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1 I Seminário Internacional de Ciência Política
Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015
Relações Brasil-África do Sul: Cooperação Sul-Sul e Multilateralismo
Fernando Preusser de Mattos
1
Ricardo Fagundes Leães2
Resumo
O presente artigo tem como objetivo fundamental analisar a atual situação das relações políticas e
econômicas entre Brasil e África do Sul, na medida em que uma significativa aproximação tem sido
observada entre ambos nos últimos anos. Com esse fito, discute-se brevemente o histórico das relações
bilaterais entre os dois países, sobretudo ao longo da última década e meia, para, em seguida, serem
analisados dois dos principais casos de formação de alianças flexíveis, de geometria variável, ou casos
de soft balancing entre potências emergentes, nos quais Brasil e África do Sul assumem protagonismo: o
Fórum de Diálogo IBAS e a inciativa BRICS. Nosso propósito parte do pressuposto de que, nos últimos
anos, as relações internacionais têm evidenciado a superação do padrão unipolar que caracterizou os anos
1990, como atestam as alterações na distribuição do poder econômico mundial, o declínio relativo dos
EUA e da Europa Ocidental como centros hegemônicos e o avanço contínuo dos mecanismos de
cooperação multilaterais, sobretudo entre potências emergentes. Dessa forma, considerando-se a condição
de potências emergentes que tem assinalado as posições de Brasil e África do Sul no sistema
internacional, tencionamos dar atenção especial à esfera multilateral, que reflete as semelhanças nas
trajetórias de inserção internacional recentemente transcorridas pelos dois países. Nossa hipótese,
portanto, é a de que a parceria entre Brasil e África do Sul se insere em um contexto mais amplo de
expansão do multilateralismo e de busca de maior protagonismo no sistema internacional dos países em
desenvolvimento. Nessas circunstâncias, essas relações seriam tanto efeito quanto causa do processo de
transformação do sistema internacional em curso, uma vez que Brasília e Pretória são vetores de
mudanças ao mesmo tempo em que são moldados por elas. Finalmente, então, o trabalho busca confrontar
as potencialidades dessas relações no âmbito da cooperação Sul-Sul com os obstáculos que ainda se
interpõem ao aprofundamento e ao fortalecimento da atuação conjunta de Brasil e África do Sul em
âmbito multilateral.
Palavras-Chave: Brasil; África do Sul; IBAS; BRICS; cooperação Sul-Sul; multilateralismo; inter-
regionalismo.
Introdução
Brasil e África do Sul assumiram, ao longo da última década, crescente
relevância no sistema internacional como potências emergentes. Ao longo desse
período, os dois países não apenas vivenciaram consideráveis mudanças internas,
sobretudo em aspectos socioeconômicos, como também redefiniram suas agendas de
política externa e a maneira como têm promovido suas estratégias de inserção
internacional. A África do Sul desempenha cada vez mais o papel de polo integrador da
1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) e bacharel em Relações Internacionais pela mesma instituição. E-mail:
[email protected]. 2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS, mestre em Ciência Política
e Bacharel em Relações Internacionais pela mesma instituição. Analista Pesquisador em Relações
Internacionais da Fundação de Economia e Estatística (FEE). E-mail: [email protected].
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África austral, situando-se no centro de redes de transporte e da infraestrutura herdadas
do colonialismo e promovendo ativamente a integração econômica do continente
africano – à frente da dinamização da Comunidade para o Desenvolvimento da África
Austral (SADC) e das transformações no âmbito da União Africana (UA). O Brasil, por
sua vez, lidera o aprofundamento dos processos de integração e regionalismo
observados ao longo dos anos 2000 na América do Sul, destacando-se, nesse sentido, a
concretização do projeto da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).
Associando suas trajetórias de desenvolvimento recente a seus respectivos
entornos regionais, e tendo ressaltado veementemente a importância de conferir ao
processo de globalização em curso uma face mais humana e menos desigual, Brasil e
África do Sul apresentam-se como lideranças em suas regiões, e a parceria
exclusivamente entre os dois países pode, inclusive, ser compreendida como uma forma
de inter-regionalismo, isto é, um diálogo entre duas potências emergentes representando
seus respectivos blocos regionais (MANTZIKOS, 2010). Além disso, ambos demostram
um comprometimento com uma forma renovada de multilateralismo, pautada pela
formação de alianças flexíveis e materializada em iniciativas como o Fórum de Diálogo
Índia, Brasil e África do Sul – IBAS e o BRICS, coalizão entre Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul (FLEMES, 2007, 2010; MANTZIKOS, 2010; VISENTINI;
PEREIRA, 2010).
Dessa forma, considerando-se a condição de potências emergentes que
caracteriza a posição de Brasil e África do Sul no sistema internacional, e partindo das
semelhanças nas trajetórias de inserção internacional recente transcorridas pelos dois
países, o presente trabalho tem como objetivo analisar a atual situação das relações
políticas e econômicas entre os dois países, conferindo especial atenção à esfera
multilateral. Assim, em uma primeira seção discute-se brevemente o histórico das
relações bilaterais entre os dois países, sobretudo ao longo da última década; em
seguida, são analisados dois dos principais casos de formação de alianças flexíveis, de
geometria variável, ou casos de soft balancing entre potências emergentes, nos quais
Brasil e África do Sul assumem protagonismo: o IBAS e o BRICS (FLEMES, 2007,
2010; LIMA, 2005). Por fim, serão confrontadas as potencialidades dessas relações no
âmbito da cooperação Sul-Sul com os obstáculos que ainda se interpõem ao
aprofundamento e ao fortalecimento da atuação conjunta de Brasil e África do Sul em
âmbito multilateral.
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A evolução das relações bilaterais Brasil-África do Sul
Brasil e África do Sul têm relações político-econômicas recentes do ponto de
vista histórico. Condicionantes relacionados à política doméstica e ao vínculo brasileiro
às nações à época colonialistas marcaram a dificuldade de aproximação desses dois
países ao longo do século XX. Apenas em meados dos anos 1980, com o fim do regime
de apartheid e o início do processo de redemocratização no Brasil, as conversações
entre os dois países tornaram-se efetivas.
Encontram-se os primeiros vestígios do relacionamento entre Brasil e África do
Sul ainda no século XIX, devido a contatos esporádicos de cunho comercial. O primeiro
registro oficial de intercâmbio se deu, no entanto, em 1918, com a abertura de um
Consulado de Carreira em Cape Town, tendo se estabelecido o representante brasileiro
no local somente a partir de 1926. Mesmo com a política de ampliação dos mercados
externos pelo Brasil desde os anos 1950, dois pontos específicos foram determinantes
para manter o distanciamento entre as nações no período pós-Segunda Guerra Mundial:
a anexação dos territórios do Sudoeste Africano por parte da África do Sul, atitude que
provocou reações contrárias por parte do Brasil, enfatizando nas Nações Unidas o seu
descontentamento com o intuito de forçar o governo sul-africano a abandonar a região e
deixá-la sob a tutela da ONU; e, por outro lado, o apoio brasileiro às potências coloniais
europeias, em especial a Portugal, o que impedia a inserção brasileira no continente
africano de forma efetiva (CERVO; BUENO, 2008).
A despeito de ações brasileiras em território africano ao longo do regime militar,
que demonstravam uma intenção crescente de maior aproximação com o continente,
apenas em 1974, com o início do processo de descolonização dos países lusófonos, o
Brasil se viu induzido a também mudar sua postura perante a África. A partir de então, a
diplomacia brasileira passou a realmente formular uma política para o continente
africano como um todo, aderindo a algumas das causas africanas junto às Nações
Unidas e tornando-se mais participativo no âmbito das relações bilaterais. Se, até então,
o Brasil acompanhava quase que automaticamente os Estados Unidos e as principais
nações europeias nos assuntos relativos à África do Sul e ao continente africano, a partir
desse momento o país enceta relações específicas e que tenderão a seguir interesses
próprios, sem consultas ou vinculações de subordinação ou alinhamento passivo ao
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Ocidente. A ação que talvez melhor represente a nova política brasileira para o
continente africano foi o rápido reconhecimento do primeiro governo da Republica
Popular da Angola, tendo sido o Brasil o primeiro país ocidental a fazê-lo (CERVO;
BUENO, 2008). Cabe ressaltar que outros fatores externos contribuíram para a mudança
da política africana do Brasil, como a crise do petróleo e a decorrente dificuldade de
acesso a esse produto no mercado internacional, bem como a ascensão de potenciais
mercados alternativos para produtos nacionais, sobretudo manufaturados.
Além das pressões externas, a conjuntura interna brasileira também influenciou a
mudança de paradigma em relação à África. O governo Geisel (1974-1979)
caracterizou-se pelo não alinhamento automático às grandes potências e pelo
agravamento das tensões com os EUA, o que encontrou contrapartida na busca por
novos parceiros econômicos que pudessem estimular o consumo de mercadorias
brasileiras e, por consequência, promover o desenvolvimento da indústria nacional, à
época alavancada pelo II PND, e a consolidação de uma maior margem de autonomia
brasileira no sistema internacional (CASTRO, 1985). Esse quadro se manteve sem
relevantes modificações até o final do período militar, quando a posição brasileira passa
a se manifestar contra o regime de segregação racial vigente na África do Sul. A partir
desse período, o governo brasileiro emitiu um decreto-lei proibindo todas as atividades
de intercâmbio cultural e esportivo com a África do Sul, além de reafirmar a proibição
de venda e/ou trânsito de armas em território nacional que se destinassem àquele país.
Essa foi a fase mais expressiva do distanciamento brasileiro com relação a Pretória
desde o início efetivo das relações bilaterais. Importante frisar que as atitudes brasileiras
estiveram em consonância com o cenário internacional de pressão ao regime
segregacionista sul-africano. A Comunidade Europeia, primeiramente, e os EUA,
devido a pressões da sociedade civil, em momento posterior estabeleceram boicotes aos
produtos do país e iniciaram a proibição do intercâmbio comercial, cultural, militar,
científico ou esportivo com a África do Sul. No entanto, não se pode dizer que o Brasil
aderiu a essas sanções de última hora, tendo em vista o país já ter demonstrado
resistência ao regime sul-africano antes mesmo do agravamento das pressões
internacionais.
Finalmente, com o fim do apartheid as relações Brasil-África do Sul puderam se
concretizar sem maiores empecilhos. Nos anos 1990, representantes brasileiros se
estabelecem novamente nas embaixadas em Pretória e em Cape Town, demonstrando a
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adaptação brasileira ao novo contexto sul-africano. Também ocorrem as primeiras
visitas de chefes de Estado, com destaque para a visita de Nelson Mandela, primeiro
presidente negro da África do Sul. Chamam a atenção, nesse novo período, as
semelhanças de interesses de ambos os países no cenário internacional, levando-os à
cooperação em fóruns internacionais, destacando-se o empenho na Organização
Mundial do Comércio (OMC) contra a política de subsídios praticada pela Comunidade
Europeia e pela reforma da estrutura da própria OMC (CERVO; BUENO, 2008).
O incremento das relações entre os dois países insere-se no contexto da mudança
gradual do interesse comercial das potências emergentes para a orientação Sul-Sul.
Desde os anos 1990, o governo sul-africano vislumbrava no Brasil uma porta de
abertura para o Mercosul, talvez mesmo para uma ampliação da cooperação dos países
do Atlântico Sul. Nesse sentido, Lima (2005, p. 28) afirma que:
[...] a partir de 1994, as relações bilaterais Brasil-África do Sul vão
experimentar uma “nova era”. Iniciando-se com o Acordo de Pretória
e a visita de Fernando Henrique Cardoso ao país, em 1996, a primeira
de um presidente brasileiro, seguindo-se o adensamento das relações
comerciais, as negociações Mercosul e SADC, e a visita de Luís
Inácio Lula da Silva [sic] em 2003.
Ademais, as perspectivas positivas no campo da cooperação bilateral se
confirmam ao longo da década de 2000, pois passam a existir especializações
complementares. Assim, podem-se citar o fato de a África do Sul deter tecnologia de
ponta no setor minerador, podendo contribuir significativamente com o Brasil, seja
através de programas oficiais de intercâmbio, seja através da transferência de tecnologia
e por investimentos diretos no Brasil. O Brasil, por seu turno, tem valiosa contribuição a
oferecer para a África do Sul, especialmente no campo da saúde pública, sobretudo no
combate ao vírus HIV no continente africano. Em setores como a agricultura e recursos
humanos, por exemplo, já há projetos em andamento desde o final dos anos 1990 e o
comércio entre os dois países não apenas se fortaleceu desde então, como também a
pauta bilateral sofreu alterações qualitativas nas últimas décadas, sendo o intercâmbio
de produtos primários uma característica do passado.
Cooperação Sul-Sul e alianças flexíveis: os casos do IBAS e do BRICS
Ainda que as iniciativas de cooperação com outros países do Sul e a prioridade
conferida ao desenvolvimento e ao multilateralismo constituam vertentes da diplomacia
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multifacetada que caracteriza a política externa brasileira desde a década de 1970, foi a
partir de meados da década de 1990, com a ascensão de Itamar Franco à presidência,
que uma nova forma de cooperação Sul-Sul assumiu importância na agenda externa
brasileira (FLEMES, 2010; SARAIVA, 2007). Desde então, não apenas a vizinhança
imediata do Brasil na região sul-americana tornou-se área prioritária da política externa
brasileira, como também assumiram maior destaque as relações do país com demais
países considerados potências regionais de outros continentes – a exemplo da própria
África do Sul –, na crença de que tais países possuem características semelhantes às do
Brasil, bem como um interesse similar no reordenamento do sistema internacional. Esse
movimento iniciado ainda na década de 1990 teve sua dimensão ampliada ao longo dos
governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), tanto com relação à vizinhança sul-
americana, como às demais potências emergentes. Nesse sentido, Saraiva (2007, p. 56)
afirma que:
A posse do presidente Lula e o reforço da corrente autonomista deu
uma nova direção à política externa brasileira, com vistas a construir
uma nova estratégia de inserção internacional do país, mais adequada
tanto ao seu papel no mundo quanto aos constrangimentos próprios à
“inserção periférica dos países em desenvolvimento”.
Este movimento deu um novo peso à cooperação sul-sul dentro da
política externa brasileira, buscando consolidar um multilateralismo
mais favorável a estes países. Buscou, entre outras, recuperar a divisão
norte/sul e recolocá-la no centro da política internacional.
Inseridas nesse contexto encontram-se as estratégias institucionais de soft
balancing levadas a cabo pela diplomacia brasileira juntamente com outras potências
médias. Conforme discutido por Flemes (2010, p. 145), dentre tais estratégias encontra-
se “a formação de coalizões ou ententes diplomáticas limitadas, como BRIC, IBAS, G3
e G21, para restringir o poder das grandes potências estabelecidas”. Dois casos
exemplares desse recente desenvolvimento, tanto o Fórum de Diálogo IBAS como a
iniciativa BRICS ilustram a “latente multi-institucionalização” da diplomacia brasileira,
a qual reflete, ainda segundo Flemes (2010, p. 148), “sua onipresença [do Brasil] no
cenário mundial em alianças flexíveis, todas elas caracterizadas por baixos níveis de
institucionalização”.
Segundo Flemes e Saraiva (2014), a atuação da política externa brasileira a partir
da primeira década do século XXI manteve princípios tradicionais da diplomacia do
Itamaraty – tais como a busca pela autonomia, pelo universalismo e pelo incremento da
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influência do país sobre os temas internacionais –, mas soube aliar a eles uma
participação intensificada em redes de política externa com outras potências médias. Na
ordem mundial que sucede o momento de unipolaridade dos anos 1990, os autores
constatam não apenas o surgimento de novos polos de poder em um horizonte
geográfico expandido, incluindo a Ásia, a África e a América Latina, como também
inovações estruturais na política global, formando aquilo a que se referem como a
“ordem de redes”. Nela, as iniciativas multilaterais de que fazem parte o Brasil e as
demais potências emergentes assumem a forma de redes de política externa
principalmente do tipo advocacy networks, isto é, mecanismos de cooperação
intergovernamental cujos países-membros compartilham não só a aspiração ao status de
grande potência, mas também o interesse pela revisão de aspectos específicos das
instituições herdadas da ordem pretérita.
Detentores de mais de 21% do PIB mundial, e representando 42% da população
global, 45% da força de trabalho e o maior poder de consumo do mundo, a iniciativa
BRICS consiste em um desses mecanismos intergovernamentais na forma de rede de
política externa. Inicialmente restrito a um conceito analítico proposto pelo economista
do banco de investimento Goldman & Sachs, Jim O’Neil, o acrônimo BRIC (Brasil,
Rússia, Índia e China) descreveria os países que compõem 15% da economia global e
mais da metade do crescimento econômico ao longo da década de 2000. A denominação
encontrou respaldo na mídia e na iniciativa dos próprios representantes dos países em
questão, os quais se reuniram, em junho de 2009, na primeira cúpula presidencial do
grupo em Ekaterimburgo, na Rússia. Em 2011, por ocasião da III Cúpula de chefes de
Estado, a África do Sul passou a fazer parte da coalizão, alterando a denominação para
BRICS (ou BRICSA, na sigla em inglês) (FLEMES, 2010; AMORIM, 2010).
Apesar de reunidos em um mesmo fórum de cooperação e interessados, cada
qual à sua maneira, em promover mecanismos de soft balancing que lhes garantam
maior relevância na discussão de assuntos globais, os Estados membros do BRICS
possuem diferentes prioridades. Enquanto Brasil, China e Índia priorizam a reforma dos
sistemas econômico e financeiro global, bem como ressaltam a importância de assuntos
de segurança alimentar e a questão da contenda entre políticas agrícolas dos países
desenvolvidos e em desenvolvimento, a Rússia procura contrabalançar os Estados
Unidos e a hegemonia do dólar como moeda de reserva internacional (BRICS POLICY
CENTER, 2011). A Índia, por outro lado, busca evitar que a reunião BRICS se torne um
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foro para críticas aos Estados Unidos, tendo demonstrado interesse, no entanto, na
reforma do Conselho de Segurança da ONU, juntamente com o Brasil. Ainda que
Rússia e China tenham se posicionado, a rigor, contra uma reforma do Conselho de
Segurança que implicasse a ampliação do número de assentos permanentes, o chanceler
russo Sergey Lavrov afirmou, em recente entrevista, que a Rússia é favorável aos
pleitos de Brasil e Índia e à inclusão de um Estado africano como membro permanente
do Conselho (RUSSIA SUPPORTS..., 2015). O interesse comum com relação à China,
cuja economia desempenha um papel central nas correntes de comércio de todos os
demais países do agrupamento, apresenta-se como um elemento unificador dos
interesses de Brasil, Índia, Rússia e África do Sul no BRICS.
Quanto à recente chegada da África do Sul ao grupo, Jim O’Neil, chefe de
pesquisa em economia global do Goldman Sachs e criador do acrônimo BRIC declarou
que:
as capacidades econômicas sul-africanas não qualificam o país a
entrar no grupo, já que o tamanho de sua economia, de sua população
e a taxa de seu crescimento econômico são consideravelmente
menores às presentes no grupo (BRICS POLICY CENTER, 2011, p.
3).
Alguns especialistas defendem, contudo, a entrada do país no grupo de
emergentes. Um dos principais motivos é encontrado em considerações estratégicas: a
África do Sul seria o polo de desenvolvimento da África, sendo representada por
companhias espalhadas pelo continente que possuem acesso a informações privilegiadas
sobre os diferentes ambientes comerciais. Esse fator é especialmente relevante quando
se leva em consideração o desempenho econômico do continente no século XXI,
quando seus países passaram a figurar no topo da lista dos mercados emergentes. Trata-
se, então, de uma maneira de intensificar a presença dos países do BRIC na África,
fenômeno que começou a ganhar notoriedade nos anos 2000, principalmente com
China, Brasil e Índia (RIBEIRO; MORAES, 2015).
No entanto, a maior motivação é de cunho político, tendo em vista a posição de
diplomatas, segundo os quais o ingresso da África do Sul consagraria a dimensão global
do grupo, confirmando o fórum como o mais importante agrupamento de emergentes.
Segundo Antônio Patriota, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil,
[é] essencial a entrada da África do Sul no grupamento, no momento
em que se busca, no plano internacional, a reforma do sistema
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financeiro e, de modo geral, uma maior democratização da
governança global a inserção sul-africana ampliará a
representatividade geográfica deste mecanismo (BRICS POLICY
CENTER, 2011, p. 5).
Por sua vez, o embaixador da África do Sul no Brasil, Bangumzi Sifingo,
atestou que:
O convite para nos unir aos membros originais do BRIC foi um
reconhecimento da nossa importância como portão para o continente,
além da relevância da África para o mundo. A África do Sul, agora,
figura em um dos mais importantes grupos de emergentes, possuindo
uma maior perspectiva nos fóruns internacionais (BRICS POLICY
CENTER, 2011, p. 4).
Na visão de Ribeiro e Moraes (2015), o ingresso da África do Sul no BRICS se
articula, sobretudo, com questões simbólicas, ainda que não se menosprezem os
atributos materiais. Em primeiro lugar, lembram os autores, é preciso salientar que a
inclusão de Pretória traz legitimidade à coalizão, na medida em que amplia o espaço
geográfico de inserção do grupo: com esse movimento, América Latina, Ásia e África
se encontram reunidos no fórum. Nessas circunstâncias, a imagem do BRICS como
representante da nova ordem mundial ganha peso e consistência, fato particularmente
importante em um mundo em que as economias do “Sul” avançam mais celeremente do
que as do “Norte”. Ademais, o acréscimo do continente africano – tradicionalmente
explorado ou negligenciado pelas potências tradicionais – revela também um
componente simbólico, pois demonstra o interesse do BRICS em promover uma ordem
internacional mais inclusiva.
Ainda em relação à África do Sul, é imperativo frisar que sua posição geográfica
se distingue pelo fato de que o país é o ponto de encontro entre os Oceanos Atlântico e
Índico. Desse modo, Pretória torna-se um epicentro geopolítico para os países
emergentes e sua tentativa de instaurar uma nova ordem mundial. Kornegay (2013), por
exemplo, considera que, em função dos fatores apontados, a África do Sul é uma “tripla
porta de entrada”, pois já possui uma infraestrutura plenamente capacitada para o
recebimento de investimentos externos diretos que podem se espalhar para toda a região
que a circunda. Do mesmo modo, a presença do país da SADC também garante aos
potenciais investidores a oportunidade para ampliar suas vendas em outros mercados
vizinhos.
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Outros fatores, como intercâmbio cultural e tecnológico, também aparecem
como motivações para a entrada do país no grupo. Em contrapartida, grupos políticos do
governo sul-africano não simpatizam com essa aproximação. Segundo o líder da Liga
Jovem do Congresso Nacional Africano (CNA), Julius Malema,“[a]s pessoas usam a
África do Sul para entrar no continente africano e tomar os recursos naturais do
continente. A China é o país número um que recorre a esta prática” (BRICS POLICY
CENTER, 2011, p. 4).
Na visão do ministro das Relações Exteriores ao longo dos dois mandatos de
Lula da Silva (2003-2010), Celso Amorim,
[e]nquanto o BRIC pode legitimamente reivindicar a posição de novo
peso-pesado das relações internacionais, o Fórum IBAS é talvez um
exemplo de diplomacia imaginativa a serviço da construção de uma
ordem mundial mais justa e mais democrática (AMORIM, 2010, p.
232, tradução nossa).
As relações entre Brasil e África do Sul foram, de fato, redimensionadas com o
estabelecimento, em junho de 2003, do Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul
– IBAS, ocasião em que os chanceleres dos três países3 lançaram a “Declaração de
Brasília”, anunciando a constituição do grupo e propondo uma série de atividades a
serem realizadas conjuntamente. Dentre os diversos temas específicos que interessam ao
grupo elencados pela Declaração, podem-se destacar as questões de paz e segurança
internacional, novas ameaças, a reforma do sistema ONU e de seu Conselho de
Segurança, a questão da epidemia de HIV/AIDS, meio ambiente e desenvolvimento
sustentável, questões econômicas, comerciais e financeiras, superação de desigualdades
sociais e eliminação da discriminação racial e de gênero, e, por fim, a articulação de
seus respectivos projetos de liberalização comercial (Mercosul-Índia, Mercosul-SACU4
e SACU-Índia) (VISENTINI; PEREIRA, 2010).
Assim, o tema da reforma das Nações Unidas visando a uma maior participação
dos países do Sul nas questões de paz e segurança internacional, bem como ao
fortalecimento do arcabouço jurídico-parlamentar da Organização constitui elemento
3 Na ocasião, representavam a Índia, o Brasil e a África do Sul os chanceleres Yashwant Sinha, Celso
Amorim e Nkosazana Dlamini-Zuma, respectivamente (VISENTINI; PEREIRA, 2010). 4A União Aduaneira da África Austral (SACU, na sigla em inglês) é composta por África do Sul,
Namíbia, Botsuana, Lesoto e Suazilândia e constitui, juntamente com a Comunidade para o
Desenvolvimento da África Austral (SADC, na sigla em inglês), um dos processos de integração mais
avançados da África, tendo a África do Sul como Estado pivô. A União Aduaneira existe desde o início
do século XX e se mostra uma zona de livre comércio já consolidada (VISENTINI; PEREIRA, 2010).
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central do discurso de justiça global defendido pelo grupo. Uma eventual reforma do
Conselho de Segurança da ONU encontra, contudo, manifestações distintas nas
posições de Brasil e África do Sul: ainda que expressem ambos seu descontentamento
com a restrição do Conselho, o Brasil (assim como a Índia e os demais membros do G-
4, Alemanha e Japão) prontifica-se em assumir um assento permanente entre os
membros do P-5, isto é, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, ao
passo que a África do Sul vê-se impedida de candidatar-se igualmente a um assento
permanente em virtude do regulamente da União Africana, que impossibilita a
candidatura de um Estado membro individualmente (FLEMES, 2007).
Com relação a questões de paz e segurança internacional e à construção de
regiões estáveis e pacíficas, por outro lado, Brasil e África do Sul apresentam posições
bastante semelhantes. Lançando mão da capacidade de que as potências médias dispõem
para incrementar sua influência global, os dois Estados empregam efetivos em missões
de manutenção da paz no âmbito da ONU: por exemplo, a África do Sul nas missões da
República Democrática do Congo e no Burundi, e o Brasil no comando da Missão das
Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) e da Força-Tarefa Marítima
da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL). Além disso, ambos os países
renunciaram ao uso de armas nucleares, limitando-se ao desenvolvimento de tecnologia
nuclear exclusivamente para fins pacíficos, em oposição à Índia, país cujo programa
nuclear se destina também para fins militares e, portanto, não adere ao regime de não
proliferação. Soma-se a isso o mútuo interesse em questões relativas ao Atlântico Sul e
ao continente antártico, entorno estratégico para os dois países. A cooperação nesse
sentido se dá, sobretudo, no âmbito do tratado da Zona de Paz e Cooperação do
Atlântico Sul (ZOPACAS).
Deve-se ressaltar também que, assim como para o Brasil, o Atlântico Sul
representa para a África do Sul uma zona de imensos recursos energéticos, como gás e
petróleo, acrescidos pelas descobertas na camada pré-sal, fazendo-se necessárias a
reafirmação da soberania desses Estados sobre as respectivas águas territoriais e a
garantia da manutenção desse espaço livre de iniciativas de militarização por parte de
potências extrarregionais. A cooperação naval mostra-se, portanto, especialmente
oportuna, dada a limitada capacidade das marinhas dos dois países em monitorar e
proteger extensas costas litorâneas (VISENTINI; PEREIRA, 2010). Em face dessa
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convergência de interesses em matéria de paz e segurança internacional, Visentini e
Pereira (2010, p. 90) concluem que:
Além de interagir para formar novos paradigmas de governança global
(multilateral), um novo equilíbrio de poder no mundo (multipolar) e
de buscar construir um entorno regional seguro e estável no sul de
cada um dos continentes, o IBAS se apresenta como um agrupamento
capaz de forjar instrumentos para articular as relações entre seus
espaços regionais.
A principal iniciativa militar do IBAS é a criação do IBSAMAR, exercícios
marítimos conjuntos entre os Estados membros, que já foram realizados em quatro
oportunidades (2008, 2010, 2012 e 2014), no litoral sul-africano. Se bem desenvolvido,
o IBSAMAR proporcionaria os caminhos para que Brasil, Índia e África do Sul
pudessem exercer uma influência muito mais significativa sobre as rotas marítimas do
Atlântico Sul e do Índico, essenciais para o comércio mundial. Além disso, é uma
possibilidade ímpar para que se evidencie a relevância do multilateralismo e das
coalizações de geometria variável, articuladas pelas potências emergentes. Trata-se,
também, de uma maneira para revitalizar a ZOPACAS e de integrar alguns países
africanos – como Angola e Estados do Golfo da Guiné – nesse novo sistema
(PEREIRA; CLOSS, 2014).
No âmbito das questões de comércio e desenvolvimento, a “liderança funcional”
(FLEMES, 2007) e, até certo ponto, a convergência de interesses dos países do IBAS no
sentido de eliminar barreiras não tarifárias ao comércio, impostas aos países em
desenvolvimento pelos desenvolvidos, é mais evidente. Podem-se destacar o
protagonismo de Brasil, Índia e África do Sul na Rodada Doha da OMC, expresso na
constituição, sob a liderança dos três países, do G-205 na mesma ocasião da formação
do IBAS, bem como nas questões relativas à propriedade intelectual (amalgamadas na
denominação Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights – TRIPS). Ainda
que haja algumas divergências, os interesses e objetivos dos três países no âmbito da
OMC demonstram que, muito mais do que simplesmente buscar um novo status, o
5 O G-20, agrupamento de países em desenvolvimento formado sob liderança de Brasil, Índia e África do
Sul na reunião da OMC em Cancún, México, em 2003, representa o renascimento da coalizão terceiro-
mundista e tem como objetivos o fim dos subsídios praticados pelos países desenvolvidos e a
liberalização do comércio agrícola, destravando, com isso, as negociações da Rodada Doha atualmente
em curso (LIMA, 2005; AMORIM, 2010).
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comportamento da política externa dos Estados do IBAS pode mesmo ser percebido
como uma força compensatória (e condenatória) à atual hierarquia da ordem mundial.
Conforme ressaltado por Lima (2005), a questão da epidemia de HIV/AIDS
pode encarnar o novo sentido da colaboração entre países do Sul e, mais
especificamente, entre África do Sul e Brasil juntamente com a Índia no âmbito do
IBAS. Isso porque há, por um lado, uma demanda considerável por parte da África do
Sul por serviços de saúde pública voltados para a prevenção e o tratamento da epidemia,
tendo em vista a incidência do vírus não apenas no país, mas no continente africano
como um todo. Por outro lado, o Brasil dispõe da tecnologia de novos métodos de
tratamento da doença, enquanto a Índia, por fim, detém uma indústria de fármacos
tecnologicamente desenvolvida. Com relação aos indicadores sociais dos dois países, há
outros pontos de convergência que aproximam Brasil e África do Sul: ainda que o
Brasil apresente um desempenho superior no conjunto de indicadores, destacando-se a
expectativa de vida, a taxa de mortalidade infantil e o Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), ambos apresentam índices de desigualdade semelhantes, bem como
desafios comparáveis no que se refere à superação de práticas de discriminação racial e
de gênero (LIMA, 2005).
A esfera militar também tem sido foco da agenda bilateral de Brasil e África do
Sul nos últimos anos. Em 2005, foi assinado um programa de cooperação militar com o
propósito de desenvolver um míssil ar-ar de quinta geração, cunhado de A-Darter. O
interesse brasileiro no projeto se deve à tradição sul-africana na produção desse artefato
bélico, na medida em que, durante o regime do apartheid, Pretória tinha de ser capaz de
desenvolver localmente seus equipamentos militares, dado o embargo ao qual estava
submetida. Além da expertise sul-africana, o governo brasileiro também salienta a
possibilidade de avanços em termos de transferência de tecnologia, crescimento
industrial, produção científica e capital político. A proposta também contou com a
simpatia dos militares brasileiros por facultar o desenvolvimento conjunto dos mísseis,
o que tem alto potencial agregador à indústria nacional de defesa (FERNANDES et al.,
2013).
Diante de constatações como essas, Visentini e Pereira (2010, p. 92) relativizam
a crítica de certos analistas quanto a contradições latentes entre interesses do Brasil e da
África do Sul que obstaculizariam um maior aprofundamento das relações bilaterais e
em âmbito multilateral, como no Fórum IBAS. Segundo os autores,
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[...] fala-se da dificuldade, tanto do Brasil como da África do Sul, em
relação às suas políticas internas e da fragilidade de suas organizações
democráticas diante dos problemas econômicos e sociais. Contudo, o
debate estabelecido pelo Fórum [IBAS] abriu um importante espaço
político para a atuação internacional dos dois países, com o potencial
aumentado pela participação da Índia. Porém, sua sobrevivência
dependerá, inevitavelmente, da habilidade de seus membros de
ampliarem o diálogo e de promoverem a interação de suas políticas
externas.
De fato, como sinal das dificuldades e da necessidade de habilidade para manter
a intensificar esse diálogo, observa-se uma retração da atividade diplomática brasileira
durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014). Embora seu governo não
tenha abdicado das linhas-mestras estabelecidas por seu predecessor, nota-se de maneira
clara uma diminuição da atividade diplomática, sobretudo em nível presidencial
(CORNETET, 2014). Em seu governo, Dilma Rousseff reduziu o número de visitas
oficiais, contrastando com o protagonismo de Luiz Inácio Lula da Silva. Da mesma
forma, os chanceleres Antônio Patriota e Luiz Alberto Figueiredo tiveram uma atuação
bem menos destacada do que Celso Amorim, que ocupou esse cargo de 2003 a 2010.
Ademais, fica patente uma mudança de foco de questões políticas de longo prazo para
temas econômico-comerciais de desdobramento mais imediato (FLEMES; SARAIVA,
2014).
No que diz respeito à África do Sul, destacamos que esse retraimento
diplomático afeta as relações bilaterais entre Brasília e Pretória através de dois canais de
transmissão: primeiro, o IBAS tem perdido dimensão estratégica com o relativo
desinteresse do governo Dilma, que tem dado prioridade ao BRICS; segundo, vê-se um
refluxo no ímpeto brasileiro em se aproximar da África em geral, manifestado, dentre
outras formas, através da redução do apelo ao empresariado brasileiro para aproveitar a
expansão desse mercado (CERVO; LESSA, 2014). Como nesse artigo partimos do
pressuposto de que Brasil e África do Sul se acercaram em um contexto de crescimento
diplomático dos países emergentes, torna-se preocupante a recente postura do governo
brasileiro, que pode estancar o processo ou deixar de aproveitá-lo em todas as suas
potencialidades.
Dessa forma, uma vez discutidos o histórico recente das relações entre Brasil e
África do Sul e a interação desses países na formação de alianças flexíveis de soft
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balancing, exemplificadas no estudo pelos casos do Fórum de Diálogo IBAS e pela
iniciativa do BRICS, seguem algumas considerações finais a título de conclusão.
Considerações finais
As relações bilaterais entre Brasil e África do Sul tardaram a se concretizar de
forma efetiva. Contudo, após a eliminação dos principais entraves, a interação desses
dois países nas principais áreas de desenvolvimento tem prosperado significativamente
nas últimas décadas e com boas perspectivas de crescimento para o futuro. Desafios
comparáveis nas esferas política, econômica e social e a consonância de objetivos no
que tange ao cenário internacional também favorecem o otimismo identificado, em
especial na área de comércio e tecnologia, assim como na superação da discriminação
racial e de gênero e no combate à epidemia de HIV/AIDS.
As adversidades da crise econômica internacional e o agravamento dos
constrangimentos econômicos internos no Brasil, associados a um perfil presidencial
consideravelmente menos atuante no âmbito da política externa por parte do governo
Dilma Rousseff podem afetar a confiança em um tal otimismo. A despeito disso, a
iniciativa BRICS “continua a impressionar como coalizão”, considerando-se os acordos
discutidos já na V Cúpula do grupo, realizada em 2013 em Durban, e firmados na
Declaração de Fortaleza, de 15 de julho de 2014, criando o Banco de Desenvolvimento
dos BRICS e o fundo de reservas cambiais comum e estabelecendo mecanismos de
cooperação entre as agências de crédito à exportação dos países-membros (CERVO;
LESSA, 2014, p. 141).
O comprometimento de Brasil e África do Sul com uma forma renovada de
multilateralismo, pautada pela formação de alianças flexíveis nas instituições globais e
materializada em iniciativas como o Fórum de Diálogo IBAS e o agrupamento de países
do BRICS, evidencia igualmente a disposição dos dois países em inserirem-se
internacionalmente valendo-se de mecanismos de cooperação Sul-Sul. Desempenhando
ambos o papel de polo integrador dinâmico de suas respectivas regiões, Brasil e África
do Sul de fato possuem interesses convergentes quanto à formação de blocos regionais e
inter-regionais para aprofundar os laços político, estratégicos e econômicos, bem como
para ampliar seus mercados.
As oportunidades oferecidas pelo diálogo no âmbito dos dois mecanismos
analisados no trabalho são, certamente, muitas e muito positivas. Destacam-se o
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interesse mútuo em questões relativas ao Atlântico Sul e ao continente antártico,
entorno estratégico dos dois países, bem como na reafirmação da soberania desses
Estados sobre as respectivas águas territoriais e na garantia da manutenção desse espaço
livre de iniciativas de militarização por parte de potências extrarregionais. Ademais, as
demandas dos dois países com relação a uma globalização mais benéfica aos países em
desenvolvimento encontram ressonância em iniciativas como o BRICS e o IBAS, bem
como nos grupos de países contrários aos subsídios agrícolas dos desenvolvidos no
âmbito da OMC.
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