Recepções Ao Palhaço Tiririca Na Arena Democrática

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IV CONGRESSO LATINO AMERICANO DE OPINIÃO PÚBLICA DA WAPOR BELO HORIZONTE   MG   BRASIL AREA TEMÁTICA 04: OPINIÃO PÚBLICA, CAMPANHA E VOTO TITULO: QUAL É? QUAL FOI? POR QUE É QUE TU TÁ NESSA?  Recepções ao palhaço Tiririca na arena democrática AUTOR: MARCELO BEZERRA CASTRO E-MAIL: marcelo_bcastro@ya hoo.com.br UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ   UECE PALAVRAS CHAVES: Tiririca, Humor e Política, Discurso Político, Campanha Eleitoral...

Transcript of Recepções Ao Palhaço Tiririca Na Arena Democrática

  • IV CONGRESSO LATINO AMERICANO DE OPINIO PBLICA DA WAPOR

    BELO HORIZONTE MG BRASIL

    AREA TEMTICA 04: OPINIO PBLICA, CAMPANHA E VOTO

    TITULO:

    QUAL ? QUAL FOI? POR QUE QUE TU T NESSA?

    Recepes ao palhao Tiririca na arena democrtica

    AUTOR:

    MARCELO BEZERRA CASTRO

    E-MAIL: [email protected]

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR UECE

    PALAVRAS CHAVES:

    Tiririca, Humor e Poltica, Discurso Poltico, Campanha Eleitoral...

  • RESUMO DO ARTIGO

    Com 1.353.820 votos, Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca, sagrou-se o 2

    deputado federal mais votado da histria do Brasil. Sua candidatura protagonizou

    dezenas de polmicas de enorme repercusso nacional, sendo assunto constante na

    cobertura jornalstica e um dos principais assuntos circulados na internet. O sucesso

    instantneo da candidatura e os polmicos elementos simblicos que ela evidenciou na

    cena poltica fizeram de Tiririca a figura mais visibilizada do pleito. Toda essa audincia

    em torno do candidato-personagem se mobilizou em decorrncia, sobretudo, de dois

    fatores centrais: primeiro um discurso polmico carregado de analogias e metforas que

    terminaram por abordar uma sequncia de desafios democrticas nacionais, como por

    exemplo: a falta de conhecimento do eleitor sobre as funes dos polticos. Em segundo

    lugar, por seu elevado carisma pessoal. Esse acontecimento eleitoral, a candidatura do

    personagem, comumente definido como uma candidatura extica nutrida por uma

    massa de votos de protesto, igualando-a assim a um tipo de candidatura cada vez mais

    recorrente nas eleies brasileiras e que alimentam no imaginrio poltico a insatisfao e

    desconfiana no processo eleitoral e na classe poltica. Compreendo que esses tipos de

    candidaturas, ditas exticas, se utilizam de recursos discursivos como a ironia, a stira e o

    humor, e so substanciadas fortemente por elementos de negao do prprio processo

    eleitoral a que esto submetidas, negam o prprio sistema em que buscam seu xito e

    incorporam uma esttica do grotesco, ou seja, se apresentam como anormais e

    desarmnicas. Tiririca desarmonizou o pleito, seu discurso poltico no Horrio Eleitoral

    Gratuito foi coerente com a biografia do personagem, a linguagem humorstica utilizada

    alm de resguardar sua identidade, permitiu dialogar de forma acessvel com todos os

    segmentos sociais, logo porque, o humor, como gnero discursivo, privilegia quase que

    exclusivamente o dilogo e a construo elaborativa a partir de elementos que sejam

    centrais e de domnio publico na sociedade. Este Artigo se prope a analisar o discurso

    produzido por esta candidatura e as recepes a ela, especificamente as manifestaes

    mais expressivas oriundas do campo poltico e miditico, pronunciadas nos principais

    veculos de comunicao do pas. Buscando compreender as polmicas e elementos

    simblicos evocados por esta candidatura, e a partir disso construir e/ou reconstruir

    reflexes sobre a democracia brasileira.

  • ABSTRACT

    With 1,353,820 votes, Everardo Francisco Oliveira Silva, Wild Boar, has won the

    the 2nd most voted congressman in Brazil's history. His candidacy starred in dozens of

    controversies of national impact, being a constant subject in news coverage and a major

    item circulated on the Internet. The instant success of the controversial nomination and

    symbolic elements that she showed on the political scene have made the figure more

    Tiririca visualized the election. All this sitting around the candidate character-mobilized due

    mainly to two key factors: first a controversial speech laden with metaphors and analogies

    that ended in the wake of challenges to address a national democratic, such as: lack of

    knowledge of voter on the functions of politicians. Secondly, because of their high personal

    charisma. This electoral event, the candidate's character, is commonly defined as an

    exotic candidate nurtured by a mass protest votes, thus equating to a standard application

    increasingly recurrent in Brazilian elections and feeding the imagination and political

    dissatisfaction distrust in the electoral process and the political class. I understand that

    these types of applications, called exotic, they use discursive resources as irony, satire

    and humor, and are strongly substantiated by evidence of denial of the electoral process

    itself that are submitted, deny the very system they seek success and incorporate an

    aesthetic of the grotesque, ie, present as abnormal and disharmonious. Tiririca harms the

    election, political discourse in Time Free Elections was consistent with the character's

    biography, humorous language used in addition to safeguard their identity, allowed to talk

    in a way accessible to all segments of society, just because the mood, like genre , focuses

    almost exclusively on dialogue and elaborative construction from elements that are central

    in the public domain and in society. This article aims to analyze the speech produced by

    this application and receipts to it, specifically the most significant events coming from the

    political arena and media, spoken in the major media outlets in the country. Trying to

    understand the polemics and symbolic elements evoked by this application, and from that

    build and / or rebuild reflections on Brazilian democracy.

  • INTRODUO

    Em 03 de outubro de 2010, 1.353.820 eleitores do estado de So Paulo sufragaram

    o palhao Tiririca como o segundo1 deputado federal mais votado da histria republicana

    do Brasil e mais votado neste pleito, superando historicamente as retumbantes votaes

    de conhecidos lideres nacionais quando concorreram ao mesmo cargo, como a marca de

    651.763 votos de Luis Incio Lula da Silva em 1986 e de 739.827 votos de Paulo Maluf

    em 2006.

    A candidatura de Francisco Everardo Oliveira Silva, o conhecido Tiririca,

    protagonizou dezenas de polmicas de enorme repercusso nacional, sendo assunto

    constante na cobertura jornalstica eleitoral e um dos principais assuntos circulados na

    internet neste perodo.

    Nascido em 01 de maio de 1965, cearense de Itapipoca, Tiririca cantor,

    compositor e humorista. Aos 8 anos comeou a trabalhar em circo em sua terra natal, o

    apelido ganhou da prpria me que o considerava abusado2. Em 1996, depois de

    experimentar o sucesso regional de suas msicas, lana pela gravadora Sony seu CD de

    estria que puxado pelo hit Florentina superou a marca de 1,5 milhes de cpias, o

    sucesso foi tanto que neste mesmo ano Tiririca bateu recorde de audincia em programas

    de TV que antes pertenciam ao grupo Mamonas Assassinas.

    Uma das faixas deste mesmo CD lhe rendeu um processo por racismo, a cano

    Veja os cabelos dela chegou a ser temporariamente proibida de ser executada em rdios

    e os discos foram apreendidos. Ao final do processo Tiririca foi absolvido. Em 1997 grava

    seu segundo CD onde se destacam as canes ndia, Ele Corno mas meu Amigo e

    Padroeiro do Cear.

    Em 1999 ingressa na rede Record de televiso no elenco fixo do programa

    humorstico A Escolinha do Barulho, abandonando temporariamente a atividade musical.

    1 O posto de mais votado pertence ao saudoso deputado paulista Enas Carneiro (PRONA) que obteve a marca histrica

    de 1.573.642 votos no pleito de 2002.

    2 Termo do cearnses usado para afirmar que uma pessoa mal humorada, ignorante ou rspida.

  • Posteriormente transferiu-se para o canal de TV SBT, para compor o elenco do programa

    A Praa Nossa. Atualmente compe o quadro de humoristas do programa Show do

    Tom, na rede Record, apresentado pelo tambm humorista cearense Tom Cavalcante3.

    Em 2010, Tiririca adentra o cenrio poltico lanando sua candidatura ao cargo de

    deputado federal pelo Partido da Republica (PR) no estado de So Paulo. Com pouco, ou

    nada, de um tom formal esperado de qualquer candidatura, o personagem Tiririca, e no

    o cidado Everardo Silva, foi s ruas e ao horrio eleitoral gratuito em busca de votos. O

    sucesso instantneo da candidatura e os polmicos elementos simblicos que ela

    evidenciou na cena poltica brasileira fizeram de Tiririca a figura mais visibilizada do pleito,

    pelo menos entre os concorrentes parlamentares.

    Entre os analistas polticos registram-se vrias interpretaes conceituais sobre a

    candidatura, a campanha e o resultado eleitoral de Tiririca. A mais recorrente define esse

    acontecimento eleitoral como uma candidatura extica nutrida por uma massa de votos de

    protesto, igualando assim Tiririca a um tipo de candidatura cada vez mais recorrente nas

    eleies brasileiras e que alimentam no imaginrio poltico a insatisfao e desconfiana

    no processo eleitoral e na classe poltica.

    Um dos mais clebres e antigos casos de candidatura extica foi a do Cacareco,

    rinoceronte do zoolgico de So Paulo que em 1958 sagrou-se o vereador mais votado da

    cidade com mais de 100 mil votos, tornando-se um smbolo de voto nulo, da a popular

    denominao do voto cacareco para definir-se comumente o voto de protesto.

    Outro caso de grande repercusso foi a candidatura do Macaco Tio, um

    chimpanz do zoolgico do Rio de Janeiro, que em 1988 foi lanado pelos humoristas do

    Casseta & Planeta que poca editavam uma revista (casseta popular) e um tablide (o

    planeta dirio). Tio obteve mais de 400 mil votos ficando em terceiro lugar entre os doze

    candidatos a prefeitura.

    Antes, porm, tem-se registro do pioneirismo cearense em candidaturas exticas

    nas vrias vitrias que o imortalizado Bode Ioi colecionou nas dcadas de 20 e 30 do

    3 Informaes biogrficas extradas do site do candidato e do site Wikipdia.

  • sculo passado em Fortaleza. Mais recentemente, em 2004, elegeu-se em Fortaleza sob

    o slogan Vote com Prazer a striper Debora Soft, que atingiu a marca de 11.590 votos para

    a cmara municipal. Outro caso notvel de candidatura extica contempornea bem

    sucedida foi a do estilista Clodovil Hernandes com a expressiva votao de 493.951 votos

    para o cargo de deputado federal por So Paulo em 2006.

    Nas eleies parlamentares de 2010 vrios foram os artistas de TV e desportistas

    que concorrem a uma vaga parlamentar, o costureiro Ronaldo Esper, o cantor Agnaldo

    Timteo, a "Mulher Pera", Raul Gil filho, o esposo de Mara Maravilha, O boxeador

    Maguila, os jogadores Marcelinho Carioca, Romrio, Bebeto dentre outros, a herdeira de

    Enas a Luciana Costa e o Kiko do KLB so apenas uma mostra das celebridades.

    Compreendo que esses tipos de candidaturas ditas exticas se utilizam de

    recursos discursivos como a ironia, a stira e o humor, so substanciadas fortemente por

    elementos de negao do prprio processo eleitoral a que esto submetidas e incorporam

    uma esttica do grotesco4, ou seja, se apresentam como anormais e desarmnicas.

    Negam o prprio sistema em que buscam seu xito.

    Este artigo se prope a analisar as manifestaes expressas, contra ou a favor, a

    candidatura do palhao Tiririca no processo eleitoral de 2010. Me deterei especificamente

    as manifestaes mais expressivas oriundas do campo poltico e miditico, pronunciadas

    nos principais veculos de comunicao do pas. Tentando compreender as inmeras

    polmicas e elementos simblicos evocados por esta candidatura, e a partir disso

    construir e/ou reconstruir reflexes sobre as representaes sociais da democracia

    brasileira.

    PROBLEMATIZAES INICIAIS

    4 SODR (1996).

  • Por que Tiririca, que disputava uma vaga de deputado federal por So Paulo,

    liderou nos dois ltimos meses de campanha o ranking do buscador nacional do site de

    busca Google? Ultrapassando os candidatos presidenciveis Dilma Rousseff (PT), Jos

    Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) at mesmo quando somadas as pontuaes destes trs

    candidatos5.

    Por que Tiririca esteve constantemente entre os assuntos mais comentados

    mundialmente na rede social Twitter, no chamado Trending Topics Worldwide? Inclusive

    com a expresso Tiririca Morreu dando a falsa notcia de sua morte na vspera da

    eleio6.

    Por que existem mais de 300 comunidades na rede social Orkut dedicadas

    exclusivamente a sua candidatura? Somando, quando juntas, milhes de participantes7.

    Por que os vdeos eleitorais de Tiririca esto entre os mais vistos no site de

    compartilhamento de vdeos Youtube? Ultrapassando, apenas um deles, a marca de 5,5

    milhes de acessos8.

    Essa audincia sugere que Tiririca o acontecimento eleitoral de 2010, foi e

    assunto dirio na mdia escrita e televisiva, matrias que o abordam mantm mdias

    vultuosas de comentrios de leitores nas verses virtuais de importantes jornais como o

    Globo e Folha de So Paulo. Recentemente freqentou as capas das principais revistas

    de circulao nacional9 e, para surpresa geral da nao, foi noticiado pelo site da TV

    inglesa BBC10 e pelo jornal francs Le Monde11.

    5 Registro feito pela Google Insights e veiculado no Blog de Poltica do Jornal O Povo em 17/092010 s 17:22. Link: http://blog.opovo.com.br/politica/tiririca-vira-febre-na-internet-e-ultrapassa-dilma-serra-e-marina-no-google/ ltimo

    acesso em 06/10/2010 s 09:30. 6 Matria veiculada no site Terra no dia 02/10/2010 s 20:40. Link:

    http://eleicoesnarede.blog.terra.com.br/2010/10/02/expressao-tiririca-morreu-e-comentada-em-todo-mundo/ ltimo

    Acesso em 06/10/2010 s 7:30. 7 Para consultar acessar site: www.orkut.com.br 8 Link para acesso ao vdeo mencionado: http://www.youtube.com/watch?v=HK4p35wYgXI Ultimo acesso em:

    06/10/2010 s 10:00. 9 Link de acesso matria da Revista poca sobre Tiririca:

    http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI174615-15223,00.html ltimo Acesso em 05/10/2010 s 22:00. 10 Notcia veiculada no Blog Corea no dia 20/09/2010. Link: http://blogdecoreau.blogspot.com/2010/09/tiririca-na-bbc-news.html ltimo Acesso em 05/10/2010 s 19h

  • Acredito que toda essa audincia em torno do candidato-personagem se mobilizou

    em decorrncia de dois fatores centrais: primeiro um discurso polmico carregado de

    analogias e metforas que terminaram por abordar uma sequncia de desafios

    democrticas nacionais como: a falta de conhecimento do eleitor sobre as funes dos

    polticos. Em segundo lugar, por seu elevado carisma pessoal. (WEBER;1995)

    Entretanto, a base originria que sustentou a surpreendente popularizao do

    candidato foi sua condio de personagem, mas especificamente a sua condio de

    Palhao, que se resignificou quando de sua adeso ao campo poltico. Logo por que o

    imaginrio popular que recai sobre este tipo de artista circense de tipo malandro,

    esperto, sem carter, irnico, que existi para metaforizar o nosso cotidiano, tanto que o

    termo palhao quando usado fora do universo do circo comumente um termo

    pejorativo.

    Portanto, a gnese da popularidade de Tiririca o ineditismo da possibilidade de

    tornar a figura do Palhao em ator, tambm, na arena poltica. Fato este que mobilizou

    milhares de eleitores, em grande parte movidos por sentimentos de critica a classe

    poltica e outra parte levada por um caldo de outras significaes.

    Soma-se no cenrio que recebe o Palhao na arena poltica uma conjuntura onde o

    congresso nacional est desgastado tica e moralmente devido a uma seqncia de

    crises polticas que se enfileiram no noticirio poltico e que alimentam no eleitor,

    sobretudo, no jovem eleitor, uma preocupante descrena na poltica.

    Penso eu que a formula do enorme sucesso da candidatura se deve a combinao

    entre esses fatores: a conjuntura poltica do congresso nacional, a condio de

    personagem, o discurso polmico e ao carisma pessoal. Sem essa combinao,

    provavelmente a candidatura de Tiririca no lograria tanto xito.

    Considero fundamental, tambm, tratar do discurso poltico que Tiririca levou ao ar

    no horrio gratuito da propaganda eleitoral (HGPE). Primeiramente importante

    11 Notcia veiculada pela Folha de So Paulo em 20/09/2010 s 16:19. Link:

    http://www1.folha.uol.com.br/poder/806623-tiririca-se-revela-um-dos-formidaveis-concorrentes-da-eleicao-diz-le-monde.shtml ltimo Acesso em 06/10/2010 s 9:51

  • considerar que a linguagem humorstica utilizada por Tiririca, alm de resguardar sua

    identidade de palhao, permitiu dialogar de forma acessvel com todos os segmentos

    sociais, logo por que, o humor, como gnero discursivo, privilegia quase que

    exclusivamente o dilogo e a construo elaborativa a partir de elementos que sejam

    centrais e de domnio publico na sociedade.

    Por exemplo, no se espera de um humorista uma piada sobre frmulas

    matemticas nem sobre uma espcie de formiga em extino na Amaznia. Porm, sobre

    loiras, times de futebol e sexualidade sabemos que ser recorrente. Tiririca subverteu a

    tradio discursiva das campanhas polticas ao usar unicamente o humor como estratgia

    de adeso eleitoral, o que lhe diferenciou dos demais concorrentes e mobilizou em torno

    do seu intento uma enorme massa de simpatizantes.

    As relaes entre humor e poltica so tambm fundamentais de serem exploradas.

    Os tipos de humor, seus veculos, sua histria, seus agentes. Compreendendo Tiririca

    como uma nova forma de presena do humor na poltica: o humor feito de dentro da

    poltica, o humor diretamente como forma de fazer poltica, percebendo o no fazer rir dos

    polticos, como era o tradicional, mas o rir de si mesmo como resultado de eleio.

    Entender o humor na poltica englobando o chiste, o absurdo, a brincadeira, a piada, o

    que acolhe novos sentidos que balanam os fundamentos da perspectiva estabelecida

    para o determinado fenmeno.

    Desde a Antiguidade, o humor faz parte da democracia como instrumento de crtica

    aos governantes. No Brasil, o humor na poltica remonta aos tempos do Imprio, quando

    revistas e jornais traziam caricaturas e faziam chacotas sobre a vida na Corte. A prtica,

    porm, muito mais antiga. Na Grcia, bero da democracia ocidental, a comdia surgiu

    no teatro grego em 488 a.C. As poucas comdias de Aristfanes que foram preservadas

    revelam ironias contra os polticos da poca. Pelo menos um deles, Clen, teria recorrido

    Justia para tentar silenciar o dramaturgo grego.

    Uma das primeiras problematizaes que levanto, recai sobre o ineditismo de um

    candidato-personagem declarado entre os parlamentares federais eleitos, penso que

    existe uma notvel diferena scio-relacional entre a caricatura eleita (Tiririca) e o cidado

  • Francisco Everardo, e mais, penso tambm que o personagem Tiririca tambm se

    distingue de outras candidaturas tidas como exticas como as dos profissionais, de

    indivisvel personalidade, Clodovil Hernandes, Debora Soft, Frank Aguiar e etc.

    Frank Aguiar, por exemplo, preservar sem maiores contratempos uma mesma

    imagem/ethos12 esteja ele no palco, em casa ou na cmara dos deputados e assim

    tambm, ele ser reconhecido socialmente. Acredito que no caso do personagem a

    peruca loira e as roupas coloridas criam um imaginrio social distinto, e que distingue,

    Francisco do Palhao. "A divulgao toda em cima do personagem (...) Mas para

    assumir, Francisco Everaldo quem vai assumir", disse Tiririca em entrevista.

    Nesse sentido, cabe perguntar ainda: em que medida a representao poltica

    poder ser fiel a vontade do eleitor, tendo em vista que o mesmo elegeu o personagem?

    E mais: at onde Tiririca nos revela essa crise existencial entre criador (vontade do povo)

    e criatura (poltico eleito) na democracia brasileira e a relao desse processo com a

    construo manipuladora de imagens eleitorais.

    Tambm considero necessrio discutir, neste ensejo, a construo sociolgica da

    imagem do palhao enquanto sujeito social e o encaixe deste no campo poltico. Esta

    discusso nos remete ao terico Guy Debord, especialmente em seus escritos acerca da

    sociedade do espetculo nos quais evidencia a sobreposio das imagens realidade.

    Outra questo a ser debatida o conceitual que busca definir o chamado voto de

    protesto, buscando elucidar, sobretudo, as suas motivaes e que relao tem esse

    comportamento eleitoral com a dimenso da poltica formal por parte dos eleitores. E

    ainda: se a candidatura do Tiririca, de fato, pode ser totalizada unicamente como um

    agente eleitoral canalizador desse tipo de comportamento.

    12

    o ethos uma noo discursiva, ele se constri atravs do discurso, no uma imagem do locutor exterior a sua fala; o ethos fundamentalmente um processo interativo de influncia sobre o outro; uma noo fundamentalmente

    hbrida (scio-discursiva), um comportamento socialmente avaliado, que no pode ser apreendido fora de uma situao

    de comunicao precisa, integrada ela mesma numa determinada conjuntura scio-histrica. (MAINGUENEAU; 2008).

  • Da mesma forma, imprescindvel refletir tambm sobre os marcos conceituais

    das candidaturas exticas e da sua possvel vinculao automatizada com os votos de

    protesto. Pensemos: no poderia Tiririca ter cativado entre os eleitores outros tipos de

    apelo eleitoral? Como por exemplo, uma assemelhao identitria entre os imigrantes

    nordestinos radicados em So Paulo, ou ento, atingido um certo grau de legitimidade

    para se propor enquanto defensor dos direitos das crianas ou dos pobres?

    Visto que razovel afirmar que existe uma partilha de valores e identificaes

    entre os representantes e representados13, e que no momento da escolha do voto existiu,

    sim, um processo de escolha racional e de expresso de valores em cada um dos mais

    de 1,3 milhes de votos recebidos por Tiririca, e ainda, que o candidato deve ter projetado

    isso quando da construo de sua ttica e discurso eleitoral.

    Outro ponto a ser discutido recai sobre as relaes desses tipos de candidaturas,

    tidas como exticas, com o universo partidrio e institucional, destacando os processos

    de construo das tticas eleitorais partidrias e de plataformas polticas das

    candidaturas, ou a falta delas, e a relao destas com o programa do partido e o limite

    tico da busca pelo voto. Pensando, sobretudo, na interferncia desse processo na

    qualidade da democracia.

    Por que o PR (Partido da Republica) convidou Tiririca para ser candidato? Questo

    ideolgica? No sei... mas o fato que Tiririca render R$ 2,7 milhes anualmente para

    seu partido, no rateio do Fundo Partidrio14. Esse "Extra" equivale a mais de cinco vezes

    o valor aplicado pelo partido na campanha do candidato. Devido a performance do partido

    essa ano, chamado por seus prprios lderes de "Partido de Resultados", o PR elevar de

    4,5% para 7,5% a sua cota no fundo de R$ 201 milhes, injetando em sua receita pelo

    menos pelo menos R$ 14 milhes.

    Tiririca com seus 6,4% dos votos em So Paulo, o principal responsvel por esse

    avano, mas no o nico. Em outros quatro Estados brasileiros o deputado federal mais

    13 BARREIRA (2002)

    14 O Fundo Partidrio formado por recursos pblicos e dividido de acordo com a votao de cada legenda.

  • votado tambm do PR. Trs deles tiveram at mais votos que Tiririca,

    proporcionalmente, um exemplo o ex-governador Anthony Garotinho que obteve 8,7%

    dos votos no estado do Rio de Janeiro15.

    No desenvolvimento desse debate podemos nos guiar na produo terica de

    Hannah Arendt quando trata do sentido da poltica e no imprio da razo instrumental.

    Desse modo, num contexto de recuo da participao e de profissionalizao, a poltica

    passa a ser feita numa perspectiva vazia de sentido, e os que se motivam a participar

    dela o fazem orientados meramente por interesses.

    Segundo Arendt, na modernidade a esfera pblica, espao por excelncia da

    poltica, passa por profundas transformaes, evidenciadas pelo recuo de seu carter

    plural e comum, assim como pela consolidao de uma razo instrumental como

    elemento orientador das prticas polticas. Pensando nisso, acredito que aqui cabe a

    seguinte pergunta: em que medida esses tipos de candidatura se relacionam com esse

    utilitarismo moderno denunciado por Arendt?

    nesse contexto de descaracterizao da poltica que emerge o imprio da razo

    instrumental, ou seja, segundo o instrumentalismo a poltica deixa de ter um fim em si

    mesmo, e passa a ser um meio de realizao de fins extrapolticos. Os interesses que tm

    orientado a prtica poltica nos tempos atuais, tempos de razo instrumental, so,

    sobretudo, os econmicos.

    diante desse contexto que as reflexes de Arendt sobre as interfaces entre

    utilitarismo e poltica fazem um absoluto sentido, reflexes que se resumem na seguinte e

    simplria indagao: podem os homens agir politicamente ao mesmo tempo em que

    almejam bens particulares?

    Essa uma indagao imprescindvel a ser feita diante da poltica atual. Afinal, no

    cenrio poltico contemporneo, a poltica virou produto, e os processos eleitorais, que

    deveriam ser momentos de debate e reflexo sobre que caminhos polticos seguir, no

    15 As informaes so do jornal O Estado de S. Paulo.

  • passam de uma grande e convidativa feira; a polis virou uma feira, onde cada agente

    traz o que tem (voto, emprego, e etc) no intuito de trocar pelo que se quer.

    Tiririca foi insistentemente acusado de no possuir a qualificao necessria para a

    investidura no cargo, inicialmente por seu discurso pouco elevado16, o que o fez ser

    representado judicialmente por dois concorrentes17 do PSDB, e na reta final de campanha

    por sua possvel condio de analfabeto18. Esse debate em torno da (des)qualificao nos

    remete inevitavelmente s reflexes de Pierre Bourdieu sobre os campos sociais, os

    habitus e os capitais19, nessa matriz interpretativa que podemos nos apoiar a fim de

    discutir mais detidamente sobre o jogo poltico democrtico.

    PROBLEMATIZAES SOBRE A CAMPANHA

    Utilizamos neste artigo o conceito de Entman (1993, IN SOUZA 2000) para

    enquadramentos da notcia, que consiste na seleo de aspectos da realidade tornando-

    os mais salientes que outros e, assim, definindo atributos que conferem sentido s

    disputas estabelecendo muitas vezes interpretao causal e avaliaes morais aos temas

    em destaque.

    Estes elementos que constituem a produo, seleo e definio dos contedos

    transmitidos pela mdia definem uma compreenso da realidade estabelecendo uma

    16 Referncia manifestao do candidato a governador do Estado de So Paulo pelo PT, Alusio Mercadante sobre a propaganda eleitoral de Tiririca na televiso.

    17 Candidato a Deputado Federal Jeremias Machado e Eliseu Gabriel

    18 Referncia matria veiculada na Revista poca de 27/09/2010 que denunciava o analfabetismo de Tiririca.

    19 O campo apresentado por Bourdieu como um palco onde se desenrolam as inmeras relaes que constituem a

    estrutura social, que possui uma lgica prpria e onde os sujeitos possuem um lugar definido, e, por conseguinte

    modos especficos de agir (habitus). Nesse sentido, o habitus configura a interiorizao das estruturas objetivas nas quais os indivduos esto inseridos. A noo de capital, por sua vez, est diretamente relacionada aos conceitos de

    habitus e campo, visto que na teoria bourdiana o capital compreende o conjunto de posses incorporadas aos

    indivduos.

  • representao social desta realidade. A maneira como se compe o noticirio envolvendo

    o agente poltico define uma imagem pblica deste ator e pode inibir ou reforar

    determinadas composies polticas, alm de construir ou desconstruir o capital simblico

    necessrio para o exerccio do poder, ou seja, com reconhecimento simblico baseado na

    crena e na legitimidade das palavras (BOURDIEU, 2007).

    A exposio miditica torna-se elemento essencial na construo ou desconstruo

    de carreiras j institudas ou mesmo de definio e constituio de novas candidaturas

    muito antes do perodo eleitoral. A maior ou menor ateno dos meios de comunicao a

    um determinado tema influencia o impacto desse tema na agenda pblica.

    A campanha de Tiririca colecionou polmicas e fatos inusitados, todos eles

    exaustivamente acompanhados pela grande imprensa brasileira, onde no raras vezes

    encontramos matrias preconceituosas, parciais ou sensacionalistas. O tipo de cobertura,

    por vrios fatores, no obdeceu a uma linha padro do jornalismo poltico. Notadamente,

    encontramos matrias que fazem verdadeira apologia a candidatura at reportagens que

    de to preconceituosas acabaram por vitimizar o candidato.

    Um dos mais inusitados fatos da campanha de Tiririca ocorreu quando o candidato

    ao governo de So Paulo, Aloizio Mercadante (PT) que concorria representando a aliana

    de partidos no qual estava o PR, solicitou ao partido de Tiririca que mudasse o seu

    discurso exibido no horrio eleitoral da TV ou o nome de Mercadante iria parar de

    aparecer ao fundo.

    "No uma questo de julgar o candidato. Quem julga o candidato o povo, mas

    preciso que o discurso seja um discurso republicano, democrtico, elevado", afirmou

    Mercadante. Interessante notar algumas questes nesta posio do candidato

    Mercadante: Primeiro, mais do que ser preciso parecer ser como afirmou Maquiavel,

    mesmo no sendo um representante poltico clssico, basta a Tiririca parecer ser

    (mudando o discurso) para que seus aliados (supostamente comprometidos com a

    poltica sria) o aceitem como um deles.

  • Ou seja, mudando o discurso pode ficar. E o que foi dito? O que fazemos com o

    que foi dito? impressionante notar um candidato majoritrio, sobretudo, representante

    de uma aliana, pedindo para um aliado (de outro partido) para que mude seu discurso

    sob pena de ser retaliado, isso democrtico? Mais impressionante que a mera

    mudana do discurso j satisfaz Mercadante, no se exige que Tiririca seja honesto, mas

    apenas que parea honesto. Patrulhar o Tiririca, definitivamente, no um gesto

    democrtico.

    Facil entender o elevado, o discurso elevado acontece quando os polticos

    profissionais aparecem na televiso tratando seriamente dos temas polticos, como

    tpico dos especialistas, entretanto no tratam com tanta seriedade e respeito ao eleitor e

    democracia em sua atuao parlamentar, sobretudo, os que quando se envolvem em

    escndalos de corrupo tendo em vistas sua reproduo no poder. Nesse episodio entre

    Tiririca e Mercadante percebemos vrias nuances do mundo politico profissional.

    Outro episodio de grande relevncia foram as palavras do ento ministro da cultura

    Juca Ferreira: Tiririca faz 'deboche com a democracia', disse o ministro ao ser

    questionado por jornalistas sobre o slogan do candidato. O ministro disse que, se tivesse

    a oportunidade de falar com o candidato, pediria a ele que alterasse seu slogan para:

    "No tem graa".

    A crtica de Juca Ferreira apresenta bem a distino entre os capitais, os habitus,

    ou seja, elogia Tiririca como artista (palhao), porm critica sua atuao como poltico,

    uma crtica transposio do habitus de um campo (artstico-humorstico) para outro (o

    poltico). Esse debate encontra campo frtil na obra de Bourdieu quando trata da

    especializao nos campos, onde cada campo dispe de especialistas com discursos e

    prticas que o caracterizariam.

    A fala do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em exerccio a poca,

    ministro Ricardo Lewandowski, tambm espelha isso. Ele afirmou em entrevista que a

    eleio de Tiririca "consequncia da maturidade do eleitorado brasileiro", acrescentando

    ainda que os puxadores de votos no tm o perfil desejado para os cargos eletivos.

    "Se ns votssemos em puxadores de votos com qualidade, seria um fenmeno aceitvel.

  • Mas, de modo geral, muitas vezes o eleitorado concentra seus votos em candidatos que

    no so condizentes com o perfil desejado", lamentou o ministro, apontando tambm

    para uma critica da qualificao desejada, tanto do candidato, quanto do eleitorado.

    Vrios outros candidatos concorrentes tambm quiseram pegar uma carona na

    popularidade de Tiririca ou simplesmente confront-lo, exemplos disso so os tambm

    candidatos por So Paulo como o ex-fugilista Maguila (PTN) que apareceu no horrio

    eleitoral dando um soco num saco de boxe que tinha a foto de Tiririca. J Mrcio Frana

    (PSB) investiu no discurso de que poltica coisa sria, Paulo Skaf (candidato ao governo

    - PSB) mostrou imagem de si prprio como palhao. Alm deles, Said Mourad (PSC) usou

    um candidato falso Larica 0000, vestido como Tiririca, para logo advertir que voto no

    piada. Tiririca tambm rompeu fronteiras regionais e alado a condio de cabo eleitoral

    de correligionrios em pelo menos sete estados.

    Durante a campanha Tiririca tambm sofreu duas representaes jurdicas contra

    sua candidatura, entretanto, o Ministrio Pblico Eleitoral de So Paulo arquivou as duas

    representaes. Uma foi encaminhada pelo candidato a deputado estadual pelo PSDB

    Eliseu Gabriel da Silva Jnior. Na deciso o procurador escreveu: "O candidato expressa-

    se sua maneira uns gostam, certamente, outros no, no configurando desrespeito de

    modo algum, mas perfeita compatibilidade com a direito liberdade de expresso

    assegurado na Constituio que, nessa seara, s encontra limite na lei eleitoral".

    E prossegue: " um modo de expressar jocoso, crtico, popular, mas e da? Quem

    disse que as campanhas eleitorais visam a atingir o erudito, os mais estudados? O Brasil

    uma democracia, no uma oligarquia. At os analfabetos votam, e os que apenas

    sabem ler e escrever podem ser votados. De fato, no tendo o candidato agido de forma

    ofensiva, desrespeitosa, enfim, sequer inadequada do ponto de vista legal, no h porque

    ser repreendido".

    Medeiros finaliza dizendo que "(...) uma ingerncia indevida pela Justia Eleitoral

    (atravs de seu poder de polcia ou pela via afitiva) poderia mesmo afrontar os direitos

    polticos do candidato, constitucionalmente garantidos. Resta claro que no h o que se

    representar Justia Eleitoral. No h infrao lei!".

  • A outra representao foi anterior ao incio do horrio eleitoral gratuito. Movida por

    Jeremias Machado, baseou-se em vdeos de Tiririca no YouTube antecipando o que seria

    a sua propaganda na TV. Foi arquivada por deciso do mesmo procurador Srgio

    Medeiros.

    Os grandes problemas jurdicos que Tiririca enfrentou tiveram o promotor eleitoral

    Maurcio Antonio Ribeiro Lopes como protagonista. Ele pediu a quebra dos sigilos fiscal e

    bancrio de Tiririca, assim como cpias de processos contra ele que tramitam em segredo

    de Justia no Cear. Alm da cassao do registro da candidatura e posteriormente a no

    diplomao, recorreu a instancia superior sempre que perdia os embates jurdicos na

    instancia estadual.

    O humorista foi denunciado pelo Ministrio Pblico Eleitoral por falsidade

    ideolgica. O MPE tambm denunciou o candidato por analfabetismo. Mas o juiz eleitoral

    Alosio Srgio Rezende Silveira rejeitou o pedido, argumentando que a legislao

    eleitoral, desde a Constituio Federal at os atos infralegais, no exige que os

    candidatos possuam mediano ou elevado grau de instruo, mas apenas que tenham

    noes rudimentares da linguagem ptria.

    O promotor tambm virou alvo de representao no Conselho Nacional do

    Ministrio Pblico (CNMP). Ele questionado por ser autor de manifestaes pblicas

    inadequadas, exageradas e preconceituosas contra o humorista. A representao tem

    como base entrevistas concedidas pelo promotor, nas quais ele classifica o caso como

    questo de honra e chama a eleio do humorista de estelionato eleitoral.

    PROBLEMATIZAES SOBRE O DISCURSO

    Tiririca abordou em sua atuao enquanto candidato, sobretudo na TV, algumas

    das principais deficincias e desafios da poltica nacional. Voc sabe o que faz um

    deputado federal? Na realidade, eu tambm no sei... Mas vote em mim que eu te conto,

  • disse Tiririca polemizando sobre o nvel de esclarecimento dos eleitores acerca das

    funes parlamentares.

    h candidato lindo!, disse Tiririca sobre a relevncia da esttica na construo

    das imagens dos produtos eleitorais. Se voc no votar em mim... Eu vou morreeeeer!,

    disse Tiririca tocando na preciosidade da sobrevivncia eleitoral para os polticos.

    Oi gente, eu resolvi apelar, hoje vou mostrar minha famlia, porque famlia na

    televiso d voto... disse Tiririca expondo na TV um casal de atores que encenaram o

    papel de seus pais, num momento da eleio onde as candidaturas presidenciais e a

    governador de So Paulo utilizavam-se de parentes dos candidatos para reforar

    positivamente suas imagens ou a fim de criar crises contras adversrios. Num momento

    em que estouraram casos como a quebra de sigilo da filha de Jos Serra (PSDB) e as

    denncias de favorecimento ilcito ao filho da ex-ministra da Casa Civil, Erenice Guerra.

    Eu no sei contar, mas eu conto com voc disse Tiririca ironizando sobre a

    acusao de que era analfabeto. Vote em Tiririca, pior do que t no fica!, disse Tiririca

    em tom de promessa sobre sua atuao e demarcando uma critica a situao poltica

    atual.

    Chegando l, eu vou dar nomes aos bois, sobrenome as vacas e apelidos aos

    bezerros, disse Tiririca satirizando o anonimato recorrente da corrupo. Gente, eu

    constru muitas escolas... Eu era ajudante de pedreiro. Ironizou Tiririca sobre a tradicional

    estratgia dos servios prestados utilizada pelos candidatos, inclusive, os legislativos.

    eu quero ajudar os mais necessitados, inclusive a minha famlia... disse Tiririca

    ironizando sobre as formas de discursos que se remetem aos pobres. Noutra pea Tiririca

    at comea a fazer um discurso, mas em seguida se enrola com as palavras e no diz

    coisa com coisa, verbaliza sons aleatrios, como se construsse uma fala montada,

    plstica, na tentativa de deixar claro que est enganando o interlocutor.

  • O discurso de Tiririca tambm subverte ao mobilizar regularmente uma categoria

    pejorativa, o Abestado20, em sua fala, para se referir tanto a si quanto aos eleitores, seu

    publico. Ainda assim conseguiu obter um resultado positivo, mesmo estando num cenrio

    em que seus concorrentes se esforaram no sentido inverso. interessante pensar essa

    questo, sobretudo, porque no universo poltico h uma mstica em torno do eleitorado,

    onde qualquer ofensa a esse publico pode oferecer risco ao candidato e a sua carreira.

    Essa breve observao das frases de Tiririca em sua propaganda eleitoral sugere

    tambm o aprofundamento de uma tendncia discursiva, na medida em que a

    preocupao central a de simplificar a fala para tornar mais fcil o entendimento dos

    problemas mais gerais da poltica brasileira. Esta tendncia vem sendo ainda pouco

    explorada, sendo, portanto, necessria uma anlise mais aprofundada desses discursos

    polticos, sobretudo, se os compreendermos como estratgias bastante efetivas de

    persuaso, como apontado nas obras de Charaudeuau e Maingneau.

    Diante disso, retomo as contribuies de Charaudeau (2006) quando afirma que a

    poltica na sociedade contempornea no se faz sem a linguagem, pois pela circulao

    da palavra no espao pblico que a poltica se realiza. A ao e o discurso poltico esto

    intrinsecamente ligados, constatao que justifica o estudo da poltica pelo discurso.

    A construo democrtica do espao pblico contemporneo pe a disputa pelo

    poder na situao de disputa entre discursos. Neste sentido, compreendo que a

    Sociologia e a cincia poltica devem, sim, estudar detidamente esse acontecimento

    eleitoral em suas ricas particularidades buscando desviar-se das tentaes comparativas

    a priori e do limitante enquadramento terico deste objeto.

    Os Discursos no refletem ou representam s entidades e relaes sociais, eles

    constroem-nas ou constituem-nas. Devido ao seu carter construtivo da realidade

    social, o Discurso tem um efeito decisivo no modo como se configura o mundo

    social. As prticas discursivas so afinal prticas sociais, produzidas atravs de

    relaes de poder concretas, numa poca determinada; estas relaes, por seu

    20 Termo utilizado no Cear para designar pessoas lentas, enganveis, deslocadas, lesadas.

  • lado, apontam para certos efeitos que regulam e controlam a ordem social

    (FAIRCLOUGH, 2001, p. 22)

    Esse argumento encontra-se desenvolvido na sociologia lingustica de Pierre

    Bourdieu, a qual tem por interesse fornecer aportes tericos para a compreenso de

    como as prticas sociais constituem e so constitudas pela materialidade lingustica.

    Nesse sentido, o socilogo francs compartilha da compreenso de que a linguagem/o

    discurso so prticas sociais, ou seja, atravs do discurso/linguagem os sujeitos agem

    sobre o mundo e sobre os outros.

    Ao construir o mundo, atravs da significao, o discurso/linguagem tambm

    constri identidades sociais e estabelece relaes que contribuem para a formao de

    representaes sociais. A prtica discursiva, ento, alm de reproduzir a sociedade,

    tambm a transforma. A linguagem/discurso para Bourdieu formadora de esquemas de

    percepo e de pensamento sobre o mundo social.

    Em sua obra A Economia das Trocas Linguisticas - O que Falar quer Dizer,

    Bourdieu de incio j estabelece uma contraposio teoria lingustica de Chomsky, a

    qual coloca a apreenso da linguagem como um fenmeno lgico-gramatical constitutivo

    da espcie humana, que pode ser isolado de suas condies sociais de produo,

    recepo e circulao. Para Bourdieu, h a impossibilidade de aceitao dessa

    perspectiva terica, pois a compreenso da linguagem envolve necessariamente o seu

    uso social, pois se trata de uma prxis.o que tambm exemplificado por Pcheux,

    um discurso sempre pronunciado a partir de condies de produo dadas: por

    exemplo, o deputado pertence a um partido poltico que participa do governo ou a

    um partido da oposio; porta-voz de tal ou tal grupo que representa tal ou tal

    interesse [...]. Isto supe que impossvel analisar um discurso como um texto,

    isto , como uma seqncia lingstica fechada sobre si mesma, mas que

    necessrio refer-lo ao conjunto de discursos possveis a partir de um estado

    definido das condies de produo [...] (1990. p.77)

    Ao afirmar que construo das imagens se constitui uma significativa estratgia do

    discurso poltico nas campanhas eleitorais no mundo contemporneo, Charaudeau

  • ressalta que essa imagem tem de se constituir legtima para o universo de sujeitos que

    iro delegar ao poltico o poder de encaminhar as questes polticas.

    A legitimidade, por sua vez, est diretamente relacionada com a identidade social do

    sujeito poltico. Desse modo, ela diz respeito a um valor ou conjunto de valores que

    devem ser reconhecidos pelos membros do grupo social. Sendo a legitimidade um

    reconhecimento, ela constitui-se caracteristicamente como um direito. Entretanto, para

    que a legitimidade seja efetiva o sujeito poltico deve tambm ser portador de

    credibilidade, mostrando-se assim capaz de persuadir e conseguir uma grande adeso.

    Com isso o que se quer deixar evidente que a construo de imagens no campo

    poltico s tem sentido se ao ser construda for levado em conta os imaginrios, e

    consequentemente os valores neles inclusos, que permeiam as cabeas dos homens e

    mulheres comuns. As imagens polticas construdas a partir desses valores so

    nominadas por ethos nas obras de Charaudeau e Maingueneau.

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