Redalyc.A ORGANIZAÇÃO PROFISSIONAL CONTÁBIL NO ...
Transcript of Redalyc.A ORGANIZAÇÃO PROFISSIONAL CONTÁBIL NO ...
Contabilidade Vista & Revista
ISSN: 0103-734X
Universidade Federal de Minas Gerais
Brasil
Gomes Barbosa, Marco Aurélio; Ott, Ernani
A ORGANIZAÇÃO PROFISSIONAL CONTÁBIL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NO
PERÍODO DE 1882 A 1947
Contabilidade Vista & Revista, vol. 24, núm. 4, octubre-diciembre, 2013, pp. 34-50
Universidade Federal de Minas Gerais
Minas Gerais, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=197033497003
Como citar este artigo
Número completo
Mais artigos
Home da revista no Redalyc
Sistema de Informação Científica
Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
34 Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
A ORGANIZAÇÃO PROFISSIONAL CONTÁBIL NO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL NO PERÍODO DE 1882 A 1947
Marco Aurélio Gomes Barbosa1
Ernani Ott2
▪ Artigo recebido em: 30/09/2011 ▪▪ Artigo aceito em: 20/11/2013 ▪▪▪ Segunda versão aceita em: 29/09/2014
RESUMO
Este artigo apresenta um relato histórico sobre a organização profissional
contábil no Estado do Rio Grande do Sul no período compreendido entre 1882 e
1947 (ano de criação do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande
do Sul), tratando de instituições representativas da classe contábil e de algumas
personalidades que nelas atuaram. A pesquisa foi desenvolvida a partir de
documentos das instituições estudadas, de informações de periódicos dos
séculos XIX e XX, de entrevistas, e outras fontes bibliográficas, constituindo-se em
uma pesquisa exploratório-descritiva. Associadas a estes documentos são
divulgadas imagens digitalizadas que contribuem para ilustrar alguns dos fatos
mencionados. O estudo revela que a organização profissional contábil no Rio
Grande do Sul teve sua origem nas entidades representativas da classe
comercial, dado que a profissão de Guarda-Livros estava intrinsecamente
ligada às atividades das casas comerciais. As instituições mapeadas e descritas
neste estudo foram o Club Caixeiral Porto-Alegrense, o Club de Guarda-Livros de
Porto Alegre, a Associação dos Empregados do Comércio de Porto Alegre e o
Instituto Rio Grandense de Contabilidade. Mesmo tratando-se de uma pesquisa
regional, acredita-se que possa contribuir para o conhecimento e a formação
da memória histórico-cultural da contabilidade brasileira.
Palavras-Chave: Organização Profissional, Entidades Contábeis, História da
Contabilidade.
1 Mestre e Doutorando em Ciências Contábeis (UNISINOS). Professor do Instituto de Ciências
Econômicas, Administrativas e Contábeis (ICEAC) da Universidade Federal do Rio Grande –
FURG. Endereço: Prédio 04, Anexo A, Sala 14. Avenida Itália, Km 08, Bairro Carreiros. CEP
96.201-900. Rio Grande - RS. E-mail: [email protected]. Telefones: (53) 3233-6690 – 3293-
5096. 2 Doutor em Contabilidade. Prof. do Programa de Mestrado em Ciências Contábeis da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Endereço: Rua Felicíssimo de Azevedo,
340, Ap. 305, São João, Porto Alegre, RS. CEP 90540-110. E-mail: [email protected].
A Organização Profissional Contábil no Estado do Rio Grande do Sul no Período de 1882 a
1947
Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, 35
Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
THE PROFESSIONAL ORGANIZATION OF ACCOUNTANTS IN THE STATE
OF RIO GRANDE DO SUL, BRAZIL, FROM 1882 TO 1947
ABSTRACT
This article is a historical report of the professional organization of accountants in
the State of Rio Grande do Sul, from 1982 to 1947 (when the Regional
Accounting Council of Rio Grande do Sul was established), dealing with
representative institutions of the accounting profession and of some personalities
who were involved in it. The survey was developed based on documents at the
institutions studied, information published in periodicals of the 19th and 20th
century, interviews and other bibliographic sources, and is exploratory-
descriptive research. In association with these documents, digitized images are
disseminated which help illustrate some of the facts mentioned. The study reveals
that the professional organization of accountants in Rio Grande do Sul began
with the trading class, since the Bookkeeping profession was intrinsically
connected with the activities of business establishments. The institutions mapped
and described in this study were the Club Caixeiral Porto Alegrense (Caixeiral
Club of Porto Alegre), Club de Guarda Livros de Porto Alegre (Bookkeepers Club
of Porto Alegre), Associação dos Empregados do Comércio de Porto Alegre
(Association of Porto Alegre Employees in Trade) and Instituto Rio Grandense de
Contabilidade (Rio Grande do Sul Institute of Accountancy). Even though it is a
regional study, it is believed that it may help learn more and provide information
to form the historical-cultural memory of Brazilian Accountancy.
Keywords: Professional organization, Accountancy Entities, History of
Accountancy.
1 INTRODUÇÃO
Os profissionais contábeis brasileiros reconhecem o Conselho Federal de
Contabilidade e os Conselhos Regionais como órgãos de regulação e defesa
dos contadores e técnicos em contabilidade, nas mais diversas esferas de
atuação. Sabem, também, que além dos conselhos existem os sindicatos,
associações, fundações e institutos de abrangência nacional e regional.
Com o processo de convergência às normas internacionais de
contabilidade, os profissionais identificam, ainda, outras instituições de origem
internacional que também passam a compor o seu cotidiano. Estas
organizações internacionais, muitas vezes, não atuam na regulação da
profissão, mas exercem influência nas práticas profissionais e,
conseqüentemente, no seu ensino.
Analisando o cenário hodierno, torna-se fácil descrever as obrigações e,
principalmente, os direitos dos profissionais da contabilidade. Porém, nem
sempre houve esta certeza. A contabilidade, devido a sua natureza social,
sempre acompanhou o processo de evolução da sociedade. Portanto, para ter
se chegado ao estágio atual de regulação profissional, muitos esforços devem
Marco Aurélio Gomes Barbosa, Ernani Ott
36 Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
ter sido despendidos pelos antigos profissionais da contabilidade, os Guarda-
Livros.
Para tentar entender como se deu este processo, descreve-se a origem
da organização dos profissionais da contabilidade no período de 1882 até a
criação do Conselho Regional de Contabilidade do Estado do Rio Grande do
Sul, no ano de 1947, um ano após a criação do Conselho Federal de
Contabilidade. A examinar esse período, pode se identificar e descrever,
naturalmente sem esgotar o tema, as principais instituições que participaram
dos primórdios da organização profissional contábil no estado. Muitas destas
instituições dedicavam-se ao bem-estar dos funcionários das casas comerciais,
principal campo de atuação para os profissionais da época.
Para a melhor compreensão do tema, este estudo apresenta, além desta
seção introdutória, uma seção dedicada à sua elaboração e delineamento
metodológico, um referencial teórico com os principais fatos relacionados ao
objeto da pesquisa, a apresentação das evidências obtidas, as considerações
finais e recomendações e, por fim, as referências mencionadas.
2 ELABORAÇÃO DO ESTUDO E DELINEAMENTO METODOLÓGICO
Este artigo fundamenta-se na dissertação de mestrado denominada de
“Origem e Evolução do Ensino da Contabilidade no Rio Grande do Sul: um
estudo histórico do curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul – UFRGS” defendida no Mestrado de Ciências Contábeis da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (BARBOSA, 2009), e dada a
riqueza de informações obtidas ao longo da pesquisa, uma série de
descobertas adicionais foi realizada, propiciando a sua elaboração.
Desenhar uma história acontecida há mais de um século requer uma
busca multivariada de informações. Para tanto, a coleta de dados contou com
informações de diversas fontes, para que possíveis erros e vieses fossem
eliminados. Algumas destas fontes foram: documentos das próprias instituições
descritas, buscadas, muitas vezes, em acervos pessoais mantidos por pessoas
generosas; informações jornalísticas de periódicos do século XIX e começo do
século XX mantidas por hemerotecas públicas e privadas como o Museu de
Comunicação Hipólito José da Costa e a Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul; entrevistas; revistas editadas pelas organizações estudadas e
outras publicações, boa parte das quais com origem no século passado.
A escolha do Rio Grande do Sul para realização do estudo, embora
represente uma de suas limitações, foi determinante para sua realização. Seria
dispendiosa e inviável a realização desta pesquisa em âmbito nacional, pelo
menos no momento de sua realização. Outra limitação deste estudo refere-se à
falta de preservação da cultura e da memória das pessoas e organizações que
antecederam a contemporaneidade. No ambiente contábil, há uma escassez
de instituições e pesquisadores que se dediquem à sua própria história.
Para evitar distorções na compreensão das idéias expostas nos
documentos e obras consultadas, foram utilizadas diversas citações literais,
A Organização Profissional Contábil no Estado do Rio Grande do Sul no Período de 1882 a
1947
Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, 37
Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
transcritas da mesma forma que estavam apresentadas na fonte consultada.
Com isso, algumas destas citações estão escritas de forma diferente da grafia
da língua portuguesa atual.
Em relação aos aspectos metodológicos, este estudo classifica-se, quanto
aos seus objetivos, como exploratório-descritivo, com abordagem qualitativa.
Esta classificação deve-se ao ineditismo do tema abordado e à busca da
caracterização do objeto estudado, sem que se tenha incorrido na exaustão
das possibilidades de abordagens (CERVO; BERVIAN; SILVA, 2007).
A coleta de dados classifica-se, de acordo com o descrito no início dessa
seção, em documental-bibliográfica, valendo-se, ainda, de uma fonte oral que,
segundo Wachholz e Ott (2007), favorece a compreensão de diversos fatos na
pesquisa histórico-contábil.
3 REFERENCIAL TEÓRICO
Com a chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil em 1808, o país
começa a experimentar novas condições no comércio, na cultura, no ensino,
entre outros. A obra de Caldeira (1995) ilustra uma realidade de prosperidade e
de extremos na vida cotidiana, principalmente da Corte, na cidade do Rio de
Janeiro. Ao descrever a vida e obra de Irineu Evangelista de Souza, mais
conhecido como o Barão de Mauá, o autor propicia o entendimento de
diversos fatores relacionados ao comércio e aos serviços da época.
Os empresários, proprietários destes estabelecimentos, exigiam de seus
funcionários grande dedicação ao trabalho. Muitas empresas atendiam
durante todos os dias da semana, inclusive sábados e domingos, e em horários
que contemplavam, facilmente, mais de doze horas laborais diárias (CALDEIRA,
1995). Este processo de formação e evolução social é responsável, segundo
Cardoso (1975), por uma organização social personalista e hierárquica, criando
paradoxos, impasses e contradições, contribuindo para um autoritarismo de
poucos privilegiados.
Esta condição propiciou a criação de organizações sociais
representativas de trabalhadores no comércio. Estas entidades passaram a
reivindicar alguns direitos coletivos de seus associados como o direito a recreio,
instrução e auxílio assistencial, buscando, também, recolocação no mercado
para profissionais desempregados e, até mesmo, auxílio funeral para aqueles
membros que necessitassem (DUARTE, 2000).
As reivindicações dos direitos representavam uma das poucas
possibilidades de melhora nas condições de trabalho, dada a escassez de
regulamentação da época. Já o recreio e a instrução buscavam elevar o nível
cultural e intelectual de seus membros visto que, segundo Viana (1968, p.54),
“há um extenso labor a ser realizado por qualquer comunidade que aspire a
alcançar estágios mais adiantados de progresso, por via de elevação do nível
da capacidade técnica de sua população ativa”.
A abordagem inicial desta seção pode, em um primeiro momento,
parecer desassociada do tema deste estudo. Porém, precisa-se relevar o
Marco Aurélio Gomes Barbosa, Ernani Ott
38 Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
mercado de atuação dos profissionais contábeis desta época, que possuíam o
título de Guarda-Livros ou Auxiliares. Estes profissionais atuavam em duas
grandes áreas: o comércio e os órgãos fiscalistas e militares (BARBOSA, 2009). A
relação da Contabilidade com o comércio remonta a séculos de história, como
as práticas comerciais orientais e a grande evolução contábil promovida no
norte da Itália nos séculos XV e XVI (SCHMIDT, 1996).
Já a intrínseca ligação dos primeiros profissionais contábeis de Portugal e
de suas colônias com o comércio pode ser verificada na Carta de Lei de 30 de
agosto de 1770, onde o Rei de Portugal, além de ressaltar a importância do
comércio, fazia clara referência à necessidade de registro do Guarda-Livros, dos
Caixeiros, dos Praticantes Portugueses das Casas de Negócios e das
Corporações, Sociedades Públicas e Particulares (RODRIGUES, 1985). A
publicação desta carta representou o primeiro esforço governamental na
busca pelo registro e controle dos profissionais responsáveis pelas escritas
contábeis das empresas. Este controle, além de seu caráter fiscalizador,
colocava as atividades comerciais em uma posição hierárquica superior aos
pleitos judiciais e as fábricas civis e mecânicas (RODRIGUES, 1985).
Notadamente, a classe comercial era, então, formada por todos os
profissionais que nela atuavam e, com maior destaque, inclusive em sua
remuneração, os Guarda-Livros (O ATHLETA, 10 de julho de 1894, p.03). Uma das
primeiras entidades brasileiras representativa desta classe foi a Associação dos
Empregados no Comércio do Rio de Janeiro, fundada em 1880 (SILVA JUNIOR,
2004).
No ano de 1931 foi publicado no Brasil o Decreto nº 20.158, de 30 de
junho. Este decreto, além de regular o ensino comercial, apresentava, em seu
título III, diretrizes para a prática profissional da contabilidade e a exigência de
registro dos profissionais na Superintendência do Ensino Comercial (BRASIL, 1931).
Esta legislação reconhece os profissionais formados em cursos regulares e
aqueles práticos, desde que avaliados por uma comissão.
Após, o Decreto nº 21.033, de 08 de fevereiro de 1932 ,determinou que
nenhum livro ou documento de contabilidade previsto pelo Código Comercial,
pela Lei de Falências e por quaisquer outras leis, teria efeito jurídico ou
administrativo se não estivesse assinado por atuário, perito-contador, contador
ou guarda-livros, devidamente registrados na Superintendência do Ensino
Comercial (BRASIL, 1932).
Estes dois decretos representam a evolução profissional contábil
promovida nas décadas de 1930 e1940, que teve como um dos seus destaques
o Patrono da Contabilidade Brasileira, Professor João de Lyra Tavares que, em
1926, defendeu a criação do Registro Geral dos Contabilistas Brasileiros.
O desejo do Professor João de Lyra Tavares realizou-se anos após o seu
falecimento, ocorrido em 1930. Em 27 de maio de 1946 foi publicado o Decreto-
Lei nº 9.295, criando o Conselho Federal de Contabilidade e os Conselhos
Regionais de Contabilidade, definindo as atribuições do Contador e do Guarda-
Livros, além de dar outras providências, representando a maior alteração na
regulamentação profissional contábil brasileira (BRASIL, 1946).
A Organização Profissional Contábil no Estado do Rio Grande do Sul no Período de 1882 a
1947
Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, 39
Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
Diversas instituições envolvendo os profissionais contábeis brasileiros
surgiram em diversas cidades desde o século XIX. Como exemplo, pode-se citar
o Club de Guarda Livros da Corte, no Rio de Janeiro. Porém, para a realização
deste estudo foram selecionados eventos mais representativos para
fundamentar os fatos relacionados à organização dos profissionais da
contabilidade no Estado do Rio Grande do Sul.
4 ORGANIZAÇÃO PROFISSIONAL CONTÁBIL NO RIO GRANDE DO
SUL (1882 - 1947)
Ainda, no período imperial, tem início o desenvolvimento do comércio em
Porto Alegre e região. O centro deste desenvolvimento dava-se na antiga Rua
da Praia e arredores devido, principalmente, à localização da alfândega na
principal praça daquela região (FRANCO, 2006).
Este crescimento era motivado, principalmente, por seu posicionamento
geográfico estratégico. Segundo Franco (1983, p.20),
[...] Porto Alegre era o empório de todo o centro e o norte da
província, em sua porção ocupada. Muito pouco se havia
conquistado ao índio e ao sertão. Mas, ao longo do Jacuí, do baixo
Taquari e do Vacacaí, o povoamento estava consolidado. As
canoas cobertas alcançavam Santo Amaro, Triunfo, Rio Pardo e
Taquari. De Rio Pardo, as carretas, em passo lento, mas seguro,
alcançavam Cachoeira e Santa Maria, a Fronteira Oeste e Missões.
Também de carreta ou de lombo de muares, desciam para a capital
os produtos de Santo Antonio da Patrulha, da Aldeia dos Anjos
(Gravataí) e de Viamão, levando em troca as novidades trazidas
pelos negociantes da rua da Praia.
Portanto, da mesma forma que o crescimento comercial motivou as
primeiras publicações contábeis e seu crescimento no norte da Itália a partir do
século XV (SCHMIDT, 1996), o crescimento comercial no Rio Grande do Sul
também fomentou o crescimento das práticas contábeis.
A importância dos profissionais contábeis para o comércio e seus
proprietários é exposta por Guimarães (2006, p.7):
O commerciante compra ao industrial e vende ao consumidor; o
industrial produz para vender ao negociante; o consumidor compra
a este o que precisa para a sua manutenção. Este giro constante de
producções, esta troca continua de coisas, não está, na rigorosa
expressão de phrase, a cargo do industrial, do commerciante ou do
consumidor. Aquelle dirige, o segundo é o intermediário, e este
gasta, mas a operação, o resultado d’ella, o lucro ou prejuízo, de
cada um e de todos três, está exclusivamente a cargo do guarda-
livros.
Elle recebe do industrial a nota dos dispendios feitos com o operario,
com o machinismo, com a materia prima: compara as despezas
com o resultado obtido e diz ao industrial quanto ganhou ou quanto
perdeu. O commerciante diz ao seu guarda-livros por quanto
comprou e por quanto vendeu, e este diz-lhe quanto ganhou ou
quanto perdeu. E o próprio consumidor, se quer ter a sua casa bem
Marco Aurélio Gomes Barbosa, Ernani Ott
40 Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
governada precisa também de ter um guarda-livros ou de o ser – o
que é o mesmo.
A partir da pujança do comércio na capital do Rio Grande do Sul e da
ligação direta da função de guarda-livros às práticas comerciais, tornou-se
necessária a qualificação e a formação de profissionais para, principalmente, se
encarregarem da escrituração mercantil. Tal fato pode ser observado no
anúncio em jornal no ano de 1894, oferecendo emprego para Guarda-Livros,
conforme Figura 1.
Figura 1 - Anúncio de emprego para Guarda-Livros
Fonte: A Reforma, 10 de fevereiro de 1894, p.3.
É neste cenário de prosperidade econômica que começaram a surgir as
organizações em prol dos funcionários das casas comerciais e,
consequentemente, dos Guarda-Livros e auxiliares. No Rio Grande do Sul,
destacaram-se, na Capital, o Club Caixeiral Porto-Alegrense, o Club de Guarda-
Livros, a Associação dos Empregados do Comércio de Porto Alegre e o Instituto
Rio Grandense de Contabilidade.
4.1 Club Caixeiral Porto-Alegrense
O Club Caixeiral Porto-Alegrense teve sua criação em 1º de outubro de
1882, declaradamente inspirada na Associação dos Empregados no Comércio
do Rio de Janeiro, fundada dois anos antes (SILVA JUNIOR, 2004). Sua finalidade,
segundo o capítulo primeiro dos seus estatutos, fundamentava-se conforme
segue (O ATHLETA, 08 de outubro de 1899, p.01):
Artigo 1º - O Club Caixeiral Porto-Alegrense, fundado a 1º de Outubro
de 1882 e installado a 1º de Novembro do mesmo anno na cidade
de Porto Alegre, capital do Rio Granno Sul, tem por fim:
§ 1º - Congregar os caixeiros e demais empregados do commercio,
em um grêmio de fraternidade e união.
§ 2º - Pugnar pelos interesses da classe caixeiral.
§ 3º - Advogar todas as questões tendentes á classe caixeiral,
procedendo sempre de accordo com os interesses de caixeiros e
commerciantes.
§ 4º - Formar um fundo de socorros em favor dos sócios effectivos,
quando delle precisarem.
A Organização Profissional Contábil no Estado do Rio Grande do Sul no Período de 1882 a
1947
Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, 41
Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
§ 5º - Estabelecer uma enfermaria no edifício do Club, para o
tratamento dos socios enfermos, logo que o permittam as condições
financeiras.
§ 6º - Promover a instrucção e recreio entre os seus associados,
sustentando aulas, organisando uma bibliotheca e proporcionando
diversões que a Directoria julgar conveniente, uma vez que não
affectam os interesses do Club, bem como influenciar sobre a
collocação do sócio desempregado.
Para atingir seus objetivos, o club oferecia aulas de português, francês,
escrituração mercantil, entre outras, além de ofertar uma biblioteca e um
departamento de assistências onde, inclusive, buscava-se recolocação para
sócios desempregados (BARBOSA, 2009).
Possuía, também, funções hoje relacionadas a sindicatos e associações.
Em um jornal publicado semanalmente, chamado O Athleta, os diretores e
associados clamavam por direitos como o descanso aos domingos e a redução
da jornada de trabalho dos trabalhadores no comércio, algo até então rotineiro
nas casas comerciais.
Estes anseios, muitas vezes, surgiam por meio da participação dos
associados em seu periódico. Uma das críticas a situação de então dos caixeiros
foi expressa na opinião do Sr. Antonio Leite. Ele argumentava: “o Caixeiro actual
tem necessidade da luz redemptora da instrucção, porque elle convive em um
meio civilisado; tem outras tendencias superiores as dos nossos irmãos do seculo
passado, que esperavam bestificados o acaso, o imprevisto – a obra da
Providencia” (O ATHLETA, 02 de julho de 1893, p.02).
O Club Caixeiral Porto-Alegrense encerrou suas atividades em meados do
século XX, tendo publicado, ainda, o Almanaque Comercial Mercúrio no
período de 1927 a 1929. A criação do Club de Guarda-Livros, em Porto Alegre,
apresenta-se como um dos motivos de seu enfraquecimento e posterior
decadência.
4.2 Club de Guarda-Livros de Porto Alegre
A fundação do Club de Guarda-Livros de Porto Alegre, no dia 03 de junho
de 1894, ocorreu nas dependências do Club Caixeiral Porto Alegrense, e
representou a criação da primeira instituição profissional exclusivamente
contábil do Rio grande do Sul. O seu estatuto era, na verdade, uma cópia dos
estatutos do Club Caixeiral Porto-Alegrense (O ATHLETA, 17 de junho de 1894).
Sua primeira diretoria era composta pelos senhores Armando Mazeron (1º
Secretário), Frederico Santiago (2º Secretário) e Mazzarino de Moraes, que eram
membros ativos do Club Caixeiral Porto-Alegrense. Este fato gerou grande
descontentamento na direção do Club dos Caixeiros devido à divisão que
ocorreria em seu quadro social. Segundo o redator do jornal O Athleta “o Club
Caixeiral quando se fundou foi para advogar e melhorar as condições dos
caixeiros e guarda-livros, e, por essa razão, considerou na cathegoria de sócios
effectivos unicamente caixeiros viajantes e guarda-livros” (O ATHLETA, 10 de
junho de 1894).
Marco Aurélio Gomes Barbosa, Ernani Ott
42 Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
Além da redação do jornal, um associado identificado como Sellet,
também indignado com a fundação do Club de Guarda-Livros, escreveu para
a redação (O ATHLETA, 17 de junho de 1894, p.03):
Escreve-nos um distinto consocio:
“Lendo no Jornal do Commercio um annuncio convidando os
guarda-livros de Porto Alegre para uma reunião no edificio em que
funcciona o Club Caixeiral, a ella compareci, não como guarda-
livros, mas como socio desse Club, no desejo de vêr em que bases se
assentava a nossa aggremiação, e tive o desgosto de vêr nada mais,
nada menos do que simplesmente a mania de associação, como a
mania dos cafés, das companhias e tantas outras que se
desenvolvem nesta capital.
Digo isto porque as bases da nova sociedade são as mesmas do
Club Caixeiral: Beneficencia, Instrucção e Recreio.
Ora, existindo aqui uma sociedade, que julgo em nada ter
desmerecido no conceito publico e onde os Srs. guarda-livros
encontrarão todas as regalias existentes nessas mesmas bases, não
póde deixar de ser mania a creação de outra.
Há quem diga que os guarda-livros, não querendo hombrear-se com
os humildes caixeiros, crearam essa associação, e eu afirmo que não
ha tal, porque vi caixeiros fazendo parte da assembléa geral, e,
perguntando a um dos iniciadores como era isso, elle respondeu-me
que eram ajudantes de escripta. Então tivemos uma pequena
discussão e finalizei dizendo que qualificava a nova associação de –
um segundo CLUB CAIXEIRAL com a denominação de Associação
de Guarda-livros.
Sim, porque desta forma todos os caixeiros são ajudantes de escripta
da casa em que estão empregados e, por conseguinte, aptos para
pertencerem à nova sociedade.
Eu julgava que formavam na mesma associação simplesmente os Srs.
guarda-livros, tendo por único fim a beneficência, em caso de
invalidez de seus collegas e associados, e não uma sociedade de
recreio...
Enganei-me, razão porque digo aos dedicados socios do CLUB
CAIXEIRAL:
- Em guarda!
A partir da publicação deste “desabafo” no jornal O Athleta, pode-se
identificar a estreita relação dos guarda-livros com o comércio e, também, a
colaboração dos caixeiros na escrita das empresas, originando, daí, a classe
dos auxiliares de guarda-livros. Além disso, ressalta-se a percepção do autor de
que os profissionais contábeis estavam ou pelo menos pensavam estar, em um
nível superior ao dos caixeiros.
Estes fatos contribuem para a afirmação de que, definitivamente, as
entidades da classe comercial do século XIX e do começo do século XX
abrangiam, em seu quadro social e diretivo, os profissionais contábeis que
estivessem dispostos a delas participarem.
A Organização Profissional Contábil no Estado do Rio Grande do Sul no Período de 1882 a
1947
Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, 43
Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
Devido à escassez de informações não se pode precisar a data de
encerramento das atividades do Club de Guarda-Livros de Porto Alegre. Porém,
acredita-se que tenha ocorrido no começo do século XX.
4.3 Associação dos Empregados do Comércio de Porto Alegre
A Associação dos Empregados no Comércio de Porto Alegre foi fundada,
também declaradamente inspirada na Associação dos Empregados no
Comércio do Rio de Janeiro, em 04 de outubro de 1899 e definitivamente
instalada em 02 de fevereiro de 1900. Inicialmente, instalou-se na Rua 7 de
setembro, nº 117, centro de Porto Alegre. Em 25 de março de 1903 a instituição
mudou-se para seu prédio próprio, situado à Rua Dr. Flores nº 220, onde
funcionou até o seu fechamento (AEC, 1949). Este prédio (Figura 2) existe até os
dias de hoje.
Figura 2 - Sede Própria da Associação dos Empregados do Comércio de Porto Alegre
Fonte: AEC (1950, p.27).
Sua primeira direção, após a instalação em 02 de fevereiro de 1900, era
composta por (AEC, 1949):
Presidente: Emílio da Silva Ferreira; Vice-Presidente: Arlindo Caminha;
1º Secretário: Aristoles S. Barboza; 2º Secretário: Miguel Coelho Borges;
Thesoureiro: Victor Pinto Vieira; 2º Thesoureiro: J. A. Damasceno
Ferreira; Bibliothecario: Gustavo Quaresma; Procurador: J.
Cavalcanti; Conselho: Francisco Soares de Almeida, Porfirio Jubim,
Ovidio Silveira Martins, Francisco Gomes Carollo, Isidoro Marx,
Christiano Kessler, Hercules G. Limeira, Arthur Bastian, Gerard Greven.
Comissão de Exame de contas: Antonio Machado, Mazarino Moraes,
Carlos A. Dubois.
Já na sua instalação a instituição contava com 480 sócios, dentre os quais
uma grande quantidade de profissionais da contabilidade. Este fato deve-se a
própria natureza da entidade que, de acordo com o apresentado no primeiro
artigo do primeiro capítulo dos seus estatutos, contemplava todos os profissionais
comerciais (AEC, 1950).
Marco Aurélio Gomes Barbosa, Ernani Ott
44 Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
Art. 1º- A Associação dos Empregados no Comércio de Pôrto Alegre,
fundada em 4 de Outubro de 1899 e instalada em 2 de Fevereiro de
1900, nesta Capital, onde tem sua sede e foro jurídico, é constituída
por ilimitado número de sócios de ambos os sexos, maiores de 14
anos, que empregam a sua atividade no comércio. Compreendem-
se nesse caráter os empregados de escritório, balcão e armazém,
leiloeiros, corretores, despachantes, guarda-livros e contadores,
negociantes, industriais estabelecidos, administradores de
companhias, diretores e funcionários de estabelecimentos bancários,
representantes e viajantes comerciais, todos com amplo direito a
voto e cargo, ressalvadas as disposições do § único do art. 22 º.
O parágrafo único do artigo 22, determinava que menores de 18 anos
não podiam votar nem candidatar-se a cargos eletivos na instituição.
A Associação dos Empregados no Comércio de Porto Alegre fornecia
atendimento médico e odontológico, uma biblioteca, e aulas de comércio,
onde se formavam guarda-livros. Para a formação destes profissionais a
instituição criou em 14 de maio de 1900 a Escola Mauá, instituição que durante
décadas marcou o ensino profissional contábil na região metropolitana de Porto
Alegre no Rio Grande do Sul (BARBOSA, 2009).
Em um período incerto, entre as décadas de 50 e 60 do século XIX, a
Associação encerrou suas atividades. Este fato deveu-se, entre outros, a criação
de sindicatos representativos especificamente das classes profissionais por ela
contempladas.
4.4 Instituto Rio Grandense de Contabilidade
O Instituto Rio Grandense de Contabilidade foi fundado em 14 de janeiro
de 1933 para congregar guarda-livros, contadores, diplomados ou
provisionados, em todo o Estado do Rio Grande do Sul. Sua cerimônia inaugural
reuniu diversas autoridades, como o Interventor Federal no estado, Sr. Flores da
Cunha, e o Prefeito de Porto Alegre, Major Alberto Bins (PEREIRA, 1934).
Por ocasião da instalação e inauguração da sede social do Instituto, o Sr.
João Pereira proferiu um discurso salientando os objetivos da instituição.
Segundo ele
o Instituto Rio Grandense de Contabilidade, não é uma organisação
syndical, não ha distinguir aqui, entre empregadores e empregados.
Elle congrega profissionaes e cultores da contabilidade, que,
prestando-se reciprocamente assistência moral e material, buscam
realizar objectivos mais elevados (REVISTA RIO GRANDENSE DE
CONTABILIDADE, 1934, p.16).
O Instituto, inicialmente, pretendia tornar-se um sindicato. Mas devido às
limitações legais, não foi possível seu enquadramento como entidade sindical.
Porém, com a criação do Sindicato dos Contabilistas de Porto Alegre, em 1943,
sua diretoria decidiu realizar uma fusão com este novo sindicato, entidade que
ainda se encontra em atividade. Os sócios de qualquer uma das instituições
podiam usufruir dos benefícios de ambas (OLIVEIRA, 1934).
Para divulgar seus atos e colaborar na informação e formação de seus
associados, o Instituto Rio Grandense de Contabilidade editava a Revista Rio
A Organização Profissional Contábil no Estado do Rio Grande do Sul no Período de 1882 a
1947
Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, 45
Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
Grandense de Contabilidade. Esta revista representou a primeira publicação
gaúcha dedicada exclusivamente à contabilidade. Sua última publicação foi a
de número 255, em novembro de 1955, tendo sido editada por mais de vinte
anos. A coleção completa desta obra pode ser consultada na biblioteca
central da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e na biblioteca
do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul, ambas em Porto
Alegre.
A primeira diretoria do Instituto (Figura 3) foi composta pelos seguintes
senhores, da esquerda para a direita: sentados, Carlos Carneiro da Cunha, João
Ribeiro da Cunha, Heitor Braga, Affonso Sanmartin, Sandro Ribeiro e Florentino
Nems; em pé, Guido Mondin, Oriovaldo Krug, Henrique Desjardins e Antonio
Martins.
Figura 3 - Primeira Diretoria do Instituto Rio Grandense de Contabilidade
Fonte: Revista Rio Grandense de Contabilidade (1935, p.3).
Nesta foto não aparece, justamente, o seu primeiro presidente, o Professor
Alcides Dias Antunes, que exerceu o cargo durante cinco anos. O Prof. Alcides
(Figura 4) formou-se em Ciências Econômicas e Financeiras em 1913, na primeira
turma do curso superior da Escola Superior de Commercio de Porto Alegre, atual
Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul - UFRGS, da qual, inclusive, foi Professor Catedrático de Contabilidade
Pública (REVISTA RIO GRANDENSE DE CONTABILIDADE, 1935, p.115). O nome
deste professor pode ser encontrado em diversas obras e instituições na cidade
de Porto Alegre, revelando a sua dedicação à contabilidade gaúcha.
Marco Aurélio Gomes Barbosa, Ernani Ott
46 Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
Figura 4 - Professor Alcides Dias Antunes
Fonte: Revista Rio Grandense de Contabilidade (1935).
O Instituto Rio Grandense de Contabilidade foi inspirado no Instituto de
Contabilidade do Estado de São Paulo, com o qual possuía boas relações. Em
04 janeiro de 1935, o Professor Francisco D’Áuria, presidente do instituto paulista,
professor e pesquisador de renome internacional, fez uma visita à associação
gaúcha, onde, além de realizar uma conferência (Figura 5), participou de um
churrasco acompanhado de sua esposa.
Figura 5 - Conferência do Prof. Francisco D’Áuria realizada no Instituto Rio Grandense de
Contabilidade
Fonte: Revista Rio Grandense de Contabilidade (1935, p.33).
A presença do Prof. Francisco D’Áuria, além de outros professores
pertencentes ao instituto paulista, pode ser identificada em diversos outros
momentos no decorrer das atividades do instituto gaúcho.
A participação de alguns associados do instituto paulista foi muito além
de apenas palestras e troca de informações. Assim como o Instituto de
A Organização Profissional Contábil no Estado do Rio Grande do Sul no Período de 1882 a
1947
Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, 47
Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
Contabilidade do Estado de São Paulo, o Instituto Rio Grandense de
Contabilidade foi a base para a criação do Conselho Regional de
Contabilidade do Estado do Rio Grande do Sul (CRC-RS) no ano de 1947
(CRC/RS, 2008).
Após a publicação do Decreto-Lei nº 9.295/1946, foi criado o Conselho
Federal de Contabilidade e os Conselhos Regionais de Contabilidade. Em 1947
o Instituto Rio Grandense de Contabilidade deixou de existir para dar espaço ao
CRC-RS. A condução deste processo teve como líder o último presidente do
instituto gaúcho, o Professor Henrique Desjardins.
O Professor Henrique Desjardins foi Lente Catedrático da Universidade do
Rio Grande do Sul, hoje UFRGS, além de ser um profissional respeitado no Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e alguns outros estados da Federação. Seu
legado intelectual inclui diversos artigos, principalmente na Revista Rio
Grandense de Contabilidade e em livros publicados (BARBOSA, 2009).
Na condição de último presidente do Instituto Rio Grandense de
Contabilidade, o Professor Henrique Desjardins assumiu o cargo de primeiro
presidente do Conselho Regional de Contabilidade. Para firmar sua ligação ao
órgão profissional contábil recém instalado, o Professor Desjardins não abriu mão
de ser o primeiro profissional registrado no Rio Grande do Sul, e, para tanto,
pernoitou em frente ao Conselho na véspera do primeiro dia de registro para,
assim, garantir, de forma justa, que seria o contador número um do CRC-RS
(Figura 6) (AVELINE, 2009).
Figura 6 - Registro do CRC/RS de Henrique Desjardins
Fonte: CRC/RS (2009).
Após a efetivação do Conselho Regional de Contabilidade do Rio
Grande do Sul, parte-se para uma nova etapa relacionada com a profissão
contábil gaúcha, sendo que a Revista Rio Grandense de Contabilidade, criada
Marco Aurélio Gomes Barbosa, Ernani Ott
48 Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
pelo Instituto Rio Grandense de Contabilidade, passa a ser a primeira
publicação oficial do CRC-RS.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao pesquisar-se sobre a história da contabilidade se encontra, com
facilidade, algumas obras bem elaboradas que contemplam a evolução
contábil na Europa, nos Estados Unidos e em alguns países do oriente (SCHMIDT,
1996).
Quando se pesquisa sobre a história da contabilidade no Brasil, o número
de publicações se reduz acentuadamente. Esta situação pode, num primeiro
momento, levar a duas conclusões: o Brasil não possui um histórico contábil, ou
não há uma pesquisa representativa sobre o tema no país.
Neste estudo buscou-se apresentar os primórdios da organização
profissional contábil no Estado do Rio Grande do Sul (1882-1947) e, para tal,
foram descritas algumas das características do Club Caixeiral Porto-Alegrense,
do Club de Guarda-Livros de Porto Alegre, da Associação dos Empregados do
Comércio de Porto Alegre e do Instituto Rio Grandense de Contabilidade.
O exame da atuação destas entidades torna evidente que nos primórdios
da organização profissional contábil, os seus profissionais possuíam estreita
relação com o comércio, sendo, na verdade, a profissão de Guarda-Livros uma
das mais notórias da carreira comercial.
Em todas as entidades estudadas pode-se perceber a preocupação dos
seus diretores em lutar pelos direitos dos seus associados, além de fornecer
instrução, informação e qualidade de vida, seja através de atendimento
médico ou de recreação.
O Instituto Rio Grandense de Contabilidade, além de representar um dos
maiores avanços da organização contábil gaúcha, foi base para a criação do
Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul, representando toda
a efervescência cultural e política brasileira das décadas de 1940 e 1950.
Espera-se com este estudo contribuir para tornar pública a organização
profissional contábil no Estado do Rio Grande do Sul no período de 1882 a 1947,
além de ter alertado para o fato de que a contabilidade brasileira possui
grande riqueza histórica, mesmo que boa parte ainda esteja oculta, e que está
à espera de pesquisadores que se dediquem a ela.
Por fim, espera-se que novas pesquisas relacionadas com a temática
histórico-contábil sejam realizadas nas mais variadas regiões do Brasil, uma vez
que riqueza histórica a contabilidade brasileira possui, basta apenas investigá-la.
REFERÊNCIAS
A REFORMA. Anúncio de Emprego para Guarda-Livros. Porto Alegre, 10 de
fevereiro de 1894, p.03.
A Organização Profissional Contábil no Estado do Rio Grande do Sul no Período de 1882 a
1947
Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, 49
Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
AEC - ASSOCIAÇÃO DOS EMPREGADOS DO COMÉRCIO DE PORTO ALEGRE.
Estatuto da Associação dos Empregados no Comércio de Pôrto Alegre. Porto
Alegre, 1950.
AEC - ASSOCIAÇÃO DOS EMPREGADOS DO COMÉRCIO DE PORTO ALEGRE.
Poliantéia Comemorativa do 50º Aniversário de Fundação da Associação dos
Empregados no Comércio de Porto Alegre. Porto Alegre, 1949.
AVELINE, Carmem. Porto Alegre, 09 de janeiro de 2009 (entrevista concedida ao
autor).
BARBOSA, Marco Aurélio Gomes. Origem e Evolução do Ensino da Contabilidade
no Rio Grande do Sul: um estudo histórico do curso de Ciências Contábeis da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. São Leopoldo: UNISINOS,
2009. Dissertação (Mestrado em Ciências Contábeis), Programa de Pós
Graduação em Ciências Contábeis, Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
BRASIL. Decreto nº 20.158, de 30 de junho de 1931. Organiza o ensino comercial,
regulamenta a profissão de contador e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.cosif.com.br/mostra.asp?arquivo=dec20158-1931>. Acesso em 19
jan. 2011.
BRASIL. Decreto nº 21.033, de 08 de fevereiro de 1932. Estabelece novas
condições para o registro de contadores e guarda-livros, e da outras
providencias. Disponível em: <
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=33347>.
Acesso em 20 jan. 2011.
BRASIL. Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946. Cria o Conselho Federa; de
Contabilidade, define as atribuições do Contador e do Guarda-Livros e dá
outras providências. Disponível em: < http://cfc.org.br/uparq/lei1249.pdf>.
Acesso em 20 jan. 2011.
CALDEIRA, Jorge. Mauá: o empresário do império. Companhia das Letras: São
Paulo, 1995.
CARDOSO, Fernando Henrique. Autoritarismo e Democratização. 3ª ed.. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1975.
CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino; SILVA, Roberto da. Metodologia
Científica. 6ª. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.
CRC/RS - CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO RIO GRANDE DO SUL.
Arquivo de Registros Profissionais. Porto Alegre: 2009
CRC/RS. CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO RIO GRANDE DO SUL.
Centro de Memória Virtual do CRC/RS. Disponível em
<http://www.crcrs.org.br/memorial/>. Acesso em: 12 out. 2008.
DUARTE, Paulo Cesar Borges. A Fundação e os Objetivos dos Clubes Caixeirais no
Rio Grande do Sul: 1879 a 1890. História em Revista. Vol. 06. Pág. 159-167. Pelotas:
UFPEL, 2000.
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre e seu Comércio. Porto Alegre:
Associação Comercial de Porto Alegre, 1983.
Marco Aurélio Gomes Barbosa, Ernani Ott
50 Revista Contabilidade Vista & Revista, ISSN 0103-734X, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 24, n. 4, p. 34-50, out./dez. 2013
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. 4ª. ed. Porto Alegre:
UFRGS, 2006.
GUIMARÃES, Joaquim Fernando da Cunha. Guarda-Livros, Contabilista e TOC.
Revista Eletrônica INFOCONTAB. nº.8. Lisboa: abril, 2006.
O ATHLETA. Club de Guarda-Livros. Porto Alegre, 10 de junho de 1894, p.03.
O ATHLETA. Club de Guarda-Livros. Porto Alegre, 10 de junho de 1894, p.03.
O ATHLETA. Club de Guarda-Livros. Porto Alegre, 17 de junho de 1894, p.03.
O ATHLETA. Correspondência do Sr. Antonio Leite. Porto Alegre, 02 de julho de
1893, p.02.
O ATHLETA. Estatutos do Club. Porto Alegre, 08 de outubro de 1899, p.01.
OLIVEIRA, Ernani de. O Nosso Syndicato em Face da Nova Lei Syndical. Revista
Rio Grandense de Contabilidade. v.1, nº.1, p.13. Porto Alegre, 1934.
PEREIRA, João. A Inauguração Solemne da Nossa Séde Social. Revista Rio
Grandense de Contabilidade. v.1, nº.1, p.14-21. Porto Alegre, 1934.
REVISTA RIO GRANDENSE DE CONTABILIDADE. v.1, nº1. Porto Alegre: Instituto Rio
Grandense de Contabilidade, 1934.
REVISTA RIO GRANDENSE DE CONTABILIDADE. v.1, nº4-6. Porto Alegre: Instituto Rio
Grandense de Contabilidade, 1935.
RODRIGUES, Alberto Almada. A Primeira Regulamentação da Profissão Contábil
em Portugal e no Brasil: a matrícula dos homens de negócios (comerciantes).
Revista do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul. nº.42.
Porto Alegre: CRCRS, 1985.
SCHMIDT, Paulo. Uma contribuição ao estudo da História do Pensamento
Contábil. São Paulo: USP, 1996. Tese (Doutorado em Controladoria e
Contabilidade), Programa de Pós Graduação em Contabilidade, Universidade
de São Paulo.
SILVA JUNIOR, Adhemar Lourenço da. As Sociedades de Socorro Mútuo:
estratégias privadas e públicas (estudo centrado no Rio Grande do Sul – Brasil,
1854-1940). Porto Alegre: PUCRS, 2004. Tese (Doutorado em História), Programa
de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul.
VIANA, Cibilis da Rocha. Teoria da Contabilidade (2ª. ed.). Porto Alegre: Sulina,
1966.
WACHHOLZ, Carla Rosângela; OTT, Ernani. Pesquisa Documental e História Oral
Temática: sua utilização na elaboração de biografias de professores e
pesquisadores da área contábil no Brasil. In: 7º Congresso USP de Contabilidade
e Controladoria, Anais..., 26 e 27 de julho. São Paulo: USP, 2007.