muita dificuldade para trabalhar com a EJA, pois mesmo com nenhuma experiência

nessa modalidade de ensino os alunos mostravam-se interessados, facilitando o

desenvolvimento do trabalho. Os professores que trabalhavam no projeto Vésper eram

bastante comprometidos e me auxiliaram bastante. No entanto, tive que realizar muitas

pesquisas para poder trabalhar com essa modalidade de ensino de maneira adequada e

coerente com suas especificidades.”. Dentre os participantes, o professor M.C. é quem

expôs o interesse de atuar especialmente com essa modalidade de ensino. De acordo

com seu depoimento: “[...], sempre quis lecionar para esse público, assim como para

alunos deficientes, e graças a Deus fui amplamente correspondido. Pois trabalhei com o

que mais queria.”

De acordo com o relato da professora M.S. a sua atuação inicial com a EJA se

deu a partir da oportunidade de participação de uma formação para professores, por

convite de uma amiga, que despertou a curiosidade para o trabalho com esse público.

Segundo a sua explanação: “Na época a formação não era somente para ajudar no

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trabalho e sim orientar aos professores como conseguir aluno, pois dependeria do

trabalho de conscientização para conseguir se manter no trabalho. Era dada uma lista

para cada professor que deveria “correr atrás”, bater de por em porta mostrando ao

adulto a importância de voltar aos estudos, além de ter que conseguir o local para

ministrar as aulas.”. A educadora, que atuou também como docente no período anterior

ao Projeto Vésper, na época da “Fundação Educar”, esclarece que os professores tinham

que, a cada seis meses, procurar por um local para ministrar suas aulas ou permanecer

onde já estavam. Era preciso manter uma quantidade mínima de alunos na sala para

continuar trabalhando. Conforme seu depoimento, no início do Projeto Vésper também

era assim, até que com o passar dos anos as escolas foram consideradas pólos para o

Projeto.

No caso da professora L.O., conta que precisava trabalhar no período noturno

por disponibilidade de tempo nesse turno, considerando que, em período integral,

cursava graduação em Biologia. Assim, de acordo com o seu relato, foi até a SME

procurar por trabalho. “Uma semana após meu pedido, recebi uma ligação dizendo se eu

tinha interesse em pegar aulas de EJA em uma das escolas, [...], que teria sua sala de

aula desmembrada. De pronto aceitei o convite e no dia seguinte iniciei as atividades.

Morrendo de medo, pois não sabia o que me esperava, quantos alunos, o que

conheciam, o que trabalhar, enfim. Tinha mais dúvidas do que certeza!”.

Partindo da amostra desses professores observamos que, inicialmente, nenhum

deles possuía formação sólida, ou melhor, formações mais específicas, para atuação

nessa modalidade de ensino. Face ao caráter específico da EJA, a heterogeneidade desse

público, por exemplo, merece consideração cuidadosa. Na investigação em termos de

formação continuada, especialmente voltada para os professores que atuavam com o

público da EJA, durante o Projeto Vésper, observamos que as oportunidades para esse

tipo de formação existia, mas eram poucas.

A respeito dos maiores desafios, quanto à atuação na EJA, destacamos, de uma

maneira geral com base nas respostas apresentadas, a questão da falta de material

específico. De acordo com L.O.: “Naquela época não tínhamos material didático.

Utilizávamos livros didáticos do ensino fundamental regular para a elaboração das

aulas, fazíamos adaptações do material e muitas vezes continuavam inadequados.”

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Houve também outro momento em que os próprios professores dessa modalidade de

ensino criaram materiais para o trabalho na EJA. Conforme o depoimento da professora

S.M.: “o material didático por um bom tempo era confeccionado pelos professores em

forma de apostilas utilizadas por todos. Após um tempo utilizando essas apostilas

começaram a vir coleções para cada série, mas não sei bem o ano em que isso

aconteceu.” Posteriormente, começaram a existir materiais voltados para o público

específico da EJA. Segundo testemunho da professora M.S.: “Após alguns anos nos

ofereceram livros feitos especificamente para o aluno adulto, não eram livros “100%”,

mas ajudaram muito a nortear o trabalho.” Outros aspectos desafiadores destacados

foram relativos ao despreparo relacionado à formação, falta de experiência ou a prática,

de forma a não infantilizar os educandos jovens, adultos ou idosos. Aquele momento,

em 1998, em que a EJA não é realizada nas escolas, por tentativa de experiência de

Educação Popular, conforme já apresentado anteriormente, também foi apontado como

um dos desafios, por parte dos professores, que enfrentaram dificuldades no trabalho

por alguns motivos como falta de infraestrutura, materiais, entre outros. Nas palavras da

professora S.M.: “[...] quando saímos das escolas encontramos dificuldade para

encontrar pessoas e lugares disponíveis para dar aulas. Os locais encontrados não

possuíam estrutura para receber alunos (lousa, material didático, auxiliar administrativo

e direção) e precisávamos ir atrás de alunos e nós mesmos fazíamos as matrículas e

encaminhávamos para a SME.”. Alguns outros desafios foram explicitados, como: a

EJA sendo considerada inquilina das escolas; o baixo investimento por parte do

Governo Federal com essa modalidade de ensino; o trabalho com esse público

relativamente quanto às questões como alfabetizar adultos analfabetos; trabalhar com a

diversidade, as diferenças de faixas etárias em uma mesma turma; a questão da não

estabilidade, de nunca saber se teriam classe no semestre seguinte.

Com relação a como esses educadores viam a atuação da SME no que tange ao

atendimento dessa modalidade de ensino, de acordo com os depoimentos, recebiam

orientações da equipe de Coordenação da EJA, da SME; realizavam reuniões periódicas

(quinzenais), com trocas de experiências e faziam planejamento coletivo. Vale destacar

que antes, nessa época, essas reuniões periódicas não correspondiam aos atuais HTPCs,

pois naquele momento não eram previstos na carga horária. Consideramos que na

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medida da necessidade se começaram com tais reuniões quinzenais, aos sábados,

momentos em que os professores da EJA se reuniam, como momento de formação, com

a coordenadora dessa modalidade de ensino, da SME, que conduzia esses encontros. No

quesito assessoria pedagógica, os participantes relataram boa atuação da SME. Podemos

exemplificar com alguns depoimentos apresentados: (Professora S.M.): “[...], durante

um bom período tivemos assessoria através das coordenadoras da EJA, mas quando essa

modalidade foi retirada das escolas tivemos muita dificuldade e pouco

assessoramento.”; (Professora M.S.): “[...] posso dizer que nos anos que trabalhei tive

muito apoio de profissionais, que na época eram os Coordenadores da EJA na SME e

que fizeram um trabalho muito bom dentro da rede.”.

Em termos de formação continuada especificamente para os professores atuantes

na EJA as oportunidades existentes e explicitadas foram: novamente as reuniões

pedagógicas, já apresentadas anteriormente; além dos Simpósios Municipais de

Educação e algumas formações. De acordo com informações cedidas pela professora

L.O.: “Realizávamos grupos de estudo onde os professores que atuavam na EJA

reuniam-se para a discussão das turmas, o que estávamos trabalhando, como poderia ser

feito o trabalho, fazíamos dinâmica entre nós para compreender um pouco mais o

trabalho com jovens e adultos. Tomamos conhecimento da Proposta Curricular da EJA,

estudamos alguns tópicos deste documento e tivemos alguns encontros com o professor

Romualdo Dias onde falamos sobre a Educação Popular.”

Esclarecemos que os Simpósio Municipais da Educação realizados anualmente

pela SME de Rio Claro-SP são momentos de formação dos profissionais da Educação:

monitores, inspetores, professores, professores coordenadores, diretores, vice-diretores e

gestores, que tratam da educação de modo geral, não especialmente da EJA.

Com base nos dados explicitados pela professora M.A.: “Em 1998 houve o I

Seminário Latino Americano de Educação Popular na Escola Agrícola e em 1999,

houve o I Encontro de Educação de Jovens e Adultos.”. Experiências essas,

especificamente de formações para a EJA.

Vale lembrar e destacar que os participantes da pesquisa concordaram contribuir

com o presente estudo demonstrando satisfação em poder colaborar, relembrar histórias,

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suas experiências e poder “dizer” e registrar sobre momentos históricos, a nosso

observar, especiais e de reminiscências.

Um sentido de conveniência. Aqui eu me refiro ao desejo do indivíduo

de um sentimento de auto-respeito enraizado numa crença em seus

próprios valôres e experimentado quando êle confirma a realidade

dêsses valôres em seu próprio comportamento diário. Poderíamos

também incluir nessa rubrica particular o que muitas vêzes tem sido

citado como o <<desejo de dizer>>, não necessàriamente um dizer

que seja altamente intelectualizado, mas ao menos um sentimento de

que a própria existência de alguém faz sentido. (CANTRIL, 1971, p.

223).

Consideramos relevante o quesito formação específica de educadores para

atuação nessa modalidade de ensino. A mediação é um fator fundamental a ser

considerado no processo de aprendizagem humana. Percepções e sensibilidades por

parte dos educadores se fazem primordiais, a nosso ver:

Feuerstein fala do papel do mediador como elemento humano que se

interpõe no processo, que interage com o mediado. Parece estar de

acordo com a valorização que Freire faz do educador e com sua

perspectiva de visão mais abrangente. Para Freire, ensinar faz parte da

especificidade humana. Feuerstein, de certa forma, confirma isso,

quando diz que o mediador pode ser qualquer pessoa interessada na

aprendizagem de alguém. Ambos defendem veementemente que a

interação com o “outro” é condição indispensável ao viver humano.

(SOUZA; DEPRESBITERIS; MACHADO, 2004, p. 160).

O educador, alguém mais experiente com relação ao conhecimento

sistematizado, pode, com sua perspectiva de visão mais abrangente, por meio de

percepções e sensibilidades, interagir com os educandos, mediando os conhecimentos

pouco elaborados a partir das experiências dos mesmos, sistematizando-os.

Destacamos ainda o desafio dos educadores dessa modalidade de ensino, que

muitas vezes têm de atuar em salas com educandos de idades, interesses, motivações,

objetivos os mais diferentes em um mesmo espaço. Embora saibamos da importância da

interação com o outro, muitas vezes a sala de EJA acaba sendo um espaço nessa

contramão, por conta das heterogeneidades consequentes dos conflitos intergeracionais.

Conclusões

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Pudemos observar ao longo do texto que, com a extinção da Fundação Educar,

no ano de 1990, assim como de outros programas existentes, o governo federal não

propôs nada que a substituísse, deixando a responsabilização pela oferta da EJA para os

estados e os municípios. Podemos dizer que, a partir de então, essa modalidade de

ensino é descentralizada. Após esse período, o município de Rio Claro-SP, por meio da

SME vai assumindo essa responsabilidade.

Nem todas as análises da pesquisa realizada ainda foram desenvolvidas, pois se

encontra em andamento. Porém, alguns aspectos já podem ser constatados ao longo do

texto aqui apresentado. Apesar de escassas, as fontes documentais a respeito do Projeto

Vésper no município, especialmente no momento de sua implantação, puderam revelar

dados relevantes e pertinentes a continuação das investigações.

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classes isoladas de Educação de Jovens e Adultos Ciclo I – 1ª a 4ª séries do Ensino

Fundamental.

RIO CLARO. DECRETO Nº 6918, de 08 de setembro de 2003. Dispõe sobre a vinculação das

classes isoladas de Educação de Jovens e Adultos Ciclo I -1ª a 4ª série do Ensino Fundamental e

dá outras providências.

RIO CLARO. DECRETO Nº 7862, de 14 de fevereiro de 2007. Dispõe sobre a criação de

Classe de Educação de Jovens e Adultos – EJA I (1ª a 4ª série) na Rede Municipal de Ensino e

dá outras providências.

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