RELATO DE PESQUISA: A INFLUÊNCIA DA AUTOMAÇÃO EM ... · ... melhoria do relacionamento...
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RELATO DE PESQUISA: A INFLUÊNCIA DA AUTOMAÇÃO EM TRABALHADORES DE UMA
LAVANDERIA INDUSTRIAL. 1
Bruno Stramandinoli Morencr
RESUMO
O presente estudo enfatizou o trabalho humano mobilizado em uma organização automatizada e a importância da Psicologia atuando como agente de mudanças frente aos conflitos da organização. Os objetivos do trabalho: analisar a organização identificando fatores subjacentes para se interpretar melhor a realidade organizacional e propor/realizar uma intervenção frente às questões levantadas. Foi investigada uma empresa do ramo têxtil e de confecção, de médio porte. Sujeitos: profissionais da área de produção. A coleta de dados se deu através de entrevistas, questionários, observações e contatos informais. Categorias de análise: políticas de recursos humanos, relacionamentos, ambiente físico, trabalho em si, comunicação, acidentes de trabalho e fluxo de trabalho. A intervenção se deu pela elabor~ção de procedimentos e práticas para o trabalho, bem como, identificação de oportunidades de melhoria da Comunicação e Fluxo de Informações; maior envolvimento dos colaboradores; maior comprometimento dos colaboradores; melhoria do relacionamento interpessoal e intersetorial; redução de eventuais desperdícios.
Palavras-chave: comportamento organizacional, comprometimento, automação, psicologia organizacional.
Research Account: the influence of automation by industrial laundry workers.
ABSTRACT
The present study emphasized motivated human work at an automatized organization and the importance of psychology while acting as an agent of changes towards organizational conflicts. The ma in goals of this study were the analysis of an organization while identifying subjacent factors in arder to make a better interpretation of the organizational reality and to suggest/intervene in respect to the aroused questions. The researched enterprise was medium size industrial laundry linked to the textile branch. The subjects were workers of its production sector. lnterviews, questionnaires, observations and informal contacts were used to collect data. Human resource policies, relationships, the work itself, physical environment, communication, work accidents and workflow were the analysing categories. The intervention occurred in the following ways: by the creation of work practices and procedures; by the identification of opportunity improvement for communication and information flows; by increasing worker's involvement and commitment; by improving interpersonal and intersectorial relation and by the reduction of potential wastes.
Key-words: organizational behavior, commitiment, automation, organizational psychology
1 Pesquisa apresentada como requisito para a conclusão do Curso de Psicologia, orientada pela Professora do Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade Estadual de Londrina- UEL, Drª. CRISTIANE VERCESI CRUCIOL. 2 Universidade Estadual de Londrina. Acadêmico do curso de Especialização em Psicologia Organizacional e do Trabalho. E-mail: besamo@ uol.com.br
Revista de Psicologia, Fortaleza, V.20(2), p. 71-81 I jul./dez. 2002 m ~--~~~~~--
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Revista de Psicologia Bruno Stramandinoli Moreno
INTRODUÇÃO
Desde o seu surgimento a humanidade, para satisfazer as suas necessidades, precisa colocar-se em movimento transformando coisas, seja se relacionado, extraindo, plantando, caçando ou construindo para garantir sua sobrevivência e convívio em sociedades. Mas somente depois dos tempos da Revolução Industrial até os dias atuais, os indivíduos têm sido impelidos a trabalhar no sentido que conhecemos hoje.
Parte da relação do ser humano com o trabalho continua a mesma. O trabalho que se realiza, desde muito tempo até nossos dias, também atende a fins futuros: nossas tarefas são programadas previamente e nossos ganhos só são recebidos ao final de um período. O conceito de trabalho sempre esteve relacionado à satisfação de necessidades, onde sua natureza social tem se condicionado, e vem sendo entendida como a capacidade de obter lugar relativamente permanente no mercado de trabalho, isto é, à necessidade de sobrevivência do trabalhador.
O trabalho tem como o ponto de conexão principal com a realidade. É nele que se desenvolve o significado de pertencimento nas pessoas, uma consciência prática de se representar individualmente naquilo que faz.
E é por isso que as pessoas, depois de um dia de trabalho, querem "desligar-se" de tudo aquilo que diga respeito ao trabalho que fazem, em busca de um cotidiano mais prazeroso. Porém, o trabalho é "indesligável", mesmo porque o mundo produtivo não está representado apenas pela empresa em que trabalhamos, mas nas demais dimensões da vida social: o lugar onde se estuda, onde se faz lazer.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO
O trabalho, enquanto categoria fundamental de organização da dinâmica social, construiu a necessidade concreta da instituição do ser social. Através dele, inferimos as dimensões através do qual tem se constituído o caráter político da consciência de si mesmo na sociedade.
O trabalho humano aparece cada vez mais nítido quanto mais clara for a intenção e a direção doesforço. É neste ponto que incutimos um sentido mais ativo a ele: sentido de um esforço afirmado e desejado, para a realização dos objetivos; onde até mesmo o objetivo realizado, ou seja, a obra assume o nome trabalho. Assim podemos entender o trabalho como sendo o esforço e também seu resultado: a construção enquanto processo e ação, e o edifício pronto.
Segundo CARVALHO & SERAFIM (1995), o trabalho humano mobiliza a organização como um todo. Partindo então para a idéia de que o "rendimento (rendimento = trabalho: tempo) da empresa" se pauta, primeiramente, na força humana, a qual utiliza o equipamento tecnológico como um meio auxiliar.
llJ Revista de Psicologia, Fortaleza, V.20(2), p. 71-81, jul.ldez. 2002
Entretanto no caso de uma fábrica automatizada, o rendimento se fundamenta no resultado técnico e na atuação do trabalhador, o qual surge como elemento auxiliar, presente apenas para atuar onde a máquina não pode alcançar. Todavia, mesmo uma organização totalmente automatizada está disposta (arranjada/ organizada) segundo um plano determinado pela sua função.
Mesmo nas condições de uma organização automatizada, o que move a produção é "( ... ) a intervenção do homem não da máquina. O homem é quem projetou e construiu o equipamento, bem como elabora seu programa. O homem decide as novas séries de programas e montagem" (RIEDEL, citado por CARVALHO & SERAFIM, 1995).
Vê-se então que qualquer organização, automatizada ou não, reduz-se ao fato de ser um meio auxiliar criado pelo homem com a finalidade de ampliar seu potencial de rendimento no trabalho.
Em vista disto, antes de ser considerado como empregado, o indivíduo é membro de um grupo, passando pelos processos de socialização e de conformismo aos valores dominantes. Ou seja, a cultura imprime importantes marcas no modo de ver, de ser e de agir no indivíduo. Não sendo diferente para o espaço do trabalho, o qual é influenciado pelos traços culturais da sociedade da qual o indivíduo faz parte.
Desconsiderar a transformação que ocorreu com o trabalho seria um equívoco muito grave, visto que a partir deste fato tem-se condições de entender o que são as organizações, como elas se apresentam.
A economia da nova Era do Conhecimento estabelece por premissa as novas fontes de riqueza que são a informação, o conhecimento e a comunicação e não mais os recursos naturais ou o trabalho físico. Essa nova Era está surgindo em meio a uma grande revolução, fruto de forças poderosas e incontroláveis; as forças da globalização. A abertura de mercado trouxe atrelada um aumento significativo de concorrentes que, ao lado da disseminação da tecnologia da informação e das redes, contribuiu para a destruição de parcela significativa do emprego, tal como o conhecemos na Era Industrial. Não se trata mais apenas de máquinas que fazem o trabalho de dezenas, centenas de homens; trata-se do intangível- um software, por exemplo -gerando produtos e serviços que podem não ter realidade física , mas que certamente representam a mais refinada 'matéria prima' do séc. XXI: a informação que gera o conhecimento que produz inovação que se traduz em competitividade. (BITTENCOURT, 2000)
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Revista de Psicologia Bruno Stramandinoli Moreno ------------------------------------------------------
O trabalho vai além do conceito de serventia para a subsistência humana. Claro, todos querem conquistar uma vida digna para a família, mas deve-se entender que é necessário valorizar o trabalhador, haja vista o trabalho não ser, somente, uma forma de garantir sua vida, e sim uma forma de sentir-se não um escravo feliz, e sim um trabalhador satisfeito.
AS ORGANIZAÇÕES
Partamos do pressuposto de que a sociedade seja tão-somente um tecido de instituições que se interpenetram e se articulam entre si para regular a produção e a reprodução da vida humana sobre a terra e a relação entre os homens. Entretanto, para fazer cumprir esta função de regulação da vida humana, as instituições têm de se constituir fisicamente. Mas como o fazem? Em dispositivos concretos que são as organizações. Tais organizações, sendo muito variáveis, compreendem desde um grande complexo organizacional até um pequeno estabelecimento (BAREMBLIT, 1992).
A sociedade moderna é uma sociedade de organizações. Nascemos em organizações, somos educados em organizações, e quase todos nós passamos a vida a trabalhar para organizações. Passamos muitas horas de lazer a pagar, jogar e a rezar em organizações.( ... ) Neste sentido, a sociedade moderna valoriza a racionalidade, a eficiência e a competência, virtudes essas que são alcançadas pelas organizações. (ETZIONI, 1989, pág.7).
As organizações, significariam, dessa forma, fundamentalmente a mola propulsora do desenvolvimento econômico, político e social dos grupos humanos. A eficiência destas seria avaliada direta e proporcionalmente à sua condição de existência e sobrevivência material.
Para CHANLAT (1992), em um mundo essencialmente dominado pelo economicismo e pelo determinismo tecnológico, os homens e mulheres que povoam as organizações são considerados, na maioria das vezes, apenas quantidades materiais, "( ... ) recursos ( ... ), cujo rendimento deve ser satisfatório do mesmo modo que as ferramentas, os equipamentos e a matéria-prima" (p. 25). Para o autor, a sociedade moderna inverteu, ao longo do tempo, a importância e a valorização das relações entre as pessoas, à primazia da relação entre pessoas e coisas. A principal causa dessa primazia, segundo CHANLAT (1992), pode ser atribuída à subordinação das relações sociais ao universo dos objetos-mercadorias e à racionalidade econômica.
Na sociedade do trabalho a individualidade passa a ser tratada de modo a realçar o caráter utilitário
das habilidades, além de destacar a natureza humana como essencialmente ativa e produtiva, voltada para a transformação do meio e para a criação de coisas úteis. O verdadeiro indivíduo era aquele que conseguia se manter ativo, prático, construtor, enfim, trabalhador. O indivíduo autêntico tornou-se sinônimo de "bom profissional" (GHIRALDELLI JR., 2000). Como afirma o nomeado autor:
O ser pensante e inteligente, o sujeito epistemológico, aquele que reconhece o verdadeiro e o falso passou a ser o sujeito ativo. A verdade passou a pertencer à ordem prática e, assim sendo, seu reconhecimento dar-se-ia ativamente, por experiência e experimentação. A pessoa, o sujeito moral, aquele que julga o certo e o errado, passou a ser aquele que faz julgamentos a partir dos valores postos pelo trabalho - uma ética do trabalho, que passou a punir duramente uma figura inexistente até então: o 'vagabundo' ( ... ) E, por fim, o cidadão, o sujeito político, passou a ser aquele que reconhecia direitos e deveres a partir de um discurso dos partidos trabalhistas (de esquerda e de direita) (pág. 21-22).
Na atualidade o emprego mudou radicalmente de forma. A erosão das normas tradicionais de assalariamento, fundadas em identidades ocupacionais ou de classe, e a paulatina perda das funções protecionistas do Estado têm como conseqüência o aumento da individualização na construção e valorização das próprias condições de empregabilidade.
Um desafio imenso à frente da psicologia de um modo geral, e da psicologia organizacional em particular, é responder à questão das identidades das pessoas e como estas são permeadas e afetadas pela flexibilidade do trabalho. As identidades se desenvolvem e moldam as percepções e as chances que se tem no mercado. Assim, outro grande desafio interno à psicologia organizacional é tentar redefinir seus pressupostos de trabalho a partir das noções trazidas e levantadas pelo pensamento dito pós-moderno, principalmente aqueles que se referem aos questionamentos da noção de verdade, de epistemologia e de mente. Além disso, é fundamental entender como as alterações no mundo do trabalho podem ser conectadas com mudanças mais gerais, tais como mudanças na forma de subjetivação, mudanças na família, na cultura e também na política.
Tal cenário exige a presença da psicologia, pois acarreta novas experiências para o trabalhador obrigado a uma abertura ao novo, configurado nas diversas tecnologias e paradigmas. Como diz ROLNIK (1997): ( ... )essas mudanças implicam a conquista de uma flexibilidade para adaptar-se ao mercado em sua lógica de pulverização e globalização; uma abertu-
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rapara o tão propalado novo: novos produtos, novas tecnologias, novos paradigmas, novos hábitos etc. (pág.20-21)
A psicologia organizacional vem a contribuir no sentido de conhecer modos de pensar, apreciar e agir dos sujeitos acerca de temas emergentes da contemporaneidade, ao tomar contextos referentes ao mundo do trabalho que passa por reestruturações e inovações tecnológicas, e sobre ele repousar um olhar que se caracterize, ao mesmo tempo, crítico e criativo. Ainda mais que:
( ... )para o indivíduo cujo trabalho é subitamente modificado; para uma dada profissão (tipógrafo, bancário, piloto) bruscamente atingida pela revolução tecnológica, que torna obsoleto o savoirfaire tradicional e ameaça a própria permanência da profissão; para as classes sociais ou para as regiões do mundo que não tomam parte na efervescência de concepção, produção ou apropriação lúdica das novas ferramentas digitais para todos estes, a revolução técnica manifesta-se como um 'outro' ameaçador. A bem dizer, nenhum de nós deixa de se encontrar mais ou menos nesse estado de despossessão (LÉVY, 1997, pág.3).
O papel da psicologia nas organizações se caracteriza como a produção e a aplicabilidade do conhecimento. À psicologia, do cenário apresentado, cabe imbuir-se da necessidade de abrir-se ao não enquadramento e a não dissociação sujeito/mundo, considerando a importância de dimensões outras até então desconsideradas. Uma vez que a própria psicologia colaborou, por muito tempo, para práticas de gestão coercitivas e excludentes ao tomar os sujeitos sob a idéia do merecimento, que responsabiliza exclusivamente por sucessos e fracassos.
AUTOMAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO ORGANIZACIONAL
A tendência à expansão é inerente à natureza da empresa ( ... )especialmente privilegiada sob o impacto da automação. (MOTTA, 1990, p.1 08)
O primeiro passo ao se pesar esta questão é pensarmos que o acesso à tecnologia da automação é diferenciado entre as empresas, visto que estas quando grandes levam vantagem sobre as menores. Isto se explica em vista de que a automação é cara, onde são exigidos, conseqüentemente, grandes investimentos em máquinas modernas. Podem contratar técnicos, enge-
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nheiros, enfim especialistas de todos os tipos, os quais são altamente qualificados, e exigem uma boa remuneração do mercado de trabalho.
Segundo MOTTA (1998), é esperado de empresas que possuam equipamentos mais aperfeiçoados e especialistas mais qualificados que levem vantagem sobre aquelas empresas que não possam dispor disto. Assim, à medida que a tecnologia vai mostrando resultados (redução de custos e aumento de produtividade) as empresas tendem a se expandir ainda mais e a ocupar o lugar daquelas menores e mal equipadas.
A automação favorece, também, a superação de obstáculos técnicos e administrativos ao crescimento e diversificação da ·empresa. Visto que não se pode esquecer que é mais fácil controlar máquinas do que homens, principalmente quando em grande medida estas se auto-controlam. Logo a tecnologia da automação se mostra precisar de menos mão-de-obra.
O mundo de hoje caracteriza-se por um ambiente em constante mudança. O ambiente que envolve as organizações é extremamente dinâmico, exigindo delas uma elevada capacidade de adaptação como condição básica de sobrevivência. O processo de transformação organizacional começa com o aparecimento de forças que vêm de fora ou de algumas partes da organização. A transformação organizacional é necessária sempre que a organização concorra e lute pela sobrevivência em condições de desenvolvimento.
A tendência natural de toda organização (MOTTA, 1998) é crescer e desenvolver-se. O desenvolvimento é um processo lento e gradativo que conduz ao exato conhecimento de si própria e à plena realização de suas potencialidades. A eficiência da organização relaciona-se diretamente com sua capacidade de sobreviver, de adaptar-se, de manter sua estrutura e tornar-se independente da função particular que preenche.
AS PESSOAS E AS MUDANÇAS
Todas as mudanças são incômodas para a mente humana, especialmente as que vêm acompanhadas de grandes perigos e de efeitos incertos - john Adams.
Tomemos as pessoas como operários, funcionários e outros trabalhadores que precisam alterar seu comportamento a fim de que os objetivos da mudança possam ser atingidos. Eles são trabalhadores que rapidamente serão afetados pelos resultados da mudança, são os responsáveis pela implantação da mudança; enfim toda a parte humana da organização. Os mais afetados são aqueles diretamente envolvidos na efetivação dos propósitos das mudanças. Entretanto, todos os membros da empresa têm de alterar tanto as atitudes como o seu comportamento, até certo ponto, antes que todos os benefícios da mudança possam se evidenciar.
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O efeito mais notório de qualquer mudança são as alterações objetivas efetuadas por aqueles que executam o trabalho, nas rotinas físicas, por meios das quais o trabalho é feito. Os efeitos das mudanças sobre a conduta levam as pessoas a alterarem a maneira como fazem seu trabalho.
O impacto da automação, ou mesmo de uma transformação organizacional, qualquer que seja ela, pode se configurar no fato de o trabalho ter se tornado perigoso para o aparelho psíquico do trabalhador, frente à oposição do mesmo, quando da livre atividade. Isso acarreta um fechamento da via de descarga psíquica, onde a energia psíquica se acumula (carga psíquica negativa), o que se transforma em uma fonte de tensão e desprazer, e se corporifica em um trabalho fatigante (DEJOURS, 1994)
O processo de interação entre as pessoas induz o surgimento das relações interpessoais. Em situações de trabalho onde existem atividades predeterminadas a serem executadas existem também interações e sentimentos recomendados (comunicação, cooperação, respeito e amizade). Com o prosseguimento das atividades e interações, os sentimentos suscitados nos primeiros momentos de contato (primeiras impressões) podem diferir, e então, inevitavelmente, os sentimentos influenciarão as interações e as próprias atividades. Dessa forma, sentimentos positivos de simpatia e atração provocarão interação e cooperação, repercutindo favoravelmente nas atividades, o que produzirá maior produtividade. Da mesma forma, sentimentos negativos de antipatia e rejeição provocarão diminuição das interações, tendência de afastamento e menor comunicação, repercutindo de forma negativa nas atividades a serem desempenhadas com provável e previsível queda de produtividade.
Segundo BEATRIZ (1988), a competência técnica individual dos membros do grupo não está relacionada diretamente com o ciclo atividade a interações a sentimentos. Situações de trabalho ou influência do grupo podem fazer com que profissionais competentes individualmente possam render muito aba ixo de sua capacidade.
ORGANIZAÇÃO E COMUNICAÇÃO
Na medida em que uma informação bem tratada vira comunicação, uma comunicação bem trabalhada vira conhecimento. E este só é conhecimento quando residente, ou seja, captado, embalado e agrega valor. Comunicação como instrumento privilegiado de ação.
A comunicação configura-se como incorporação, discursos dos vários outros que cada um é, resultado de vários universos. (BACCEGA, 1998 p.1 04).
Toda ou qualquer comunicação jamais é totalmente enfática. A significação que se dá a alguns gestos, a algumas palavras, deve sempre ser inserida nos quadros psíquicos de onde surgiram.
Acredita-se que a comunicação representa um processo construtivo, não simplesmente um trilho condutor de mensagens ou de idéias. Qualquer forma de diálogo exige um esforço específico na direção da construção. De nada adianta apenas sentar junto para conversar, se cada um dos lados permanece numa posição de defesa muito particular, entendendo que deve sempre partir do outro a postura da compreensão. Assim a linguagem, sozinha, não garante a comunicação, porque deixa de lado sua implicação social.
Acredita-se, acima de tudo, que comunicação pressupõe a vontade de construir, não sozinho, mas em conjunto sempre. Não há crença fora do diálogo. Os encontros são ilimitados. É, segundo RODRIGUES (1997), uma relação fundamentalmente intersubjetiva; enraíza-se na experiência particular e singular dos interlocutores, fazendo apelo tanto à experiência individual como à experiência coletiva que entendem por em comum.
Trata-se de uma ação global de cunho sócioeducativo ou socializadora, voltada para mudanças na maneira de ser, de sentir, de ver e agir das pessoas, que buscam a adesão dos sujeitos. O conhecimento é a própria capacidade de integração, de combinação das informações. O conhecimento organiza, operando sobre as informações.
Desde os primórdios a linguagem permeia a prática e a interação entre o homem e outros homens e ele mesmo; tanto a linguagem, assim como a consciência advêm da carência, da necessidade de interações do homem com outros homens. (MARX, 1985)
As atividades estão se interpenetrando, o que exige do ser humano uma alta rotatividade sobre o que deve e precisa saber/fazer/saber. Aprendizagem sendo entendida como um processo contínuo, proativo. Construir, destruir e reconstruir sempre sua realidade a partir de experiências ao mesmo tempo antigas e novas: a transformação de uma cultura. Trata-se de um pensar em movimento, conforme diz MORIN (1997). Pensar que se apresenta como sendo um processo dinâmico de construção. Significando ir além do pensamento monolítico, fechado, estático, absoluto, ou seja, significando relação, mobilização, flexibilidade, criação. Diz que se faz necessário à percepção desta nova convivência do antigo e do novo, ou seja, é preciso ver o cenário com o seu paradoxo, combinatório.
Tem-se, ao mesmo tempo, um crescente do coletivo convivendo com a apologia do individualismo, onde as relações são ornamentadas pela concorrência, por um mercado regulador do social, da ordem da consciência (glorificação do capitalismo).
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Segundo RODRIGUES (1997), ( ... )é neste contexto que a problemática comunicacional emerge no pensamento científico como quadro epistêmico destinado a dar conta das estratégicas discursivas, fluidas e plurais, que se jogam hoje no espaço público (pág. 13).
Tem-se segundo FOUCAULT (apud CAIAFA, 2000) a presença de uma "nova era da curiosidade", em que se exploram as imensas potencialidades das novas técnicas na direção da transformação, do aguçamento dos sentidos, do conhecimento. Procura-se afastar de um tipo de discurso que diz que tudo está mal, que vivemos um total vazio sem futuro. Ao contrário, acredito que há uma pletora. Não estamos sofrendo de um vazio, mas de meios inadequados para pensar sobre tudo o que está acontecendo (CAIAFA, 2000, pág. 61 ).
Todo esse processo, além de representar uma visão de futuro, deve representar a corporificação de uma dinâmica organizacional, ou seja, de um comportamento, algo que deve ser construído ao longo da história da organização, algo com raízes.
METODOLOGIA
O trabalho foi desenvolvido em uma empresa em fase de automação- uma lavanderia industrial, da cidade de Londrina- PR. A empresa, vinculada ao ramo têxtil e de confecção, de médio porte, possuía um arsenal de maquinário de 48 unidades entre prensas, secadoras, lavadoras, centrífugas, ferros de passar e caldeiras.
Sujeitos
87%
96 %
Sexo
59%
Gênero
Turnos
Escolaridade
0% 0% 0%
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Tempo de serviço 83%
1 ou 1 . 4, 4 . 8, 8 - 13. menos
Anos de empresa
Figura 1 - Perfil da amostra pesquisada
A amostra total analisada foi de 62 sujeitos. Deste total, o gênero masculino, 87% dos sujeitos estudados, se caracterizou como uma constante e de grande pre-
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domínio no estudo, o que acaba por refletir a realidade da empresa. E uma inferioridade numérica do gênero feminino, 13% dos sujeitos.
Quanto à formação escolar dos sujeitos, a amostra representa também a realidade da empresa. Na amostra os sujeitos encontravam-se na faixa entre o ensino fundamental até o ensino médio (1 00% da amostra): 27% dos sujeitos concluíram seus estudos no ensino fundamental, 35% se encontram na faixa dos que não terminaram o ensino fundamental. Um quarto dos colaboradores caminha na faixa dos que ainda não concluíram o ensino médio (20%) e o restante concluiu o ensino fundamental (16%).
No que diz respeito aos turnos de trabalho, 55% dos colaboradores se encontram no turno das 7 às 15 horas (o 1 º turno da área de produção) e o restante dos colaboradores divididos entre os outros dois turnos (2º turno (16%)- 15 às 23 horas e 3º turno (1 6%)- 23 às 7 horas) da área de produção, e o turno próprio do setor administrativo (13%).
Quanto ao tempo de serviço o perfil dos colaboradores se enquadra na faixa de 1 a 4 anos de tempo na empresa, visto ser quase a metade dos colaboradores (45%). Há pouquíssimos funcionários antigos- acima dos 13 anos na empresa (9%). Os colaboradores que estão na empresa há menos de 1 ano se enquadram como um pouco mais de um quarto (27%). Restando os colaboradores que estão na empresa no período de 4 a 8 anos (19%).
Resultados
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86%
Políticas de RH
61% 59%
41%
82%
O Inadequado / Insatisfeito 1 lnsufK:iente
ISI Adequado I Satisfeito SufK:iente
70%
63%
54%
46%
37%
30%
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Subcategorias
Figura 2 - Políticas de Recursos Humanos
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Como se pode observar no gráfico da figura 2, das 7 subcategorias estudadas, apenas a relacionada à organização e funcionamento do departamento pessoal fo i considerada como adequada (com 59% de aceitação, contra 41% de reprovação) . No quesito adequação de salário, 86% dos colaboradores mostraram-se insatisfeitos e 14% satisfeitos. Quanto à subcategoria oportunidades de promoção, 61% dos colaboradores consideraram insatisfatórias tais oportunidades, e 39% as consideraram satisfatórias. Em relação à remuneração satisfatória, os colaboradores, em sua grande maioria (82%), disseram-se insatisfeitos com sua remuneração, enquanto que 18% disseram-se satisfeitos com ela; 70% dos colaboradores pensam ser insuficientes os benefícios disponibilizados pela empresa, enquanto que 30% pensam ser suficientes tais benefícios . Quanto à satisfação com tais benefícios, 63% dos colaboradores consideram insatisfatórios, e 37% consideram satisfatórios. A respeito do treinamento ofertado pela empresa, 54% dos colaboradores consideraram insuficiente, e 46% consideraram suficiente a oferta de treinamento.
Sob a ótica destas categorias e destes percentis fica notório um aspecto negativo nesta categoria analisada.
94%
Relações Pessoais
Relacionamento
94%
Colaboraçao/Ciima
Subcategorias
~ Insatisfeito/Fechado
(!l Satofeito/Aberto
PartiOpação'Oedsão
Figura 3 - Relacionamentos
No gráfico da figura 3, três subcategorias foram estudadas. A subcategoria relações pessoais dentro do contexto da empresa mostrou que 94% dos entrevistados consideraram satisfatórias as relações interpessoais e apenas 6% mostraram-se insatisfeitos. Com a mesma estatística (94% I 6%), a subcategoria Colaboração e clima de trabalho apresentou-se. E na subcategoria participação nas decisões: 69% colaboradores consideraram haver abertura para tal, e 31% discordaram, afirmando não haver abertura.
De maneira geral, no que diz respeito aos relacionamentos existentes no ambiente de trabalho, a empresa demonstra um aspecto positivo.
94% 90%
10%
~ 6%
~ -< g ~
" " ~ ~
~ o o. .o o c . g'
~ il < ~-~-
Trabalho em SI
100% 100% 94%
89%
54%
46%
~ 6%
0% 0% ~ o o o o o o -<
~ g .., ª ~ ~ " " ~-~ ~ ~
~ = ~ o. o. o m o . . o. .§ ~ -<
~ g ~ ~ m " g' ~ 3 ~ g ; o ~
3 a ~ 3 ,. l
<g ~ g o. g
Subcategorias
IS!Insatisfeito/Facititador/ lmposs~eVOiSCO«!o
D Satisfe ito/Di f~uHanle/ Sempre/Concordo
87'1.
90%
73%
59% 56'11
44% 41%
~
27'11 ~ ~ 13%
I~ ~
§ I~ ~ ~
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Figura 4 - Trabalho em si
No gráfico da figura 4 a categoria estudada foi trabalho em si, onde faziam parte 12 subcategorias. A primeira: trabalho do supervisor, 90% dizem-se satisfeito com o trabalho do seu supervisor, e 10% insatisfeitos. Quanto ao trabalho que realizam, 94% consideram-se satisfeitos, apenas 6% insatisfeitos. Em relação ao trabalho dos subordinados, todos os supervisores (1 00%) consideraram satisfatório o trabalho dos seus subordinados. Em relação a sua vida dentro da empresa: 100% dos colaboradores consideraram-na satisfatória. Em relação ao trabalho na empresa 94% dizem-se satisfeitos e 6% insatisfeitos; 89% dos colaboradores consideram os processos de trabalho impostos pela empresa um aspecto facilitador para o desempenho de sua tarefa, e 11% consideram um aspecto dificultante; 54% dos colaboradores concordaram com a afirmação de que podem usar seus conhecimentos prévios para melhorar o processo de trabalho, sendo que 46% discordam de tal afirmação; 59% dos colaboradores afirmaram serem reconhecidos pelo bom desempenho de seu trabalho; 41% discordaram. Quanto à divisão das tarefas, 73% dos colaboradores consideraram que ela é feita igualmente, enquanto que 27% discordam.
Revista de Psicologia, Fortaleza, V.20(2), p. 71·81, jul./dez. 2002 H
Rrunn Çtr::Jm;mdinoli Moreno Revista de Psicologia _. _ _ _ _ _ _
Comunicação
66%
Subcategorias
Figura 5 - Comunicação
~ Nunca Consuna
[J Sempre Consuna
Como observado no gráfico acima, 66% dos colaboradores afirmaram que a empresa não os consulta quando deseja implantar novas regras e normas; 34% afirmaram que a empresa os consulta. A maioria, ou seja, 58% dos colaboradores também afirmaram que a empresa não dá abertura aos funcionários quanto a novas idéias e opiniões dos mesmos para a melhoria da empresa. Esses resultados evidenciam que, de modo geral, a comunicação não ocorre de maneira a facilitar o dia-a-dia da empresa.
92%
Comunicação entre funcionários
Fluxo de Trabalho I
Subcategorias
Figura 6 - Fluxo de Trabalho I
O gráfico acima mostra que 92% dos colaboradores afirmaram que a comunicação entre os funcionários durante a execução das tarefas acontece de forma rápida. Somente 8% discordam dessa afirmati-
1&!1 Revista de Psicologia, Fortaleza, V.20(2), p. 71-81, jul./dez. 2002
va. No que diz respeito aos prazos para execução das tarefas, 62% dos colaboradores afirmaram serem estes suficientes, enquanto 38% discordaram e afirmaram serem muito curtos.
3%
Fluxo de Trabalho li
75%
Volume de Trabalho Subcategorias
[J Extrema/e Reduzido
!Si] Razoável
11 Excessivo
Figura 7 - Fluxo de Trabalho 11
No gráfico acima foi investigado o volume de trabalho, no qual se verificou que 75% dos entrevistados afirmaram que este é suficiente, ou seja, razoável; 22% dos colaboradores afirmaram ser excessivo e somente 3% disseram ser muito reduzido.
97%
A empresa sempre oferece equipamento
Acidente de Trabalho
Subcategorias
~ Nunca olereceflalha humana
[J Sempre oferecellalha equipamento
acidentes por falta equipamentos
Figura 8- Acidentes de Trabalho
O gráfico 8 mostra que 97% dos colaboradores afirmaram que a empresa sempre oferece equipamentos de segurança. Somente 3% afirmaram que nem sem-
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pre há disponibilidade destes equipamentos; 93% dos entrevistados também afirmaram que os acidentes de trabalho ocorridos na empresa são decorrentes de falhas humanas; 7% afirmaram ocorrerem por falta de equipamento de segurança.
Ambientes Físicos
Iluminado I Arejado
Subcategorias
Figura 9 -Ambiente Físico
~ Discordo lotaVa
[] Concordo lotaVa
De acordo com o gráfico acima, 85% dos entrevistados concordaram que o ambiente físico de trabalho é bem iluminado e arejado. Outros 15% da amostra entrevistada discordaram.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo o trabalho desenvolvido na realização deste estudo pautou-se pelas recentes práticas da psicologia organizacional dentro de uma empresa. A nova era do conhecimento e da informação aponta para uma sociedade onde o mundo do trabalho sofre alterações significativas, com o uso intensivo de novas tecnologias. O emprego dessas facilidades e a sua utilização coerente dependem da evolução moral da humanidade, ou seja, chega-se a um estágio evolutivo da tecnologia que não é compatível com o estágio evolutivo da sociedade humana.
No mundo que tende continuamente para a globalização é fundamental o reconhecimento das pessoas como o principal diferencial competitivo das empresas e das nações, e isso depende de uma nova visão do ser humano, por conseguinte, das sociedades, das empresas, dos clientes e consumidores, levando a uma construção ética de um novo desenho de trabalho.
Se a ameaça é, atualmente, uma constante em todos os negócios, as oportunidades surgem como nunca antes visto, permitindo aos inovadores e criativos a sua própria imaginação como limite, pois nunca estiveram tão em voga os empreendedores. Para pegar e manterse no veloz trem da história, de todos exigem-se novas atitudes/estratégias frente à vida, agora mais do que nunca, aprender a aprender, aprender a empreender, tornaram-se sinônimo de sobrevivência.
A capacidade de adaptação, a aprendizagem, a criatividade e a flexibilidade tornam-se valores imprescindíveis a todos que desejam trabalhar. O trabalho torna-se, cada vez mais, urna atividade intelectual. A empresa é o lugar de se atrair e manter talentos estrategicamente, seja a distância ou presencialmente.
Um desafio imenso à frente da psicologia de um modo geral e da psicologia organizacional em particular é responder à questão: como as identidades das pessoas vêm sendo afetadas se a flexibilidade do trabalho requer identidades menos atadas, por exemplo, às empresas ou às ocupações? Que identidades se desenvolvem e como elas moldam as percepções e as chances que se tem no mercado? Outro grande desafio interno à psicologia organizacional é tentar redefinir seus pressupostos de trabalho a partir das noções trazidas e levantadas pelo pensamento dito pós-moderno, principalmente aqueles que se referem aos questionamentos da noção de verdade, de epistemologia e de mente. Além disso, é fundamental entender como as alterações no mundo do trabalho podem ser conectadas com mudanças mais gerais, tais como mudanças na forma de subjetivação, mudanças na família, na cultura e também na política.
A organização do trabalho que fragmenta as tarefas e os trabalhadores, as características da subjetividade moderna, individualista, atravessando a rede de relações nas empresas, a subjetividade produzida no Brasil desde os anos de 1960/70, anos autoritários e desqualificadores dos movimentos sociais (COIMBRA, 1992), exigem mais que mudanças conjunturais para seu enfrentamento. LA BOÉTIE (1982) diz que a instalação da tirania no lugar da liberdade exclui a lembrança da liberdade e, por conseguinte, o desejo de reconquistá-la. Toda sociedade dividida entre tirano e súditos está, portanto, fadada a durar. Na empresa em que se diz que seus membros devem decidir, espera-se voluntariamente pela tutela dos tiranos, dos que sabem ou deveriam saber para dizer-nos o que fazer.
Os trabalhadores da empresa queixavam-se da falta do cumprimento de promessas feitas pela direção e pediam pelo cumprimento das mesmas e de novas e melhores soluções administrativas para suas insatisfações. E queixavam-se também da falta de solidariedade entre turnos, de trabalho coeso, compartilhado.
Há um entrave pessoal na relação dos colaboradores com o trabalho- os resultados tendem a ser negativos, podendo se estender a diversos âmbitos. A esses
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perigos não estão expostos só os funcionários, mas os patrões e até a organização como um todo. Para o sujeito, isoladamente, pode resultar desde psicopatologias como depressão, a doenças psicossomáticas como problemas cardiovasculares ou gastrointestinais.
Os colaboradores, bem como as chefias e a direção tornam-se agentes sempre abertos, dispostos a prover o local - o topos - para um contínuo intercâmbio de discursos (já que as tecnologias de informação são constituídas mediante trocas simbólicas que operam sob um substrato eletrônico- e não mais corporal) .
A anterior representação de um sujeito moral ou organizacional substitui-se agora pela representação de um sujeito virtual que se torna um operador. SOTTO (1998) ainda ressalta que uma identidade on-line é mais susceptível de ser manipulada do que uma que não o é. Ao contrário da antiga identidade, presa a um corpo e dele dependente, com a identidade terminal qualquer corpo pode operar redes de informação. O corpo, o suporte físico, tornar-se-ia algo dispensável, redundante ou mesmo prescindível diante dos fluxos da base eletrônica. É dessa nova dinâmica que surgiu dentro da empresa (onde as pessoas vêm-se inseridas) a convivência com novos ambientes, layouts, modelos para as coletividades, modelos baseados na arquitetura das redes de comunicação virtual.
Uma coisa parece certa: as mudanças trazidas pelas tecnologias da informação, e por todos os desdobramentos que foram- são e ainda serão- a elas contingentes, têm trazido grandes modificações na forma do pensamento das pessoas dentro da empresa. Mais do que isso: a base eletrônica que subjaz às novas modalidades de construções subjetivas, naturalmente incluindo a identidade, põe em xeque a antiga filosofia transcendental do sujeito. Aqui reside o mérito do texto de SOTTO (1998), onde essas transformações não se isolam em pequenas ilhas específicas, como no caso das interações humanas, ou mesmo no caso dos chamados estudos de organizações. O que podemos pensar é que o ato de organizar, de representar o mundo e hierarquizá-lo em sistemas de valores e de trocas simbólicas, vem cada vez mais colocando ênfase nas rápidas transformações e numa subjetividade quase rasa, isto é, feita de arranjos pontuais, circunscritos e transitórios. Nada mais é certo, nada mais permanece no tempo como algo imutável. O desenvolvimento da empresa é um exemplo berrante desta mutabilidade. Durante seus 13 anos de existência, a empresa obteve um aumento de espaço físico, bem como nas maneiras de atuar e oferecer seus serviços totalmente modificados e adaptados para a realidade da época.
O futuro do trabalho aponta para empresas pequenas e médias, como o caso da empresa estudada, para profissionais trabalhando como especialistas em um grande número de funções nas organizações. Nossa empresa, não diferente das demais, busca a mão-de-obra
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de que necessita contratando pessoas que trabalham via contrato a curto prazo para executar tarefas e projetos específicos. Desta forma, a empresa pode manter uma flexibilidade e rotatividade, com a finalidade de se adaptar às rápidas mudanças que ocorrem no mundo. As mudanças que acontecem neste momento e aquelas que estão sendo previstas para o futuro estão gerando um aumento no nível de tensão profissional.
Um dos caminhos mais utilizados pelas empresas para esta panela de pressão é a criação de condições a partir das quais os conflitos sejam trazidos à tona e adequadamente conduzidos. O objetivo da empresa deveria ser o de levar a organização a ver o conflito como uma condição inevitável e como problemas que precisam ser trabalhados antes que possam ser tomadas as decisões adequadas (CHIA, 1998).
Claro que trazer tais conflitos à tona não é um trabalho fácil, visto que a empresa tenta com grandes esforços encobri-los, não aceitando de forma tranqüila reconhecer sua parcela neste processo. Foi isso que ocorreu ao serem desenvolvidos a intervenção e os resultados da mesma. As pessoas de um modo geral, tanto a diretoria, como as da linha de produção, sempre agiam de modo esquivante, na maioria das vezes responsabilizando tais conflitos às outras pessoas, outros setores. Fica evidente aqui perceber um conformismo e comodismo acentuado.
Todo o presente estudo manteve sempre o caráter exploratório enfatizando o trabalho humano mobilizado na organização como um todo. No caso de uma fábrica automatizada, como a lavanderia estudada, não foi diferente, o foco se deu na atuação do trabalhador o qual surge como elemento auxiliar, presente apenas para atuar onde a máquina não pode alcançar. Porém, mesmo uma empresa relativamente automatizada está disposta (arranjada/ organizada) segundo um plano determinado pela sua função (CARVALHO & SERAFIM, 1995).
Os colaboradores da pesquisa, como expoentes de indivíduos cujo modo de executar o trabalho foi abruptamente transformado pela tecnologia, viram nestas modificações um ameaçador impacto nos seus salários, modo de vida e de enxergar o trabalho. Todavia, não estão todos os colaboradores preparados, tanto em termos de capacidade profissional, como psicologicamente para o novo. Diante às transformações advindas com os novos tempos, cabe às subjetividades dos colaboradores se reconfigurarem, o que não acontecem com muitos, visto que tais reconfigurações mostram-se, certamente, atravessadas pela questão do trabalho e do tempo, paradigmáticos nos modos de viver e de subjetivar contemporaneamente.
O processo investigatório e de intervenção trouxe aos pesquisadores grande satisfação pela obtenção e alcance de todas as metas estabelecidas em todo o processo (Programa Saúva- Equipes Dinâmicas- vide anexo); e também para a direção da empresa, que pôde
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ver concretamente suas necessidades sanadas (redução de indenizações e melhoria na comunicação entre os colaboradores). Porém não se sabe quantificar o tamanho da redução alcançada, visto que a própria empresa não retornou tal informação, o que conseqüentemente impossibilitou a completa execução do Programa Saúva -Equipes Dinâmicas, ou seja, o não retorno dos resultados aos colaboradores e a não entrega da bonificação a quem de direito.
Pretendeu-se enfatizar ao final de nosso trabalho a importância da Psicologia e do psicólogo (como seu representante) dentro de uma organização; pois toda a organização é composta por indivíduos diversos e totalmente únicos. Enfim, para aqueles que anseiam em melhorar suas relações com a situação de trabalho, existem recursos técnicos disponíveis. A Psicologia é um deles que, tanto a nível individual quanto institucional, muito tem a contribuir para que a relação do sujeito com o trabalho promova saúde, gratificação pessoal e, conseqüentemente, produtividade. Só quando se considera o sujeito humano é que se pode dizer "O trabalho dignifica o homem!"
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