REPERCUSSÕES DO COTIDIANO DE FAMÍLIAS COM … · SIMONE GONÇALVES VASCONCELOS ... Profa. Dra....

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE FARMÁCIA, ODONTOLOGIA E ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM DOUTORADO EM ENFERMAGEM SIMONE GONÇALVES VASCONCELOS REPERCUSSÕES DO COTIDIANO DE FAMÍLIAS COM CRIANÇAS NASCIDAS EXPOSTAS AO HIV FORTALEZA 2009

Transcript of REPERCUSSÕES DO COTIDIANO DE FAMÍLIAS COM … · SIMONE GONÇALVES VASCONCELOS ... Profa. Dra....

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR

    FACULDADE DE FARMCIA, ODONTOLOGIA E ENFERMAGEM

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM

    DOUTORADO EM ENFERMAGEM

    SIMONE GONALVES VASCONCELOS

    REPERCUSSES DO COTIDIANO DE FAMLIAS COM CRIANAS

    NASCIDAS EXPOSTAS AO HIV

    FORTALEZA

    2009

  • 3

    SIMONE GONALVES VASCONCELOS

    REPERCUSSES DO COTIDIANO DE FAMLIAS COM CRIANAS NASCIDAS EXPOSTAS

    AO HIV

    Tese submetida Coordenao do Curso de Ps-

    Graduao em Enfermagem da Faculdade de

    Farmcia, Odontologia e Enfermagem da

    Universidade Federal do Cear como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Doutor em

    Enfermagem.

    rea de concentrao: Enfermagem Clnico-

    Cirrgica

    Linha de pesquisa: Enfermagem no processo de

    cuidar na promoo da sade

    Orientadora: Profa. Dra. Marli Teresinha Gimeniz Galvo

    FORTALEZA

    2009

  • 4

    SIMONE GONALVES VASCONCELOS

    REPERCUSSES DO COTIDIANO DE FAMLIAS COM CRIANAS NASCIDAS EXPOSTAS

    AO HIV

    Tese submetida Coordenao do Curso de Ps-Graduao em Enfermagem da Faculdade de

    Farmcia, Odontologia e Enfermagem da Universidade Federal do Cear como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Doutor em Enfermagem. rea de concentrao:

    Enfermagem Clnico-Cirrgica.

    A citao de qualquer trecho desta permitida, desde que seja de conformidade com as

    normas de tica cientfica.

    Data da aprovao: 29 de outubro de 2009

    BANCA EXAMINADORA

    ______________________________________________

    Profa. Dra. Marli Teresinha Gimeniz Galvo (Presidente)

    Universidade Federal do Cear (UFC)

    ______________________________________________

    Profa. Dra. Maria Ftima Maciel Arajo (Membro efetivo)

    Universidade Federal do Cear (UFC)

    _____________________________________________

    Profa. Dra. Joselany fio Caetano (Membro efetivo)

    Universidade Federal do Cear (UFC)

    ___________________________________________

    Profa. Dra. Mrcia Maria Tavares Machado (Membro efetivo)

    Universidade Federal do Cear (UFC)

    ______________________________________________

    Profa. Dra. Maria Lcia Duarte Pereira (Membro efetivo)

    Universidade Estadual do Cear (UECE)

    ___________________________________________

    Dra. Cristiana Brasil de Almeida Rebouas (Suplente)

    Universidade Federal do Cear (UFC)

    ______________________________________________

    Profa. Dra. Raimunda Hermelinda Maia Macena (Suplente)

    Faculdade Integrada do Cear (FIC)

  • 5

    Investigao inserida no Ncleo de Estudos em HIV/aids e Doenas Associadas do

    Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Cear.

  • 6

    Aos meus pais, Expedito e Horiza, ao meu

    marido, Gerson, e aos meus filhos, Luiz Gerson

    Neto, Luiz Gustavo e Luiz Augusto, por tudo o

    que significam na minha vida, sentimento

    impossvel de ser descrito com palavras e pelo

    amor a mim dedicado.

  • 7

    AGRADECIMENTOS

    A Deus, porto seguro, que me d foras e ilumina o caminho a percorrer.

    minha orientadora, Profa. Dra. Marli Terezinha Gimeniz Galvo, pela pacincia e

    dedicao em me acompanhar nesta longa trajetria, cheia de percalos.

    Profa. Dra. Maria Ftima Maciel Araujo, por sua imensa contribuio no direcionamento da

    pesquisa em todo seu percurso.

    Aos professores da ps-graduao em enfermagem, pelo saber repassado ao longo do curso.

    s famlias que concordaram em participar desta pesquisa, por nos confiarem seus medos,

    angstias e sofrimentos, permitindo-nos a busca de uma enfermagem construda com base na

    realidade.

    Ao Hospital So Jos, por nos propiciar um espao to rico para pesquisa em HIV/aids.

    Ao Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministrio da Sade, pelo apoio

    financeiro na realizao das entrevistas do Projeto de pesquisa Condies de sade,

    convivncia familiar e comunitria de crianas que nasceram sob risco da transmisso vertical

    do HIV ou que vivem com HIV/Aids em Fortaleza-Cear, no qual esta tese est inserida.

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    Tudo que existe e vive precisa ser cuidado para continuar existindo. Uma planta,

    uma criana, um idoso, o planeta Terra. Tudo o que vive precisa ser alimentado. Assim, o

    cuidado, a essncia da vida humana, precisa ser continuamente alimentado. O cuidado vive do

    amor, da ternura, da carcia e da convivncia (BOFF, 1999).

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    RESUMO

    VASCONCELOS, S.G. Repercusses do cotidiano de famlias com crianas nascidas

    expostas ao HIV. Fortaleza. (Tese). Fortaleza (CE). Universidade Federal do Cear. 2009.

    A convivncia com pessoas portadoras do Vrus da Imunodeficincia Humana (HIV)

    proporcionou a oportunidade de conhecer de maneira mais prxima as angstias que famlias

    portadoras do HIV enfrentam, tendo em vista que a sociedade ainda no consegue aceitar

    tranqilamente a convivncia com pessoas contaminadas, apresentando atitudes

    preconceituosas e discriminativas. Surge, ento, a famlia como unidade de cuidado, e como

    importante fonte de ajuda para o indivduo infectado pelo HIV, contribuindo para o bom

    desempenho fsico e mental, redistribuindo suas tarefas e papis no intuito de criar solues

    destinadas melhoria da qualidade de vida do ser doente. Em caso de crianas expostas ao

    HIV, a famlia deve ter seu foco voltado para aes educativas, respaldada por profissionais

    de sade, buscando-se construir um elo consistente entre famlia servio de sade

    enfermeiro. Diante disto, os objetivos deste trabalho foram construdos com base na seguinte

    tese: Famlias com crianas nascidas expostas ao HIV sofrem repercusses que alteram o seu

    cotidiano. Assim teve-se como objetivo geral: Identificar as repercusses da infeco pelo

    HIV/aids no cotidiano das famlias com crianas infectadas pelo HIV/aids. Trata-se de estudo

    qualitativo realizado no domiclio de famlias comprometidas pelo HIV e que tinham crianas

    verticalmente expostas, atravs de questionrio. Foram entrevistadas 21 mes no perodo de

    julho a dezembro de 2008. Os dados coletados originaram as seguintes categorias: 1.

    Descoberta do diagnstico de soropositividade ao HIV materno; 2. Descoberta do risco da

    transmisso vertical; 3. Convivncia no domiclio, com outros familiares, na comunidade e na

    escola depois do diagnstico da criana; 4. Dificuldades enfrentadas pela me no cuidado com

    a criana; 5. Discriminaes vivenciadas pela famlia; 6. Sentimento depois da entrevista. As

    famlias consideradas severamente disfuncionais de acordo com a classificao do APGAR

    familiar deram origem a genogramas e ecomapas. Em face do exposto considera-se que este

    trabalho permitiu alm de identificar o contexto pelo qual vivem as famlias comprometidas

    pelo HIV, uma aproximao real do seu cotidiano. A partir do reconhecimento da

    vulnerabilidade da famlia que tem um ou mais de seus membros infectados pelo HIV, pode-

    se planejar intervenes de enfermagem que ajudem a famlia no enfrentamento da doena e

    do preconceito vigente. Assim, se favorecero mudanas fundamentais centradas no seu

    fortalecimento, orientando-a para uma nova trajetria em relao ao sentimento de

    vulnerabilidade ento vivenciado.

    Palavras-chave: Sndrome de Imunodeficincia Adquirida. Famlia. Criana.

  • 10

    ABSTRACT

    VASCONCELOS, S.G. Repercussions on the routine of families with children exposed to

    HIV at birth. (Dissertation). Fortaleza (CE). Federal University of Cear. 2009.

    The experience with people carrying the Human Immunodeficiency Virus (HIV) permitted to

    know more closely the anguish that families of HIV patients have to cope with because the

    society does not easily accept living with contaminated people and displays prejudice and

    discrimination. Consequently, the family emerges as the unit of care and as an important

    source of support for individuals infected with HIV, contributing to the patients good

    physical and mental performance and redistributing their tasks and roles with a view to

    improve their quality of life. In case in which children are exposed to the HIV, the family

    should focus on educational actions supported by healthcare professionals, seeking to

    construct solid ties between family health service nurse. In this perspective, this studys

    objectives were based on the following thesis: families of children who were exposed to HIV

    at birth suffer repercussions that alter their routine. Thus, the general objective was to identify

    the repercussions of the HIV/AIDS infection on the daily lives of families with infected

    children. It is a qualitative study carried out in the households of families with children

    vertically exposed to HIV. Data were collected through a questionnaire applied to 21 mothers

    between July and December 2008. Collected data originated the following categories: 1.

    Discovery of the maternal HIV diagnosis; 2. Discovery of the vertical transmission risk; 3.

    Living in the same house with other family members, in the community and school after the

    childs diagnosis; 4. Difficulties mothers face in the childs care; 5. Discrimination

    experienced by the family; 6. Feelings after the interview. Genograms and ecomaps were

    developed for those families considered severely dysfunctional according to the family

    APGAR. In addition to the identification of the context in which families affected by HIV

    live, this study permitted a real approximation of their routine. Based on the acknowledgment

    of the vulnerability of families with one or more members infected by the HIV, nursing

    interventions can be planned to help them to cope with the disease and prejudice. Hence,

    essential changes focused on families strengthening can be promoted and guide them to a

    new path to cope with the vulnerability they experience.

    Key words: Acquired Immunodeficiency Syndrome. Family. Child.

  • 11

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AIDS - Sndrome de Imunodeficincia Adquirida

    CEP - Comit de tica em Pesquisa

    HIV - Vrus da Imunodeficincia Humana

    MS - Ministrio da Sade

    UFC - Universidade Federal do Cear

    OMS - Organizao Mundial da Sade

    PSF Programa de Sade da Famlia

  • 12

    LISTA DE QUADROS E FIGURAS

    QUADRO 1 Apresentao das famlias segundo dados socioeconmicos e APGAR

    familiar .................................................................................................. 45

    QUADRO 2 Apresentao das categorias e subcategorias da anlise de contedo das

    falas ......................................................................................................... 47

    FIGURA 1 Smbolos de acordo com o gnero............................................................. 38

    FIGURA 2 Smbolos para o paciente identificado de acordo com o gnero................ 38

    FIGURA 3 Smbolos representando o falecimento de acordo com o gnero............... 39

    FIGURA 4 Representao de matrimnio.................................................................... 39

    FIGURA 5 Representao de separao....................................................................... 39

    FIGURA 6 Smbolo representativo da aliana........................................................... 39

    FIGURA 7 Smbolo representativo de relacionamento conflituoso.......................... 39

    FIGURA 8 Genograma da famlia de Eutlia.............................................................. 64

    FIGURA 9 Ecomapa da famlia de Eutlia................................................................. 65

    FIGURA 10 Genograma da famlia de Hades............................................................... 67

    FIGURA 11 Ecomapa da famlia de Hades................................................................... 68

  • 13

    SUMRIO

    1 INTRODUO................................................................................................... 14

    1.1 A convivncia com a aids ......................................................................... 14

    1.2 Epidemiologia da aids ............................................................................... 15

    1.3 Famlia................................................................................................................... 17

    1.4 Criana portadora do HIV..................................................................................... 21

    2 OBJETIVOS........................................................................................................ 28

    2.1 Objetivo geral....................................................................................................... 28

    2.2 Objetivos especficos............................................................................................ 28

    3 CONSIDERAES METODOLGICAS....................................................... 29

    3.1 Local do estudo...................................................................................................... 29

    3.2 Populao/sujeitos e perodo do estudo................................................................ 30

    3.3 Coleta de dados e instrumento para captao de dados......................................... 30

    3.4 Anlise dos dados.................................................................................................. 32

    3.5 Genograma............................................................................................................ 33

    3.6 Ecomapa................................................................................................................ 36

    3.7 APGAR familiar.................................................................................................... 37

    3.8 Aspectos ticos e de biossegurana....................................................................... 39

    4 RESULTADOS.................................................................................................... 41

    4.1 Apresentao dos resultados.................................................................................. 41

    4.2 Definio das categorias e subcategorias.............................................................. 44

    4.3 Genograma e ecomapa das famlias severamente disfuncionais........................... 59

    5 DISCUSSO........................................................................................................ 66

    6 CONSIDERAES FINAIS.............................................................................. 78

    REFERNCIAS.................................................................................................. 81

    APNDICES........................................................................................................ 85

    ANEXO................................................................................................................. 90

  • 14

    1 INTRODUO

    1.1 A convivncia com a AIDS

    A convivncia com pessoas portadoras do Vrus da Imunodeficincia Humana

    (HIV) nos proporcionou a oportunidade de conhecer de maneira mais prxima as angstias

    enfrentadas por estas pessoas por carregarem consigo uma doena grave, incurvel e de forte

    estigma social. Mesmo depois de quase trs dcadas de descoberta da aids, e com todas as

    informaes prestadas pela mdia e pelos servios de sade quanto s formas de contaminao

    com o vrus, a sociedade ainda no consegue aceitar com tranqilidade a convivncia com

    pessoas contaminadas. De modo geral, demonstram atitudes preconceituosas e

    discriminativas, e, assim, aumentam sobremaneira o sofrimento vivido por estes pacientes.

    Apesar da gravidade da doena, a sobrevida hoje uma realidade. Um dos

    principais fatores para tal a poltica brasileira de preveno e controle da epidemia de

    HIV/aids, com acesso amplo e gratuito aos anti-retrovirais, elevando em nmero e qualidade a

    sobrevida dos pacientes. Mesmo com estes avanos, ainda h muito por fazer. Conviver com a

    aids nas famlias um emblemtico desafio ainda persistente e que nos instiga a aprofundar o

    conhecimento e buscar alternativas para amenizar esta situao (PAIVA et al., 2002).

    Atenuar, porm, as dificuldades enfrentadas por estas famlias perante a sociedade

    no tarefa fcil. Precisamos trabalhar uma profunda mudana de comportamento, sobretudo

    por se tratar de uma epidemia fortemente estigmatizada por classificar seus portadores em

    grupos de risco (homossexuais e usurios de drogas injetveis). Para isso h de se discutir

    sobre gnero, sexo, famlia e direitos civis, em busca de uma reformulao dos pensamentos

    vigentes, tendo frente profissionais de sade e responsveis pela educao formal e

    informal. Conforme as expectativas, com seu saber prtico, eles so capazes de transformar a

    realidade.

    Como consta na literatura, a aids socialmente incapacitante pelos efeitos

    combinados do risco de contgio, do longo perodo de portador assintomtico, do status atual

    de incurvel e do vnculo com grupos altamente estigmatizados como homossexuais e

    usurios de drogas injetveis (CARTER; Mc GOLDRICK, 1995). Podemos evidenciar esta

    afirmao no trabalho realizado com o Ncleo de Estudos em HIV/aids e Doenas

    Associadas, ao acompanharmos pacientes e famlias que sofrem com a confirmao do

    diagnstico e com as novas necessidades exigidas ao portador do HIV e sua famlia,

    oferecendo-lhes um suporte tcnico, cientfico e emocional com vistas a minimizar os danos

    causados pela doena.

  • 15

    Como percebemos, a cultura de discriminao e excluso aos pacientes de aids

    obrigou suas famlias a terem um comportamento de silncio e at de recluso por medo do

    estigma vigente. Estigma este empregado estrategicamente para produzir e reproduzir

    desigualdades sociais, transformando diferenas em desigualdades. Este um processo social

    de desvio entendido em relaes de poder e dominao. Assim o estigma sentido pelas

    famlias empregado por atores sociais que buscam legitimar seu status de dominante dentro

    de uma sociedade repleta de desigualdades sociais (PAIVA et al., 2002).

    Em escala mundial, segundo observamos, os portadores do HIV so pessoas de

    todas as idades, sexo, crenas, etnias ou profisses. Tal como todos ns, eles tm direito de

    ser vistos como cidados, e de participar livremente da sociedade na qual vivemos. nosso

    dever respeit-los e compreend-los, com suas diferenas peculiares, seu conjunto de valores,

    suas dores e tenses.

    Aps o diagnstico, a vida familiar do portador do HIV uma poderosa fonte

    tanto de apoio como de estresse, pois familiares so determinantes para a adeso ao

    tratamento e a insero na sociedade na busca de normatizao da sua rotina (PAIVA et al.,

    2002). A famlia surge ento como unidade de cuidado, e representa importante fonte de ajuda

    para o indivduo infectado pelo HIV, em especial por contribuir para o bom desempenho

    fsico e mental, redistribuindo suas tarefas e papis para criar solues voltadas melhoria da

    qualidade de vida do ser doente.

    1.2 Epidemiologia da AIDS

    Com o surgimento dos primeiros casos de aids, em 1981, a infeco pelo HIV tem

    se propagado para todas as naes, constituindo um dos principais problemas de sade

    pblica da humanidade.

    Conforme divulgado pela Organizao Mundial de Sade (OMS), a pandemia do

    HIV se transformou em uma catstrofe humana, social e econmica com conseqncias de

    longo alcance para os indivduos, as comunidades e os pases. Ainda como aponta, nenhuma

    outra enfermidade teve relevncia to dramtica com disparidades e desigualdades no acesso

    ateno sade, s oportunidades econmicas e proteo dos direitos humanos

    elementares (OMS, 2003).

    Segundo dados do Boletim epidemiolgico, at junho de 2008, no Brasil, h

    506.499 pessoas com aids e existem atualmente em torno de 630 mil infectados pelo vrus no

    mundo. Entre as regies, o Nordeste responde por 58.348 (11,5%) destes. Apesar destes

    dados, o Ministrio da Sade considera estvel a epidemia (BRASIL, 2008).

  • 16

    De acordo com os dados, houve uma reduo no nmero de incidncia entre os

    que tm mais de doze anos de estudo (de 14% para 8,7%), enquanto na populao que tem

    entre oito e onze anos de estudo a incidncia passou de 13, 9% para 24,5% (BRASIL, 2008).

    Isto reflete a importncia da escolaridade na preveno das doenas sexualmente

    transmissveis, demonstrando que quanto maior o nvel escolar maior o acesso s informaes

    acerca de sade disponvel e maior a conscientizao quanto s formas de transmisso das

    doenas.

    Quanto transmisso vertical, a despeito do trabalho desenvolvido em nvel de

    pr-natal com a testagem para o HIV precoce e o trabalho nas maternidades com a realizao

    do teste rpido para o HIV nas gestantes que no fizeram o exame durante o pr-natal, houve

    um aumento na taxa de incidncia nas regies Norte e Nordeste, enquanto nas demais regies

    observou-se uma queda nestes nmeros. No Brasil, desde o incio da epidemia, foram

    diagnosticados 11.796 casos da doena por transmisso vertical (BRASIL, 2008).

    Isto nos remete ao fato de considerarmos que as crianas e adolescentes ainda so

    a face oculta da aids, pois muitos destes j chegaram vida adulta e iniciaram a vida sexual.

    Resta saber se esto preparados emocionalmente e educacionalmente para lidar com a doena

    diante dos desafios de chegar a esta fase de vida portador de uma doena geradora de forte

    estigma social, e mais, se sabem lidar de forma a no contaminarem os outros jovens com

    quem se relacionam sexualmente.

    Para monitorar a disseminao do HIV em gestantes e diminuir a transmisso

    vertical, o Ministrio da Sade instituiu a Portaria n. 993, de 4 de setembro de 2000, a

    vigilncia epidemiolgica de gestantes HIV positivo. Desta forma ele espera reduzir a

    transmisso vertical e seu impacto na infncia, pois at junho de 2008 foram notificados 5.142

    casos de aids em menores de 5 anos no Brasil (BRASIL, 2008).

    Desde o incio da epidemia, aconteceram mudanas no enfoque do enfrentamento

    do HIV, cujo foco direcionou-se para a identificao dos fatores favorveis ao crescimento

    psicolgico, ao ajustamento condio de enfermidade crnica e qualidade de vida. Ao

    passar de agravo de alta letalidade para enfermidade crnica, a modificao da aids repercute

    no desenvolvimento fsico e psicolgico de crianas e adolescentes soropositivos,

    notadamente aqueles infectados pelo HIV (SEIDL et al., 2005). Muitas vezes a criana sob

    risco de infeco est inserida em famlias nas quais h outras pessoas contaminadas. Assim,

    problemas sociais e econmicos podero atingir estas famlias.

    Ante esta nova realidade, a resposta brasileira indica que ainda preciso avanar

    para atender s necessidades adicionais dos rfos, adolescentes e outras crianas vulnerveis,

  • 17

    j que muitas famlias no tm como enfrentar todos os problemas advindos do diagnstico da

    infeco.

    Em mbito mundial, a distribuio gratuita de anti-retrovirais no Brasil

    reconhecida como exemplo, e os Estados da Federao disponibilizam servios pblicos

    especializados para ateno a essa populao. Entretanto, mesmo com as diferentes estratgias

    de acompanhamento, diversas circunstncias so relatadas no pas, cuja populao nem

    sempre tem possibilidade de contar com as diferentes opes de diagnstico e tratamento da

    infeco pelo HIV.

    Com o surgimento da terapia anti-retroviral combinada, as taxas de mortalidade

    por aids em crianas soropositivas diminuram, com conseqente melhoria dos ndices gerais

    de sade. Assim, os familiares, em especial os cuidadores primrios, tendem a se deparar com

    novos desafios, como a revelao do diagnstico, o incio e continuidade da escolarizao, a

    adeso a um tratamento complexo e longo, a chegada da puberdade e o incio da vida sexual

    (SEIDL et al., 2005).

    Para atuarmos nesta frente exige-se apreender o significado de famlia,

    compreendendo seus valores e crenas no relacionado principalmente a perdas e morte, pois,

    ao lidarem com uma doena grave e crnica, esse receio constante.

    1.3 Famlia

    A famlia base da socializao, e atravs dela o ser humano reproduz seus

    padres culturais. nela onde as crianas se transformam em cidados do futuro e onde

    acontecem as primeiras identificaes. Sem dvida a famlia a principal geradora de

    identidade e responsvel pelo comportamento dos indivduos. Portanto, se a famlia a cdula

    fundamental da sociedade, que tem seus campos funcionais (afetivo, scio e econmico,

    cultural, religioso e biolgico) sujeitos a alteraes de acordo com influncias internas (de

    seus membros) e externas (meio social), um paciente no pode ser visto isoladamente e sim

    em conjunto com sua famlia. Dessa forma, as intervenes para melhorar o seu estado

    podero ser mais facilmente efetivadas (RODRIGUES et al., 2006).

    Famlia um sistema aberto, em constante transformao e permanente troca de

    informaes com os extras familiares. Cada membro pode agir por vontade prpria ou

    conforme as orientaes intrnsecas no seio familiar, as quais podem variar drasticamente

    quando em situaes extremas de doena (MINUCHIN, 1983). o espao indispensvel para

    a garantia da sobrevivncia e proteo integral dos filhos, independente do arranjo familiar.

    ela que propicia os suportes afetivos, materiais e de bem-estar aos seus componentes. Nela se

  • 18

    aprofundam os laos de solidariedade. Ela o elo afetivo tanto dos mais pobres quanto dos

    mais ricos; enfim, a identidade de ser social (KALOUSTIAN et al., 1994).

    Segundo a literatura, o termo famlia pode ser entendido de diferentes formas,

    como: a morada de um ser humano, porto seguro, pessoas que vivem juntas, uma casa ou

    outras mais. Morada no simplesmente o espao fsico, mas sim pessoas que convivem e

    cuidam uns dos outros. Na famlia as pessoas aprendem a se preservar e a se cuidar

    mutuamente compreendendo a importncia de se viver em comunidade (SALOM;

    ESPSITO; MORAES, 2007).

    Por ser a famlia a instituio mais antiga da sociedade e o primeiro local de

    promoo das necessidades bsicas do indivduo, em caso de doena as pessoas nela

    compreendidas em geral buscam se auto-ajudar no intuito de amenizar o sofrimento e dividir

    os cuidados. No caso de uma doena grave e principalmente estigmatizante, como a aids,

    afloram no seio desta famlia vrias dificuldades enfrentadas medida que o cuidado precisa

    ser prestado. A interao dos membros da famlia, seus valores e crenas interferem

    sobremaneira na forma como a necessidade do cuidado percebida e como ele executado.

    Com as mudanas ocorridas atravs do tempo, hoje as famlias se vem aladas a

    assumirem novos papis e arranjos familiares, no mais to fortemente delimitados quanto

    outrora. As funes dos pais que antes eram responsveis pelo estabelecimento das regras e

    valores para os filhos, esto descentralizadas do ncleo e entregues ou ao menos

    compartilhadas com as tias, avs, babs, entre outros.

    Este compartilhamento pode ser fortalecido ainda mais nas famlias portadoras de

    doenas crnicas, as quais convivem de maneira muito prxima com a possibilidade de perda

    de um ente. Diante da situao, preciso recorrer a bases que a apiem em momentos de

    agravamento da doena ou da morte. Em casos de doena fsica, especialmente as crnicas, o

    foco da preocupao o sistema criado pela interao da doena com o indivduo, famlia ou

    outro sistema biopsicossocial (CARTER; McGOLDRICK, 1995).

    De modo geral, a doena crnica, a exemplo da aids, apresenta uma forma de

    estressor para a famlia e o indivduo. Diferentemente da crise sbita, ela exige o

    reajustamento na estrutura, nos papis, a soluo de problemas e manejo afetivo da famlia

    que ficam comprometidos por um longo perodo.

    Portanto, a exausto gerada por uma doena crnica na estrutura familiar, como o

    abreviamento da vida ou a morte, so fatos muitos crticos, de profundo impacto emocional.

    Alm disso, a expectativa quanto s possibilidades de cura ou durao da doena torna o

    paciente um constante sobrevivente, e ele tem dificuldades de traar o seu plano de vida

  • 19

    futura ou de seus familiares, em especial os mais prximos. Tal perspectiva de perda

    compromete a manuteno de uma estrutura familiar equilibrada, e, s vezes, provoca o

    afastamento do familiar do ser doente com vistas a se preservar emocionalmente. Algumas

    famlias, porm, se ajustam melhor a mudanas no seu ciclo, e so capazes de suportar

    estados emocionais mais complexos, e at trocam papis previamente definidos com maior

    facilidade. Enfim, tentam resolver seus problemas de forma mais eficiente, utilizando-se dos

    recursos externos com maior xito.

    Como uma doena estigmatizante, a aids cria forte tenso no ciclo familiar, pois a

    famlia divide sua energia no intuito de proteger-se contra os outros provveis danos causados

    pela doena ou pelo tratamento ao longo do curso da doena ou morte, com esforos

    progressivos para reestruturar-se ou resolver um novo problema. uma doena que est

    compreendida nas doenas de forma progressiva, pois vai evoluindo em severidade e requer

    contnua adaptao e mudana de papis. Isto, mais uma vez, desencadeia tenso crescente

    nas pessoas que prestam cuidados, motivados tanto pelos riscos de exausto como pelo

    contnuo acrscimo de novas tarefas ao longo do tempo.

    Conforme visvel, aqueles expostos ao vrus, em particular as crianas, tambm

    precisam de acompanhamento para monitorar sua sorologia. Pacientes com aids so bastante

    vulnerveis a vrias infeces e seu tratamento pode variar a cada nova consulta na unidade

    de sade, exigindo do cuidador um novo ajuste ao esquema e reestruturao na rotina

    familiar. Assim, o cuidador dessa criana tambm exposto a essa adaptao no seu

    cotidiano.

    Esses momentos de aumento de tenso no s fragilizam o doente como acarretam

    uma forte carga emocional ao cuidador. Em face disto, indispensvel recorrer a fontes de

    apoio dentro ou fora da famlia. Esta busca de auxlio pode ser vista de maneira muito clara

    quando construdos o genograma e o ecomapa de uma famlia com criana portadora de

    HIV/aids. Diante do registro da situao familiar e social, percebemos os locais mais

    procurados para auxlio nos momentos de dificuldade e assim podemos compreender se esta

    dinmica familiar est alterada ou no, e propor formas mais eficazes de resoluo dos seus

    problemas.

    Para se trabalhar a doena em qualquer famlia faz-se necessrio compreender

    como a questo colocada no campo comum e na histria individual de cada componente.

    Trata-se de um trabalho simultneo para o qual requer a compreenso de cada um com seus

    diferentes papis, sua dificuldade em solicitar ajuda dentro ou fora do ciclo familiar, e sua

    disposio em cumprir a tarefa proposta.

  • 20

    Algumas famlias so mais flexveis; outras, mais rigorosas. Mas a doena pode

    tornar mais rgida uma disfuno familiar preexistente, tendo assim um nvel mais elevado de

    reatividade, e tornando o prognstico para este tipo de famlia mais reservado. Para corrigir

    um fator doentio com mais eficincia, importante o conhecimento do funcionamento

    familiar com e sem doena crnica.

    Como observado, a doena exerce uma fora centrpeta sobre o sistema familiar,

    de socializao com a enfermidade. Os sintomas, a perda de funo e as exigncias de

    mudanas por causa da doena, alm do medo da perda atravs da morte, levam a famlia a

    criar um novo foco interno (CARTER; McGOLDRICK, 1995). No referente aids,

    essencial que a famlia lide com as demandas da doena sem comprometer o seu

    desenvolvimento ou o de seus membros. Muitas vezes, planos de vida tiveram de ser

    cancelados, adiados ou alterados em virtude deste diagnstico. Nessa situao, preciso saber

    quem foram os mais afetados a fim de prevenir crises desenvolvimentais.

    De acordo com a contextualizao e subjetividade de cada ser, experincias

    trocadas entre os seres da mesma famlia, diante da realidade, tm um significado nico

    (GOMES; PEREIRA, 2005). A presena de uma doena como a aids torna estas experincias

    mais intensas e com significados mais dolorosos, marcando profundamente o seio da famlia.

    Como forma de auxlio para o enfrentamento da doena, as famlias recorrem a determinadas

    estratgias, entre estas, a religiosidade. Mas a busca de suporte social maior pelos

    cuidadores com melhor nvel de escolaridade (SEIDL et al., 2005). Assim possvel supor

    que escolaridade mais elevada possa facilitar o acesso informao, gerando mais facilidade

    em falar sobre a enfermidade, obter apoio e fortalecer a rede social.

    medida que a famlia se depara com dificuldades para cumprir eficazmente sua

    tarefa de amparo aos seus membros, criam-se situaes de vulnerabilidade, pois, para ser

    efetiva, a famlia depende de condies para sustentao e manuteno de seus vnculos

    (PETRINI, 2003). Como divulgado por pesquisadores, estabelecer vnculos prprio do ser

    humano, e a famlia, como grupo primrio, o lcus para concretizao desta experincia.

    Ainda como afirmam, a confiana do indivduo de estar bem no mundo e com os outros

    transmitida mediante sua situao dentro da famlia. Laos afetivos abalados ou quebrados

    fragilizam esta condio (GOMES; PEREIRA, 2005).

    Entre os seres humanos, as formas de estabelecimento deste vnculo variam

    bastante. Na contemporaneidade vemos uma revoluo no modo como formamos laos e

    ligaes com os outros; contudo, nenhum tipo de formao familiar, seja ela nuclear ou de

    qualquer outra, melhor ou pior que as outras. uma diversidade, sem termos a certeza das

  • 21

    suas vantagens ou desvantagens para o ser humano e principalmente para as crianas

    (AMAZONAS et al., 2003).

    De acordo com pesquisa feita por Cazenave et al. (2005), a necessidade de apoio

    social mais importante que a necessidade de conhecimento em famlias expostas ao HIV, e

    em relao ao recebimento de ajuda quanto aos conflitos familiares, a melhor forma seria por

    meio de aconselhamento por profissionais de sade envolvidos num processo de escuta e

    apoio aos outros. Assim, com a finalidade de atuar diante destes desajustes, essencial

    detectar as repercusses que doenas como a aids podem acarretar nas famlias buscando

    melhores alternativas de lidar com tal doena.

    Intervenes psicolgicas destinadas ao fortalecimento da rede social de apoio e

    modificaes das estratgias de apoio s famlias so necessrias para o melhor enfrentamento

    da doena e diminuio das repercusses negativas possveis de advir para a famlia em

    discusso. Nesse aspecto, nvel socioeconmico e de escolaridade influencia nessa deciso.

    Segundo observamos no nosso cotidiano ao trabalharmos com famlias nas quais existem

    crianas portadoras do HIV, aquelas com condies socioeconmicas mais precrias e

    escolaridade baixa so mais afetadas com estas repercusses por no saberem onde buscar

    apoio social.

    Ademais, existem vrias dimenses sociais que justificam este trabalho, sendo

    perceptvel o grande contingente de famlias acometidas pela doena junto com suas crianas,

    apresentando dificuldades de convivncia e insero na sua comunidade.

    1.4 Criana portadora do HIV

    A infncia uma fase da vida extremamente delicada e importante e requer

    investimentos significativos na rea afetiva e de suporte social (DESLANDES; ASSIS;

    SANTOS, 2005). Crianas acometidas pela aids vivem sob o preconceito e estigma ainda

    fortemente arraigado na nossa sociedade. De modo especial, elas precisam de proteo

    especfica para um desenvolvimento psicolgico, fsico e social saudvel.

    Na manuteno da sade da criana, h muitos obstculos a serem enfrentados

    para a implementao de aes com vistas a um novo paradigma, introduzindo conceitos e

    aes facilitadores de promoo da sade. Estas aes devem ser acionadas por meio de

    estratgias das quais participe a famlia responsvel pela criana e detentora de um saber que

    deve ser aperfeioado pelos profissionais de sade (QUEIROZ; JORGE, 2006).

    Para isso, inicialmente, deve se contar com um adulto responsvel pela prestao

    dos seus cuidados, no intuito de ajud-la a suprir suas necessidades de criana, independente

  • 22

    do seu estado sorolgico para a aids. Num outro ngulo, ela tambm precisa ser vista sob o

    aspecto de portador do HIV, que requer cuidados especficos quanto ao controle da doena e

    seu convvio social. Estes cuidados, geralmente, tm sido desempenhados pela me gentica

    da criana.

    Em caso de crianas acometidas pelo HIV, a famlia deve ter seu foco voltado

    para aes educativas, respaldada por profissionais de sade. Juntos, devem construir um elo

    consistente entre famlia servio de sade enfermeiro para que este ltimo possa atuar na

    frente promotora de aes educativas e de cuidado s mes portadoras de HIV e seus filhos

    expostos ao vrus ou no. Dessa forma, pode-se proporcionar-lhes mais conhecimento e mais

    habilidade no cuidado prestado no domiclio.

    Em qualquer doena crnica significativa na criana deve-se buscar saber como

    essas famlias se organizam para lidar com as vrias tarefas exigidas quanto ao cuidado da

    pessoa doente. Observar se os pais assumiram excessivas responsabilidades, ou foram

    protegidos de envolvimento, ou o que eles aprenderam sobre a doena fundamental. Com

    estas informaes pode-se antecipar reas de conflito e consenso (CARTER; McGOLDRICK,

    1995).

    Por ser a aids uma doena crnica que impe constantes questionamentos ao

    grupo familiar onde est inserida, exigindo decises quanto ao tratamento mdico e s

    relaes de mbito social, espiritual e de estilo de vida, quando uma famlia se v diante de

    uma criana afetada pela doena, na maioria dos casos, a me assume o cuidado. Esta me

    tem de se adaptar demanda do cuidado, sobretudo porque outras atribuies j lhe eram

    delegadas. Esta nova tarefa exige profunda dedicao e forte trabalho psicolgico a fim de

    direcionar devidamente as deliberaes a serem tomadas acerca do cuidado geral com a

    doena (CAZENAVE et al., 2005).

    Para Ayres (2001), cuidar de algum mais que intervir sobre ele, construir

    projetos. O cuidado deve ser includo na totalidade das reflexes e intervenes em sade,

    com sua proposta tambm aplicada na famlia, na medida em que ela funciona como um

    espao privilegiado para os cuidados de sade.

    O interesse no cuidado das crianas deve ser pensado tambm a partir do sistema

    de crenas que cercam a famlia. Nesse caso, so importantes experincia prvia do

    cuidador bem como as mensagens transmitidas por parentes, profissionais de sade e

    instncias religiosas. Neste aspecto tm nfase as necessidades da criana. Outro aspecto

    menos explcito o cuidado da criana permeado pelas gratificaes que os adultos obtm por

  • 23

    estar fazendo o bem ou, ainda, a dedicao das mes como uma forma de se sentirem menos

    culpadas pela contaminao do HIV nos filhos (BUSTAMANTE; TRAD, 2007).

    Como evidenciamos, o medo do estigma social e o sentimento de culpa ou

    vergonha por ser portador do HIV afetam sobremaneira o comportamento dos membros da

    famlia, alterando sua rotina dentro e fora do ambiente familiar. Isso gera relaes

    conflituosas entre os cuidadores diretos da criana (pai e me), e podem surgir divergncias

    quanto ao cuidado prestado, e, tambm, quanto ao enfrentamento da famlia diante do

    diagnstico, da comunidade e do ambiente escolar. Em muitas famlias parece se estabelecer

    um pacto de silncio em relao ao estado sorolgico da criana. Quase sempre se faz uma

    revelao seletiva, ou seja, s confidenciado o estado de infeco pelo vrus queles em

    quem a me confia, em virtude do medo do preconceito, principalmente na comunidade onde

    vivem e na escola.

    Para a me, o preconceito visto como um distanciamento dos outros seres por

    conviver com uma criana portadora de aids. Assim, para no ser percebida pelo outro dessa

    forma, prefere omitir a condio sorolgica da criana, e conseqentemente sua prpria

    histria familiar. Ainda na concepo dela, o interesse do outro especulativo e depreciativo,

    servindo apenas para comentrios e no para auxili-la na vivncia com a aids

    (SCHAURICH; PADOIN, 2008).

    Como mostra o dia-a-dia, a exposio ao HIV na criana representa uma

    experincia de intenso sofrimento, pois alm de limitar suas atividades cotidianas por causa

    das infeces oportunistas, pode promover atitudes superprotetoras ou discriminatrias das

    pessoas que com ela convivem. Sobre a me destas crianas recaem o peso da culpa da

    transmisso para o filho e a sobrecarga do cuidado intenso e diferenciado (SILVA et al.,

    2008). Ademais, a superproteo da me e de outros membros da famlia potencializa

    eventuais problemas emocionais e comportamentais da criana, tornando a interao me-

    criana inadequada com maior chance de atraso e dificuldades no desenvolvimento da

    criana, alm de provocar limitaes sociais e cognitivas.

    Tais repercusses devem ser trabalhadas eficazmente e com profundo

    conhecimento de causa no intuito de amenizar sobremaneira os danos causados pelo impacto

    da doena na vida destas pessoas. A qualidade de vida de crianas e jovens pode ser

    totalmente afetada pela epidemia da aids. Elas podem no apenas sofrer a perda do convvio

    dos pais ou parentes, como ter sua prpria sade comprometida (FRANA-JUNIOR;

    DORING; STELLA, 2006). Conforme evidenciado, as questes psicossociais e as

    dificuldades enfrentadas por crianas soropositivas e seus familiares revelam a importncia de

  • 24

    serem estas efetivamente identificadas e valorizadas pela equipe de sade, em uma

    perspectiva de ateno integral e interdisciplinar (SEIDL et al., 2005).

    A adaptao dos pais soropositividade um decisivo fator na determinao do

    ajustamento da criana vivendo com aids. Diante da situao, muitas famlias desenvolvem

    estratgias de enfrentamento voltadas para a normalizao da sua rotina, investindo na

    manuteno da sade e na busca da insero social de forma cautelosa com vistas a minimizar

    os prejuzos sociais e psicolgicos causados pela doena.

    Inegavelmente, em decorrncia do nmero de crianas que esto chegando

    segunda infncia crescente a busca por apoio psicolgico de familiares, crianas e

    adolescentes soropositivos. Como principais demandas dos familiares em relao aos

    profissionais de psicologia citamos os seguintes: como lidar com a curiosidade sobre o

    diagnstico, quando e como revelar a soropositividade para a criana, quais as dificuldades de

    adeso ao tratamento, dvidas e preocupaes relacionadas escolarizao e chegada da

    puberdade. Isto aponta para os crescentes e novos desafios impostos aos familiares e equipe

    de sade (SEIDL et al., 2005).

    Outro problema a se somar prpria doena a depresso. Muitas vezes, a

    sensao de desamparo para lidar com a aids devido ao estigma e preconceito ainda

    fortemente presentes na nossa sociedade contribuem para o aumento do nmero de casos de

    depresso encontrado nos portadores da doena. Mes de crianas infectadas convivem com

    este agravante por tentarem proteger seus filhos deste tipo de discriminao, alm de

    enfrentarem as incertezas da evoluo da doena.

    De acordo com a nossa percepo como integrantes do grupo de pesquisa Ncleo

    de Estudo em HIV/aids e Doenas associadas, em atendimento a famlias com crianas

    expostas ao HIV, as mes buscam um novo sentido para a vida, como sua auto-afirmao e

    redefinio de relacionamentos, na tentativa de superar a dor de ter seu filho contaminado e

    proteg-lo de possveis agresses psicolgicas dirigidas ao portador do HIV. Isto acarreta

    nelas um forte estresse emocional que precisa ser trabalhado e principalmente dividido com os

    membros desta famlia.

    Alm desse estresse, preciso conviver com a carga econmica decorrente do

    cuidado do doente com aids, diante de sua cronicidade e do longo perodo de tratamento que

    as mes enfrentam com seus filhos. Tudo isto, associado impossibilidade de trabalhar fora

    em virtude do seu estado de sade ou por discriminao social, provoca intensa repercusso

    dentro da famlia (CAZENAVE et al., 2005).

  • 25

    De modo geral, as crianas expostas ao vrus e suas mes portadoras do HIV

    compartilham dificuldades ao lidarem com situaes relacionadas ao vrus, como a adeso ao

    tratamento, sentimentos de raiva, solido, baixa auto-estima, entre outras. Acrescentam-se

    ainda, as precrias condies socioeconmicas, como a pobreza e o acesso aos recursos

    mdicos e sociais (SEIDL et al., 2005). Familiares e cuidadores deparam-se com um dos mais

    dolorosos desafios, tais como a revelao do diagnstico, o incio e a continuidade da

    escolarizao, a adeso a um tratamento complexo e de longo prazo, a chegada da puberdade

    e o incio da vida sexual. preciso, pois, dispensar-lhes assistncia, acompanhamento e apoio

    especializado.

    Analisar condies de sade sob as quais vivem as crianas essencial para

    compreender todas as circunstncias presentes na vida dos que esto convivendo com a

    infeco. Nesse caso, mencionamos especialmente os menores de idade, dependentes de

    adultos responsveis para seu cuidado, muitos dos quais so infectados e vivenciam outras

    mazelas advindas da infeco. Quase sempre cabe as mes genticas soropositivas

    desempenhar seu papel como cuidadoras primrias. Elas participam do processo de

    desenvolvimento de seus filhos, graas ao reflexo das polticas pblicas que permitem o

    acesso universal ao tratamento anti-retroviral, propiciando melhor qualidade de vida e de

    sade aos que vivem com aids (SEIDL et al., 2005).

    Nesse universo de dores, a infeco do HIV em crianas cria espaos de

    vulnerabilidade, pois os responsveis, sobremodo os pais, sentem-se culpados pelo

    surgimento da doena. Isto contribui fortemente para a desestruturao familiar, repercutindo

    de forma mais intensa nos membros mais sensveis. Consequentemente, produz sofrimento e

    leva o indivduo responsvel pela criana infectada descrena de si mesmo, tornando-o

    frgil e com baixa auto-estima. Instala-se, assim, um sentimento desagregador. Mas hora de

    unio. Juntos os membros da famlia devem procurar alternativas de enfrentamento da

    doena, mas nem sempre agem de acordo com um consenso. Isto, por vezes, gera situaes de

    conflito para as quais se exige a devida interveno a fim de no prejudicar a criana enferma.

    Impe-se, ento, uma questo fundamental: a necessidade de promoo e apoio a

    estas famlias com crianas nascidas expostas ao HIV ou j infectadas, por meio de polticas

    sociais bem articuladas e focalizadas. Inegavelmente, as polticas pblicas so fatores

    decisivos para o alcance dos objetivos prioritrios com vistas melhoria das condies de

    vida da criana portadora do HIV no seio familiar ou na comunidade onde vive. A famlia, os

    grupos sociais e instituies, mediante os cuidados prestados, podem influenciar sobremaneira

  • 26

    a possibilidade de sobrevivncia e de qualidade de vida das crianas afetadas direta ou

    indiretamente pelo HIV.

    Contudo, uma pergunta fundamental: Como ajudar as mes de crianas

    portadoras de HIV a amenizar o sofrimento de suas crianas e como orient-las a construir

    junto com seus filhos projetos de vida e de felicidade em um contexto de vida alterado pelo

    HIV?

    A resposta exige das mes tomar decises em benefcio dos seus filhos, associada

    rotina diria. Tal exigncia pode gerar srias conseqncias porquanto estas decises nem

    sempre traro o efeito desejado. Mencionado processo de deciso inclui desde no fazer nada

    ou tomar decises-chaves na conduta do cuidado. Surge, assim, mais um condutor de estresse

    para a famlia, pois fica configurado o dilema das mes ao terem de adotar a melhor conduta

    no cuidado de seus filhos (CAZENAVE et al., 2005).

    Diante de tanto estresse, todos se abalam. Por isto, este crescimento psicolgico

    deve ser trabalhado no apenas no ser exposto ou infectado com o vrus, mas em toda a

    famlia. Nesse momento, as mes deparam-se no apenas com o prprio sofrimento motivado

    pela doena, mas tambm com a angstia de ter um filho nascido exposto. Ademais, muitas

    vezes elas aguardam desesperadamente pelo estabelecimento do diagnstico da criana.

    Em face da doena, surge uma nova realidade. Famlias que tm crianas

    portadoras do HIV devem se reconstruir de acordo com a nova realidade; devem buscar meios

    de enfrentar o dia-a-dia, tentando amenizar seu sofrimento e criando alternativas para manter

    a socializao delas no seio familiar, na comunidade e no colgio. preciso ter sempre

    presente o foco da sua ateno a proteo e o cuidado prioritrio da criana portadora do

    HIV.

    Como evidenciado, as crianas destas famlias tendem a ser protegidas

    excessivamente. Tal proteo pode dificultar a convivncia da criana com as questes que

    por ventura surjam no seu cotidiano, quer de ordem biolgica ou emocional. Fatores como

    estes precisam ser trabalhados no intuito de minimizar os estresses vividos por doentes e

    cuidadores, prevenindo a sobrecarga de papis e dando autonomia vigiada para as crianas

    buscarem solues para resoluo dos seus problemas de acordo com a sua capacidade

    cognitiva e fsica. Deve-se ajud-las, mas apenas quando necessrio.

    Crianas portadoras de HIV precisam de muita aceitao em seu convvio

    familiar, porm devem ser tratadas do mesmo modo das outras crianas no portadoras do

    vrus. Trat-las diferentemente acentuar o preconceito, e pode dificultar o seu convvio com

    as outras esferas alm do grupo familiar.

  • 27

    Aparentemente, lidar com a doena crnica e a morte so tarefas da vida adulta.

    No entanto, crianas ou jovens tambm podem viver esta experincia, a qual, quando ocorre,

    tende a atingir de forma mais agressiva a estrutura familiar. Isto afeta significativamente o

    sentimento de continuidade do ciclo de vida destes familiares e at seus direitos. Em estudo

    recente sobre crianas e adolescentes portadores de HIV/aids, afetados no-rfos e rfos por

    aids, h indcios de comprometimento de vrios direitos, como sade, educao, moradia,

    alimentao, discriminao, integridade fsica e mental (FRANA-JUNIOR; DORING;

    STELLA, 2006).

    Estes direitos precisam ser assegurados e fiscalizados pela populao em geral e,

    particularmente, por ns profissionais da rea de sade que lidamos diretamente com

    portadores do HIV. Dessa forma, poderemos trabalhar na linha de frente, de maneira

    interdisciplinar, na reduo das repercusses emocionais e sociais causadas pelo HIV, tendo

    como objetivo principal assegurar o pronto atendimento a todos os infectados pelo vrus, em

    qualquer esfera, seja ela clnica, psicolgica ou social.

    Apesar das limitaes, o uso dos servios de sade para atender as crianas est

    bastante valorizado, indicando a tendncia segundo a qual as crianas so levadas aos servios

    de sade com mais facilidade e freqncia que os adultos. Toda criana deve ter

    acompanhamento peditrico preventivo (BUSTAMANTE; TRAD, 2007). Contudo, ante a

    dificuldade no acesso aos servios de sade, comum as mes tentarem resolver os problemas

    de sade das crianas no contexto familiar antes de procurar os mencionados servios. Diante

    desta lacuna importante perceber o cuidado infantil como um espao privilegiado de contato

    entre mes e profissionais de sade.

    Para pensar este contato, essencial considerar o carter intersubjetivo do cuidado

    de modo que, ao atender uma criana exposta ao HIV, se est atendendo tambm a sua

    famlia, pois a criana em si mesma um projeto familiar, bem como uma significativa fonte

    de gratificao para a me ou parentes que a cuidam. Os enfermeiros tm o importante desafio

    de conhecer a criana e sua famlia, conhecer seus projetos e participar deles de alguma forma

    (BUSTAMANTE; TRAD, 2007).

    Diante do apresentado, este estudo tem como tese a seguinte proposio: Famlias

    com crianas nascidas expostas ao HIV sofrem repercusses que alteram o seu cotidiano.

  • 28

    2 OBJETIVOS

    Os objetivos deste trabalho foram construdos com base na seguinte tese: Famlias

    que possuem crianas nascidas expostas ao HIV sofrem repercusses que alteram o seu

    cotidiano. Assim temos os seguintes objetivos geral e especficos:

    2.1 Objetivo Geral

    Identificar as repercusses da infeco pelo HIV/aids no cotidiano das famlias

    com crianas infectadas pelo vrus.

    2.2 Objetivos Especficos

    Compreender a configurao familiar e os suportes utilizados para

    manuteno da rotina da famlia onde vivem crianas infectadas pelo

    HIV/Aids;

    Entender como elas se relacionam no seio familiar, na comunidade em que

    vivem na escola ou creche e com o servio de sade do qual fazem uso sob

    a tica da me responsvel pelo cuidado direto da criana.

  • 29

    3 CONSIDERAES METODOLGICAS

    Trata-se de estudo descritivo com abordagem qualitativa que surgiu concomitante

    a uma ampla pesquisa destinada a avaliar condies de sade, convivncia familiar e

    comunitria de crianas nascidas sob risco da transmisso vertical do HIV ou que vivem com

    aids em Fortaleza-Cear.

    A pesquisa qualitativa possibilita aos pesquisadores da enfermagem que transitam

    nas relaes interpessoais de assistncia sade e doena, uma coerncia e um

    aprofundamento das experincias individuais que nenhum outro mtodo capaz (ZIMMER,

    2008).

    Realizou-se uma avaliao utilizando-se critrios de incluso e excluso entre

    adultos freqentadores do ambulatrio de HIV/aids do hospital onde o estudo comeou a ser

    desenvolvido, e que tinham em seus lares crianas nascidas sob exposio ao vrus ou

    infectadas e que faziam acompanhamento no servio. Este foi o primeiro passo para delimitar

    a populao.

    3.1 Local do estudo

    O estudo iniciou-se no ambulatrio de um hospital de referncia no Estado do

    Cear para o atendimento de doenas infectocontagiosas e que possui a maior demanda de

    acompanhamento de pacientes com HIV/aids.

    Mes que acompanhavam seus filhos em atendimentos de rotina neste hospital

    foram convidadas aleatoriamente a participar da pesquisa (pr-seleo dos sujeitos). Neste

    primeiro contato o pesquisador, aps se identificar, explicava me o tipo de trabalho ento

    proposto, e pedia autorizao para a coleta de dados a ser realizada no domiclio. Nesse

    momento esclarecamos para a me que l ela poderia se reportar mais facilmente s situaes

    do seu cotidiano e responder com mais profundidade as perguntas.

    Alm disso, a coleta de dados no domiclio nos permitiu conhecer de perto parte

    da realidade relatada pelas mes durante a entrevista e fazer anotaes em um caderno de

    apoio no qual registramos informaes que consideramos importantes para a anlise de dados

    posteriormente.

    Por vezes houve resistncia de algumas mes em aceitar a visita domiciliar, tendo

    em vista que elas temiam que outros familiares ou vizinhos que desconhecessem o

    diagnstico desconfiassem da visita dos pesquisadores. Por entendermos este contato

  • 30

    domiciliar essencial para uma maior clarificao da situao estudada, falamos

    detalhadamente com cada uma, enfatizando que o sigilo e a discrio seriam mantidos. Aps

    as explicaes sobre o contato posterior nenhuma me recusou a visita domiciliar. Assim,

    como recomendado pelas normas ticas em pesquisa com seres humanos, para manter o sigilo

    das famlias, o nome das mes foi substitudo por pseudnimos de origem grega.

    3.2 Populao/sujeitos e perodo do estudo

    Neste estudo trabalhamos com dois tipos de sujeitos: o direto e o indireto.

    Enquanto o sujeito direto foram mes genticas responsveis pelo cuidado direto do filho, o

    indireto foram crianas sob o cuidado materno vivendo em famlia. Assim, a populao

    constituiu-se de famlias com no mnimo um binmio me e filho.

    Para a seleo das famlias adotamos os seguintes critrios e passos para comp-

    las a partir de uma pr-seleo realizada no servio. So eles:

    - Me que possuir pelo menos uma criana (0 a 12 anos) nascida sob exposio de

    risco da transmisso vertical ou com diagnstico definitivo de infeco pelo HIV/aids;

    - Famlia cuja me biolgica permanece com a criana naquele domiclio;

    - Famlia residente no municpio de Fortaleza;

    - Criana e me acompanhadas no ambulatrio do hospital escolhido para a pr-

    seleo das famlias;

    - Aceitao voluntria como participante da pesquisa.

    O convite para participao das entrevistas em profundidade foi efetivado at

    obtermos saturao dos dados (repetio/clarificao/evidncias a que se quer buscar). Desse

    modo, a princpio, no estabelecemos nmero adequado de famlias para esta forma de

    avaliao. Assim, a pesquisa contou com um total de 21 mes entrevistadas. Destas famlias,

    quatorze crianas tinham sorologia negativa confirmada para o HIV, seis tinham diagnstico

    de HIV positivo e uma criana tinha sorologia ainda inconclusiva.

    Quanto coleta de dados, ocorreu nos meses de julho a dezembro de 2008.

    3.3 Coleta de dados e instrumento para captao de dados

    Para a captao de dados utilizamos como recurso a entrevista gravada, realizada

    com o auxlio de um roteiro com questes norteadoras (APNDICE A) e um questionrio que

    avalia a funcionalidade familiar denominado de APGAR familiar (APNDICE B). O roteiro

    possibilitou a captao das seguintes informaes: endereo e ponto de referncia do

    domiclio (obtidos na pr-seleo), identificao dos familiares com iniciais do nome, idade,

  • 31

    sexo e parentesco, situao civil, ocupao (situao funcional), escolaridade (anos de estudo)

    e renda familiar. E, ainda, instituies e servios de sade prximos da residncia, escola e

    ambientes para lazer (praa/parque/praia/cinema).

    Ademais, o roteiro ainda contemplou espao para a descrio do ambiente no qual

    a criana vive, como tipo de casa, nmero de cmodos e condies de saneamento, bem como

    qualquer outro achado que o pesquisador considerou relevante para o trabalho na segunda

    etapa da pesquisa feita no domiclio da famlia.

    Com vistas ao objetivo proposto, foram elaboradas questes norteadoras, como:

    - Como a famlia vivencia a situao de ter em seu contexto uma criana infectada

    pelo HIV?

    - Para os integrantes da famlia houve situaes que se tornaram mais difceis no

    cuidado desta criana?

    - Em algum perodo ocorreram situaes ou problemas com algum dos familiares

    para cuidar da criana?

    - Como tem sido a convivncia dos membros da famlia com a criana infectada

    pelo HIV?

    Quanto ao questionrio do APGAR familiar, depois de aplicado, fizemos a

    contagem dos escores e estabelecemos o grau de funcionamento no prprio domiclio. Para as

    famlias consideradas severamente disfuncionais construmos o genograma e o ecomapa para

    dar maior visibilidade do contexto estudado.

    Para a realizao da entrevista no domiclio fazamos um agendamento prvio por

    telefone com a me no dia e horrio mais convenientes para ela. A coleta de dados no

    domiclio durou em mdia duas horas e neste contato sempre estavam presentes duas

    entrevistadoras. Dessa forma, enquanto uma dava seguimento s perguntas do roteiro de

    entrevista, a outra anotava em um caderno de apoio situaes e caractersticas do ambiente

    consideradas relevantes para o estudo.

    Para a maioria das mes entrevistadas, as entrevistas constituram um duro

    momento. Diante disso, muitas vezes em virtude do choro das mes, era preciso interromp-

    las. Falar da sua convivncia com a doena lhes fazia relembrar a trajetria percorrida desde a

    descoberta do diagnstico, o medo da confirmao do contgio do filho e todas as

    dificuldades vividas pela famlia, particularmente as financeiras (algumas relatavam faltar

    comida constantemente em casa), s relacionadas ao apoio social e situaes de discriminao

    no percurso da doena.

  • 32

    Por se tratar de pessoas carentes, quase todos os domiclios das famlias situavam-

    se em bairros de periferia e de difcil acesso para o pesquisador. Isto por vezes colocou em

    risco sua integridade e foi necessrio inclusive em determinado momento o apoio policial para

    termos acesso moradia de uma famlia pr-selecionada. Conforme estabelecido, nenhuma

    famlia poderia ser descartada da pesquisa aps preencher os critrios de incluso e aceitar

    participar, em face da dificuldade em captar famlias com estas caractersticas, pois elas

    temem que seus dados possam ser expostos e passem a ser vtimas de discriminao.

    3.4 Anlise dos dados

    Nesta etapa utilizamos diferentes recursos para a anlise dos dados dos

    entrevistados cujas falas/depoimentos foram submetidos anlise especfica que constou de

    agrupamento dos temas em forma de categorias temticas, em consonncia com o referencial

    proposto por Bardin (1999), seguindo os seguintes passos:

    a) Transcrio das falas/depoimentos;

    b) Leitura de todas as entrevistas e, quando necessrio, retorno s fitas para se

    evidenciar outras formas de comunicao: tom da voz, expresso de tristeza (choro) ou alegria

    (riso) entre outras formas que conduzem a um significado diferenciado;

    c) Aplicao de escore de acordo com a aplicao do questionrio APGAR

    familiar a cada famlia entrevistada;

    d) Aproximao de assuntos semelhantes referidos nas falas (temas);

    e) Construo de genograma e ecomapa para as famlias consideradas

    severamente disfuncionais.

    Deste modo, as categorias subsidiaram a discusso dos dados e fundamentaram a

    anlise de contedo. Como afirma Chizzotti (2006), a anlise de contedo uma dentre as

    diferentes maneiras de interpretar o contedo de um texto/entrevista que se desenvolveu de

    forma aberta, adotando-se normas sistemticas de extrair os significados temticos ou de

    significantes lexicais, por meio dos elementos mais simples de um texto/depoimentos.

    Os dados da constituio familiar deram origem a ecomapas e genogramas das

    famlias consideradas severamente disfuncionais de acordo com o total de escores obtidos

    aps a aplicao do questionrio do APGAR familiar e tiveram sua estrutura analisada em

    associao com as entrevistas (falas).

    No caso das famlias altamente insuficientes o uso do ecomapa e do genograma

    teve como objetivo compreender a configurao familiar e os suportes utilizados para

  • 33

    manuteno da sua rotina. O genograma nos d um retrato da rotina da criana no seio

    familiar, mostra suas atividades nos momentos de lazer, a ida ou no escola, a busca pelas

    redes sociais de apoio e os centros de sade.

    Destacamos tambm relaes familiares conflituosas e de proximidade alm da

    convivncia familiar e do acompanhamento em servios de sade.

    3.5 Genograma

    Genograma a representao grfica, por meio de smbolos (crculos, quadrados e

    linhas) da composio familiar e dos relacionamentos bsicos. Ele permite ver de forma

    rpida e clara quais membros constituem a famlia, com vnculos consangneos ou no,

    identificando idade e ocupao, retratando ainda o lugar ocupado por cada um dentro da

    estrutura familiar (CASTOLDI; LOPES; PRATI, 2005).

    So retratos grficos da histria e do padro familiar desvelando sua estrutura

    bsica, demografia, funcionamento e os relacionamentos da famlia. uma taquigrafia

    utilizada para descrever os padres familiares primeira vista (CARTER; McGOLRICK,

    1995).

    O genograma considerado uma importante ferramenta para obter informaes

    sobre o indivduo e sua famlia, e utilizado h muito na rea da sade. Por esta ferramenta,

    tem-se uma viso lgica dos padres de repetio de patologias e relaes intrafamiliares

    sobre os quais se pode intervir de forma preventiva, na qual paciente, profissional de sade e

    famlia tornam-se co-responsveis pelo processo assistencial (MACHADO et al., 2005).

    Pelas representaes grficas do genograma podemos identificar os vrios

    arranjos familiares e como as famlias funcionam. Desse modo, podemos desvendar toda a

    trama envolvida, especificamente as condies de sade e convivncia familiar de crianas

    verticalmente expostas.

    Como no existe um tipo padro de estrutura familiar por meio do genograma

    que iremos buscar o entendimento e os modos de agir preventivamente e de forma promotora

    de sade no ncleo destas famlias estudadas. Por ser o ciclo de vida familiar circular e

    repetitivo, podemos comear a contar a histria da famlia em qualquer momento. O

    genograma , pois, um timo meio de retratar de maneira clara, simples e objetiva como os

    cnjuges esto conectados s suas prprias famlias e seus papis dentro delas.

    Por ele identificamos a famlia atual do sujeito (paciente) e a situao dos casais

    (divrcio, concubinato, etc.). Doenas graves tambm so identificadas assim como o que

    cada famlia faz para buscar o auxlio em caso de doena e onde o procuram. Vrios fatores

  • 34

    podem ser includos no genograma para que ele nos auxilie no alcance dos nossos objetivos,

    pois atravs da representao grfica feita por ele entendemos com maior nitidez a trama

    familiar existente.

    Padres de interao familiar podem ser registrados via genograma, como a

    ocorrncia de relacionamentos muito prximos, conflitados, rompimentos ou desavenas entre

    duas ou mais pessoas, para entendermos a qualidade dos vnculos estabelecidos,

    principalmente neste estudo que trata de crianas verticalmente expostas ao HIV dentro do

    convvio com seus familiares (CASTOLDI; LOPES; PRATI, 2005).

    Ainda conforme esses autores, por revelar informaes sobre a composio

    familiar e outros dados importantes, como idade, trabalho, separaes, morte, entre outros, e a

    visualizao de pelo menos trs geraes da famlia, o genograma vem sendo utilizado por

    profissionais de sade da famlia como instrumento de abordagem eficaz para a compreenso

    da dinmica familiar e avaliao dos diversos grupos de risco (comportamentais, ambientais,

    sociais, etc.). Ele um instrumento imprescindvel na compreenso do contexto nuclear no

    qual os processos sade/doena ocorrem. Nele a famlia entendida como foco central deste

    processo, requerendo o uso de instrumentos de abordagem familiar capazes de retratar a

    estrutura familiar com seus padres de relacionamentos e conflitos, possibilitando a

    compreenso do processo de um indivduo adoecer a partir de suas relaes intrafamiliares e

    dos aspectos psicossociais envolvidos. Enfim, reflete fielmente as interaes e os conflitos

    existentes entre os indivduos.

    A ilustrao do genograma nos possibilita analisar com mais clareza em que

    condies esta criana vive e como se d sua convivncia familiar e comunitria. Possibilita

    tambm buscarmos fatores favorveis promoo da sua sade e fatores estressantes

    prejudiciais ao projeto de felicidade dela.

    Com o uso do genograma podemos sumariar as informaes, e verificar a preciso

    do registro. Ele capaz ainda de mostrar como os relacionamentos interferem na gnese do

    tratamento das doenas. Salientamos sua utilidade por agrupar informaes de distintas

    fontes, de acesso imediato para uma consulta rpida, facilitando a tomada de deciso em

    relao adoo de comportamentos e padres mais saudveis para se viver em famlia.

    Segundo Revilla (1996), este instrumento propicia aos profissionais manejar

    informaes sobre pessoas que no conhece, mas que so importantes no contexto familiar

    dos pacientes, bem como detectar os casos nos quais medidas precisam ser tomadas para a

    recuperao da sade ou diminuio dos riscos de adoecimento.

  • 35

    Coletar a informao necessria deve ser parte de uma extensiva entrevista clnica

    e o genograma um grfico sumrio dos dados coletados. Muitas informaes podem e

    devem ser omitidas para a devida compreenso do genograma (CARTER; McGOLDRICK,

    1995).

    Graficamente, o genograma constitui um diagrama que detalha a estrutura, o

    histrico familiar e traz informaes sobre os vrios papis de seus membros e das diferentes

    geraes que compem a famlia. de bastante utilidade em atividades preventivas adotadas

    por equipes do Programa de Sade da Famlia (ATHAYDE; GIL, 2005).

    No genograma cada membro da famlia representado por um quadrado ou

    crculo, conforme seu gnero (masculino ou feminino) (Figura 1).

    Mulher Homem

    Figura 1 - Smbolos de acordo com o gnero

    O paciente ou pessoa considerada o foco central da construo do genograma,

    neste estudo, a criana, deve ser identificado com linhas duplas, pois ele a pessoa que

    representa a disfuncionalidade familiar, sendo o motivo de busca de ajuda. Por vezes a ajuda

    no para ele e sim para os outros ao seu redor (Figura 2).

    Mulher Homem

    Figura 2 - Smbolos para o paciente identificado de acordo com o gnero

    Em caso de pessoas que j faleceram, acrescenta-se um X dentro do quadrado ou

    crculo, conforme o gnero a ser identificado como morto (Figura 3).

    Mulher falecida Homem falecido

    Figura 3 - Smbolos representando o falecimento de acordo com o gnero

  • 36

    Segundo o modelo, as linhas que conectam os smbolos demonstram os

    relacionamentos. Nestas mesmas linhas indicam-se as separaes com uma linha diagonal

    como mostram as Figuras 4 e 5.

    Figura 4 - Representao de matrimnio

    Figura 5 - Representao de separao

    Ainda segundo o modelo, as linhas representam o nvel de relacionamento em

    uma famlia. A aliana que representada por duas linhas paralelas retrata uma afinidade

    positiva entre duas pessoas como expe a Figura 6:

    Figura 6 - Smbolo que representa a aliana

    O conflito nas relaes pode aparecer sob a forma de um tracejado estremecido.

    Figura 7 - Smbolo que representa relacionamento conflituoso

    3.6 Ecomapa

    Consoante a literatura, o ecomapa um desenho complementar ao genograma. Ele

    versa sobre a representao grfica dos contatos dos membros da famlia com os outros

    sistemas sociais, incluindo a rede de suporte sciossanitrio. De posse desse desenho,

    podemos ter um melhor entendimento da composio e estrutura de relacionamentos da

    famlia (ARAJO et al., 2005).

    Evidenciar a presena ou ausncia de recursos sociais, culturais e econmicos o

    retrato de um momento da vida dos membros da famlia. Assim, ele considerado dinmico,

  • 37

    pois sua estrutura mutante com o passar do tempo (NASCIMENTO; ROCHA; HAYES,

    2005).

    No ecomapa, as pessoas componentes da famlia e suas idades so colocadas no

    meio do crculo enquanto crculos externos so os contatos da famlia com outras pessoas da

    comunidade ou de grupos significativos.

    Linhas indicam o tipo de conexo: contnuas ou duplas, ligaes fortes, relaes

    slidas; pontilhadas, ligaes frgeis, relaes tnues; com barras ou talhadas, aspectos

    estressantes ou relaes conflituosas.

    Setas desenhadas ao lado das linhas significam o fluxo de energia e recursos.

    Ausncia de linhas significa ausncia de conexo.

    Assim, esquematicamente, podemos ter a representao da ausncia ou presena

    de recursos sociais, culturais e econmicos, de determinado momento do ciclo familiar.

    3.7 APGAR familiar

    O instrumento Apgar de famlia foi desenvolvido por Smilkstein em 1978 e se

    compe de cinco questes que possibilitam a mensurao do nvel de satisfao dos

    componentes da famlia em relao a cinco aspectos considerados bsicos na unidade e

    funcionalidade de qualquer famlia: adaptao, companheirismo ou participao,

    desenvolvimento ou crescimento, afetividade e capacidade resolutiva (DUARTE, 2001).

    Proveniente da lngua inglesa, o acrnimo APGAR assim traduzido:

    Adaptation (Adaptao)

    Partneship (Participao)

    Growth (Crescimento)

    Affection (Afeio)

    Resolve (Resoluo)

    Cada item desta avaliao representa um ponto a ser compreendido sobre a

    funcionalidade da famlia em foco de acordo com a descrio a seguir:

    1. Adaptao - relacionada aos recursos familiares oferecidos quando se faz

    necessria uma assistncia;

    2. Companheirismo ou participao - compreende a reciprocidade nas

    comunicaes familiares e na soluo de problemas;

  • 38

    3. Desenvolvimento ou crescimento - associado liberdade, disponibilidade da

    famlia para mudanas de papis e para alcance de maturidade ou

    desenvolvimento emocional;

    4. Afetividade - relacionada intimidade e s interaes emocionais num

    contexto familiar;

    5. Capacidade resolutiva - associada deciso, determinao ou resolutividade

    existentes em uma unidade familiar.

    No Brasil, a adaptao deste instrumento teve como objetivo verificar as

    propriedades de medida do Family Apgar quando aplicado a idosos independentes,

    dependentes e seus cuidadores (DUARTE, 2001). Como recomendado, os resultados obtidos

    a partir da aplicao do Apgar devem ser transformados em escores de acordo com uma

    escala de respostas que contm trs opes para cada um dos componentes a serem avaliados.

    Os diferentes ndices de cada membro devem ser comparados para se avaliar o estado

    funcional da famlia.

    Assim como foi adaptado para ser aplicado em idosos independentes, pareceu-nos

    oportuno fazer tambm uma adaptao deste instrumento para observar o nvel de satisfao

    das mes com sorologia positiva ao HIV que tenham filhos verticalmente expostos ou com

    sorologia j confirmada para o vrus em relao ao seu nvel de satisfao com seus

    familiares.

    Aps a adaptao para o uso em famlias portadoras do HIV, temos o seguinte

    contexto para cada tpico mencionado. No quesito adaptao, identificaramos se a me est

    satisfeita quando recorre famlia em busca de auxlio nos momentos de necessidade

    (financeira, psicolgica, social, dentre outras) ou quando qualquer outra coisa a est

    incomodando, relacionado ou no com a aids.

    No segundo quesito, inerente ao companheirismo ou participao, buscamos a

    compreenso de como esta me se sente diante da comunicao com seus familiares e da

    busca de soluo para os problemas por elas enfrentados no seu dia-a-dia, ou de como estes

    problemas so compartilhados. Quanto ao quesito de desenvolvimento ou crescimento,

    exploramos o nvel de aceitao da famlia referente vontade das mes de buscarem novas

    atividades (de trabalho, estudo ou lazer) e dar um novo direcionamento a suas vidas e de

    seus filhos. A maneira como a afeio sentida pelas mes e como os familiares reagem s

    emoes expressas por ela, como mgoa, raiva ou amor, integra o quesito afetividade. Por

    ltimo, a capacidade resolutiva, percebida pelas mes como a forma de enfrentamento das

  • 39

    situaes nas quais decises precisam ser tomadas e, mais ainda, como o tempo usado para

    estas decises compartilhado.

    Avaliar a funcionalidade familiar de famlias com HIV presente em um dos seus

    membros nos induz a profunda reflexo acerca do curso de vida destas famlias e nos instiga a

    procurar alternativas de interveno eficazes nas famlias com APGAR comprometido.

    Por ser o APGAR familiar um retrato da satisfao de um ou mais membros da

    famlia e por ser a me na grande maioria dos casos a principal provedora de cuidados com a

    criana, ela foi escolhida para responder as perguntas do questionrio, as quais foram

    adaptadas ao estudo a que nos propomos.

    A partir da aplicao do questionrio e da avaliao do contexto familiar,

    possvel desenhar um plano teraputico a ser desenvolvido pela equipe de enfermagem ou

    mediante a participao de outros profissionais, como enfermeiros, psiclogos, psiquiatras,

    terapeutas ocupacionais, ou, ainda, de profissionais de outras especialidades numa abordagem

    mais complexa, como os terapeutas familiares.

    Segundo a literatura, o APGAR familiar propicia um momento importante para

    refletir as relaes familiares e contribui sobremaneira para a compreenso do relato dos

    entrevistados (PAVARINI et al., 2006). Diante da confirmao dos tipos de funcionalidade

    familiar em famlias com aids possvel comprovar o emprico das disfunes existentes

    nestas famlias cercadas por forte preconceito e discriminao, inclusive dentro de casa.

    Analisar a famlia como um todo, aplicando o questionrio do APGAR familiar

    aos outros membros da famlia, seria mais apropriado, pois nos forneceria mais subsdios para

    uma interveno mais eficaz. Contudo, diante da dificuldade de abordagem a pacientes

    soropositivos e do sigilo na maioria das vezes imposto pelas mes quanto ao diagnstico da

    doena para os demais familiares, privamo-nos de uma abordagem mais profunda. Ainda

    assim, a nosso ver, com suas respostas, a me nos fornece um vasto material a ser trabalhado

    de forma incisiva pela equipe de sade, com vistas a melhorar a funcionalidade familiar.

    3.8 Aspectos ticos e de biossegurana

    Em face dos dilemas ticos relacionados doena, pesquisas com portadores do

    HIV exigem do profissional bastante tcnica e tica. Esta questo enfatizada no Programa

    Nacional de DST/aids, acerca do sigilo profissional e consentimento para realizar

    procedimentos como este.

  • 40

    Portanto, no nosso estudo, seguimos todas as recomendaes da Resoluo

    196/96, do Conselho Nacional de Sade, inerente pesquisa com seres humanos no Brasil

    (BRASIL, 1996).

    Como exigido, o estudo submetido ao Comit de tica em Pesquisa do Hospital

    So Jos de Doenas Infecciosas foi aprovado sob protoclo n 014/2007 (ANEXO A).

    Conforme estabelecemos, nossas entrevistadas foram as responsveis pela criana.

    Utilizamos um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APNDICE C), destinado s

    mes biolgicas das crianas (0 a 12 anos) que manifestaram interesse em participar da

    pesquisa. Para a efetiva participao todas leram o mencionado termo e o assinaram

    prontamente. Ao mesmo tempo, lhes asseguramos o sigilo, anonimato e confidencialidade dos

    dados coletados. Ainda como recomendado, garantimos impedir qualquer tipo de

    constrangimento para os sujeitos envolvidos no estudo.

  • 41

    4 RESULTADOS

    4.1 Apresentao dos resultados

    A apresentao dos resultados almeja responder aos objetivos deste estudo.

    Assim, mostraremos dois quadros para uma compreenso mais clara do objeto estudado.

    Destes, o primeiro retrata a questo scioeconmica e o resultado do APGAR familiar aps

    aplicao do questionrio com a me. O segundo um quadro explicativo das categorias

    advindas da anlise das entrevistas e subcategorias de acordo com as definies das falas das

    mes.

    Para as famlias consideradas severamente disfuncionais, aps a aplicao do

    APGAR familiar decidimos fazer o genograma e ecomapa para uma melhor visualizao do

    contexto em que vivem.

    O Quadro 1 mostra as caractersticas sociodemogrficas das famlias estudadas e

    o resultado do APGAR familiar aps aplicao do questionrio. Nele observamos os

    seguintes aspectos:

    A idade mdia das mes de 33 anos;

    A idade mdia das crianas de 5 anos;

    A maioria das mes no tem o primeiro grau completo;

    Das crianas, 14 tm sorologia negativa para o HIV, e do restante 1

    tem diagnstico inconclusivo;

    Os domiclios tinham em mdia 4 habitantes, com aproximadamente 2

    crianas por casa;

    Na maioria das casas a renda mensal era de 1 a 3 salrios mnimos e;

    Quanto ao APGAR familiar, 13 famlias foram classificadas como

    moderadamente funcional, 6 como altamente funcional e 2 como

    severamente disfuncional.

  • 42

    Quadro 1 Apresentao das famlias segundo dados socioeconmicos e APGAR familiar

    Idade

    me

    (anos)

    Idade

    filho

    (anos)

    Escolaridade

    me

    Sorologia

    criana

    N de

    pessoas

    Renda

    mensal

    (SM*)

    APGAR familiar

    Eutlia 29 4 1 Grau

    Incompleto

    Negativo 5(2 cri) < 1 Severamente

    disfuncional

    Gaia 39 3 2 Grau Positivo 6(1 cri) 1- 3 Altamente

    disfuncional

    Hades 31 3 1 Grau

    Incompleto

    Negativo 6(3cri) 1 - 3 Severamente

    disfuncional

    Demter 42 8 Analfabeta Positivo 4(1 cri) 1 - 3 Altamente

    disfuncional

    Kerina 39 9 2 Grau Positivo 8(2 cri) 3 Altamente

    funcional

    Labda 39 3 1 Grau

    Incompleto

    Negativo 4(3 cri) 1- 3 Moderadamente

    funcional

    Kerensa 29 2 1 Grau

    Completo

    Negativo 5(1 cri) 1 - 3 Moderadamente

    funcional

    Cilea 35 7 1 Grau

    Completo

    Positivo 5(2 cri) 1 - 3 Moderadamente

    funcional

    Talia 48 8 1 Grau

    Completo

    Negativo 7(3 cri) 1 - 3 Moderadamente

    funcional

    Lucina 44 7 1 Grau

    Completo

    Negativo 2(1 cri) 1 - 3 Moderadamente

    funcional

    Clo 33 4 Analfabeta Negativo 4(2 cri) < 1 Moderadamente

    funcional

    Cora 20 6 2 Grau

    completo

    Negativo 5(2 cri) 1 - 3 Moderadamente

    funcional

    rtemis 28 7 2 Grau

    completo

    Negativo 3(1 cri) 1 - 3 Altamente

    funcional

    Celena 32 3 1 Grau

    Completo

    Negativo 3(1 cri) 1 - 3 Moderadamente

    funcional

    Chara 27 3 2 Grau

    completo

    Negativo 3(1 cri) 1 - 3 Altamente

    funcional

    Corlia 25 4 2 Grau Positivo 3(1 cri) 1 - 3 Moderadamente

    funcional

    Cassandra 43 8 1 Grau

    Incompleto

    Positivo 4(1 cri) 1 - 3 Moderadamente

    funcional

    Diana 43 6 Sup. completo Negativo 5(2cri) 3 Altamente

    funcional

    Cleonice 20 10

    meses

    2 Grau Inconclusiva 3(1 cri) 3 Moderadamente

    funcional

    Eirene 27 5 1 Grau Negativo 3(2 cri) 1 -3 Moderadamente

    funcional

    Eufrone 31 2 1 Grau Negativo 5(2 cri) 1 -3 Moderadamente

    funcional

    * SM= Salrio mnimo (Valor do Salrio mnimo na poca era de R$415,00)

    Diante destes achados, conforme observamos, no Quadro 1 as famlias com menor

    renda per capita apresentam uma funcionalidade familiar mais comprometida, tendo como

    conseqncia um nvel de satisfao menor. A nosso ver este fator agravado ainda pelo

    nvel de escolaridade, pois famlias mais humildes demonstraram maior desajustamento

  • 43

    familiar, maior preconceito quanto aos portadores do vrus, em decorrncia do menor

    esclarecimento sobre a doena, e uma forma discriminativa mais agressiva com as pessoas

    contaminadas. Ainda como observamos, fatores como a idade da me, da criana e dos

    habitantes do domiclio no parecem influenciar no nvel de satisfao das mes.

    No Quadro 2, consta a apresentao das categorias e subcategorias da anlise de

    contedo das falas.

    Quadro 2 Apresentao das categorias e subcategorias da anlise de contedo das falas

    Categorias Subcategorias

    Categoria 1: Descoberta do diagnstico de

    soropositividade ao HIV materno

    a) Desespero com a confirmao;

    b) Depresso;

    c) Medo da discriminao.

    Categoria 2: Descoberta do risco da

    transmisso vertical

    a) Medo de contaminao da criana;

    b) Emprego de medidas para evitar a

    transmisso vertical.

    Categoria 3: Convivncia no domiclio,

    com outros familiares, na comunidade e na

    escola depois do diagnstico da criana

    a) Cuidados especficos com a criana;

    b) Superproteo;

    c) Desconhecimento de familiares e da

    comunidade sobre o diagnstico da famlia;

    d) Revelao forada do diagnstico para

    conseguir vaga em escola/creche.

    Categoria 4: Dificuldades enfrentadas

    pela me no cuidado com a criana

    a) Dificuldade financeira;

    b) Ausncia de familiares no cuidado direto

    com a criana.

    Categoria 5: Discriminaes vivenciadas

    pela famlia.

    a) Vivenciando a discriminao da famlia e

    da comunidade que desconfiam do

    diagnstico da famlia;

    b) Discriminao percebida no cuidado de

    profissional de enfermagem.

    Categoria 6: Sentimento depois da

    entrevista.

    a) Satisfao e alivio em compartilhar o

    sofrimento da doena.

  • 44

    4.2 Definio das categorias e subcategorias

    A seguir, apresentaremos a definio de cada categoria e subcategoria,

    exemplificadas atravs das falas das mes.

    Categoria 1. Descoberta do diagnstico de soropositividade ao HIV materno Retrata o

    momento em que a me se descobre portadora do vrus, bem como os sentimentos

    compartilhados por ser portadora deste.

    Ao saber do seu diagnstico de portadora do HIV as mes relatam ter enfrentado

    um momento muito difcil de aceitao. Culpam-se por no ter evitado a doena e tambm ao

    parceiro por ter-lhes transmitido. Esta culpa desencadeia na maioria delas um quadro de

    profunda depresso com o passar do tempo. Pensam nas oportunidades de preveno

    desperdiadas, quando, por exemplo, sugeriram o uso do preservativo ao parceiro.

    Algumas relataram que ao conversar com o parceiro sobre o uso do preservativo

    eles eram resistentes idia, inclusive lanando dvidas quanto sua fidelidade e at as

    ameaando com agresses fsicas.

    Caso mais peculiar foi o de uma me que descobriu o parceiro infectado pelo

    HIV, foi orientada pelo servio de sade a fazer o exame diagnstico cujo resultado foi

    negativo e ainda assim insistiu em no se prevenir. A cada nova consulta, a unidade de sade

    reforava as orientaes quanto preveno da parceira como ela mesma relata, mas ela no

    se prevenia pois se acreditava