REFLEXÕES 17 13 de Setembro de 2020 -...

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REFLEXÕES 17 Domingo 13 de Setembro de 2020 Luís Kandjimbo |* A filósofa angolana Arminda Fi- lipe mereceu atenção no texto que dediquei à filósofa nigeriana Sophie Oluwole, ao tê-la integrado numa lista de autoras cujas obras fazem parte das minhas preocu- pações de leitura. O ensino da filosofia e da argu- mentação tem sido instrumental para revisitar questões respeitantes aos problemas e métodos da filosofia no contexto africano. É uma acti- vidade regular que me permite de- senvolver reflexões sobre a moral, a política, a literatura, respectivas práticas e instituições. Vem isto a propósito do debate sobre o problema e o método que suscita a abordagem do conceito de “ondjango”, enquanto modelo institucional de democracia deliberativa e da ética argumentativa que deve orientar o comportamento dos agentes que intervêm nesses processos. Em Angola, a filósofa Arminda Filipe é uma voz feminina que in- tervém no referido debate com o seu livro “Ondjango. Filosofia Social e Política Africana”, publicado em 2018. Trata-se de uma versão da sua tese de doutoramento. Natural da província do Cuanza-Sul, obteve a licenciatura e o mestrado em Filosofia na Universidade Católica do Porto, tendo-se doutorado pela Universidade do Porto. É certamente a primeira angolana doutorada em Filosofia. Arminda Filipe elege como pro- blema a instituição “ondjango”. Para tal recorre à metodologia que lhe parece mais adequada, desig- nando-a por “filosofia do ondjan- go”. Introduz a sua conversa argumentativa com a etimologia e compreensão do conceito-chave. Segue-se uma articulação em quatro capítulos dedicados à tematização da política, artes, filosofia compa- rada e contributos da “filosofia do ondjango para a filosofia social e política africana”. Ao formular a proposta de pro- blematização sobre o “ondjango” e seus equivalentes, a filósofa an- golana lança as bases de uma re- flexão filosófica concentrada em torno de quatro formas temáticas em que se analisa a sua manifestação: política, moral, arte e literatura. Problema do método O método com que se opera no tra- tamento da questão substantiva parece ser bastante ecléctico, “her- menêutico, expositivo-reflexivo, reflexivo-dialógico-crítico”. Pro- curando situar-se no contexto dos debates filosóficos registados no nosso continente, não faz opções perante as escolas que se dissemi- nam pelas diferentes geografias linguísticas e regionais. A sua bi- bliografia não revela especial co- nhecimento de autores africanos, mas revela preocupações que re- metem para a necessidade de es- tabelecer uma “reconexão com a tradição e a memória africana”, tal como diz o filósofo camaronês Jean- Godefroy Bidima. O facto de não estabelecer qualquer diálogo com autores que se dedicam à “palaver” e à “palabre”, respectivamente, neologismo inglês e francês para referir uma instituição como o “ond- jango”, a filósofa angolana junta- se ao debate consagrado ao espaço público e à democracia deliberativa e seu enquadramento no âmbito da filosofia do direito e da filosofia política. De resto, Arminda Filipe afirma categoricamente: “na filosofia oral do ondjango, não se concebe o indivíduo fora da comunidade”. Do ponto de vista da filosofia comparada, devem ser convocados dois filósofos africanos, Bénèzet Bujo, democrata-congolês, e Jean- Godefroy Bidima, camaronês. A ética, a filosofia política e a filosofia do direito são três dos seus do- mínios de interesse. Bujo con- centra-se à volta da natureza ética da instituição. Já Bidima desen- volve uma perspectiva jurídico- política, trazendo à conversa as discussões sobre a ética do discurso e a democracia. Todos esses do- mínios são campos equivalentes do “ondjango” com que se ocupa Arminda Filipe. No entanto, o carácter disper- sivo da abordagem não permite uma exploração argumentativa das potencialidades do método hermenêutico na sua vertente ana- lítico-sistémica, por exemplo. A perspectiva analítica cuja vocação valoriza a linguagem teria permitido demonstrar a importância de uma filosofia africana que examina os esquemas conceptuais no âmbito dos sistemas linguísticos africanos. Por isso, os limites do conceito de “ondjango” que Arminda Filipe invoca são avaliados à luz dos pa- radigmas ocidentais, quando a sua semântica, isto é, os seus signifi- cados requerem um conhecimento dos fundamentos antropológicos que sustentam o “ondjango” en- quanto instituição. O democrata-congolês Bénèzet Bujo e o camaronês Jean-Godefroy Bidima atribuem um valor nuclear ao uso da linguagem e à ética do discurso, tendo em conta a sua relação com a memória colectiva. Bujo refere como exemplo as prá- ticas das comunidades Baluba da região do Kasai. Bidima traz os conceitos equivalentes das comu- nidades Beti e Fang dos Camarões para chamar a atenção do carácter patriarcal da liderança comunitária. Conceito de “ondjango” O conceito de “ondjango” que deriva da aglutinação de três termos, no- meadamente, “ondjo yo hango”, significando literalmente “casa da conversa”, designa uma realidade institucional sistémica. Por isso, partindo da análise do seu esquema conceptual à luz de um sistema linguístico bantu, é redutor con- finá-lo à experiência de uma co- munidade do Cuanza-Sul cuja língua é uma variedade dialectal regional, o Muebu da região do Ebo. Apesar de pertencer ao grupo et- nolinguístico Ambundu, segundo o ensaísta e investigador Sebastião Vinte e Cinco, a população do Ebo usa a variante dialectal Ki- bala, que na geolinguística an- golana traduz a coexistência de duas línguas nacionais em con- tacto, o Kimbundu e o Umbundu. Assim se explica a consagração da instituição “ondjango” e a relativa importância do Umbun- du na vida comunitária. Trata- se de uma unidade lexemática da língua Umbundu equivalente a “Ocoto”, em Cokwe, e “Ocota” em Nyaneka. Portanto, o facto de o conceito “ondjango” ter sido adoptado co- mo vocábulo implica conhecer a dimensão substantiva da ins- tituição, suas propriedades por força dessa incorporação. Tal fe- nómeno ocorre relativamente à apropriação de conceitos e ins- tituições por diferentes comu- nidades étnicas. Uma outra ilustração verifica-se no domínio da “mukanda”, rituais da cir- cuncisão e respectivos universos simbólicos, que, sendo origina- riamente Cokwe e Ngangela, fo- ram adoptadas por comunidades de língua Umbundu com uma designação diferente, “ekwenje” ou “evamba”. Como se percebe, é aí que se revela necessário explorar as vir- tualidades do método analítico aplicado ao esquema conceptual do “ondjango” e seus sentidos em contextos institucionais que os legitimam. Mas numa pers- pectiva comparada tal tarefa não impede que se conheça a tradição analítica da prática filosófica afri- cana e os debates que mobiliza em África, em que se destacam filósofos anglófonos. Tradição de discussão pública As instituições como o “ondjango” formam o universo das expe- riências externas das comuni- dades angolanas com que se ocupa a antropologia social, po- lítica e cultural. E uma destas ex- periências externas é a tradição de discussão pública a que no mundo ocidental se chama “de- mocracia”. Mas a génese dessa tradição não é monopólio da Eu- ropa. A filósofa angolana vem denunciar esta visão monista, ao afirmar que o “ondjango é um modelo de organização social cultural e política comunitária de alguns povos Bantu”. Mas ad- verte que o “ondjango está longe de ser apresentado como modelo ou de ser supervalorizado face à democracia em África”. Apesar disso, Arminda Filipe reconhece que o “ondjango apresenta-se como um contributo para a filo- sofia social e política africana, porque mantém o modo de se es- tabelecer o contacto directo com o outro (…) é o espaço comum onde a pessoa aprende a verda- deira práxis de ter vez e voz, práxis político-democrática (…)”. Portanto, a obra da filósofa angolana refuta o argumento fa- lacioso do cientista político ita- liano Giovanni Sartori segundo o qual a democracia seria ex- clusiva criação da cultura e ci- vilização ocidental, ignorando o pluralismo como pressuposto da condição humana. Por isso, inscreve a sua voz na linha pro- blematizadora da filosofia social e política, sendo exemplar o de- bate sobre a democracia con- sensual e deliberativa em África, animado por Kwasi Wiredu e Jean-Godefroy Bidima. *Ensaísta e professor universitário. M.Phil (Filosofia) e Ph.D (Estudos Literários). Email: [email protected] ARMINDA FILIPE E O PROBLEMA DO MÉTODO Ondjango, um conceito da democracia deliberativa DR

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  • REFLEXÕES 17Domingo13 de Setembro de 2020

    Luís Kandjimbo |*

    A filósofa angolana Arminda Fi-lipe mereceu atenção no textoque dediquei à filósofa nigerianaSophie Oluwole, ao tê-la integradonuma lista de autoras cujas obrasfazem parte das minhas preocu-pações de leitura.

    O ensino da filosofia e da argu-mentação tem sido instrumentalpara revisitar questões respeitantesaos problemas e métodos da filosofiano contexto africano. É uma acti-vidade regular que me permite de-senvolver reflexões sobre a moral, apolítica, a literatura, respectivas práticase instituições. Vem isto a propósitodo debate sobre o problema e o métodoque suscita a abordagem do conceitode “ondjango”, enquanto modeloinstitucional de democracia deliberativae da ética argumentativa que deveorientar o comportamento dos agentesque intervêm nesses processos.

    Em Angola, a filósofa ArmindaFilipe é uma voz feminina que in-tervém no referido debate com o seulivro “Ondjango. Filosofia Social ePolítica Africana”, publicado em2018. Trata-se de uma versão da suatese de doutoramento. Natural daprovíncia do Cuanza-Sul, obteve alicenciatura e o mestrado em Filosofiana Universidade Católica do Porto,tendo-se doutorado pela Universidadedo Porto. É certamente a primeiraangolana doutorada em Filosofia.

    Arminda Filipe elege como pro-blema a instituição “ondjango”.

    Para tal recorre à metodologia quelhe parece mais adequada, desig-nando-a por “filosofia do ondjan-go”. Introduz a sua conversaargumentativa com a etimologia ecompreensão do conceito-chave.Segue-se uma articulação em quatrocapítulos dedicados à tematizaçãoda política, artes, filosofia compa-rada e contributos da “filosofia doondjango para a filosofia social epolítica africana”.

    Ao formular a proposta de pro-blematização sobre o “ondjango”e seus equivalentes, a filósofa an-golana lança as bases de uma re-flexão filosófica concentrada emtorno de quatro formas temáticasem que se analisa a sua manifestação:política, moral, arte e literatura.

    Problema do métodoO método com que se opera no tra-tamento da questão substantivaparece ser bastante ecléctico, “her-menêutico, expositivo-reflexivo,reflexivo-dialógico-crítico”. Pro-curando situar-se no contexto dosdebates filosóficos registados nonosso continente, não faz opçõesperante as escolas que se dissemi-nam pelas diferentes geografiaslinguísticas e regionais. A sua bi-bliografia não revela especial co-nhecimento de autores africanos,mas revela preocupações que re-metem para a necessidade de es-tabelecer uma “reconexão com atradição e a memória africana”, talcomo diz o filósofo camaronês Jean-Godefroy Bidima. O facto de não

    estabelecer qualquer diálogo comautores que se dedicam à “palaver”e à “palabre”, respectivamente,neologismo inglês e francês parareferir uma instituição como o “ond-jango”, a filósofa angolana junta-se ao debate consagrado ao espaçopúblico e à democracia deliberativae seu enquadramento no âmbitoda filosofia do direito e da filosofiapolítica. De resto, Arminda Filipeafirma categoricamente: “na filosofiaoral do ondjango, não se concebeo indivíduo fora da comunidade”.

    Do ponto de vista da filosofiacomparada, devem ser convocadosdois filósofos africanos, BénèzetBujo, democrata-congolês, e Jean-Godefroy Bidima, camaronês. Aética, a filosofia política e a filosofiado direito são três dos seus do-mínios de interesse. Bujo con-centra-se à volta da natureza éticada instituição. Já Bidima desen-volve uma perspectiva jurídico-política, trazendo à conversa asdiscussões sobre a ética do discursoe a democracia. Todos esses do-mínios são campos equivalentesdo “ondjango” com que se ocupaArminda Filipe.

    No entanto, o carácter disper-sivo da abordagem não permiteuma exploração argumentativadas potencialidades do métodohermenêuticona sua vertente ana-lítico-sistémica, por exemplo. Aperspectiva analítica cuja vocaçãovaloriza a linguagem teria permitidodemonstrar a importância de umafilosofia africana que examina os

    esquemas conceptuais no âmbitodos sistemas linguísticos africanos.Por isso, os limites do conceito de“ondjango” que Arminda Filipeinvoca são avaliados à luz dos pa-radigmas ocidentais, quando a suasemântica, isto é, os seus signifi-cados requerem um conhecimentodos fundamentos antropológicosque sustentam o “ondjango” en-quanto instituição.

    O democrata-congolês BénèzetBujo e o camaronês Jean-GodefroyBidima atribuem um valor nuclearao uso da linguagem e à ética dodiscurso, tendo em conta a suarelação com a memória colectiva.Bujo refere como exemplo as prá-ticas das comunidades Baluba daregião do Kasai. Bidima traz osconceitos equivalentes das comu-nidades Beti e Fang dos Camarõespara chamar a atenção do carácterpatriarcal da liderança comunitária.

    Conceito de “ondjango” O conceito de “ondjango” que derivada aglutinação de três termos, no-meadamente, “ondjo yo hango”,significando literalmente “casa daconversa”, designa uma realidadeinstitucional sistémica. Por isso,partindo da análise do seu esquemaconceptual à luz de um sistemalinguístico bantu, é redutor con-finá-lo à experiência de uma co-munidade do Cuanza-Sul cujalíngua é uma variedade dialectalregional, o Muebu da região do Ebo.Apesar de pertencer ao grupo et-nolinguístico Ambundu, segundo

    o ensaísta e investigador SebastiãoVinte e Cinco, a população doEbo usa a variante dialectal Ki-bala, que na geolinguística an-golana traduz a coexistência deduas línguas nacionais em con-tacto, o Kimbundu e o Umbundu.Assim se explica a consagraçãoda instituição “ondjango” e arelativa importância do Umbun-du na vida comunitária. Trata-se de uma unidade lexemáticada língua Umbundu equivalentea “Ocoto”, em Cokwe, e “Ocota”em Nyaneka.

    Portanto, o facto de o conceito“ondjango” ter sido adoptado co-mo vocábulo implica conhecera dimensão substantiva da ins-tituição, suas propriedades porforça dessa incorporação. Tal fe-nómeno ocorre relativamente àapropriação de conceitos e ins-tituições por diferentes comu-nidades étnicas. Uma outrailustração verifica-se no domínioda “mukanda”, rituais da cir-cuncisão e respectivos universossimbólicos, que, sendo origina-riamente Cokwe e Ngangela, fo-ram adoptadas por comunidadesde língua Umbundu com umadesignação diferente, “ekwenje”ou “evamba”.

    Como se percebe, é aí que serevela necessário explorar as vir-tualidades do método analíticoaplicado ao esquema conceptualdo “ondjango” e seus sentidosem contextos institucionais queos legitimam. Mas numa pers-pectiva comparada tal tarefa nãoimpede que se conheça a tradiçãoanalítica da prática filosófica afri-cana e os debates que mobilizaem África, em que se destacamfilósofos anglófonos.

    Tradição de discussão pública As instituições como o “ondjango”formam o universo das expe-riências externas das comuni-dades angolanas com que seocupa a antropologia social, po-lítica e cultural. E uma destas ex-periências externas é a tradiçãode discussão pública a que nomundo ocidental se chama “de-mocracia”. Mas a génese dessatradição não é monopólio da Eu-ropa. A filósofa angolana vemdenunciar esta visão monista,ao afirmar que o “ondjango é ummodelo de organização socialcultural e política comunitáriade alguns povos Bantu”. Mas ad-verte que o “ondjango está longede ser apresentado como modeloou de ser supervalorizado face àdemocracia em África”. Apesardisso, Arminda Filipe reconheceque o “ondjango apresenta-secomo um contributo para a filo-sofia social e política africana,porque mantém o modo de se es-tabelecer o contacto directo como outro (…) é o espaço comumonde a pessoa aprende a verda-deira práxis de ter vez e voz, práxispolítico-democrática (…)”.

    Portanto, a obra da filósofaangolana refuta o argumento fa-lacioso do cientista político ita-liano Giovanni Sartori segundoo qual a democracia seria ex-clusiva criação da cultura e ci-vilização ocidental, ignorandoo pluralismo como pressupostoda condição humana. Por isso,inscreve a sua voz na linha pro-blematizadora da filosofia sociale política, sendo exemplar o de-bate sobre a democracia con-sensual e deliberativa em África,animado por Kwasi Wiredu eJean-Godefroy Bidima.

    *Ensaísta e professor universitário.M.Phil (Filosofia) e Ph.D (Estudos

    Literários). Email:[email protected]

    ARMINDA FILIPE E O PROBLEMA DO MÉTODO

    Ondjango, um conceito da democracia deliberativa

    DR

  • LEITURAS18 Domingo13 de Setembro de 2020

    LIVRO “ALJUBE SEM ÁLIBI”

    Anselmo Vasco medita sobre a liberdade e a paz

    Da curiosidade que mata o gato ou do gato que mata a curiosidade

    Pedro Kamorroto

    De que insumo ou matéria-prima é feito o inquietantebicho homem senão à ima-gem, semelhança e à medidadas suas manias e grandezas?É no acto de inquirir que elebusca a compreensão e a in-compreensão de si mesmo edo céu que orbita sobre a suacabeça lunática

    No princípio era o Verboe o Verbo não tardou a setransfigurar em palavrahumana.

    Com o eclodir da demo-cracia, uma das utopias hu-

    manas mais bem consentidaspelo senso comum, muitostêm usado e abusado da pa-lavra como artefacto da línguaescrita ou de um outro arte-facto - a linguagem verbal -para espalharem as suas cren-ças, mitos e ideologias comoverdades absolutas ou uni-versais. Mas quem detém averdade? O crente, o descren-te, o ateu, o agnóstico, o deísta,o pirrónico céptico? Deus-diabo ou Diabo-deus? Seráque alguma vez a luz vestiuo fato da escuridão e a escu-ridão idem?

    A alteridade não é a re-ligião dos homens. Entre a

    luz e as trevas, qual das duasé mais democrática? Quemtu preferes?

    “Conhecerás a verdade ea verdade te libertará”. Qualverdade é uma arma poderosade libertação e de emanci-pação? A verdade eivada dedogmas (ortodoxos ou estói-cos) e de crenças que, de persi, excluem quem decidiu irpara o altar na contramão?

    Nos tempos que correm,de quase entorpecimento ge-neralizado, onde a mídia in-ternacional de minuto aminuto, de segundo a segun-do, dá carona a um vírus quemuitos alegam ser o produto

    da imbecilidade e do ladomais sombrio e seboso doser humano, devemos estaratentos a todos aqueles queprocuram espalhar o pânicomediante seus preconceitos,crenças e ideologias.

    Num dia como se fossehoje, numa das minhas re-ligiosas andanças pelas terrassantas do São Markos de Zuc-kerberg, um velho amigo per-guntou para todos aquelesque fazem parte da sua redede contactos se ele era o úni-co que via que algumas pes-soas, mormente os crentes,tiravam proveito da pande-mia que assola o mundo. De

    chofre disse-lhe que não erao único. Fui mais longe, di-zendo que quando há doen-ças do género os iluminados,em nome de Deus vêm comaquele discurso da praxe,de que estamos nos dias dofim e que as profecias estãoa ser cumpridas.

    Um outro velho amigo, emtom de brincadeira, disse oseguinte: “Seu ateu incorri-gível”. De seguida, desatei àsgargalhadas. E o velho amigoretruca: “Vais arder no fogoeterno”. E eu como não tenhombora papas na língua ou lín-guas na papa, retorqui nosseguintes termos: “Viver, ser

    adulto, pagar as contas é jáviver o fogo intenso do inferno.Gostaria de ser gato ou umoutro animal de quatro pataspara saber dos seus dilemase contradições”.

    O velho amigo, apesar dasua caturrice, acabou sendodomado e pediu-me paranão lhe estragar a fé que estácom ele. Fim de citação, fimde conversação.

    Caros leitores: como nãogosto que a curiosidade mateo gato ou que o gato mate acuriosidade, por motivos nãoalheios à minha vontade nemà do velho amigo, não vosdirei de quem se trata.

    EQUÍVOCOS DE BAR

    “Aljube sem Álibi” é o título do livro de meditações de Anselmo Vasco que já está no mercado da cidadedo Lubango. O foco da obra, segundo o autor, está na liberdade, “cuja chave é o pensamento e toda a

    atitude positiva para encontrar e preservar o que se entende por paz”

    Arão Martins | Lubango

    “Os desastres, as catástrofes, a cor-rupção, a infidelidade, a ambiçãohumana, entre outros males, sãocada vez mais crescentes e presentesno dia-a-dia e requerem inteligênciae sabedoria para serem contornados.Não somos criaturas más por na-tureza, pois acredito, conforme des-crito nas ‘Sagradas Escrituras’, quesomos feitos à imagem e semelhançade Deus”, disse Anselmo Vasco aoJornal de Angola, acrescentando:“parece que algum mal inundou onosso ser, afectando negativamentetodo um sistema individual e social,dividindo-nos. Em nós facilmentese percebe que temos uma metadedo bem e outra do mal”.

    No livro, explicou o autor, o leitorjamais encontrará um mundo deideias novas. “Pelo contrário, en-contra verdades que às vezes nãoqueremos saber delas, porquantosomos prisioneiros de nós mesmose de todo um sistema global quenos tem como marionetas”.

    O mundo, referiu o escritor, pa-rece estar dividido entre os senhoresdo bem e os carrascos. “Vivemosnum mundo que é uma autênticaprisão, de gente complexa, pessoasnarcisistas sem misericórdia e semcompaixão, encarecidas na fofoca,inverdades, amizades interesseiras.Procurei reflectir em tudo isso nolivro, como forma de cultivar oamor ao próximo”.

    Anselmo Vasco frisou que, ac-tualmente, as pessoas estão maispresas às redes sociais, tomadas

    pela revolução tecnológica e des-preocupadas com a humanizaçãoe a dor do próximo. No seu dizer,está-se preso pela falta de dinheiroe pela sua abundância cega queleva à inexplicável necessidadede querer comprar o mundo. “Es-tamos presos ao conformismo deuma sociedade hipócrita e ganan-ciosa em si mesma”, acentuou.“A ambição é visível até mesmonas sociedades religiosas, trans-formadas em mercados da fé, queparecem autênticos fundos de in-vestimento, onde quanto mais de-positares mais receberás em troca,sem juros e com ‘payback’ garan-tidamente curto”.

    Pensar a vidaInúmeras vezes, disse AnselmoVasco, o livro pára no tempo e,em monólogos, coloco-me apensar na vida, no mundo, nasteorias e filosofias da existênciahumana, na lógica da humani-dade e do Universo.

    Sobre o mistério do princípiode tudo, da vida, do mundo e detoda existência, salientou AnselmoVasco nas vestes de filósofo, algunsbuscam resposta na religião, outrosna mitologia e outros ainda nasdiferentes teorias científicas. “Nolivro, não pretendo apresentaruma nova teoria sobre o princípiodo universo, pois a religião, a mi-tologia e os grandes pensadoresjá o fizeram. Na verdade, temos aplena noção de que nascemos deuma mulher, somos fruto de umprocesso de gestação, e o cordãoumbilical marca não só a cicatriz

    da fonte da nossa vida, mas tam-bém a família que nos gerou, nossaorigem, nossa história”.

    Para Anselmo Vasco, a vida é“uma luta constante pela sobre-vivência neste aljube sem álibi”.Mas, “independentemente de todaa negatividade envolta na nossaexistência, o princípio acaba sendoum momento especial, único etalvez o de maior felicidade emnossas vidas”.

    O autor salientou que os maiores

    crimes de lesa humanidade sãoroubar, retirar, impedir, amputare matar a infância. “É na infânciaonde tudo é mais simples e as doresse curam com um beijo de afecto,mimo, carinho e palavras bonitas”.

    Precisou que quando se é crian-ça, as diferenças ideológicas, acor da pele, a bandeira partidária,o credo religioso e a situação po-lítica, económica e social são ir-relevantes. “O que importa são ossonhos”, concluiu.

    A edição inicial do livro “Aljubesem Álibi” tem uma tiragem de 1000exemplares e 76 páginas. AnselmoVasco, que é economista de formação,docente universitário e conferencista,tem uma forte propensão para a re-flexão filosófica sobre a vida e omundo. Publicou também os livros“Fiscalidade angolana – Funda-mentos teóricos e práticos”; “FinançasPúblicas – A ciência e a arte de geriro erário público”; e “E entendendoo tempo – Mestre silencioso”.

    | EDIÇÕES NOVEMBRO

  • LEITURAS 19Domingo13 de Setembro de 2020

    A artista foi anunciada numa cerimónia em Londres, com transmissãoonline, na última quinta-feira, como vencedora do Prémio Mullen Lowe

    Nova 2020 com o projecto “Um Arquivo Angolano”, que reúne umconjunto de cerca de 200 peças sob a forma de textos escritos, imagens deinvestigação, vestuário, gravações de voz, desenhos, artefactos de madeira,

    instalação, fotografia, performance e vídeo

    | EDIÇÕES NOVEMBRO

    Sandra Poulsonfoi uma entre os 14 finalistas do concurso, seleccionadosde duma lista final de 46 apurados num total de 1.300 alunos recém-formados na Central Saint Martins. O prémio garante aos estudantesformados uma plataforma de reconhecimento que os pode catapultara uma carreira profissional no mundo da arte, da moda e do design.

    Segundo o website da Central Saint Martins, uma Faculdadedo Reino Unido de artes e design, considerada uma das melhoresdo mundo, Sandra Poulson apresentou uma seleção de itens do-mésticos comuns angolanos para discutir a relação entre a famíliae a memória social herdada da Angola colonial e da guerra civil.“Esta obra é um arquivo de informação explorado através de do-cumentos, artefactos, vestuário, momentos, manchetes, tradiçãooral e dados históricos que definem a paisagem sociocultural,económica, política, étnica e cultural de Angola”. No conjunto,os itens são estudados “não apenas num nível material, masprincipalmente numa perspectiva de cultura material”.

    “Este projecto começou com uma viagem de pesquisa a Luanda,minha cidade natal, onde passei um mês capturando e me en-volvendo com a vida quotidiana da cidade, desde os assentamentosinformais até a baixa de Luanda”, disse Sandra Poulson.

    O projecto evoluiu para a elaboração de protótipos e a confecçãode artefactos em oficinas de madeira, fundição, metal e serigrafia.

    “É uma sensação interessante, especialmente por ser umprojeto que foi terminado depois da Covid-19 ter começado e deficar a trabalhar em casa, a criar tudo. É interessante e muitogratificante saber que há mais pessoas que valorizam aquilo emque tenho vindo a trabalhar e que têm interesse na nossa culturae na nossa vida e em como podemos continuar a progredir”, su-blinhou a artista, citada pelo jornalista Raimundo Salvador napágina do Facebook “Conversas à Sombra da Mulemba”.

    Os vencedores foram encontrados online por um universo devotantes global. Os estudantes premiados foram contempladoscom um montante em dinheiro para os ajudar na sua pós-graduação prática.

    Praticante de moda e pesquisadoraSandra Poulson apresenta-se como uma artista visual, praticantede moda e pesquisadora.

    “O meu trabalho discute a paisagem política, cultural e socioe-conómica de Angola como um estudo de caso para analisar arelação entre História, tradição oral e estruturas políticas globais”,afirmou a artista, numa comunicação. “Minha prática utiliza afamília e a memória social herdada da Angola colonial e da guerracivil para desmantelar a Angola contemporânea por meio deestudos semióticos de objectos (culturais) comuns (...). O queatrai, inerentemente, as questões colocadas pela obra para a tarefade descolonialidade”, acrescentou.

    Sandra Poulson disse ainda que o seu corpo de trabalho revisita,recorrentemente, o corpo como espaço liminar de discussão,operando de forma interdisciplinar por meio de meios como aescrita, a fotografia, a hipernotação e a documentação, a mídiamista, a colagem, o desenho, a impressão, a performance e o vídeo.

    “Tendo a moda como uma forma de investigação que reconheceos artefactos em estreita proximidade com o corpo, a minha práticase aprofunda na confecção e no extravio de roupas”, concluiu.

    A artista cresceu em Luanda e mudou-se para Lisboa em 2013para estudar Design de Moda na Faculdade de Arquitectura daUniversidade Técnica de Lisboa. Em 2014 foi para o Reino Unidoestudar no London College of Fashion. Em Junho deste ano (2020)concluiu a formação em moda na Central Saint Martins. O seutrabalho criativo já foi exposto na Nigéria e no Reino Unido.

    Sandra Poulson premiada em Londres

    PROJECTO ARTÍSTICO “UM ARQUIVO ANGOLANO”

    “O meu trabalho discute a paisagem política, culturale socioeconómica de Angola como um estudo de casopara analisar a relação entre História, tradição oral e

    estruturas políticas globais”

  • ENTREVISTA20 Domingo13 de Setembro de 2020EDIÇÕES NOVEMBRO

    A sensibilidade apurada de AdrianoMixinge para o universo feminino faz dolivro “A flor de Mazozo ou a Festa dosPássaros” um produto literário recheadode interminávei s emoções, sobretudo,para quem procura uma narrativaousada e reflexiva. O autor demonstra,no seu quinto livro, em que reúne 11relatos em 103 páginas, que o âmagofeminino lhe fascina. Adriano Mixinge,como ele próprio o diz na entrevista quese segue, pertence a uma linha deescritores angolanos “para quem aliteratura não é um meio para atingiroutro objectivo que não seja conseguirespoletar no leitor um conjunto dereflexões e abordagens que lhepermitam analisar a realidadeem que está imerso e, sobretudo,contribuir para que a literaturaajude a transformar positivamentea consciência do leitor”

    Manuel Albano

    Como define os relatosautobiográficos de umamulher no seu mais recentelivro? O que nos traz o livro“A Flor de Mazozo”?O livro é um conjunto deonze relatos diversos escritosantes de 2002. Através deles,o leitor pode estabelecer umdiálogo imaginário com amítica figura do livro “Ocasodos Pirilampos”, que, comose recordarão, é uma figuramasculina poderosa. “A Florde Mazozo ou Festa dos Pás-saros” é também uma figurapoderosa - no caso uma mu-lher - que no fim da sua vidaolha para a história do paísdos últimos 45 anos. O ele-mento que articula a históriatem a ver com retratos au-tobiográficos da protago-nista, que confrontada como facto de ter sido acusadade feitiçaria pelos filhos esobrinhos, decide fingir-se de maluca para sobre-viver. Então, é “a loucalúcida” que reconstrói osfactos do passado.

    O objectivo do autor foi criarmomentos de reflexão entreos leitores?Efectivamente! Do mesmomodo que acho que um es-critor deve ser um activo ca-ta l i sador da l iberdadeindividual, procuro também

    estimular as capacidades dereflexão dos leitores, semque percam a oportunidadepara deleitar-se. Pertenço auma linha de escritores an-golanos para quem literaturanão é um meio para atingiroutros objectivos - de ca-rácter político-partidário,por exemplo - para além daliteratura em si mesma. Aliteratura deve conseguir es-poletar no leitor um conjuntode reflexões e abordagensque permitam analisar a rea-lidade em que está imerso,e, se possível, o ajude a trans-formá-la. O texto deve ter acapacidade de desfazer abarreira entre a realidade ea utilidade da literatura, con-tribuindo para criar e ou con-solidar as bases para umacidadania consciente.

    Podemos sentir que oescritor consegueapresentar vários pontosanalíticos no livro. Um dosaspectos da obra é arememoração do passadopara corrigir o presente...Insisto: a literatura deve servirpara ajudar a sociedade apensar e a agir. Pensar nosentido de que, quando nãocontamos as coisas como fo-ram bem feitas, podemosmuito rapidamente esque-cê-las e se não se tiver cui-dado repeti-las, quando àsvezes foram tão mal feitas

    que interessaria actuar deoutro modo. Ao passo que, se a literaturaservir para rememorar o pas-sado, quer seja no seu ladomais nobre quer no menosnobre, isso nos faz estar cons-cientes daquilo que aconteceue não ficarmos estupefactosa tentar perceber o que real-mente aconteceu. As coisas que acontecem sãosempre consequência de umpassado e esse conjunto detextos tem essa importância:há histórias que remontamaos anos imediatos ao pós-Independência Nacional(1975), como o relato “Como Mundo nas mãos”, que re-trata um incidente familiarquando uma granada explo-diu dentro da nossa casa,para, através dele, falar sobrea importância dos militares,na época.

    O livro não fala somente dasmemórias da protagonista.Fala-nos também de amor...O livro apresenta-nos, igual-mente, a reconstrução dahistória de amor entre Jacintoe Florinda, que se conhece-ram no antigo musseque Re-bocho Vaz, actual Kassequeldo Lourenço, num dia emque havia cinema ao ar livre,no areal situado no fundodas ruas em que viviam. Nes-se conto, em particular, rein-ventei a história de amor de

    uns tios meus, que marcoua memória da família. Há, também, elementos nolivro que abordam a transiçãodo passado colonial para aindependência, a recons-trução literária de um de-terminado contexto até aostempos actuais e destaca opapel da mulher, com a pro-tagonista a reivindicar ummelhor posicionamento damesma no tecido social. Nes-te sentido, apresento umavisão do que herdei dos meuspais e, muito particularmen-te, da minha mãe e a impor-tância que eles tiveram noseio familiar para a educaçãode todos os seus filhos.

    O fenómeno migratório dointerior para Luanda estámuito patente no livro. Háuma razão especial?Trago no livro a localidadede Mazozo por ser onde aminha mãe nasceu. Colo-cando-me no lugar dela, de-ve ter sido importante essaviagem que fez na décadade 60, para a capital do país,quando aconteceu o movi-mento populacional do in-terior para o centro e aperiferia de Luanda. O livrotraz essa espécie de viagemde peregrinação, iniciática,de um âmbito rural para ourbano. O livro também éuma reflexão sobre a vida ea morte. No fundo, quero

    imortalizar no sentido lite-rário a história da protago-nista da obra.

    O espaço em que se move aprotagonista tem uma carganostálgica para o escritor.Por que razão?Essa carga nostálgica temmuito a ver com o espaçoem que eu e a narradora dolivro nos movíamos. Nosanos que estive ausente dopaís, se existiram lugaresque eu recordava muito beme de que sentia inúmerassaudades eram as zonas doRangel, as Bês, as Cês, o Ca-puto, o largo do Cine N’gola,os Blocos, lugares onde crescientre os oito e 11 anos: foinaquele espaço, diferentedo que é hoje, que começoua minha adolescência. E,claro, tudo isto participa davisão que tenho hoje sobrea vida.Por outro lado, tenhoigualmente uma relaçãomuito especial com a natu-reza, porque sempre crescie vivi em ambientes rurais.Daí esta relação muito forteno sentido literário com osrelatos da obra: em Cuba,eu estudei em escolas se-cundárias básicas, no cam-po, e a “Flor de Mazozo”vem do mato.

    O livro já está disponívelpara os leitores?A editora Mayamba está a

    ADRIANO MIXINGE

    “Escrevo paradespertar

    a consciência dos leitores”

    estudar a possibilidade dese fazer uma apresentaçãopública do livro, respeitandoas normas de biossegurançaem tempo de pandemia daCovid-19. Não sou muito defazer cerimónias públicas,mas o livro já está disponívelao público na livraria da Fa-culdade de Direito da Uni-versidade Agostinho Neto eno Memorial Dr. AntónioAgostinho Neto. Por exemplo,o meu anterior livro, “O Beijoda Madame Ki-zerbo”, nãofoi apresentado publicamen-te, apenas foi posto a venda.Neste momento, quem quiseradquirir outros dos meus li-vros pode fazê-lo através dosite da livraria Kiela, do es-critor Ondjaki, livraria essaque também tem um serviçoao domicilio para a zona cen-tro de Luanda. Evidentemente, no caso daobra “A Flor de Mazozo”, aeditora Mayamba acha im-portante a realização de umencontro com o públicopara provocar leitura aotexto e uma conversa entreautor e leitor que acho quepode ser interessante, namedida em que pode ajudara conhecer melhor tanto oautor como a obra publi-cada. Este é o melhor pré-mio que um autor pode ter.Não escrevo para prémios,mas sim para despertar aconsciência dos leitores.

  • ENTREVISTA 21Domingo13 de Setembro de 2020

    Adriano Mixinge(Luanda, 1968) é

    historiador, curadore crítico de arte.Licenciado, em

    1993, pelaUniversidade de

    Havana (Cuba). Foiinvestigador no

    Museu Nacional deAntropologia, em

    Luanda, editorcultural do Jornal

    de Angola ecomissário na I

    Bienal de Arte deJoanesburgo (1995).

    Desde 2003 émembro daAssociação

    Internacional deCríticos de Arte

    (AICA). Autor do romance“Tanda” (EdiçõesChá de Caxinde.2006). No ano de2014 publicou olivro “O caso dos

    Pirilampos” com achancela da editora

    (Guerra e Paz.Lisboa), com o qualrecebeu o prémioliterário Sagrada

    Esperança em 2013.Publicou

    igualmente o livrode ensaios sobre

    arte “Made inAngola: arte

    contemporânea,artistas e debates”,

    pela editoraL’Harmattan, Paris,

    em 2009, ondereúne 35 ensaios

    sobre a arteafricana

    contemporânea e apropósito da obrade alguns dos maisimportantes artistasangolanos. Com a

    editora Guerra e Pazpublica “O beijo daMadame Ki-zerbo”(Lisboa), que reúne

    36 crónicaspublicadas no

    Jornal de Angolaentre 1999 e 2007. Foi Conselheiro

    Cultural nasembaixadas da

    República de Angolaem França (2002-

    2011) e no Reino deEspanha (2011-

    2018): nessacondição organizouem Novembro de2008 os projectos

    “Angola, monamour”, no Museudo Quai Branly, emParis e “Angolana”,uma apresentaçãoda arte e da cultura

    angolana, emMadrid.

    Actualmenteé um dos

    administradoresexecutivos doMemorial Dr.

    António AgostinhoNeto. Assina todasas terças-feiras a

    coluna “Na alva dasideias”, neste jornal.

    P E R F I L

    “Uma borboleta com a idade da história de Angola”

    Ao atribuir a responsabilidadede escrever o posfácio do seuquinto livro “A Flor de Mazozoou a Festa dos Pássaros” à jovemescritora Cíntia Gonçalves, mem-bro do Círculo Literário e Lin-guístico Litteragris, AdrianoMixinge procura partilhar expe-riências literárias geracionais.“Dentro dos condicionalismosimpostos pelas particularidadesdo texto literário”, Cíntia Gon-çalves, que decidiu intitular oposfácio “Uma Borboleta coma idade da História de Angola”,refere o seguinte: “A obra literáriaque vislumbramos enche-nosde satisfação por ser das poucas,na literatura angolana, que secentraliza na pessoa da mulher,trazendo a presença de perso-nagens femininos com opiniõescontrastantes e cheias de matizes,e a exposição de dialécticas con-traditórias, o que representauma tocha acesa sobre a valo-rização do pensamento femininona literatura angolana”.Adriano Mixinge – continua a au-tora do posfácio – “com a sua já

    consagrada visão do mundo traz-nos em ‘A Flor de Mazozo ou aFesta dos Pássaros’ o olhar pas-sivo, que deambula por um pas-sado ressentido e com indefinidossentimentos de culpa. Com asua mais recente proposta lite-rária, o escritor que se tem mos-trado observador e crítico,vagueia por um universo alheio,mesclando-se com a idade daHistória de Angola”.Com os seus relatos, segundoCíntia Gonçalves, o escritor “mos-tra-nos um tópico erótico ou,simplesmente, a visão substantivada relação íntima e ideológicada mulher com os seus desejosaprisionados, trazendo à tonatodo o potencial sexual criativo,isto é, o poder de criar uma novamaneira de nos relacionarmosconnosco”. O autor, diz a posfa-ciadora, deixa transparecer “li-nhas de pensamento perversase de suculentas orgias” atravésda figura da Flor de Mazozo”,sendo “a primeira vez que na li-teratura angolana se dizem ascoisas que estes relatos dizem”.

    “A Flor de Mazozo” e a literatura como forma de emancipação social

    Manuel Albano

    Todas as semanas, quandoAdriano Mixinge escreve ascrónicas que publica na co-luna “Na alva das ideias”deste jornal, parece trans-portar os leitores para ospassados mais misteriosos,menos sistematizados, aindapor descobrir, para as vidasque mais se metamorfo-seiam e para os aconteci-mentos e as análises maisdisruptivas: e nesse exercício,ele traz e refaz também opresente e o futuro, o que jáchegou - como se fossemum puzzle de palavras, ideiase universos que vibram aoritmo das nossas pulsaçõesmais íntimas. A realidade édissecada em cada parágrafo:inesperados fluxos de refle-xão e de questionamento seabrem estimulando o leitor.

    Ao analisar os relatos daobra literária “A Flor de Mazozoou a Festa dos Pássaros” deAdriano Mixinge, notamos quenão se propõe a um exercíciosimples: na sua narrativa, oslocalismos e a visão cosmopolitaandam de mãos dadas. É issoque torna surpreendente a nar-rativa do autor.

    Assim, quem se atrevera ler este livro pode ter acerteza que estará “tramado”- e ainda bem: porque serátransportado, seguramente,para uma viagem infinita,com múltiplos aconteci-mentos e realidades anta-gónicas, em que cada umpode ou não se rever. Cadarelato pode ler-se por si só,mas, seguramente, todos os

    relatos do livro terminamsendo um único relato, umespaço de emancipação in-dividual e colectiva.

    Inúmeras razões fazem-

    nos aconselhar a ler o quintolivro de Adriano Mixinge:nele, o autor mergulha noíntimo da mulher, apelandoa um sentido estético apurado,

    socorrendo-se tanto de umalinguagem “arrojada” comode uma “narrativa plurivocal”– com vários narradores, parafazer acontecer as coisas como

    na própria realidade, na vidae na história.

    Neste sentido, Adriano Mi-xinge “ancora-se” muitasvezes em relatos detalhadospara falar do processo mi-gratório do campo para a ci-dade, nos anos 60 do séculopassado, da continuidade hu-mana e da transmissão devalores entre várias gerações.Ou seja, o livro aborda os de-sejos intermináveis do passadode uma mulher vinda das zo-nas rurais para a grande ci-dade: este é o pretexto utilizadopelo autor para reinvindicara valorização do contributoda mulher na sociedade.

    No entanto, as lembran-ças do passado permanecemintercaladas nos relatos co-mo, em todas as manhãs, aflor precisa de estar ao solpara sobreviver. Os lugares,na memória da personagemprincipal, mantêm-se sem-pre presentes: ora no des-pertar efervescente de umajuventude ávida de “tudo”experimentar, ora para fazeruma analogia entre o mundovirtual e o mundo real.

    Nos relatos, o autor trazpara os amantes da literaturauma narrativa testemunhal,quase biográfica, destacandovários contextos da históriado país: os conflitos armadosantes e após a independência;o empoderamento femininonum mundo dominado pelomachismo faz, no livro, asua desforra; a procura deum lugar na sociedade e abusca da satisfação carnal eespiritual ajudam a carac-terizar e a compreender apersonagem principal.

  • LIVES22 Domingo13 de Setembro de 2020

    Ana Koluki |*

    Ao longo dos últimos meses,sem termos que sair de casa,muitos quartos, salas, portase janelas se abriram ‘online’para conversas sobre os maisdiversos, entre pessoas situa-das em cidades, países e con-tinentes diferentes, quebrandovirtualmente o confinamentoa que fomos submetidos. Dasmuitas conversas a que pu-demos aceder durante esteperíodo excepcional da vidada Humanidade, duas me pa-receram especialmente re-levantes para este momentohistórico e merecedoras deum registo impresso e traduçãopara partilha mais ampla –quanto mais não seja porqueuma barreira comunicacionalainda não completamente ul-trapassada a nível global é alinguística. Ambas envolveramfilósofos conversando sobreos desafios existenciais queesta pandemia colocou a todosnós. Separadas no tempo poralgumas semanas, a primeiraofereceu-nos uma reflexãoentre Paul Gilroy na Inglaterrae Achille Mbembe na Áfricado Sul, enquanto a segundanos propiciou um debate entreBernard-Henri Lévy (BHL)em França, Stella Sandfordna Inglaterra e Homi K. Bhab-ha nos EUA.

    Centrar a conversa em am-bas as ‘salas’, foi a questãode, perante esta conjuntura(‘conjuncture’, no sentido doteorista cultural Brit-Jamai-cano Stuart Hall: “um conjuntode tendências convergentese divergentes moldando a to-talidade das relações de podernum dado campo social du-rante um particular períodode tempo, que se expressa poruma configuração específicade eventos políticos, econó-micos e psicológicos, com-pondo uma intersecção deemoções e identidades”) cons-tituída pela pandemia, o mo-vimento ‘Black Lives Matter’(BLM) e a ascensão do popu-

    lismo no Ocidente, que tipode intervenção se pode esperarda Filosofia e das Humani-dades? Essa questão foi pre-dicada nas perguntas que ofilósofo francês Michel Fou-cault formulou e tentou res-ponder em 1982: “O que estáa acontecer neste preciso mo-mento? O que nos está a acon-tecer? O que é este mundo,este período, em que estamosa viver?”. Então, como pen-sadores contemporâneos res-pondem às mesmas perguntasem 2020 e como nos podemguiar na miríade de incertezascom que nos confrontamosneste momento?

    Stella Sandford sugeriu-nos dois tipos de abordagemdessa questão: 1. A abordagemanglo-americana da filosofia,a filosofia aplicada – adop-tando modelos existentes aosproblemas com que nos con-frontamos, e.g. em ética doscuidados de saúde; 2. A tra-dição filosófica europeia-continental, que é maisabrangente e preocupada como significado: qual o signifi-cado da pandemia para nós,como seres humanos, comoseres histórico-sociais, fun-damentalmente dependentesuns dos outros e das nossascomunidades? Neste caso,como é que este episódio, es-sencialmente contingente eem si próprio insignificanteem termos históricos, nos levaa reflectir sobre como criamossignificado a partir dos eventos.Sendo que, nesse processo, apandemia também propiciaas condições nas quais o tipode impulso filosófico demóticopode tomar o controlo e qual-quer pessoa interessada na suaprópria vida passa a fazer essasperguntas, pelo que todos nostornamos filósofos acidentais.

    Evocando Senghor Para uma outra abordagem,mais africana, da mesmaquestão, voltamo-nos para asala em que conversam PaulGilroy e Achille Mbembe. Eles

    abordam-na a partir da obrade Senghor, que várias décadasatrás convocava o mundo parao ‘rendez-vous du donner etrecevoir’ (o encontro, ou com-promisso, de dar e receber)com África, que se tornou im-perativo durante esta pande-mia, especialmente peranteo movimento BLM. ParaMbembe, a relevância da obrade Senghor para a abordagemdo momento presente provémda sua dimensão estética eespiritual na concepção doque significa ser negro: “Elaé ainda mais necessária nestestempos em que vivemos,quando o negro e o seu corpoestão novamente na cruz. As-sim, gostaria de me apegar aessa dimensão poética e aoaspecto insurreccional dapoesia de Senghor, que nãofoi levado em consideraçãotanto quanto deveria (ofuscadaque foi pela sua trajectóriapolítica enquanto presidentedo Senegal). Então temos quefazer esse trabalho de recu-peração e o conceito de ‘lerendez-vous du donner et durecevoir’ deve ser entendidode dentro dessa perspectivamais ampla - sobre o com-partilhamento do mundo, co-mo podemos moldar o nossomundo compartilhado e viverna terra uns com os outros. Eisto é, parece-me, absoluta-mente crucial para os temposem que vivemos.”

    Na outra sala, Bhabha diz-nos que a pandemia e o distan-ciamento social colocaram-nonum estado de indagação, tantofilosófica como poética, que olevou a reflectir na metáfora deLevinas sobre a vida e a mortecomo o ‘cuidado do vizinho’– passando a cozinhar tendosempre em mente os seus vi-zinhos, ou outras pessoas quepoderiam precisar de ajuda,de uma forma que não faziaantes, assim ecoando o ‘com-promisso do dar e receber’ deque falavam Gilroy e Mbembe:“A partilha de comida tor-nou-se muito importante para

    mim. E também as reflexõesfilosóficas sobre o que chamoa ‘impreparação’. Sobre o es-tado de impreparação em quenos encontramos para algoque tem uma longa história,sobre a pandemia ou sobremortes pela polícia, especial-mente a de George Floyd –aqueles oito minutos forammuito especiais sobre peque-nos momentos no tempo e oseu significado na História.”

    Essas questões da ‘impre-paração’ e da ‘alteridade’ (vistacomo uma projecção das nos-sas necessidades individuaisnas do vizinho, da comuni-dade, ou da sociedade) pro-vocaram um interessantedebate entre Bhabha e Lévy.Para este, que acaba de pu-blicar a sua mais recente obra(‘O Vírus em Tempo de Lou-cura’) – uma abordagem dapandemia como um fenóme-no social, que diz ter escritonum impulso de ‘raiva’ contraduas ‘loucuras’: a da ‘negação’do vírus (neurose) e a da ‘ul-tra-reacção’ a ele (psicose) –“Não há um antes e depois dapandemia, não se trata aquiprópriamente de um antes edepois de Cristo, nós estamossempre impreparados paraeventos remarcáveis, porquesempre que algo novo acon-tece não estamos preparados.Por outro lado, uma das coisasque aprendi com Foucaultquando fui seu aluno, foi sobrea especificidade de cada luta,de cada combate, a não mis-turar as coisas. Eu apoio oBLM, mas temos que resistirà ilusão de convergência, oucomunalidade, de lutas, sequeremos ser sérios na lutacontra o racismo, contra apandemia, ou contra a vio-lência sobre as mulheres. Epara Levinas, na sua filosofiada visão ética do mundo,quando estamos a cozinharpara os nossos vizinhos, nãodevemos esquecer os outrosvizinhos que estão muito lon-ge, o vizinho para quem co-zinhamos não é só o da porta

    ao lado, pode ser o que estáno fim do planeta e você temque tentar, é muito difícilmas tem que tentar, tratá-locomo se ele estivesse tão pertocomo o da porta ao lado –esta é a dificuldade que ten-demos a esquecer.”

    “Claro que nós estamosimpreparados”, replica Bhab-ha, “mas devemos ser muitoespecíficos, no sentido deFoucault, sobre o que significaestar “impreparado”: cadamomento e evento deve serpensado na sua singularidadee especificidade, mas o tempohistórico, ou filosófico, de re-flexão, tende frequentementea tratar momentos de emer-gência simplesmente comoprotestos e subitamente avelha história do reformismoressurge. Penso que este pe-ríodo em que temos estadoem isolamento focou-nos empensar nos momentos deemergência. Há duas formasde pensar isto: 1. Existencial–o momento (e.g. de tristeza,como em Platão), e esse mo-mento existencial/fenome-no lóg i co t em que s e rreconhecido; 2. Político –este é um momento de et-no-nacionalistas, muitos de-les homens que não têmcarisma, mas apenas criammiasma e esse miasma criauma cidadania que é conti-nuamente mantida em estadode impreparação. A ideia derisco entre a vida e a morte écentral à noção de imprepa-ração, quando pensamos emrelaxar o isolamento. O riscoé simultâneamente propicia-dor e problemático, e Fanonfalou sobre isso, Baldwin tam-bém: você tem que assumiro risco. A questão do cuidaré muito importante, entre oeu e o outro. Os refugiadostêm vindo a viver isto desdesempre: vida e morte, espe-rança e desesperança tor-nam-se muito próximas. Anoção do paradoxo entre pro-ximidade e alteridade nãosignifica aqui apenas uma no-

    ção pluralística de outroridade,mas reconhece a diferençadentro do próprio eu e dentrode um grupo.”

    O vírus como questãometafísica“O vírus é apenas um vírus– não tem outro significadoou função senão propagar-se, contagiar e matar. O vírusdesferiu um golpe na nossametafísica mais profunda,mas o vírus não é uma questãometafísica”, afirma Levy, quetende a ver essas questões deuma forma, diríamos, maisprosaica, menos dramática.

    Já para Bhabha “a dualidadevida/morte tornou-se partedo discurso público. Usar umamáscara não é apenas sanitárioé também ético. Não estou adizer que deveríamos usareste momento metafísica-mente, mas este é um grandemomento para o pensarmosmetafórica e sintomatica-mente, porque o BLM se tor-nou parte desta pandemia.

    Em relação ao distancia-mento social, a alteridade emLevinas não tem que ser geo-gráfica – é uma alteridade éti-ca, tal como aconteceu nosprotestos: nós estamos a vivernum contexto, quando so-mos instados a distanciar-nos socialmente, em que aquestão de vida e morte setorna constante. Este é umgrande momento para sepensar precisamente sobrecomo a vida pública e a mortepública se intersectam deuma forma muito mais grá-fica e errática. Portanto, qual-quer abordagem filosófica oupolítica tem que se basearnessa questão. Foucault falouem especificidade, mas tam-bém falou em epistemia: esta‘conjuncture’, segundo Hall,ou esta particular convergênciado momento da pandemia edo momento do BLM – no-te-se que o inquérito globalPew mostrou que exactamentea mesma quantidade de pes-soas que estavam preocupadas

    P. GILROY, A. MBEMBE, B-H. LÉVY, S. SANDFORD E H. BHABHA

    Diálogos sobre a pandemiaA pandemia Covid-19 para além de nos ter concentrado no auto-cuidado e no cuidado do próximo, colocou-nos perantealguns desafios existenciais e novas oportunidades comunicacionais. Dentre estas destacam-se as conversas ‘live’ através

    de diversas plataformas digitais que nos permitem a interacção à distância

    DR

  • LIVES 23Domingo13 de Setembro de 2020

    Assim, pensando no direito universalà respiração como um direito humano,regressamos à outra sala, onde Bhabhanos lembra que a Declaração Universaldos Direitos Humanos é baseada nanoção de nascimento: “Dignidade éalgo que todo o ser humano adquireem virtude de ter nascido.

    No meu novo livro eu pergunto: ese invertéssemos isso, se pegássemosna morte, de certa maneira, e obtivés-semos através dessa ‘ontologia negativa’(como Fanon o colocou, ou ‘moção ne-gativa’, como o colocou Baldwin) o queemergiria? O que teria a morte a ensi-nar-nos sobre a vida? Porque normal-mente nós pensamos essa questão aocontrário.” Lévy nota, a esse propósito,que a partir dos seus estudos de pan-demias passadas, a ideia de que ‘a vidaé sagrada’ nunca foi expressa tão for-temente como neste momento:

    “Pela primeira vez na história daspandemias, a preocupação com a vidatem estado na linha da frente em de-trimento da economia e isto é novo,é certamente um progresso. Agora oque o filósofo tem que fazer é invocara ideia de que ‘a vida é sagrada’ quandonão é só a vida que está em causa:nós não somos animais ou flores,somos seres humanos e a vida paraum ser humano significa todo o con-

    junto de orgãos, óbviamente, mastambém de sentimentos, de sociedade,de interação com os outros, etc. Opapel do filósofo aqui é dizer: o dis-tanciamento social é aceitável de mo-mento, mas não para sempre.”

    Na outra sala, Gilroy indaga “comoconstruímos ou contribuímos para avida de formações políticas adequadasà tarefa do universal – de exigir o direitouniversal de respirar e actualizá-lo;porque essas coisas costumam ser tão

    localmente configuradas que é difícilavançar ou sair daí para uma configu-ração mais diaspórica, um movimentovagante, com uma possibilidade pla-netária.” Ao que Mbembe responde:“Se entendermos o que está a acontecerenquanto falamos, é claro que tudoisso é muito local, mas também temnecessariamente uma dimensão trans-nacional. Floyd foi morto numa calçadano Minnesota, mas a sua morte rever-berou por todo o planeta; as pessoas

    ainda protestam aqui na África do Sul,não apenas contra o que aconteceucom ele ali, mas também aqui nestemomento neste país. E tudo começoucom um testemunho – não sei se te-ríamos o que está acontecendo sem ovídeo gravado por aquele jovem. Então,a questão de um direito universal derespirar, provavelmente começa comcoisas assim, como testemunhar todosaqueles pequenos casos em que algunssão, por assim dizer, expropriados dasua respiração. Continua depois coma demanda por justiça. Mas queroinsistir nesse elemento de testemunhar,porque é muito difícil alguém negarque o racismo existe. Em algumas partesdo mundo, a negação do racismo aindaestava viva, as pessoas não acreditavamque ele existisse. Portanto tornamosimpossível, através de certas formasde testemunho, para muitos negar queo racismo existe, dizer que é apenasum acidente, que não faz parte de umaestrutura. Para mim isso faz parte daprevenção de que muitos sejam ex-propriados da sua respiração. E essespequenos actos são tão importantesquanto o que Fanon estava fazendoatravés da sua própria prática médica;de facto, parece-me muito difícil, nestanossa era, desvincular actos médicosde actos políticos.”

    Gilroy acentua que “A Covid-19 não éo primeiro evento planetário, porqueos seres humanos convivem com epi-demias por um período muito longo eelas moldaram a história do colonialismo,do imperialismo e a dominação europeiado planeta de uma maneira muito pe-culiar que, às vezes, é negligenciada.Mas parece ter havido um limiar pla-netário na maneira como esse espec-táculo de crueldade e horror e o seucarácter sistemático – o facto de se es-tender à vida de tantas populações quenormalmente não estão num tipo derelacionamento em rede para além dosprazeres da cultura de consumo – des-cortinou essa resposta muito vívida,muito visceral, é algo notável. Pelo quesei do seu novo trabalho sobre essaquestão do ‘brutalismo’, talvez vocêtenha antecipado algumas dessas pos-sibilidades. Para mim, a questão do‘bruto’ é uma questão fundamental,porque no idioma inglês ‘bruto’ é umapalavra que pode ser aplicada aos sereshumanos, à vida animal e também aoque Du Bois chamou de ‘tertium quid’,a terceira coisa, que fica em algum lugaralojada entre os dois. Essa figura do‘bruto’ como essa entidade ambígua,para o problema que você está explo-rando, reporta-nos a uma história maislonga – a da objectificação do negro. Eisso – acho que temos que lidar comisso por causa da importância desseargumento de objectificação no mo-mento – é tão poderoso e fundamentalpara a análise da visão afro-pessimistadesses processos. Agora, a sua ênfaseno ‘brutalismo’ parece romper com issode uma maneira interessante – estoulevando isso longe demais ou há con-tinuidade aí também?”

    Mbembe: “Comecei com a idéia dobrutalismo, como foi exposto no mo-vimento arquitectónico da Inglaterra,em particular, mas também em outroslugares, durante a segunda metade dosec XX. Eu estava muito interessado nasmaneiras pelas quais nesse movimentoa ‘matéria’ era central; o termo emfrancês é ‘le beton’ (o betão, o concreto).E nas várias tentativas de se definir ostempos em que estamos, parece-meque, ao redireccionar o termo brutalismo,talvez possamos estender essas deci-frações clássicas do momento e dar-lhe uma arca. E claro, também na sua

    dimensão racial existe uma genealogia,há uma longa história de remodelaçãopela força, de exaustão, de esgotamentodas energias físico-psíquicas e de, bá-sicamente, reinventar o humano – ouas formas humanas em geral. Essa é atrajectória do meu uso do brutalismo.”

    Gilroy: “Para que o duplo movimento,então, do devir artificial da humanidadee do devir-humano das máquinas sejacontrastado no trabalho, como eu o en-tendi, com uma sensibilidade diferentea formas simbióticas ou complexas deinterdependência estabelecidas entreo tipo humano e todas as variedadesde vida. É uma linguagem que me pareceinfundida de uma certa espiritualidadeafricana, que nos leva, suponho, devolta a Senghor e onde começámos.Lembro-me também de que ele e Levinasnasceram no mesmo ano, portanto,muito do selo em seus pensamentosou da ressonância que vemos nos seustrabalhos, por mais que desejássemoscriticar os dois, é em certo sentido umaespécie de manifestação da sua expe-riência geracional e exposição aos hor-rores do século XX. Então, vamos falarum pouco da africanização dessesentido simbiótico?

    Mbembe: “Sim, e de como não apro-veitamos os recursos provenientes docontinente africano, os ricos recursosconceptuais que a África ofereceu aomundo em geral, em muitas disciplinasdiferentes. O que seria ‘fetichismo’ nopensamento marxista da antropologiasem o continente? Qual seria o ‘fetiche’na psicanálise sem o continente? Então,o ponto é que ainda há muito a extraira partir daí.” Gilroy: “E não menos im-portante, já para não falar do fetichismodas estátuas.” Mbembe: “Exacto, jápara não falar do fetichismo das está-tuas!... Mas há um capítulo em ‘Críticada Razão Negra’, que para mim é real-mente o capítulo fundamental de todoo livro, chamado “Réquiem para o Es-cravo”, que é uma tentativa de repensarde maneira dinâmica o que a objecti-ficação pode significar. Esse capítulofoi realmente uma tentativa de debatercom os chamados afro-pessimistassobre a questão da morte social ou daobjectificação, mas neste caso, em pri-meiro plano, usando recursos concep-tuais vindos do continente pararesponder a questões nucleares como:

    o que queremos dizer com um objecto?Como repensamos a morte politica-mente, bem como, a esse respeito,teológica ou espiritualmente?”

    Gilroy: “Hoje em dia muitas pessoastêm relido Camus, pensando em ‘LaPeste’, mas talvez estejam menos sen-síveis às suas provocações sábias eponderadas em relação ao valor do fu-tebol – isto a propósito do que pareceuma súbita tomada de consciência po-litica por parte de futebolistas inter-nacionais africanos nesta conjuntura.Antes de morrer no acidente de carro,uma das últimas coisas que Camus es-creveu foi que ‘tudo o que sabia comcerteza sobre moralidade, sobre dever,devia-o ao futebol’.”

    Camus e Beauvoir O que nos leva de novo à sala onde estáSandford, que também fala do confrontode Camus com a morte e explora o queacontece a uma sociedade quandotemos todos que pensar globalmentesobre a morte: “Em termos da filosofiaexistencial clássica, nós temos que con-frontar a ideia de morte em vez de aevitarmos – a vida é melhor vividaperante a admissão da sua finitude. Si-mone de Beauvoir questionou o que éser mulher e transformou críticamenteaspectos existenciais e fenomenológicosda ontologia, desafiando ângulos doexistencialismo em direcções não antescontempladas mesmo por Heideggerou Sartre. Ela pensou sobre a ontologiada existência racializada: o que significaser negro – a experiência vivida do quesignifica ser um homem negro numcontexto colonial e racista. A questãoé: haverá aspectos neste momentoque precisam de ser pensados deformas novas, ou seremos capazes deos pensar de maneira diferente, mesmoque ainda não tenhamos tido tempode o fazer?” Ou, colocado de outromodo: é possível pensar no futuro emmomentos de crise como este? E comopensamos sobre o futuro?

    Um outro futuroTendo registado as abordagens dessaquestão por Gilroy e Mbembe, volta-mo-nos, para finalizar, para as respostasdos filósofos nesta sala: – Lévy: “Eu tenho passado toda a minhavida pensando no futuro e tentando

    detectar a ascensão da luz e da esperançado mais fundo da escuridão, não maisdepois do vírus do que antes dele, e re-cuso essa metafisicação, essa transfor-mação do vírus em uma espécie deevento maiúsculo que rasga a nossavida em duas.” – Bhabha: “Nós pensamos sobre o futurorepensando o presente, penso que esteé o tipo de momento em que estamos.Trazemos o futuro eticamente para opresente político e reestruturamos opresente por forma a pensarmos pro-veitosamente o futuro.” – Sandford: “Não é possível não pensarsobre o futuro. É possível estarmosem desespero sobre o futuro que ima-ginamos mas, como disse Lévy antes,nós não somos flores, não somospedras, somos criaturas constitutiva-mente pensadoras do futuro, não po-demos não pensar no futuro. Há umafrase nesta conjuntura que se tornouum slogan para muito mais pessoasdo que em Janeiro deste ano: ‘UmOutro Futuro é Possível’.”

    Paul Gilroy - Director do ‘Sarah ParkerRemond Centre for the Study of Racismand Racialisation’ do University CollegeLondon. Autor, entre outras obras, de:‘The Black Atlantic’ (1993) e ‘Anti-Racism& Planetary Humanism’ (2018)

    Achille Mbembe - Research Professordo ‘Wits Institute For Social and EconomicResearch’ da Universidade do Witwatersrand,Johannesburg. Autor, entre outras obras,de: ‘Critica da Razão Negra’ (2013) e ‘Bru-talismo’ (2020)

    Bernard-Henri Lévy (BHL) – Nascidona Argélia, o mais proeminente e con-troverso filósofo francês contemporâneoé também cineasta, jornalista e intelectualpúblico. Foi um dos lideres do movimento‘Nouveaux Philosophes’ em França, nosanos 70. Autor, entre outras obras, de:‘Reflexions sur la Guerre, le Mal et la Finde l’Histoire’ (2001) e ‘The Virus in theAge of Madness’ (2020)

    Stella Sandford, Directora da ‘Societyfor European Philosophy in the UK’. Autora,entre outras obras, de ‘How to ReadBeauvoir’ (2006) e ‘Platão e Sexo’ (2010) Homi Bhabha, ‘Anne F. Rothenberg Pro-fessor of the Humanities’ da Universidadede Harvard. Autor, entre outras obras,de: ‘The Location of Culture’ (1994) e ‘OurNeighbours, Ourselves – Reflections onContemporary Survival’ (2011)

    Brutalismo, objectificação e afro-pessimismo

    Direito Universal à Respiração com um, estavam preocupa-das com o outro –, se vocênão vê aqui a convergênciaentre os dois, então você estáa perder a singularidade e es-pecificidade do evento. Oevento é global e temos quevê-lo dessa forma. Vemosmurais feitos por pessoas àvolta do mundo falando nãoapenas de morte física, masde morte social, como ataquesaos migrantes, etc.”

    Neste ponto, voltamos àconversa entre Mbembe e Gil-roy, onde este retoma Senghore a sua preocupação funda-mental com o ritmo: “Paraele, a particularidade do ritmona vida dos negros é atribuídanão apenas a um mundo ex-terno – às marés, ao ritmo dodia e da noite, à existência deduas estações no ambienteafricano – mas também aoritmo dos batimentos cardía-cos, ao pulso da vida no corpoe ao ritmo da respiração. Por-tanto, esta questão do ritmodo respirar, o ritmo da vida,o ritmo do sangue no corpo,o ritmo das marés e assim pordiante, esse é um componentefundamental do seu imagi-nário. Então, da mesma ma-neira que ele convoca, comomuitos da sua geração, umaconcepção diferente de po-litica, pergunto o quanto essaênfase na respiração é im-portante para você em seupensamento no momento?”

    Mbembe: “Isso está sub-jacente no meu trabalho. Euencontrei pela primeira vezesta questão da respiraçãoatravés da minha própria mãe,de quem entendi que, no con-texto africano, o ar ou a res-piração está no começo e nofim da vida. Eu também o en-contrei no trabalho de Fanon– Fanon fala constantementesobre respiração, e as últimaspalavras de Eric Garner, deGeorge Floyd e inúmeras ou-tras vítimas da violência po-licial parecem repetir quasepalavra por palavra esse léxicoeólico: ‘Não Consigo Respirar’.E esse é um tema que sustentaa poesia de Senghor, na qualestá profundamente corre-lacionado estruturalmentecom a temática do ritmo, epor trás do ritmo do curso damúsica, do que ele chama departicipação. Parece-me quea idéia de ritmo, respiração eparticipação em Senghor, emparticular, nos levam a umacompreensão da vida em geralcomo, por definição, ‘bio-simbiose’ – bio-simbiose nosentido de uma ênfase nospontos em comum que todosos seres humanos comparti-lham um com o outro, mastambém com outras espécies.

    Eu escrevi uma peça in-titulada ‘O Direito Universalà Respiração’ pouco antes damorte de George Floyd, e nocontexto da Covid, porque oque estamos testemunhando,ou o que se tornou ainda maisclaro para a nossa mente desdea morte de Floyd, é o entre-laçamento, a combinação,eu diria, de duas histórias:a da Covid e a disparidaderacial de mortes que provo-cou, e histórias de violênciaracialmente motivada – am-bas as histórias têm, em todoo lado, me deixado aindamais consciente sobre a im-portância da luta pelo ar, aluta pela respiração, que fazparte da nossa tradição e dasnossas reivindicações.”

  • ARTES24 Domingo13 de Setembro de 2020

    O jornalismo literário é umgénero que narra aconteci-mentos verificáveis usandotécnicas e estratégias cultu-ralmente significativas parao seu público leitor. Este es-tudo se concentra em crónicasescritas por dois jornalistasangolanos, Ernesto Lara Filhoe Luís Fernando, que, apesarde trabalharem com déca-das de diferença, demons-tram claramente como ojornalismo literário se adap-ta às mudanças nas circuns-tâncias políticas, sociais eeconómicas.As crónicas angolanas no

    presente mostram uma rea-lidade africana definida porpersonagens e estilos de vidaafricanos, não europeus: ogénero pode ser global, masas personagens, situações etom dos escritores são locais. Os dois escritores escolhi-

    dos para esta análise viverame trabalharam separados pormais de um quarto de século,são ambos bem publicados ebem-sucedidos.

    Ernesto Lara Filho (1932–1977) escreveu na segundametade do século XX. Elenasceu em Benguela em 1932.

    A sua família havia chegadodo norte de Portugal duas ge-rações antes. Morreu numacidente de carro aos 45 anosde idade, em 1977, deixandopara trás uma aclamada mastambém polémica carreirade jornalista e escritor. O jornalismo de Lara Filho

    retrata a crise de identidadedos angolanos brancos, quemuitas vezes se sentiam pou-co à vontade por causa destadupla pertença. Escreveu so-bre as suas próprias dúvidase sobre as necessidades dosangolanos. Ele muitas vezesse sente um desajustado. De1956 a 1962 escreveu os textosrecolhidos na antologia ‘Cró-nicas da Roda Gigante’, uti-lizada para este estudo. Operíodo de seis anos é crucial:este é o período de transiçãodo fim da era colonial parao início da luta aberta pelaindependência.

    Luís Fernando (1961) é umescritor contemporâneo, dofinal do século XX, início doséculo XXI. Nasceu em To-messa, uma pequena aldeiaperto da cidade do Uíge. Elehomenageia a sua terra natalnum dos seus romances, “Si-

    lêncio na Aldeia”. Em 2011ganhou o Prémio Maboquede Jornalismo. Luís Fernandoescreve sobre uma Angolacontemporânea e indepen-dente, curando as feridas dedécadas de guerra e seguindoos seus próprios caminhosnum mundo agora globali-zado, como exemplificadona sua colectânea de crónicas“Três Anos de Vida”. Os textos de ambos autores

    permitem situar a relevânciade uma variedade específicade jornalismo literário, aqueleque se preocupa com os de-talhes e descreve os feitos eas peripécias do angolanocomum ao longo de décadas.A escolha do assunto, maisdo que as características in-trínsecas das pessoas e dosacontecimentos, é o melhorindicador da paisagem me-diática contemporânea dessesautores e de seus textos. Politicamente engajado,

    Ernesto Lara Filho criticavao regime colonial, mas tam-bém era um boémio que viviauma vida de dissipação emdesacordo com seus ideaissociais. Os movimentos delibertação angolanos lança-ram-se à ofensiva em 1961

    e Lara Filho, devido ao seuenvolvimento político, tevede ir para o exílio - primeiroParis e depois Brazzaville,onde trabalhou com o Mo-vimento Popular para Liber-tação de Angola (MPLA). Foiforçado a regressar a Angolaapós a morte da irmã – a poe-tisa Alda Lara - em 1962.Luís Fernando sente-se

    totalmente à vontade no seupapel de cronista do ango-lano contemporâneo e nãopartilha das questões exis-tenciais ou dos sentimentosde mal-estar de Lara Filho.Relata a vida do seu povo,como voz da memória par-tilhada, da observação vivado presente e da esperançano futuro. Ernesto Lara Filho lidou

    com a sua própria posturadilacerada e atormentada emrelação à sua Angola natal:amava o seu país, mas nãoconseguia se reconciliar commuitos aspectos do seu tem-po. Mais recentemente, LuísFernando olhou atentamenteà sua volta e gostou de retrataros tempos de paz recente-mente conquistados pelosangolanos, ainda que o quo-tidiano das pessoas comuns

    seja um desafio. EnquantoLara Filho se debruçou sobrea vida dos seus compatriotaspelas lentes da sua própriavida, o ponto de vista de LuísFernando veio de dentro,considerando os assuntos deuma forma mais igualitária. Décadas e duas guerras se-

    param a obra desses autores.No entanto, um tom coloquialde narrativa é encontrado emambos. A observação, a pes-quisa e a descrição de eventoscontemporâneos e actuais emrelatos detalhados de dentro,tão característicos do jorna-lismo literário, também estãopresentes em ambos. Os pon-tos de vista diferem por causada postura autoral, tempo ecircunstância, mas em amboshá a riqueza de detalhes. A linhagem dos seus res-

    pectivos estilos de escrita podevariar - Lara Filho prosseguenuma linha existente em Por-tugal há séculos, mas espe-c ia lmente nos temposmodernos, enquanto Luís Fer-nando segue claramente asinfluências latino-americanas.Contudo, ambos têm comotema a vida dos angolanos,no mesmo género jornalístico. Ernesto Lara Filho escreve

    centrado principalmente emsi mesmo, seus problemas,dúvidas e sentimento de serum desajustado, enquantoLuís Fernando trabalha paraformular histórias do presente,o que ele e seus conterrâneostestemunham todos os diasem seu redor. Esta é a formaantiga mas renovada de cró-nica na sua versão Sul Global/ Angolana, uma peça escritaque se preocupa principal-mente em contar os factos davida real e em que os eventose as pessoas são retratadosdinamicamente, como se osleitores pudessem vê-los.

    A autora do estudoAlice Trindade é professoraassociada do Instituto Superiorde Ciências Sociais e Políticasda Universidade de Lisboa. Émembro fundadora da Asso-ciação Internacional para osEstudos de Jornalismo Literário(International Association forLiterary Journalism Studies),de que foi presidente entre2010 e 2012. O texto originale completo do seu estudo emreferência pode ser encontradoem https://ialjs.org/wp-con-tent/uploads/2020/08/1-LJS-v12n1_Complete.pdf

    ERNESTO LARA FILHO E LUÍS FERNANDO

    Cronistas angolanos merecem estudo em revista internacional

    Consta do número 1, Volume 12, referente ao mês de Agosto de 2020 da revista “Literary Journalism Studies” – “Estudosde Jornalismo Literário – da Associação Internacional para os Estudos de Jornalismo Literário, um estudo (“Memória eTrajectória: Crónica no Mundo de Língua Portuguesa”) da académica portuguesa Alice Trindade, dedicado ao labor

    cronístico de Ernesto Lara filho e de Luís Fernando. O número em referência da “Literary Journalism Studies” é dedicadoao jornalismo literário na lusofonia. A seguir, condensamos e adaptamos o referido artigo

    JACAD2-13.09.20-P01JACAD2-13.09.20-P02JACAD2-13.09.20-P03JACAD2-13.09.20-P04JACAD2-13.09.20-P05JACAD2-13.09.20-P06JACAD2-13.09.20-P07JACAD2-13.09.20-P08