REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DO JORNALISMO - OPINIÃO

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REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DO JORNALISTA 2010 JORNALISMO MODERNO Desde o surgimento do Acta Diurna até a explosão informativa dos mass media e sua consequente fusão com os novos media no séc. XXI, o Jornalismo tem desempenhado um papel decisivo na sociedade. Ao longo dos tempos, a profissão tem sido alvo de diferentes definições, não existindo uma significação absoluta. Aquela que actualmente figura no Estatuto do Jornalista (1º artigo) designa como jornalistas os profissionais que têm «como ocupação principal, permanente e remunerada, funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação informativa pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por outra forma de difusão electrónica (estando excluídas as de índole promocional e publicitária). 1 » «Paixão pela precisão, instinto noticioso, atitude de dúvida permanente, registo exacto dos factos, empatia com os leitores (ouvintes e/ou telespectadores), desconfiança em todo o tipo de fontes, independência de qualquer poder, profunda vontade autocrítica, busca de um estilo pessoal e capacidade de aprender com os erros próprios.» Poderiam ser os «10 mandamentos» do jornalismo moderno, mas tratam-se dos eixos primordiais do livro O jornalista universal 2 escrito pelo britânico David Randall. Os especialistas que leram a obra foram unânimes em reconhecer sua relevância e o talento de quem o escreveu. Tanto assim que John Ryan, director da prestigiosa Thomson Foundation, avaliou-o como «o melhor livro jamais escrito sobre jornalismo». Para o autor a informação publicada deve ser o resultado de uma procura honesta da verdade. Acrescenta que não é possível fazer «bom jornalismo» sem uma atitude transparente face os acontecimentos e uma absorvência moral frente ao compromisso de servir a sociedade». Randall é implacável: «Um jornalista não deve sentir-se comprometido com ninguém a não ser com o seu trabalho. Um jornalista não deve a nenhum partido político, a nenhum enfoque empresarial, a nenhuma causa particular. Se fazer jornalismo equânime é difícil, é muito mais quando devemos vencer esses conflitos de interesses 3 ». Reconhecido em todo o mundo, Randall promove o uso das novas tecnologias ao serviço de um periodismo profícuo. Como consequência de uma sociedade capitalista e do advento das novas tecnologias, a modernidade vivencia um dilema mediático. Os media sofrem pressões e influencias de diversas índoles. Seriam vários os aspectos que poderiam abordar sobre o papel do jornalista, desde a exigência profissional à situação dos jornalistas no contexto nacional, entre outras temáticas. Porém, centralizarei esta recensão (recorrendo à opinião de diversos autores) numa questão que sempre me despertou interesse: as influências das novas tecnologias no jornalismo. 1 in http://www.clubedejornalistas.pt/?page_id=120 2 Traduzido em seis idiomas e com cerca de 20 reedições. O livro Jornalista Universal surgiu pela primeira vez em 1996 com o título original The Universal Journalist. 3 RANDALL, David (2000) The Universal Journalist, London, Pluto Press

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REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DO JORNALISTA 2010

JORNALISMO MODERNO

Desde o surgimento do Acta Diurna até a explosão informativa dos mass media e sua consequente fusão com os novos media no séc. XXI, o Jornalismo tem desempenhado um papel decisivo na sociedade. Ao longo dos tempos, a profissão tem sido alvo de diferentes definições, não existindo uma significação absoluta. Aquela que actualmente figura no Estatuto do Jornalista (1º artigo) designa como jornalistas os profissionais que têm «como ocupação principal, permanente e remunerada, funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação informativa pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por outra forma de difusão electrónica (estando excluídas as de índole promocional e publicitária).1»

«Paixão pela precisão, instinto noticioso, atitude de dúvida permanente, registo exacto dos factos, empatia com os leitores (ouvintes e/ou telespectadores), desconfiança em todo o tipo de fontes, independência de qualquer poder, profunda vontade autocrítica, busca de um estilo pessoal e capacidade de aprender com os erros próprios.»

Poderiam ser os «10 mandamentos» do jornalismo moderno, mas tratam-se dos eixos primordiais do livro O jornalista universal2 escrito pelo britânico David Randall. Os especialistas que leram a obra foram unânimes em reconhecer sua relevância e o talento de quem o escreveu. Tanto assim que John Ryan, director da prestigiosa Thomson Foundation, avaliou-o como «o melhor livro jamais escrito sobre jornalismo».

Para o autor a informação publicada deve ser o resultado de uma procura honesta da verdade. Acrescenta que não é possível fazer «bom jornalismo» sem uma atitude transparente face os acontecimentos e uma absorvência moral frente ao compromisso de servir a sociedade». Randall é implacável: «Um jornalista não deve sentir-se comprometido com ninguém a não ser com o seu trabalho. Um jornalista não deve a nenhum partido político, a nenhum enfoque empresarial, a nenhuma causa particular. Se fazer jornalismo equânime é difícil, é muito mais quando devemos vencer esses conflitos de interesses3».

Reconhecido em todo o mundo, Randall promove o uso das novas tecnologias ao serviço de um periodismo profícuo. Como consequência de uma sociedade capitalista e do advento das novas tecnologias, a modernidade vivencia um dilema mediático. Os media sofrem pressões e influencias de diversas índoles. Seriam vários os aspectos que poderiam abordar sobre o papel do jornalista, desde a exigência profissional à situação dos jornalistas no contexto nacional, entre outras temáticas. Porém, centralizarei esta recensão (recorrendo à opinião de diversos autores) numa questão que sempre me despertou interesse: as influências das novas tecnologias no jornalismo.

1 in http://www.clubedejornalistas.pt/?page_id=120 2 Traduzido em seis idiomas e com cerca de 20 reedições. O livro Jornalista Universal surgiu pela primeira vez em 1996 com o título original The Universal Journalist. 3RANDALL, David (2000) The Universal Journalist, London, Pluto Press

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GLOBALIZAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS

«Uma coisa são as novas tecnologias e suas extraordinárias potencialidades para o bem dos homens, outra coisa é o manto dissimulador e anestesiante de uma "era da informação" encarada como uma espécie de "desígnio global da humanidade", perante o qual todos os homens teriam a mesma situação e os mesmos interesses, mas que mal dissimula motivações e objectivos de natureza diversa - mercantil, política, ideológica, sem esquecer das estratégias pessoais e de grupo.» Com estas palavras, que se encontram na contra capa do livro Jornalismo e Sociedade4, Fernando Correia distingue a esfera das novas tecnologias e suas potencialidades na sociedade capitalista. Uma realidade dúbia, que traz consequências negativas e positivas, afectada pelo contexto político e ideológico da globalização5. Para o jornalista e locutor todo este processo tem sido acompanhado de uma intensa revolução nas tecnologias da informação, que permitem maior rapidez, mais quantidade e melhor qualidade na recolha, tratamento e transmissão da informação. Isto constitui, em princípio, um factor positivo. Embora muitos autores defendam que as novas tecnologias trarão equidade à sociedade humana, eliminando as grandes assimetrias entre ricos e pobres, acordo com Fernando Correia no sentido de que tal não sucederá a nível global, porque essas assimetrias têm-se intensificado cada vez mais no decorrer dos últimos anos.

Mas no que se refere ao jornalismo, o «desafio digital» transformou diferentes aspectos da sua realidade. Um desses elementos, talvez o principal, é o jornalista que também é profundamente afectado enquanto profissional. A internet, particularmente, concebe novas formas de jornalismo, altera os modos de acesso à informação pelos utilizadores, o modelo de comunicação tradicional, a economia mundial e as empresas de comunicação, mas também o perfil do jornalista.

De acordo com Pavlik, são três as mutações no papel do jornalista: «tem que ser mais do que um contador de factos, o papel do jornalista como intérprete dos acontecimentos será expandido e em parte modificado, e os jornalistas on-line terão um papel central na ligação entre as comunidades.6»

Diante uma nova realidade profissional, as competências exigidas ao jornalista também se alteram. A metamorfose começa na própria formação dos novos profissionais do jornalismo, que passará pela capacidade multimédia. Assim, todos os media serão multimédia, a verdadeira especialidade dos futuros profissionais da informação será a capacidade de trabalho em todos eles, seleccionando e interpretando informação.

Concha Edo7 (docente de Jornalismo na «Universidad Complutense de Madrid» e secretária da Junta Directiva da «Sociedad Espanhola de Periodística») indica as competências multimédia do jornalista on-line, falando de uma «conversão dos jornalistas em "fornecedores de conteúdos", tanto para jornais, como para rádio, televisão e Internet». É o jornalismo multimédia, que exige escrever a notícia para a Internet, com as correspondentes actualizações, e contá-la nos meios audiovisuais, compartilhando toda a informação. Assim sendo, versatilidade definirá a «nova espécie» de jornalistas, mais do que a ligação a um media específico.

4 CORREIA, Fernando Correia (2000) Jornalismo e Sociedade - Introdução ao estudo e à prática do jornalismo enquanto fenómeno social, Lisboa, Editorial Avante 5 Por globalização entendesse "o conjunto de transformações na ordem política e económica mundial, que têm acontecido nas últimas décadas", mas os seus desdobramentos ultrapassaram os limites da economia e começaram a provocar uma certa homogeneização cultural entre os países, transformando-os na dita aldeia globa 6 PAVLIK, John V. (2001) Journalism and New Media, Columbia University Press 7 EDO, Concha (2000) - Las ediciones digitales de la prensa: los colunistas y la interactividad con los lectores, Sala de Prensa. [On-line] Disponível em http://www.saladeprensa.org/art165.htm [Consultado em 01/2010].

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No cenário actual, o conceito tradicional do jornalismo é posto em causa, pois a Internet, como notamos tem o potencial de reformular os fundamentos do jornalismo, do mesmo modo que a televisão modificou as regras da profissão. No entanto, considero que o jornalismo terá todas as condições para ser reinventado, ao contrário do que proclamam alguns, de que será gradualmente eliminado. Na verdade, uma das questões mais em voga é a do fim do jornalista como gatekeeper. Ocorrendo uma revalorização da mediação do jornalista, saber explicar e dar uma interpretação dos acontecimentos será algo cada vez mais valorizado. O jornalista necessitará de um sentido moral, aliado a uma astúcia técnica cada vez mais apurados. Deverá adiantar-se às necessidades da audiência, contar com suficientes critérios para apurar a veracidade das informações que obtenha na rede; a interactividade do jornalista será outra fonte de informação; ter uma grande habilidade, inteligência e capacidade de selecção para procurar e encontrar a informação que necessita; terá que fortalecer os princípios éticos e deontológicos; conforme os factos vão ocorrendo; deverá ter uma maior preparação, tanto em Ciências da Informação como em cultura geral''.

A sobrecarga informativa é uma realidade, mas disporá o ser humano de tempo suficiente e formação necessária para interpretar a informação?

Sempre será necessário quem seleccione, informe, interprete e julgue os feitos que acontecem no mundo. O trabalho do jornalista será muito importante nesta nova era. Será o responsável por hierarquizar, organizar e apresentar a informação que interesse a cada pessoa.

Para cumprir essa função é necessário um diploma de estudos superiores para exercer a profissão. Uma necessidade que deveria resultar essencialmente da exigência da sociedade, e não exclusivamente de uma imposição legal.

O catedrático e jornalista Nelson Traquina partilha da mesma opinião pois defende, numa entrevista ao Web site brasileiro Observatório da Imprensa, que «o campo jornalístico ocupa um lugar central no espaço público das sociedades contemporâneas. Assim, os estudos sobre o jornalismo que reflectem sobre a questão por que as notícias são como são podem contribuir para uma análise do seu papel nas democracias.8»

Ao longo desta unidade curricular, por abordarmos teoria, certas técnicas do jornalismo e tê-las constantemente aplicado nas nossas produções, reflectimos sobre como poderíamos assumir um papel próprio no processo de produção das notícias (um recurso social que os diversos atores sociais procuram mobilizar para os seus objectivos). Assim esta disciplina foi um contributo importante para compreender melhor o poder do jornalismo. Com o estudo das fontes, dos tipos de acontecimentos que desencadeiam a notícia, o papel da agenda (entre outras temas) obtemos resposta a questão por que as notícias são como são.

Cabe ao jornalismo moderno a missão nobre, gratificante, mas às vezes ingrata, de

comunicar e informar. Para tal, o jornalista procura ser os olhos de seu «cliente», tentando ser o

mais fiel possível em seu relato, utilizando para isto todos os recursos audiovisuais disponíveis.

Em suma, o jornalismo é um impulsor do sistema social. Concluí-se que a modernidade e veloz

evolução dos media afectaram o modo como o jornalismo é exercido. Contudo, devido a

progressiva permuta da informação pela comunicação, existem tarefas vindouras a executar:

acções que se devem tomar, atitudes que se devem assumir e princípios que se devem

defender, não só pelos jornalistas, como também pelo cidadão sociedade em geral.

8 Observatório da Imprensa por EBLAK, Luís (2004), Estudos da prática jornalística. [On-line] Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=286DAC001 [Consultado em 01/2010]