REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória,...

13
REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos sujeitos no Centro Histórico de São Luís - MA Ivanilde da Conceição Silva 1 Resumo: Apresenta-se uma reflexão sobre as questões relativas à compreensão da dinâmica, conflitos e lugares representados no Centro Histórico de São Luís MA. Destaca-se que é de suma importância, entender e analisar de que maneira os sujeitos concebem a ideia de patrimônio e como esse espaço é apropriado por esses atores. Ressalta-se também o sentido da materialização e simbolização do lugar de suas moradas que são resignificadas pelos sujeitos. Entender como é construída e reconstruída as memórias acerca desse espaço torna-se fundamental para apreender os significados e atribuições gerados pela experiência vivenciadas pelos sujeitos. Palavras-Chave: Patrimônio; Centro Histórico; Memória coletiva . Abstract: It presents a reflection on the questions related to the understanding of the dynamics, conflicts and places represented in the Historical Center of São Luís - MA. It is important to understand and analyze how the subjects conceive the idea of heritage and how this space is appropriated by these actors. It is also emphasized the meaning of the materialization and symbolization of the place of their dwellings that are reframed by the subjects. Understanding how memories are built and reconstructed about this space becomes fundamental to grasp the meanings and attributions generated by experience experienced by subjects. Keywords: Patrimony; Historic center; Collective memory. 1 Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais- UEMA; Mestranda PGCult- UFMA E-mail: [email protected]

Transcript of REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória,...

Page 1: REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com ... a lei passa a considerar

REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos sujeitos no Centro Histórico

de São Luís - MA

Ivanilde da Conceição Silva

1

Resumo: Apresenta-se uma reflexão sobre as questões relativas à compreensão da dinâmica, conflitos e lugares representados no Centro Histórico de São Luís – MA. Destaca-se que é de suma importância, entender e analisar de que maneira os sujeitos concebem a ideia de patrimônio e como esse espaço é apropriado por esses atores. Ressalta-se também o sentido da materialização e simbolização do lugar de suas moradas que são resignificadas pelos sujeitos. Entender como é construída e reconstruída as memórias acerca desse espaço torna-se fundamental para apreender os significados e atribuições gerados pela experiência vivenciadas pelos sujeitos. Palavras-Chave: Patrimônio; Centro Histórico; Memória coletiva . Abstract: It presents a reflection on the questions related to the understanding of the dynamics, conflicts and places represented in the Historical Center of São Luís - MA. It is important to understand and analyze how the subjects conceive the idea of heritage and how this space is appropriated by these actors. It is also emphasized the meaning of the materialization and symbolization of the place of their dwellings that are reframed by the subjects. Understanding how memories are built and reconstructed about this space becomes fundamental to grasp the meanings and attributions generated by experience experienced by subjects. Keywords: Patrimony; Historic center; Collective memory.

1 Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais- UEMA; Mestranda PGCult- UFMA E-mail:

[email protected]

Page 2: REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com ... a lei passa a considerar

I. INTRODUÇÃO

Este trabalho nos ajuda a compreender as classificações operadas pelos sujeitos e a

construção do processo de patrimonialização do Centro Histórico de São Luís a partir da

representação das memórias dos sujeitos. Sobre a categoria patrimônio no decorrer deste

trabalho adota-se o conceito de patrimônio histórico como um conjunto de bens que contam

a história de uma geração através de sua arquitetura, vestes, mobílias, utensílios, armas,

ferramentas, transportes, obras de artes, documentos. O patrimônio histórico é também

importante para a compreensão da identidade histórica mantendo vivos os costumes de

determinadas sociedades. Já o patrimônio cultural é o conjunto de bens materiais ou

imateriais, que contam a história de um povo através de seus costumes, religiões, rituais,

festas etc.

Por memória coletiva devo explicitar que é uma memória que envolve sentimentos,

ideias, paixões, reflexões, ou seja, há uma atribuição de significados às coisas é uma

construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com

que haja a possibilidade de se recuperar, resgatar o passado vivenciado de modo que este

passado torne-se latente ele pode ser criado e recriado a partir de novos sentidos que são

dados pelos atores e atrizes sociais.

Centro Histórico de uma cidade é uma área central relativamente ao restante da área

construída exercendo um poder de atração sobre os habitantes e turistas. É um foco da vida

econômica e social, um local que possui uma imagem simbólica seja para aqueles que

moram na cidade ou para aqueles que visitam a mesma.

II. OS OBJETIVOS E OS MÉTODOS DA PESQUISA

O objetivo desta pesquisa foi entender como os sujeitos que vivem no Centro

Histórico de São Luís representam o sentido do lugar de suas moradas e interpretar a

representação dada ao lugar a partir das memórias acionadas pelos moradores.

A metodologia utilizada na pesquisa tem por base uma abordagem qualitativa, neste

sentido esta abordagem para Chizzotti (2014) é marcada por uma observação imbuída de

uma teoria, o texto não escapa a uma posição no contexto político e a objetividade está

delimitada pelo comprometimento do sujeito com sua realidade circundante, opto por tal

abordagem devido às questões da pesquisa qualitativa não se esgotarem ou se constituírem

Page 3: REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com ... a lei passa a considerar

em um modelo único, a pesquisa qualitativa possui uma abordagem que é capaz de

oferecer novas vias investigativas.

O instrumento de coleta de dados adotado foi a observação direta e a entrevista

semi-estruturada apoiadas nas pesquisas bibliográficas.O método adotado foi o método

interpretativo, para escolher entre as “estruturas de significação”, ou seja, os indicadores

estabelecidos e, nos aproximar da linguagem de explicação e representação social de um

saber do grupo, o método interpretativo parte do princípio que a vida social é cheia de

representações, essas representações devem ter uma explicação interpretativa. Segundo

Geertz (2008, p.13) “os nossos dados são realmente nossa própria construção das

construções de outras pessoas”. Este método se relaciona a uma dentre as muitas formas

de interpretar os sentidos da “organização da vida social”. (GEERTZ, 2007, p.36,37)

Por uma questão de ética profissional e cuidado em não colocar em risco a integridade

física e moral dos agentes sociais envolvidos na pesquisa preservei a identidade de todos

os atores e atrizes sociais que gentilmente concederam-me entrevista, garantindo o sigilo

dos seus nomes e a segurança dos mesmos, neste sentido optei então por modificar seus

nomes.

III. Patrimônio: aspectos sócio-históricos

A expressão patrimônio é aqui empregada como uma representação simbólica que

envolve o papel da memória e das tradições que vão culminar na construção de identidades

coletivas. Entretanto a ideia de patrimônio apresenta uma trajetória longa desde o seu

surgimento até sua institucionalização no Brasil. O termo patrimônio foi cunhado no final do

século XVIII com a formação dos Estados Nacionais nesse contexto expressa a noção de

herança nacional, de acordo com Choay (2001) a palavra patrimônio em sua origem

apresenta-se ligada às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma determinada

sociedade. No entanto, a noção sobre a categoria patrimônio ao longo do tempo sofre

modificações, expressões como patrimônio histórico artístico representa uma noção utilizada

na década de 1930 no Brasil, onde o Estado decidia o que tinha ou não de ser preservado,

com o objetivo de construir a identidade da nação brasileira bem como seu imaginário

simbólico, o objetivo era legitimar a posse pelo Estado a bens culturais atrelados ao domínio

do Estado em nome da sociedade na qual ele representa. “A ideia de se constituir um

patrimônio era de fundamental importância para a formalização da História nacional e

legitimação do Estado brasileiro, em um projeto de homogeneização da cultura brasileira”.

(NORONHA, 2006).

Page 4: REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com ... a lei passa a considerar

Somente na década de 70 houve uma redefinição na questão patrimonial,

aconteceu uma vinculação da ação política desenvolvimentista a temática da preservação,

alguns intelectuais tornaram-se mediadores entre os grupos sociais marginalizados até

então pelo Estado, objetivando a transformação do sentido social da política federal de

patrimônio democratizando e colocando a mesma a serviço da construção da cidadania e da

pluralidade cultural.

Na década de 1970, a ação preservacionista mudou essa noção de

monumento isolada, para o entendimento de patrimônio como

cultura. E a organização das Nações Unidas para a Educação,

Ciência e Cultura (UNESCO), terá papel fundamental nessa

concepção, ao instituir, em 1972, a categoria de “patrimônio cultural

da humanidade” para bens tombados pelo poder público local, que

passam a ser reconhecidos internacionalmente. O patrimônio passou

a tornou-se um produto cultural a ser preservado para o consumo

pelo turismo”. (CAMELÔ, 2012, p.132)

A Constituição Federal Brasileira de 1988 (2003) em seu artigo 216, entende como

patrimônio cultural brasileiro:

Os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente

ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à

memória de diferentes grupos formadores da sociedade brasileira

nos quais se incluem:

I. as formas de expressão;

II. os modos de criar, fazer e viver;

III. as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV. as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços

destinados às manifestações artísticos culturais;

V. os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,

arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Os incisos deste artigo deixam claro que a noção de patrimônio permeia as

modalidades de bens materiais ou bens tangíveis e bens imateriais ou bens intangíveis, o

primeiro refere-se um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza

arqueológica, paisagístico, etnográfico, histórico, belas artes e das artes aplicadas, já o

Page 5: REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com ... a lei passa a considerar

segundo está ligado à falta de sustentação material, são mantidos pela tradição,

conhecimentos técnicos, artesanatos, danças e manifestações populares (DUAILIBE, 2011).

Ao adotar a noção de referência cultural e ao associá-la a grupos sociais específicos,

a lei passa a considerar os sentidos simbólicos de artefatos e grupos sociais específicos,

considerando as fronteiras de identidade e diferença, logo valores atribuídos localmente

tanto de artefatos quanto de práticas passam a ser consideradas. (ARANTES,2010, p.55).

Desta forma, o patrimônio está relacionado na Constituição Brasileira à ideia de se

transmitir determinadas práticas e conhecimentos de geração em geração, portanto ele é

constantemente criado e recriado devido às interações existentes entre os grupos sociais

com a natureza e com a história gerando identidade e respeito pelas diversidades culturais.

IV. Patrimônio Público: Centro Histórico e Memória Coletiva

Quando fala-se em patrimônio esta categoria pode está relacionada com diferentes

noções desde a noção de patrimônio financeiro que é uma ideia ligada com a esfera

econômica (patrimônio de uma família, de uma empresa de um indivíduo), até a ideia de

patrimônios históricos, artísticos e culturais.

Do ponto de vista moderno patrimônio é um objeto ou valor de pertença de alguém

ou grupo social. Neste sentido, denomina-se patrimônio público o conjunto de bens

artístico, estético, histórico ou turístico produzidos por grupos sociais que pertence ao povo,

ou seja, é todo um legado de uma geração ou grupo social que ao produzir esses bens

deixa uma herança para as gerações futuras.

O patrimônio público está relacionado com a forma na qual o Estado administra e lida

com a cultura produzida pelos grupos sociais em uma determinada sociedade legitimando a

memória coletiva, bem como preservando os elementos culturais marcantes.

A categoria memória coletiva foi um termo cunhado pelo sociólogo francês Maurice

Halbwachs, onde ele vai defender que a memória do sujeito está diretamente ligada com

sua vivência no dia a dia, de acordo com BOSI (1994) a memória do indivíduo depende do

seu relacionamento com a família, com a classe social a que pertence, com a escola, com a

igreja, com a profissão, ou seja, com os grupos de convívio e os grupos de referência

peculiares ao sujeito.

Memória Coletiva é o processo social de reconstrução do passado

vivido e experimentado por um determinado grupo, comunidade ou

sociedade. Este passado vivido é distinto da história, a qual se refere

mais a fatos e eventos registrados, como dados e feitos,

Page 6: REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com ... a lei passa a considerar

independentemente destes terem sido sentidos e experimentados

por alguém. (HALBWACHS apud SILVA, 2009, pg. 4)

Neste sentido, apreende-se que a memória coletiva é o encontro do passado com o

presente e o espaço físico é essencial para que as recordações ou lembranças tornem-se

sempre vivas, de modo que este ambiente atinja a qualidade íntima da memória, uma

memória que é individual, mas ao mesmo tempo está intrinsecamente ligada ao grupo.

Segundo Halbawchs é impossível um ator social ter uma memória absolutamente

individual, levando-se em consideração que o indivíduo não vive só, mas está sempre

cercado de pessoas inconfundíveis, portanto a lembrança é uma construção social passível

o tempo todo de ser reconstruída socialmente.

Para que a nossa memória se aproveite da memória dos outros, não

basta que este nos apresentem seus testemunhos: também é

preciso que ela não tenha deixado de concordar com as memórias

deles e que existam muitos pontos de contato entre umas e outras

para que a lembrança que nos fazem recordar venha a ser

constituída sobre uma base comum. (HALBWACHS apud LEAL,

2007, p.3)

Memória coletiva é uma memória que envolve sentimentos, ideias, paixões,

reflexões, ou seja, há uma atribuição de significados às coisas é uma construção social esta

memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com que haja a

possibilidade de se recuperar, resgatar o passado vivenciado de modo que este passado

torne-se latente ele pode ser criado e recriado a partir de novos sentidos que são dados

pelos atores e atrizes sociais.

Centro Histórico de uma cidade é uma área central relativamente ao restante da área

construída exercendo um poder de atração sobre os habitantes e turistas, é um foco da vida

econômica e social é um local que possui uma imagem simbólica seja para aqueles que

moram na cidade ou para aqueles que visitam a mesma, para DUAILIBE (2013) a categoria

Centro Histórico pode ser pensado como um lugar, onde se cruzam vários outros lugares, e

onde os sujeitos e as narrativas acontecem no sentido de fazer valer memórias e

sociabilidades.

V. Centro Histórico de São Luís: aspectos geográficos do lugar

Page 7: REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com ... a lei passa a considerar

Em 1996 São Luís concorreu ao título de Cidade Patrimônio Cultural da Humanidade

sendo que esse título só foi concedido à cidade em junho de 1997 na 22ª Reunião

Internacional do Bureau do Comitê do Patrimônio Mundial/COM, na sede da UNESCO-

Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura, em Paris onde foi

apresentada a defesa da proposição que foi aprovada pela delegação dos sete países

componentes do Baureau ( México, Japão, Alemanha, Austrália, Marrocos, Nigéria e Itália

sendo que a homologação feita pelo plenário do Comitê do Patrimônio Mundial ocorreu em

dezembro de 1997.O parecer do ICOMOS- Conselho Internacional de Monumentos e Sítios,

instituição ligada à UNESCO e responsável pela atribuição do título, atestou que:

O centro Histórico de São Luís do Maranhão é um exemplo

excepcional de cidade colonial portuguesa adaptada às condições

climáticas da América do Sul equatorial e que tem conservado dentro

de notáveis proporções o tecido urbano harmoniosamente integrado

ao ambiente que o cerca. (O Estado, p.46)

O chamando Centro Histórico de São Luís, apresenta cerca de 8 Km de extensão e

resulta de sucessivos aterros dos quais hoje tem-se o Anel Viário. Nessa divisão são cerca

de 220 hectares com cerca de 5.607 imóveis de arquitetura tradicional luso-brasileira.

Erguidos principalmente nos séculos XVIII e XIX, os casarões, sobrados, solares, igrejas

representam as edificações no princípio estilístico do barroco brasileiro pombalino. As

principais características do barroco pombalino estão presentes na fachada das casas de

modo a apresentar seis estilos: porta e janela, ¾ de morada, morada e comércio, meia-

morada, morada-inteira, morada-e-meia. (CARVALHO, 2001, p.2)

Mapa 1- Centro Histórico de São Luís

Fonte: IPHAN, 2015

Page 8: REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com ... a lei passa a considerar

1-Tombamento Federal (IPHAN), 2- Área protegida pela Unesco, 3- Área de

proteção Estadual

De acordo com CAMELÔ (2012), a partir de 1981 iniciou-se o projeto que propunha a

preservação e a revitalização do Centro Histórico de São Luís, este projeto ainda propunha-

se a devolver à Praia Grande uma vitalidade comercial que estava desaparecendo, sinais do

esvaziamento econômico que vinha ocorrendo desde a década de 1970. Em 1987,

aconteceu a implantação do Reviver ou Programa de Preservação e Revitalização do

Centro Histórico, que restaurou casarões, as redes de serviços públicos de água, telefonia,

esgoto, as redes de energia elétrica, utilizando-se luminárias conforme fotos do início do

século XX, pretendia-se “Reviver” o início do século XX com as marcas do século XXI.

Esse projeto teve duas fases distintas, a primeira compreendendo os anos de 1987 e

1988, dedicou-se às obras consideradas prioritárias ou emergenciais, tais como a reforma e

estruturação do prédio destinado ao funcionamento do Centro de Criatividade Odylo Costa

Filho, a restauração das fachadas da Igreja da Sé e do Palácio Episcopal, a reforma dos

Armazéns do Estado, entre outras. Posteriormente, vieram as intervenções urbanas mais

profundas, realizada principalmente na área da Praia Grande e arredores.

Nesse processo o Bairro da Praia Grande, localizado no Centro Histórico foi um dos

locais priorizados pelo projeto de recuperação e revitalização, neste bairro localiza-se o

Mercado da Praia Grande um dos maiores símbolos econômicos do século XIX, com a

recuperação desse mercado os espaços foram trabalhados inicialmente para atender a

todos os consumidores que viviam na região central de São Luís, hoje esse espaço atende a

outras demandas além de vender produtos alimentícios, sedia apresentações folclóricas,

festas religiosas e outros rituais sagrados e profanos. (MARQUES; PADILHA, 2012, p. 39,

40).

O Mercado da Praia Grande é um dos mais importantes pontos de

comércio e também de turismo, que confere um charme especial à

capital maranhense, o Mercado da Praia Grande é considerado o

coração do bairro homônimo e congrega o comércio à cultura em

seus 103 boxes e 12 restaurantes. De dia é tomado pelo comércio e

à noite, redutos de artistas e boêmios. (O IMPARCIAL, 2014, p.9)

Halbawchs faz uma distinção entre memória histórica e memória coletiva, a memória

coletiva está relacionada com a história pessoal de cada indivíduo que por sua vez faz parte

Page 9: REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com ... a lei passa a considerar

da história, a memória histórica é única enquanto que a memória coletiva é múltipla por

fazer parte da memória de um determinado grupo.

Assim sendo, o Estado ao se interessar em preservar bens culturais seja estes de

natureza material ou imaterial recria o passado que é regatado através da memória coletiva,

de modo que a proteção e o fortalecimento dos bens culturais está diretamente ligada com a

construção da identidade dos atores e atrizes sociais.

VI. Centro Histórico: Espaço de construção de vida

De acordo com DUAILIBE (2013), o patrimônio assume vários sentidos, vários

contextos e também várias formas de expressar a memória social, pois os lugares narrados

na memória são compartilhados seja pelos sujeitos que alí vivem ou na experiência

daqueles que se utilizam desses elementos para a política de preservação. Morar ou ter

morado em lugares com características históricas demonstram o modo como o valor é

adensado nas lembranças.

Neste sentido, a representatividade do que é morar no Centro Histórico difere de

sujeito para sujeito, alguns informantes relatam que gostam de morar no Centro Histórico

devido à facilidade que este local permite aos moradores de terem acesso a bens e

serviços, o que está em jogo são os laços afetivos com o espaço, mas também a praticidade

como está claro no depoimento que segue abaixo de João de 56 anos morador há 28 anos

da Travessa da Lapa, Desterro.

Ao ser questionado sobre qual motivo o leva a gostar de morar no Centro histórico,

seu João explica da seguinte forma “porque aqui no Centro a gente tá perto de tudo, aqui é

mais calmo, em relação aos outros bairros eu acho o Centro muito calmo... na verdade eu

sempre gostei do Centro da cidade, nas cidades onde eu estive por aí, eu sou de Brasília e

como eu te disse eu vim pra cá faz 28 anos, eu me sinto bem aqui eu tô perto de tudo, tô

perto do mercado, assim o Centro tá muito desorganizado tá precisando de algumas coisas,

mas eu gosto”.

Na fala de seu João ele explicita uma identificação com o local, lá é o espaço que

ele construiu sua vida, que ele sempre trabalhou e portanto é um local onde ele criou um

vínculo afetivo, por outro lado ele vê nesse espaço a praticidade de poder ter acesso a

vários ambientes que são necessários ser acionados na vida diária como o mercado por

exemplo. No entanto no discurso de seu Gonçalo perpassa a preocupação com a

degradação do local, a falta de um olhar mais sensível pelo poder público talvez sejam o

motivo que leva esse sujeito a dizer que o espaço é “desorganizado e está precisando de

muitas coisas” o que demonstra a falta de comprometimento do poder público para com a

comunidade.

Page 10: REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com ... a lei passa a considerar

VI.I Centro Histórico: Lugar de “abandono”

No dizer de Guedes (2014), a cidade é representada por sujeitos que elaboram

constantemente as memórias de suas experiências, assim sendo, a cidade deve ser

pensada como uma realidade plural, em que diferentes sujeitos e grupos sociais habitam

física e simbolicamente este espaço dito patrimonializado o que desencadeia uma dinâmica

própria com construções de redes de relações sociais.

Neste tópico apresentarei a fala de uma moradora de 76 anos que reside na Rua da

Palma há cinco anos, ela chama-se Luenir quando jovem morou em São Luís, depois

mudou-se para São Paulo retornando à capital ludovicense no ano 2000.

De acordo com a seleção de suas lembranças ela descreve o Centro como um

espaço tranquilo, porém desorganizado e abandonado como demonstra a seguinte fala:

“eu acho que aqui ainda é tranquilo, apesar da desorganização, apesar da cidade está

maltratada, suja, fedida entendeu? Pra Patrimônio da Humanidade, isto aqui tá muito

abandonado, muito abandonado”.

Dona Luenir deixa claro que há uma degradação no local, certamente pela falta de

um olhar mais sensível do poder público, alguns moradores concebem esse espaço como

um lugar “abandonado”, portanto sem uma estrutura adequada para atender às

necessidades mínimas da população.

Quando questiono dona Luenir se o fato de o Centro Histórico ser abandonado a

deixava triste, ela responde da seguinte maneira “ sim, porque isso faz parte da nossa

história, da nossa vida entende? Não é pra ser abandonado, maltratado entendeu é pra ser

valorizado e isso faz parte da nossa história, casarões aí que morou Aluízio de Azevedo,

Arthur Azevedo entendeu? por exemplo aquele escritor Josué Montello inclusive eu li a obra

dele quase toda a casa onde ele morava na Rua das Hortas ainda bem que fizeram uma

biblioteca alí e botaram todas as obras dele lá e a casa é aberta à visitação pública eu tenho

uma vontade louca de ir lá porque eu gostei demais dos livros dele, ele conta muito a

história do Maranhão”.

De acordo com Guedes (2014) a memória coletiva é mais do que uma conquista, é,

sobretudo, um objeto de poder, elemento selecionado por uma sociedade para ser

lembrado, portanto não é uma faculdade neutra, natural ou passiva, mas é um princípio de

ordenação das experiências vividas.

Tal observação pode servir para concluir que para essa atriz social a importância

desse local é grande porque esse espaço foi palco de sua vivência, esse espaço deve ser

conservado pela relevância histórica que possui, esse lugar deve portanto está preparado

para receber a humanidade e portanto não pode ser abandonado à própria sorte.

Page 11: REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com ... a lei passa a considerar

VI.II Centro Histórico: Lugar de “viver histórias”

Neste subtópico apresentarei o discurso de uma moradora do Desterro de 56 anos

de idade cujo nome é Carla que mora na mesma residência localizada na Rua da Palma há

56 anos, ela demonstra bem, como o que pode ser lembrado pode fazer parte de uma

experiência individual projetando um efeito de pertença a um determinado lugar.

Ao ser questionada sobre qual a importância de morar no Centro Histórico, ela

responde da seguinte maneira: “Eu tenho muito apego a tudo isso, porque aqui eu nasci e

me criei, nessa rua eu já vivi muita história. Essa casa aqui é antiga é herança de família, foi

passando de geração em geração”.

Neste sentido, ao afirmar que naquele local ela já viveu muita história está referindo-

se a experiências individuais, mas também a experiências coletivas que ela vivenciou e

sabe que foram fatos importantes para a história do ludovicense. Na fala abaixo esta atriz

social se recorda de um período onde neste local funcionava a Zona do Meretrício que

segundo Campos apud Ferreira (2012, p.34), era um local da capital destinado à atividade

de prostituição.

Olha quando tinha o Baixo Meretriz a gente tinha mais sossego

porque o quartel da polícia era bem aí onde era o Convento das

Mercês, aí tinha um pouco de tranquilidade, nós de família a gente

não ia pra rua porque quando era seis hora a gente já tinha que tá

dentro de casa, por causa que tinha a zona, a antiga zona e as

mulheres da noite saíam pra andar com seus companheiros aí pai e

mãe trancava a gente, nós não podíamos sair de casa, só saía de

manhã ninguém podia estudar de noite só de dia.

Para Halbwachs apud Guedes (2014), a memória é uma forma de configuração dos

fenômenos históricos, sendo assim a memória e a história estão em constante contato, a

história alimenta a memória com o objetivo de salvar o passado para servir ao presente e ao

futuro. Deste modo, dona Conceição lembra e socializa suas memórias para demonstrar que

o Centro Histórico é um espaço riquíssimo em histórias que podem ser investigadas e

repassadas para as novas gerações.

VII. CONCLUSÃO

Levando-se em consideração o que foi abordado no decorrer deste trabalho

podemos perceber que o Cento Histórico de São Luís – MA é um espaço de memória na

medida em que os sujeitos que moram nesse local possuem uma compreensão de mundo

que está diretamente ligado com suas vivências neste espaço chamado Centro Histórico e

Page 12: REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com ... a lei passa a considerar

explicitar como esse espaço é habitado é tentar entender a percepção a cerca do passado e

do presente como este passado é transmitido de geração em geração daí a importância da

memória coletiva que permite aqueles que se utilizam deste lugar rememorar traços da

cidade através das lembranças que são evocadas que certamente são compartilhadas pelo

grupo, o Centro Histórico também é um local de contestação na medida em que as

experiências nos lugares edificados são distintas e por vezes essa contestação é causada

em torno de processos de pertencimento ou exclusão.

REFERÊNCIAS

ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos.

2ª Ed. – Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.

BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade . Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

BEJAMIN, Walter. O Narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e

Técnica, Arte e Política: Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. Ed. Brasiliense, São

Paulo,1987.

BOSI, Ecléia. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. 3ª ed. São Paulo: Companhia

das Letras, 1994.

CAMELÔ, Júlia Constança Pereira. Fachada da Inserção: a saga da civilidade em São Luís

do Maranhão. São Luís: café e Lápis; Editora UEMA, 2012.

CARVALHO, José Antônio Ribeiro de. Projeto Viva Madre Deus: gestão pública da política

cultural. Florianópolis, 2001. Dissertação de Mestrado.

CASTELS, Manuel. O Poder da Identidade.2ª ed. São Paulo. Ed. Paz e Terra LTDA, 2010.

CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. 6. ed.

Petrópolis. Rio de Janeiro: Vozes, 2014.

Page 13: REPRESENTAÇÕES SOBRE O PATRIMÔNIO: memórias dos … · construção social esta memória, portanto, é um produto dos grupos sociais que permite com ... a lei passa a considerar

DUALIBE, Nayala Nunes. Patrimônio cultural da humanidade: análise da gestão do

patrimônio público em São Luís/ MA (1997-2010). UEMA, São Luís. MA, 2011. Monografia

de Conclusão de Curso.

___________. Etnografia das Polifonias do Centro Histórico de São Luís . UFG,

Goiânia, 2014. Dissertação de Mestrado.

FERREIRA, Márcia Milena Galdez. “Quando a História acaba e a memória fica”: uma

etnografia do Centro Histórico de São Luís. São Luís. Ed. UEMA, 2012.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC. 2008.

_______________.O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis

(RJ): Vozes, 2007.

GUEDES, Kláutenys. São Luís – Patrimônio Cultural da Humanidade e os discursos da

preservação do patrimônio.In: Discursos, sujeitos e sentidos; perspectivas identitárias.

Curitiba, 2014.

JÚNIOR, José Cretella. Constituição brasileira de 1988. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1993.

LEAL, Luana Aparecida Matos. Memória, Rememoração e Lembranças em Maurice

Halbwachs.Disponível:http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao18/artigos/045.pdf

Acesso em: 11/09/2014.

LOPES, José Antônio Viana. São Luís, capital moderna e cidade colonial: Antonio Lopes

da Cunha e a preservação do patrimônio cultural ludovicense. São Luís Fundação Municipal

de cultura, 2013.

MARQUES, Dalcilene Ramos, PADILHA, Márcia Verônica Santos. A cultura maranhense e

sua culinária típica. São Luís: Eduema, 2012.

NORONHA, Raquel Gomes. Visualidade, patrimônio e a construção do imaginário no

centro histórico de São Luís - MA . Caxambu . MG, 2006. Disponível

em:http://portal.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=330

8&Itemid=232. Acesso em: 20/08/2014.

SILVA, Claudinei Fernandes Paulino da. A Teoria da Memória Coletiva de Maurice

Halbwachs em Diálogo com Dostoievski : Uma Análise Sociológica Religiosa a partir da

Literatura. Revista de Reflexão Teológica da Faculdade Teológica Batista de Campinas.

Campinas: 6ª Edição, V.5 - Nº2 – Dezembro de 2009. ISSN: 1980-0215.