Memórias dos atletas olímpicos dos clubes sul-rio-grandenses
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REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos sujeitos no Centro Histórico
de São Luís - MA
Ivanilde da Conceição Silva
1
Resumo: Apresenta-se uma reflexão sobre as questões relativas à compreensão da dinâmica, conflitos e lugares representados no Centro Histórico de São Luís – MA. Destaca-se que é de suma importância, entender e analisar de que maneira os sujeitos concebem a ideia de patrimônio e como esse espaço é apropriado por esses atores. Ressalta-se também o sentido da materialização e simbolização do lugar de suas moradas que são resignificadas pelos sujeitos. Entender como é construída e reconstruída as memórias acerca desse espaço torna-se fundamental para apreender os significados e atribuições gerados pela experiência vivenciadas pelos sujeitos. Palavras-Chave: Patrimônio; Centro Histórico; Memória coletiva . Abstract: It presents a reflection on the questions related to the understanding of the dynamics, conflicts and places represented in the Historical Center of São Luís - MA. It is important to understand and analyze how the subjects conceive the idea of heritage and how this space is appropriated by these actors. It is also emphasized the meaning of the materialization and symbolization of the place of their dwellings that are reframed by the subjects. Understanding how memories are built and reconstructed about this space becomes fundamental to grasp the meanings and attributions generated by experience experienced by subjects. Keywords: Patrimony; Historic center; Collective memory.
1 Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais- UEMA; Mestranda PGCult- UFMA E-mail:
I. INTRODUÇÃO
Este trabalho nos ajuda a compreender as classificações operadas pelos sujeitos e a
construção do processo de patrimonialização do Centro Histórico de São Luís a partir da
representação das memórias dos sujeitos. Sobre a categoria patrimônio no decorrer deste
trabalho adota-se o conceito de patrimônio histórico como um conjunto de bens que contam
a história de uma geração através de sua arquitetura, vestes, mobílias, utensílios, armas,
ferramentas, transportes, obras de artes, documentos. O patrimônio histórico é também
importante para a compreensão da identidade histórica mantendo vivos os costumes de
determinadas sociedades. Já o patrimônio cultural é o conjunto de bens materiais ou
imateriais, que contam a história de um povo através de seus costumes, religiões, rituais,
festas etc.
Por memória coletiva devo explicitar que é uma memória que envolve sentimentos,
ideias, paixões, reflexões, ou seja, há uma atribuição de significados às coisas é uma
construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com
que haja a possibilidade de se recuperar, resgatar o passado vivenciado de modo que este
passado torne-se latente ele pode ser criado e recriado a partir de novos sentidos que são
dados pelos atores e atrizes sociais.
Centro Histórico de uma cidade é uma área central relativamente ao restante da área
construída exercendo um poder de atração sobre os habitantes e turistas. É um foco da vida
econômica e social, um local que possui uma imagem simbólica seja para aqueles que
moram na cidade ou para aqueles que visitam a mesma.
II. OS OBJETIVOS E OS MÉTODOS DA PESQUISA
O objetivo desta pesquisa foi entender como os sujeitos que vivem no Centro
Histórico de São Luís representam o sentido do lugar de suas moradas e interpretar a
representação dada ao lugar a partir das memórias acionadas pelos moradores.
A metodologia utilizada na pesquisa tem por base uma abordagem qualitativa, neste
sentido esta abordagem para Chizzotti (2014) é marcada por uma observação imbuída de
uma teoria, o texto não escapa a uma posição no contexto político e a objetividade está
delimitada pelo comprometimento do sujeito com sua realidade circundante, opto por tal
abordagem devido às questões da pesquisa qualitativa não se esgotarem ou se constituírem
em um modelo único, a pesquisa qualitativa possui uma abordagem que é capaz de
oferecer novas vias investigativas.
O instrumento de coleta de dados adotado foi a observação direta e a entrevista
semi-estruturada apoiadas nas pesquisas bibliográficas.O método adotado foi o método
interpretativo, para escolher entre as “estruturas de significação”, ou seja, os indicadores
estabelecidos e, nos aproximar da linguagem de explicação e representação social de um
saber do grupo, o método interpretativo parte do princípio que a vida social é cheia de
representações, essas representações devem ter uma explicação interpretativa. Segundo
Geertz (2008, p.13) “os nossos dados são realmente nossa própria construção das
construções de outras pessoas”. Este método se relaciona a uma dentre as muitas formas
de interpretar os sentidos da “organização da vida social”. (GEERTZ, 2007, p.36,37)
Por uma questão de ética profissional e cuidado em não colocar em risco a integridade
física e moral dos agentes sociais envolvidos na pesquisa preservei a identidade de todos
os atores e atrizes sociais que gentilmente concederam-me entrevista, garantindo o sigilo
dos seus nomes e a segurança dos mesmos, neste sentido optei então por modificar seus
nomes.
III. Patrimônio: aspectos sócio-históricos
A expressão patrimônio é aqui empregada como uma representação simbólica que
envolve o papel da memória e das tradições que vão culminar na construção de identidades
coletivas. Entretanto a ideia de patrimônio apresenta uma trajetória longa desde o seu
surgimento até sua institucionalização no Brasil. O termo patrimônio foi cunhado no final do
século XVIII com a formação dos Estados Nacionais nesse contexto expressa a noção de
herança nacional, de acordo com Choay (2001) a palavra patrimônio em sua origem
apresenta-se ligada às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma determinada
sociedade. No entanto, a noção sobre a categoria patrimônio ao longo do tempo sofre
modificações, expressões como patrimônio histórico artístico representa uma noção utilizada
na década de 1930 no Brasil, onde o Estado decidia o que tinha ou não de ser preservado,
com o objetivo de construir a identidade da nação brasileira bem como seu imaginário
simbólico, o objetivo era legitimar a posse pelo Estado a bens culturais atrelados ao domínio
do Estado em nome da sociedade na qual ele representa. “A ideia de se constituir um
patrimônio era de fundamental importância para a formalização da História nacional e
legitimação do Estado brasileiro, em um projeto de homogeneização da cultura brasileira”.
(NORONHA, 2006).
Somente na década de 70 houve uma redefinição na questão patrimonial,
aconteceu uma vinculação da ação política desenvolvimentista a temática da preservação,
alguns intelectuais tornaram-se mediadores entre os grupos sociais marginalizados até
então pelo Estado, objetivando a transformação do sentido social da política federal de
patrimônio democratizando e colocando a mesma a serviço da construção da cidadania e da
pluralidade cultural.
Na década de 1970, a ação preservacionista mudou essa noção de
monumento isolada, para o entendimento de patrimônio como
cultura. E a organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO), terá papel fundamental nessa
concepção, ao instituir, em 1972, a categoria de “patrimônio cultural
da humanidade” para bens tombados pelo poder público local, que
passam a ser reconhecidos internacionalmente. O patrimônio passou
a tornou-se um produto cultural a ser preservado para o consumo
pelo turismo”. (CAMELÔ, 2012, p.132)
A Constituição Federal Brasileira de 1988 (2003) em seu artigo 216, entende como
patrimônio cultural brasileiro:
Os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente
ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória de diferentes grupos formadores da sociedade brasileira
nos quais se incluem:
I. as formas de expressão;
II. os modos de criar, fazer e viver;
III. as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV. as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artísticos culturais;
V. os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Os incisos deste artigo deixam claro que a noção de patrimônio permeia as
modalidades de bens materiais ou bens tangíveis e bens imateriais ou bens intangíveis, o
primeiro refere-se um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza
arqueológica, paisagístico, etnográfico, histórico, belas artes e das artes aplicadas, já o
segundo está ligado à falta de sustentação material, são mantidos pela tradição,
conhecimentos técnicos, artesanatos, danças e manifestações populares (DUAILIBE, 2011).
Ao adotar a noção de referência cultural e ao associá-la a grupos sociais específicos,
a lei passa a considerar os sentidos simbólicos de artefatos e grupos sociais específicos,
considerando as fronteiras de identidade e diferença, logo valores atribuídos localmente
tanto de artefatos quanto de práticas passam a ser consideradas. (ARANTES,2010, p.55).
Desta forma, o patrimônio está relacionado na Constituição Brasileira à ideia de se
transmitir determinadas práticas e conhecimentos de geração em geração, portanto ele é
constantemente criado e recriado devido às interações existentes entre os grupos sociais
com a natureza e com a história gerando identidade e respeito pelas diversidades culturais.
IV. Patrimônio Público: Centro Histórico e Memória Coletiva
Quando fala-se em patrimônio esta categoria pode está relacionada com diferentes
noções desde a noção de patrimônio financeiro que é uma ideia ligada com a esfera
econômica (patrimônio de uma família, de uma empresa de um indivíduo), até a ideia de
patrimônios históricos, artísticos e culturais.
Do ponto de vista moderno patrimônio é um objeto ou valor de pertença de alguém
ou grupo social. Neste sentido, denomina-se patrimônio público o conjunto de bens
artístico, estético, histórico ou turístico produzidos por grupos sociais que pertence ao povo,
ou seja, é todo um legado de uma geração ou grupo social que ao produzir esses bens
deixa uma herança para as gerações futuras.
O patrimônio público está relacionado com a forma na qual o Estado administra e lida
com a cultura produzida pelos grupos sociais em uma determinada sociedade legitimando a
memória coletiva, bem como preservando os elementos culturais marcantes.
A categoria memória coletiva foi um termo cunhado pelo sociólogo francês Maurice
Halbwachs, onde ele vai defender que a memória do sujeito está diretamente ligada com
sua vivência no dia a dia, de acordo com BOSI (1994) a memória do indivíduo depende do
seu relacionamento com a família, com a classe social a que pertence, com a escola, com a
igreja, com a profissão, ou seja, com os grupos de convívio e os grupos de referência
peculiares ao sujeito.
Memória Coletiva é o processo social de reconstrução do passado
vivido e experimentado por um determinado grupo, comunidade ou
sociedade. Este passado vivido é distinto da história, a qual se refere
mais a fatos e eventos registrados, como dados e feitos,
independentemente destes terem sido sentidos e experimentados
por alguém. (HALBWACHS apud SILVA, 2009, pg. 4)
Neste sentido, apreende-se que a memória coletiva é o encontro do passado com o
presente e o espaço físico é essencial para que as recordações ou lembranças tornem-se
sempre vivas, de modo que este ambiente atinja a qualidade íntima da memória, uma
memória que é individual, mas ao mesmo tempo está intrinsecamente ligada ao grupo.
Segundo Halbawchs é impossível um ator social ter uma memória absolutamente
individual, levando-se em consideração que o indivíduo não vive só, mas está sempre
cercado de pessoas inconfundíveis, portanto a lembrança é uma construção social passível
o tempo todo de ser reconstruída socialmente.
Para que a nossa memória se aproveite da memória dos outros, não
basta que este nos apresentem seus testemunhos: também é
preciso que ela não tenha deixado de concordar com as memórias
deles e que existam muitos pontos de contato entre umas e outras
para que a lembrança que nos fazem recordar venha a ser
constituída sobre uma base comum. (HALBWACHS apud LEAL,
2007, p.3)
Memória coletiva é uma memória que envolve sentimentos, ideias, paixões,
reflexões, ou seja, há uma atribuição de significados às coisas é uma construção social esta
memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com que haja a
possibilidade de se recuperar, resgatar o passado vivenciado de modo que este passado
torne-se latente ele pode ser criado e recriado a partir de novos sentidos que são dados
pelos atores e atrizes sociais.
Centro Histórico de uma cidade é uma área central relativamente ao restante da área
construída exercendo um poder de atração sobre os habitantes e turistas, é um foco da vida
econômica e social é um local que possui uma imagem simbólica seja para aqueles que
moram na cidade ou para aqueles que visitam a mesma, para DUAILIBE (2013) a categoria
Centro Histórico pode ser pensado como um lugar, onde se cruzam vários outros lugares, e
onde os sujeitos e as narrativas acontecem no sentido de fazer valer memórias e
sociabilidades.
V. Centro Histórico de São Luís: aspectos geográficos do lugar
Em 1996 São Luís concorreu ao título de Cidade Patrimônio Cultural da Humanidade
sendo que esse título só foi concedido à cidade em junho de 1997 na 22ª Reunião
Internacional do Bureau do Comitê do Patrimônio Mundial/COM, na sede da UNESCO-
Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura, em Paris onde foi
apresentada a defesa da proposição que foi aprovada pela delegação dos sete países
componentes do Baureau ( México, Japão, Alemanha, Austrália, Marrocos, Nigéria e Itália
sendo que a homologação feita pelo plenário do Comitê do Patrimônio Mundial ocorreu em
dezembro de 1997.O parecer do ICOMOS- Conselho Internacional de Monumentos e Sítios,
instituição ligada à UNESCO e responsável pela atribuição do título, atestou que:
O centro Histórico de São Luís do Maranhão é um exemplo
excepcional de cidade colonial portuguesa adaptada às condições
climáticas da América do Sul equatorial e que tem conservado dentro
de notáveis proporções o tecido urbano harmoniosamente integrado
ao ambiente que o cerca. (O Estado, p.46)
O chamando Centro Histórico de São Luís, apresenta cerca de 8 Km de extensão e
resulta de sucessivos aterros dos quais hoje tem-se o Anel Viário. Nessa divisão são cerca
de 220 hectares com cerca de 5.607 imóveis de arquitetura tradicional luso-brasileira.
Erguidos principalmente nos séculos XVIII e XIX, os casarões, sobrados, solares, igrejas
representam as edificações no princípio estilístico do barroco brasileiro pombalino. As
principais características do barroco pombalino estão presentes na fachada das casas de
modo a apresentar seis estilos: porta e janela, ¾ de morada, morada e comércio, meia-
morada, morada-inteira, morada-e-meia. (CARVALHO, 2001, p.2)
Mapa 1- Centro Histórico de São Luís
Fonte: IPHAN, 2015
1-Tombamento Federal (IPHAN), 2- Área protegida pela Unesco, 3- Área de
proteção Estadual
De acordo com CAMELÔ (2012), a partir de 1981 iniciou-se o projeto que propunha a
preservação e a revitalização do Centro Histórico de São Luís, este projeto ainda propunha-
se a devolver à Praia Grande uma vitalidade comercial que estava desaparecendo, sinais do
esvaziamento econômico que vinha ocorrendo desde a década de 1970. Em 1987,
aconteceu a implantação do Reviver ou Programa de Preservação e Revitalização do
Centro Histórico, que restaurou casarões, as redes de serviços públicos de água, telefonia,
esgoto, as redes de energia elétrica, utilizando-se luminárias conforme fotos do início do
século XX, pretendia-se “Reviver” o início do século XX com as marcas do século XXI.
Esse projeto teve duas fases distintas, a primeira compreendendo os anos de 1987 e
1988, dedicou-se às obras consideradas prioritárias ou emergenciais, tais como a reforma e
estruturação do prédio destinado ao funcionamento do Centro de Criatividade Odylo Costa
Filho, a restauração das fachadas da Igreja da Sé e do Palácio Episcopal, a reforma dos
Armazéns do Estado, entre outras. Posteriormente, vieram as intervenções urbanas mais
profundas, realizada principalmente na área da Praia Grande e arredores.
Nesse processo o Bairro da Praia Grande, localizado no Centro Histórico foi um dos
locais priorizados pelo projeto de recuperação e revitalização, neste bairro localiza-se o
Mercado da Praia Grande um dos maiores símbolos econômicos do século XIX, com a
recuperação desse mercado os espaços foram trabalhados inicialmente para atender a
todos os consumidores que viviam na região central de São Luís, hoje esse espaço atende a
outras demandas além de vender produtos alimentícios, sedia apresentações folclóricas,
festas religiosas e outros rituais sagrados e profanos. (MARQUES; PADILHA, 2012, p. 39,
40).
O Mercado da Praia Grande é um dos mais importantes pontos de
comércio e também de turismo, que confere um charme especial à
capital maranhense, o Mercado da Praia Grande é considerado o
coração do bairro homônimo e congrega o comércio à cultura em
seus 103 boxes e 12 restaurantes. De dia é tomado pelo comércio e
à noite, redutos de artistas e boêmios. (O IMPARCIAL, 2014, p.9)
Halbawchs faz uma distinção entre memória histórica e memória coletiva, a memória
coletiva está relacionada com a história pessoal de cada indivíduo que por sua vez faz parte
da história, a memória histórica é única enquanto que a memória coletiva é múltipla por
fazer parte da memória de um determinado grupo.
Assim sendo, o Estado ao se interessar em preservar bens culturais seja estes de
natureza material ou imaterial recria o passado que é regatado através da memória coletiva,
de modo que a proteção e o fortalecimento dos bens culturais está diretamente ligada com a
construção da identidade dos atores e atrizes sociais.
VI. Centro Histórico: Espaço de construção de vida
De acordo com DUAILIBE (2013), o patrimônio assume vários sentidos, vários
contextos e também várias formas de expressar a memória social, pois os lugares narrados
na memória são compartilhados seja pelos sujeitos que alí vivem ou na experiência
daqueles que se utilizam desses elementos para a política de preservação. Morar ou ter
morado em lugares com características históricas demonstram o modo como o valor é
adensado nas lembranças.
Neste sentido, a representatividade do que é morar no Centro Histórico difere de
sujeito para sujeito, alguns informantes relatam que gostam de morar no Centro Histórico
devido à facilidade que este local permite aos moradores de terem acesso a bens e
serviços, o que está em jogo são os laços afetivos com o espaço, mas também a praticidade
como está claro no depoimento que segue abaixo de João de 56 anos morador há 28 anos
da Travessa da Lapa, Desterro.
Ao ser questionado sobre qual motivo o leva a gostar de morar no Centro histórico,
seu João explica da seguinte forma “porque aqui no Centro a gente tá perto de tudo, aqui é
mais calmo, em relação aos outros bairros eu acho o Centro muito calmo... na verdade eu
sempre gostei do Centro da cidade, nas cidades onde eu estive por aí, eu sou de Brasília e
como eu te disse eu vim pra cá faz 28 anos, eu me sinto bem aqui eu tô perto de tudo, tô
perto do mercado, assim o Centro tá muito desorganizado tá precisando de algumas coisas,
mas eu gosto”.
Na fala de seu João ele explicita uma identificação com o local, lá é o espaço que
ele construiu sua vida, que ele sempre trabalhou e portanto é um local onde ele criou um
vínculo afetivo, por outro lado ele vê nesse espaço a praticidade de poder ter acesso a
vários ambientes que são necessários ser acionados na vida diária como o mercado por
exemplo. No entanto no discurso de seu Gonçalo perpassa a preocupação com a
degradação do local, a falta de um olhar mais sensível pelo poder público talvez sejam o
motivo que leva esse sujeito a dizer que o espaço é “desorganizado e está precisando de
muitas coisas” o que demonstra a falta de comprometimento do poder público para com a
comunidade.
VI.I Centro Histórico: Lugar de “abandono”
No dizer de Guedes (2014), a cidade é representada por sujeitos que elaboram
constantemente as memórias de suas experiências, assim sendo, a cidade deve ser
pensada como uma realidade plural, em que diferentes sujeitos e grupos sociais habitam
física e simbolicamente este espaço dito patrimonializado o que desencadeia uma dinâmica
própria com construções de redes de relações sociais.
Neste tópico apresentarei a fala de uma moradora de 76 anos que reside na Rua da
Palma há cinco anos, ela chama-se Luenir quando jovem morou em São Luís, depois
mudou-se para São Paulo retornando à capital ludovicense no ano 2000.
De acordo com a seleção de suas lembranças ela descreve o Centro como um
espaço tranquilo, porém desorganizado e abandonado como demonstra a seguinte fala:
“eu acho que aqui ainda é tranquilo, apesar da desorganização, apesar da cidade está
maltratada, suja, fedida entendeu? Pra Patrimônio da Humanidade, isto aqui tá muito
abandonado, muito abandonado”.
Dona Luenir deixa claro que há uma degradação no local, certamente pela falta de
um olhar mais sensível do poder público, alguns moradores concebem esse espaço como
um lugar “abandonado”, portanto sem uma estrutura adequada para atender às
necessidades mínimas da população.
Quando questiono dona Luenir se o fato de o Centro Histórico ser abandonado a
deixava triste, ela responde da seguinte maneira “ sim, porque isso faz parte da nossa
história, da nossa vida entende? Não é pra ser abandonado, maltratado entendeu é pra ser
valorizado e isso faz parte da nossa história, casarões aí que morou Aluízio de Azevedo,
Arthur Azevedo entendeu? por exemplo aquele escritor Josué Montello inclusive eu li a obra
dele quase toda a casa onde ele morava na Rua das Hortas ainda bem que fizeram uma
biblioteca alí e botaram todas as obras dele lá e a casa é aberta à visitação pública eu tenho
uma vontade louca de ir lá porque eu gostei demais dos livros dele, ele conta muito a
história do Maranhão”.
De acordo com Guedes (2014) a memória coletiva é mais do que uma conquista, é,
sobretudo, um objeto de poder, elemento selecionado por uma sociedade para ser
lembrado, portanto não é uma faculdade neutra, natural ou passiva, mas é um princípio de
ordenação das experiências vividas.
Tal observação pode servir para concluir que para essa atriz social a importância
desse local é grande porque esse espaço foi palco de sua vivência, esse espaço deve ser
conservado pela relevância histórica que possui, esse lugar deve portanto está preparado
para receber a humanidade e portanto não pode ser abandonado à própria sorte.
VI.II Centro Histórico: Lugar de “viver histórias”
Neste subtópico apresentarei o discurso de uma moradora do Desterro de 56 anos
de idade cujo nome é Carla que mora na mesma residência localizada na Rua da Palma há
56 anos, ela demonstra bem, como o que pode ser lembrado pode fazer parte de uma
experiência individual projetando um efeito de pertença a um determinado lugar.
Ao ser questionada sobre qual a importância de morar no Centro Histórico, ela
responde da seguinte maneira: “Eu tenho muito apego a tudo isso, porque aqui eu nasci e
me criei, nessa rua eu já vivi muita história. Essa casa aqui é antiga é herança de família, foi
passando de geração em geração”.
Neste sentido, ao afirmar que naquele local ela já viveu muita história está referindo-
se a experiências individuais, mas também a experiências coletivas que ela vivenciou e
sabe que foram fatos importantes para a história do ludovicense. Na fala abaixo esta atriz
social se recorda de um período onde neste local funcionava a Zona do Meretrício que
segundo Campos apud Ferreira (2012, p.34), era um local da capital destinado à atividade
de prostituição.
Olha quando tinha o Baixo Meretriz a gente tinha mais sossego
porque o quartel da polícia era bem aí onde era o Convento das
Mercês, aí tinha um pouco de tranquilidade, nós de família a gente
não ia pra rua porque quando era seis hora a gente já tinha que tá
dentro de casa, por causa que tinha a zona, a antiga zona e as
mulheres da noite saíam pra andar com seus companheiros aí pai e
mãe trancava a gente, nós não podíamos sair de casa, só saía de
manhã ninguém podia estudar de noite só de dia.
Para Halbwachs apud Guedes (2014), a memória é uma forma de configuração dos
fenômenos históricos, sendo assim a memória e a história estão em constante contato, a
história alimenta a memória com o objetivo de salvar o passado para servir ao presente e ao
futuro. Deste modo, dona Conceição lembra e socializa suas memórias para demonstrar que
o Centro Histórico é um espaço riquíssimo em histórias que podem ser investigadas e
repassadas para as novas gerações.
VII. CONCLUSÃO
Levando-se em consideração o que foi abordado no decorrer deste trabalho
podemos perceber que o Cento Histórico de São Luís – MA é um espaço de memória na
medida em que os sujeitos que moram nesse local possuem uma compreensão de mundo
que está diretamente ligado com suas vivências neste espaço chamado Centro Histórico e
explicitar como esse espaço é habitado é tentar entender a percepção a cerca do passado e
do presente como este passado é transmitido de geração em geração daí a importância da
memória coletiva que permite aqueles que se utilizam deste lugar rememorar traços da
cidade através das lembranças que são evocadas que certamente são compartilhadas pelo
grupo, o Centro Histórico também é um local de contestação na medida em que as
experiências nos lugares edificados são distintas e por vezes essa contestação é causada
em torno de processos de pertencimento ou exclusão.
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