Redução da Idade Penal - Relatório Mesas Quadradas
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Evento realizado no dia 28/07/2015, às 9h, no CAIS Centro, em Florianópolis, SC.
Organização facilitadora:ICom – Instituto Comunitário Grande Florianópolis
Debatedores: Dr. Enio Gentil Vieira Júnior, advogado da Infância e da Juventude Anderson Giovani da Silva, Gerente Executivo do ICom
Assessora de comunicação:
Carine Bergmann
Responsável por este relatório:
Aline Venturi
3º Mesas Quadradas: O impacto da Redução da Maioridade Penal
Relatório de Resultados
Foram convidados para o debate o Dr. Enio Gentil Vieira Junior, Advogado da Vara da
Infância e Adolescência de Florianópolis, e o Deputado Federal Esperidião Amin, pelo voto
favorável à redução da maioridade penal. O Dr. Vieira Junior apresentou uma Justificativa do
Legislativo Catarinense pelo não comparecimento do deputado Amin. O gerente executivo do
ICom, Anderson Giovani da Silva, mediou o debate.
Segundo o deputado Amin, havia apenas uma resposta à demanda da sociedade pela
diminuição da violência e diminuição da impunidade contra jovens que cometem crimes
hediondos, a redução da idade penal. O governo, ao contrário, defendia o imobilismo, ou
seja, não fazer nada a respeito. Mas o Deputado condena essa postura diante de um problema
que pulsa na sociedade brasileira.
Qual o impacto disso para a sociedade? Isso é responsabilidade do Legislativo, cujo
papel é prover legislação para lidar com questões sociais. Como executar as novas políticas é
responsabilidade do executivo.
Introdução
PEC 171/1993: 18 para 16 anos
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993 visa alterar o texto do artigo 228
da Constituição Federal, que diz que "são penalmente inimputáveis os menores de dezoito
anos, sujeitos às normas da legislação especial". A PEC sugere alteração no texto no que se
refere à idade: "são penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos (...)".
Trata-se de alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), segundo o qual o
adolescente menor de 18 anos que pratica ato infracional pode ter, como medida
socioeducativa, desde advertência e prestação de serviços à comunidade até a internação em
estabelecimento educacional, medidas privativas da liberdade.
A internação, segundo o ECA, só deve ocorrer em casos de ato infracional considerado
violento ou com grave ameaça, quando há reincidência de infrações consideradas graves ou
quando há descumprimento de medida socioeducativa anterior. A legislação determina que a
internação não pode durar mais de três anos e a liberação é obrigatória aos 21 anos.
Com a PEC, a idade miníma seria reduzida, portanto,
de 18 para 16 anos.
Não altera as propostas de punição, mas
reduz o público sobre qual se aplicaria.
Segundo o autor da PEC, Benedito
Domingos, do Partido Progresitas (DF), a
redução da idade é um potencial de redução de
delitos. Se o jovem fosse responsabilizado, ele
se absteria de cometer o ato.
O dr. Vieira Júnior trouxe trouxe alguns
pontos sobre os quais refletir.
O Dr. Enio Gentil Vieira
Junior, Advogado da Vara da
Infância e Adolescência de
Florianópolis, respondeu algumas
questões que ajudam a entender
melhor a situação.
Este relatório apresenta os
principais pontos discutos durante
o Mesas Quadradas Impacto da
Redução da Maioridade Penal.
O debate
Para aprovação de emenda constitucional, há necessidade de aprovação em duas sessões
distintas em cada uma das casas legislativas (Câmara e Senado).
A PEC 171/ 1993 demonstra o mau hábito do legislador em não esperar que determinado
sistema se aplique ou a crença de que o sistema irá se aplicar.
Quem apoia a manutenção da idade penal tem um discurso intransigente, e
acreditava que não haveria mudança na lei.
Porém os parlamentares favoráveis, na coordenação do Deputado Eduardo Cunha, resolveram,
em manobra política, colocar em pauta antes do recesso e sem todas as 40 sessões
necessárias de debate da matéria, e assim, aprovou-se a redução em primeira votação.
Para o Dr. Ênio, é como se houvesse um ciclo ultraconservador no nível político, muito
rápido e intenso. Neste contexto, existem sujeitos de “primeira categoria” e sujeitos de
“segunda”, que não têm direitos. Informalmente, no Brasil, os jovens estão no segundo grupo,
e são privados do direito à infância e serão atingidos pela redução da idade penal.
Como está o processo no legislativo hoje?
Votação da PEC 171/ 1993 na Câmara. Sociedade se divide a favor e contra a redução.
É válido discutir o artigo 228, o problema é que a
legislação da infância só atinge a população mais
desfavorecida. Não foi o propósito do legislador, pelo
contrário, queria-se proteger essas crianças contra
possíveis abusos da família, só que o ECA viveu uma
dificuldade desde o início em termos de implementação.
Dr. Enio crê que a redução da maioridade trata-se de
matéria de cláusula pétrea, mas mesmo que não fosse, o
impacto é o mesmo. A idade penal em 18 anos de
idade foi uma escolha do legislador em uma
construção coletiva e social, que queria oferecer ao
adolescente em ato infracional uma resposta diferenciada.
Na Alemanha, por exemplo, um indivíduo pode ser
submetido a um sistema socioeducativo até 25 anos, além
de mais eficiente é mais humanitário.
Nunca lidamos com esse sujeito. Não podemos dizer que o sistema faliu, quando na
prática ele nunca existiu. Por exemplo, Alemanha, França e Espanha reduziram a idade penal na
década de 90 e estabeleceram critérios claros. Uma resposta mais punitiva não inibe o delito.
São Paulo era recordista em rebeliões em prisões, até 2005. Em 2006, instalou-se a
Defensoria Pública no estado, e um dos primeiros atos foi colocá-la à disposição dos detentos.
Assim se descobriu que mais de 15% dos presos não deveriam estar mais lá. O nível de
rebeliões caiu drasticamente em menos de 1 ano.
Práticas que se destinam a restaurar a condição do sujeito dentro do sistema
se mostram bastante eficientes. Em Florianópolis, existem medidas de prestação de
serviços à comunidade (PSC). Qual o problema com ele? Não são os técnicos, nem tampouco
os adolescentes. Mas a estrutura do sistema. Onde se aplica adequadamente o direito da
criança as respostas são boas. Falta inserção no mercado de trabalho e investimento comum
na base, em educação.
Nessa perspectiva em que a maioria é favorável a redução da idade penal,
como lidar com esse sujeito que praticou o crime?
Em 74% dos países signatários da Comissão do Direito da Criança a idade penal é 18
anos. Não há como dizer que o sistema penal de um país é mais grave do que o de outro
porque a idade é menor.
No Brasil, o sujeito começa a responder com 12 anos, e pode ser privado de liberdade
por até 3. Um adulto que comete um homicídio, com boa conduta, não deve ficar 3 anos preso.
Privação de liberdade não é vantagem. Até responde aos anseios da vítima e/ou dos
parentes. Mas é uma ilusão pensar que em 3, 4 ou 10 anos, uma pessoa encarcerada em um
um sistema fechado irá se “reformar”.
A aplicação de outras medidas se
mostra mais eficiente, apesar da gente
ter esse ideal de que prender é a solução.
E se o jovem matou alguém?
O Brasil tem a 4° população carcerária do mundo, 500 mil presos, e não
parece estar resolvendo alguma coisa.
Aprovando ou não a redução da maioridade penal, há que se repensar o sistema na
prática, seja o atual, ou o próximo. Ele tem que dar uma resposta, de alguma forma, que
satisfaça a população e que permita que o sujeito se reconstrua, não desaprenda a conviver
socialmente, e que volte a conviver repensando o fato infracionário.
Há alguns problemas de aplicação do Estatuto, quando se olha estrutura existente. A
estrutura para privar o sujeito de liberdade é muito eficiente, porém a estrutura de
aplicação de medidas de proteção e preventiva é deficitária, assim como a de
aplicação de medidas socioeducativas.
Sim. Se eu controlo uma população que é mais propensa àquela prática, num primeiro
momento, eu vou ter a redução da prática do crime. Porém, depois de 10 anos preso, os crimes
voltarão a acontecer, não? Não dá para abandonar a prática de privação de liberdade ainda,
mas tem que se repensar em novas práticas.
Uma pesquisa do Jornal O Globo mostra que 1% dos atos infracionais de jovens são
homicídios, 70% delitos contra o patrimônio, e os demais estão relacionados ao tráfico de
drogas. Se só 0,05% dos adolescentes praticam ato infracional, deste universo apenas 1%
pratica atos de homicídio. Ainda, somente 10% dos processos que se iniciam terminam em
sentença condenatória.
A comunidade internacional questiona a prática da redução da idade penal, que está indo
na contramão da história de países que voltaram atrás. A ONU tem legitimidade para
influenciar pela não redução, porém dificilmente haverá sanções neste sentido.
Algumas pesquisam mostram que prender faz reduzir o número de
homicídios.
Parece que o Congresso vive hoje em uma bolha, já que não existe nenhuma unidade
sobre como receber adolescentes. Ora dizem que serão inseridos no sistema prisional
tradicional, ora dizem que serão inseridos em um sistema intermediário. Não existe espaço
para tal. Então, na prática, o que vai acontecer? Possivelmente a regra será flexibilizada e
e o adolescente será colocado no sistema prisional.
Dado o alto nível de envolvimento no debate atual, parece que o impacto da redução da
maioridade penal, em um primeiro momento, será uma aparente redução da prática infracional.
Mas logo deve-se retomar os patamares muito próximos do que temos hoje.
Outro apontamento é que a questão da idade penal não vem sozinha, mas ela está
inserida em um pacote de possíveis alterações, envoltas no atual discurso político. Relativizar
cláusula pétrea irá trazer alterações profundas, e daqui a pouco veremos mudanças em
normas como princípio do contraditório e da ampla defesa, pena de morte, privatização do
regime prisional, etc.
Quais são as consequências práticas da redução da idade penal?
Para um debate mais técnico, há necessidade de uma pesquisa séria que gere dados para
uma revisão do sistema socioeducativo. Também, no cenário ideal, seria preciso um massivo
investimento na educação, na família, na infância, na escola, na assistência social para que
menos adolescentes cheguem a praticar atos penais.
Nenhum país é imune a prática de infração penal, há sempre
algo em torno de 4% da população que irá delinquir.
Alguns acreditam que, com a redução da maioridade penal, a prática da
infração irá começar mais cedo.
Isso pode acontecer, porém é um dado que não pode ser sustentado, é um argumento
emocional. O que aconteceu na Espanha, por exemplo, é que a redução para 16 anos, provocou
um maior índice de reincidência daquele sujeito que cometia infração.
Outro estudo norte-americano analisou
grupos de controle, um com jovens que foram
submetidos ao sistema e outro com aqueles que
não foram pegos pela polícia. Na vida adulta, o
que se observou, é que o nível de sucesso do
sujeito que foi submetido ao sistema foi
inferior em relação à emprego, formação e
relações interpessoais do que o sujeito que
não foi submetido.
Segundo dr. Vieira Junior, o ideal na prática
punitiva ao adolescente que comete delito, seria a
desvinculação da gravidade do ato infracional e se
aplicar as medidas socioeducativas em meio
aberto. A gente tem um sistema socioeducativo
em que não se acredita. Por isso é muito fácil se
desvincular do sistema socioeducativo em defesa
do prisional.
Não há um número registrado desta prática. O dr. Vieira Júnior é o único advogado
público especializado na defesa de adolescentes na cidade, atendendo cerca de 90% dos atos
desse tipo. Dos delitos graves, a maioria se refere a roubos, vinculado ao crime organizado.
Na defesa é muito raro o atendimento à prática de homicídio, chegando próximo do 1%.
Claro, há muitos casos que não chegam na delegacia. Para averiguar estas informações, seria
interessante um cruzamento de dados entre a polícia e o judiciário, que hoje não existe.
Existe muito homícidio cometido por jovens em Florianópolis?
Qual o perfil dos jovens que serão atingidos pela redução?
São novamente os sujeitos de segunda categoria, aquele “menor” do código penal. É o
sujeito que vive na comunidade do Siri, na Vila União, na Vila Cachoeira, por exemplo. E
reduzindo ou não a idade penal, o sistema penal vai continuar agindo como controle social,
claramente. Sobretudo sobre homens, negros, jovens e que vivem em comunidades
socialmente vulneráveis.
Se vai atingir adolescente mais novos? É possível, mas o dr. Vieira Júnior não acredita
que o adolescente entre 16 e 18 anos vai parar de praticar ato infracional porque agora pode
ser preso. Ele pratica ato infracional porque acredita que não vai ser pego, porque inclusive é
atrativo para ele, é uma oportunidade de ascensão social.
O artigo 46 da Lei do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) torna
tudo muito claro. Para o sujeito que está respondendo processo ou cumprindo medida entre
18 e 21 anos, existe a possibilidade da medida ser extinguida e ele responder o processo como
adulto. Acreditar que a incursão do sujeito entre 16 e 18 anos na esfera penal vai
reduzir o índice de criminalidade pode ser uma grande ilusão. Tem ainda a ilusão de
que o adolescente só ficará preso por 45 dias, e quando recebe a pena de 3 anos, fica
surpreso.
Há uma bandeira para evitar que o sujeito seja “etiquetado”, discutindo uma ampliação
das medidas socioeducativas, como acontece na Alemanha. No Estados Unidos, por exemplo,
onde estados como Nova Iorque, Texas, Mississipi, Missouri, Carolina do Norte reduziram a
maioridade pena, agora se rediscute o aumento da idade.
Se o sujeito com 16 anos tem capacidade plena de discernimento para um delito
específico, ele pode ser considerado, em efeitos práticos, como adulto para os demais
processos e os demais efeitos em sua vida civil. Se não, fica claro como a medida de redução
faz parte de um processo de controle social, interessante somente para uma parcela específica
da população.
Durante o debate, os presentes concordaram que a redução é para segregar uma parcela
da sociedade, e não pela causa da criminalidade. Pessoas pobres, negras, na rua,
incomodam muita gente e é mais fácil retirá-los do meio. No sistema prisional
encontramos um mais pobre do que o outro. Ainda, é muito difícil falar em redução de idade
penal em uma comunidade que depende do tráfico para sobreviver, quando pessoas vão em
uma entrevista de trabalho e são discriminadas, quando o adolescente fica 6 meses na fila de
espera de uma escola que nem existe mais.
A idade do jovem é reduzida somente para os processos que lhe são
convenientes?
O dr. Vieira Junior acredita que o ato infracional não pode ser medida de discriminação,
nem pode ser usado como motivo de escolha coletiva para não contratar um profissional, por
exemplo. Essa é uma das vantagens do sistema socioeducativo, que visa não deixar um “rastro”
que tire a capacidade de reinserção social. Mesmo os jovens que passam por medidas em meio
aberto têm grandes dificuldades de inserção profissional. Então, quanto menos drástica a
resposta do sistema ao jovem, mais vantajoso para todos nós.
Violência não se resolve, se combate ou se previne. Como o cidadão
brasileiro se previne desse medo de reincidência do ato infracional?
Há a alternativa de prestação de serviços comunitários em uma ONG?
Em princípio seria apenas em órgãos públicos, em organizações não-governamentais
precisaria ser conversado. Para receber um adolescente infrator, deve-se estar muito
preparado, por isso a prioridade de o jovem ficar em PSC no próprio Judiciário.
Como está o acompanhamento dos jovens, além do cumprimento das
medidas socioeducativas? Como atendimentos psicológico e social.
Há um número reduzido de profissionais. Falta mais gente e mais estrutura. Hoje se tira
“leite de pedra”, de acordo com dr. Vieira Junior. Poderia se investir mais não no Judiciário,
mas nos demais elementos da Rede.
Mesmo que se reduza a idade penal, o que tem que ser discutido é a
ampliação do Sistema Socioeducativo, priorizando o sistema em meio aberto.
Poderia funcionar melhor, mas depende de um comprometimento do Judiciário. Pela lógica do
Estatuto, seriam necessários mais investimentos em aplicação imediata em medidas de meio
aberto, onde é mais fácil que se permita que o sujeito repense sua situação. No entendimento
do advogado, o investimento nestas medidas representa uma das melhores respostas em
termos de redução da criminalidade e da reincidência do ato infracional.
Como as organizações como ICom e demais podem apoiar neste processo?
A possibilidade de receber os adolescentes para PSC é mais remota, mas talvez as
empresas possam receber mais casos como Jovem Aprendiz, que responde a uma
inserção de mercado de trabalho mais vantajosa.
Uma organização respeitada como o ICom poderia mobilizar para o processo legislativo, no
que se refere a falta de verbas para o orçamento da Política da Infância, informar e mobilizar
mais para esta Política no município.
Para finalizar, qual deveria então ser a pauta discutida no Congresso, no que
se refere a Política da Infância e Adolescência?
O dr. Vieira Junior acredita que a Legislação existente (ECA, Sinase) já permite aplicar
bem as regras para infrações em menores de 18 anos. A questão parece sempre ser de
aplicação do orçamento nos serviços do sistema. No Brasil há uma tendência a querer
alterar regras que nem bem são aplicadas em sua totalidade.
O Estatuto não nasceu porque há uma vontade de ser “bonzinhos”, mas porque é
possível que o adolescente seja submetido a um sistema com alguma maior possibilidade de
sucesso, que investe na promoção, que é mais barato e mais eficiente que o sistema de
privação de liberdade.
- Leia na íntegra a PEC 173/1995.
- Conheça o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA).
- Ouça a entrevista do Dr. Enio
Gentil Vieira Junior, Advogado
da Vara da Infância e Adolescência
de Florianópolis, e de Andreson
Silva, gerente executivo do ICom,
concedida à rádio CBN.
Saiba mais
Obrigado a todos!