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SSSUUUMMMÁÁÁRRRIIIOOO Apresentação III

I. INTRODUÇÃO 111

PRIMEIRA PARTE: ASPECTOS ECONÔMICOS E FINANCEIROS 555

II. PERSPECTIVA HISTÓRICA E SITUAÇÃO ATUAL 555 II.1 O RIO CAPITAL FEDERAL 666 II.2 O ESTADO DA GUANABARA 777 II.3 PRINCIPAIS ASPECTOS DA ECONOMIA DO RIO DE JANEIRO 111000 II.4 TÓPICO ESPECIAL: A VIOLÊNCIA 111777 II.5 PERSPECTIVAS 111888

III. O RELACIONAMENTO ENTRE DIFERENTES NÍVEIS DE GOVERNO: A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 222111 III.1 A EXPERIÊNCIA ESPANHOLA 222222 III.2 A EXPERIÊNCIA ALEMÃ 222555 III.3 A EXPERIÊNCIA PORTUGUÊSA 222666 III.4 AS REGIÕES ADMINISTRATIVAS ESPECIAIS DA CHINA 222666 III.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL 222777

IV. OPÇÕES PARA A INSERÇÃO INSTITUCIONAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: CIDADE-ESTADO OU MUNICÍPIO ESPECIAL? 333000 IV.1 INTRODUÇÃO 333000 IV.2 OS IMPACTOS FINANCEIROS SOBRE A RECEITA E A DESPESA

DECORRENTES DAS MUDANÇAS NO ARRANJO INSTITUCIONAL 333555 IV.2.1 - A Receita 333555 IV.2.2 – A Despesa: Principais Setores 333888 IV.2.3 - Simulação do Impacto Fiscal da Desfusão 333999 IV.2.4 – Simulação do Impacto sobre a Despesa da Criação do

Município Especial 444111 IV.2.5 – O que dizem as Simulações 444333

IV.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 444555

SEGUNDA PARTE: ASPECTOS JURÍDICOS 444888

V. O PROCEDIMENTO JURÍDICO PARA A “DESFUSÃO” DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO 444888 V.1 INTRODUÇÃO 444888 V.2 PRIMEIRO PASSO: PLEBISCITO 444888

V.2.1 Iniciativa, Tramitação e Procedimento do Plebiscito: 555111 V.2.2 Participação no Plebiscito 555222 V.2.3 Quorum para Aprovação da Consulta 555222

V.3 SEGUNDO PASSO: REGULAMENTAÇÃO PELO CONGRESSO NACIONAL 555222

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V.4 EXEMPLOS RECENTES DE PROCESSOS DE DESMEMBRAMENTO DE UNIDADES DA FEDERAÇÃO 555333

V.4.1 Estado de Tocantins 555444 V.4.2 Estado de Mato Grosso do Sul 555555 V.4.3 Conclusão 555666

VI. A JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CIDADES E REGIÕES AUTÔNOMAS 555888 VI.1 INTRODUÇÃO 555888 VI.2 AS CIDADES-ESTADO NO MUNDO 555999 VI.3 OS EXEMPLOS DISPONIBILIZADOS 666111

VI.3.1 As Cidades-Estado da Alemanha 666111 VI.3.2 As Comunidades e as Cidades Autônomas da

Espanha 666333 VI.3.3 As Regiões Administrativas Especiais da China 666444 VI.3.4 As Regiões Autônomas de Portugal 666555

VII. ASPECTOS JURÍDICOS PARA A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS AUTÔNOMOS (MUNICÍPIOS ESPECIAIS) NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA 666777 VII.1 INTRODUÇÃO 666777 VII.2 ENQUADRAMENTO DO MUNICÍPIO ESPECIAL 666777 VII.3 PREMISSAS TEÓRICAS 666999 VII.4 LIMITES E POSSIBILIDADES À REDISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS

INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA SOBERANIA POPULAR 888000 VII.5 PROCEDIMENTO E REQUISITOS À CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO ESPECIAL 888777 VII.6 POSSÍVEIS COMPETÊNCIAS DO MUNICÍPIO ESPECIAL 888888

VIII. NOTAS FINAIS SOBRE OS ASPECTOS JURÍDICOS 999222

APÊNDICE 1: DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS DE ROYALTIES E PARTICIPAÇÃO ESPECIAL DO PETRÓLEO E GÁS NATURAL

APÊNDICE 2: COEFICIENTES DE RATEIO DOS GASTOS ESTADUAIS EFETUADOS NO TERRITÓRIO DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO: SETORES SELECIONADOS.

APÊNDICE 3: A LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL

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Apresentação O presente documento é o Relatório Final do projeto sobre alternativas de

inserção do Município do Rio de Janeiro na Federação Brasileira realizado pelo

Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE-FGV) e

pelo Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCMRJ). Seu objetivo

é levantar os elementos mais importantes para uma discussão consistente

sobre alternativas institucionais que permitam às autoridades que governam a

cidade reverter o cenário de estagnação econômica e deterioração dos

serviços prestados aos cariocas.

O trabalho teve a duração de 9 meses e foi realizado por uma equipe

interdisciplinar composta de economistas e juristas, com a participação de

auditores do TCMRJ, sob a coordenação do IBRE-FGV.

Deve-se reconhecer a valiosa contribuição dos integrantes da Coordenadoria

de Auditoria e Desenvolvimento do TCMRJ à realização deste trabalho.

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I INTRODUÇÃO

O Rio de Janeiro de fato e de direito foi durante dois séculos a capital política e

cultural do país. A mudança da capital para Brasília e a posterior perda do status

como Estado da Federação, mais do que acontecimentos cronologicamente

anteriores, têm sido apontadas como causas importantes do arrefecimento do

dinamismo econômico, degradação da qualidade de vida e deterioração das

relações urbanas e sociais observadas na cidade nas últimas décadas. Ainda que,

como se verá mais adiante, já se observasse desde antes de 1960 tendências de

esvaziamento econômico da cidade, principalmente em termos da estrutura

industrial, no imaginário do carioca, é difícil dissociar a mudança da capital e a fusão

da Guanabara e do então Estado do Rio de Janeiro da decadência que a cidade

experimenta em praticamente todas as dimensões relevantes. No cinema e na

literatura, por exemplo, observa-se uma onda nostálgica que se instala

paralelamente a esse processo de perda de qualidade de vida e à estagnação

econômica.1

No caso específico da fusão, esta resultou na capacidade extremamente reduzida

de o prefeito da Cidade do Rio de Janeiro coordenar a oferta de serviços e bens

públicos em comparação com a que tinha o governador do Estado da Guanabara. A

perda de uma fonte expressiva de recursos públicos – o Imposto sobre a Circulação

de Mercadorias e Serviços (ICMS)2 – certamente foi causa determinante da

diminuição do poder da autoridade local para enfrentar os desafios que o futuro lhe

reservava. Adicionalmente, verificou-se com o passar dos anos que os governantes

do novo Estado priorizavam crescentemente seu interior, particularmente em

termos da distribuição das receitas transferidas, deixando a Cidade do Rio de

Janeiro com poucos recursos para tentar reverter o quadro acima mencionado.

Um outro entrave à busca de soluções para os problemas da Cidade do Rio de

Janeiro tem caráter mais geral e está relacionada à falta de flexibilidade do

arcabouço institucional e legal em que repousa a Federação Brasileira. Ao contrário

1 Filmes recentemente lançados como Vinícius e Bossa Nova rememoram os anos dourados da cidade do Rio de Janeiro, quando movimentos artísticos e culturais refletiam a expectativa de um futuro grandioso para a cidade e o país. 2 A rigor, à época da fusão, tal imposto se denominava apenas Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICM), sendo sua base expandida para incorporar os serviços de energia elétrica, telecomunicações e transportes pela Constituição de 1988.

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do que ocorre em várias outras federações, o poder local no Brasil é definido de

forma extremamente rígida, tanto em termos das suas responsabilidades na

prestação de serviços, como principalmente em relação às fontes de financiamento

de seu gasto. De acordo com a lei brasileira, um município de 5 mil habitantes tem

as mesmas obrigações e a mesma competência tributária que um município de

mais de 10 milhões.3 Uma cidade como o Rio de Janeiro (ou São Paulo), que tem

uma população maior que boa parte dos estados brasileiros e cuja administração é

mais complexa e requer maior sofisticação de meios e métodos que tais estados, se

encontra verdadeiramente limitada em termos das possibilidades de enfrentar seus

problemas.

O objetivo deste relatório, portanto, é verificar opções de inserção do ponto de vista

econômico e jurídico da Cidade do Rio de Janeiro na Federação Brasileira. Cabe

aqui ressaltar que alguns dos problemas enfrentados pelo município também são

vivenciados por outras grandes metrópoles. Este trabalho não pretende esgotar o

assunto, mas tão somente sugerir caminhos e indicar, através de estudos

preliminares, a plausibilidade de se implementar diferentes soluções institucionais.

Uma série de estudos específicos seria necessária caso se optasse efetivamente

por implementar alguma das soluções aventadas.

Ao longo da elaboração deste estudo, duas opções se destacaram. A primeira delas

seria reviver o Estado da Guanabara e transformar a Cidade do Rio de Janeiro em

uma cidade-estado. A segunda possibilidade seria a criação de uma nova classe de

município – um município especial.

Vale procurar definir melhor, desde já, o que se entende por município especial. Este nada mais seria do que um município que, por seu tamanho populacional, teria

problemas em escala tal que sua solução ultrapassa as possibilidades de ação e de

financiamento previstas no marco legal vigente no país. A esses municípios a

legislação conferiria poderes4 para atuar, exclusiva ou complementarmente, em

áreas específicas. Do ponto de vista prático, pode-se sugerir o estabelecimento de

3 A pouca flexibilidade que existe se restringe, como se verá no corpo do trabalho, à existência de competências comuns (partilhadas entre esferas de governo) e concorrentes (em que uma esfera pode suplementar a ação de outra) na prestação de serviços públicos. Tal prática, entretanto, é causa de mais confusão, em vista da forma descoordenada com que a União, estados e municípios partilham suas responsabilidades. 4 Ver discussão no capítulo VII.

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um corte em termos de população (por exemplo, acima de 2 ou 3 milhões de

habitantes) a partir do qual a autoridade local poderia propor ao legislativo a

transformação do município em município especial. Nessa proposta, seriam

identificadas as áreas passíveis de atuação conjunta e as formas de financiamento

que mais de adequem à realidade local e estadual.

A instituição de um novo município, com funções ampliadas e fontes de

financiamento condizentes com a elevação dos gastos, pode responder às

demandas típicas das grandes metrópoles. A criação dessa nova categoria de

municípios significaria uma inovação na federação brasileira e permitiria corrigir uma

série de distorções do atual modelo.

Para se discutir a viabilidade de implementar as propostas consideradas neste

estudo (a saber, a desfusão e a criação de municípios especiais), estas foram

fundamentas em simulações sobre dados fiscais e discussão das limitações e

possibilidades institucionais.

Em vista da amplitude do tema, o trabalho subdividiu-se em duas partes. A primeira

focaliza os aspectos econômicos e financeiros (de federalismo fiscal) envolvidos,

buscando compreender as implicações da fusão do Estado da Guanabara e do Rio

de Janeiro, ocorrida em 1975, sobre o posterior desenvolvimento econômico e

social do Estado. Buscou-se na experiência internacional casos que pudessem

servir de modelo para os câmbios institucionais a serem eventualmente propostos.

Para tanto, identificaram-se arranjos em que níveis idênticos de governo dispõem

de diferentes graus de autonomia fiscal e de responsabilidades ou mesmo distintas

estruturas de organização política.5 Para fundamentar as propostas apresentadas

no texto, são efetuadas simulações das principais variáveis fiscais com a intenção

de retratar as implicações de uma eventual desfusão ou criação de um município

com status diferenciado sobre as finanças públicas dos entes envolvidos. Discute-

se a distribuição de competências entre os novos estados ou município a serem

criados, assim como sobre a partilha de responsabilidades associadas ao estoque

de endividamento. Vale, desde já, mencionar que tais propostas não se restringem

5 Foram abordadas as experiências da Alemanha, da Espanha, de Portugal e da China.

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necessariamente à cidade do Rio de Janeiro, podendo ser replicadas em outros

municípios.

A segunda parte do trabalho aborda de forma exaustiva os aspectos jurídicos das

propostas. Nela, discutem-se os procedimentos jurídicos e legais necessários à

realização da desfusão. A experiência internacional é descrita em detalhe também

do ponto de vista jurídico, com ênfase na forma como a legislação dos países

abordados disciplina a distribuição de competências, tanto tributárias como na

execução do gasto, entre as esferas de governo. Discute-se, por fim, em detalhe os

aspectos jurídicos relevantes para a criação de municípios especiais na

Federação Brasileira.

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PRIMEIRA PARTE: ASPECTOS ECONÔMICOS E FINANCEIROS

II PERSPECTIVA HISTÓRICA E SITUAÇÃO ATUAL

As décadas de 1950 e 1960 são a culminância da época presente no

imaginário popular carioca como “Anos Dourados”. A origem do período áureo

da história da cidade do Rio de Janeiro está nas reformas haussmaninas -

urbanas e sanitárias - do Prefeito do Distrito Federal Pereira Passos e iniciadas

em 1904 na presidência de Rodrigues Alves. As reformas visavam dar ao Rio

uma aparência e infra-estrutura condizente com a capital de uma nova e

dinâmica república, apagando os traços da cidade colonial portuguesa. O

projeto para a definição de uma “nova face” da nova república, “civilizada”,

moderna e dinâmica, frente ao “mundo civilizado”, Europa e EUA se

configurava como uma tentativa de suplantar Buenos Aires, ícone da metrópole

sulamericana.

A esse respeito, vale recordar que duas músicas – manifestação cultural mais

marcante da cidade – são particularmente evocativas de seu apogeu e declínio:

“Cidade Maravilhosa”, de André Filho feita para o Carnaval de 1935 (a partir da

expressão cunhada por Coelho Neto em 1908) e “Rio 40 Graus”6, de Fernanda

Abreu, especialmente os versos “...cidade maravilha, purgatório da beleza e do

caos.”

A centralidade e o poder, além da aura de leveza e cordialidade do carioca

somados ao charme da cidade, com toda a exuberância natural à sua volta,

levaram o Rio a transformar-se na cidade síntese do Brasil, cartão postal do

país mundo afora, e pólo atrator de migrantes e imigrantes. Tempos mais

tranqüilos, quando a violência urbana ainda não se configurava como um

problema real, e a cidade, não obstante se defrontasse com contratempos e

transtornos decorrentes da precariedade da infra-estrutura urbana, se

constituiu como capital cultural e caixa de ressonância da cena cultural

brasileira. O Rio de Janeiro, capital brasileira, vivia o seu auge.

6 Essa música, por sua vez, empresta de Nelson Pereira dos Santos o título de seu memorável filme realizado em 1955.

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A chegada de Juscelino Kubitschek à presidência da república em 1956, e seu

projeto de transferência da capital para Brasília assinala “o início do fim”,

marcando o processo de decadência da “Cidade Maravilhosa” e sua

transformação no “purgatório da beleza e do caos” de Fernanda Abreu. É

amplamente aceito que a transferência da capital para Brasília tenha

efetivamente deflagrado o processo de decadência do Rio. Afinal, não se pode

esperar que a súbita retirada da principal função de uma cidade, função esta

em razão da qual ela cresceu e se organizou ao longo de dois séculos, não

tenha fonte impacto negativo sobre sua dinâmica. Entretanto, autores como

Santos (2006) e Osório (2005) argumentam que a transferência da capital

somente coincidiu com o início do processo de empobrecimento da cidade e,

ainda que possa ter contribuído negativamente, não se configura como fator

preponderante.

II.1 O RIO CAPITAL FEDERAL

A cidade do Rio de Janeiro, desde a sua elevação à capital da Colônia, em

substituição a Salvador, em 1763, consagrou-se como um ponto de articulação

política, econômica e cultural tanto no âmbito do interno quanto junto ao

exterior. Sua localização, a meio caminho das províncias do norte e do sul, e

constituindo-se principal ponto de escoamento dos metais preciosos extraídos

em Minas Gerais, e posteriormente do café do vale do Paraíba, reforçou a

vocação da cidade como pólo logístico.

A então Capital Federal tinha características políticas próprias, sendo

representada por 10 deputados federais, 3 senadores. Os cargos estratégicos

de chefe de policia e o prefeito eram escolhidos diretamente pelo Presidente da

República, enquanto cabia ao Senado analisar as ações da Prefeitura do

Distrito Federal, dispondo esse de poder de veto aos decretos do prefeito.

Esta configuração atípica conferia à cidade uma imbricação entre o jogo

político nacional e as políticas locais, pois o prefeito, além de indicado pelo

Presidente da República, para governar precisava permanentemente negociar

com os senadores. A conjugação de uma estrutura municipal no âmbito local e

a representação em termos nacionais enquanto unidade da federação foge ao

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padrão do federalismo brasileiro e se assemelha ao modelo alemão de cidade-

estado.

Quando o Rio perde a capitalidade para Brasília, ocorre um vazio institucional.

Efetivamente, o dinamismo conferido pela presença do poder político não foi

substituído por nenhuma outra atividade econômica. Constata-se gradualmente

o ocaso de uma das regiões mais pujantes do país desde a época colonial.

Pelas suas peculiaridades histórico-administrativas, e numa forma de

compensação pela perda de seu status dentro da estrutura federativa, a

solução, quando da transferência para Brasília, foi a criação de uma cidade-

estado, reproduzindo, portanto, o sistema já então em vigor. A eleição direta

para o chefe do executivo foi considerada positiva na época, pois permitia a

suplantação das distorções decorrentes do modelo institucional adotado até

então.

II.2 O ESTADO DA GUANABARA No imaginário carioca das gerações mais antigas, um idílico Estado da

Guanabara se contrapõe a uma cidade amedrontada e estagnada

economicamente. Quando a discussão sobre a retomada do antigo status de

cidade-estado vem à tona, não são poucos os seus partidários.

A transferência da capital para Brasília e a perda de status de capital,

adicionada às peculiaridades do antigo Distrito Federal levaram a que este

fosse alçado a cidade-estado da Guanabara. Esta configuração institucional

vigorou por somente 15 anos e por ela passaram três administradores, a saber,

Sette Câmara, Carlos Lacerda e Negrão de Lima. Como se verá a seguir, não

por acaso, houve neste período, intensa revitalização do espaço urbano.

Na década 1950, a antiga capital federal convivia com problemas de infra-

estrutura urbana. Marchinha de carnaval de 1956 denunciava a precariedade

das condições de vida, conflitante inclusive com a efervescência cultural que

vigia no período. A letra evocava as péssimas condições de vida na cidade e,

satirizando a letra de Cidade Maravilhosa, sublinhava que “de dia falta luz e de

noite falta água”. Entre 1960 e 1975, as obras levadas a cabo por Sette

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Câmara, Carlos Lacerda e Negrão de Lima transformam a cena urbana e

remodelam a cidade do Rio de Janeiro.

A cidade do Rio de Janeiro tal qual a conhecemos hoje foi resultado em grande

medida das intervenções ocorridas ao longo do curto período em que esta teve

o status de cidade-estado. A mudança institucional, com a introdução de

eleições diretas para governador, permitiu a revisão do modus operandi do

chefe do executivo local, até então imbricado com a política nacional tanto pelo

fato de o presidente escolhê-lo como pelo poder de veto conferido ao Senado.

A efervescência cultural teve como paralelo uma renovação da cena urbana,

sustentada por planos que buscaram racionalizar o território e combater a

estagnação econômica que já se anunciava.

O plano Doxiadis,7 elaborado por encomenda de Carlos Lacerda ainda na

década de 1950, pensa a cidade de um modo orgânico e busca por meio do

planejamento constituir os pré-requisitos para fortalecer o processo de

industrialização – considerado à época a principal fonte de dinamismo da

economia –, criando uma infra-estrutura urbana e uma malha viária compatível.

Buscava-se estabelecer as condições necessárias, ainda que não suficientes,

para a revitalização de uma indústria já em franca decadência.

Para se ter uma dimensão da reforma urbana ensejada ao longo da imanência

da Guanabara basta mencionar que neste período construíram-se o túnel

Rebouças, o Trevo dos Marinheiros, a Avenida Radial Oeste, a via Expressa do

Aterro do Flamengo, o Elevado e o Túnel do Joá e o Túnel Dois Irmãos. Além

da malha viária, obras de infra-estrutura urbanística também foram realizadas

como a Adutora do Guandu e a construção de mais de 500 km de esgoto (que

se somaram aos 1.260 km já existentes). A renovação da estrutura viária e

urbanística consumiu mais da metade do orçamento do Estado da Guanabara

em seus 15 anos de existência.

E mesmo quando não colocados em prática na época, a concepção de malha

viária elaborada no esforço de racionalizar o espaço urbano repercute até os

7 Escritório grego especializado em urbanismo.

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dias de hoje. A Linha Vermelha e a Linha Amarela, construídas nos anos 1990,

são resquícios do projeto de cidade vigente naquela época.

A multiplicidade de projetos e a possibilidade de racionalização do espaço

urbano deveram-se ao aumento da arrecadação e ao financiamento obtido

junto ao exterior.

De fato, à época da criação da Guanabara, discutiu-se a criação da cidade-

estado ou, como alternativa, o seu desmembramento em múltiplos municípios.

Preponderou a criação da cidade-estado pela possibilidade de arrecadar os

tributos municipais e estaduais e elevar a capacidade de financiamento de

novos projetos.

Contribuiu para isto também a concentração dos depósitos de funcionários

públicos com elevada renda per capita na cidade no então Banco do Estado da

Guanabara. A disponibilidade de recursos assegurou a liquidez para que o

Estado pudesse inverter em infra-estrutura.

As iniciativas levadas a cabo ao longo deste período, que buscavam reverter o

quadro de estagnação econômica, diagnosticavam implicitamente que da

transferência da capital para Brasília resultaria uma perda de dinamismo a ser

compensada com políticas pró-indústria. O reordenamento urbano parte deste

diagnóstico e busca estabelecer as condições necessárias para o

desenvolvimento industrial no estado.

Entretanto, as imbricações do estado do Rio de Janeiro e da antiga capital,

conforme explicitado em trabalho sobre o tema elaborado pela geógrafa Lysia

Bernardes ainda na década de 1960,8 levaram à defesa da fusão dos estados

do Rio de Janeiro e da Guanabara, em decorrência do elevado grau de

interoperabilidade entre estas regiões. Em 1975, a fusão dos dois estados

torna-se realidade.9

8 Bernades, L. (1964) 9 Nos dias de hoje, ao se falar na fusão, poucos recordam da profusa argumentação técnica que então sustentava tal iniciativa. Evocam-se apenas motivações políticas, decorrentes do fato de a Guanabara durante o regime militar ser sistematicamente o único estado oposicionista da federação.

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II.3 PRINCIPAIS ASPECTOS DA ECONOMIA DO RIO DE JANEIRO

A crescente sensação de deterioração das condições de vida e a efetiva

decadência econômica tornam-se evidentes com a o deslocamento do centro

de poder para Brasília e com a posterior fusão do estado da Guanabara com o

do Rio de Janeiro. Resta discutir se ambos eventos estão relacionados entre si

ou foram mera coincidência. Com base nisto, criam-se as condições para

discutir como o município especial e/ou a desfusão poderiam contribuir para

reverter este quadro.

A chegada da corte ao Rio de Janeiro em 1808 proporcionou um grande

impulso à atividade econômica. Remontam a este tempo as primeiras

tentativas de organização física do mercado, surgindo o conceito de Praça de

Comércio, já com uma estrutura bem semelhante à de pregão organizado

ainda que ao ar livre, aonde eram negociados desde fretes de navio a

mercadorias de importação e exportação. Esta situação perdura até 1845,

quando é fundada a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, a primeira do país,

que transforma o Rio na capital financeira do Brasil. A presença da sede do

Banco do Brasil e da Bolsa de Valores transforma a região central (a city

tropical) em distrito financeiro, com as sedes dos maiores bancos, cujas

origens muitas vezes estavam nas regiões agrícolas do Brasil.

O dinamismo econômico da cidade estava atrelado ao fato de ser capital e sua

importância logística na articulação do mercado interno e junto ao exterior,

embora ainda fosse o segundo parque industrial do país na década de 1960. A

liderança da industrialização foi perdida para São Paulo nos anos 1920, mas,

além de ser a principal praça financeira do país, como capital do poder

continuava a atrair investimentos privados e, principalmente, federais. Parte de

uma estratégia mais abrangente de desenvolvimento regional, havia

conscientemente a preocupação por parte das autoridades federais de

contrapor a São Paulo um outro pólo produtivo. Contudo, estes esforços não

detêm a decadência econômica do Rio de Janeiro.

A crescente importância dos complexos químico, metal mecânico, e

eletroeletrônico (que não estavam localizados no Rio) e, em contraposição, a

decadência de setores como o naval, o siderúrgico, e o têxtil (com maior

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importância na economia fluminense) explicam em grande medida a perda de

dinamismo econômico. O declínio da participação relativa da região em termos

nacionais inicia-se nos anos 70, mas só se torna evidente nos anos 80. A

demora desta percepção decorreu dos investimentos do 2º PND e do próprio

processo longo de transferência da capital do Rio para Brasília. A Tabela II.1

explicita a dificuldade do Rio de Janeiro acompanhar a média Brasil, ainda que

tenha apresentado elevadas taxas de crescimento até a década de 80.

Tabela II.1

Deste modo, sinais de decadência da região podem ser identificados já na

década 1970, com a estagnação econômica e o declínio da indústria local. Esta

situação, contudo, foi mascarada pelo elevado dinamismo da economia

brasileira, que repercutiu sobre o estado..

Nos anos 1980, o fato de o Rio de Janeiro dispor de uma indústria mais

intensiva em bens salários o leva a ser mais intensamente afetado pela

recessão. Adicionalmente, a redução brusca dos investimentos federais,

resultado da política de contenção de gastos implementada pelo governo

central, repercute imediatamente sobre o Rio. A recessão tornou evidente a

defasagem do estado do Rio de Janeiro em relação aos demais.

Em 17 anos (entre 1985 e 2002) o Rio perdeu 41,2 dos empregos industriais,

caindo da segunda para a sexta posição, sendo ultrapassado por Santa

Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Em termos do emprego

nos setores primário, secundário e terciário, o Rio cresceu somente 9,3%,

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contra um crescimento em termos de Brasil de 40%. O emprego industrial caiu

de 473 para 266 mil trabalhadores empregados, enquanto o total decresceu de

2,5 para 2,2 milhões entre 1987 e 1997, com a maior perda de empregos

formais entre todas as regiões metropolitanas. A Tabela II.2 mostra a evolução

do emprego e a perda do Rio de Janeiro tanto em termos absolutos, com a

redução do número de emprego, quanto com a perda de posição em termos

relativos.

Tabela II.2

A queda de empregos industriais em termos absolutos pode ser atribuída em

alguma medida às mudanças tecnológicas implementadas ao longo deste

período. Entretanto, a maioria esmagadora dos estados apresentou um saldo

líquido entre 1985 e 2002. O Rio de Janeiro apresentou um comportamento

similar a São Paulo. A redução no estoque de empregos industriais no Rio,

contudo, foi mais acentuada e não foi compensada pelo aumento da oferta de

trabalho em outros setores.

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13

A incapacidade de o Rio de Janeiro acompanhar os demais estados em termos

de oferta de emprego, que não se restringe ao setor industrial, levou à perda da

segunda posição em termos nacionais para Minas Gerais e de dinamismo

similar ao dos estados do Sul do País. Se em 1985, o somatório do emprego

industrial em Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul era 30% superior ao

do Rio de Janeiro, em 2002 esta diferença alcançava mais de 70%. Assim, em

menos de 20 anos, o estado do Rio de Janeiro perdeu espaço para os estados

como Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais.

A Tabela II.3 mostra que o emprego industrial decresceu significativamente no

Rio de Janeiro entre 1985 e 2002 em termos per capita. Se em 1985

apresentava uma média acima do Brasil, em 2002 esta era significativamente

inferior. Entre os estados do Sul e do Sudeste, o Rio de Janeiro é o estado que

apresentava menor relação de emprego industrial por habitante.

Tabela II.3

Esta situação não reflete, contudo, somente a decadência da indústria

fluminense, mas também a importância crescente da indústria petrolífera para a

economia local (Tabela II.4). Como o setor extrativo mineral é pouco intensivo

em trabalho, o Produto Interno Bruto deve ter crescido a taxas superiores ao

emprego industrial.

Ainda assim, o Rio continua apresentando uma média acima do Brasil em

termos de emprego formal. Pode-se atribuir isto ao peso do funcionalismo

público na economia carioca, ainda um resquício dos tempos em que a cidade

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14

era capital. Este estoque tende a diminuir no médio prazo. A queda no

emprego formal, conforme observado na Tabela II.3, é um indicio da perda de

dinamismo, especialmente quando se considera que todas as demais unidades

da federação acusaram aumento. A importância dos funcionários públicos

inativos para a economia local tende a agravar a situação nos próximos anos,

quando este contingente começar a naturalmente se reduzir.

Tabela II.4

Pode-se atribuir a decadência econômica do Rio a outros fatores que não

somente o pouco dinamismo da indústria de transformação. O pregão da Bolsa

de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ), que já havia sido a principal bolsa do

país, foi desativado no ano 2000, transferindo-se a negociação de ações no

país para a Bolsa de Valores de São Paulo. Aproximadamente na mesma

época, diversos bancos e sedes de empresas iniciaram sua migração para São

Paulo. O esvaziamento econômico do estado tornou-se cada vez mais

flagrante.

Os indicadores sociais (Tabelas II.5, II.6, II.7 e II.8) insinuam por sua vez que,

ao contrário do que o senso comum sugere, a cidade do Rio de Janeiro

manteve-se relativamente bem posicionada, não perdendo posições para Belo

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15

Horizonte e São Paulo. Quanto ao Distrito Federal, houve uma melhora

esperada pelo baixo patamar inicial.

Tabela II.5

Tabela II.6

Tabela II7

Tabela II.8

As séries de Índice de Desenvolvimento Humano10, elaborado pelo PNUD,

sugerem que o Rio de Janeiro conseguiu acompanhar a cidade de São Paulo.

10O Índice de Desenvolvimento Humano é um esforço do PNUD para criar um indicador capaz de avaliar as condições de vida, considerando a renda, a educação e longevidade e facilitar comparações internacionais . Para calcular o IDH educação pondera a taxa de alfabetização e a taxa de freqüência escolar, já o indicador de longevidade é calculado com base na esperança

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16

Como se observam nas tabelas acima, se em 1970, quando o município do Rio

de Janeiro ainda se configurava como Estado da Guanabara, as condições de

vida se assemelhavam as de São Paulo, o mesmo continuou ocorrendo em

2000. Ainda que tenha ocorrido neste meio tempo uma mudança na

metodologia de cálculo, nota-se que ambas permanecem emparelhadas ao

longo do período. Constata-se, assim, que segundo a metodologia de cálculo

do IDH a deterioração na qualidade de vida não foi tão acentuada quanto

parece para quem mora na cidade.

Cabe aqui, no entanto, fazer algumas ressalvas. O IDH considera números

absolutos e como todo índice dispõe de uma capacidade relativa para captar

todas as particularidades do desenvolvimento social. Questões como as

implicações sobre o emprego decorrente da perda de dinamismo econômico e

a tendência à queda do emprego formal associada a redução do contingente

de funcionários públicos federais ainda não foram plenamente captadas pelo

índice. Quanto à renda, a presença de um grande contingente de inativos do

setor público federal, com remunerações relativamente elevadas, pode

compensar a perda decorrente da redução na oferta de emprego industrial.

Supondo que a insatisfação dos cariocas não se deva a um sentimento

abstrato, mas a uma efetiva deterioração na qualidade de vida, e que o IDH

tenha limitações, com pontos cegos, a questão que se coloca até onde a

decadência das atividades produtivas localizadas no estado do Rio de Janeiro

pode ser atribuído a um problema de prestação de serviços pelas diferentes

esferas de governo, Cabe ressaltar que a própria decadência econômica tende

a afetar negativamente a eficácia do governo, tanto pela queda nos recursos

disponíveis para o financiamento (conseqüência da redução da base de

arrecadação) quanto pelo aumento da demanda por serviços públicos pela

população.

II.4 TÓPICO ESPECIAL: A VIOLÊNCIA

A violência na cidade do Rio cresceu significativamente desde a década de

1980. Segundo Cerqueira et all (2005), na região metropolitana do Rio de

de vida ao nascer. Já a renda utiliza como fonte primária dados censitários de renda. Para maiores informações, ver www.undp.org.br

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17

Janeiro, o número de homicídios por 1000 habitantes aumentou de 20,2 em

1980-1984 para 52,4 em 2000-2002, crescendo 160% no período. É

interessante observar que a média do Rio é baixo da observada nas regiões

metropolitanas de São Paulo e Vitória (de respectivamente, 56,7 e 73,8

homicídios por 1000 habitantes). As mortes por homicídio estão fortemente

concentrados entre os homens jovens e com baixa taxa de escolaridade, sendo

que na região metropolitana do Rio de Janeiro correspondem por mais de 50%

do total de óbitos. Os homicídios atingem principalmente a população jovem

(nos não-jovens a taxa de homicídios mantém-se estável desde 1996) e

moradora de bairros localizados na periferia e caracterizados pela baixa renda.

As causas do aumento da criminalidade, conforme investigado por Cerqueira et

all (2005), estão descritas a seguir:

“Obtivemos evidências dessa relação para os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Nesse estudo, analisamos quantitativamente a dinâmica dos homicídios nas duas últimas décadas nessas duas unidades federativas. Na abordagem teórica utilizada nesse trabalho os homicídios eram explicados pelo contingente populacional, pela desigualdade da renda, pela renda domiciliar per capita e pelas despesas em segurança pública. (...) Todas as estimativas obtidas foram significativas estatisticamente e obtiveram o sinal conforme o esperado, segundo o modelo teórico adotado. Ou seja, enquanto o crescimento populacional e a desigualdade da renda contribuem para o crescimento dos homicídios, o aumento da renda domiciliar per capita e dos gastos em segurança pública leva a um aumento da renda domiciliar per capita e dos gastos em segurança pública leva a um decréscimo dos homicídios” (2005; p.9)

O fato de a cidade ser recortada por favelas, que reproduzem as condições

propícias ao crime observadas nos bairros pobres da periferia e

simultaneamente torna as desigualdades sociais mais flagrantes, e a

degradação da atividade econômica tornam uma região propensa para sofrer

aumento dos casos de violência. De acordo com as simulações realizadas por

Cerqueira at al, os homicídios na região metropolitana do Rio de Janeiro

tenderiam praticamente a dobrar entre 2002 e 2006 se por acaso houvesse

uma conjunção de fatores que levasse a que a renda, a desigualdade e dos

gastos reais em segurança pública permanecessem similares às observadas

em 2001. A tendência ao crescimento explosivo da violência e suas

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conseqüências sobre o bem estar da população, inclusive em termos de

dificultar, senão impedir, a recriação de um ciclo econômico virtuoso, exigem

uma atitude imediata do poder público para combatê-la.

II.5 PERSPECTIVAS

A relativa incapacidade do setor público de prestar serviços condizentes com a

demanda da população carioca decorreu em grande parte da

estagnação/decadência da economia local. Isto se traduz em queda da renda e

aumento da demanda por serviços públicos. A gradual transferência para São

Paulo do sistema financeiro, tendo como fato particularmente simbólico o

fechamento da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro em 2000, intensifica ainda

mais o esvaziamento econômico da cidade.

A reversão desse quadro exige uma série de iniciativas visando a dar

condições através das quais as atividades econômicas voltem a florescer na

Cidade do Rio de Janeiro apresenta vantagens comparativas. Trata-se, pois,

de investir em infra-estrutura urbana e econômica, de buscar conter o avanço

da ilegalidade e da violência, de dispor de recursos para financiar saúde e

educação, apenas para citar o mais importante.

Governadores do Estado do Rio de Janeiro quase sempre relegaram a capital

a um segundo plano por questões de natureza política. Os caciques políticos

locais frequentemente adotam atitude clientelística, com base solidificada no

interior do estado. Para citar apenas um exemplo, na partilha do Imposto sobre

a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a cidade é prejudicada. Da

parcela do tributo que, por comando constitucional, cabe aos municípios, 25%

são rateados por lei estadual. Em 1996, lei de iniciativa do então governador

do Estado determinou que os critérios de rateio dessa parcela da receita

obedeceriam a critérios tais como a população municipal, importância

econômica, etc. A mesma lei, entretanto, fixou em zero o coeficiente do

município do Rio de Janeiro nesses critérios.

O alçamento da cidade do Rio de Janeiro ao status de cidade-estado da

Guanabara quando da transferência da capital para Brasília e a posterior fusão

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19

com o estado do Rio de Janeiro não redundou no fortalecimento de lideranças

políticas locais que vislumbrassem a cidade do o Rio como um fim em si

mesmo: a lógica da política nacional ainda preponderava, herança do modelo

institucional do antigo distrito federal quando os interesses locais articulavam-

se à lógica nacional.

Mesmo o governo de Lacerda e o seu plano Doxiadis, que revoluciona a

cidade, ao organizar o espaço urbano e o desenvolvimento metropolitano,

definindo áreas para a implementação de novas indústrias e buscando

desenvolver o novo estado, era capitaneado por um político de dimensão

nacional.

Assim, o Rio raramente dispôs de uma estratégia regional de crescimento, pois

a percepção de Rio enquanto capital por muito tempo não favoreceu a aliança

das lideranças locais com autoridades federais para consolidar uma estratégia

consistente com as potencialidades e vantagens comparativas apresentadas

pela cidade. Segundo Osório, o Rio apresenta vantagens comparativas

evidentes para Turismo, moda e alta tecnologia. Pode-se adicionar que a

própria vocação do Rio de Janeiro para a prestação de serviços, sua ainda alta

renda média, o elevado estoque de capital humano, sua posição de destaque

no cenário nacional e sua tradição como pólo logístico e ponto de articulação

permitem que o estado seja um candidato natural para sediar a indústria ou

qualquer outra atividade econômica, mas a falta de uma política integrada

dificulta a concretização destas potencialidades. Adicionalmente, política

clientelística geralmente não se traduz em estratégias de desenvolvimento.

A despeito dos problemas com os quais a cidade do Rio convive e ainda que o

setor petrolífero tenda a crescer de importância nos próximos anos, a cidade do

Rio de Janeiro tem potencialidades mal exploradas. A estagnação econômica

tende a piorar a situação, pois pode levar a perda de capital humano para São

Paulo e para outros centros urbanos, reduzindo a capacidade do município de

reverter este quadro e retomar uma trajetória de crescimento.

A questão que se coloca é como o setor público pode contribuir para alavancar

as atividades baseadas em vantagens comparativas cariocas/fluminenses? As

vantagens comparativas são específicas a cidade do Rio de Janeiro, ou podem

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20

ser estendidas ao estado do Rio de Janeiro? Qual seria a melhor opção para

solução institucional para que o setor público no Rio de Janeiro, o município especial ou a recriação de uma cidade-estado?

Cabe saber se as funções próprias aos estados e municípios são adequadas

para promover a revitalização do Rio e qual instância administrativa melhor

corresponderia o desafio.

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21

III O RELACIONAMENTO ENTRE DIFERENTES NÍVEIS DE GOVERNO: A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

A precariedade dos serviços prestados aos cariocas e a estagnação econômica

com a qual a cidade do Rio de Janeiro se defronta levaram a discussão de um

novo arranjo institucional. As escolhas implicam em mudanças no arranjo

federativo, seja pela introdução de um novo estado na federação, seja pela

instituição de um novo status de município (a saber, o município especial). Pesquisaram-se na experiência internacional casos que pudessem servir de

modelo para os câmbios institucionais eventualmente a serem propostos. Para

tanto, identificaram-se arranjos em que níveis idênticos de governo dispõem de

diferentes graus de autonomia fiscal e de responsabilidades ou mesmo

distintas estruturas de organização política.

O arranjo federativo da Alemanha e os mecanismos de descentralização fiscal

colocados em prática na Espanha dispõem de certas particularidades que

merecem ser destacadas. Além destas experiências, também foram estudados

os casos de Macau e Hong Kong – regiões administrativas especiais

vinculadas ao Estado chinês - e da Madeira e de Açores – regiões autônomas

de Portugal –, mas certas especificidades destes tornam pouco plausível

aproveitá-los para o trabalho em questão.

A Alemanha possui três cidades-estado, a saber, Bremem, Hamburgo e Berlim,

e sua experiência pode ser útil para o debate sobre a transmutação da cidade

do Rio de Janeiro em estado da Guanabara. Já o caso espanhol, com níveis

idênticos de governo dispondo de diferentes graus de autonomia fiscal e

responsabilidades de gasto, permite que se trace um paralelo com a proposta

de município especial.

Evidentemente que nenhum dos casos admite uma transposição pura e

simples. A organização federativa decorre de especificidades históricas e

requer um arranjo próprio, que respeite as peculiaridades de cada nação e,

principalmente, seja viável em termos políticos e econômicos. Portanto, a

experiência internacional serve como parâmetro, mas temos que discutir a

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22

efetiva possibilidade de introdução no modelo brasileiro destas duas

alternativas.

III.1 A EXPERIÊNCIA ESPANHOLA

O arcabouço institucional na Espanha apresenta características que lhe são

peculiares. A sua construção foi marcada pela necessidade de corresponder às

demandas das diferentes comunidades autônomas. Desafio semelhante é

observado no âmbito municipal no Brasil, quando a grande diversidade requer um

tratamento diferenciado para fazer frente aos custos crescentes para a prestação de

serviços adequada.

Nos últimos trinta anos, a Espanha desenvolveu os alicerces de um Estado

democrático, ainda que constituído sob os alicerces de uma monarquia

constitucional hereditária. Em contraposição ao regime ditatorial capitaneado por

Franco (que somente colapsa com a morte do ditador em 1975), câmbios na

estrutura sócio-econômica e política redundaram em um processo de

descentralização fiscal e na busca pelo sistema federativo mais adequado às

especificidades do caso espanhol. Em face à ausência de um modelo único e

rígido que pudesse ser implementado homogeneamente, optou-se por um

modelo híbrido, firmado pela constituição de 1978, capaz de açambarcar a

heterogeneidade que lhe é característica 11.

Os estados, denominados na Espanha de comunidades autônomas, dividem o

país em 17 regiões. Instituíram-se diferentes status para atender a demanda

diferenciada pela prestação de serviços. Foram constituídos dois diferentes

regimes, o “foral” e o “comum”, sendo que no segundo caso as comunidades

autônomas podem ser classificadas em dois diferentes níveis, a saber, de

elevada e baixa responsabilidade. A definição do regime a qual a comunidade

autônoma se submeterá é motivado, em grande medida, por

determinantes/aspectos históricos.

11 Os países bascos, a Catalunha e a Galícia dispõem de idiomas próprios e comunidades autônomas (Países Bascos e Navarra) são tradicionalmente responsáveis pela arrecadação fiscal.

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No foral, as comunidades autônomas são responsáveis pela definição de

alíquotas e bases e pela arrecadação dos principais tributos (de renda, de

corporações, sobre riqueza, sobre heranças e sobre transferência de riqueza) e

transferem para o governo central o que se estipula que seja a sua parcela no

custo fixo da União e para um fundo constituído em nome da solidariedade

entre as unidades da federação. Já o IVA, instituído para em resposta à

requisição da Comunidade Européia, ainda que seja recolhido pelas

comunidades autônomas, estes não tem autonomia para determinar alíquotas

e bases.

As comunidades autônomas sob o regime comum, em contraposição ao

regime foral, são responsáveis pela administração de tributos pouco relevantes (geralmente destinados a financiar gastos administrativos)12, não dispõem de

autonomia para definir bases ou alíquotas e sobrevivem a base de

transferências do governo central. Em 2003, 15 das 17 comunidades

autônomas respeitavam o regime comum.

O regime comum, contudo, não é uniforme para todas as unidades da

federação que o compõem. Divididas em dois grandes grupos, as comunidades

autônomas sob o regime comum podem assumir diferentes graus de

responsabilidade de gasto, a saber, baixa e elevada responsabilidade. As

funções a serem exercidas pelas comunidades autônomas dependem da sua

classificação sob um determinado regime de gastos. O Quadro III.1 apresenta

as funções a serem exercidas sob cada modalidade.

As transferências efetuadas pelo governo central para as comunidades

autônomas dependem das necessidades de financiamento, fortemente

associadas com o regime de gastos no qual esta se enquadra.

12 Basicamente os tributos sobre a riqueza, sobre o jogo, sobre transferência de riqueza e sobre heranças, além dos impostos únicos e tributos associados à prestação de serviços.

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Quadro III.1

Fonte: Garcia-Milà, T. (2003 ) Fiscal federalism and regional integration: lessons from Spain

A experiência espanhola revelou-se muito rica. A possibilidade de açambarcar

diferentes realidades, propondo diferentes status tanto em termos de

arrecadação quanto no que concerne aos gastos para níveis de governo

idênticos pode ser apropriada e transposta ao caso brasileiro. O mesmo

desafio nos confronta na criação do município especial. À demarcação das

funções a serem exercidas, segue-se a demanda pela definição dos

mecanismos para financiar o aumento dos gastos. As necessidades de

financiamento devem ser supridas com recursos suficientes para fazer frente

às novas despesas. Novamente a lógica de arrecadar os principais tributos no

âmbito das comunidades autônomas e posteriormente transferir os recursos

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25

necessários para o financiamento das atividades federais associadas àquela

comunidade autônoma poderia ser reproduzido no caso do município especial. Contudo, ao invés de o município arrecadar tributos estaduais como

o ICMS e o IPVA, este poderia simplesmente postular a arrecadação realizada

nos seus limítrofes. Ao estado caberiam os recursos necessários para o

financiamento dos gastos fixos associados àquele município.

Outra alternativa seria a introdução de diferentes níveis de responsabilidade de

gastos para níveis de governo idêntico, tal como ocorre no âmbito do regime

comum. Com base no custo da prestação dos serviços a serem definidos,

estipula-se os meios para se assegurar que as necessidades de financiamento

sejam supridas.

III.2 A EXPERIÊNCIA ALEMÃ

A compreensão da criação das cidades-estado e sua importância contexto

federativo na Alemanha requerem a compreensão da formação do Estado

germânico. A Alemanha historicamente caracterizou-se pela convivência de

estados fortes, uma herança do período feudal. Esta situação gradualmente é

revertida após 1914, com a ascensão do Reich e a conseqüente centralização

de poder característica dos estados totalitários. Na reconstrução após o

término da Segunda Guerra Mundial, havia uma preocupação dos aliados em

evitar o recrudescimento de regimes autoritários. Reergueu-se na Alemanha

Ocidental, ato contínuo, o arcabouço federativo, inclusive como mecanismo de

controle do poder central.

O sistema federal na Alemanha apresenta certas peculiaridades. A existência

de duas câmeras com igual poder e estruturadas para contrabalançar o poder

dos cidadãos (bundestag) com o poder das unidades da federação (bundesrat).

O primeiro conta com membros eleitos diretamente pelo povo, enquanto o

segundo é composto por representantes designados pelos governadores. A

importância da estrutura federativa e das unidades da federação no controle do

poder central é evidenciada pela importância do bundesrat na estrutura de

poder e pelos mecanismos para definição de seu corpo decisório. A definição

de estado, portanto, perpassa pela ocupação de cadeiras no budesrat.

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Três cidades na Alemanha, a saber, Hamburgo, Bremem e Berlim, detêm o

status de cidade-estado. Nomeadas cidades-estado por circunstâncias

históricas (Hamburgo e Bremem) e pela sua importância em termos nacionais

(Berlim), estas cidades são governadas internamente de acordo com a lógica

própria aos demais governos locais13, mas, em termos nacionais, funcionam

como estados, tendo inclusive seus representantes no budesrat. Para financiar

suas atividades, arrecadam tributos estaduais e municipais. Em linhas gerais,

se assemelham ao Estado da Guanabara, que de fato se configurava também

como uma cidade-estado, tendo uma representação em termos nacionais, com

representantes eleitos no Senado e na Câmara, e concomitantemente,

arrecadando tributos municipais e estaduais.

III.3 A EXPERIÊNCIA PORTUGUÊSA14

Portugal organiza-se como um Estado unitário. O arranjo institucional caracteriza-se

pela falta de independência dos níveis intermediário e local, que basicamente

desempenham funções administrativas. Dois arquipelagos portugueses, contudo,

dispõem de autonomia de gestao. Madeira e Açores, em decorrência de sua

localização geográfica, foram alçados a regiões autonômas. Pode-se atribuir esta

política do governo portugues, tradicionalmente centralizador, a falta de interesse

em controlar territórios pouco expressivos em termos político-econômicos e

localizados geograficamente em regiões longínquas.

III.4 AS REGIÕES ADMINISTRATIVAS ESPECIAIS DA CHINA

Ainda que a China seja um Estado unitário, o status de região administrativa

especial que Macau e Hong Kong detêm justifica a sua inclusão no trabalho.

Hong Kong e Macau são enclaves na China. Ambos dispõem de absoluta

autonomia em todos sentidos, estando autorizados inclusive a negociar

acordos comercias com outros países e tributar de modo independente do

governo central. Ainda que oficialmente integrem a República Popular da

China, a solução encontrada buscou viabilizar na prática o convívio de nações

13 Aqui cabe ressaltar que na Alemanha os desenhos da organização institucional em nível local variam de acordo com as especificidades dos municípios. 14 A experiência portuguesa será detalhada em maior detalhe na segunda parte do relatório, que trata dos aspectos jurídicos.

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praticamente independentes, além de evitar movimentos separatistas, e

permitem que a China disponha de uma interface capitalista e liberal.

A ênfase deste trabalho seria apresentar as relações das regiões

administrativas especiais com o governo central chinês, com a intenção de

identificar possíveis paralelos com as mudanças que se pretende implementar

no âmbito da federação brasileira. Contudo, tanto a política monetária quanto a

política fiscal em Hong Kong e Macau primam pela independência com relação

à República Popular da China.

III.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

Entre as experiências apresentadas ao longo deste relatório, consideraram-se que

as experiências espanhola e alemã podem ser utilizadas como modelo

respectivamente para as propostas de município especial e cidade estado. Já os

casos chinês e português, ainda que interessantes, são de difícil transmutação para

a realidade brasileira.

A experiência chinesa, ainda que interessante, não apresenta grandes interseções

com o caso brasileiro. Hong Kong e Macau são enclaves na China. Ambos

caracterizam-se por dispor uma absoluta autonomia, estando autorizados inclusive

a negociar acordos comerciais com outros países e tributar de modo independente

do governo central. Ainda que oficialmente integrem a República Popular da China,

a solução encontrada buscou viabilizar na prática o convívio de nações

praticamente independentes, além de evitar movimentos separatistas, e permitem

que a China disponha de uma interface capitalista e liberal. As propostas de cidade-

estado e de município especial ensejam assegurar uma maior integração em

termos regionais, respeitando a heterogeneidade da malha municipal, sem

pretender, portanto, alcançar a autonomia obtida por Hong Kong e Macau.

Consequentemente, a utilização de ambas como modelo não se justificaria.

Já Açores e Madeira são sítios isolados, e com pouca importância em termos

nacionais. A autonomia reflete a falta de interesse do governo português em atuar

efetivamente em territórios longínquos e pouco expressivos em termos econômicos.

Já nossa proposta de reformulação institucional é motivada pela importância de

cidades como o Rio de Janeiro e de São Paulo em termos nacionais e a dificuldade

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28

de seus governantes em dispor dos recursos necessários para prestar serviços

adequadamente. Portanto, utilizar Açores e Madeira como modelo esbarra na

própria motivação para se constituir um novo conceito de ente da federação.

A experiência espanhola revelou-se muito rica. A possibilidade de açambarcar

diferentes realidades, propondo diferentes status tanto em termos de arrecadação

quanto no que concerne aos gastos para níveis de governo idênticos pode ser

apropriada e transposta ao caso brasileiro. O mesmo desafio nos confronta na

criação do município especial. À demarcação das funções a serem exercidas,

segue-se a demanda pela definição dos mecanismos para financiar o aumento dos

gastos. As necessidades de financiamento devem ser supridas com recursos

suficientes para fazer frente às novas despesas. Novamente o espírito/ a lógica de

arrecadar os principais tributos no âmbito das comunidades autônomas e

posteriormente transferir os recursos necessários para o financiamento das

atividades federais associadas àquela comunidade autônoma poderia ser

reproduzido no caso do município especial. Contudo, ao invés de o município

arrecadar tributos estaduais como o ICMS e o IPVA, este poderia simplesmente

postular a arrecadação realizada nos seus limítrofes. Ao estado caberiam os

recursos necessários para o financiamento dos gastos fixos associados àquele

município.

Outra alternativa seria a introdução de diferentes níveis de responsabilidade de

gastos para níveis de governo idêntico, tal como ocorre no âmbito do regime

comum. Com base no custo da prestação dos serviços a serem definidos, estipula-

se os meios para se assegurar que as necessidades de financiamento sejam

supridas.

Por fim, a experiência alemã funciona como modelo para a proposta de cidade-

estado. As motivações que alçaram Berlim à condição de cidade-estado se

assemelham às que levaram a discussão sobre alternativas de reformulação

institucional. Adicionalmente, a configuração institucional - com representação

nacional enquanto estado e organização interna aos moldes municipais - e

arrecadação de tributos estaduais e municipais para o financiamento das

prestações de serviço no âmbito da cidade-estado içam a experiência alemã a

modelo na discussão proposta ao longo do projeto.

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29

Evidentemente que nenhum dos casos admite uma transposição pura e simples. A

organização do Estado decorre de especificidades históricas e requer um arranjo

próprio, que respeite as peculiaridades de cada nação e, principalmente, seja viável

em termos políticos e econômicos. Portanto, a experiência internacional serve como

parâmetro, mas temos que discutir a efetiva possibilidade de introdução no modelo

brasileiro destas duas alternativas.15

15 A experiência internacional voltada para os mesmos países é discutida em maior detalhe na Segunda Parte do presente estudo, que focaliza do ponto de vista jurídico os aspectos relevantes do relacionamento intergovernamental.

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30

IV OPÇÕES PARA A INSERÇÃO INSTITUCIONAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: CIDADE-ESTADO OU MUNICÍPIO ESPECIAL?

IV.1 INTRODUÇÃO

O Estado brasileiro desde o final do Século XIX, quando da aprovação da primeira

constituição republicana, se constitui como um regime federativo. Não obstante tal

constância, ao longo desse tempo, alternaram-se períodos em que os governos

subnacionais gozavam de grande autonomia, com períodos em o poder político e

os recursos fiscais se concentravam nas mãos do governo central.16 Após a Carta

Magna promulgada em 1988, consolidou-se a importância dos governos municipais

no Brasil, alçando-os à posição de entes da federação, juntamente com os estados,

e aumentando sua participação no dispêndio público (Ver Tabela IV.1).

Tabela IV.1

No quadro IV.1 estão especificadas as competências que devem ser

primordialmente exercidas por cada nível de governo, conforme a Constituição

Federal. Uma característica dessa atribuição de competências é a existência de um

bom número de funções que são comuns ou concorrentes entre as esferas de

governo. Ainda que essa flexibilidade implícita decorra da evidente disparidade

entre as unidades da federação e, especialmente, entre os municípios, é notório

que ela surtiu efeito inverso ao desejado pelo constituinte. Em lugar de permitir que

o nível estadual ou federal de governo agisse de forma suplementar nas áreas em

que os municípios não pudessem atuar, o resultado foi muito mais próximo da

confusão institucional. É mais comum verificar-se a atuação cumulativa de dois ou

mais níveis de governo em um dado serviço, ou a completa ausência da ação

governamental, do que uma ação coordenada.

16 Ainda que não trate especificamente do tema central do presente trabalho, o leitor interessado no assunto pode consultar, entre outros, Rezende e Afonso (2002).

DIVISÃO FEDERATIVA DA RECEITA TRIBUTÁRIA DISPONÍVELCarga

% do PIB União Estados Municípios Soma1965 19,71 55,7 35,1 9,2 100,01988 22,43 60,1 26,6 13,3 100,02005 38,94 57,6 25,2 17,2 100,0

Fonte: (Afonso & Meirelles, 2006)

Arrecadação Própria mais/menos repartição constitucional de impostos

Divisião Federativa - % total

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31

Quadro IV.1

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32

A Tabela IV.1 mostra concretamente como se distribuem os gastos na federação

brasileira tanto em termos verticais (entre diferentes funções) quanto em termos

horizontais (por esferas de governo). As despesas estaduais se concentram em

educação, saúde e segurança pública (35%), enquanto nos municípios as duas

primeiras rubricas consomem 47,3%. Cabe ressaltar a importância dos municípios

nas políticas públicas voltadas para o desenvolvimento urbano e o impacto do

passivo sobre as finanças estaduais (os encargos especiais, que correspondem

prioritariamente pelos serviços da dívida, absorvem 26,8% da disponibilidade de

recursos).

Tabela IV.1 A Distribuição dos Gastos por Função por Nível de Governo na Federação Brasileira (2005)

Maia e Mac Dowell (2000) demonstram a enorme heterogeneidade que marca os

municípios no Brasil, enquanto Prado (2003) mostra a diversidade entre as

unidades da federação e suas implicações na capacidade de engendrar políticas

públicas.

Atualmente, o Brasil conta com mais de 5.500 municípios. A grande maioria tem

como principal fonte de financiamento as transferências, sejam elas estaduais ou

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33

federais. A maior parte é de pequeno porte e sobrevive graças aos repasses do

FPM.17 Alguns ainda contam com transferências estaduais significativas

decorrentes do critério de partilha que norteia a distribuição de 25% do tributo

arrecadado entre os governos locais. Poucos efetivamente dispõem de uma

arrecadação própria robusta. No caso específico do estado do Rio de Janeiro,

contrapõem-se ao baixo esforço fiscal dos municípios fluminenses as elevadas

transferências provenientes da quota-parte do ICMS e do FPM. Na Tabela IV.2,

está explicitada a dependência dos municípios de recursos transferidos.

Neste contexto de grande heterogeneidade, a cidade do Rio de Janeiro se defronta

com dificuldades para estancar e reverter o processo de estagnação econômica. A

precariedade das fontes de financiamento reduz a capacidade do poder público de

atuar de modo consistente com as demandas da população e criar as condições

necessárias para que a cidade novamente entre em um círculo virtuoso.

A discussão de propostas para a superação da estagnação econômica

frequentemente perpassa pela proposta de desmembramento do estado do Rio de

Janeiro em duas partes, buscando reviver o Estado da Guanabara, e a criação de

uma nova instância institucional, aqui denominada de município especial.

O município especial desempenharia as competências típicas de um governo

local. Entretanto, algumas funções seriam ampliadas para responder às requisições

ora realizadas. Para tanto, seria necessário rever as fontes de financiamento para

fazer face às novas atribuições.18

17 O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) reparte pouco mais de 22% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados entre os todos os municípios do país, segundo critérios populacionais, regionais (os município pertencentes às regiões Norte, Nordeste ou Centro-Oeste dividem 65% do montante do fundo) e institucionais (as capitais estaduais repartem entre si apenas 10% do mesmo fundo). A combinação desses fatores tornam o FPM bastante benéfico para municípios de pequeno porte no interior das regiões N, NE e C-O. 18 Neste trabalho, foca-se na cidade do Rio de Janeiro como objeto de discussão. A criação instância institucional intermediária, contudo, poderia ser replicada em outras grandes cidades que se defrontassem com desafios similares a cidade do Rio de Janeiro e se dispusessem para tal. Para tanto, além do banco de dados constituído com dados referentes ao Rio de Janeiro, realizou-se um levantamento de dados relativo aos municípios do Estado de São Paulo

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34

Tabela IV.2

A caracterização das conseqüências em termos de desempenho fiscal é uma das

questões centrais na discussão sobre a viabilidade de recriação do Estado da

Guanabara ou da criação de uma nova instância institucional – o município especial. Tanto defensores quanto críticos não dispõem de informações

abrangentes do impacto sobre as finanças públicas. Ao longo deste trabalho, foi

realizado um esforço para entender melhor os efeitos desta mudança sobre a

cidade e sobre o estado do Rio de Janeiro.

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35

A constituição de uma base de dados financeiros sobre o Estado do Rio de Janeiro

e seus municípios possibilitou a elaboração de uma estimativa de receita mais

consistente. Adicionalmente, com base nas informações sobre as despesas dos

governos estaduais e municipais obtidas no Quadro VI.3, foram empreendidos

estudos específicos sobre os principais setores de atuação do poder público –

educação, saúde, segurança pública e poder judiciário – com vistas a melhor

estimar como se distribuiriam os gastos nestes setores na hipótese de desfusão ou

de criação do município especial.

Nesta seção descrevem-se a atual situação financeira dos entes envolvidos e a

simulação tanto da desfusão quanto da criação de um município especial sobre as

finanças públicas, tomando por base dados de execução orçamentária estadual e

municipal em 200519 e os estudos realizados para setores específicos.

IV.2 OS IMPACTOS FINANCEIROS SOBRE A RECEITA E A DESPESA DECORRENTES DAS MUDANÇAS NO ARRANJO INSTITUCIONAL

IV.2.1 A Receita

As simulações de receita se restringiram à alternativa de desmembramento do

estado do Rio de Janeiro. No caso do município especial, optou-se por definir as

necessidades de financiamento deixando-se para discussão posterior os

mecanismos necessários para obtê-lo. Desde já, adianta-se que o caminho natural

seria por meio de transferências do ICMS, pois as novas atribuições a serem

desempenhadas pelo município até então eram executadas pelo governo estadual.

Em parte, o financiamento poderia transcorrer se o município do Rio de Janeiro

recebesse os 25% relativos ao ICMS estipulados pela Constituição Federal.

É importante ressaltar que a Constituição Federal estipula que 25% da arrecadação

do ICMS deve ser transferido aos municípios. Destes 25%, 3/4 seguem como

critério de partilha a contribuição de cada município para o Valor Adicional Fiscal do

estado.20 A quarta parte restante obedecem regras definidas pela legislação

estadual. Diferentes variáveis são ponderadas, entre as quais uma que visa a 19 Último ano para o qual se dispunha de dados completos para o Município e o Estado do Rio de Janeiro. 20 O Valor Adicionado Fiscal (VAF) corresponde, grosso modo, à base do ICMS gerada em cada município. É utilizado como critério de transferência em lugar da arrecadação local do tributo pois desconsidera os benefícios fiscais porventura concedidos.

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avaliar o esforço fiscal exercido pelos governos locais. Alcança-se, assim, um fator

correspondente a cada município. Contudo, como a distribuição entre os municípios

é ratificada pela Assembléia Legislativa, aspectos políticos também podem

influenciar os critérios de rateio.

No caso específico do município do Rio de Janeiro, conforme anteriormente

mencionado, a receita relativa à quota parte do ICMS se restringe aos 3/4 do

montante a ser transferido segundo o VAF do município, posto que o montante que

se distribui por lei estadual é multiplicado por zero. O município perde duplamente.

Primeiro pelo fator zero, em segundo lugar pela utilização como critério de rateio o

valor adicionado fiscal e não o valor efetivamente arrecadado pelo estado no

município. Com a política de concessão de subsídios através do ICMS, alguns

municípios dispõem de um valor adicionado fiscal superior ao valor arrecadado.

Simulações preliminares sugerem que, se houvesse desfusão e o município do Rio

de Janeiro passasse a receber as receitas tributárias coletadas em nível estadual e

municipal, o antigo estado da Guanabara aumentaria a disponibilidade de recursos

disponíveis para o seu financiamento.

A Tabela IV.3 transcreve, em suas duas primeiras colunas, dados fiscais de receita

relativos ao Estado do Rio de Janeiro e Município do Rio de Janeiro, utilizando as

informações disponíveis no Relatório de Gestão Fiscal e Execução Orçamentária,

com informações recentes (relativas a 2005). As duas colunas posteriores refletem

um esforço de simulação de como a receita seria rateada entre o estado a ser

criado e o novo estado do Rio de Janeiro. O Estado da Guanabara, segundo estas

simulações preliminares, observaria um ganho de 150%, contra a queda de 49%

com a qual se defrontaria o novo estado do Rio de Janeiro.

As hipóteses utilizadas nas simulações, por item de receita, por item de receita são

resumidas a seguir.

i. ICMS – rateado entre o novo Estado da Guanabara (GB) e o novo Estado

do Rio de Janeiro (NRJ) segundo a distribuição territorial da arrecadação do

imposto. Como 67% do ICMS são gerados no Município do Rio e 33% no

NRJ, esse foi o critério para distribuição.

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Tabela IV.3

ii. IPVA – como os municípios recebem constitucionalmente 50% da

arrecadação desse tributo gerada pelos veículos registrados em seu

território, a receita da GB foi estimada como sendo o dobro da transferência

recebida pelo Município do Rio,21 a receita do NRJ foi calculada por

diferença.

iii. Os tributos municipais arrecadados pelo Rio (IPTU, ISS, ITBI e taxas

municipais) e FPM continuarão sendo arrecadados pela GB nos mesmos

níveis.

iv. Receita Patrimonial – optou-se por manter os mesmos níveis de

arrecadação.

v. Quota-parte dos tributos estaduais – a GB deixa de recebê-las.

vi. Transferência da Lei Kandir22 – utiliza-se o mesmo critério do ICMS.

21 Esse critério tem a vantagem adicional de automaticamente dar conta da diferente valorização das respectivas frotas de veículos, que se imagina ser maior na capital que no interior do estado. 22 Refere-se à compensação de perdas do ICMS decorrentes da desoneração de exportações.

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vii. Transferência líquida do FUNDEF – como é um fundo voltado para

redistribuição de receitas no âmbito estadual, ele perde o sentido no caso da

GB. Para o NRJ, o valor foi recalculado a partir da relação matrículas na

rede pública municipal e matrículas na rede pública estadual.

viii. Demais transferências – englobam principalmente dois tipos de receita:

convênios e royalties do petróleo + participação especial. No primeiro caso,

supõe-se que não haja alteração significativa; no segundo, os recursos hoje

transferidos para o Município do Rio são descontados da GB.

ix. Os demais itens de receita foram redistribuídos conforme a participação

percentual da GB e do NRJ na população total do atual Estado do Rio.

Por construção, essas simulações não consideram expectativas de crescimento da

receita para os próximos anos. A idéia é que os números sejam considerados como

sendo o que teria ocorrido em 2005 se naquele ano já tivesse ocorrido a desfusão.

No longo prazo, a perspectiva de evolução da extração de petróleo, e suas

implicações em termos de royaties, revertem-se em expectativa de arrecadação

diferenciada entre os municípios do estado.

Com a intenção de robustecer a análise, realizou-se uma apreciação do setor

petroleiro, cujo dinamismo vem assegurando aumentos crescentes na receita

disponível tanto para o estado do Rio de Janeiro, quanto para os municípios

contemplados (ver Apêndice I). É importante ressaltar que dada sistemática de

partilha dos royalties e participação especial relativos ao petróleo, esta fonte de

receita tende a ser de pouca relevância para o novo Estado da Guanabara, ainda

que muito importante para o novo Estado do Rio.

IV.2.2 A Despesa: Principais Setores

Conforme mencionado anteriormente, os gastos estaduais e municipais estão

fortemente concentrados em algumas rubricas. Realizaram-se estudos de caso com

a finalidade de estudar mais detidamente estes setores (a saber: poder judiciário;

segurança pública; educação e saúde) em busca de maior refinamento nas

estimativas dos efeitos do desmembramento do estado do Rio de Janeiro ou de

criação de um município especial sobre a despesa de alguns setores

considerados estratégicos. Estas funções respondem por cerca de 40% e 60% do

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gasto total realizado,23 respectivamente, pelo município e pelo Estado do Rio de

Janeiro, segundo está explicitado Quadro IV.3.24 A análise empreendida de cada

setor está descrita de modo pormenorizado no Apêndice 2.

IV.2.3 Simulação do Impacto Fiscal da Desfusão Como resultado das simulações de receita e dos critérios de rateio das despesa

discutidos anteriormente, é possível se realizar uma estimativa inicial do impacto da

desfusão sobre as finanças públicas dos entes envolvidos. Vale recordar que as

funções relativas às áreas de saúde, educação, segurança pública e judiciária

ganharam um modo específico de rateio. Para as demais funções, utilizou-se como

critério a distribuição da população (à exceção dos encargos especiais na

Simulação 2). A Tabela IV.4 apresenta os resultados.

No caso especifico dos encargos especiais (que correspondem, grosso modo, ao

serviço da dívida), há duas simulações distintas. A Simulação I considera que o

estoque da dívida pública seria redistribuído segundo o seguinte critério: a GB

herdaria a dívida do Município do Rio mais parcela da dívida do atual Estado do Rio

de Janeiro correspondente à parcela de sua população na estadual.25 Ao NRJ

caberia a diferença.26

Entretanto, por esse critério, a dívida do NRJ acaba por ficar superior ao dobro da

receita corrente líquida e, portanto, estaria infringindo o limite de endividamento da

Lei de Responsabilidade Fiscal. Para evitar isto, na Simulação II, se ajustou a

dívida líquida do NRJ de forma que seu estoque fosse igual a duas vezes sua

Receita Corrente Líquida, sendo o excesso imputado à GB.

23 Excluídas as despesas com encargos especiais, que grosso modo correspondem ao serviço da dívida. 24 As informações sobre despesa por função, explicitadas na Tabela IV.4, não necessariamente correspondem àquelas mencionados na análise especifica dos setores. Os setores selecionados foram tratados com base nas informações disponibilizadas pelo Tribunal de Contas e este desagrega os dados por função de acordo com critérios diferentes daqueles utilizados no relatório de Gestão Fiscal e Execução Orçamentária do Estado e do Município. 25 Evidentemente, uma forma mais acurada de se realizar essa partilha seria a análise caso a caso das operações de crédito do Estado, procurando identificar aquelas associadas a projetos de investimento localizados no Município do Rio. Entretanto, dado que uma parte significativa da dívida estadual provém da renegociação com a União e que, por sua vez, este montante correspondia à dívida mobiliária, tal identificação é impossível. Nessas circunstâncias, o critério populacional parece ser aceitável. 26 Assume-se implicitamente que os fluxos relativos ao serviço da dívida se distribuem proporcionalmente ao respectivo estoque.

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Tabela IV.4

A Tabela IV.5 apresenta o impacto das simulações sobre os resultados fiscais da

GB e do NRJ e sobre alguns outros indicadores e agregados financeiros e fiscais

comumente utilizados. Ainda que se vá discutir os resultados das simulações em

seção específica, não há como notar desde já o significativo impacto negativo da

desfusão sobre o território que se convencionou aqui chamar de Novo Estado do

Rio, particularmente em termos de suas receitas.

Tabela IV.5

Rio RJ GB NRJ GB NRJReceitas Fiscais Líquidas (RFL) 7.198,84 29.458,02 19.095,29 13.390,52 19.095,29 13.390,52Despesa Primária 7.008,39 27.486,74 16.269,47 13.978,52 16.269,47 13.978,52Resultado Primário 190,45 1.971,29 2.825,82 -588,00 2.825,82 -588,00Serviço da Dívida 795,20 10.420,70 5.861,51 5.354,39 6.082,09 5.133,81Receita Corrente Líquida (RCL) 7.067,96 23.094,09 16.420,89 11.919,32 16.420,89 11.919,32Dívida Consolidada Líquida (DCL) 4.486,56 43.901,53 23.525,21 24.862,88 24.549,46 23.838,63DCL / RCL 63,5% 190,1% 143,3% 208,6% 149,5% 200,0%Dívida Consolidada 7.583,91 45.729,37 24.317,52 28.995,76 25.341,77 27.971,51Serviço da Dívida / RCL 11,25% 45,12% 35,70% 44,92% 37,04% 43,07%Fonte: Tabela 9.

Simulação 2Situação Atual (2005) Simulação 1Simulação do Impacto Financeiro da Desfusão sobre os Resultados Fiscais (R$ milhões correntes)

Despesa por Funções

Rio RJ GB NRJ GB NRJPrevidência Social 1.523,86 2.377,16 2.554,76 1.346,26 2.554,76 1.346,26Educação 1.501,83 4.124,48 1.988,52 3.637,79 1.988,52 3.637,79Saude 1.310,38 2.716,45 3.347,72 679,11 3.347,72 679,11Urbanismo 796,86 154,08 863,68 87,26 863,68 87,26Encargos Especiais 795,20 10.420,70 5.861,51 5.354,39 6.082,09 5.133,81Administração 536,81 894,50 924,73 506,58 924,73 506,58Legislativa 296,18 1.011,42 296,18 1.011,42 296,18 1.011,42Assistencia Social 264,44 186,87 345,48 105,83 345,48 105,83Habitação 150,06 113,89 199,45 64,50 199,45 64,50Segurança Publica 129,71 3.993,46 1.861,54 2.261,63 1.861,54 2.261,63Desporto e Lazer 117,54 98,15 160,10 55,59 160,10 55,59Cultura 100,14 80,13 134,89 45,38 134,89 45,38Comunicações 0,00 95,17 41,27 53,90 41,27 53,90Energia 0,00 3,51 1,52 1,99 1,52 1,99Transporte 85,77 1.187,41 600,71 672,47 600,71 672,47Gestão Ambiental 73,01 460,93 272,90 261,04 272,90 261,04Comércio e Serviços 63,63 236,58 166,23 133,98 166,23 133,98Judiciária / Essencial a Justiça 41,22 3.017,63 1.450,45 1.608,40 1.450,45 1.608,40Saneamento 14,36 1.985,91 875,58 1.124,69 875,58 1.124,69Trabalho 12,28 27,57 24,24 15,61 24,24 15,61Agricultura 0,00 107,69 0,00 107,69 0,00 107,69Industria 7,03 86,12 44,38 48,77 44,38 48,77Ciência e Tecnologia 1,33 42,02 19,55 23,80 19,55 23,80Direitos da Didadania 0,00 220,42 95,59 124,83 95,59 124,83TOTAL GERAL 7.821,64 33.642,25 22.130,98 19.332,91 22.351,56 19.112,33Fonte: Contas de gestão do Município do Rio de Janeiro e do Estado do Riop de Janeiro para 2005.

Despesa por Funções

Simulação do Impacto Financeiro da Desfusão (R$ milhões correntes)Simulação 2Situação Atual (2005) Simulação 1

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IV.2.4 Simulação do Impacto sobre a Despesa da Criação do Município Especial

O município especial nada mais é do que um município que, dadas suas

características de tamanho populacional, apresenta para seus administradores

desafios mais complexos do que a atual distribuição de competências prevista na

legislação brasileira permite enfrentar.27 Por esse motivo, admite-se que essa

classe especial de municipalidades pudesse se responsabilizar por algumas

funções típicas de estados, conforme as características próprias de cada uma e

suas relações com os estados a que pertencem.

No caso específico do eventual Município Especial do Rio de Janeiro, pode-se

imaginar como passíveis de serem absorvidas em parte pelo poder local ações

relativas à área da Saúde, Educação e Segurança Pública. No caso da Saúde, o

município, além das unidades hospitalares e ambulatoriais de sua própria rede, se

responsabilizaria pelas estaduais situadas em seu território.28

No caso da Educação, dado que a Cidade do Rio de Janeiro já é responsável pela

quase totalidade das matrículas públicas do primeiro grau, procurou-se calcular o

custo adicional de o município também assumir a rede estadual de ensino médio

localizada dentro de seus limites geográficos.

Em relação à Segurança Pública, por se tratar de setor onde existe muito menos

consenso entre seus prórpios especialistas quanto à melhor forma de abordar a

crescente violência em centros urbanos, optou-se por uma abordagem

conservadora em relação a que ações caberiam ao município especial. Dado que

no Rio de Janeiro já existe a guarda municipal, com papel de guarda do patrimônio

público e auxílio na disciplina do trânsito, e que esta se organiza em moldes

similares ao dos batalhões de polícia militar responsáveis pelas diversas regiões

em que se subdivide o município, pensou-se na possibilidade de transferência

destes batalhões para a coordenação da autoridade local. É evidente que tal 27 Vide discussão na Introdução. 28 Faria sentido, em prol de uma ação melhor coordenada, que o município se responsabilizasse também pelas unidades federais localizadas na cidade. Entretanto, em vista da recente crise envolvendo as autoridades federais e municipais da área e que culminou com a devolução das unidades federais que haviam sido “municipalizadas” por convênio em 1999, optou-se por focalizar as simulações no custo adicional associado à transferência das unidades estaduais para a cidade.

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transferência não é algo simples de ser feito, principalmente em virtude das

peculiaridades do setor. Entretanto, pode-se imaginar que, nesta área específica,

pudesse haver um comando responsável pelo território municipal nos mesmos

moldes do que ocorre para os demais estados (e ocorria quando existia a

Guanabara), subordinado ao prefeito.29

Deve-se, ainda, chamar a atenção para o fato de que os impactos financeiros das

mudanças propostas incorporaram seus efeitos sobre a folha de salários de cada

setor (proporcionalmente distribuída entre o município especial e o estado). A

transferência de funcionários públicos entre entes da federação é uma questão

complexa no Brasil, principalmente em virtude da resistência exercida pelos

servidores em serem transferidos para “níveis mais baixos” de governo. Para

contornar essa situação, assumiu-se que os servidores continuariam vinculados

aos entes de origem (no caso o estado), ainda que prestando serviços ao município especial. Este ressarciria o custo salarial àquele.30

Na Tabela IV.6, resume os efeitos do aumento de gastos a ser absorvido pelo

eventual Município Especial do Rio de Janeiro e a correspondente queda em

nível estadual.31 Dadas as hipóteses aqui descritas e detalhadas no Apêndice 2,

com base na execução orçamentária de 2005, espera-se um acréscimo de quase R$ 1,9 bilhão no dispêndio municipal decorrente da transferência de

atribuições hoje sob a responsabilidade do Estado do Rio de Janeiro.32

29 A polícia civil e o Detran, que no caso do Rio de Janeiro faz parte do complexo de segurança, continuariam sob a esfera estadual. Para maiores detalhes ver o Apêndice 2. 30 Ou, de forma, equivalente, se for prevista transferência de recursos do estado para o município especial, pode ser feito o desconto correspondente. 31 Os critérios para simulação das despesas são detalhados no Apêndice 2. 32 Assume-se que os custos envolvidos na prestação dos serviços não se alteram ao serem estes transferidos entre entes. É possível pensar que práticas diversas em termos de compras de materiais ou mesmo que o aumento da escala dessas mesmas compras possam introduzir diferenças nos preços obtidos por diferentes administrações. Tal efeito, entretanto, não pode ser simulado presentemente.

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Tabela IV.6 Simulação do Impacto Financeiro da Criação do Município Especial Base: Contas de Gestão de 2005 - em valores R$ milhões correntes

Situação Atual Município Especial Funções Rio Estado Rio Estado

Educação 1 502 4 124 1 950 3 676Saúde 1 310 2 716 2 250 1 776Segurança Pública 130 3 993 600 3 523Demais funções 4 880 22 809 4 880 22 809Total 7 822 33 642 9 680 31 784Impacto - - 1 858 Fonte: Contas de gestão do município e do estado. Ver Apêndice 2.

IV.2.5 O que dizem as Simulações

As simulações sugerem que no caso do desmembramento do Estado do Rio de

Janeiro (a chamada desfusão) haveria aumento significativo da receita tributária do

novo Estado da Guanabara. Dado que, por hipótese, trata-se de um jogo de soma

zero,33 a esse crescimento corresponde uma redução de igual valor nas receitas do

Novo Estado do Rio de Janeiro, assim como dos municípios que o comporão (em

vista da queda da base da transferência do ICMS). Isso evidentemente pode

implicar em grande resistência política, afinal tratam-se de áreas em geral mais

pobres que o Município do Rio de Janeiro e que serão fortemente afetadas por esta

sensível redução em seus orçamentos. Ainda assim, este não seria o único entrave

à desfusão. Há que se considerar também as potenciais dificuldades para se

distribuir passivos como os compromissos decorrentes da previdência34 dos

funcionários estaduais e da dívida estadual, principalmente a renegociada junto ao

governo federal para a qual não há critério óbvio de distribuição

No caso do município especial verificou-se o significativo aumento do gasto

municipal para a Cidade do Rio de Janeiro. Evidentemente o orçamento carioca não

pode suportar tal elevação com as receitas que hoje dispõe. A Tabela IV.5 acima

mostra que o resultado primário municipal sairia do virtual equilíbrio para um déficit

da ordem de R$ 1,7 bilhão. 33 Dada sua reduzida probabilidade, não se aventou a hipótese de o Governo Federal aportar recursos aos novos entes. 34 Caso não se opte por um esquema como o discutido na seção anterior.

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44

Às novas competências devem corresponder novas fontes de receita. Uma forma

que em outras circunstâncias poderia ser proposta seria a criação de um adicional

na alíquota marginal do Imposto de Renda da Pessoa Física dos residentes no

município a ser integralmente repassada ao orçamento municipal. No entanto, é

difícil imaginar que a sociedade carioca suporte novos aumentos de carga

tributária.35 A alternativa existente, então, seria cobrir o hiato fiscal resultante através

de transferências do orçamento estadual e, eventualmente, do federal.

Tal alternativa esbarra na dificuldade atualmente enfrentada pelo Estado do Rio de

Janeiro, numa conjuntura de estagnação de sua receita do ICMS, que cresce

menos que proporcionalmente ao PIB estadual, e de crescente dependência de

uma fonte extremamente volátil de receita: os royalties e participação especial

relativos à extração de petróleo. Ainda que a criação do município especial venha

a desonerar o estado de um conjunto não desprezível de atribuições, resta saber

qual o real efeito da simples transferência de um montante equivalente a R$ 1,9

bilhão das suas receitas correntes para o município.

Ainda que se possa, prima facie, pensar que o efeito da criação do município especial será neutro do ponto de vista financeiro para o Estado do Rio de Janeiro,

isso não é verdade. Nos últimos anos, o Estado do Rio de Janeiro tem financiado

crescentemente suas despesas com receitas oriundas do petróleo (como já se

disse de grande volatilidade), com a venda de ativos e com a antecipação de

recebíveis. Isso significa que uma boa parte (não mensurável precisamente) dos

serviços a serem transferidos para o município especial é financiada por essas

fontes não estáveis. Evidentemente a legislação que criar o Município Especial do Rio de Janeiro vinculará as receitas a serem a ele transferidas como compensação

ao aumento de gasto às receitas tributárias estaduais. Isso significa que os demais

gastos estaduais deverão ser financiados crescentemente com os recursos voláteis

ou temporários acima referidos. Ao se esgotarem tais fontes extraordinárias de

financiamento, o governo estadual se verá com uma grande parcela de suas

despesas sem cobertura do lado da receita.36

35 Nem tanto por conta de tributos municipais, mas principalmente pelos estaduais (as alíquotas nominais do ICMS estão dentre as maiores do país) e pelos federais. 36 Evidentemente isso ocorrerá de qualquer forma com o passar do tempo. O problema relevante para o presente estudo é que a criação do município especial poderá acelerar o problema, reduzindo o tempo disponível para as autoridades estaduais lidarem com ele.

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45

IV.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A precariedade na oferta de serviços e a degradação econômica com as quais

o carioca se defronta são flagrantes. A incapacidade do poder público de

realizar políticas públicas que revertam este quadro e permitam reinstaurar um

ciclo virtuoso em decorrência da escassez de recursos em nível municipal e da

tradicional priorização do interior pelas políticas estaduais motivou a realização

deste trabalho.

A discussão de opções ao longo do projeto para ocupar o que poderia se

qualificar de esvaziamento institucional conduziu a duas soluções possíveis. A

primeira delas seria reviver o Estado da Guanabara e converter o Município do Rio

de Janeiro em uma cidade-estado. A segunda alternativa seria a criação de uma

nova classe de município – o município especial.

A instituição de um novo município, com funções ampliadas e fontes de

financiamento condizentes com a elevação dos gastos, em resposta aos problemas

ora enfrentados pelas grandes metrópoles, introduziria uma inovação na federação

brasileira e permitiria corrigir uma série de distorções do atual modelo. A

flexibilização do atual arcabouço consistiria um avanço e seria uma alternativa para

renovar a inserção do Estado brasileiro.

Este projeto visava apresentar estudos preliminares necessários à discussão da

viabilidade técnica de se implementar ambas alternativas. Inicialmente,

desenvolveram-se uma análise histórica para identificar as causas do gradativo

esvaziamento econômico da cidade do Rio de Janeiro e um levantamento de

experiências internacionais que poderiam desempenhar a função de arquétipo ao

caso brasileiro.

A delimitação das conseqüências da desfusão em termos de desempenho

fiscal é uma das questões cruciais no debate sobre a plausibilidade de

recriação do Estado da Guanabara ou instituição de um nova figura na

federação brasileira. Ato contínuo, discutiu-se efetivamente a possibilidade de se

implementar as propostas aventadas considerando exclusivamente a questão das

finanças públicas. Para tanto, realizaram-se uma série de estudos de caso com a

intenção de identificar de modo preliminar o comportamento dos gastos em caso de

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46

implementação do município especial ou de desmembramento do estado do Rio

de Janeiro.

Ainda que no imaginário carioca o curto período de existência do estado Guanabara

permaneça associado a um período de efervescência cultural e urbana e seja

atraente rememorar o passado, revivê-lo seria uma opção nostálgica sem

necessariamente se basear em fatos concretos. Da discussão de propostas,

fundamentada em dados fiscais e limitações institucionais, concluiu-se que

eventualmente outras saídas podem ser mais efetivas e realísticas do que a

desfusão e que, portanto, sob o ponto de vista das finanças públicas, a opção

natural seria pelo município especial.

A proposta de introduzir uma nova instância institucional representaria um

mecanismo de flexibilização das regras da federação brasileira e responde a uma

antiga demanda dos grandes centros urbanos. Deste modo, o modelo federativo

brasileiro poderia contemplar a diversidade da malha municipal de modo mais

racional e eficiente. Ainda que voltada para o caso especifico da Cidade do Rio de

Janeiro, esta proposta permite vislumbrar uma racionalização do atual modelo

federativo e instrumentá-lo para que tenha condições de conviver com mais

eficiência com a heterogeneidade que lhe é peculiar.

Por fim, cabe ressaltar que não se pretendeu esgotar o assunto, muito pelo

contrário. Buscou-se tão somente adicionar elementos racionais a uma discussão

preponderantemente passional. O estudo de viabilidade do município especial requer um exame detalhado das principais funções, o que fugia do escopo deste

trabalho. Ao invés de trabalhar com médias, faz-se necessário entrar no mérito de

cada uma das funções supramencionadas. Questões como a distribuição do

pessoal para evitar a replicação de gastos e o passivo previdenciário exigem

tratamento específico. Por fim, se no caso da desfusão, os resultados das

simulações indicam um impacto negativo grave para as administrações públicas

localizadas no território do Novo Estado do Rio de Janeiro, a criação do município especial também aponta para a exacerbação das dificuldades fiscais por que passa

atualmente o Estado do Rio.

Tais efeitos devem ser estudados em maior detalhe, incluindo a possibilidade de

participação do Governo Federal, ainda que temporariamente, no financiamento dos

gastos do novo ente.

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O restante do presente estudo trata detalhadamente das questões de natureza

jurídica envolvidas associadas às duas propostas até aqui discutidas.

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SEGUNDA PARTE: ASPECTOS JURÍDICOS

V O PROCEDIMENTO JURÍDICO PARA A “DESFUSÃO” DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

V.1 INTRODUÇÃO Nessa primeira seção é oferecida uma visão geral e sistêmica acerca do

procedimento jurídico que será necessário percorrer para se implementar a

eventual “desfusão”37 do Município do Rio de Janeiro do restante do território

do atual Estado do Rio de Janeiro.

Vale observar desde já que aqui não se discutiu aspectos de natureza política,

nem também se detalhou o conteúdo dos atos jurídicos necessários à

“desfusão”.

O único tópico político citado, mas não debatido, foi a necessidade de haver

“motivação” para que o Poder Legislativo Federal edite o decreto legislativo que

regulará a convocação do plebiscito, a qual deverá estar contida na exposição

de motivos do decreto legislativo.

Esclareça-se, ademais, que, no corpo do texto, o procedimento para a

“desfusão” é tratado no corpo do texto, deixando para as notas de rodapé o

aprofundamento de questões constitucionais que cercam o tema.

V.2 PRIMEIRO PASSO: PLEBISCITO

Como em qualquer iniciativa política para o exercício da soberania popular, a

realização direta de consultas populares através de plebiscitos ou referendos

necessita de uma motivação política ou econômica.

Independentemente dos eventuais fatores econômicos que levariam a justificar

a desfusão, os motivos políticos, sem dúvida, são os principais a justificar o

“casuísmo” carioca-fluminense no que se refere a sua preferência sobre os

demais projetos de desmembramento, uma vez que, diferentemente de

37 Apesar de popularmente citada como desfusão – talvez por uma questão de correspondência semântica à expressão histórica “fusão da Guanabara”-, o termo jurídico empregado pela Constituição da República, assim como pelos constitucionalistas em geral, para designar a separação de uma ou mais partes de um todo (Município do Rio), sem perda de identidade do ente primitivo (Estado do Rio), é desmembramento.

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dezenas de outras propostas de criação de estados hoje existentes no

Congresso Nacional, a Cidade do Rio de Janeiro e o Estado do Rio de

Janeiro38, desde os primórdios (Brasil colônia), sempre foram unidades

autônomas; somente reunidas por força de um regime de exceção, sem

consulta popular e por meio de um ato discricionário do general presidente39

(cf. capítulo 2 da Lei Complementar 20/74).

O primeiro passo a ser observado no desmembramento do Município do Rio de

Janeiro é a convocação de um plebiscito40.

Dizemos isso porque, nos termos do artigo 18, parágrafo 3º, da Constituição da

República, “os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou

desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou

Territórios Federais, mediante a aprovação da população diretamente

interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei

complementar”. (grifamos)

Deve-se abrir parênteses para se firmar duas observações iniciais. A primeira,

que a própria Constituição estabelece a forma de participação popular

(plebiscito). A segunda, que competirá ao Congresso Nacional, em caso de

aprovação do desmembramento, colocá-lo em prática.

A redação do referido parágrafo 3º, do artigo 18, por sua vez, está em perfeita

sintonia com o artigo 14, I, também da Constituição da República, no qual é

estabelecido que uma das formas de exercício da soberania popular se dá por

meio da realização direta de consultas populares, através de plebiscitos ou

referendos. Confira-se a dicção do artigo em comento, verbis:

38 Anteriormente: Estado da Guanabara e Estado do Rio de Janeiro; Distrito Federal e Estado do Rio de Janeiro; Município Neutro e Província do Rio de Janeiro; Capital do Vice-Reino do Brasil e Província do Rio de Janeiro; e outras denominações do Brasil Colônia. 39 Cf. pág. 385, tópico "Quem foi o mentor da fusão", do Livro Ernesto Geisel, organizado por Maria Celina D'Araujo e Celso Castro, Editora Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1997.

40 Consoante lição de Alexandre de Moraes, “enquanto o plebiscito é uma consulta prévia que se faz aos cidadãos no gozo de seus direitos políticos, sobre determinada matéria a ser, posteriormente, discutida pelo Congresso Nacional, o referendo consiste em uma consulta posterior sobre determinado ato governamental para ratificá-lo ou no sentido de conceder-lhe eficácia (condição suspensiva), ou, ainda, para retirar-lhe a eficácia (condição resolutiva)”. (in Direito Constitucional, p. 237, 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2002).

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“Art. 14 A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; e III – iniciativa popular” (grifamos)

Pairam poucas dúvidas de que a discussão sobre o desmembramento ou não

de um Estado-Membro da Federação, como no caso da “desfusão”, está

estritamente ligada ao exercício da soberania nacional. Somando-se a tal

consideração o fato de que o Brasil é uma República41/42, nada mais sensato

do que se atribuir ao povo o exercício da soberania e, por isso, deixá-lo decidir

sobre os destinos da organização do Estado.

Nesse caso, a Constituição da República determinou que somente o

Congresso Nacional pudesse autorizar referendo ou convocar plebiscito,

vejamos o artigo 49, inciso XV:

“Art. 49 É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (...) XV – autorizar referendo e convocar plebiscito;” (grifamos).

Observando-se, porém, o caput do artigo 14 e o inciso XV do artigo 49 supra-

transcritos, percebe-se que ambos, nas respectivas partes finais43, não

possuem normatividade suficiente para incidir desde já, ou seja, são normas de

eficácia limitada44 que dependem, para sua incidência, de integração legislativa

1 . 41José Afonso da Silva leciona que a expressão República, mais do que se referir a uma forma de governo contraposta à Monarquia, “é designativa de uma coletividade política com características da res publica, no seu sentido originário de coisa pública, ou seja: coisa do povo e para o povo” (in Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 102, 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004). 42 Legitimada pelo plebiscito previsto no artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, constante da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. 43 Confira-se trechos grifados. 44 Conforme classificação proposta por José Afonso da Silva, em sua festejada monografia A Aplicabilidade das Normas Constitucionais, as normas constitucionais, quanto a sua aplicabilidade, podem ser de 3 tipos: (a) normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata, são aquelas que receberam do constituinte a normatividade para a sua incidência e independem de providência legislativa complementar; (b) normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade imediata, são aquelas que, apesar de se revestirem de

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posterior, a ser efetuada pelo Congresso Nacional, conforme se verifica por

meio de uma interpretação harmônica e sistemática com o artigo 18, parágrafo

3º.

Em outras palavras: o próprio Poder Constituinte Originário45 delegou ao

Legislativo a competência para regulamentar algumas das formas de

participação do povo no processo democrático.

Com base nessa disposição constitucional, foi promulgada a Lei nº 9.709/98,

que tem por objetivo disciplinar “a execução do disposto nos incisos I, II e III do

artigo 14 da Constituição Federal”, a qual deverá ser observada no plebiscito

da “desfusão”.

Dado o caráter auto-explicativo de seus artigos, passa-se a transcrever, após a

sistematização por tópicos, os que interessam a este trabalho.

V.2.1 Iniciativa, Tramitação e Procedimento do Plebiscito: “Art. 3º. Nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, e no caso do § 3º do art. 18 da Constituição Federal, o plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos membros que compõe qualquer das Casas do Congresso Nacional, de conformidade com esta Lei”. (grifamos) “Art. 12. A tramitação dos projetos de plebiscito e referendo obedecerá às normas do Regimento Interno do Congresso Nacional”. “Art. 8º Aprovado o ato convocatório, o Presidente do Congresso Nacional dará ciência à Justiça eleitoral, a quem incumbirá, nos limites de sua circunscrição: I – fixar a data da consulta popular; II – tornar pública a cédula respectiva

normatividade suficiente, prevêem que atos infraconstitucionais podem restringir seu âmbito de aplicabilidade; e, por fim, (c) normas constitucionais de eficácia limitada, são aqueles que não possuem normatividade suficiente para sua aplicação. 45 O Poder Constituinte se divide em Originário e Derivado. Aquele estabelece a Constituição de um novo Estado (cuja titularidade é do povo, mas exercida pela Assembléia Constituinte); este, por sua vez, é estabelecido na própria Constituição, sendo derivado justamente porque é subordinado e condicionado pelo Poder Originário. O Poder Constituinte Derivado se biparte em Reformador (possibilidade de se alterar o corpo do texto constitucional, sendo exercido pelo Poder Legislativo) e Decorrente (possibilidade de os Estados-Membros criarem suas próprias Constituições).

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III – expedir instruções para a realização do plebiscito ou referendo; IV – assegurar a gratuidade nos meios de comunicação de massa concessionários de serviço público, aos partidos políticos e às frentes suprapartidárias organizadas pela sociedade civil em torna da matéria em questão, para a divulgação de seus postulados referentes ao tema sob consulta”.

V.2.2 Participação no Plebiscito “Art. 7º. Nas consultas plebiscitárias previstas nos arts. 4º e 5º entende-se por população diretamente interessada tanto a do território que se pretende desmembrar, quanto a do que sofrerá desmembramento ...”

Da leitura desse artigo, verifica-se que, no caso vertente, deverá participar do

plebiscito toda a população do atual Estado do Rio de Janeiro.

V.2.3 Quorum para Aprovação da Consulta

“Art. 10. O plebiscito ou referendo, convocado nos termos da presente Lei, será considerado aprovado ou rejeitado por maioria simples, de acordo com o resultado homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral”.

V.3 SEGUNDO PASSO: REGULAMENTAÇÃO PELO CONGRESSO NACIONAL Uma vez aprovado o tema objeto da consulta, no caso a “desfusão”, deverá ser

proposto, perante qualquer das Casas do Congresso Nacional, projeto de lei

complementar46 - em conformidade com a determinação constante do § 3º do

artigo 18 da Constituição da República -, a qual regulamentará a divisão

territorial. Nesse caso, considerada a motivação do plebiscito, a divisão

territorial será a do atual Município do Rio de Janeiro (equivalente ao antigo

Estado da Guanabara) separado do restante do território do atual Estado do

Rio de Janeiro.

46 São duas as diferenças entre lei complementar e lei ordinária. A primeira, de cunho material, que, em tese, somente poderá ser objeto de lei complementar as matérias taxativamente previstas na Constituição. A segunda, de cunho formal, se refere ao procedimento legislativo mais rígido, pois, enquanto a lei ordinária é aprovada por maioria simples (art. 47 da CF), o quorum exigido para a lei complementar é de maioria absoluta (art. 69 da CF),

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Ressalte-se que, ainda nos termos da Lei nº 9.709/98, caberá à Assembléia

Legislativa do Estado do Rio de Janeiro fornecer ao Congresso Nacional “os

detalhamentos técnicos concernentes aos aspectos administrativos,

financeiros, sociais e econômicos da área geopolítica afetada”.

“Art. 4º ... § 1º. Proclamado o resultado da consulta plebiscitária, sendo favorável à alteração territorial prevista no caput, o projeto de lei complementar respectivo será proposto perante qualquer das Casas do Congresso Nacional. § 2º. À Casa perante a qual tenha sido apresentado o projeto de lei complementar referido no parágrafo anterior compete proceder à audiência das respectivas Assembléias Legislativas. § 3º. Na oportunidade prevista no parágrafo anterior, as respectivas Assembléias Legislativas opinarão, sem caráter vinculativo, sobre a matéria, e fornecerão ao Congresso Nacional os detalhamentos técnicos concernentes aos aspectos administrativos, financeiros, sociais e econômicos da área geopolítica afetada”.

Ressalte-se que a da lei complementar em referência deverá observar as

normas insculpidas no capítulo 1 da Lei Complementar 20/74, a qual foi

recepcionada pela atual Constituição da República. (cf. capítulo 1 da Lei

Complementar 20/74)

Dentre outras matérias, essa lei complementar deverá abordar: (i) convocação

de Assembléia Constituinte; (ii) governo provisório; (iii) funcionamento de

Tribunais e órgãos da Justiça; (iv) divisão do legislativo estadual; (v) serviços

públicos e respectivos servidores; (vi) direitos, obrigações, deveres, encargos,

assim como o patrimônio, bens e rendas do novo Estado; e (vii) eventuais

auxílios e subvenções a serem prestados pela União.

V.4 EXEMPLOS RECENTES DE PROCESSOS DE DESMEMBRAMENTO DE UNIDADES DA FEDERAÇÃO

Apesar de implementados por dispositivos constitucionais e legais diversos dos

acima citados, os desmembramentos dos Estados de Mato Grosso do Sul e de

Tocantins são interessantes de ser aqui mencionados por serem os mais

recentes ocorridos no Brasil.

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V.4.1 Estado de Tocantins

O então deputado por Goiás, José Wilson Siqueira Campos, apresentou a

proposta de divisão do Estado por três vezes na década de 70. Em 1985, o

projeto esbarrou no veto do presidente José Sarney. Por causa da pressão

popular, incluindo a greve de fome de Siqueira Campos e um abaixo-assinado

com mais de 100 mil assinaturas pedindo a criação do Estado, Sarney instalou

a Comissão de Redivisão Territorial.

Em 27 de julho de 1988, parlamentares aprovaram a criação do Tocantins em

segundo turno. No entanto, foi apenas com a promulgação da atual

Constituição República, notadamente no artigo 13 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias, que a criação desse Estado foi realizada.

Confira-se, a título ilustrativo, a redação do mencionado texto constitucional

transitório:

“É criado o Estado do Tocantins, pelo desmembramento da área descrita neste artigo, dando-se sua instalação no quadragésimo sexto dia após a eleição prevista no parágrafo 3º, mas não antes de 1º de janeiro de 1989. § 1º O Estado do Tocantins integra a Região Norte e limita-se com o Estado de Goiás, pelas divisas norte dos Municípios de São Miguel do Araguaia, Porangatu, Formoso, Minaçu, Cavalcante, Monte Alegre de Goiás e Campos Belos, conservando a leste, norte e oeste as divisas atuais de Goiás com os Estados da Bahia, Piauí, Maranhão, Pará e Mato Grosso. § 2º O Poder Executivo designará uma das cidades do Estado para sua capital provisória até a aprovação da sede definitiva do governo pela Assembléia Constituinte § 3º O Governador, o Vice-Governador, os Senadores, os Deputados Federais e os Deputados Estaduais serão eleitos, em um único turno, até setenta e cinco dias após a promulgação da Constituição, mas não antes de 15 de novembro de 1988, a critério do tribunal Superior Eleitoral, obedecidas, entre outras, as seguintes normas:

I. o prazo de filiação partidária dos candidatos será encerrado setenta e cinco dias antes da data das eleições;

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II. as datas das convenções regionais partidárias destinadas a deliberar sobre coligações e escolha de candidatos, de apresentação de requerimento de registro dos candidatos escolhidos e dos demais procedimentos legais serão fixadas, em calendário especial, pela Justiça Eleitoral; III. são inelegíveis os ocupantes de cargos estaduais ou municipais que não se tenham deles afastado, em caráter definitivo, setenta e cinco dias antes da data das eleições previstas nesse parágrafo; IV. ficam mantidos os atuais diretórios regionais dos partidos políticos do Estado de Goiás, cabendo às comissões executivas nacionais designar comissões provisórias no Estado do Tocantins, nos termos e para os fins previstos na lei.

§ 4º Os mandatos do Governador, do Vice-Governador, dos Deputados Federais e Estaduais eleitos na forma do parágrafo anterior extinguir-se-ão concomitantemente ao das demais unidades da Federação; o mandato do Senador eleito menos votado extinguir-se-á nessa mesma oportunidade, e os dos outros dois, juntamente com os dos Senadores eleitos em 1986 nos demais Estados. § 5º A Assembléia Estadual Constituinte será instalada no quadragésimo sexto dia da eleição de seus integrantes, mas não antes de 1º de janeiro de 1989, sob a presidência do Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás, e dará posse, na mesma data, ao Governador e ao Vice-Governador eleitos. § 6º Aplicam-se à criação e instalação do Estado de Tocantins, no que couber, as normas legais disciplinadoras da divisão do Estado de Mato Grosso, observado o disposto no art. 234 da Constituição. § 7º Fica o Estado de Goiás liberado dos débitos e encargos decorrentes de empreendimentos no território do novo Estado, e autorizada a União, a seu critério, a assumir os referidos débitos”.

V.4.2 Estado de Mato Grosso do Sul Durante o regime militar, a União Federal, na busca por um maior controle dos

problemas da sociedade, abraçou uma política de desenvolvimento com

segurança, a qual permitiu a criação de programas que facilitaram o

desenvolvimento de alguns Estados, entre eles Mato Grosso.

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Nesse período, alguns políticos desejosos pela criação de um Estado baseado

na parcela sul de Mato Grosso, obtiveram o apoio da União Federal para

desenvolver estudos visando a criação de um novo estado. Após várias

negociações e acordos políticos, o Presidente Ernesto Geisel promulgou, em

11 de outubro de 1977, a Lei Complementar nº 31, que criou o Estado de Mato

Grosso do Sul (cf. Lei Complementar 31/77).

Vale observar que, no período pós promulgação da atual Constituição da

República, não houve qualquer iniciativa para implementar desmembramento

ou fusão de unidades da federação.

Todavia, no que se refere aos procedimentos mais paroquiais, a experiência de

ambos os desmembramentos acima narrados é semelhante àquela que será

enfrentada na hipótese de desfusão, tais como: (i) divisão de órgãos e

entidades do Estado; (ii) divisão da dívida pública estadual e federal; e (iii)

divisão dos funcionários públicos.

V.4.3 CONCLUSÃO

Conforme descrito e exemplificado nos itens acima, primeiro se deverá

determinar a motivação política ou econômica do desmembramento, a qual fará

parte da exposição de motivos do decreto legislativo a ser editado pelo

Congresso Nacional (Câmara de Deputados ou Senado Federal) para

convocação do plebiscito.

Proclamado o resultado do plebiscito, e sendo ele favorável à alteração

territorial da unidade federativa, o projeto de lei complementar respectivo será

proposto perante qualquer das Casas do Congresso Nacional (Câmara dos

Deputados e Senado Federal).

À Casa perante a qual tenha sido apresentado o projeto de lei complementar

competirá proceder à audiência da Assembléia Legislativa. Posteriormente esta

opinará, sem caráter vinculativo, sobre a matéria e fornecerá ao Congresso

Nacional os detalhamentos técnicos concernentes aos aspectos

administrativos, financeiros, sociais e econômicos da área geopolítica afetada,

sendo certo que a lei complementar incluirá os temas já mencionados nos

subitens (i) a (vii) acima listados.

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Sob a ótica estritamente jurídica, esses são os passos, exemplos e

comentários – postos em breves linhas - necessários para se implementar a

desfusão do Estado da Guanabara do atual Estado do Rio de Janeiro.

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VI A JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CIDADES E REGIÕES AUTÔNOMAS

VI.1 INTRODUÇÃO O segundo capítulo da parte jurídica tem como propósito esclarecer como são

as experiências estrangeiras com cidades e regiões que convivem com alto

grau de autonomia.

O primeiro significado para a palavra autonomia comumente constante dos

dicionários é a “faculdade de se governar por si mesmo47”. Em suma, é a

capacidade que possui determinada entidade ou instituição de resolver, sem

interferência externa, como deve se reger.

Neste trabalho, porém, a expressão “autonomia” não é utilizada com esse

sentido genérico. Na verdade, abordou-se aqui a autonomia em seu aspecto

estrito, assim considerada aquela que não é concedida de forma igualitária

entre as cidades ou regiões que compõem determinado país.

Da Grécia antiga aos Estados unitários e federativos da atualidade, a

concessão de maior autonomia à determinadas regiões tem sido utilizada como

instrumento para se concretizar, com maior eficiência, o desenvolvimento

dessas regiões e, reflexamente, o desenvolvimento nacional.

“Sem dúvida, a autonomia municipal constitui um fator importantíssimo para uma maior eficiência na prestação dos serviços públicos e para a democratização das estruturas políticas da sociedade. Todavia, em várias áreas existem deficiências decorrentes da pretensa independência local. Em vez de seguir no caminho de um municipalismo autárquico, ancorado na crença segundo a qual os governos municipais podem e devem resolver sozinhos todos os seus problemas, os Estados deveriam ter o poder de estabelecer certas tarefas obrigatórias (Pflichtaufgaben) para seus municípios e garantir o cumprimento das mesmas mediante um sistema de financiamento e fiscalização”. (Andréas Joachim Krell. in O município no Brasil e na Alemanha. Direito e administração pública comparados, p. 84. 2003: ed. Oficina Municipal, São Paulo)

47 Verbete autonomia do Dicionário Aurélio, Ed. Nova Fronteira, 1999.

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59

A despeito de sua excepcionalidade, especialmente nos estados unitários, nos

quais a centralização do poder é a regra, pelos motivos mais díspares a

outorga de autonomia tem ajudado a diferenciar regiões ou cidades que

necessitam de status especial por possuírem características próprias, seja por

motivos históricos, políticos ou de necessidade prática.

Embora existam inúmeras experiências sobre o tema no decorrer da história

humana, foram selecionados alguns casos atuais e bem sucedidos que

possuem maior similaridade com o que se pretende sugerir neste trabalho.

Para tanto, se ilustrou como são repartidas as competências executivas e

legislativas, assim como os tributos (arrecadados na região e no país como um

todo) entre o poder autônomo e o governo nacional.

É importante salientar, por fim, que parte das informações contidas neste

trabalho foram obtidas em livros de doutrina. Todavia, deu-se maior ênfase na

análise direta do texto das constituições nacionais e regionais das respectivas

cidades e regiões estudadas; textos esses disponibilizados em representações

diplomáticas, câmaras de comércio e na rede mundial de computadores.

Ressalte-se, ainda, que nesta fase do trabalho não houve a preocupação

absoluta com a atualidade de todos os textos legais ou com a verificação junto

a advogados locais das variantes decorrentes da interpretação dos textos

legais. O propósito foi, simplesmente, identificar as experiências e mencionar a

repartição de funções e recursos.

VI.2 AS CIDADES-ESTADO NO MUNDO

As cidades-estado, sob o aspecto da necessidade de sua instituição, podem

ser divididas em duas categorias: (i) as instituídas por necessidade política; e

(ii) as instituídas por necessidade prática. Nesse particular as regiões

autônomas também possuem divisão semelhante. É importante destacar que

os motivos culturais e históricos podem motivar a instituição das cidades-

estado ou as cidades autônomas por necessidade política ou por necessidade

prática.

Na primeira categoria, incluem-se as capitais nacionais, seja em estados

federais ou unitários, cuja autonomia e neutralidade se dá por força da

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necessidade de se evitar a submissão dos dirigentes da nação aos caprichos

de líderes regionais que, eventualmente, não estariam politicamente alinhados

ao poder central. Daí se justificar a necessidade da neutralidade do local onde

se situe a sede da administração nacional.

A esse respeito acrescenta Carlos Maximiliano:

“A idéia de localizar a Capital da República em

território não subordinado a poderes estaduais

originou-se de se reconhecer a conveniência de

assegurar ao Governo Federal independência de

movimentos, absoluta liberdade de ação, isentos o

Presidente, os congressistas e os supremos juízes,

da pressão, das rivalidades, picardias ou desacatos

provocados ou sugeridos por autoridades

regionais.”48

Pode-se incluir ainda nessa categoria as cidades-estados, ex-enclaves

coloniais, que foram incorporadas ao território do respectivo país limítrofe e

mantiveram, por motivos meramente políticos, autonomia administrativa, tais

como Macau e Hong-Kong (nesse caso motivos históricos e culturais se

misturaram aos motivos políticos do governo Chinês).

A segunda categoria pode ser dividida, por sua vez, da seguinte forma:

(i) cidades que são países, tais como: Singapura, Mônaco, San Marino e

Vaticano;

(ii) cidades que estão fisicamente fora do estado nacional a que

pertencem, tais como os enclaves coloniais ou as ilhas (por exemplo: as

cidades de Ceuta e Melilla na costa mediterrânea do Marrocos,

pertencem à Espanha e têm status de região autônoma, cada uma); e

(iii) cidades que pela sua autonomia histórica e complexidade prática,

decorrente da quantidade da população, concentração urbana e

importância estratégica, foram separadas da província a que pertenciam.

48 apud Delgado de Carvalho, in História da Cidade do Rio de Janeiro, 2ª ed, 3ª impressão, p. 110, 1994: Coleção Biblioteca Carioca.

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Nesse último caso, destacam-se duas cidades-autônomas da República

Federal da Alemanha: Bremen e Hamburgo.

VI.3 OS EXEMPLOS DISPONIBILIZADOS

Encontram-se adiante descritos as experiências de Alemanha, Espanha, China

e Portugal na regulação e gestão das suas cidades e regiões autônomas.

Apesar de serem exemplos distintos todos têm o mesmo denominador: são

situações especiais no âmbito dos estados nacionais em que se situam.

Por se tratar de direito estrangeiro procurou-se disponibilizar também, na

medida do possível, os ordenamentos no idioma original para esclarecer

eventuais dúvidas de interpretação.49

VI.3.1 As Cidades-Estado da Alemanha A primeira referência à existência do povo alemão ou germânico aparece

durante as campanhas do imperador romano Julio César, quando da

campanha da Gália, no ano de 58 a 51 a.C. No entanto, a origem dos alemães

remonta aos teutônicos e outros povos bem antes disso.

O Estado Alemão, quase como conhecemos hoje, surgiu em 187150 sob um

regime monárquico e domínio prussiano51.

Após a primeira grande guerra (1914 a 1918), com a derrota do império

alemão, surge a primeira Constituição Republicana da Alemanha, conhecida

como de Weimar52. Promulgada imediatamente após o colapso alemão, sua

aplicação se deu em um contexto de incertezas inerentes ao momento histórico

em que foi concebida.

A atual Constituição Alemã ou, no sentido mais literal, a Lei Fundamental da

República Federal da Alemanha (Grundgesetz für die Bundesrepublik

Deutschland), promulgada em 23 de maio de 1949, nasceu pela necessidade

de se reformar o Estado Alemão após a derrota e ocupação desse país

49 Ver Apêndice 3 50 Após a vitória da Prússia sobre a França na Guerra Franco-Prussiana. 51 A Prússia fazia parte dos vários Estados independentes pretéritos ao Estado Alemão. 52 Cidade da Saxônia onde foi elaborada e votada.

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posteriormente à segunda guerra mundial. Com essa Lei Fundamental, funda-

se a República Federal da Alemanha (Bundesrepublik Deutschland).

A República Federal da Alemanha é composta por 16 estados, listados abaixo

com suas respectivas capitais, e, dentre eles, destacados os que são cidades-

estado:

1. Baden-Württemberg – capital Stuttgart; 2. Baviera – capital Munique; 3.

Berlim (cidade-estado); 4. Brandemburgo – capital Potsdam; 5. Bremen (cidade-estado); 6. Hamburgo (cidade-estado); 7. Hessen – capital

Wiesbaden; 8. Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental – capital Schwerin; 9.

Baixa Saxônia – capital Hannover; 10. Renânia do Norte-Vestfália – capital

Düsseldorf; 11. Renânia-Palatinado – capital Mainz; 12. Sarre – capital

Saarbrücken; 13. Saxônia – capital Dresden; 14. Saxônia-Anhal – capital

Magdeburg; 15. Schleswig-Holstein – capital Kiel; 16. Turíngia – capital Erfurt.

É importante notar-se que Berlim possui o status de cidade-estado, pois é a

capital da República Federal Alemã. Bremen e Hamburgo, por outro lado, são

cidades-estado por serem importantes centros urbanos e por motivos

históricos.

Abstraindo-se o fato de que ambas as cidades têm, nas origens medievais,

características que as diferenciaram das demais cidades da Alemanha, são

elas, sobretudo, grandes centros prestadores de serviços e arrecadadores de

impostos, com alta densidade demográfica e constante necessidade de

investimentos em infra-estruturas urbanas especiais.

Fundada na época de Carlos Magno, por volta de 811 a.C, “Cidade Livre e

Hanseática de Hamburgo”, por exemplo, é a porta da Alemanha para o mundo.

Hamburgo é a segunda maior cidade da Alemanha, possui o mais importante

porto marítimo do país e representa seu maior centro de comércio exterior. Em

sua totalidade, há mais de 3.000 empresas cujas atividades estão relacionadas

com negócios de importação e exportação. A zona industrial portuária

tradicional inclui estaleiros, refinarias e fábricas de beneficiamento de matérias-

primas estrangeiras. Por meio de mudanças estruturais coerentes, aquela

cidade portuária evoluiu para se tornar uma metrópole da Europa setentrional,

especializada em prestação de serviços. Setores promissores, como o da

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63

indústria aeronáutica civil, o da microeletrônica e o das telecomunicações

formam o alicerce sobre o qual se apóia o futuro de Hamburgo como região

econômica e autônoma.

A complexidade administrativa e a demanda por investimentos em infra-

estruturas especiais apresentada por Hamburgo não difere das demais

megalópoles contemporâneas, dentre as quais se incluem algumas cidades

brasileiras, tais como Rio de Janeiro e São Paulo.

VI.3.2 As Comunidades e as Cidades Autônomas da Espanha

A Espanha é uma monarquia constitucional hereditária desde 1975, quando o

Rei Juan Carlos I assumiu a chefia do Estado. O Poder Executivo é exercido

por um conselho de ministros, sendo o Presidente do Governo53 (Presidente

del Gobierno) nomeado pelo rei e investido pelo Congresso de los Diputados.

O Poder Legislativo, por sua vez, é exercido pelo Parlamento. Essa Assembléia

Nacional (Cortes Generales) é composta pelo Congresso de Deputados

(Congreso de los Diputados), com atualmente 350 membros eleitos pelo voto

popular, direto e secreto e com mandato de 4 anos, e pelo Senado, com 259

membros, dos quais 208 são diretamente eleitos pelo povo (4 senadores por

província) e 51 indicados pelos legisladores regionais, com mandato também

de 4 anos.

Desde a Constituição de 1978 que a Espanha está dividida em 17

comunidades autônomas e 2 cidades autônomas, Ceuta e Melilla, gozando

estas últimas de uma mistura de competências de município autônomo e de

comunidade.

Dentre as comunidades autônomas, três delas (Galícia, País Basco e

Catalunha) gozam da condição de "nacionalidade histórica"54, reconhecida na

Constituição, juntamente com um "Estatuto de Autonomia"55, que acabam por

53 Cargo equivalente ao de primeiro-ministro. 54 São nações existentes dentro do Estado espanhol, isto é, possuem culturas e idiomas diferentes do castelhano. Alguns autores sugerem que o alto grau de autonomia conferido para essas regiões origina-se de uma iniciativa do governo espanhol para apaziguar movimentos separatistas (ex. ETA). 55 O equivalente a uma Lei Orgânica ou Constituição local.

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reverter em uma maior autonomia, poder, e capacidade de decisão delas face

às outras comunidades. As 17 comunidades autônomas dividem-se ainda em

50 províncias.

VI.3.3 As Regiões Administrativas Especiais da China

A República Popular da China, fundada em 1º de outubro de 1949 por Mao

Tsé-Tung, é um Estado unitário formado por povos de múltiplas

nacionalidades.

O governo Chinês se autodenomina um Estado socialista com sistema

econômico de socialismo de mercado, o que significa uma economia de

mercado onde a iniciativa do Estado se sobrepõe à iniciativa privada.

Esse singular sistema econômico tem sido uma das principais causas do

acelerado crescimento que a economia chinesa conheceu nas últimas

décadas. A economia da China já é a 4ª mais poderosa do planeta (atrás

apenas dos EUA, Japão e Alemanha), tendo a maior taxa de crescimento anual

entre os países com mais de 100 milhões de habitantes (com a incrível marca

de 9% ao ano).

A atual Constituição da República Popular da China, de 4 de dezembro de

1982, prevê em seu artigo 31 a criação de Regiões Administrativas Especiais

pelo Estado Chinês sempre que necessário.

A China possui 2 Regiões Administrativas Especiais: Hong Kong e Macau,

desde 1997 e 1999, respectivamente. Criadas em observância às regras da

Constituição sobre zonas nacionais autônomas, Hong Kong e Macau possuem

alto grau de autonomia em relação ao governo central chinês, muito maior que

qualquer outra RegiãoAdministrativa chinesa (comuns).

As Regiões Administrativas Especiais citadas eram antigos enclaves coloniais

que foram devolvidos para o Estado Chinês por Portugal56 e pelo Reino

Unido57.

56 Portugal administrou Macau por 442 anos. 57 O Reino Unido administrou Hong Kong por 155 anos.

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A autonomia evitou um choque cultural e administrativo e concedeu um status

muito especial para os cidadãos de ambas as cidades (p. ex. não há pena de

morte em ambas as cidades, mas há pena de morte na China).

Macau foi incorporada ao Estado Chinês em 20 de dezembro de 1999; e Hong

Kong foi incorporada ao Estado Chinês em 1º de julho de 1997.

VI.3.4 As Regiões Autônomas de Portugal

Portugal foi fundado em 1143, quando da definitiva expulsão dos árabes do seu

território, ocasião em que foram definidas suas fronteiras que vigoram até hoje.

No início do século XV, Portugal se destacou entre as maiores economias

européias em virtude de seu predomínio marítimo, através da descoberta de

rotas para vários territórios na América, na África e no Oriente.

A partir da segunda metade do século XVIII, Portugal buscou sua

modernização, influenciado pelos ideais iluministas de dirigismo econômico,

reestruturando não só suas indústrias, mas também a organização do Estado

Português.

Na transição para o século XIX, Portugal aderiu ao movimento de

restabelecimento constitucional, aderido por diversos países europeus.

Essas e outras circunstâncias deram um extraordinário impulso ao movimento

constitucionalista português, que culminou na Constituição de 1822, pondo fim

à monarquia absoluta lusitana.

A República Portuguesa foi instaurada em 5 de outubro de 1910. Em meados

dos anos vinte, a situação econômica e financeira do país era grave e, nesse

contexto, surgiu o “Estado Novo Português”, marcado pelo autoritarismo, com a

supressão das liberdades democráticas (episódio que iniciou a ditadura de

Antonio de Oliveira Salazar).

Em 25 de abril de 1974, na seqüência de uma ação militar (Revolução dos

Cravos), restabeleceu-se em Portugal o Estado Democrático de Direito. Em

1986, Portugal aderiu à Comunidade Econômica Européia (CEE).

Nesse contexto, a Constituição Portuguesa de 2 de abril de 1976 veio pautada

nos princípios basilares da democracia, visando a formação plena do Estado

Democrático de Direito.

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66

Em relação às Regiões Autônomas de Portugal, a Constituição de 1976, e as

respectivas revisões, estabeleceu formas de descentralização administrativa

sem prejuízo da unidade nacional e das faculdades de supervisão e controle

dos órgãos regionais autônomos.

Portugal possui 20 regiões e se divide em:

(i) 18 regiões, sem autonomia administrativa, que são os distritos de

Aveiro, Beja, Braga, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Évora,

Faro, Guarda, Leiria, Lisboa, Portalegre, Porto, Santarém,

Setúbal, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu; e

(ii) 2 regiões autônomas (Açores e Madeira).

Apesar de não serem cidades, mas sim regiões, as Regiões Autônomas de

Portugal são aqui tratadas por serem regiões muito pequenas58, inseridas em

um Estado unitário sem qualquer tradição de descentralização administrativa.59

58 Cite-se como exemplo a Região Autônoma da Madeira, que ocupa uma área de 797 km2. Como comparação, cite-se a Cidade do Rio de Janeiro que ocupa uma área de 1.182,29 km2. 59 O leitor interessado em conhecer em detalhe a legislação portuguesa sobre regiões autônomas encontrará farto material no Apêndice 3.

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VII ASPECTOS JURÍDICOS PARA A CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS AUTÔNOMOS (“MUNICÍPIOS ESPECIAIS”) NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

VII.1 INTRODUÇÃO

Nesta etapa abordaram-se as regras e os princípios jurídicos que repercutem

sobre a criação, na Federação brasileira, de municípios autônomos, ou, como

se convencionou chamar no âmbito deste trabalho, de municípios especiais.

Cumpre frisar, desde já, que não coube no presente trabalho a elaboração de

juízos de valor sobre as vantagens e desvantagens da eventual criação de um

município especial. Entendeu-se, ao revés, que o respectivo sucesso do

projeto está, justamente, na isenção, a qual permitiu sugerir, sem as amarras

ideológicas, uma nova opção para as megalópoles brasileiras.

VII.2 ENQUADRAMENTO DO MUNICÍPIO ESPECIAL Para os fins deste trabalho, consideram-se municípios especiais aqueles

Municípios que vierem a possuir, mediante critérios constitucionalmente

definidos, competências extraordinárias, suplementares àquelas atualmente

fixadas na Constituição da República para essa espécie de entidade federativa,

não extensíveis aos demais Municípios desprovidos desse status.

A idéia da criação desse Município se deu, basicamente, em virtude da

premente necessidade de se apresentar inovadoras alternativas ao pacto

federativo brasileiro, e, em especial, ao seu contraproducente sistema de

partilha de competências entre Estados-membros e Municípios, de forma a se

permitir o desenvolvimento, tanto social quanto econômico, de regiões

importantes para o país.

De fato, atentando-se para o cenário político nacional, verifica-se que,

rotineiramente, os prefeitos de megalópoles como Rio de Janeiro e São Paulo,

sabedores do peso político de seus Municípios, estão em eterna competição

com os governadores dos respectivos Estados, gerando, com isso, um

ambiente de pouca ou nenhuma cooperação; o que acaba por inviabilizar a

satisfação dos fins públicos.

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Por isso, e sempre tendo em conta a importância de determinados Municípios

para o cenário nacional, seja pela concentração populacional, seja pela

arrecadação de impostos, ou ainda pelo produto interno bruto, optou-se por

seguir uma alternativa que, há muito, é utilizada em outros países: a outorga, a

determinadas localidades, de algumas competências e arrecadações

semelhantes a de um Estado, Distrito Federal ou “Estado não dividido em

municípios”60.

Aspecto interessante dessa alternativa, e que revela seu traço distintivo da

desfusão, é o fato de que o município especial continuará a pertencer ao

Estado de origem, somente lhe sendo transferida parcela da arrecadação

estadual local e as competências estratégicas para a respectiva autonomia da

região, que, neste estudo preliminar, seriam apenas segurança, saúde,

ensino61 e transporte público de massa que atravesse o território do município especial (por exemplo, Metrô e Veículo Leve sobre Trilhos – VLT62).

Conseqüentemente, o município especial não terá representantes no

Parlamento Federal, permanecendo seus cidadãos a votar nos representantes

da respectiva unidade federativa (Estado) do qual é ele parte integrante.

Muito se discutiu qual ou quais os critérios que seriam utilizados para se

conferir a uns, e a outros não, esse status de município especial. Prevaleceu

o critério populacional, que, segundo constatou-se na parte econômica deste

trabalho, é o que melhor justifica essa legítima quebra da isonomia entre os

Municípios que compõe nossa Federação.

No entanto, e apesar da viabilidade econômica da criação do município especial, ao se falar em modificação de competências de entes federativos -

como se dará no caso -, o maior obstáculo que se apresenta é o pacto

60 Tal como aventado no inciso II, do artigo 18 do Código Tributário Nacional. 61 A idéia desenvolvida neste trabalho é transferir à competência exclusiva do município especial a responsabilidade pelo ensino fundamental e médio, desonerando-se o Estado e mantendo-se intocadas as competências federais. Entretanto, a proposta de criação do município especial aproada pelo legislativo municipal poderá, se for o caso, manter intocada a competência estadual quanto a educação, o que será detalhado mais adiante. 62 A primeira proposta de construção de um VLT surgiu em 1999 por proposta do Poder Executivo da Cidade do Rio de Janeiro. Todavia, esse transporte foi concebido desconectado da rede de transporte público de massa já existente (metrô), pois este último era, e ainda é, concessão estadual e o VLT municipal.

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federativo e as limitações por ele estabelecidas ao Poder de Reforma

Constitucional.

Essa a questão que se passa a tratar agora.

VII.3 PREMISSAS TEÓRICAS

Constitucionalismo

Conforme observa Jorge Miranda, “em qualquer Estado, em qualquer época e

lugar, encontra-se sempre um conjunto de regras fundamentais, respeitantes à

sua estrutura, à sua organização e à sua actividade – escritas ou não escritas,

em maior ou menor número, mais ou menos simples ou complexas. Encontra-

se sempre uma Constituição como expressão jurídica do enlace entre poder e

comunidade política ou entre sujeitos e destinatários do poder”63.

Apesar de impecável essa observação, o constitucionalismo, da forma como o

concebemos hoje, é fruto da idéia de Constituição escrita e rígida, somente

estabelecida com a independência das 13 Colônias Norte-americanas (1787) e

a Revolução Francesa (1791).

Ainda sob a ótica contemporânea, pode-se conceituar a Constituição como a

Lei Fundamental de um Estado, que serve a um só tempo de parâmetro e

substrato de validade de todo o ordenamento jurídico. Por meio dela se

estabelece a estrutura básica do Estado; sua forma de governo; a instituição, a

aquisição, o exercício e divisão dos poderes políticos; e os direitos e garantias

individuais dos cidadãos.

Para J.J. Gomes Canotilho, o conceito ideal de Constituição “identifica-se

fundamentalmente com os postulados políticos-liberais, considerando-os como

elementos materiais caracterizadores e distintivos os seguintes: (a) a

constituição deve consagrar um sistema de garantias da liberdade (esta

essencialmente concebida no sentido do reconhecimento de direitos individuais

e da participação dos cidadãos nos actos do poder legislativo através do

parlamento); (b) a constituição contém o princípio da divisão de poderes, no

63 Jorge Miranda. Manual de Direito Constitucional, tomo II, 3ª ed, Coimbra Editora, p. 13

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sentido de garantia orgânica contra os abusos dos poderes estaduais; (c) a

constituição deve ser escrita (documento escrito)”64.

Esse conceito de Constituição até aqui exposto é conhecido doutrinariamente

como “material”, porquanto a define a partir de seu conteúdo.

Assim, Constituição material pode ser definida como o conjunto de regras

jurídicas intimamente ligadas à estrutura fundamental do Estado, estejam elas

incluídas ou não em um único documento65.

Todavia, é com o chamado conceito formal de Constituição que esta se

consagra definitivamente na ciência política moderna. Por esse conceito, o

conteúdo das normas veiculadas - se tipicamente constitucionais ou não -

pouco interessa, mas sim a forma constitucional adotada.

Em outras palavras: gozará do status de norma constitucional tudo aquilo que

vier a ser veiculado na Constituição, documento escrito, dotado de supremacia

hierárquica sobre todo o ordenamento jurídico, solenemente estabelecido pelo

Poder Constituinte Originário.

A Constituição formal, destarte, contém normas que são materialmente

constitucionais, isto é, normas que tratam da estrutura do Estado, e ainda

normas que, por simples escolha do Constituinte, passaram a ter supremacia

diante do ordenamento jurídico (formalmente constitucionais)66.

Segundo aponta a melhor doutrina, apenas à Constituição formal (documento

escrito) pode ser atribuída essa supremacia sobre o ordenamento jurídico.

Normas materialmente constitucionais, quando não incluídas no corpo da

Constituição, não gozarão dessa supremacia; ao menos não juridicamente67.

Como decorrência lógica desse raciocínio, é condição sine qua non para a

supremacia da Constituição que seja ela escrita, tal como indicado no conceito

ideal de Constituição formulado por Canotilho acima transcrito, assim como que

64 J.J. Gomes Canotilho. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993. 65 Assim, podem existir regras e princípios jurídicos materialmente constitucionais veiculados por meio da legislação infraconstitucional ou ainda dos costumes. 66 A Constituição brasileira é um exemplo clássico. 67 A doutrina costuma atribuir a essas normas apenas uma superioridade filosófica.

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estabeleça, para sua modificação (emenda), um procedimento mais solene e

dificultoso do que o existente para as demais espécies normativas (rigidez)68.

De fato, permitida a alteração das normas veiculadas na Constituição pelo

procedimento legislativo ordinário, não haveria como se cogitar em

superioridade dela frente às demais normas.

A propósito, é oportuno destacar que é justamente a superioridade

Constitucional, garantida pela rigidez do procedimento de alteração de suas

normas, que permite ao Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade das

normas com ela incompatíveis.

No caso específico da Constituição brasileira, mais do que rígida, é ela super-

rígida, assim considerada porque, além de prever um procedimento mais

complexo para a emenda de suas normas69, excepcionalmente estabelece a

imutabilidade de determinados princípios e regras (artigo 60, parágrafo 4º),

usualmente chamadas de cláusulas pétreas.

Dentre os pontos imutáveis da Constituição brasileira está a forma federativa

de Estado. Antes, porém, de se adentrar na discussão do federalismo como

cláusula pétrea, necessário se faz, até por uma questão de clareza de

exposição, discorrer brevemente sobre as peculiaridades do poder de reforma

constitucional e seus limites explícitos e implícitos.

Poder Constituinte e a Mudança Constitucional

Sem se trazer à tona a discussão travada entre as teorias clássica e moderna,

a doutrina predominante define o Poder Constituinte como sendo o poder de

criar e modificar uma Constituição.

Em vista disso, reparte-se o Poder Constituinte em Originário e Derivado,

sendo aquele o poder de criar e este o de modificar uma Constituição.

68 Em contraposição às Constituições rígidas estão as Constituições flexíveis, estas em regra não escritas. É comum na doutrina associar-se à idéia de Constituição flexível o modelo inglês (constituído por normas esparsas e costumes fixados ao longo de séculos) e de Constituição rígida ao modelo norte-americano, derivado de um documento escrito e solene promulgado na Convenção de Filadélfia. 69 A Constituição brasileira estabelece, no parágrafo 1º do artigo 60, que a proposta de emenda constitucional “será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros”.

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A titularidade do Poder Constituinte Originário pertence ao povo, sendo

exercida tanto diretamente por ele como70 por meio de seus representantes

escolhidos para compor a Assembléia Constituinte71.

Por ser a manifestação soberana da vontade política de um povo, social e

juridicamente organizado72, o Poder Constituinte Originário caracteriza-se por

ser inicial, ilimitado e incondicionado.

Inicial, porque inaugura um novo ordenamento jurídico. Ilimitado, porquanto

não está submetido à restrições e limites prescritos pelo Direito Positivo

anterior. Incondicionado, pois não está sujeito à formas e modos de

exteriorização previstas pelo Direito Positivo, ou seja, não tem que seguir

qualquer procedimento determinado.

Essas características do Poder Constituinte Originário são bem sintetizadas por

Canotilho:

“(...) o poder constituinte, na teoria de Siéyes, seria um poder inicial, autônomo e omnipotente. É inicial porque não existe, antes dele, nem de facto nem de direito, qualquer outro poder. É nele que se situa, por excelência, a vontade do soberano (instância jurídico-política dotada de autoridade suprema). É um poder autônomo: a ele e só a ele compete decidir se, como e quando, deve dar-se uma constituição à Nação. É um poder omnipotente, incondicionado: o poder constituinte não está subordinado a qualquer regra de forma ou de fundo”73.

O Poder Constituinte Derivado, a contrário sensu, apresenta-se como derivado,

subordinado e condicionado. É derivado, porque retira sua força do Poder

Constituinte Originário (leia-se, da Constituição); subordinado uma vez que se

encontra limitado pelas normas expressas e implícitas do texto constitucional,

70 Confira-se o artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleito, ou diretamente, nos termos desta Constituição”. 71 Além da Assembléia, o Poder Constituinte pode se manifestar pelo método da outorga. O que diferencia um de outro é que, no primeiro, há participação popular na elaboração da Constituição; no segundo, a Constituição é imposta ao povo, sem que este participe de sua formação. 72 Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, 12ª ed. P. 54. São Paulo: Atlas, 2002. 73 J.J. Gomes Canotilho. Direito Constitucional, p. 94. Coimbra: Almedina, 1993

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73

às quais não poderá contrariar, sob pena de inconstitucionalidade; e, por fim,

condicionado porque seu exercício deve seguir as regras previamente

estabelecidas no texto da Constituição Federal74.

É importante ressaltar que, quando o Estado se define sob a forma de uma

federação, o Poder Constituinte Derivado se reparte, por sua vez, em

Reformador e Decorrente. O primeiro identificado pelo poder de modificar a

Constituição e o segundo como o poder de complementar a obra constitucional

no âmbito dos membros da federação (poder de editar a Constituição

Estadual).

Assim, sob a ótica dos membros da federação, haverá um Poder Derivado

Decorrente Originário (para criar a Constituição Estadual) e um Poder Derivado

Decorrente Reformador (para modificar a Constituição Estadual).

Vale abrir parêntese para esclarecer que, em momento oportuno, veremos que

uma das exigências do princípio federativo é a capacidade outorgada aos

membros do grupo de se auto-organizarem, criando suas próprias

Constituições, subordinadas estas, evidentemente, à Constituição total do

Estado.

Pois bem. Essa breve introdução sobre o Poder Constituinte é fundamental

para se melhor compreender os processos de mudança constitucional, assim

compreendida quaisquer alterações da Constituição, sejam elas formais ou

informais.

A mudança informal da Constituição, também chamada de mutação

constitucional, “consiste na alteração, não da letra ou texto expresso da norma,

mas sim do significado, do sentido e do alcance das disposições

constitucionais, através ora da interpretação judicial, ora dos costumes, ora das

leis, alterações essas que, em geral, se processam lentamente, e só se tornam

claramente perceptíveis quando se compara o entendimento atribuído às

cláusulas constitucionais em momentos diferentes, cronologicamente afastados

um do outro, ou em épocas distintas e diante de circunstâncias diversas”75.

74 Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, 12ª ed. P. 57. São Paulo: Atlas, 2002. 75 Anna Cândida da Cunha Ferraz. Processos Informais de Mudança da Constituição, p. 9. São Paulo: Max Lemonad.

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74

A mudança formal, também chamada de reforma, como o nome já deixa

transparecer, consiste na alteração da letra ou texto expresso da Constituição.

Apesar de não possuírem contornos precisos, costuma-se diferenciar como

espécies de reforma a revisão e a emenda.

No caso específico do Constituinte brasileiro, verifica-se que a revisão é uma

reforma constitucional planejada, em momento definido no próprio texto

constitucional76, ao passo que a emenda é uma reforma a ser realizada de

acordo com as exigências da sociedade sem um momento pré-definido.

Interessa-nos, sobre este ponto, abordar com maior profundidade os limites,

explícitos e implícitos, à reforma da Constituição, notadamente porque a

instituição do município especial deverá ser feita necessariamente por meio

de emenda no texto constitucional.

A limitação, como já adiantado acima, denota que o Poder Constituinte

Derivado Reformador se encontra submetido às restrições preceituadas na

Constituição da República, as quais, mencione-se desde já, se encontram

veiculadas no artigo 60, parágrafos 1º e 4º. Para uma melhor clareza de

exposição, pedimos vênia para transcrevê-los:

“Art. 60. (...) Parag. 1º. A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. Parag. 4º. Não será objeto de deliberação, a proposta de emenda tendente a abolir:

I. a forma federativa de Estado; II. o voto direto, secreto, universal e periódico; III. a separação dos Poderes; IV. os direitos e garantias individuais.

Da transcrição acima, verifica-se que o Constituinte brasileiro de 1988 apenas

estabeleceu limitações circunstanciais (impedem a reforma constitucional

durante determinadas circunstâncias excepcionais) e materiais, também

76 Nesse sentido, confira-se o artigo 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT: “A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contado da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral”.

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denominadas cláusulas pétreas, as quais impedem a reforma (tanto emenda

quanto revisão77) sobre determinadas matérias78.

É indispensável frisar que, além dos limites materiais explícitos (cláusulas

pétreas), doutrina e jurisprudência são tranqüilas em afirmar a existência de

limitações materiais implícitas, a saber: (i) mudança da titularidade do Poder

Constituinte; (ii) alteração do processo legislativo para a edição de emendas

constitucionais; (iii) impossibilidade de supressão dos limites materiais

explícitos.

De fato, se ao poder reformador fosse permitido eliminar seus próprios limites

explícitos, não seria ele um poder limitado. Da mesma forma, se fosse possível

alterar o processo de formação das emendas, a Constituição, rígida, poderia

passar a flexível, o que contraria frontalmente a vontade do Constituinte

Originário.

Em arremate, cumpre mencionar que não pretendemos neste trabalho

identificar todos os limites ao poder de reforma, apenas aqueles que afetem

diretamente a criação do município especial. Por isso, voltaremos agora

nossa atenção ao limite material que impede a eliminação da forma federativa,

que, como visto, é consagrada como uma cláusula pétrea.

Federalismo

Não é possível discorrer atualmente sobre o federalismo sem se mencionar os

Estados Unidos da América, berço do moderno Estado Federal:

“Mais, c’est avec la révolucion américaine que commence l’histoire moderne du fedéralisme. La rupture avec la tradicion s’inscrit dès lê préamble de la déclaration d’indépendance, ‘nous lê peuple dês Etats-Unis ...’. Cette expression signifie que la

77 Com relação às limitações materiais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal salienta que, malgrado o artigo 60, parágrafo 4º, faça menção à “emenda”, e não também à revisão, as limitações materiais compreendem ambas as formas de manifestação do Poder Constituinte Derivado Reformador (ADIN nº 981, rel. Min. Néri da Silveira, DJU 05.08.94). 78 Além dessas duas espécies, outros ordenamentos jurídicos admitem limitações temporais, por meio das quais se impede a reforma constitucional durante certo intervalo de tempo.

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76

nouvelle union a pour sujets non pás des cités, de sociétés ou de états mais des citoyens”79

De fato, o modelo contemporâneo de Federação foi concebido na Convenção

de Filadélfia (1787), quando se substituiu o modelo Confederativo80,

inicialmente adotado pelas 13 ex-colônias inglesas – incapaz de resolver os

problemas dos estados partícipes, especialmente no campo legislativo e nas

esferas econômica e militar -, pela federação.

A federação é um “modo de o Estado dispor o seu poder em face de outros

poderes de igual natureza (em termos de coordenação e subordinação) e

quanto ao povo e ao território (que ficam sujeitos a um ou a mais de um poder

político)”81.

Tradicionalmente, a federação se caracteriza pela união de Estados que,

abrindo mão de sua soberania, delegam limitados e enumerados poderes para

um governo comum (União), resguardando para si as competências

remanescentes e autonomia; o que se dá mediante um pacto indissolúvel

consubstanciado em um documento solene (Constituição Federal).

“Exsurge a Federação como a associação de Estados (foedus foederis) para a formação de novo Estado (o federal) com repartição rígida de atributos da soberania entre eles. Informa-se seu relacionamento pela ‘autonomia recíproca da União e dos Estados, sob a égide da Constituição Federal’ (Sampaio Dória), caracterizadora de sua igualdade jurídica (Ruy Barbosa), dado que ambos extraem suas competências da mesma norma (Kelsen)”82.

Assim, o Estado Federal é o todo, dotado de personalidade jurídica de direito

público internacional. A União é a entidade federal formada pela reunião das

partes componentes, constituindo pessoa jurídica de direito público interno, 79 Maurice Croisat. Lê Fedéralisme dans lês Démocraties Contemporaines, p. 14. Paris: Montchrestien, 1992. “Mas é com a revolução americana que começa a história moderna do federalismo. A ruptura com a tradição é inscrita no preâmbulo da declaração da independência: ‘... nós o povo dos Estados Unidos ...’. Essa expressão significa que a nova união tem por sujeitos não cidades, sociedades ou estados, mas os cidadãos” (tradução livre) 80 Diversamente de uma Federação, a Confederação é composta pela união de estados que, a despeito do pacto, permanecem soberanos. 81 Jorge Miranda. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 82 Geraldo Ataliba. República e Constituição, p. 10. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985.

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autônoma em relação aos Estados-membros e à qual compete exercer a

soberania e representar o Estado Federal no plano internacional. Os Estados-

membros, por sua vez, compõem a Federação e são dotados de autonomia83.

É impositivo mencionar que soberania e autonomia não são sinônimos.

Soberania é a capacidade de autodeterminar-se, de forma a não se sujeitar a

qualquer outro poder, especialmente no plano internacional. Autonomia, por

sua vez, é caracterizada pelo somatório de três atributos: autogoverno,

autolegislação e auto-administração.

O autogoverno consiste na aptidão de tomar decisões políticas, notadamente

elaborar sua própria Constituição; autolegislação, na possibilidade de editar leis

que terão aplicação na sua área territorial; e auto-administração, na capacidade

de executar as leis que editar, gerir seu próprio pessoal e prestar os serviços

de sua competência.

A capacidade de se autogovernar, porém, não se restringe apenas a uma

descentralização administrativa; vai além, conferindo aos Estados-membros o

poder de estabelecer suas respectivas leis fundamentais, nos limites fixados

pela Carta Federal.

Além dessa descentralização política, importa destacar para os fins deste

trabalho que a autonomia pressupõe a transferência de competências aos

Estados-membros, tanto para execução de políticas públicas, como também

para a arrecadação de tributos que permitam a ela efetivamente desempenhá-

las84.

“Na verdade, a existência de rendas suficientes é que vivifica a autonomia dos entes federados e os habilita a desempenhar suas competências”85.

Tanto a descentralização política quanto a repartição de competências entre os

entes federativos são princípios configuradores do Estado Federal86.

83 José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 100, 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 84 Ao lado dessas duas características marcantes do sistema federal, há outra que não se pode deixar de mencionar: a participação política dos Estados-membros na formação da vontade nacional. 85 Fernanda Dias Menezes Almeida. Competências na Constituição de 1988, p. 30. São Paulo: Atlas, 2002.

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Peculiaridades do Modelo Federal Brasileiro

Feitas essas abstratas considerações sobre o sistema federal, voltemos agora

nossa atenção ao modelo brasileiro de federação.

Como argutamente notado por Celso Ribeiro Bastos87, a federação brasileira

possui algumas peculiaridades que a diferenciam do modelo tradicional de

federação.

A primeira delas consistente no fato de que a federação brasileira se deu de

cima para baixo. Diz-se isso porque, diversamente do caso norte-americano,

em que Estados independentes, através de um acordo, optaram por se unir,

cedendo parcela de seu poder ao novo ente que surgiu, no caso brasileiro, ao

invés de diversos Estados tínhamos um só. Somente depois de proclamada a

República e a Federação, por meio do Decreto nº 1 de 1889, é que se viu a

necessidade de se criarem os Estados-membros.

A concentração de poderes nas mãos da União é fruto dessa primeira

peculiaridade, que fez com que os Estados-membros jamais tenham alcançado

uma real autonomia.

A segunda peculiaridade reside na criação de entes federativos além dos

Estados: os Municípios88.

Não obstante o Município brasileiro ser juridicamente criado através de lei

estadual, é ele um ente integrante da Federação, possuindo, tal qual os

Estados, autonomia definida no próprio ordenamento constitucional federal.

“Situação particularíssima vem a ser a do Brasil, onde se articulam federalismo em nível de Estados e regionalismo político em nível de Municípios. Segundo a Constituição de 1988, a organização político-administrativa da República compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos (...) Os Municípios

86 Ao lado dessas duas características marcantes do sistema federal, há outra que, apesar de desinfluente para este trabalho, não se pode deixar de mencionar: a participação política dos Estados-membros na formação da vontade nacional. 87 Curso de Direito Constitucional, p. 155. São Paulo: Saraiva, 1998. 88 Diversos doutrinadores, dentre eles José Afonso da Silva, Raul Machado Horta e Manuel Gonçalves Ferreira Filho, criticam a inclusão dos Municípios como entes federativos. Sustentam, basicamente, a ausência de participação na formação da vontade nacional, assim como a ausência de território próprio.

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são, pois, entidades políticas integrantes da estrutura do Estado (...)”89

Da mesma forma que os Estados-membros, os Municípios gozam de

autonomia, valendo mencionar que o poder de autogoverno municipal é

exercido por meio de Lei Orgânica, a qual encontra limites nos princípios

estabelecidos na Constituição Estadual e na Constituição Federal.

Como visto, a autonomia dos entes da federação pressupõe a repartição de

competências, de forma a lhes permitir que exercitem sua capacidade de

autolegislar e auto-administrar.

Para dar conta dessa estrutura federal ímpar, a Constituição Federal elaborou

um complexo sistema de partilha de competências, que combina competências

exclusivas, privativas e principiológicas, com competências comuns e

concorrentes, de molde a buscar um equilíbrio entre os entes-federativos.

Nas palavras de José Afonso da Silva90, competência “é a faculdade

juridicamente atribuída a uma entidade ou a um órgão ou agente do Poder

Público para emitir decisões” .

O princípio que norteia a repartição de competências na Constituição Federal é

o da predominância do interesse, cabendo à União as competências de

interesse nacional; aos Estados as de interesse regional e aos Municípios,

finalmente, as de interesse local91.

Tendo em conta essa regra, a Constituição cria um sistema em que enumera

taxativamente as competências da União (arts. 21 e 22), deixando

competências remanescentes para os Estados (art. 25, parágrafo 1º), e

poderes definidos indicativamente para os Municípios (art. 30).

É de ressaltar-se, ainda, que as competências podem ser divididas em dois

grupos: legislativas e não-legislativas. As legislativas podem ser de natureza

exclusiva92, privativa93 e concorrente94. As não-legislativas95, constantes dos

89 Jorge Miranda. Teoria do Estado e da Constituição, p. 311. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 90 José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 477, 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 91 Não é demais frisar que, em certos casos, é muito difícil diferenciar essas espécies de interesse. 92 Não admitem delegação (artigo 25, parágrafos 1º e 2º).

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artigos 21 e 23, podem ser exclusivas e comuns – nos parece desnecessário

conceituá-las.

Cumpre mencionar, finalmente, que além das competências expressas,

doutrina e jurisprudência admitem competências implícitas, assim consideradas

aquelas necessárias para o exercício dos poderes expressos.

VII.4 LIMITES E POSSIBILIDADES À REDISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA SOBERANIA POPULAR

Estabelecidas as premissas teóricas, passemos ao cerne do problema, o qual

pode ser compreendido com a seguinte pergunta: A supressão parcial de

competências de um Estado-membro em favor de determinado Município

(município especial), ainda que somente no espaço territorial deste Município,

viola o pacto federativo?

Sem nos esquecermos que essa questão é polêmica e que, por certo,

encontrará ferrenhos opositores, adiantamos que, a nosso ver, a resposta a

essa pergunta é negativa, desde que preservado o núcleo essencial do

princípio federativo e efetuada a respectiva criação por meio de emenda

constitucional, posteriormente aprovada por referendo popular.

O sistema federativo de Estado, como demonstrado acima, se caracteriza,

dentre outros fatores, pela autonomia dos Estados-membros, a qual, por sua

vez, pressupõe a distribuição de competências políticas, administrativas e

legislativas.

Autonomia e distribuição de competências são caracteres inerentes ao pacto

federativo, o qual, nos termos do artigo 60, parágrafo 4º, da Constituição

Federal, é identificado como uma cláusula pétrea representativa de uma

limitação material ao Poder Constituinte Derivado Reformador.

No entanto, o simples fato de um princípio ser tratado como cláusula pétrea

não significa sua imutabilidade. A propósito, tal observação foi muito bem

levantada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal:

93 Admite delegação (artigo 22 e respectivo parágrafo) 94 Essa espécie de competência se caracteriza pelo fato de caber à União editar normas gerais e aos Estados suplementar essas normas gerais (artigo 24, parágrafos) 95 Também chamadas de competências materiais.

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“Reitero de logo que a meu ver as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, parágrafo 4º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege”. (destacamos, MS23047, citado na ADI-MC 2024/DF)

Em reforço ao que ora se sustenta, vale frisar que o próprio parágrafo 4º do

artigo 60 da Constituição Federal deixa transparecer que o pretendido com as

cláusulas pétreas é evitar “propostas de emendas constitucionais tendentes a

abolir” a forma federativa de Estado.

Abolir significa “extinguir, eliminar, suprimir”96. Assim, o que se visa a

resguardar é a forma federativa tal como concretamente concebida pelo Poder

Constituinte Originário, evitando-se, com isso, que se subverta por completo o

modelo por ele delineado, mediante a adoção de outra forma de Estado, como

por exemplo o unitário, ou a demasiada restrição da autonomia e da

participação política dos entes federados, gerando um desequilíbrio entre

estes.

Em outras palavras o núcleo essencial a ser preservado é a capacidade dos

Estados-membros de se autogovernar, autolegislar e auto-administrar, assim

como o princípio da participação política destes na formação da vontade

nacional. Mantidos esses princípios conformadores97, preservada estará a

forma federativa.

A esse respeito, importante destacar outro trecho do voto proferido pelo

Ministro Sepúlveda Pertence, verbis:

“Nessa linha, faz pouco, ao votar na ADIN 1.749, pude acentuar: ‘Na Adin 98, a propósito do princípio da separação e independência dos poderes, permiti-me algumas digressões para mostrar que tais princípios constitucionais, quando consagrados na Constituição Federal e impostos à observância dos

96 Dicionário Aurélio, versão eletrônica 3.0. 97 São, segundo Canotilho, princípios conformadores porque vinculam a organização da sociedade.

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Estados, ou mesmo transformados em cláusula pétrea, não são conceitos abstratos: o conteúdo positivo deles há de ser extraído da versão concreta da separação de poderes ou da Federação acolhida na Constituição mesma. Isso não significa, a meu ver, que, no dimensionamento de tal cláusula de intangibilidade, se tenham petrificado todos os pormenores constitucionais relativos à Federação, de tal modo que qualquer alteração deles, como na distribuição de renda ou dos encargos a cada um dos entes federativos, significasse violação ao limite material do poder de reforma constitucional’”. (destacamos, MS23047, citado na ADI-MC 2024/DF)

Em perfeita sintonia com o que se está a expor, vale aqui mencionar que a

Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, em parecer

relatado pelo Deputado Michel Temer, aprovou recentemente a Proposta de

Emenda Constitucional nº 157-A, cujo objeto é a “Convocação de Assembléia

de Revisão Constitucional”.

Dentre as matérias que serão objeto da eventual Revisão Constitucional, caso

a proposta venha a ser transformada efetivamente em emenda constitucional,

está justamente “a organização e as competências das unidades da

federação”.

No parecer que embasou a aprovação da proposta, o ilustre Deputado relator

consignou que

“Em algumas matérias o constituinte pretendeu perenidade e imutabilidade. Tal é o caso daquelas elencadas no art. 60, parágrafo 4º: forma federativa, separação de poderes, voto direto, secreto e universal para todos, direitos e garantias individuais. E, mesmo neste caso, embora tenha pretendido a imodificabilidade não são poucas as vozes doutrinárias que já sustentam a possibilidade de alterações pontuais em cada um desses temas desde que se garanta o princípio por eles estabelecidos. Exemplificando: não há violação ao princípio federativo se houver alteração de competências tributárias entre os entes federativos. Seja: se a autonomia dos entes federativos persiste nada importa que haja uma redução competencial de um deles em favor do outro.” (destacamos)

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Parece-nos, assim, um exagero se pretender extrair da norma constitucional

uma suposta imutabilidade da partilha de competências fixadas pelo Poder

Constituinte Originário.

Mais exagerado ainda nos parece essa imutabilidade se levarmos em conta

que a partilha de competências é determinada pela conjuntura histórica,

econômica, social e, até mesmo, cultural predominante quando da Assembléia

Constituinte; conjuntura essa que, com o passar do tempo, tende naturalmente

a se modificar.

Dessa forma, a imutabilidade, a pretexto de preservar a forma federal de

Estado, acabaria por criar um grande hiato entre a Constituição Federal e a

realidade social. Daí a oportuna advertência feita pelo Ministro Sepúlveda

Pertence, ainda no julgamento da ADI 2024/DF:

“Convém não olvidar que, no ponto, uma interpretação radical e expansiva das normas de intangibilidade da Constituição, antes de assegurar a estabilidade institucional, é a que arrisca legitimar rupturas revolucionárias ou dar pretexto fácil à tentação dos golpes de Estado”. (destacamos)

Afora isso, a partilha de competências há que ser pautada pela eficiência e

pelo interesse público, de forma a assegurar, tal como proposto no preâmbulo

constitucional, a segurança, o bem-estar e o desenvolvimento nacional.

E é isso que se espera com a criação do município especial. Em busca de

maior eficiência e qualidade na execução das políticas públicas, notadamente

segurança, transporte de massa, saúde e ensino fundamental, pretende-se

que, apenas no âmbito territorial do município especial, essas competências

(as duas primeiras pertencentes ao Estado e as outras duas comuns) sejam

transferidas a este98.

Com essa proposta, nem mesmo se poderá falar propriamente em perda de

competência por parte do Estado-membro, mas, tão-somente, em restrição de

sua competência em determinada área territorial: a do município especial.

A bem da verdade, se bem observado, a não ser pelo fato de se tratarem de

entes federais de diferentes graus (Estados e Municípios), a idéia de

98 Mais adiante será abordada cada uma das propostas.

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transferência de competências que ora se propõe é similar à hipótese de

subdivisão de Estado-membros, expressamente autorizada pelo texto

constitucional (art. 18, parag. 3º), por meio da qual, ainda que indiretamente, o

Estado dividido acabará por perder substancial parcela de suas competências

para o Estado recém criado.

Sem dúvida, não há qualquer violação ao núcleo essencial do pacto federativo,

nem, muito menos, qualquer proposta tendente a abolir a forma federativa.

Há que se considerar, por outro lado, que a divisão de competências entre os

entes federativos também tem por base a vontade popular, valendo

transcrever, para se melhor contextualizar a afirmação, o preâmbulo da

Constituição de Federal de 1988, verbis:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (destacamos)

Mesmo nos Estados Unidos, modelo original de federação, a Constituição

Federal deixa claro que se trata de uma criação do povo. O povo é que elabora

a sua Constituição e define o Estado que deseja; é dele a titularidade do Poder

Constituinte Originário.

Em sintonia, dispõe o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal que

“todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos

ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Essa norma deixa transparecer dois significados: o primeiro, já mencionado

antes, de que é o povo o titular do Poder Constituinte. O segundo, de indicar

um poder constituinte latente que pode ser convocado para convalidar atos

regulares, autorizados pela Constituição, ou outros que, embora constantes de

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cláusula pétreas, possam ser alterados sem que se revogue o princípio nelas

contido99.

De fato, ao contrário das Constituições anteriores, a Constituição de 1988

adotou a representação popular direta, cabendo ao povo, não apenas a

titularidade do Poder Constituinte Originário, mas também o seu efetivo

exercício, por meio de referendos, plebiscitos e a iniciativa de projeto de leis100.

Sobre o princípio da soberania popular, é pertinente destacar o arguto

comentário de Celso Ribeiro Bastos:

“Não se pode admitir que a Constituição brasileira fique atrasada e aprisione o desenvolvimento em virtude de uma fragilidade política de determinada época. Se naquele tempo não se pode implementar uma verdadeira revisão, que se faça outra. A necessidade é evidente, haja visto o ritmo de aprovação de emendas (de altíssimo custo político) e o desejo da população de um Estado mais moderno, que seja capaz de atender seus anseios. A reeleição, em primeiro turno de um Presidente da República compromissado com estas reformas deixa clara a vontade popular acerca do tema. É certo, também, que não se pode descurar dos aspectos jurídicos que tal proposta traz consigo (...) No entanto, em havendo aprovação popular direta, não há nada que não possa ser alterado na nossa Constituição, haja visto que seu artigo primeiro estabelece que todo poder emana do povo. O Poder Constituinte está sempre adormecido nos braços do povo e, a qualquer momento, poderá ele ser despertado (...) Ninguém nega que a Constituição é do povo. Aliás, aqueles que saem em defesa do poder Constituinte Originário, dizem que é preciso defender os ditames estabelecidos por este pois são conquistas populares, obtidas através dos representantes populares reunidos em assembléia. Mas o que dizer quando o povo está clamando por mudanças. Vai querer proteger o produto popular do seu próprio titular? Tal feito é sobretudo ilógico. O argumento que se arrima no fato de a Constituição ser intangível e ter algumas de suas cláusulas petrificadas por respeito á vontade popular acaba

99 Michel Temer, parecer à PEC 157-A. 100 Artigo 14 da Constituição Federal.

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por se mostrar fundamentador da posição inversa. Se é a vontade popular que legitima a inalterabilidade de algumas cláusulas constitucionais, ela (e somente ela) pode autorizar alterações (...) É certo, pois, que o Poder Constituinte Originário afastou do Congresso Nacional (poder constituído) a competência para alterar certas disposições constitucionais. Mas isso não significa que também o fez perante o povo. Até por uma falta de perspectiva eficacial, a Carta não retira do povo a possibilidade de alterá-la ou substituí-la. A soberania popular não é um poder constituído e, conseqüentemente, limitado juridicamente, mas é força anterior a este. Quando a Constituição faz referência a este não está criando-o, mas tão somente reconhecendo-o.”101

Pelo raciocínio que ora se está a desenvolver, e por entendermos que a

criação do município especial, de fato, mexerá no arcabouço federativo

definido pelo Poder Constituinte Originário, entendemos – até por louvor à

integração da vontade popular no processo político de reestruturação do

Estado – que a eventual emenda constitucional que venha a dispor sobre a

implementação e os requisitos para que um Município se habilite com o status

de plus deverá ser submetida a referendo popular.

E dizemos isso escorados, mais uma vez, e finalmente, no parecer do deputado Michel Temer apresentado à PEC 157-A, no qual, com a acuidade que lhe é peculiar, apresentou de forma tão completa a conclusão a que com tanto esforço tentávamos chegar:

“Esta é a primeira modificação ao projeto, que proponho em substitutivo, para que o povo, titular do poder constituinte originário, diga se está, ou não, de acordo com o texto revisado. Note-se que não proponho plebiscito. O plebiscito é meramente autorizativo para que alguém faça ou deixe de fazer; no referendo ele é autorizativo-valorativo porque o votante autoriza a aplicação de um preceito após fazer avaliação, após valorar o se conteúdo material. No referendo, o povo irá convalidar algo que já foi feito, já está escrito, e não autorizar algo que ainda

101 Celso Ribeiro Bastos, A reforma da Constituição: em defesa da Revisão Constitucional.

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não conhece. Deverá aprovar um texto pronto, perfeito e acabado. Para fazê-lo, examinará conteúdo. Não dará ‘cheque em branco’ aos eleitos, como ocorre no plebiscito mas examinará o produto do trabalho daqueles que elegeu. E dará, por isso mesmo, maior legitimidade às modificações constitucionais. Sem contar o seu extraordinário apelo cívico-educacional. A campanha pela aprovação, durante o referendo, fará com que todos conheçam a Constituição. Certa e seguramente debates, seminários, campanha por meio da imprensa e pela imprensa (editoriais, artigos) colaborariam nessa tarefa divulgatória. Seria instante de intensa participação popular. Sairíamos, quem sabe, da indesejável ‘fulanização’ política para o debate temático, muito mais importante para o país, do que saber se o Chefe de Estado ou do Parlamento machucou o tornozelo”.

O povo, assim, na qualidade de verdadeiro Constituinte Originário,

aprovará ou não a redistribuição de poderes entre os dois entes da federação

brasileira.

VII.5 PROCEDIMENTO E REQUISITOS À CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO ESPECIAL

É importante lembrar que o Município Autônomo ou município especial é

somente uma forma de se redistribuir competências e recursos entre o

Município que atingiu o status de plus102 e o Estado no qual ele está inserido103.

Para tanto, e como já adiantado acima, se revela indispensável a prévia edição

de emenda constitucional que autorize, defina os requisitos e estabeleça o

procedimento a ser adotado pelos Municípios para pleitearem e adquirirem o

status de plus.

Como requisito de legitimação, essa emenda constitucional seria, em seguida,

submetida a referendo popular104.

102 Considerados os exemplos internacionais relativos a megalópoles sugerimos o “corte” em 5 milhões de habitantes, isto é, as cidades susceptíveis a se transformar em município especial seriam aquelas com, no mínimo, população igual ou superior a 5 milhões de habitantes. 103 Nesse caso, estamos nos referindo a estado como unidade da federação. 104 Sobre o procedimento de referendo, pedimos vênia para remeter o leitor ao primeiro relatório jurídico elaborado, no qual se abordou com detalhes o procedimento para realização de plebiscito popular, cujas regras também são aplicáveis ao referendo.

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Requisitos. A nosso ver, a emenda constitucional deveria estabelecer os

seguintes requisitos105 para que os Municípios possam pleitear o status de

plus: (i) população igual ou superior a 5 (cinco) milhões de habitantes; (ii)

contas públicas equilibradas e histórico positivo de respeito à lei de

responsabilidade fiscal; e (iii) precatórios com atraso máximo de pagamento de

1 (um) ano.

Procedimento de requisição. Preenchidos esses requisitos, os Municípios

interessados submeteriam a respectiva proposta ao Senado Federal para que o

mesmo a homologasse106.

A referida proposta municipal de criação do município especial obedeceria a

parâmetros determinados pela Constituição e deveria ser aprovada por Lei

Municipal de iniciativa da Câmara dos Vereadores ou do Prefeito.

VII.6 POSSÍVEIS COMPETÊNCIAS DO MUNICÍPIO ESPECIAL

As competências do município especial devem ser escolhidas entre aquelas

em que (i) exista uma diferenciação na prestação do serviço na megalópole ou

(ii) exista uma dificuldade de convivência entre as autoridades ou entidades

municipais e estaduais no território do município candidato a plus.

Hoje essas competências são ou exclusivas do Estado em que está inserido o

“futuro” município especial ou são exercidas tanto pelo Estado quanto pelo

Município (comum).

Dividimos essas competências em: (i) essenciais; e (ii) burocráticas. As

essenciais são aquelas que têm uma conotação mais prática, pois são serviços

de natureza absolutamente necessária ou indispensável para a vida na

municipalidade, tais como: segurança, saúde, metrô e educação.

As burocráticas são aquelas que, apesar de possuírem menor importância e de

muitas vezes não serem prestadas diretamente ao cidadão comum, causam

grandes transtornos no dia-a-dia da municipalidade, especialmente em virtude

105 Sem prejuízo de outros que, ao longo do respectivo procedimento legislativo, se revelarem pertinentes. 106 Vale ressaltar que a homologação pelo Senado Federal seria um ato vinculado. Em outras palavras, o Senado apenas verificaria o preenchimento dos requisitos constitucionais.

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de divergências entre os órgãos estadual e municipal (e.g. autorizações

ambientais).

A proposta municipal de criação do município especial aprovada por Lei

Municipal poderia incluir todas as competências essenciais e burocráticas

autorizadas na emenda constitucional de criação do município especial ou

poderia se limitar a pleitear somente algumas delas. Dessa forma, cada

município especial poderia optar pelas competências mais importantes para si

em detrimento daquelas a que não deseja, conforme as respectivas

necessidades locais107.

Entendemos que seria interessante se limitar temporalmente a eventual

modificação da referida Lei Municipal para efeito de incluir ou excluir

competências do município especial (e.g. somente de 8 em 8 anos).

Conforme ocorrem no Brasil e em outros países do mundo as eternas

divergências entre os poderes executivos estaduais e municipais no que refere

as políticas públicas: (i) de segurança; (ii) de saúde; (iii) de transportes de

massa (por exemplo metrô e VLT); e (iv) ensino, poderiam ser mitigadas com a

“especialização” da competência alocada no ente local.

É importante frisar, desde já, que todas as competências federais

permanecerão intactas, pois um dos principais propósitos do município especial é “municipalizar” competências regionais (estaduais) e não federais.

Neste sentido, sugerimos como “teto” e “piso”, ou mínimo e máximo, as

seguintes competências exclusivas que podem ser atribuídas ao município especial:

(i) NA SEGURANÇA: no mínimo competência exclusiva sobre a

polícia ostensiva (Polícia Militar) e, no máximo,

competência exclusiva sobre a polícia ostensiva e sobre a

polícia judiciária (Polícia Civil);

107 Essa é uma das características mais interessantes das cidades ou regiões autônomas existentes no direito comparado, pois em grande parte dos países que adotam esse sistema há casuísmos regionais, isto é, é permitida a existência de regiões com regimes legais e competências distintas.

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(ii) NA SAÚDE: entendemos que o município especial deveria

ter, no âmbito de seu território, competência sobre todos os

hospitais estaduais (exceto sobre os hospitais

universitários pertencentes à universidade estadual);

(iii) NOS TRANSPORTES: no mínimo ter participação na decisão

de ampliação de qualquer sistema de transportes de

massa no âmbito de seu território (eventualmente pela

participação na indicação de conselheiros de agência de

serviços públicos concedidos) ou no máximo ter

competência exclusiva para conceder linhas desse

transporte no âmbito do seu território (Metrô e VLT); e

(iv) NO ENSINO: no mínimo ser o único responsável pelo ensino

fundamental e no máximo ser o único responsável pelo

ensino fundamental e médio108.

Vale enfatizar, ainda, o caso da segurança e do metrô, pois são áreas muito

polêmicas no que se refere à alocação ou concentração de recursos. Vejamos,

por exemplo, a hipótese de o governador estar entre o dilema de ampliar o

“metrô” da capital ou construir uma rodovia. Na maioria das vezes, esse dilema

sequer deveria existir, uma vez que, dada a concentração populacional na

capital, o investimento em transporte urbano de massa seria o mais indicado,

haja vista beneficiar maior número de pessoas; essa é típica decisão em que o

governante local deveria ter participação.

Apesar de o transporte público de massa também ter uma característica

regional o Poder Executivo do município especial deveria ter o condão de

conceder linhas, por exemplo, de metrô ou VLT, necessariamente conectadas

com qualquer outra já existente em seu território. A nosso ver, até mesmo a

concessão de linhas de metrô pelo poder estadual, no território do município

108 Pelo combinação do artigo 22, V, com o artigo 211 da Constituição Federal, verifica-se que não existe, hoje, constitucional não existem competências exclusivas em termos de ensino, mas sim critérios de prioridade, os quais não impedem os entes federativos de atuarem em todos níveis de ensino: “Art. 211 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. (...) Parágrafo 2º. Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. Parágrafo 3º. Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil”.

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especial, deveria ser atribuída ao poder municipal ou ter a participação

deste109.

O mesmo se pode dizer da segurança, uma vez que a logística da segurança

de megalópoles como Rio de Janeiro e São Paulo é totalmente diferente da

utilizada em qualquer outra uma fração territorial do país, necessitando, por

isso, de atenção especial. Nesse particular, nota-se que nos últimos anos as

polícias estaduais têm fracassado nessas megalópoles.

A redistribuição de recursos estaduais em benefício do município especial para sustentar suas novas atribuições deve ser objeto da emenda

constitucional (para estabelecer critérios) e da proposta municipal de criação

(para estabelecer o respectivo enquadramento no caso concreto).

Eventualmente, o município especial arrecadaria tais tributos no âmbito de

seu território ou o Estado repartiria suas receitas com base em critérios

econômicos a serem definidos.

“Ora, a autonomia Municipal ou é também financeira, ou não existe. A condição autonômica de nossas comunas, como até agora a temos compreendido e, como até agora, sob certos ângulos, ainda praticamos, representa a traição à verdade. Não basta deferir ao município emancipação política, e apenas emancipação política, se, concomitantemente, não se lhe dê outrossim emancipação econômica”110

Seja pela concentração dos investimentos, seja pela necessidade de

sofisticação das soluções, cidades como Rio de Janeiro, São Paulo,

Hamburgo, Bremen e Hong Kong geralmente têm dificuldade em ser geridas

como cidades “padrão”.

Por isso, acreditamos que a criação do município especial seja uma proposta

apta a solucionar essa dificuldade.

109 Nessa opção, o modelo brasileiro sugere a criação de uma agência de serviços públicos concedidos com seus conselheiros indicados pelo município especial e pelo Estado (conselho misto). 110 Arruda Viana. O Município e a sua Lei Orgânica, p. 15. São Paulo: Saraiva, 1950.

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VIII NOTAS FINAIS SOBRE OS ASPECTOS JURÍDICOS

“A igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.” Aristóteles (384 a.C – 322 a.C.)

A tradição brasileira de organização do estado nacional remonta originalmente

a matriz lusitana de um estado unitário de poder central fortalecido. Mesmo as

experiências atuais de descentralização administrativa naquele país são

recentes, localizadas e assimétricas.

Portugal está a obedecer a atual tradição européia de concessão de

autonomias, ou seja, é concedida quando necessária. Com o fim do Império do

Brasil, preferimos seguir o caminho trilhado pelos Estados Unidos da América,

através da concessão de autonomia simétrica para as unidades federativas,

consequentemente, essas concederam autonomia para as suas subdivisões

internas, nomeadamente, as cidades ou municípios.

“vê-se que no Brasil nunca chegamos a ter um self-government municipal. Toda a nossa evolução política se fez em torno das províncias [e dos estados]111.

O tempo vem demonstrando que a federação brasileira tem servido para

encobrir a velha tradição portuguesa de um estado unitário com poder

centralizado forte, enraizada na tradição legislativa e administrativa brasileira.

Na verdade, a nossa federação foi mais fruto de uma idéia do que resultado da

união de estados ou regiões.

Muito se fez no século passado para interiorizar o Brasil: o Presidente

Washington Luiz construiu estradas, o Presidente Juscelino Kubitscheck

construiu a nova capital em pleno cerrado do planalto central, os militares

criaram estados e construíram a transamazônica, nunca faltou política para o

desenvolvimento de áreas carentes. Todavia, pouco se planejou sobre o

desenvolvimento dos grandes centros. Resta-nos agora estabelecer as regras

de convivência dessas megalópoles com o estado brasileiro para possibilitar o

desenvolvimento de todos.

111 José de Castro Nunes, Do Estado Federado e sua Organização Municipal, Rio de Janeiro, Ed. Leito Ribeiro e Maurilho, 1920, pág. 49.

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O século XX acentuou as diferenças entre os estados e as cidades brasileiras

de forma praticamente irreversível. Seja pela prodigiosa transformação da

pacata São Paulo do século XIX em megalópole planetária, seja pela ex-

Guanabara que também se destaca como metrópole e insiste em ter um perfil

diferenciado do estado no qual está inserida.

Em relação ao Rio de Janeiro esse problema havia sido minimizado com a

criação do Estado da Guanabara, em 21 de abril de 1960, pois com a

transferência da capital federal para Brasília haveria uma queda natural na

atividade econômica e nos investimentos feitos na cidade pelo governo federal.

Afinal, a cidade-estado, tal qual o Distrito Federal, acumularia os tributos de

município e de estado com a vantagem de ser administrada por uma única

esfera de poder público, a esfera estadual; tratava-se de um estado não

dividido em municípios.

A partir da experiência internacional, em especial no caso da República Federal

da Alemanha, vimos que essa foi a solução encontrada pelo povo alemão, ou

seja, além da cidade capital (Berlin) eles também deram a condição de estado

as outras duas grandes cidades alemãs, Bremen e Hamburgo (duas pequenas

“Guanabaras”).

Essa seria uma boa solução, por exemplo, para a cidade de São Paulo, pois a

cidade se libertaria da necessidade de eventuais repasses estaduais e teria

representação própria junto ao Congresso Nacional. Não faltaria legitimidade

para a cidade de São Paulo alçar a condição de estado, pois tem riqueza,

população e importância muito maior que a maioria dos estados brasileiros.

O caso da cidade do Rio de Janeiro (Estado da Guanabara) e do antigo Estado

do Rio de Janeiro (sem a Guanabara) possui semelhanças com o exemplo

paulistano, pois se resolveriam as disputas entre os governos municipal e

estadual (comuns desde a fusão), livraria o ex-Estado do Rio de Janeiro de

aproximadamente 50% da atual população do estado e viabilizaria a

Guanabara, enquadrando essa última no status de megalópole que se tornou

cidade-estado. Entretanto, como já dito, o diferencial carioca decorre do fato de

que nos últimos 200 anos o Rio foi cidade-estado por mais de 170 anos e teve

a sua “anexação” ao antigo Estado do Rio de Janeiro realizada por meio de um

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ato de exceção do General Ernesto Geisel112 quando Presidente da República

no regime militar, isto é, o fim da cidade-estado carioca jamais foi legitimado.

A concepção do Município Autônomo ou Plus decorre de outras experiências

muito comuns em estados unitários como Espanha, Portugal e China. Nesses

estados a idéia de estabelecer regiões ou municipalidades concebidas de

forma totalmente assimétricas umas das outras foi a solução para os mais

diversos problemas de administração do estado nacional como um todo.

Nesse caso, o Município Autônomo ou Plus teria a prerrogativa de possuir mais

competências que os demais por motivações particulares que seriam

consubstanciadas e previstas na Constituição Federal.

Para que faça sentido e não se torne mais uma padronização com propósito

para alguns e sem propósito para outros, o Município Autônomo ou Plus teria

um piso e um teto de competências, que poderiam ser assumidas pela

municipalidade quando da elaboração da proposta e do pedido de

homologação ao Senado Federal como já descrito.

Esse município continuaria a pertencer ao estado ao qual faz parte, pois não se

pretende onerar o estado brasileiro com mais estados, deputados e senadores.

A idéia não é criar impostos ou estados, mas sim repartir competências e dividir

tributos já existentes em decorrência dessa repartição.

Precisamos assumir nossas assimetrias para o bem comum, pois em nada se

contribui para o futuro do país onerar ou inviabilizar regiões mais afastadas ou

megalópoles como, p. exemplo, Rio de Janeiro e São Paulo, que precisam de

segurança, saúde, educação e transporte de massa em escalas muito

superiores à média nacional.

Seja elevando as megalópoles (ou cidades e regiões especiais) à condição de

estado, como fez a Alemanha, ou dando mais autonomia, como fez a China,

Espanha e Portugal, é necessário tratar desigualmente os desiguais.

Ambas as soluções e modelos apresentados são viáveis sob o prisma jurídico,

considerado o ambiente legal brasileiro. Todavia, o rito para a criação de

estados está previsto pelo ordenamento pátrio o que torna, ao menos 112 Cf. pág. 385, tópico "Quem foi o mentor da fusão", do Livro Ernesto Geisel, organizado por Maria Celina D'Araujo e Celso Castro, Editora Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1997.

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formalmente, mais simples a criação de cidades-estado. Já o município especial, mesmo sendo um mecanismo aparentemente menos oneroso para o

país, é uma mudança de paradigma. Nosso ordenamento deverá passar por

mudanças razoáveis antes de aceitá-lo.

É bom considerar que refazer o que já está feito é sempre difícil, seja criando

estados que são cidades ou alterando o padrão existente pela criação de

Municípios com alto grau de autonomia. Redistribuir dívidas, tributos e

competências vai de encontro a interesses às vezes legítimos e outras vezes

ilegítimos.

Dependendo da conjuntura política e econômica qualquer dos modelos pode

ser a melhor ou a pior opção. Certamente, o que se pode afirmar é que são as

melhores opções desenvolvidas na atualidade para se localizar cidades que

pela sua natureza estratégica, dimensão populacional, econômica ou política

deveriam ser tratadas diferentemente das demais.

Em qualquer dos casos o que importa é a aprovação popular, seja através de

um plebiscito (para a criação da cidade-estado) ou do referendo (para a criação

do município especial na forma sugerida), que, uma vez manifestada, só cabe

a todos obedecê-la.

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BIBLIOGRAFIA

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Garcia-Milà, T. (2003 ) Fiscal federalism and regional integration: lessons from Spain

Gomes, G. M e Mac Dowell, M. C. (2000) Descentralização Política, Federalismo Fiscal e Criação de Municípios: O que É Mau para o Econômico nem sempre é Bom para o Social. Texto para Discussão 706 IPEA, Brasília

Osório, M. (2005) Rio Nacional Rio Local: mitos e visões da crise carioca e fluminense. Rio de Janeiro: SENAC, 2005

Prado, S., Quadros, W. e Cavalcanti, C.E. (org.) (2003). Partilha de Recursos na Federação Brasileira Fapesp-Fundap-Ipea: São Paulo.

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APÊNDICE 1

DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS DE ROYALTIES E PARTICIPAÇÃO ESPECIAL DO PETRÓLEO E

GÁS NATURAL113

O setor petrolífero encontra-se em incontestável expansão com reflexos sobre o PIB

brasileiro. Em 1997, este setor contribuía para 2,5% do PIB nacional. Já em 2004,

sua participação no PIB nacional ultrapassava os 9%. Em particular, a extração de

Petróleo/Gás Natural ganhou destaque nos últimos anos. Em 2003, a extração já

correspondia a 43% da receita do setor petrolífero contra 19% em 1997. A alta

internacional de preços somada aos massivos investimentos na área e a atual crise

de gás natural na Bolívia só têm a dar mais impulso à indústria petrolífera brasileira.

O Estado do Rio de Janeiro responde por 85% da produção nacional de Petróleo e

45% da produção nacional de Gás Natural, sendo que 80% da produção fluminense

se encontram na Bacia de Campos.

Segundos estudos da Fundação CIDE, o crescimento do PIB do Estado do Rio de

Janeiro deve-se muito ao seu setor petrolífero. Em 2005, enquanto o crescimento

do PIB nacional foi de 2,3%, o crescimento do PIB fluminense passou de 5%. No

mesmo estudo, estima-se que, sem o setor petrolífero, o crescimento do PIB

fluminense reduzir-se-ia para 2,4%.

Além do seu impacto direto no PIB, o desenvolvimento da indústria do petróleo

produz externalidades positivas na arrecadação municipal/estadual pelo efeito

multiplicador de suas atividades – empregos indiretos, aumento de receita de outros

impostos sobre atividades econômicas suplementares (e.g. ISS, IPTU, ICMS), entre

outros.

As reservas descobertas de petróleo/gás natural do Estado do Rio de Janeiro

encontram-se em sua totalidade sob plataforma continental. Deste modo, torna-se

imprescindível a definição de Estados/Municípios confontrantes com os pontos de

extração em alto-mar, além das Zonas Principais/Secundárias de produção para a

determinação da cota-parte dos direitos de Royalties e Participações Especiais.

• O Município do Rio de Janeiro, até o presente momento, não confronta com

nenhuma plataforma continental de reservas de Petróleo/Gás Natural. 113 O presente apêndice se baseia em estudo interno realizado no âmbito da Coordenadoria de Auditoria e Desenvolvimento do TCMRJ.

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ii

• O Município do Rio de Janeiro, por ato administrativo da ANP, desde 2004

está classificado como parte integrante da Zona de Produção Principal de

Petróleo e Gás Natural da Bacia de Campos. Note que tal ato administrativo

encontra-se sub judice. Não obstante, até o presente momento, os efeitos do

ato administrativo ainda estão em vigor.

Os Royalties do Petróleo/Gás Natural são uma compensação financeira paga à

Sociedade pela exploração/produção destes recursos escassos e não renováveis.

A alíquota básica dos Royalties varia, segundo critérios definidos pela ANP em

razão de riscos de investimento, entre 5% até 10%. 114

Atualmente o Município do Rio de Janeiro recebe de Royalties:

i. Uma parcela referente aos 25% de compensação financeira que o Estado do

Rio de Janeiro é obrigado a repassar do montante obtido com a alíquota

obrigatória de 5% dos Royalties (esta parcela segue os mesmos critérios de

distribuição do ICMS – Lei 7990/89, art.9 e CF/88 – art.158, inciso IV

parágrafo único)

ii. 0,5% por instalações de embarque/desembarque

iii. Uma parcela dos 7,5% sobre a alíquota excedente de Royalties a que os

municípios afetados por operações de embarque/desembarque têm direito

iv. Uma parcela referente ao Fundo de Participação dos Municípios

v. Uma parcela referente ao enquadramento de Zona de Produção Principal da

Bacia de Campos

Cumpre lembrar que a exceção do item i, todos os demais são creditados via

transferência da União. Assim, caso venha a ser feita a desfusão com o Estado da

Guanabara incorporando o Município do Rio de Janeiro, o item (i) seria descartado.

Por último, o Estado da Guanabara receberia de royalties uma parcela do Fundo de

Participação dos Estados – montante muito inferior ao valor transferido pelo atual

Estado do Rio de Janeiro ao Município do Rio de Janeiro.

Abaixo, os gráficos mostrando a evolução da arrecadação de royalties divididos

entre os 5% obrigatórios e o restante da alíquota excedente:

114 Sobre os critérios utilizados para a distribuição dos royalties.

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iii

-

500.000.000

1.000.000.000

1.500.000.000

2.000.000.000

2.500.000.000

3.000.000.000

3.500.000.000

Evolução da Arrecadação Referente aos 5% ObrigatóriosFonte: ANP

Cidade RJ 2.531.518 5.324.409 14.047.998 33.671.812 44.623.072

Municípios do RJ 358.160.741 415.381.500 563.980.212 643.733.044 813.351.964

Estado do RJ 265.437.070 385.546.065 521.708.864 599.814.364 761.013.176

Brasil 1.173.664.353 1.617.693.632 2.236.255.376 2.555.982.142 3.179.521.654

2001 2002 2003 2004 2005

-

500.000.000

1.000.000.000

1.500.000.000

2.000.000.000

2.500.000.000

3.000.000.000

3.500.000.000

EVOLUÇÃO DA ARRECADAÇÃO DOS 5% EXCEDENTES Fonte: ANP

Cidade RJ 316.674 628.729 728.467 493.304 413.204

Estado do RJ 196.020.711 286.109.890 386.035.225 441.847.008 557.585.160

Municípios do RJ 358.160.741 415.381.500 563.980.212 643.733.044 813.351.964

Brasil 1.129.625.697 1.566.291.752 2.160.122.213 2.486.843.579 3.026.564.397

2001 2002 2003 2004 2005

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iv

Além dos Royalties, a Lei do Petróleo, de 1997,115 em seu artigo 50 define a

Participação Especial como uma forma de compensação financeira extraordinária

nos casos de grande volume de produção ou rentabilidade. A alíquota da

Participação Especial, nos casos de incidência, varia entre 10% e 40%. O montante

arrecadado com a Participação Especial é distribuído da seguinte forma:

• 40% ao Ministério de Minas e Energia

• 10% ao Ministério do Meio Ambiente

• 40% ao Estado confrontante com a plataforma continental onde se realizar a

produção

• 10% aos Municípios confrontantes com a plataforma continental onde se

realizar a produção

Note que o Município do Rio de Janeiro (eventual Estado da Guanabara) não tem

receita direta de Participação Especial, pois não confronta nenhuma plataforma

continental com reservas. A evolução das receitas relativas à participação especial

está explicitada na Tabela A1.1.

Tabela A1.1

115 Lei 9478/97

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APÊNDICE 2

COEFICIENTES DE RATEIO DOS GASTOS ESTADUAIS EFETUADOS NO TERRITÓRIO DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO: SETORES SELECIONADOS

Educação

Em 2005, o Estado do Rio de Janeiro arrecadou com impostos e transferências da

União, descontando-se o montante transferido aos municípios, aproximadamente

14 bilhões de reais – dos quais 3,5 bilhões vinculados aos gastos com Educação

Estadual.

Conforme simulação, caso venha a se concretizar a desfusão, a arrecadação

tributária do Estado da Guanabara para fins de determinação do piso constitucional

em educação – somando-se à arrecadação do município do Rio – gira em torno de

13,5 bilhões de reais (ano-base 2004) (Tabela A2.2 e A2.3). Isto é, por

determinação legal, deve ser investido um total de 3,4 bilhões de reais em

educação municipal/estadual.

Tabela A2.1

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ii

Tabela A2.2

Deste modo, podemos estimar as despesas com educação do Estado do Rio de

Janeiro na capital. Tendo o Estado do Rio de Janeiro gasto 3,8 bilhões com

educação em todo seu território em 2005, podemos afirmar que a parcela

despendida em sua capital foi de apenas R$ 448 milhões116 (com 56,4 milhões

correspondendo ao ensino fundamental). A prefeitura do Rio de Janeiro, por sua

vez, dispendeu R$ 1,3 bilhões.

Saúde

A Emenda Constitucional no 29, de 2000, explicitou a necessidade de criação do

mínimo percentual a ser aplicado em Saúde por cada esfera de Poder, atribuindo a

sua determinação a lei complementar – que até o presente momento não foi votada.

Vigem, por enquanto, os percentuais estipulados pela EC 29, ou seja, 12% da base

de cálculo estadual e 15% da base de cálculo municipal.

Em 2005, o Município do Rio de Janeiro gastou R$ 817 milhões em despesas

próprias com ações e serviços públicos de saúde. Assim, como a base de cálculo

legal de receitas municipais vinculadas à Saúde foi de R$ 4,8 bilhões, conclui-se

que o percentual aplicado corresponde a 16,99% - percentual acima dos 15%

constitucionais.

Já o Estado do Rio de Janeiro gastou R$ 1,5 bilhões com despesas próprias em

ações e serviços públicos de saúde, sobre uma base de cálculo de R$ 12,2 bilhões

116 Note que a despesa empenhada de 3,8 bilhões de reais do Estado do Rio de Janeiro em educação já engloba o montante de 77 milhões referentes ao ensino superior, cuja principal entidade é a UERJ. Este trabalho sugere que a UERJ deve permanecer sob a competência orçamentária do atual Estado do Rio de Janeiro.

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iii

(ou seja, 12,5% da receita estão comprometidos com saúde, suplantando os 12%

previstos legalmente).

Sugere-se o número de leitos hospitalares da rede estadual e o número de

unidades ambulatoriais como uma boa banda-proxy para os gastos com despesas

próprias do Estado em Saúde na Cidade do Rio de Janeiro. Conforme a tabela

abaixo, as parcelas estaduais das redes hospitalar e ambulatorial na Cidade do Rio

de Janeiro são, respectivamente, 62,5% e 83% (Tabela A2.3). A Tabela A2.4

explicita os recursos gastos pelo estado do Rio de Janeiro na sua capital.

Tabela A2.3

Tabela A2.4

Em caso de desfusão, com relação aos 15% sobre a sua receita com base em

tributos municipais, não haverá mudança significativa posto que o Estado da

Guanabara assumiria não só os atuais gastos municipais em Saúde como também

a receita municipal do Rio.

Com relação aos 12% sobre sua receita proveniente de tributos estaduais, note que

a maior parte dos atuais gastos em Saúde realizados pelo governo do Estado do

Rio de Janeiro concentra-se na sua capital (entre 62,5% e 83%) em contrapartida

aos tributos estaduais gerados na cidade girar em torno de 60% a 70%. Assim, em

caso de desfusão, conforme simulação abaixo, não haverá grandes dificuldades em

respeitar o mínimo constitucional de 12% sobre a receita tributária estadual (Tabela

A2.5). Já se a proposta do município especial vingasse, o governo do Estado

deveria ressarcir a cidade de modo a que esta pudesse fazer face aos novos

gastos.

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iv

Tabela A2.5

Segurança pública

A Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, sob competência estadual,

coordenada através da Secretaria de Segurança Pública, tem como pilares as

seguintes instituições:

• Polícia Militar

• Polícia Civil

• DETRAN

De acordo com o Quadro do Detalhamento de Despesa de 2006, a Secretaria de

Estado de Segurança Púbica (SSP-RJ) gastará, em 2006, aproximadamente R$ 67

milhões – valor bem abaixo dos gastos específicos da Polícia Militar, Polícia Civil ou

Detran-RJ, analisados mais adiante. Desta forma, tanto pelo montante das

despesas (pequeno frente aos demais gastos) assim como pela sua natureza e

destino, é razoável a utilização de um critério puramente populacional (e, segundo

este critério, aproximadamente R$ 26 milhões corresponderiam ao Município do Rio

de Janeiro, ou seja, 44%).

À Polícia Militar cabe o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública

(CF/88-art. 144 V § 5º), enquanto a polícia civil deve zelar pela segurança pública

através das funções de polícia judiciária e da apuração de infrações penais,

ressalvadas as de competência federal e militar (CF/88-art. 144 IV § 4º).

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v

A própria constituição sistêmica da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro

(PMERJ), assim como da policia civil, subdividida em diversos órgãos, dificultam a

separação dos gastos correspondentes a cada município ainda que tivéssemos

acessos a cada despesa efetuada pela organização. Por sua vez, o critério

puramente populacional pode, em tese, distorcer o quantum devido ao município do

Rio de Janeiro. Regiões mais violentas, com conflitos sociais expostos, e de maior

poder aquisitivo exigem maior policiamento ostensivo per capita, i.e. maiores

gastos. Buscou-se, assim, constituir uma unidade de medida para determinar a

cota parte tanto da polícia civil quanto da polícia militar dos novos estado da

Guanabara e do Rio de Janeiro.

No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, para a execução de suas missões

constitucionais, a Polícia Militar se desdobra em três grandes áreas: Capital

(compreendendo o Município do Rio de Janeiro), Baixada (compreendendo os

municípios da baixada fluminense: Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Nilópolis,

Belford Roxo, Queimados, Japeri, São João de Meriti e Magé) e Interior

(compreendendo os demais municípios do estado). Cada uma destas áreas está

vinculada a um Comando de Policiamento e a eles se subordinam as unidades que

executam as diversas formas de policiamento (geral, radio-patrulhamento,

rodoviário, florestal etc.).

Existem outras unidades que pelo seu alto grau de especialização reúnem-se num

Comando de Policiamento Especial que abrange todo o estado, composto de

unidades de polícia de choque, operações policiais especiais, patrulhamento

rodoviário, florestal, montado e ferroviário.

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vi

Aqui se sugere como critério para determinar a cota-parte das despesas relativas ao

Município do Rio de Janeiro com a Polícia Militar o número de Batalhões como

unidade de medida para as despesas do Estado. O Estado do Rio de Janeiro

possui 38 BPMs, dos quais 17 encontram-se na capital. Isto é, pelo critério baseado

no número de BPMs, cabe ao Município do Rio de Janeiro 44% do total dos gastos

com a Polícia Militar em todo o estado.

De acordo com o Quadro do Detalhamento da Despesa de 2005, a Polícia Militar do

Estado do Rio de Janeiro gastou um total de R$ 1,07 bilhão, dos quais caberiam ao

Município do Rio de Janeiro R$ 470 milhões (44% desse total) no caso de

desfusão.

Já no caso da polícia civil propõe-se para determinar os gastos o número de

Delegacias Distritais. De acordo com este critério de rateio, o município do Rio de

Janeiro responde por 37% dos gastos totais com a Polícia Civil no caso de

desmembramento, um pouco menos que os 44% do critério populacional (Tabela

A2.6).

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vii

Tabela A2.6

O terceiro pilar da Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro é o

Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro – DETRAN/RJ - uma

autarquia vinculada à Secretária de Segurança Pública, de personalidade jurídica

de direito público interno, com autonomia administrativa, patrimônio e gestão

financeira próprios, fundamentada no recolhimento de taxas referentes a serviços

diretos prestados. A receita – e conseqüentemente a despesa – do eventual

DETRAN do Estado da Guanabara corresponde a 51% do valor administrado total

do DETRAN/RJ.

No caso de criação de um município especial, deveriam se definir as atribuições a

serem assumidas pela Cidade do Rio de Janeiro e os recursos necessários para

sua implementação. Como a política de segurança atualmente está nas mãos do

governo do estado, ao desempenho de novas atribuições caberiam transferências

estaduais para fazer face ao aumento de gastos.

Na hipótese de criação do Município Especial do Rio de Janeiro, pode-se

imaginar que, dentro da área de segurança, a função que lhe caberia estaria mais

relacionada com a do policiamento ostensivo do que com a de uma pol[icia

judiciária ou de caráter mais investigativo. Da mesma forma, assumir em parte as

funções hoje exercidas pelo DETRAN/RJ pouco acrescentariam em termos

melhoria da qualidade dos serviços hoje prestados à população carioca. Pode-se,

então, pensar, numa primeira avaliação, na criação de uma polícia municipal, a

partir da incorporação dos batalhões da PM que hoje se situam no território da

capital. Conforme já discutido em parágrafo anterior, seu custo adicional seria de

aproximadamente R$ 470 milhões.

Judiciário

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viii

As Contas de Gestão apresentadas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro não

exibem os gastos detalhados por município. E mesmo que se tivesse acesso a tais

dados, um critério puramente territorial negligenciaria os gastos do Poder Judiciário

do Estado em determinado município (principalmente na capital) relativos a custos

de processos que não necessariamente referem-se aos residentes do município em

questão. Por exemplo, todas as varas de Fazenda Pública – que dirimem questões

da dívida ativa do Estado do Rio de Janeiro – e até mesmo os Juízos de 2a

Instância e a Corregedoria Geral da Justiça encontram-se na capital.

O Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro tem autonomia para determinar

quantas e onde as varas são alocadas. Aqui, assume-se que este ente age de

forma racional e maximizadora. Assim, sobre sua discricionariedade em alocar as

varas e juizados especiais, atuariam todas as variáveis descritas acima.

Cumpre notar que incluímos os Juizados Especiais no conceito de vara. Exceto por

diferenças de ritos e matéria, os Juizados Especiais possuem seu próprio juiz,

escrivão, oficial de justiça, assim como demais gastos que remontam aos de uma

vara comum.

Assim, conforme a proxy usada, o índice correspondente à parte do Município do

Rio de Janeiro / Estado da Guanabara nas despesas do Estado do Rio referente ao

Poder Judiciário é de 46,7%.

Conforme as Contas de Gestão do Estado do Rio de Janeiro (2005), o total da

Despesa Empenhada é de R$ 1,6 bilhão. Deste modo, um bom valor aproximado

para os gastos do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, aplicados no

Município do Rio, em 2005, foi de R$ 747 milhões (46,7% daquele total).

No caso do município especial não teria sentido dispor de um arcabouço jurídico

próprio, portanto não cabendo simulações.

Um Exercício Similar para São Paulo

Realizou-se também a simulação do impacto sobre as finanças públicas do estado

e do município de São Paulo no caso de a capital ser alçada à condição de

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ix

município especial117 (Tabela A2.7). Conclui-se que a mudança institucional

provocaria aumento de gastos da ordem de R$ 7,5 bilhões (ou seja, o equivalente

em termos de ICMS a 15% do total do tributo arrecadado no estado).

Tabela A2.7

117 Aqui cabe ressaltar que no caso da função Segurança Pública se adotou como critério para definir os gastos no município a população.

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APÊNDICE 3 – A LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL

ALEMANHA

1. Regulamentação constitucional

1.1 Questões gerais Na Federação Alemã é assegurado aos municípios o direito de regular, sob sua

própria responsabilidade e nos limites da lei, todos os assuntos da comunidade

local. No âmbito de suas atribuições legais e nas condições definidas em lei, as

associações de municípios118 gozarão igualmente do direito de autogestão.

Essa autonomia administrativa pressupõe, também, autonomia financeira: aos

municípios caberá uma fonte de arrecadação fiscal baseada em sua

capacidade econômica, bem como o direito de fixar as alíquotas de taxação

dessas fontes.

No direito alemão, diferentemente do que ocorre na federação brasileira, a lei

federal prevalece sobre a lei estadual. As competências estaduais são

conferidas pela Constituição Federal ou objeto de delegação por meio de lei.

Em outras palavras, compete aos Estados exercer os poderes de estado e

cumprir as respectivas funções nos limites das leis federais e da Constituição

Alemã.

1.2 As constituições estaduais Como veremos adiante, as Constituições Estaduais são parecidas, em especial

as de Bremen e Hamburgo. Grande parte da competência estadual é

concorrente.

1.3 As competências 1.3.1 Divisão de competência legislativa entre Federação e Estados

(Artigo 70)

Os Estados podem legislar sobre matérias que a Constituição Federal não

tenha atribuído à Federação. Os limites da competência legislativa entre

Federação e Estados são determinados pela Constituição no campo das

competências exclusiva e concorrente. 118 As associações de municípios são, a grosso modo, uma espécie de região metropolitana.

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ii

1.3.2 Competência legislativa exclusiva da Federação (Artigo 71)

Os Estados só podem legislar sobre matérias da competência exclusiva da

Federação quando expressamente autorizados por lei federal e nos limites da

Constituição Federal.

1.3.3 Competência legislativa concorrente (Artigo 72)

Aos Estados só é permitido legislar sobre matérias da competência legislativa

concorrente nas áreas onde a Federação Alemã ainda não tenha exercido a

sua competência legislativa e enquanto ela não o fizer.

A Federação pode legislar sobre essas matérias quando e na medida em que

se fizer necessária regulamentação federal para estabelecer condições de vida

uniformes em todo o território federal ou manter a unidade legal ou econômica,

no interesse nacional. A lei federal pode determinar que a regulamentação

federal seja substituída por lei estadual.

1.3.4 Matérias da competência legislativa exclusiva da Federação

(Artigo 73)

Compete exclusivamente à Federação legislar sobre:

Auf Deutsch Em Português119

1. die auswärtigen Angelegenheiten sowie die Verteidigung einschließlich des Schutzes der Zivilbevölkerung;;

2. die Staatsangehörigkeit im Bunde;

3. die Freizügigkeit, das Paßwesen, die Ein- und Auswanderung und die Auslieferung;

4. das Währungs-, Geld- und Münzwesen, Maße und Gewichte sowie die Zeitbestimmung;

5. die Einheit des Zoll- und Handelsgebietes, die Handels- und Schiffahrtsverträge, die Freizügigkeit des Warenverkehrs und den Waren- und Zahlungsverkehr mit dem Auslande einschließlich des Zoll- und Grenzschutzes;

1. assuntos externos e de defesa, incluída a defesa civil;

2. cidadania na Federação; 3. liberdade de circulação e de

estabelecimento das pessoas, passaportes, imigração, emigração e extradição;

4. sistemas cambial e monetário, pesos e medidas e fixação de tempo;

5. unidade da área aduaneira e comercial, tratados de comércio e navegação, livre circulação de mercadorias, bem como transações comerciais e financeiras com outros países, incluindo a proteção aduaneira e de fronteira;

6. transporte aéreo;

119 Tradução livre.

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iii

6. den Luftverkehr; 7. den Verkehr von Eisenbahnen,

die ganz oder mehrheitlich im Eigentum des Bundes stehen (Eisenbahnen des Bundes), den Bau, die Unterhaltung und das Betreiben von Schienenwegen der Eisenbahnen des Bundes sowie die Erhebung von Entgelten für die Benutzung dieser Schienenwege;

8. das Postwesen und die Telekommunikation;

9. die Rechtsverhältnisse der im Dienste des Bundes und der bundesunmittelbaren Körperschaften des öffentlichen Rechtes stehenden Personen;

10. den gewerblichen Rechtsschutz, das Urheberrecht und das Ver-lagsrecht;

11. die Zusammenarbeit des Bundes und der Länder

(a) in der Kriminalpolizei, (b) zum Schutze der

freiheitlichen demokratischen Grundordnung, des Bestandes und der Sicherheit des Bundes oder eines Landes (Verfassungsschutz) und

(c) zum Schutze gegen Bestrebungen im Bundesgebiet, die durch Anwendung von Gewalt oder darauf gerichtete Vorbereitungshandlungen auswärtige Belange der Bundesrepublik Deutschland gefährden,

(d) sowie die Einrichtung eines Bundeskriminalpolizeiamtes und die internationale Verbrechensbekämpfung;

(e) die Statistik für Bundeszwecke.

7. transporte ferroviário pertencente total ou majoritariamente à Federação (redes ferroviárias federais); construção, manutenção e exploração das linhas férreas das redes ferroviárias federais, bem como cobrança de taxas pela sua utilização;

8. correios e telecomunicações; 9. situação legal dos servidores da

Federação e de empresas públicas federais;

10. direitos de propriedade industrial, direitos autorais e direitos editoriais;

11. cooperação entre Federação e Estados: (a) no trabalho de polícia

criminal; (b) na defesa da ordem

constitucional livre e democrática, da existência e segurança da Federação ou de um Estado (proteção constitucional);

(c) na repressão a atividades em território federal que, pelo emprego da força ou ações nesse sentido, ameacem os interesses externos da República Federal da Alemanha,

(d) bem como na criação de um órgão federal de polícia criminal e nas ações internacionais de combate ao crime; e

(e) estatísticas para fins de interesse federal.

1.3.5 Matérias da competência legislativa concorrente da Federação

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iv

(Artigo 74)

No campo da competência legislativa concorrente, cabe à Federação legislar

sobre:

Auf Deutsch Em Português120

1. das bürgerliche Recht, das Strafrecht und den Strafvollzug, die Gerichtsverfassung, das gerichtliche Verfahren, die Rechtsanwaltschaft, das Notariat und die Rechtsberatung;

2. das Personenstandswesen; 3. das Vereins- und

Versammlungsrecht; 4. das Aufenthalts- und

Niederlassungsrecht der Ausländer;

5. das Waffen- und Sprengstoffrecht;

6. die Angelegenheiten der Flüchtlinge und Vertriebenen;

7. die öffentliche Fürsorge; 8. die Kriegsschäden und die

Wiedergutmachung; 9. die Versorgung der

Kriegsbeschädigten und Kriegshinterbliebenen und die Fürsorge für die ehemaligen Kriegsgefangenen;

10. die Kriegsgräber und Gräber anderer Opfer des Krieges und Opfer von Gewaltherrschaft;

11. das Recht der Wirtschaft (Bergbau, Industrie, Energiewirtschaft, Handwerk, Gewerbe, Handel, Bank- und Börsenwesen, privatrechtliches Versicherungswesen);

12. die Erzeugung und Nutzung der Kernenergie zu friedlichen Zwecken, die Errichtung und den Betrieb von Anlagen, die diesen Zwecken dienen, den Schutz gegen Gefahren, die bei Freiwerden von Kernenergie oder durch ionisierende Strahlen

1. direito civil, direito penal e regime correcional, organização e procedimentos judiciais, advocacia, tabelionato e consultoria jurídica;

2. registro civil (nascimentos, óbitos e casamentos);

3. direito de associação e de reunião;

4. permanência e estabelecimento de estrangeiros;

5. armas e explosivos; 6. situação de refugiados e

exilados; 7. assistência social; 8. danos de guerra e reparação; 9. benefícios sociais para mutilados

de guerra e de famílias de vítimas de guerra, e assistência social a ex-prisioneiros de guerra;

10. cemitérios de guerra e cemitérios de outras vítimas da guerra e do despotismo;

11. sistema econômico (mineração, indústria, energia, artesanato, pequena indústria, comércio, sistema bancário e bolsas de valores, sistema de seguro privado)

12. produção e aproveitamento da energia nuclear para fins pacíficos; construção e operação de instalações para esses fins; prevenção de riscos decorrentes de vazamentos nucleares ou de

120 Tradução livre.

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v

entstehen, und die Beseitigung radioaktiver Stoffe;

13. das Arbeitsrecht einschließlich der Betriebsverfassung, des Arbeits-schutzes und der Arbeitsvermittlung sowie die Sozialversicherung einschließlich der Arbeitslosenversicherung;

14. die Regelung der Ausbildungsbeihilfen und die Förderung der wissenschaftlichen Forschung;

15. das Recht der Enteignung, soweit sie auf den Sachgebieten der Artikel 73 und 74 in Betracht kommt;

16. die Überführung von Grund und Boden, von Naturschätzen und Produktionsmitteln in Gemeineigentum oder in andere Formen der Gemeinwirtschaft;

17. die Verhütung des Mißbrauchs wirtschaftlicher Machtstellung;

18. die Förderung der land- und forstwirtschaftlichen Erzeugung, die Sicherung der Ernährung, die Ein- und Ausfuhr land- und forstwirtschaftlicher Erzeugnisse, die Hochsee- und Küstenfischerei und den Küstenschutz;

19. den Grundstücksverkehr, das Bodenrecht (ohne das Recht der Erschließungsbeiträge) und das landwirtschaftliche Pachtwesen, das Wohnungswesen, das Siedlungs- und Heimstättenwesen;

20. die Maßnahmen gegen gemeingefährliche und übertragbare Krankheiten bei Menschen und Tieren, die Zulassung zu ärztlichen und anderen Heilberufen und zum Heilgewerbe, den Verkehr mit Arzneien, Heil- und Betäubungsmitteln und Giften;

21. die wirtschaftliche Sicherung

radiação ionizante; e eliminação de material radioativo;

13. relações trabalhistas, incluindo a organização social das empresas, segurança do trabalho e agências de emprego, bem como seguro social incluindo seguro-desemprego;

14. concessão de bolsas de estudo e de formação profissional e fomento à pesquisa científica;

15. desapropriação; 16. transferência de terras, recursos

naturais e meios de produção para o regime de propriedade coletiva ou outras formas de gestão coletiva;

17. prevenção do abuso de poder econômico;

18. fomento da produção agrícola e florestal; segurança da alimentação; importação e exportação de produtos agrícolas e florestais; pesca oceânica e pesca costeira; e proteção de costas;

19. transações imobiliárias, direito agrário (excluídas as quotas de exploração) e arrendamento rural; sistema habitacional; assentamentos e moradias populares;

20. prevenção de doenças humanas e animais endêmicas e infecto-contagiosas; credenciamento profissional médico e paramédico; e comercialização de fármacos, remédios, produtos entorpecentes e tóxicos;

21. manutenção financeira de hospitais e regulamentação de taxas de manutenção hospitalar;

22. fiscalização do comércio de produtos alimentícios e estimulantes (bebidas e cigarros), artigos de primeira

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vi

der Krankenhäuser und die Regelung der Krankenhauspflegesätze;

22. den Schutz beim Verkehr mit Lebens- und Genußmitteln, Be-darfsgegenständen, Futtermitteln und land- und forstwirtschaftli-chem Saat- und Pflanzgut, den Schutz der Pflanzen gegen Krankheiten und Schädlinge sowie den Tierschutz;

23. die Hochsee- und Küstenschiffahrt sowie die Seezeichen, die Binnenschiffahrt, den Wetterdienst, die Seewasserstraßen und die dem allgemeinen Verkehr dienenden Binnenwasserstraßen;

24. den Straßenverkehr, das Kraftfahrwesen, den Bau und die Unterhaltung von Landstraßen für den Fernverkehr sowie die Erhebung und Verteilung von Gebühren für die Benutzung öffentlicher Straßen mit Fahrzeugen;

25. die Schienenbahnen, die nicht Eisenbahnen des Bundes sind, mit Ausnahme der Bergbahnen;

26. die Abfallbeseitigung, die Luftreinhaltung und die Lärmbekämpfung;

27. die Staatshaftung; 28. die künstliche Befruchtung

beim Menschen, die Untersuchung und die künstliche Veränderung von Erbinformationen sowie Regelungen zur Transplantation von Organen und Geweben.

necessidade, rações, sementes e cultivares agrícolas e florestais, prevenção de doenças e pragas em plantas e proteção de animais;

23. navegação oceânica e costeira, bem como sinalização marítima, navegação fluvial e lacustre, serviço meteorológico, hidrovias marítimas e fluviais usadas para transporte público;

24. tráfego rodoviário, transporte de veículos automotores, construção e manutenção das auto-estradas de longa distância, bem como recolhimento e destinação de taxas rodoviárias;

25. estradas de ferro não-federais, exceto cremalheiras;

26. eliminação de detritos, controle da poluição atmosférica e sonora:

27. responsabilidade do Estado; 28. inseminação artificial em seres

humanos, investigação e alteração artificial de informações genéticas, bem como regulamentação do transplante de órgãos e tecidos.

1.3.6 Áreas da competência legislativa federal (Artigo 75)

São áreas da competência legislativa federal alemã:

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vii

Auf Deutsch Em Português121 1. die Rechtsverhältnisse der im

öffentlichen Dienste der Länder, Gemeinden und anderen Körperschaften des öffentlichen Rechtes stehenden Personen;

2. die allgemeinen Grundsätze des Hochschulwesens;

3. die allgemeinen Rechtsverhältnisse der Presse;

4. das Jagdwesen, den Naturschutz und die Landschaftspflege;

5. die Bodenverteilung, die Raumordnung und den Wasserhaushalt;

6. das Melde- und Ausweiswesen; 7. den Schutz deutschen

Kulturgutes gegen Abwanderung ins Ausland.

1. relações jurídicas de empregados no serviço público dos Estados, municípios e outros órgãos públicos;

2. princípios gerais do ensino superior;

3. relações jurídicas gerais da imprensa;

4. regime de caça, proteção da natureza e conservação de paisagem;

5. distribuição da terra, ordenamento territorial e administração de recursos hídricos;

6. registros de domicílio e de identificação;

7. proteção do patrimônio cultural alemão contra evasão para o exterior.

As regras básicas federais só poderão conter dispositivos pormenorizados ou

auto-aplicáveis em circunstâncias excepcionais. Expedidas as regras básicas

federais, os Estados deverão editar as leis necessárias dentro de um prazo

razoável previsto em lei.

O Governo Federal, um Ministro Federal ou os governos estaduais poderão ser

autorizados, por lei, a editar decretos. A lei definirá o conteúdo, o objetivo e a

extensão da autoridade conferida. O decreto deverá conter o dispositivo legal

que o fundamenta. Se a lei previr a possibilidade de se subdelegar essa

utoridade, essa subdelegação deverá ser feita por decreto.

1.4 As finanças

A repartição das despesas entre a Federação Alemã e seus respectivos

Estados se dá da seguinte forma (artigo 104a):

121 Tradução livre.

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viii

Auf Deutsch Em Português122 1. Der Bund und die Länder tragen

gesondert die Ausgaben, die sich aus der Wahrnehmung ihrer Aufgaben ergeben, soweit dieses Grundgesetz nichts anderes bestimmt.

2. Handeln die Länder im Auftrage des Bundes, trägt der Bund die sich daraus ergebenden Ausgaben.

3. Bundesgesetze, die Geldleistungen gewähren und von den Ländern ausgeführt werden, können bestimmen, daß die Geldleistungen ganz oder zum Teil vom Bund getragen werden. Bestimmt das Gesetz, daß der Bund die Hälfte der Ausgaben oder mehr trägt, wird es im Auftrage des Bundes durchgeführt. Bestimmt das Gesetz, daß die Länder ein Viertel der Ausgaben oder mehr tragen, so bedarf es der Zustimmung des Bundesrates.

4. Der Bund kann den Ländern Finanzhilfen für besonders bedeutsame Investitionen der Länder und Gemeinden (Gemeindeverbände) gewähren, die zur Abwehr einer Störung des gesamtwirtschaftlichen Gleichgewichts oder zum Ausgleich unterschiedlicher Wirtschaftskraft im Bundesgebiet oder zur Förderung des wirtschaftlichen Wachstums erforderlich sind. Das Nähere, insbesondere die Arten der zu fördernden Investitionen, wird durch Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates bedarf, oder auf Grund des Bundeshaushaltsgesetzes durch Verwaltungsvereinbarung geregelt.

1. A Federação e os Estados assumirão separadamente as despesas resultantes do exercício de suas respectivas responsabilidades, na medida em que esta Lei Fundamental não dispuser em contrário.

2. Quando os Estados atuarem por delegação federal, a Federação assumirá as despesas daí resultantes.

3. Leis federais concessivas de subsídios financeiros, e que são executadas pelos Estados, poderão dispor que esses subsídios sejam assumidos, no todo ou em parte, pela Federação. Será executada por delegação federal a lei que determinar que a Federação assuma a metade das despesas ou mais. Dependerá da aprovação do Conselho Federal a lei que atribuir aos Estados um quarto das despesas ou mais.

4. A Federação poderá conceder aos Estados subvenções financeiras para investimentos particularmente importantes de Estados e municípios (ou associações de municípios), na medida em que esses investimentos forem necessários para prevenir distúrbios no equilíbrio geral da economia, para compensar desigualdades econômicas dentro do território federal, ou para promover o crescimento econômico. A matéria, especialmente aquela relativa à natureza desses investimentos, será regulamentada por lei federal sujeita à aprovação do Conselho Federal ou por acordo administrativo firmado com base na Lei Orçamentária Federal.

122 Tradução livre.

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ix

5. Der Bund und die Länder tragen die bei ihren Behörden entstehenden Verwaltungsausgaben und haften im Verhältnis zueinander für eine ordnungsgemäße Verwaltung. Das Nähere bestimmt ein Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates bedarf.

5. A Federação e os Estados assumirão as despesas administrativas de seus respectivos serviços e se responsabilizarão reciprocamente pelo bom funcionamento de sua administração. Lei federal sujeita à aprovação do Conselho Federal regulará a matéria.

Divisão da competência legislativa no sistema tributário (Artigo 105):

Auf Deutsch Em Português123 1. Der Bund hat die

ausschließliche Gesetzgebung über die Zölle und Finanzmonopole.

2. Der Bund hat die konkurrierende Gesetzgebung über die übrigen Steuern, wenn ihm das Aufkommen dieser Steuern ganz oder zum Teil zusteht oder die Voraussetzungen des Artikels 72 Abs. 2 vorliegen.

3. Die Länder haben die Befugnis zur Gesetzgebung über die örtlichen Verbrauch- und Aufwandsteuern, solange und soweit sie nicht bundesgesetzlich geregelten Steuern gleichartig sind.

4. Bundesgesetze über Steuern, deren Aufkommen den Ländern oder den Gemeinden (Gemeindeverbänden) ganz oder zum Teil zufließt, bedürfen der Zustimmung des Bundesrates.

1. A Federação terá competência exclusiva para legislar sobre direitos alfandegários e monopólios fiscais.

2. A Federação terá competência concorrente para legislar sobre outros impostos cujas receitas ou parte delas lhe caibam, ou nas circunstâncias previstas no § 2 do artigo 72.

3. Aos Estados compete legislar sobre impostos locais sobre consumo e sobre gastos diversos, enquanto e na medida em que não forem similares a impostos regidos por lei federal.

4. Leis federais relativas a impostos cujas receitas revertam, no todo ou em parte, para Estados ou municípios (ou associações de municípios) requerem a aprovação do Conselho Federal.

A repartição das receitas tributárias (artigo 106):

123 Tradução livre.

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x

Auf Deutsch Em Português124 (1) Der Ertrag der Finanzmonopole und das Aufkommen der folgenden Steuern stehen dem Bund zu:

1. die Zölle, 2. die Verbrauchsteuern, soweit

sie nicht nach Absatz 2 den Ländern, nach Absatz 3 Bund und Ländern gemeinsam oder nach Absatz 6 den Gemeinden zustehen,

3. die Straßengüterverkehrsteuer,

4. die Kapitalverkehrsteuern, die Versicherungsteuer und die Wechselsteuer,

5. die einmaligen Vermögensabgaben und die zur Durchführung des Lastenausgleichs erhobenen Ausgleichsabgaben,

6. die Ergänzungsabgabe zur Einkommensteuer und zur Körperschaftsteuer,

7. Abgaben im Rahmen der Europäischen Gemeinschaften.

(2) Das Aufkommen der folgenden Steuern steht den Ländern zu:

1. die Vermögensteuer, 2. die Erbschaftsteuer, 3. die Kraftfahrzeugsteuer, 4. die Verkehrsteuern, soweit

sie nicht nach Absatz 1 dem Bund oder nach Absatz 3 Bund und Ländern gemeinsam zustehen,

5. die Biersteuer, 6. die Abgabe von Spielbanken.

(1) Pertencem à Federação o produto de monopólios fiscais e as receitas dos seguintes tributos:

1. taxas alfandegárias; 2. impostos sobre o consumo,

exceto os que se destinam aos Estados, por aplicação do § 2, ou à Federação e aos Estados conjuntamente, por aplicação do § 3, ou aos municípios, por aplicação do § 6 deste artigo;

3. imposto sobre o transporte rodoviário de mercadorias;

4. impostos sobre transações de capitais, sobre seguros e sobre títulos cambiais;

5. taxas únicas sobre bens de propriedade e taxas compensatórias para equalizar encargos;

6. taxas adicionais aos impostos sobre a renda de pessoas físicas e de pessoas jurídicas;

7. taxas criadas no âmbito das Comunidades Européias.

(2) Aos Estados caberão as receitas dos seguintes impostos:

1. imposto sobre o patrimônio; 2. imposto sobre a sucessão; 3. imposto sobre veículos

automotores; 4. impostos sobre transações,

exceto os atribuídos à Federação, por aplicação do § 1, ou à Federação e aos Estados conjuntamente, por aplicação do § 3 deste artigo;

5. imposto sobre a cerveja; 6. taxa sobre casas de jogos.

(3) A receita dos impostos sobre a 124 Tradução livre.

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xi

(3) Das Aufkommen der Einkommensteuer, der Körperschaftsteuer und der Umsatzsteuer steht dem Bund und den Ländern gemeinsam zu (Gemeinschaftsteuern), soweit das Aufkommen der Einkommensteuer nicht nach Absatz 5 und das Aufkommen der Umsatzsteuer nicht nach Absatz 5?a den Gemeinden zugewiesen wird. Am Aufkommen der Einkommensteuer und der Körperschaftsteuer sind der Bund und die Länder je zur Hälfte beteiligt. Die Anteile von Bund und Ländern an der Umsatzsteuer werden durch Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates bedarf, festgesetzt. Bei der Festsetzung ist von folgenden Grundsätzen auszugehen:

1. Im Rahmen der laufenden Einnahmen haben der Bund und die Länder gleichmäßig Anspruch auf Deckung ihrer notwendigen Ausgaben. Dabei ist der Umfang der Ausgaben unter Berücksichti-gung einer mehrjährigen Finanzplanung zu ermitteln.

2. Die Deckungsbedürfnisse des Bundes und der Länder sind so aufeinander abzustimmen, daß ein billiger Ausgleich erzielt, eine Überbelastung der Steuerpflichtigen vermieden und die Einheitlichkeit der Lebensverhältnisse im Bundesgebiet gewahrt wird.

Zusätzlich werden in die Festsetzung der Anteile von Bund und Ländern an der Umsatzsteuer Steuermindereinnahmen einbezogen, die den Ländern ab 1. Januar 1996 aus der Berücksichtigung von Kindern

renda de pessoas físicas, sobre a renda de pessoas jurídicas e sobre mercadorias e serviços caberá à Federação e aos Estados conjuntamente (impostos em comum), na medida em que a receita dos impostos sobre a renda de pessoas físicas e sobre mercadorias e serviços não for atribuída aos municípios, por aplicação dos §§ 5 e 5a deste artigo respectivamente. A Federação e os Estados dividirão, meio a meio, a receita dos impostos sobre a renda de pessoas físicas e sobre a renda de pessoas jurídicas. Lei federal sujeita à aprovação do Conselho Federal fixará as quotas respectivas da Federação e dos Estados no imposto sobre mercadorias e serviços. A fixação dessas quotas deverá obedecer aos seguintes princípios:

1. Federação e Estados farão jus a partes iguais das receitas correntes para cobrir suas despesas necessárias. O montante dessas despesas deverá ser determinado tomando-se por base um planejamento financeiro plurianual;

2. As necessidades financeiras da Federação e dos Estados deverão se ajustar entre si de forma a estabelecer um balanço equilibrado, evitar sobrecarga aos contribuintes e assegurar condições de vida igualitárias em todo o território federal.

Na fixação das quotas do imposto sobre mercadorias e serviços a serem atribuídas à Federação e aos Estados, levar-se-á também em conta a redução de receitas tributárias dos Estados, a partir de 1º de janeiro de 1996, em função da

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xii

im Einkommensteuerrecht entstehen. Das Nähere bestimmt das Bundesgesetz nach Satz 3.

(4) Die Anteile von Bund und Ländern an der Umsatzsteuer sind neu festzusetzen, wenn sich das Verhältnis zwischen den Einnahmen und Ausgaben des Bundes und der Länder wesentlich anders entwickelt; Steuermindereinnahmen, die nach Absatz 3 Satz 5 in die Festsetzung der Umsatzsteueranteile zusätzlich einbezogen werden, bleiben hierbei unberücksichtigt. Werden den Ländern durch Bundesgesetz zusätzliche Ausgaben auferlegt oder Einnahmen entzogen, so kann die Mehrbelastung durch Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates bedarf, auch mit Finanzzuweisungen des Bundes ausgeglichen werden, wenn sie auf einen kurzen Zeitraum begrenzt ist. In dem Gesetz sind die Grundsätze für die Bemessung dieser Finanzzuweisungen und für ihre Verteilung auf die Länder zu bestimmen.

(5) Die Gemeinden erhalten einen Anteil an dem Aufkommen der Einkommensteuer, der von den Ländern an ihre Gemeinden auf der Grundlage der Einkommensteuerleistungen ihrer Einwohner weiterzuleiten ist. Das Nähere bestimmt ein Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates bedarf. Es kann bestimmen, daß die Gemeinden Hebesätze für den Gemeindeanteil festsetzen.

(5a) Die Gemeinden erhalten ab dem 1. Januar 1998 einen Anteil an dem Aufkommen der Umsatzsteuer. Er wird von den Ländern auf der Grundlage eines orts- und

inclusão dos filhos no imposto sobre a renda de pessoas físicas. Lei federal regulará a matéria conforme a terceira frase deste parágrafo.

(4) As quotas da Federação e dos Estados na receita do imposto sobre mercadorias e serviços deverão ser revistas, quando a relação entre receitas e despesas da Federação alterar-se substancialmente em relação à dos Estados; nesse caso, não se levarão em conta as perdas de receitas tributárias consideradas na fixação de quotas da receita do imposto sobre mercadorias e serviços, nos termos da quinta frase do § 3 deste artigo. Quando lei federal impuser aos Estados despesas adicionais ou subtrair-lhes receitas, essa sobrecarga, sendo por prazo reduzido, poderá ser compensada também com dotações financeiras federais, criadas por lei federal sujeita à aprovação do Conselho Federal. Essa lei deverá declarar os princípios aplicados no cálculo dessas dotações financeiras e na distribuição destas entre os Estados.

(5) Aos municípios caberá uma parcela da receita do imposto sobre a renda de pessoas físicas, a ser repassada pelos Estados aos respectivos municípios em função do imposto sobre a renda de pessoa física pago por seus habitantes. Lei federal sujeita à aprovação do Conselho Federal regulará a matéria. Essa lei poderá autorizar os municípios a fixar alíquotas para a sua parcela do imposto.

(5a) A partir de 1º de janeiro de 1998, os municípios passarão a

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wirtschaftsbezogenen Schlüssels an ihre Gemeinden weitergeleitet. Das Nähere wird durch Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates bedarf, bestimmt.

(6) Das Aufkommen der Grundsteuer und Gewerbesteuer steht den Gemeinden, das Aufkommen der örtlichen Verbrauch- und Aufwandsteuern steht den Gemeinden oder nach Maßgabe der Landesgesetzgebung den Gemeindeverbänden zu. Den Gemeinden ist das Recht einzuräumen, die Hebesätze der Grundsteuer und Gewerbesteuer im Rahmen der Gesetze festzusetzen. Bestehen in einem Land keine Gemeinden, so steht das Aufkommen der Grundsteuer und Gewerbesteuer sowie der örtlichen Verbrauch- und Aufwandsteuern dem Land zu. Bund und Länder können durch eine Umlage an dem Aufkommen der Gewerbesteuer beteiligt werden. Das Nähere über die Umlage bestimmt ein Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates bedarf. Nach Maßgabe der Landesgesetzgebung können die Grundsteuer und Gewerbesteuer sowie der Gemeindeanteil vom Aufkommen der Einkommensteuer und der Umsatzsteuer als Bemessungsgrundlagen für Umlagen zugrunde gelegt werden.

(7) Von dem Länderanteil am Gesamtaufkommen der Gemeinschaftsteuern fließt den Gemeinden und Gemeindeverbänden insgesamt ein von der Landesgesetzgebung zu bestimmender Hundertsatz zu. Im übrigen bestimmt die Landesgesetzgebung, ob und inwieweit das Aufkommen der Landessteuern den Gemeinden

receber uma parcela da receita do imposto sobre mercadorias e serviços. Os Estados repassarão essa parcela da receita aos seus municípios, com base numa fórmula que considere fatores geográficos e econômicos. Lei federal sujeita à aprovação do Conselho Federal regulará a matéria.

(6) A receita do imposto territorial e do imposto industrial caberá aos municípios; a receita dos impostos locais sobre consumo e sobre gastos diversos caberá aos municípios ou, conforme estabelecer a legislação estadual, às associações de municípios. Os municípios serão autorizados a definir, nos limites estabelecidos em lei, as alíquotas do imposto territorial e do imposto industrial. Aos Estados que não tenham municípios caberão a receita do imposto territorial e do imposto industrial, bem como a receita dos impostos locais sobre consumo e sobre gastos diversos. Federação e Estados poderão ratear entre si a receita do imposto industrial. Lei federal sujeita à aprovação do Conselho Federal regulamentará o rateio. Nas condições previstas na legislação estadual, o imposto territorial e o imposto industrial, bem como a quota municipal da receita do imposto sobre a renda de pessoas físicas e do imposto sobre mercadorias e serviços poderão servir de base de cálculo para o rateio.

(7) Aos municípios ou associações de municípios caberá um percentual, a ser definido pela legislação estadual, da quota

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xiv

(Gemeindeverbänden) zufließt.

(8) Veranlaßt der Bund in einzelnen Ländern oder Gemeinden (Gemeindeverbänden) besondere Einrichtungen, die diesen Ländern oder Gemeinden (Gemeindeverbänden) unmittelbar Mehrausgaben oder Mindereinnahmen (Sonderbelastungen) verursachen, gewährt der Bund den erforderlichen Ausgleich, wenn und soweit den Ländern oder -Gemeinden (Gemeindeverbänden) nicht zugemutet werden kann, die Sonderbelastungen zu tragen. Entschädigungsleistungen Dritter und finanzielle Vorteile, die diesen Ländern oder Gemeinden (Gemeindeverbänden) als Folge der Einrichtungen erwachsen, werden bei dem Ausgleich berücksichtigt.

(9) Als Einnahmen und Ausgaben der Länder im Sinne dieses Artikels gelten auch die Einnahmen und Ausgaben der Gemeinden (Gemeindeverbände).

estadual da receita total dos impostos em comum. Nos demais, a legislação estadual determinará se e em que medida a receita dos impostos estaduais reverterá em favor dos municípios (ou associações de municípios).

(8) Se, em determinados Estados ou municípios (ou associações de municípios), a Federação requerer instalações especiais que acarretem diretamente para esses Estados ou municípios (ou associações de municípios) aumento de despesas ou redução de receitas (encargos especiais), deverá ela conceder a compensação necessária, se e na medida em que não se puder esperar que esses Estados ou municípios (ou associações de municípios) assumam esses encargos especiais. Para a concessão dessa compensação, serão levados em consideração as indenizações pagas por terceiros e os benefícios financeiros que a realização desses projetos trará para esses Estados ou municípios (ou associações de municípios).

(9) Consideram-se receitas e despesas estaduais também as receitas e despesas dos municípios (ou associações de municípios).

Desde 1° de janeiro de 1996, os Estados estão autorizados a receber uma

parcela da receita dos tributos federais para ser aplicada no transporte público

local, matéria regulada por lei federal (Artigo 106a).

Equalização financeira (Artigo 107):

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Auf Deutsch Em Português125 1. Das Aufkommen der

Landessteuern und der Länderanteil am Aufkommen der Einkommensteuer und der Körperschaftsteuer stehen den einzelnen Ländern insoweit zu, als die Steuern von den Finanzbehörden in ihrem Gebiet vereinnahmt werden (örtliches Aufkommen). Durch Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates bedarf, sind für die Körperschaftsteuer und die Lohnsteuer nähere Bestim-mungen über die Abgrenzung sowie über Art und Umfang der Zerlegung des örtlichen Aufkommens zu treffen. Das Gesetz kann auch Bestimmungen über die Abgrenzung und Zerlegung des örtlichen Aufkommens anderer Steuern treffen. Der Länderanteil am Aufkommen der Umsatzsteuer steht den einzelnen Ländern nach Maßgabe ihrer Einwohnerzahl zu; für einen Teil, höchstens jedoch für ein Viertel dieses Länderanteils, können durch Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates bedarf, Ergänzungsanteile für die Länder vorgesehen werden, deren Einnahmen aus den Landessteuern und aus der Einkommensteuer und der Körperschaftsteuer je Einwohner unter dem Durchschnitt der Länder liegen.

2. Durch das Gesetz ist sicherzustellen, daß die unterschiedliche Finanzkraft der Länder angemessen ausgeglichen wird; hierbei sind die Finanzkraft und der

1. A receita dos impostos estaduais e a quota estadual da receita dos impostos sobre a renda de pessoas físicas e sobre a renda de pessoas jurídicas reverterão para cada Estado na medida em que esses impostos forem recolhidos por órgãos fiscais dentro de seu respectivo território (receita local). Lei federal sujeita à aprovação do Conselho Federal disciplinará a delimitação, bem como a forma e a extensão da distribuição da receita local do imposto sobre a renda de pessoas jurídicas e do imposto sobre salários. A delimitação e a distribuição da receita local de outros impostos poderão igualmente ser regulados em lei. A quota estadual da receita do imposto sobre mercadorias e serviços será destinada a cada Estado de acordo com seu número de habitantes; lei federal sujeita à aprovação do Conselho Federal poderá destinar parcelas suplementares, não superiores a um quarto da quota estadual, àqueles Estados cuja receita per capita dos impostos estaduais e dos impostos sobre a renda de pessoas físicas e sobre a renda de pessoas jurídicas seja inferior à média de todos os Estados juntos.

2. A lei deverá assegurar uma equalização adequada das disparidades estaduais em termos de capacidade financeira, considerando, para esse fim, as capacidades e necessidades financeiras dos municípios (ou associações de municípios). Essa lei definirá os pressupostos para que os Estados possam

125 Tradução livre.

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xvi

Finanzbedarf der Gemeinden (Gemeindeverbände) zu berücksichtigen. Die Voraussetzungen für die Ausgleichsansprüche der ausgleichsberechtigten Länder und für die Ausgleichsver-bindlichkeiten der ausgleichspflichtigen Länder sowie die Maßstäbe für die Höhe der Ausgleichsleistungen sind in dem Gesetz zu bestim-men. Es kann auch bestimmen, daß der Bund aus seinen Mitteln leistungsschwachen Ländern Zuweisungen zur ergänzenden Deckung ihres allgemeinen Finanzbedarfs (Ergänzungszuweisungen) gewährt.

reivindicar os recursos previstos para essa equalização, as obrigações dos Estados chamados a contribuir para essa equalização, bem como os critérios de cálculo dos montantes dessas alocações de recursos. Essa lei poderá determinar também que a Federação compareça, com seus próprios recursos, para ajudar Estados financeiramente debilitados a atender às suas necessidades financeiras gerais (dotações suplementares).

Administração financeira (artigo 108):

Auf Deutsch Em Português126 1. Zölle, Finanzmonopole, die

bundesgesetzlich geregelten Verbrauchsteuern einschließlich der Einfuhrumsatzsteuer und die Abgaben im Rahmen der Europäischen Gemeinschaften werden durch Bundesfinanzbehörden verwaltet. Der Aufbau dieser Behörden wird durch Bundesgesetz geregelt. Soweit Mittelbehörden eingerichtet sind, werden deren Leiter im Benehmen mit den Landesregierungen bestellt.

2. Die übrigen Steuern werden durch Landesfinanzbehörden verwaltet. Der Aufbau dieser Behörden und die einheitliche

1. Direitos alfandegários, monopólios fiscais, impostos sobre consumo regulados por lei federal, incluindo o imposto sobre a importação de mercadorias e serviços, e as taxas criadas no âmbito das Comunidades Européias serão administrados por órgãos fiscais federais. Lei federal regulará a organização desses órgãos. Se forem criados órgãos de segundo escalão, seus diretores serão nomeados após consulta aos governos estadais.

2. Os demais impostos serão administrados pelos órgãos fiscais estaduais. Lei federal sujeita à aprovação do Conselho

126 Tradução livre.

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xvii

Ausbildung der Beamten können durch Bundesgesetz mit Zustimmung des Bundesrates geregelt werden. Soweit Mittelbehörden eingerichtet sind, werden deren Leiter im Einvernehmen mit der Bundesregierung bestellt.

3. Verwalten die Landesfinanzbehörden Steuern, die ganz oder zum Teil dem Bund zufließen, so werden sie im Auftrage des Bundes tätig. Artikel 85 Abs. 3 und 4 gilt mit der Maßgabe, daß an die Stelle der Bundesregierung der Bundesminister der Finanzen tritt.

4. Durch Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates bedarf, kann bei der Verwaltung von Steuern ein Zusammenwirken von Bundes- und Landesfinanzbehörden sowie für Steuern, die unter Absatz 1 fallen, die Verwaltung durch Landesfinanzbehörden und für andere Steuern die Verwaltung durch Bundesfinanzbehörden vorgesehen werden, wenn und soweit dadurch der Vollzug der Steuergesetze erheblich verbessert oder erleichtert wird. Für die den Gemeinden (Gemeindeverbänden) allein zufließenden Steuern kann die den Landesfinanzbehörden zu-stehende Verwaltung durch die Länder ganz oder zum Teil den Gemeinden (Gemeindeverbänden) übertragen werden.

5. Das von den Bundesfinanzbehörden anzuwendende Verfahren wird durch Bundesgesetz geregelt. Das von den Landesfinanzbehörden und in den Fällen des Absatzes 4 Satz

Federal poderá disciplinar a organização desses órgãos e o treinamento, com um mesmo nível de qualidade, de seus funcionários. Se forem criados órgãos de segundo escalão, seus diretores serão nomeados com a anuência do Governo Federal.

3. Quando administrarem impostos que se destinam, no todo ou em parte, à Federação, os órgãos fiscais estaduais atuarão por delegação federal. Aplicar-se-ão os §§ 3 e 4 do artigo 85, na medida em que o Ministro Federal das Finanças estiver respondendo pelo Governo Federal.

4. Lei federal sujeita à aprovação do Conselho Federal poderá prever a cooperação entre órgãos fiscais federais e estaduais na administração de impostos, bem como atribuir a administração dos impostos previstos no § 1 deste artigo a órgãos fiscais estaduais, ou a administração de outros impostos a órgãos fiscais federais, se e na medida em que essa iniciativa facilitar ou melhorar substancialmente a execução da legislação tributária. Relativamente aos impostos destinados exclusivamente aos municípios (ou associações de municípios), os Estados poderão delegar, no todo ou em parte, aos municípios (ou associações de municípios) as funções administrativas afetas aos órgãos fiscais estaduais.

5. Lei federal definirá os procedimentos a serem seguidos pelos órgãos fiscais federais. Os procedimentos a serem seguidos pelos órgãos fiscais estaduais e, nos casos previstos no segunda frase do § 4 deste artigo, pelos

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xviii

2 von den Gemeinden (Gemeindeverbänden) anzuwendende Verfahren kann durch Bundesgesetz mit Zustimmung des Bundesrates geregelt werden.

6. Die Finanzgerichtsbarkeit wird durch Bundesgesetz einheitlich geregelt.

7. Die Bundesregierung kann allgemeine Verwaltungsvorschriften erlassen, und zwar mit Zustimmung des Bundesrates, soweit die Verwaltung den Landesfinanzbehörden oder Gemeinden (Gemeindever-bänden) obliegt.

municípios (ou associações de municípios) poderão ser regulados por lei federal sujeita à aprovação do Conselho Federal.

6. Lei federal disciplinará, de forma uniforme, a jurisdição financeira.

7. O Governo Federal poderá expedir normas administrativas de caráter geral, que dependerão da aprovação do Conselho Federal se a administração couber aos órgãos financeiros estaduais ou aos municípios (ou associações de municípios).

Gestão dos Orçamentos federal e estadual (artigo 109)

Auf Deutsch Em Português127 1. Bund und Länder sind in ihrer

Haushaltswirtschaft selbständig und voneinander unabhängig.

2. Bund und Länder haben bei ihrer Haushaltswirtschaft den Erfordernissen des gesamtwirtschaftlichen Gleichgewichts Rechnung zu tragen.

3. Durch Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates bedarf, können für Bund und Länder gemeinsam geltende Grundsätze für das Haushaltsrecht, für eine konjunkturgerechte Haushaltswirtschaft und für eine mehrjährige Finanzplanung aufgestellt werden.

4. Zur Abwehr einer Störung des

1. A Federação e os Estados administrarão seus Orçamentos com autonomia e independência.

2. A Federação e os Estados deverão levar em conta, na gestão de seus Orçamentos, as exigências do equilíbrio global da economia.

3. Lei federal sujeita à aprovação do Conselho Federal poderá estabelecer princípios, aplicáveis tanto à Federação como aos Estados, regulando a Lei Orçamentária, adequando a gestão orçamentária à conjuntura econômica e ensejando um planejamento financeiro plurianual.

4. Para evitar distúrbios no equilíbrio geral da economia, lei

127 Tradução livre.

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xix

gesamtwirtschaftlichen Gleichgewichts können durch Bundesgesetz, das der Zustimmung des Bundesrates bedarf, Vorschriften über

1. Höchstbeträge, Bedingungen und Zeitfolge der Aufnahme von Krediten durch Gebietskörperschaften und Zweckverbände und

2. eine Verpflichtung von Bund und Ländern, unverzinsliche Guthaben bei der Deutschen Bundesbank zu unterhalten (Konjunktur-ausgleichsrücklagen), erlassen werden.

5. Ermächtigungen zum Erlaß von Rechtsverordnungen können nur der Bundesregierung erteilt werden. Die Rechtsverord-nungen bedürfen der Zustimmung des Bundesrates. Sie sind aufzuheben, soweit der Bundestag es verlangt; das Nähere bestimmt das Bundesgesetz.

federal sujeita à aprovação do Conselho Federal poderá:

1. estabelecer tetos, condições e cronogramas para levantamento de empréstimos por associações regionais de direito público e associações para fins comunitários; e

2. exigir que a Federação e os Estados mantenham depósitos sem rentabilidade (reservas para compensar flutuações conjunturais) no Banco Central Alemão (Deutsche Bundesbank).

5. Somente ao Governo Federal será conferido o poder de baixar regulamentos. Esses regulamentos requerem a aprovação do Conselho Federal. Eles deverão ser cancelados se assim o exigir o Parlamento Federal. Lei federal regulamentará a matéria.

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xx

ESPANHA: AS CIDADES AUTÔNOMAS

1. Regulamentação constitucional

1.1 Questões gerais

As comunidades autônomas na Espanha são regulamentadas nos artigos 143

e seguintes da Constituição. Na Espanha, essa categoria de comunidade

autônoma é reservada aos seguintes territórios ou províncias:

1. Províncias limítrofes com características históricas, culturais e

econômicas especiais128;

2. Territórios insulares129; e

3. Províncias revestidas de “nacionalidade histórica”130.

Mesmo sendo o status de comunidade autônoma atribuído às províncias e

territórios com as características acima descritas, a Constituição espanhola

pode restringir essa autonomia por motivos de interesse publico.

Territórios e províncias interessadas em se tornar comunidades autônomas

devem:

1. Formular iniciativa por meio das Diputaciones ou pelos Organos

Interinsulares do território ou província interessada na autonomia; ou

2. Formular iniciativa com o apoio de pelo menos dois terços dos

municípios que representem à maioria dos votantes do território ou

província.

1.2 Os “estatutos”

A lei fundamental, ou “estatuto”, das comunidades autônomas é elaborada por

uma Asamblea Especial composta pelos membros da “Diputación” ou “Organo

Interinsular” das províncias envolvidas e pelos deputados e senadores por elas

eleitos no Parlamento espanhol.

O referido estatuto, então, tramitará no Parlamento espanhol para se tornar a

norma institucional básica da Comunidade Autônoma131. Após a aprovação

128 Como por exemplo, Ceuta e Melilla. 129 Como por exemplo, as Ilhas Canárias na costa ocidental africana. 130 São elas Galícia, País Basco e Catalunha. 131 O equivalente a uma constituição local ou lei orgânica.

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pelo Parlamento, o Estado espanhol reconhecerá aquele estatuto como parte

integrante do ordenamento jurídico nacional.

O estatuto deve tratar, obrigatoriamente, das seguintes matérias:

1. A denominação da Comunidade Autônoma;

2. A delimitação do território;

3. A denominação, organização e sede das instituições autônomas

próprias; e

4. As competências assumidas dentro dos limites estabelecidos pela

Constituição espanhola e as bases para a cessão dos serviços

correspondentes.

Qualquer reforma do estatuto sempre precisará da aprovação das “Cortes

Generales”.

1.3 As competências

As competências que delegadas às comunidades autônomas podem ser de

caráter executivo132 e legislativo. Cada uma das competências pode ser

atribuída em duas etapas diferentes ou em uma só etapa, dependendo do

momento em que o processo de autonomia for iniciado.

Se o processo de autonomia não for iniciado no prazo de até 6 meses, contado

do primeiro “acordo” feito entre quaisquer dos territórios ou províncias

interessados, primeiro serão atribuídas algumas competências executivas133. E,

somente após 5 anos de atribuídas ditas competências executivas, serão

outorgadas sucessivamente as demais atribuições administrativas e

legislativas, mediante a reforma dos estatutos.

Por outro lado, se o processo de autonomia for iniciado dentro do prazo de 6

meses, contado do primeiro “acordo” feito entre alguns dos territórios ou

províncias com interesse na autonomia, as competências executivas e

legislativas serão atribuídas no mesmo ato.

1.4 As finanças das comunidades autônomas 132 Os órgãos, secretarias, enfim, a estrutura administrativa local poderá ser delegada em etapas. Em outras palavras, determinada comunidade autônoma poderá possuir órgão administrativo local (delegado) que, em outra comunidade autônoma, remanesça sob a competência da administração pública nacional. 133 Para ver as competências relatadas pela Constituição espanhola ir ao anexo I.

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As comunidades autônomas têm autonomia financeira para o desenvolvimento

e execução de suas competências, de acordo com os princípios de

coordenação do Ministério da Fazenda (“Hacienda Estatal”).

Ao mesmo tempo, as comunidades autônomas podem atuar como delegatárias

da arrecadação e administração dos recursos tributários do Estado espanhol.

1.5 Os recursos próprios das comunidades autônomas

As comunidades autônomas possuem os seguintes recursos próprios:

1. Os tributos que forem cedidos, total ou parcialmente, pelo Estado

espanhol;

2. Os seus próprios impostos, taxas e contribuições;

3. Transferências de fundos e outras atribuições relativas ao orçamento

geral do Estado espanhol;

4. Rendimentos decorrentes do seu patrimônio (receitas originárias); e

5. O produto de operações de credito.

1.6 A participação das comunidades autônomas no orçamento geral As comunidades autônomas podem ter dotação especial no orçamento do

Estado espanhol, que variará conforme a quantidade de serviços e atividades

estatais que lhes forem delegadas.

2. Melilla e Ceuta

2.1 . Estatutos e organização

Os estatutos de Melilla e Ceuta são basicamente iguais. Em ambos os casos

as instituições de governo134 das cidades são a “Asamblea”135, o Presidente136

e o “Consejo de Gobierno”137. Ambas têm as mesmas competências para se

autogovernar, auto-administrar e auto-organizar.

134 A Espanha adota um regime parlamentarista, em virtude disso os governos locais também são parlamentaristas. 135 Parlamento local. 136 Equivalente a um Primeiro Ministro local. 137 Equivale a um Conselho de Ministros local.

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xxiii

A “Asamblea” é a instituição encarregada de realizar a função legislativa, o

“Consejo de Gobierno” é à instituição encarregada da função executiva e o

Presidente dirige e coordena as atividades da “Asamblea” e do “Consejo de

Gobierno”.

2.2 . Competências

2.2.1 Competências Administrativas e Executivas

As cidades de Melilla e Ceuta têm competências executivas sobre os seguintes

temas:

En Español Em Português138 1. Ordenación del territorio,

urbanismo y vivienda. 2. Obras públicas de interés

para la Ciudad que no sean de interés del Estado.

3. Carreteras, caminos y

transportes terrestres y por cables.

4. Puertos y aeropuertos

deportivos. 5. Agricultura y ganadería. 6. Montes y aprovechamiento

forestales. 7. Proyectos, construcción y

explotación de aprovechameinto hidráulico.

8. Caza. 9. Acuicultura y marisqueo. 10. Ferias interiores. 11. Fomento del desarrollo

económico de la Ciudad dentro

1. A Organização e a classificação do território, do urbanismo e da moradia local.

2. As Obras públicas de interesse

da Cidade que não interessem ao Estado espanhol.

3. As Rodovias, as estradas e o

transporte terrestre e os teleféricos.

4. Os Portos e os aeroportos. 5. Agricultura e a pecuária. 6. O aproveitamento e proteção

ambiental. 7. Os projetos, a construção e a

exploração do potencial hidráulico.

8. Caça. 9. Aqüicultura e a pesca de

mariscos. 10. Feiras interiores.

138 Tradução livre.

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xxiv

de los objetivos, planes y programas aprobados por el Estado.

12. La artesanía. 13. Museos, archivos, bibliotecas

y conservatorios de interés de la Ciudad, que no sean de titularidad estatal.

14. Patrimonio cultural, histórico,

arqueológico, monumental, arquitectónico y científico de interés de la Ciudad.

15. Promoción y fomento de la

cultura em todas sus manifestaciones y expresiones.

16. Promoción y ordenacion del

turismo em su ambito territorial. 17. Promoción del deporte y de

la adecuada utilización del ocio. 18. Asistencia social. 19. Sanidad e higiene. 20. Procedimiento administrativo

derivado de las especialidades de la organización propia de la Ciudad.

21. Casinos, juegos u apuestas,

con exclusión de las apuestas mutuas deportivo-benéficas.

22. Cajas de ahorro. 23. Estadísticas para fines de la

Ciudad. 24. La vigilancia y la protección

de sus edificios e instalaciones. Policía local en los términos que establezca la ley.

25. Las restantes materias que

11. O Fomento do desenvolvimento econômico da Cidade dentro dos objetivos, planos e programas aprovados pelo Estado.

12. O Artesanato. 13. Os museus, os arquivos, as

bibliotecas e os conservatórios do interesse da Cidade, que não sejam propriedade do Estado espanhol.

14. O patrimônio cultural, histórico,

arqueológico, arquitetônico e cientifico do interesse da Cidade.

15. A promoção e o fomento da

cultura em todas as suas manifestações e expressões.

16. A promoção e organização e

classificação do turismo no seu âmbito territorial.

17. A promoção do esporte e da

adequada utilização do lazer. 18. A assistência social. 19. A saúde e a higiene. 20. O procedimento administrativo

derivado das especificidades da própria Cidade.

21. Os cassinos, jogos ou apostas,

com exclusão das apostas de caráter desportivo-voluntário.

22. As caixas econômicas. 23. Estatística sobre a Cidade. 24. A segurança e a proteção dos

prédios e instalações. A policia local, nos termos que a lei estabelecer.

25. As competências restantes que

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xxv

le sean atribuídas por el Estado.

forem delegadas pelo estado espanhol.

2.2.2 Competências Reguladoras ou Legislativas

As cidades de Melilla e Ceuta têm competência legislativa sobre os seguintes

temas legislados originariamente pelo Estado espanhol:

En Español Em Português139 1. Gestión en materia de

protección de medio ambiente, incluídos los vertidos industriales y contaminantes.

2. Comercio interior. Defensa de

los consumidores y usuarios. 3. Industria, a efectos de

impulsar el derarrollo económico de la Ciudad

4. Protección Civil. 5. Publicidad y espectáculos. 6. Instalaciones de producción,

distribución y transporte de energía cuando este transporte no salga de la Ciudad y su aprovechamiento no afecte a otro territorio.

7. Prensa, radio y televisión y

otros medios de comunicación social.

8. Propiedad Intelectual.

1. A Gestão em matérias de segurança ambiental, inclusive os dejetos industriais e poluentes.

2. O Comércio local. A defesa dos

consumidores e usuários. 3. A indústria e o fomento do

desenvolvimento econômico da Cidade.

4. A defesa Civil. 5. A publicidade e os espetáculos. 6. As instalações de produção, de

distribuição e de transporte de energia quando esse transporte não deixar o território da Cidade ou seu aproveitamento não afete outro território.

7. A imprensa e a televisão e

outros meios de comunicação social.

8. A propriedade intelectual.

As Comunidades Autônomas assumem normalmente140 as seguintes competências: 139 Tradução livre. 140 O Estado espanhol pode limitar estas competências por interesse público.

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xxvi

En Español Em Português141 1. Organización de sus intituciones

de autogobierno. 2. Las alteraciones de los términos

municipales comprendidos en su territorio y, en general, las funciones que correspondan a las Administración del Estado sobre las corporaciones locales y cuya transferencia autorice la legislación sobre Regimen Local.

3. Ordenación del territorio, urbanismo y vivienda.

4. Las obras públicas de interés de la Comunidad Autónoma en su propio territorio

5. Los ferrocariles y carreteras cuyo itinerario se desarrolle íntegramente en el territorio de la Comunidad Autonoma y, en los mismos términos, el transporte desarrollado por estos medios o por cable.

6. Los puertos de refugio, los puertos y aeropuertos deportivos y, en general, los que no desarrollen activiades comerciales.

7. La agricultura y ganadería, de acuerdo con la ordenación general de la economía

8. Los montes y aprovechamientos forestales.

9. La gestión en materia de protección del medio ambiente.

10. Los proyectos, construcción y explotación de los aprovechamientos hidráulicos, canales y regadíos de interés de la Comunidad Autonoma; las aguas minerales y termanles.

11. La pesca en aguas interiores, el marisqueo y la acuicultura , la caza y la pesca fluvial.

12. Ferias interiores. 13. El fomento del desarrollo

económico de la Comunidad

1. A Organização das suas instituições do governo.

2. As mudanças dos termos municipais compreendidos no seu território e, em geral, as funções que correspondam à administração do Estado sobre as corporações locais e que a transferência delas seja autorizada pela legislação do regime local.

3. A organização e classificação do território, o urbanismo e a moradia.

4. As Obras públicas de interesse da Cidade Autônoma no seu território.

5. Os trens e rodovias com itinerários desenvolvidos integramente no território da Comunidade Autônoma e, nos mesmos termos, o transporte desenvolvido pelos outros meios ou a cabo (teleférico).

6. Os portos de refúgio, os portos e aeroportos esportivos e, em geral, aqueles que não desenvolvem atividades econômicas.

7. A agricultura e a pecuária, de acordo com a organização geral da economia.

8. O meio ambiente e o desenvolvimento florestal.

9. A gestão em matérias de proteção do médio ambiente.

10. Os projetos, as construções e a exploração dos aproveitamentos hidráulicos, canais e irrigação do interesse da Cidade Autônoma; as águas minerais e termais.

11. A pesca em águas interiores, a captura de mariscos e a aqüicultura, a caça e a pesca fluvial.

12. As feiras locais. 13. O fomento no desenvolvimento

141 Tradução livre.

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xxvii

Autónoma dentro de los objetivos marcados por la política económica nacional.

14. La artesanía. 15. Museos, bibliotecas y

conservatorios de música de interés para la Comunidad Autónoma.

16. Patrimonio monumental de interés de la Comunidad Autónoma.

17. El fomento de la cultura, de la investigación y, en su caso, de la enseñanza de la lengua de la Comunidad Autónoma.

18. Promoción y ordenación del turismo en su ambito territorial.

19. Promoción del deporte y de la adecuada utilización del ocio.

20. Asistencia social. 21. Sanidad e higiene. 22. La vigilancia o protección de sus

edificios e instalaciones. La coordinación y demás facultades en ralción con las policias locales em los términos que establezca una ley orgánica.

econômico das Comunidades Autônomas dentro dos objetivos marcados pela política econômico nacional.

14. O Artesanato. 15. Os museus, as bibliotecas e os

conservatórios de música do interesse para à Comunidade Autônoma.

16. O patrimônio cultural do interesse da Comunidade Autônoma.

17. O fomento da cultura, da pesquisa e, se for o caso, do ensino da língua da Comunidade Autônoma.

18. A promoção e organização do turismo no seu âmbito territorial.

19. A promoção do esporte e da adequada utilização do lazer

20. A assistência social. 21. A saúde e a higiene. 22. A segurança ou a proteção dos

prédios e instalações. A coordenação e as demais faculdades com relação com a policia local, nos termos em que a lei estabelecer.

O Estado espanhol tem competência sobre as seguintes matérias, que,

contudo, podem ser excepcionalmente delegadas às Comunidades Autônomas

por prazo indeterminado.

En Español Em Português142 1. La regulación de la condiciones

básicas que garanticen la igualdad de todos los españoles en el ejercicio de los derechos y en cumplimiento de los deberes constitucionales.

2. Nacionalidad, a inmigración, a emigración, a extranjería y derecho de asilo.

3. Relaciones internacionales.

1. A regulamentação das condições básicas que garantem a igualdade de todos os espanhóis no exercício dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres constitucionais.

2. A nacionalidade, imigração, emigração e o direito do asilo.

3. As relações internacionais. 4. A defesa e as forças armadas.

142 Tradução livre.

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xxviii

4. Defensa y Fuerzas Armadas. 5. Administración de justicia. 6. Legislación mercantil, penal y

penitenciaría; legislación procesal, sin prejuicio de las necesarias especialidades que en este orden se deriven de las particularidades del derecho sustantivo de las Comunidades Autónomas.

7. Legislación laboral; sin perjuicio de su ejecución por los organos de las Comunidades Autónomas.

8. Legislación civil, sin perjuicio de la conservación, modificación y desarrollo por las Comunidades Autónomas de los derechos civiles, forales o especiales, alli donde existan.

En todo caso, las reglas relativas a la aplicación de las normas jurídicas, relaciones jurídico – civiles relativas a las formas de matrimonio, ordenación de los registros e instrumentos públicos, bases de las obligaciones contractuales, normas para resolver los conflictos de leyes y determinación de las fuentes de derecho, con respecto, en este último caso, a las normas de derecho foral o especial.

9. Legislación sobre propiedad intelectual e industrial

10. Régimen aduanero y arancelario; comercio exterior

11. Sistema monetario; divisas, cambio y convertibilidad; bases de la ordenación de crédito, banca y seguros.

12. Legislación sobre pesas y medidas, determinación de la hora oficial

13. Bases y coordinación de la planificación general de la actividad económica

5. A administração da justiça. 6. A legislação mercantil, penal e

penitenciária; a legislação processual, sem prejuízo das especialidades derivadas do direito substantivo das Comunidades Autônomas.

7. legislação trabalhista, sem prejuízo da sua execução pelos órgãos da Cidade Autônoma.

8. A legislação civil, sem prejuízo da sua conservação, mudança e desenvolvimento pelas Comunidades Autônomas dos direitos civis, florestais ou especiais. Em qualquer caso, as regras relativas à aplicação das normas jurídicas, relações jurídicas - civis relativas às formas de casamento, organização dos registros e instrumentos públicos, bases das obrigações contratuais, normas para resolver os conflitos entre leis e a determinação das fontes do direito, com relação, neste ultimo caso, as normas do direito foreiro ou especial.

9. A legislação sobre propriedade intelectual e industrial.

10. O regime aduaneiro, alfandegário e comercio exterior.

11. O sistema monetário; divisas, câmbio e conversibilidade; bases da organização do crédito dos bancos e dos seguros.

12. A legislação sobre pesos e medidas, determinação da hora oficial.

13. As bases e coordenação do planejamento geral da atividade econômica.

14. A fazenda geral (finanças e arrecadação) e a dívida do estado

15. Fomento e coordenação geral das pesquisas científicas e

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xxix

14. Hacienda General y Deuda del Estado

15. Fomento y coordinación general de la investigación científica y técnica.

16. Sanidad exterior. Bases y coordinación general de la sanidad. Legislación sobre productos famaceúticos.

17. Legislación básica y régimen económico de la seguridad social, sin perjuicio de la ejecución de sus servicios por las Comunidades Autónomas.

18. Las bases del régimen jurídico de las administraciones públicas y del régimen estatutario de sus funcionarios que en todo caso, garantizarán a los administrados un tratamiento comúm entre ellas; el procedimiento administrativo común , sin perjuicio de las especialidades derivadas de la organización propia de las Comunidades Autónomas; legislación sobre expropiación forzosa; legislación básica sobre contratos y concesiones administrativas y el sistema de responsabilidad de todas las Administradoras públicas.

19. Pesca marítima, sin perjuicio de las competencias que en la ordenación del sector se atribuyan a las comunidades autónomas.

20. Marina mercante y abanderamiento de boques; iluminación de costas y señales marítimas; puertos de interés general; aeropuertos de interés general; control de espacio aéreo, tránsito y tranporte aéreo, servicio meteorológico y registro de aeronaves.

21. Ferrocarriles y tranporte terrestres que transcurran por el territorio de más de una comunidad autónoma; régimen

técnicas. 16. A saúde exterior. Bases e

coordenação geral da saúde. Legislação sobre produtos farmacêuticos

17. A legislação básica e o regime econômico de previdência social, sem prejuízo da execução dos serviços pelas Comunidades Autônomas.

18. As bases do regime jurídico das administrações públicas e do regime estatutário dos funcionários públicos que, em qualquer caso, eles garantiram um tratamento igual entre elas; o procedimento administrativo comum, sem prejuízo das especialidades derivadas da organização própria das Comunidades Autônomas; legislação básica sobre contratos e concessões administrativas e o sistema de responsabilidade de todas as administrações públicas.

19. Pesca marítima, sem prejuízo das competências que forem atribuídas às Comunidades Autônomas na organização do setor.

20. A marinha mercante e a concessão de bandeiras aos navios; a iluminação das costas e a sinalização marítima; os portos de interesse geral; os aeroportos do interesse geral; o controle do espaço aéreo do trânsito e o transporte aéreo, serviço meteorológico e o cadastramento de aeronaves.

21. Os trens e o transporte terrestre que percorrer mais de uma Comunidade Autônoma; o regime geral de comunicações; o tráfego e a circulação de veículos automotores, os correios e as telecomunicações, os cabos aéreos, submarinos e de radiocomunicações;

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xxx

general de comunicaciones; tráfico y circulación de vehículos a motor; correos y telecomunicaciones, cables aéreos, submarinos y radiocomunicación.

22. La Legislación, ordenación y concesión de recursos y aprovechamientos hidraulicos cuando las aguas discurran por mas de uma comunidad autonoma y la autorización de las instalaciones eléctricas cuando su aprovechamiento afecte a outra comunidad o el transporte de energia salga de su ambito territorial.

23. Legislación básica sobre protección del medio ambiente, sin perjuicio de las facultades de las Comunidades Autónomas de establecer normas adicionales de protección. Legislación básica sobre montes, aprovechamientos forestales y vías pecuarias.

24. Obras públicas de interés general o cuya realización afecte a más de uma Comunidad Autónoma.

25. Bases de régimen minero y energético.

26. Régimen de producción, comercio, tenencia y uso de armas y explosivos.

27. Normas básicas de régimen de prensa, radio y televisión y, en general, de todos los medios de comunicación social, sin perjuicio de las facultades que en su desarrollo y ejecución correpondan a las Comunidades Autónomas.

28. Defensa del patrimonio cultural, artístico y monumental español contra la exportación y la expoliación; museos, bibliotecas y archivos de titularidad estatal, sin perjuicio de su gentión por parte de las Comunidades

22. A legislação, organização e concessão dos recursos e aproveitamentos hidráulicos quando as águas percorrerem mais de uma Comunidade Autônoma e a autorização das instalações elétricas quando o aproveitamento delas afetar outra Comunidade Autônoma ou o transporte desta fique fora de seu âmbito territorial.

23. A legislação básica sobre a proteção do meio ambiente, sem prejuízo das faculdades das Comunidades Autônomas no estabelecimento de normas adicionais de proteção. A Legislação básica sobre montanhas, aproveitamento florestal e vias pecuárias.

24. As obras públicas do interesse geral quando a sua realização afete mais de uma Comunidade Autônoma.

25. As bases do regime de minas e energia.

26. O regime de fabricação, de comércio, posse e utilização de armas e explosivos.

27. As normas básicas do regime de imprensa, radio e televisão e, em geral, de todos os meios de comunicação social, sem prejuízo das faculdades de desenvolvimento e execução que possui a Comunidade Autônoma.

28. A defesa do patrimônio cultural e artístico espanhol, contra a exportação e a depredação; museus, bibliotecas, e arquivos da propriedade do estado, sem prejuízo de sua gestão pelas Comunidades Autônomas.

29. A segurança publica, sem prejuízo da criação de policias pelas Comunidades Autônomas na forma em que for estabelecido nos seus estatutos dentro do marco da lei.

30. A regulamentação das condições

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xxxi

Autónomas. 29. Seguridad pública, sin perjuicio

de la creación de policias por las Comunidades Autónomas en la forma en que se establesca en sus respectivos estatutos en el marco de lo que disponga la ley orgánica.

30. Regulación de la condiciones de obtención, expedición y homologación de títulos académicos y profesionales y normas básicas.

31. Estadísticas para fines estatales.

32. Autorización para la convocatoria de consultas populares por vía de referemdum.

para a obtenção, expedição e homologação dos títulos acadêmicos e profissionais (e as normas básicas).

31. Estatística para fines do estado. 32. A Autorização para a

convocação de consultas populares pela via do referendo.

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xxxii

CHINA: HONG KONG E MACAU

1 Regulamentação constitucional

1.1 Questões gerais

O Direito chinês surgiu há mais de 4 mil anos, durante a dinastia Xia, a primeira

dinastia da história chinesa. O Direito tradicional chinês durou do século 21

a.C. ao final do século passado.

Desde a instituição da República Popular da China, em 1949, já foram

adotadas 4 Constituições (em 1954, 1975, 1978 e 1982). A Constituição de

1954 totalizou 106 artigos e era mais abrangente do que as Constituições de

1974 e 1978. A Constituição de 1954 criou a base do sistema legal chinês e

consolidou a estrutura política que é hoje vigente. A Constituição de 1982 foi

adotada no 5º Congresso do Povo e promulgada em 4 de dezembro de 1982.

Esta última, apesar de atualizar institutos, mantém a estrutura do texto de

1954.

Quanto à organização administrativa, o Estado chinês está dividido em 4 ou 5

níveis, desconsiderando-se as 2 Regiões Administrativas Especiais de Hong

Kong e Macau. Confira-se a divisão definida pelo advogado Dr. John Ferençz

McNaughton, especialista no sistema legal chinês:

“Os tipos diferentes de órgãos do estado são todos

organizados numa estrutura hierárquica de quatro

ou cinco níveis. No topo está o nível nacional ou

central, e diretamente abaixo está o nível provincial

(shengji). Desde 1990, há 23 províncias, três

municipalidades diretamente sob o governo central

(Beijing, Tianjin e Shanghai) e cinco regiões

autônomas. O terceiro nível é o das prefeituras, que

inclui 113 prefeituras, 30 prefeituras autônomas,

oito uniões (todas na região da Mongólia) e 185

cidades do nível de prefeitura. O quarto nível são os

condados com 1.919 condados ou unidades

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xxxiii

equivalentes, 262 cidades do nível de condado, e

648 cidades distritais. O quinto nível é o das vilas

(xiang) e vilarejos, que são mais do que 56.000. Os

congressos do povo e governo existem no nível

central, provincial e nos níveis do condado e da

vila.” (China Pós-OMC: Direito e Comércio, Durval

de Noronha Goyos Júnior, John Ferençz

McNaughton, Winnie Pang Xiaofang, São Paulo,

Editora Observador Legal, 2002, pág. 58).

As zonas nacionais autônomas estão previstas em vários artigos da

Constituição da República Popular da China, sendo definidas no artigo 4º como

“zonas em que pessoas pertencentes a minorias nacionais vivam em

comunidades compactas”, nas quais “vigora um regime de autonomia regional,

sendo criados órgãos de governo próprio para o exercício do direito à

autonomia”, que são regulados pelos dispositivos do Título VI dessa

Constituição.

Segundo o mesmo artigo, todas as zonas nacionais autônomas são parte

inalienável da República Popular da China.

A Lei Máxima não prevê restritivamente as hipóteses de criação de Regiões

Administrativas Especiais (RAE); ressalva apenas que somente o Estado

poderá criá-las, sempre que necessário. A definição dos regimes a serem

instituídos nas RAEs é matéria de lei promulgada pelo Congresso Nacional

Popular à luz das condições específicas existentes (v. art. 31 da Constituição).

1.2 As Leis Básicas

A Lei Básica das RAEs é elaborada pelos Congressos Populares das zonas

nacionais autônomas à luz das características políticas, econômicas e culturais

da nacionalidade ou das nacionalidades das respectivas RAEs.

O art. 116 da Constituição prevê que tais leis básicas e quaisquer

regulamentos específicos das RAEs deverão ser submetidos à Comissão

Permanente do Congresso Nacional Popular da China para aprovação prévia.

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xxxiv

1.3 As competências

As competências que são delegadas visam a permitir a realização plena da

autonomia regional nas respectivas áreas administrativas através da instituição

de governo próprio e, conseqüentemente, autônomo.

Dispõe o art. 115 da Constituição Chinesa que os órgãos de governo autônomo

das RAEs detêm as mesmas prerrogativas, funções e competências dos

órgãos locais do Estado Chinês, nos termos definidos no Título V da Parte III

da Constituição. Tais órgãos podem exercer também o poder de autonomia

dentro dos limites prescritos na Constituição, zelar pelo fiel cumprimento das

leis e aplicar as políticas do Estado, considerando as condições locais.

E, ainda, mediante a aprovação do Conselho de Estado, é facultado aos

órgãos das RAEs organizar forças de segurança pública locais para a

manutenção da ordem pública, segundo o art. 120.

1.4 As finanças das RAEs

Segundo o art. 117, também é atribuída aos órgãos de governo próprio das

RAEs autonomia na administração das finanças das respectivas áreas. Todas

as receitas que caibam às zonas nacionais autónomas no âmbito do sistema

financeiro do Estado serão geridas e utilizadas, de forma independente, pelos

órgãos de governo próprio das mesmas zonas.

A tais órgãos é permitida a condução das respectivas políticas locais de

desenvolvimento econômico, cabendo ao Estado Chinês ponderar os

interesses das RAEs quando da exploração dos seus recursos naturais e do

estabelecimento de empresas nestas regiões autônomas (art. 118).

1.5 Os recursos próprios das RAEs

A Constituição Chinesa não prevê a origem dos recursos próprios das RAEs.

1.6 A participação das RAEs no orçamento geral

A Constituição Chinesa não dispõe sobre a participação das RAEs no

Orçamento Geral do Estado.

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2 Hong Kong

2.1 Lei Básica e organização

Hong Kong possui elevada autonomia e goza de independência no exercício

dos poderes executivo, legislativo e judiciário, incluindo neste último o

julgamento em última instância (conforme art. 2º da Lei Básica da Região

Administrativa Especial da República Popular da China de Hong Kong - LBHK).

O Governo de Hong Kong é o órgão executivo e seu dirigente máximo é o

Chefe do Executivo, selecionado por eleição ou por consultas localmente

realizadas e ser nomeado pelo Governo Popular Central (art. 45 da LBHK).

A Assembléia Legislativa da RAE Hong Kong é o órgão legislativo composto

por deputados residentes permanentes da RAE e constituído por membros

eleitos.

A função judicial é exercida pelos Tribunais da RAE Hong Kong,

independentemente e livres de qualquer interferência, sujeitos tão-somente à

lei.

2.2 Competências

2.2.1 Competências Administrativas e Executivas

A RAE Hong Kong tem competência executiva sobre os seguintes temas (o

texto, abaixo, em inglês é o original da lei, pois o inglês permanece como um

dos idiomas oficiais de Hong Kong além do Chinês):

English Version Versão em Português143 Article 48. The Chief Executive of the Hong Kong Special Administrative Region shall exercise the following powers and functions: (1) To lead the government of the Region; (2) To be responsible for the implementation of this Law and other

Artigo 48. Compete ao Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong exercer os seguintes poderes e funções: (1) Dirigir o Governo da Região; (2) Ser responsável pelo cumprimento desta Lei e de outras leis aplicáveis à Região

143 Tradução livre.

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laws which, in accordance with this Law, apply in the Hong Kong Special Administrative Region; (3) To sign bills passed by the Legislative Council and to promulgate laws; To sign budgets passed by the Legislative Council and report the budgets and final accounts to the Central People's Government for the record; (4) To decide on government policies and to issue executive orders; (5) To nominate and to report to the Central People's Government for appointment the following principal officials: Secretaries and Deputy Secretaries of Departments, Directors of Bureaux, Commissioner Against Corruption, Director of Audit, Commissioner of Police, Director of Immigration and Commissioner of Customs and Excise; and to recommend to the Central People's Government the removal of the above-mentioned officials; (6) To appoint or remove judges of the courts at all levels in accordance with legal procedures; (7) To appoint or remove holders of public office in accordance with legal procedures; (8) To implement the directives issued by the Central People's Government in respect of the relevant matters provided for in this Law; (9) To conduct, on behalf of the Government of the Hong Kong Special Administrative Region, external affairs and other affairs as authorized by the Central Authorities; (10) To approve the introduction of motions regarding revenues or expenditure to the Legislative Council; (11) To decide, in the light of security and vital public interests, whether government officials or other personnel in charge of government affairs should testify or give evidence before the Legislative Council or its

Administrativa Especial de Hong Kong, nos termos desta Lei; (3) Assinar os projetos de lei aprovados pela Assembléia Legislativa e promulgar leis; Assinar a proposta de orçamento aprovada pela Assembleia Legislativa e comunicar ao Governo Popular Central, para efeitos de registo, o orçamento e as contas finais; (4) Definir as políticas do Governo e mandar publicar as ordens executivas; (5) Submeter ao Governo Popular Central, para efeitos de nomeação, a indigitação dos titulares dos seguintes principais cargos: os Secretários, o Comissário contra a Corrupção, o Comissário da Auditoria, o principal responsável pelos serviços de polícia e o principal responsável pelos serviços de alfândega; e submeter ao Governo Popular Central as propostas de exoneração dos titulares dos cargos acima referidos; (6) Nomear e exonerar, com observância dos procedimentos legais, os juízes dos tribunais de quaisquer instâncias; (7) Nomear e exonerar, com observância dos procedimentos legais, os titulares de cargos da função pública; (8) Implementar diretrizes emanadas do Governo Popular Central em relação às matérias previstas nesta Lei; (9) Tratar, em nome do Governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong, dos assuntos externos e de outros assuntos, quando autorizado pelas Autoridades Centrais; (10) Aprovar a apresentação de moções relativas às receitas e despesas à Assembleia Legislativa; (11) Decidir se os membros do Governo ou outros funcionários

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committees; (12) To pardon persons convicted of criminal offences or commute their penalties; and (13) To handle petitions and complaints. (...)

Article 62. The Government of the Hong Kong Special Administrative Region shall exercise the following powers and functions:

(1) To formulate and implement policies; (2) To conduct administrative affairs; (3) To conduct external affairs as authorized by the Central People's Government under this Law; (4) To draw up and introduce budgets and final accounts; (5) To draft and introduce bills, motions and subordinate legislation; and (6) To designate officials to sit in on the meetings of the Legislative Council and to speak on behalf of the government.

responsáveis pelos serviços públicos devem testemunhar e apresentar provas perante a Assembleia Legislativa ou as suas comissões, em função da necessidade de segurança ou de interesse público de relevante importância do Estado e da Região Administrativa Especial de Macau; (12) Conceder indulto a pessoas condenadas por infrações criminais ou comutar as suas penas; e (13) Atender a petições e queixas. (...) Artigo 62. Compete ao Governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong exercer os seguintes poderes e funções: (1) Definir e implementar políticas; (2) Gerir assuntos administrativos; (3) Tratar dos assuntos externos conforme autorizado pelo Governo Popular Central, nos termos previstos nesta Lei; (4) Organizar e apresentar orçamentos e contas finais; (5) Apresentar propostas de lei, de resolução, e elaborar regulamentos administrativos; (6) Designar funcionários para assistirem às sessões da Assembleia Legislativa para ouvir opiniões ou intervir em nome do Governo.

2.2.2 Competências legislativas

A RAE Hong Kong tem competência para legislar sobre os seguintes temas:

English Version Versão em Português144 Article 73. The Legislative Council of the Hong Kong Special Administrative Region shall exercise the following powers and functions:

Artigo 73. A Assembléia Legislativa da Região Administrativa Especial de hong Kong deverá exercer os seguintes poderes e funções: (1) Elaborar, alterar, suspender ou

144 Tradução livre.

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(1) To enact, amend or repeal laws in accordance with the provisions of this Law and legal procedures; (2) To examine and approve budgets introduced by the government; (3) To approve taxation and public expenditure; (4) To receive and debate the policy addresses of the Chief Executive; (5) To raise questions on the work of the government; (6) To debate any issue concerning public interests; (7) To endorse the appointment and removal of the judges of the Court of Final Appeal and the Chief Judge of the High Court; (8) To receive and handle complaints from Hong Kong residents; (9) If a motion initiated jointly by one-fourth of all the members of the Legislative Council charges the Chief Executive with serious breach of law or dereliction of duty and if he or she refuses to resign, the Council may, after passing a motion for investigation, give a mandate to the Chief Justice of the Court of Final Appeal to form and chair an independent investigation committee. The committee shall be responsible for carrying out the investigation and reporting its findings to the Council. If the committee considers the evidence sufficient to substantiate such charges, the Council may pass a motion of impeachment by a two-thirds majority of all its members and report it to the Central People's Government for decision; and (10) To summon, as required when exercising the above-mentioned powers and functions, persons concerned to testify or give evidence.

revogar leis, nos termos desta Lei e de acordo com os procedimentos legais; (2) Examinar e aprovar a proposta de orçamento apresentada pelo Governo; (3) Aproxar a tributação e os gastos públicos; (4) Ouvir e debater o relatório sobre as linhas de governo apresentadas pelo Chefe do Executivo; (5) Efetuar questões sobre o trabalho do Governo; (6) Debater questões de interesse público; (7) Homologar a nomeação e a exclusão de juízes do Tribunal de Última Instância e do Presidente do Tribunal Superior; (8) Receber e tratar das queixas apresentadas por residentes de Macau; (9) Poder, mediante deliberação, incumbir o Presidente do Tribunal de Última Instância de formar uma comissão de inquérito independente para proceder a averiguações, se for proposta conjuntamente por um terço dos deputados uma moção, acusando o Chefe do Executivo de grave violação da lei ou de abandono das suas funções, e se este não se demitir. Se a Comissão entender que há provas suficientes para sustentar as acusações acima referidas, a Assembleia Legislativa pode aprovar uma moção de censura, por maioria de dois terços dos deputados, comunicando-a ao Governo Popular Central para decisão; e (10) Convocar e solicitar pessoas relacionadas ao exercício dos poderes e funções acima referidos para testemunhar e apresentar provas, sempre que necessário.

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3 Macau

3.1. Lei Básica e organização

A Lei Básica desta RAE guarda grande semelhança com a Lei Básica da RAE

Hong Kong e propicia à Macau elevada autonomia e independência no

exercício dos poderes executivo, legislativo e judiciário, incluindo neste último o

julgamento em última instância (conforme art. 2º da Lei Básica da Região

Administrativa Especial da República Popular da China de Macau - LBRAEM).

Macau é dividida em 3 freguesias145: Macau, Coloane e Taipa.

O Governo de Macau é o órgão executivo e seu dirigente máximo é o Chefe do

Executivo, selecionado por eleição ou por consultas localmente realizadas e

ser nomeado pelo Governo Popular Central (art. 62 da LBRAEM).

A Assembléia Legislativa da RAEM é o órgão legislativo composto por

deputados residentes permanentes da RAEM e constituído por uma maioria de

membros eleitos (art. 67 e ss. da LBRAEM.).

A função judicial é exercida pelos Tribunais da RAEM, independentemente e

livres de qualquer interferência, sujeitos tão-somente à lei (LBRAEM, art. 83).

3.2 Competências

3.2.1 Competências Administrativas e Executivas

A RAEM possui competência administrativa e executiva sobre os seguintes

temas (o texto, abaixo, em português é o original da lei, pois o português

permanece como um dos idiomas oficiais de Macau, além do Chinês):

Artigo 50. Compete ao Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau: 1) Dirigir o Governo da Região Administrativa Especial de Macau; 2) Fazer cumprir esta Lei e outras leis aplicáveis à Região Administrativa Especial de Macau, nos termos desta Lei; 3) Assinar os projetos e as propostas de lei aprovados pela Assembléia Legislativa e mandar publicar as leis;

145 As freguesias equivalem a bairros ou distritos, uma vez que foi mantida a divisão anteriormente estabelecida por Portugal.

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Assinar a proposta de orçamento aprovada pela Assembléia Legislativa e comunicar ao Governo Popular Central, para efeitos de registro, o orçamento e as contas finais; 4) Definir as políticas do Governo e mandar publicar as ordens executivas; 5) Elaborar, mandar publicar e fazer cumprir os regulamentos administrativos; 6) Submeter ao Governo Popular Central, para efeitos de nomeação, a indigitação dos titulares dos seguintes principais cargos: os Secretários, o Comissário contra a Corrupção, o Comissário da Auditoria, o principal responsável pelos serviços de polícia e o principal responsável pelos serviços de alfândega; e submeter ao Governo Popular Central as propostas de exoneração dos titulares dos cargos acima referidos; 7) Nomear parte dos deputados à Assembléia Legislativa; 8) Nomear e exonerar os membros do Conselho Executivo; 9) Nomear e exonerar, com observância dos procedimentos legais, os presidentes e juízes dos tribunais das várias instâncias e os delegados de Procurador; 10) Indigitar, com observância dos procedimentos legais, o candidato ao cargo de Procurador para ser nomeado pelo Governo Popular Central e propor a este a sua exoneração; 11) Nomear e exonerar, com observância dos procedimentos legais, os titulares de cargos da função pública; 12) Fazer cumprir as diretrizes emanadas do Governo Popular Central em relação às matérias previstas nesta Lei; 13) Tratar, em nome do Governo da Região Administrativa Especial de Macau, dos assuntos externos e de outros assuntos, quando autorizado pelas Autoridades Centrais; 14) Aprovar a apresentação de moções relativas às receitas e despesas à Assembléia Legislativa; 15) Decidir se os membros do Governo ou outros funcionários responsáveis pelos serviços públicos devem testemunhar e apresentar provas perante a Assembléia Legislativa ou as suas comissões, em função da necessidade de segurança ou de interesse público de relevante importância do Estado e da Região Administrativa Especial de Macau; 16) Conceder, nos termos da lei, medalhas e títulos honoríficos instituídos pela Região Administrativa Especial de Macau; 17) Indultar pessoas condenadas por infrações criminais ou comutar as suas penas, nos termos da lei; e 18) Atender petições e queixas.

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Artigo 64. Compete ao Governo da Região Administrativa Especial de Macau: 1) Definir e aplicar políticas; 2) Gerir os diversos assuntos administrativos; 3) Tratar dos assuntos externos, quando autorizado pelo Governo Popular Central, nos termos previstos nesta Lei; 4) Organizar e apresentar o orçamento e as contas finais; 5) Apresentar propostas de lei e de resolução, e elaborar regulamentos administrativos; e 6) Designar funcionários para assistirem às sessões da Assembléia Legislativa para ouvir opiniões ou intervir em nome do Governo.

3.2.2 Competências legislativas

A RAEM tem competência para legislar sobre os seguintes temas:

Artigo 71. Compete à Assembléia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau: 1) Fazer, alterar, suspender ou revogar leis, nos termos desta Lei e de acordo com os procedimentos legais; 2) Examinar e aprovar a proposta de orçamento apresentada pelo Governo, bem como apreciar o relatório sobre a execução do orçamento apresentado pelo Governo; 3) Definir, com base na proposta apresentada pelo Governo, os elementos essenciais do regime tributário, bem como autorizar o Governo a contrair dívidas; 4) Ouvir e debater o relatório sobre as linhas de ação governativa apresentado pelo Chefe do Executivo; 5) Debater questões de interesses públicos; 6) Receber e tratar das queixas apresentadas por residentes de Macau; 7) Poder, mediante deliberação, incumbir o Presidente do Tribunal de Última Instância de formar uma comissão de inquérito independente para proceder a averiguações, se for proposta conjuntamente por um terço dos deputados uma moção, acusando o Chefe do Executivo de grave violação da lei ou de abandono das suas funções, e se este não se demitir. Se a Comissão entender que há provas suficientes para sustentar as acusações acima referidas, a Assembléia Legislativa pode aprovar uma moção de censura, por maioria de dois terços dos deputados, comunicando-a ao Governo Popular Central para decisão; e 8) Convocar e solicitar pessoas relacionadas para testemunhar e apresentar provas, sempre que necessário, no exercício dos poderes e funções acima referidos.

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PORTUGAL: COMUNIDADES AUTÔNOMAS

1 Regulamentação constitucional

1.1 Questões gerais

As Regiões Autônomas de Portugal, Açores e Madeira (“RAs”), são tratadas

pela Parte III da Constituição da República Portuguesa.

O regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da

Madeira fundamenta-se nas suas características geográficas, econômicas,

sociais e culturais e nas históricas aspirações de autonomia das respectivas

populações.

A RA é dotada de órgãos administrativos dirigidos pelo governo local (artigo

231 da Constituição portuguesa). São órgãos do governo de cada região a

Assembléia Legislativa Regional e o Governo Regional (Poder Executivo). Os

membros da Assembléia Legislativa Regional são eleitos por sufrágio universal

direto e secreto, pelo método da representação proporcional.

O Estado português era representado nas RAs por um Ministro da República,

cuja nomeação e exoneração competia ao Presidente da República, sob

proposta do Governo. A sexta revisão constitucional extinguiu o cargo de

Ministro da República (destacado para as RAs), substituindo-o por um

Representante da República.

O Governo Regional é eleito pela Assembléia Legislativa da RA. Todavia, a

nomeação do presidente do Governo Regional e de seus integrantes

dependem de aprovação do Representante da República, que respeitará os

resultados eleitorais para o Governo Regional.

1.2 As Leis Básicas

O estatuto político-administrativo da RA é um diploma legal de natureza

infraconstitucional, que reflete o regime de autonomia local adotado por

Portugal para essas regiões, e por meio do qual se define as competências

próprias da administração regional autônoma e a estrutura e funcionamento

dos órgãos de governo próprio.

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O estatuto regional é, na sua essência, uma constituição regional, dando corpo

ao regime autônomo fixado na Constituição da República Portuguesa para os

arquipélagos dos Açores e da Madeira.

Os estatutos político-administrativos das RAs (lei orgânica ou constituição

regional) são elaborados e alterados pelas Assembléias Legislativas Regionais

e enviados para discussão e aprovação na Assembléia da República

Portuguesa. Tal regime é previsto pelo artigo 226, e subitens, da Constituição

Portuguesa.

Se a Assembléia da República rejeitar o projeto ou lhe introduzir alterações,

este será remetido à respectiva Assembléia Legislativa Regional para

apreciação e emissão de parecer. Elaborado o parecer, a Assembléia da

República procede à discussão e deliberação final.

Em ambos os casos, Açores e Madeira, os ordenamentos são muito similares e

são regulados pelas seguintes leis:

(i) Estatuto Político-Administrativo da Região Autônoma dos Açores, Lei

n.º 9/87 de 26 de março, alterada pela Lei n.º 61/98 de 27 de agosto; e

(ii) Estatuto Político-Administrativo da Região Autônoma da Madeira, Lei

nº 130/99 de 21 de agosto.

1.3 As Competências

As competências atribuídas às RAs portuguesas são tratadas nos artigos 227,

228 e 232 da Constituição Portuguesa.

Em breves linhas, tais artigos prevêem os poderes e atribuições das RAs e

seus órgãos (Governo Local e Assembléia Legislativa Regional), os quais são

definidos pelos estatutos político-administrativos, conforme artigo 227, caput.

Os dispositivos conferem às RAs autonomia legislativa sobre as matérias

enunciadas em seus estatutos. Nada obstante, a competência legislativa das

RAs revela-se residual.

O artigo 232 da Constituição elenca as competências legislativas das RAs, as

quais são tratadas em conjunto no presente trabalho por serem comuns à

ambas as Regiões dos Açores e da Madeira.

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Segundo esse artigo, é da exclusiva competência da Assembléia Legislativa

das RAs o exercício das atribuições abaixo listadas, bem como a aprovação do

orçamento regional, do plano de desenvolvimento econômico e social e das

contas da região e, ainda, a adaptação do sistema fiscal nacional às

especificidades da região.

As atribuições acima mencionadas estão elencadas no artigo 227 e são de

competência exclusiva da Assembléia Legislativa Regional:

“Artigo 227. a) Legislar no âmbito regional em matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania; (...) c) Desenvolver para o âmbito regional os princípios ou as bases gerais dos regimes jurídicos contidos em lei que a eles se circunscrevam; d) Regulamentar a legislação regional e as leis emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar; (...) f) Exercer a iniciativa legislativa, nos termos do n.º 1 do artigo 167, mediante a apresentação à Assembléia da República de propostas de lei e respectivas propostas de alteração; (...) i) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembléia da República; (...) l) Criar e extinguir autarquias locais, bem como modificar a respectiva área, nos termos da lei; (...) n) Elevar povoações à categoria de vilas ou cidades; (...) q) Definir atos ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções, sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 165.”

É interessante destacar que compete à Assembléia Legislativa das RAs

elaborar e aprovar o seu regimento, nos termos da Constituição Portuguesa e

do respectivo estatuto político-administrativo.

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1.4 As Finanças das Regiões Autônomas

O Estatuto e a Lei de Finanças das RAs determinam como receitas:

(i) as receitas fiscais cobradas ou geradas na Região;

(ii) a participação nas receitas tributárias do Estado; e

(iii) outras receitas que lhe sejam atribuídas e afetadas às suas despesas.

O Governo Regional e a Assembléia Legislativa Regional podem fixar o

quantitativo das taxas, tarifas e preços devidos pela prestação de serviços

regionais, ainda que “concessionadas”, e ainda pela outorga regional de

licenças, alvarás e outras “remoções” dos limites jurídicos às atividades

regionais dos particulares e pela utilização dos bens do domínio público

regional.

Entretanto, a competência para legislar sobre o regime de finanças das RAs é

exercida com exclusividade pela Assembléia Legislativa da República

Portuguesa, conforme artigo 164, alínea “t” da Constituição da República.

1.5 Os Recursos Próprios das RAs

O legislador português aprova a existência dos tributos que serão cobrados nas

RAs. Todavia, as alíquotas, em regra, são estabelecidas pela Assembléia

Legislativa Regional.

1.6 A participação das RAs no orçamento geral

A Constituição Portuguesa não dispõe sobre a participação das RAs no

Orçamento Geral do Estado.

2 Açores

2.1 Lei Básica e organização

A RA dos Açores possui autonomia política, administrativa e financeira, mas,

no entanto, tal autonomia deve ser exercida dentro dos limites da Constituição

da República e de seu Estatuto Político-Administrativo, de modo a não afetar a

soberania do Estado Português.

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O Estatuto Político-Administrativo da RA dos Açores, Lei n.º 9/87 de 26 de

março, alterada pela Lei n.º 61/98 de 27 de agosto, prevê a representação da

Região pelo Presidente da Assembléia Legislativa Regional e pelo Presidente

do Governo Regional, este último somente nos casos previstos na Constituição

da República e naqueles decorrentes do exercício de competência própria do

Governo Regional.

O Estatuto prevê, ainda, que a RA dos Açores exerce poder tributário próprio e

pode adaptar o sistema fiscal nacional às suas especificidades, de acordo com

lei da Assembléia da República de Portugal.

Sobre o Poder Judiciário, por sua vez, o Estatuto apenas prevê que serão

consideradas as especificidades e necessidades próprias da RA.

2.2 Competências

2.2.1 Competências Administrativas e Executivas

O artigo 231 da Constituição Portuguesa afirma que é competência exclusiva

do Governo Regional regulamentar matéria atinente à sua própria organização

e funcionamento.

O Estatuto de Açores146, em seu artigo 60, elenca as competências do seu

Governo Regional de Açores:

“a) Exercer Poder Executivo próprio; b) Administrar e dispor do patrimônio regional e celebrar os atos e contratos em que a Região tenha interesse; c) Administrar, nos termos do Estatuto e da Lei de Finanças das Regiões Autônomas, as receitas fiscais cobradas ou geradas na Região, bem como a participação nas receitas tributárias do Estado, e outras receitas que lhe sejam atribuídas e afetá-las às suas despesas; d) Exercer poder de tutela sobre as autarquias locais; e) Superintender nos serviços, institutos públicos e empresas públicas e nacionalizadas que exerçam a sua atividade exclusiva ou

146 O texto citado relativo ao Estatuto da RA dos Açores foi para melhor entendimento do leitor “livremente” adaptado do português de Portugal para o português brasileiro. Entretanto, as expressões jurídicas de origem lusitana foram mantidas, uma vez que, no direito brasileiro, algumas dessas expressões não encontram abrigo.

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predominantemente na Região, e noutros casos em que o interesse regional o justifique; f) Participar na definição e execução das políticas fiscal, monetária, financeira e cambial, de modo a assegurar o controle regional dos meios de pagamento em circulação e o financiamento dos investimentos necessários ao desenvolvimento econômico-social da Região; g) Participar na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona econômica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos; h) Participar nas negociações de tratados e acordos internacionais que diretamente digam respeito à Região e administrar os benefícios deles decorrentes; i) Estabelecer cooperação com outras entidades regionais estrangeiras e participar em organizações que tenham por objeto fomentar o diálogo e a cooperação inter-regional, de acordo com as orientações definidas pelos órgãos de soberania com competência em matéria de política externa; j) Pronunciar-se, por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãos de soberania, sobre as questões da competência destes que digam respeito à Região, bem como na definição das posições do Estado Português no âmbito do processo de construção européia em matérias de interesse específico da Região; 1) Participar no processo de construção européia, mediante representação nas respectivas instituições regionais e nas delegações envolvidas em processos de decisão comunitária, quando estejam em causa matérias do interesse específico regional; m) Conduzir a política da Região, defendendo a legalidade democrática; n) Participar na elaboração dos planos nacionais; o) Regulamentar a legislação regional; p) Aprovar a sua própria organização e funcionamento; q) Elaborar os regulamentos necessários ao bom funcionamento da administração regional; r) Dirigir os serviços e atividades de administração regional; s) Elaborar o seu Programa e apresentá-lo, para aprovação, à Assembléia Legislativa Regional; t) Apresentar à Assembléia Legislativa Regional propostas de decreto legislativo regional e antepropostas de lei; u) Elaborar as propostas de plano de desenvolvimento econômico e social da Região; v) Elaborar a proposta de orçamento e submetê-la à aprovação da Assembléia Legislativa Regional;

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x) Apresentar à Assembléia Legislativa Regional as contas da Região; z) Adotar as medidas necessárias à promoção e desenvolvimento econômico e social e à satisfação das necessidades coletivas regionais; aa) Coordenar o Plano e o Orçamento regionais e velar pela sua boa execução; bb) Proceder à requisição civil e à expropriação por utilidade pública, nos termos da lei; cc) Praticar todos os atos exigidos pela lei, respeitantes aos funcionários e agentes da administração regional; dd) Exercer as demais funções executivas que lhe sejam cometidas por lei”.

2.2.2 Competências Legislativas

O Estatuto dos Açores147 divide a competência da Assembléia Legislativa

Regional em competências política, legislativa, de fiscalização e regulamentar.

Entretanto, é na definição das competências legislativas, sempre residuais em

relação à competência legislativa do Estado Português, que se percebe a

autonomia dessa Região.

“Artigo 31. Competência legislativa. Compete ainda à Assembléia Legislativa Regional dos Açores: a) Elaborar as propostas de alteração do Estatuto Político-Administrativo da Região, bem como emitir parecer sobre a respectiva rejeição ou introdução de alterações pela Assembléia da República, nos termos do artigo 226 da Constituição; b) Exercer iniciativa legislativa, mediante a apresentação de propostas de lei ou de alteração à Assembléia da República, bem como requerer a declaração de urgência do respectivo processamento; c) Legislar, com respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para a Região que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania; d) Legislar, sob autorização da Assembléia da República, em matérias de interesse específico para a Região que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania;

147 O texto citado relativo ao Estatuto da RA dos Açores foi para melhor entendimento do leitor “livremente” adaptado do português de Portugal para o português brasileiro. Entretanto, as expressões jurídicas de origem lusitana foram mantidas, uma vez que, no direito brasileiro, algumas dessas expressões não encontram abrigo.

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e) Desenvolver, em função do interesse específico da Região, as leis de bases em matérias não reservadas à competência da Assembléia da República, bem como as previstas nas alíneas f), g), h), n), t) e u) do nº. 1 do artigo 165º. da Constituição; f) Exercer poder tributário próprio, nos termos da lei; g) Criar e extinguir autarquias locais, bem como modificar a respectiva área, nos termos da lei; h) Elevar povoações à categoria de vilas ou cidades; i) Criar serviços públicos personalizados, institutos e fundos públicos e empresas públicas que exerçam a sua atividade exclusiva ou predominantemente na Região. 2. Nas matérias de interesse específico para a Região, não reservadas à competência própria dos órgãos de soberania nem abrangidas pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, é cumulativa a competência legislativa daqueles órgãos e da Assembléia Legislativa Regional”.

Em relação ao item 2 do artigo acima, vale elencar as matérias de interesse

específico, enumeradas no artigo 8º do Estatuto Regional:

“Artigo 8º. Matérias de interesse específico. Para efeitos de definição dos poderes legislativos ou de iniciativa legislativa da Região, bem como das matérias de consulta obrigatória pelos órgãos de soberania, nos termos do nº 2 do artigo 229 da Constituição, constituem matérias de interesse específico: a) Valorização dos recursos humanos e qualidade de vida; b) Patrimônio e criação cultural; c) Defesa do ambiente e equilíbrio ecológico; d) Proteção da natureza e dos recursos naturais, bem como da sanidade pública, animal e vegetal; e) Desenvolvimento agrícola e piscícola; f) Recursos hídricos, minerais e termais e energia de produção local; g) Utilização de solos, habitação, urbanismo e ordenamento do território; h) Vias de circulação, trânsito e transportes terrestres; i) Infra-estruturas e transportes marítimos e aéreos entre as ilhas; j) Desenvolvimento comercial e industrial; 1) Turismo, folclore e artesanato; m) Desporto; n) Organização da administração regional e dos serviços nela inseridos; o) Política demográfica, de emigração e estatuto dos residentes;

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p) Tutela sobre as autarquias locais e sua demarcação territorial; q) Orientação, direção, coordenação e fiscalização dos serviços e institutos públicos e das empresas nacionalizadas ou públicas que exerçam a sua atividade exclusiva ou predominantemente na Região, e noutros casos em que o interesse regional o justifique; r) Regime jurídico e exploração da terra, incluindo arrendamento rural; s) Orla marítima; t) Saúde e segurança social; u) Trabalho, emprego e formação profissional; v) Educação pré-escolar, educação escolar e educação extra-escolar; x) Espetáculos e divertimentos públicos; z) Expropriação, por utilidade pública, de bens situados na Região, bem como requisição civil; aa) Obras públicas e equipamento social; bb) Comunicação social; cc) Investimento direto estrangeiro e transferência de tecnologia; dd) Adaptação do sistema fiscal à realidade econômica regional; ee) Concessão de benefícios fiscais; ff) Manutenção da ordem pública; gg) Estatística regional; hh) Outras matérias que respeitem exclusivamente à Região ou que nela assumam particular configuração”.

Por fim, o artigo 33 dispõe que compete à Assembléia Legislativa Regional dos

Açores, no exercício de funções regulamentares:

a) Regulamentar a legislação regional e as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar; b) Adaptar o sistema fiscal nacional à especificidade regional, nos termos de lei quadro da Assembléia da República; c) Fixar, nos termos da lei, as dotações correspondentes à participação das autarquias locais na repartição dos recursos públicos aplicados em programas comunitários específicos a Região; d) Definir atos ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções, sem prejuízo do disposto na alínea “d” do artigo 165 da Constituição; e) Elaborar o seu Regimento.

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3 Madeira

3.1 Lei Básica e organização

Assim como a RA dos Açores, a RA da Madeira possui autonomia política,

administrativa e financeira e tal autonomia deve ser exercida dentro dos limites

da Constituição da República e de seu Estatuto Político-Administrativo, de

modo a não afetar a soberania do Estado Português.

O Estatuto Político-Administrativo da RA da Madeira, Lei nº 130/99 de 21 de

agosto, prevê que a representação da Região cabe aos órgãos de governo

próprio, quais sejam a Assembléia Legislativa Regional e o Governo Regional.

3.2 Competências

3.2.1 Competências Administrativas e Executivas

São competências do Governo Regional da Madeira as elencadas no artigo 69

de seu Estatuto148:

“a) Exercer Poder Executivo próprio, conduzindo a política da Região e defendendo a legalidade democrática; b) Adotar as medidas necessárias à promoção e desenvolvimento econômico e social e à satisfação das necessidades coletivas regionais; c) Aprovar a sua própria organização e funcionamento; d) Elaborar os decretos regulamentares regionais, necessários à execução dos decretos legislativos e ao bom funcionamento da administração da Região, bem como outros regulamentos, nomeadamente portarias; e) Dirigir os serviços e a atividade da administração regional e exercer o poder de tutela sobre as autarquias locais, nos termos da lei; f) Praticar todos os atos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes da administração pública regional; g) Orientar, coordenar, dirigir e fiscalizar os serviços, os institutos públicos e as empresas públicas e nacionalizadas que exerçam a sua atividade exclusiva ou predominantemente na Região e noutros casos em que o interesse regional o justifique;

148 O texto citado relativo ao Estatuto da RA da Madeira foi para melhor entendimento do leitor “livremente” adaptado do português de Portugal para o português brasileiro. Entretanto, as expressões jurídicas de origem lusitana foram mantidas, uma vez que, no direito brasileiro, algumas dessas expressões não encontram abrigo.

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h) Exercer, em matéria fiscal, os poderes referidos neste Estatuto e na lei; i) Administrar e dispor do patrimônio regional e celebrar os atos e contratos em que a Região tenha interesse; j) Elaborar o seu Programa e apresentá-lo, para aprovação, à Assembléia Legislativa Regional; l) Apresentar à Assembléia Legislativa Regional propostas de decreto legislativo regional e antepropostas de lei; m) Elaborar a proposta de plano de desenvolvimento econômico e social da Região e submetê-la à aprovação da Assembléia Legislativa Regional; n) Elaborar a proposta de orçamento regional e submetê-la à aprovação da. Assembléia Legislativa Regional; o) Apresentar à Assembléia Legislativa Regional, as contas da Região; p) Coordenar o Plano e o Orçamento regionais e velar pela sua boa execução; q) Participar na elaboração dos planos nacionais; r) Participar na negociação de tratados e acordos internacionais que digam diretamente respeito à Região bem como nos benefícios deles decorrentes; s) Participar na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona econômica exclusiva e aos fundos marítimos contíguos; t) Proceder à requisição civil, nos termos da lei; u) Pronunciar-se, por sua iniciativa ou sob consulta dos órgãos de soberania, relativamente às questões da competência destes que respeitarem à Região; v) Participar na definição das posições do Estado Português no âmbito do processo da construção européia em matérias do interesse específico da Região; x) Participar no processo de construção européia nos termos da Constituição e do artigo 96 deste Estatuto; z) Participar na definição e execução das políticas fiscal, monetária, financeira e cambial, de modo a assegurar o controle regional dos meios de pagamento em circulação e o financiamento dos investimentos necessários ao desenvolvimento econômico e social da Região; aa) Administrar, nos termos deste Estatuto e da lei, as receitas fiscais cobradas ou geradas na Região, bem como a participação nas receitas tributárias do Estado, e outras receitas que lhe sejam atribuídas e afetá-las às suas despesas; bb) Orientar a cooperação inter-regional;

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cc) Emitir passaportes, nos termos da lei; dd) Exercer as demais funções executivas ou outras previstas no presente Estatuto ou na lei.”

Interessante destacar que os órgãos de soberania nacional ouvirão sempre os

órgão de governo local, em relação às questões de competência das regiões

autônomas.

3.2.2 Competências Legislativas

Compete à Assembléia Legislativa Regional, no exercício de funções

legislativas:

“a) Exercer, por direito próprio e exclusivo, o poder de elaborar, modificar e retirar, projetos ou propostas de alteração do Estatuto Político-Administrativo da Região, bem como emitir parecer sobre a respectiva rejeição ou introdução de alterações pela Assembléia da República, nos termos do artigo 226 da Constituição; b) Exercer iniciativa legislativa mediante a apresentação de propostas de lei ou de alteração à Assembléia da República, bem como requerer a declaração de urgência do respectivo processamento; c) Legislar, com respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para a Região que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania; d) Legislar, sob autorização da Assembléia da República, em matérias de interesse específico para a Região que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania; f) Exercer poder tributário próprio e adaptar o sistema fiscal nacional à Região nos termos do presente Estatuto e da lei; g) Criar e extinguir autarquias locais, bem como modificar a respectiva área, nos termos da lei; h) Elevar povoações à categoria de vilas ou cidades; i) Criar serviços públicos personalizados, institutos, fundos públicos e empresas públicas que exerçam a sua atividade exclusiva ou predominante na Região; j) Definir atos ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 165 da Constituição. 2 - As propostas de lei de autorização devem ser acompanhadas do anteprojeto do decreto legislativo regional a autorizar, aplicando-se às correspondentes leis de autorização o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 165 da Constituição.

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3 - As autorizações referidas no número anterior caducam com o termo da legislatura ou com a dissolução, quer da Assembléia da República quer da Assembléia Legislativa Regional. 4 - Os decretos legislativos regionais previstos nas alíneas “d” e “e” do n.º 1 deste artigo devem invocar expressamente as respectivas leis de autorização ou leis de base, sendo aplicável aos primeiros o disposto no artigo 169 da Constituição com as necessárias adaptações” (artigo 37 do Estatuto Político-Administrativo da Região Autônoma da Madeira).

O artigo 40 do Estatuto elenca, para efeitos de definição dos poderes

legislativos ou de iniciativa legislativa da Região, matérias de interesse

específico da Madeira:

“a) Política demográfica, de emigração e estatuto dos residentes; b) Tutela sobre as autarquias locais e sua demarcação territorial; c) Orientação, direção, coordenação e fiscalização dos serviços e institutos públicos e das empresas nacionalizadas ou públicas que exerçam a sua atividade exclusiva ou predominantemente na Região, e noutros casos em que o interesse regional o justifique; d) Infra-estruturas e transportes marítimos e aéreos, incluindo escalas e tarifas; e) Administração de portos e aeroportos, incluindo impostos e taxas portuárias e aeroportuárias entre ilhas e destas para o exterior; f) Pescas e aqüicultura; g) Agricultura, silvicultura, pecuária; h) Regime jurídico e exploração da terra, incluindo arrendamento rural; i) Política de solos, ordenamento do território e equilíbrio ecológico; j) Recursos hídricos, minerais e termais; l) Energia de produção local; m) Saúde e segurança social; n) Trabalho, emprego e formação profissional; o) Educação pré-escolar, ensino básico, secundário, superior e especial; p) Classificação, proteção e valorização do patrimônio cultural; q) Museus, bibliotecas e arquivos; r) Espetáculos e divertimentos públicos; s) Desporto; t) Turismo, hotelaria;

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u) Artesanato e folclore; v) Expropriação, por utilidade pública, de bens situados na Região, bem como requisição civil; x) Obras públicas e equipamento social; z) Habitação e urbanismo; aa) Comunicação social; bb) Comércio interno, externo e abastecimento; cc) Investimento direto estrangeiro e transferência de tecnologia; dd) Mobilização de poupanças formadas na Região com vista ao financiamento dos investimentos nela efetuados; ee) Desenvolvimento industrial; ff) Adaptação do sistema fiscal à realidade econômica regional; gg) Concessão de benefícios fiscais; hh) Articulação do Serviço Regional de Proteção Civil com as competentes entidades nacionais; ii) Estatística Regional; jj) Florestas, parques e reservas naturais; ll)Vias de circulação, trânsito e transportes terrestres; mm) Orla marítima; nn) Valorização dos recursos humanos e qualidade de vida; oo) Defesa do ambiente e equilíbrio ecológico; pp) Proteção da natureza e dos recursos naturais, bem como da sanidade pública, animal e vegetal; qq) Organização da administração regional e dos serviços nela inseridos, incluindo de administração central; rr) Manutenção da ordem pública; ss) Cooperação e diálogo inter-regional nos termos da alínea u) do n.º 1 do artigo 227 da Constituição; tt) Construção, instalação ou utilização de bases militares, bem como infra-estruturas e equipamentos afins; uu) Construção, instalação ou utilização de infra-estruturas com fins de observação, estudo e investigação científica; vv) Outras matérias que respeitem exclusivamente à Região ou que nela assumam particular configuração.”

Esses são os exemplos e comentários que entendemos relevantes para ilustrar

parte relevante da experiência internacional sobre regiões e cidades

autônomas e cidades-estado que eventualmente poderia ser utilizada para

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elaborar um modelo de cidade com alto grau de autonomia ou cidade unidade

federativa (cidade-estado) no âmbito do estado federal brasileiro.