Quinta Turma - ww2.stj.jus.br · Advogado: Antonio Claudio Mariz de Oliveira e outro(s) Agravado:...
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Quinta Turma
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.094.894-SP
(2008/0194369-0)
Relator: Ministro Moura Ribeiro
Agravante: W C de C
Advogado: Antonio Claudio Mariz de Oliveira e outro(s)
Agravado: Ministério Público Federal
EMENTA
Agravo regimental no recurso especial. Penal. Crime contra a
fé pública. Corrupção ativa. Interceptações telefônicas. Inicialmente
como prova emprestada. Competência dos juízos. Provas coletadas em
conformidade com os ditames legais. Incidência da Súmula n. 83-STJ.
Pena fi xada de forma desproporcional e através de fundamentação
inidônea. Reconhecimento. Alteração da pena em conformidade com
o precedentes desta Corte. De ofício, reconhecida a ocorrência da
prescrição da pretensão punitiva. Precedentes.
1. Induvidosa a necessidade e validade da interceptação telefônica.
A sua fundamentação foi satisfatória, como visto e o que pretendem
os recorrentes é a extirpação de prova consistente quanto à formação
do juízo motivador do magistrado. Em verdade, não há nulidade
nas citadas interceptações ou ausência de fundamentação quanto à
autorização judicial. Incidência da Súmula n. 83, do STJ.
2. O acórdão a origem guarda fundamentação inidônea,
merecendo ser corrigido na via especial, porque não buscou apoio
em elementos concretos que permitissem a elevação da pena-base
em percentual superior ao dobro do mínimo legal, além de omitir
quais os fatos mereciam maior reprovabilidade, já que só descreveu
circunstâncias inerentes ao próprio tipo penal.
3. O Tribunal a quo imputou a majorante prevista no art. 61,
II, b, do Código Penal, sem apresentar a motivação necessária para
identifi car a circunstância agravante, muito menos descreveu a conexão
consequencial que respaldasse a elevação da pena em 1/3 (um terço),
fato este totalmente refutado por este órgão fracionário.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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4. Por fi m, quando do aumento da reprimenda na última fase
da dosimetria penal, o Colegiado entendeu por aplicar a fração de
1/3 sob o argumento da incidência da previsão do parágrafo único,
do art. 333, do CP. Contundo, novamente, não revelou quais os
dados se faziam presentes para a elevação da pena, a contrário sensu,
a descrição dos fatos revelaram que o funcionário público apenado
por corrupção passiva não tinha como retardar ou omitir ato de
ofício, tornando impossível, portanto, reconhecer a causa de elevação
da pena, subsistindo a forma simples de crime descrita no caput do
mencionado dispositivo.
5. Na esteira dos precedentes dos Tribunais Superiores, a pena
em desfavor do agravante deve ser redefi nida para 2 (dois) anos de
reclusão no regime inicial aberto e ao pagamento de 15 (quinze)
dias-multa na proporção de 1/3 do salário mínimo, admitindo-se a
substituição por restritivas de direito e uma delas terá a benesse da
suspensão.
6. Considerando a pena cominada (art. 119, CP), decorrido o
transcurso do prazo de 4 anos estabelecido pelo art. 109, V, do Código
Penal, contados a partir da publicação do acórdão condenatório, e
verifi cado o trânsito em julgado para a acusação, é de ser reconhecida
a extinção da punibilidade em razão da prescrição intercorrente da
pretensão punitiva (art. 107, IV, do CP).
7. A prescrição do jus puniendi, por se tratar de matéria de ordem
pública, deve ser declarada no momento em que ocorrer, em qualquer
fase, ainda que em sede recursal nos Tribunais Superiores.
8. Agravo regimental, em parte, provido. De ofício, declara-
se extinta a punibilidade do agravante, em razão da ocorrência da
prescrição intercorrente da pretensão punitiva estatal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, por unanimidade, em dar parcial provimento ao agravo regimental e,
de ofício, declarou extinta a punibilidade em razão da ocorrência da prescrição
intercorrente da pretensão punitiva estatal, nos termos do voto do Sr. Ministro
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 523
Relator. Os Srs. Ministros Regina Helena Costa, Laurita Vaz, Jorge Mussi e
Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 8 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Moura Ribeiro, Relator
DJe 14.10.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Moura Ribeiro: Trata-se de agravo regimental contra
decisão monocrática proferida pelo Exmo. Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu
(Desembargador convocado do TJ-RJ), que negou seguimento aos recursos
especiais interpostos, com a seguinte ementa:
Direito Penal e Processual Penal. Ausência de prequestionamento. Incidência
das Súmulas n. 282, 356-STF e 211-STJ. Dosimetria. Penas. Escuta telefônica.
Alegação de ilegalidades no procedimento. Não comprovação. Alegação de
atipicidade das condutas. Arguição de falta de provas robustas para ensejar a
condenação. Inocorrência. Violação do sigilo funcional. Necessidade de amplo
revolvimento do acervo fático-probatório. Incidência da Súmula n. 7-STJ.
1. Se o conteúdo normativo dos arts. 30, 59, 61, inciso II, alíena b, e 68, todos do
Código Penal e 381, inciso III, do Código de Processo Penal, ora tidos por violados,
não foram objeto de debate pelo Tribunal de origem, ressentem-se os recursos
especiais, neste particular, do indispensável prequestionamento, malgrado a
oposição de embargos declaratórios. Aplicação, à espécie, das Súmulas n. 282 e
356-STF e 211-STJ.
2. O acolhimento das alegações dos recorrentes quanto à ilicitude das escutas
telefônicas, à atipicidade das condutas imputadas, à inexistência de provas a
fundamentar o decreto condenatório e, especialmente, à pretendida ofensa
aos arts. 333, do Código Penal, 386, IV, do Código de Processo Penal e 7º da Lei
n. 8.906/1994, demandaria profundo reexame do contexto fático-probatório
carreado aos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor da Súmula
n. 7-STJ.
3. In casu, o Recurso Especial não se confunde com terceiro grau de jurisdição
e não pode servir como subterfúgio para postergar a efetiva e robusta
fundamentação tecida pelo Tribunal a quo.
4. Recursos especiais a que se negam seguimento.
Nas razões do regimental o agravante alega que a violação apontada
aos arts. 59, 61, 68 e 333, parágrafo único, todos do Código Penal, foram
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
524
devidamente debatidos na origem, tanto que em primeiro grau ele havia sido
absolvido, e o Tribunal a quo entendeu por reformar a sentença, lhe imputando a
conduta de corrupção ativa resultando em uma pena de 7 (sete) anos de reclusão
no regime inicial semiaberto e ao pagamento de 150 (cento e cinquenta) dias-
multa, além de ter interposto embargos de declaração na origem perfazendo a
hipótese prevista na Súmula n. 211, deste Sodalício.
Aduz também, que a análise por este Colegiado da violação dos arts. 1º
e 2º, ambos da Lei n. 9.296/1996, não redunda na incidência da Súmula n. 7,
desta Corte Superior, pois o pleito se refere à legalidade do atos praticados pelos
Juízos federais que autorizaram as interceptações telefônicas.
Requer a reconsideração da decisão atacada por esta Quinta Turma.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Moura Ribeiro (Relator): O pleito do agravante deve, em
parte, ser admitido.
Quanto a legalidade dos atos praticados pelos Juízos Federais que
determinaram as escutas telefônicas e suas renovações, que serviram como
suporte para o oferecimento da denúncia, tanto no que tange à materialidade do
delito como em relação aos indícios de autoria, a decisão atacada encontrou o
seguinte fundamento:
Sobre o tema em comento, induvidosa a necessidade e validade da interceptação
telefônica. A sua fundamentação foi satisfatória, como visto e o que pretendem os
recorrentes é a extirpação de prova consistente e induvidosa quanto à formação
do juízo motivador do magistrado. Em verdade, não há nulidade nas citadas
interceptações ou ausência de fundamentação quanto à autorização judicial. O
que há é o mero inconformismo que culminou na condenação dos ora recorrentes (fl .
4.286).
Verifico que o decisum está em conformidade com o entendimento
esposado em reiterados julgados desta Corte, como se vê:
Embargos de declaração. Omissão. Não configurada. Desnecessidade
de exame de todos os argumentos das partes. Fundamentação do acórdão
embargado sufi ciente. Questão apontada como omitida implicitamente afastada.
Interceptação telefônica produzida no processo-crime. Prova emprestada.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 525
Processo administrativo disciplinar. Cabimento. Utilização contra a mesma pessoa
para que foi colhida ou contra outros servidores, cujas condutas irregulares foram
noticiadas pela referida prova.
(...)
3. É de ser reconhecida a legalidade da utilização da interceptação telefônica
produzida na ação penal nos autos do processo administrativo disciplinar, ainda
que instaurado (a) para apuração de ilícitos administrativos diversos dos delitos
objeto do processo criminal; e (b) contra a mesma ou as mesmas pessoas em
relação às quais a prova foi colhida, ou contra outros servidores cujo suposto
ilícito tenha vindo à tona em face da interceptação telefônica.
4. Embargos de declaração rejeitados.
(EDcl no MS n. 13.099-DF, Relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado
em 25.4.2012, DJe 9.5.2012)
Destaco outros precedentes: HC n. 171.453-SP, Rel. Ministro Jorge
Mussi, Quinta Turma, julgado em 7.2.2013, DJe 19.2.2013; e, AgRg no REsp
n. 1.198.468-SC, Rel. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Sexta Turma,
julgado em 6.8.2013, DJe 14.8.2013.
Tendo em vista os precedentes supramencionados, é forçosa a aplicação,
por analogia, da Súmula n. 83, deste Tribunal, que veda o conhecimento de
recurso especial quando a orientação a quo se fi rmou no mesmo sentido da
decisão recorrida.
Por outro giro, a dosimetria da pena do agravante foi devidamente debatida
na origem, estando patente inequívoca ofensa aos critérios legais que a regem
quanto aos aspectos das circunstâncias e da culpabilidade.
Com o devido acatamento, não se trata aqui de reavaliar a justiça da
decisão mas sim, de ilegalidade decorrente da ausência de fundamentação
idônea e fl agrante erro de técnica. Por isso, merece reapreciação na via especial,
principalmente quanto à uniformização da interpretação dos dispositivos
infraconstitucionais elencados.
Em relação à aplicação do art. 59, do CP, verifi co que o Tribunal a quo ao
fi xar a pena-base em desfavor do agravante admitiu que a única circunstância
negativa era a culpabilidade, considerando todas as outras favoráveis, como se
extrai:
Quanto ao acusado (...), sua culpabilidade é intensa, pois buscou corromper o
co-réu (...) (e o agente da Polícia Federal (...), que na época atuava como agente
de segurança do então Juiz Federal da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal de São
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
526
Paulo), sendo réu nas Ações Penais n. 2003.61.81.001098-9 e 2003.61.81.001439-9
e indiciado no Inquérito Policial n. 2002.61.81.003540-4.
Por outro lado, em relação a seus antecedentes (1.674/1.676 e 2.030), sua
conduta social, sua personalidade, aos motivos do crime, às circunstâncias e ao
comportamento da vítima, nada há que autorize a fi xação da pena-base acima do
mínimo legal.
Assim, considerando que a culpabilidade no crime lhe é desfavorável, fi xo a
pena-base em 4 anos e 6 meses de reclusão (fl . 3.504).
É certo que o acórdão objurgado não apresentou elementos concretos
que justifi cassem a elevação de mais que o dobro do mínimo legal, além de
não ter elencado quais os fatos inusitados da conduta do réu, o faziam merecer
especial reprovabilidade. Pelo contrário descreveu, tão somente, as circunstâncias
inerentes ao próprio tipo penal (fl . 3.504).
Desta forma o decisum da origem se posicionou em dissonância com
a compreensão já pacifi cada desta Corte, de que ao individualizar a pena o
julgador deve examinar com acuidade os elementos que dizem respeito ao fato,
obedecidos e sopesados todos os critérios estabelecidos no art. 59, do Código
Penal, para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda que seja,
necessária e sufi ciente para reprovação do crime.
A propósito:
Habeas corpus. Penal. Crime do art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, do Código Penal.
Dosimetria da pena. Culpabilidade e conduta social.
Exasperação mediante fundamentação genérica. Constrangimento ilegal
evidenciado. Manutenção da pena-base acima do mínimo legal.
Aplicação do princípio da proporcionalidade. Habeas corpus concedido.
1. O julgador deve, ao individualizar a pena, examinar com acuidade
os elementos que dizem respeito ao fato, para aplicar, de forma justa e
fundamentada, a reprimenda que seja necessária e sufi ciente para reprovação do
crime.
2. A pena-base deve pautar-se pelos critérios elencados no art. 59 do
Código Penal, de sorte que não se afi gura legítima sua majoração sem a devida
fundamentação, sob pena de violação ao preceito contido no art. 93, inciso IX, da
Constituição Federal.
3. A fundamentação genérica e dissociada do caso concreto (v.g., altíssimo grau de
reprovação por sua conduta criminosa) não autoriza a manutenção da culpabilidade
como desfavorável ao agente.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 527
(...)
5. Ordem de habeas corpus concedida a fi m de, mantida a condenação, reduzir
a pena privativa de liberdade do Paciente para 14 (quatorze) anos e 06 (seis)
meses de reclusão, em regime inicial fechado.
(HC n. 228.588-MS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em
15.8.2013, DJe 26.8.2013)
De igual modo, outros julgados da Quinta Turma: AgRg no HC n.
191.748-MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, julgado em 2.5.2013, DJe 16.5.2013;
e, HC n. 227.973-DF, Rel. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora
convocada do TJ-SE), julgado em 4.6.2013, DJe 7.6.2013.
Na segunda fase da fi xação da pena, a Corte Regional imputou a majorante
prevista no art. 61, II, b, do Código Penal, sem apresentar a motivação necessária
para identifi car a circunstância agravante (fl . 3.504), muito menos descreveu a
conexão consequencial que respaldasse a elevação da pena em 1/3 (um terço),
fato este totalmente refutado por este órgão fracionário, para ilustrar: REsp n.
1.134.242-DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 7.2.2013,
DJe 18.2.2013.
Por fi m, quando do aumento da pena na última fase da dosimetria penal,
o Colegiado Federal entendeu por aplicar a fração de 1/3 sob o argumento da
incidência da previsão legal do parágrafo único, do art. 333, do CP. Contundo,
novamente, não revelou quais os dados se faziam presentes para a elevação da
pena (fl . 3.504).
Ao contrário sensu, a descrição dos fatos revelaram que o funcionário
público apenado por corrupção passiva não tinha como retardar ou omitir ato
de ofício, tornando impossível, portanto, reconhecer a causa de elevação da
pena, subsistindo a forma simples de crime descrita no caput do mencionado
dispositivo. Este fundamento segue a esteira do julgado: AgRg no Ag n.
1.372.909-MG, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado
em 16.4.2013, DJe 24.4.2013.
Em face dos motivos articulados e na esteira dos recentes julgados
desta Egrégia Corte, fi xo a pena-base no mínimo legal, ante a ausência de
circunstâncias desfavoráveis que suplantem as demais reconhecidas como
favoráveis, conforme os elementos concretos coligidos aos autos. Por ter afastado
as causas que majoraram e aumentaram a pena, a torno defi nitiva em 2 (dois)
anos de reclusão no regime inicial aberto e ao pagamento de 15 (quinze) dias-
multa na proporção de 1/3 do salário mínimo.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
528
Diante da pena fi xada e em conformidade com o artigo 44, § 2º, do Código
Penal, substituo a pena privativa de liberdade em 02 (duas) penas restritivas
de direito que serão: 1) prestação de serviços à comunidade ou a entidades
públicas à razão de 01 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, tudo em
tarefa gratuita, com local, datas e horários a serem estipulados em execução de
sentença e; 2) Prestação pecuniária consistente no pagamento em dinheiro de
25 (vinte e cinco) salários mínimos à entidade privada com destinação social e
também designada na execução de sentença.
Considerando a primeira reprimenda restritiva de direito imposta com
base no art. 77, do CP, determino sua suspensão condicional por igual prazo,
devendo o Juízo da execução de sentença aferir os prazos estipulados.
Noticiam os autos que o acórdão condenatório transitou em julgado para
a acusação (fl . 4.111). Extrai-se, ainda, que a publicação do decisum ocorreu em
23.10.2007; portanto, há mais de quatro anos até a presente data, sem o trânsito
em julgado para a defesa.
Ante a pena cominada ao agravante, à luz dos arts. 109, V e 110, § 1º,
ambos do Código Penal, verifica-se, na presente hipótese, a incidência da
prescrição intercorrente, devendo, por essa razão, ser declarada extinta a ação
penal originária com relação a ele.
Diante do exposto, dou parcial provimento ao agravo regimental para
redimencionar a pena do agravante, e, de ofício, reconhecer a extinção da sua
punibilidade, em virtude do implemento da prescrição da pretensão punitiva.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL N. 42.537-RJ (2011/0176851-4)
Relator: Ministro Moura Ribeiro
Embargante: Césare Battisti
Advogado: Alberto Zacharias Toron e outro(s)
Embargado: Ministério Público Federal
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 529
EMENTA
Embargos de declaração no agravo regimental no agravo
em recurso especial. Omissão. Não ocorrência. Manifestação
fundamentada do acórdão recorrido sobre todos os pontos suscitados
no agravo regimental. Teoria da causa madura, art. 515, § 3º do CPC.
Análise do conjunto fático-probatório. Possibilidade. Condenação
baseada exclusivamente em prova colhida no inquérito. Não ocorrência.
Embargos declaratórios rejeitados.
1. O acórdão recorrido, proferido em agravo regimental, não foi
omisso e fundamentadamente a ele negou provimento.
2. A “interpretação do artigo 515, § 3º, do Código de Processo
Civil, deve ser feita de forma sistemática, tomando em consideração
o artigo 330, I, do mesmo Diploma. Com efeito, o Tribunal, caso
propiciado o contraditório e a ampla defesa com regular e completa
instrução do processo, deve julgar o mérito da causa mesmo que
para tanto seja necessária apreciação do acervo probatório” (REsp n.
1.018.635-ES, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe
1º.2.2012).
3. Inocorrência de condenação baseada exclusivamente na
prova colhida no inquérito. Argumentação da sentença condenatória
baseada em elementos probatórios obtidos tanto na fase policial como
em juízo.
4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o órgão julgador
não é obrigado a se manifestar sobre todos os pontos alegados pelas
partes, mas somente sobre aqueles que entender necessários para a sua
decisão, de acordo com seu livre e fundamentado convencimento, não
caracterizando omissão ou ofensa à legislação infraconstitucional o
resultado diferente do pretendido pela parte.
5. Não há, que se falar em omissão no julgado, quando ausentes
os requisitos previstos no art. 619, do Código de Processo Penal.
6. Embargos declaratórios rejeitados.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
530
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, por unanimidade, em rejeitar os embargos.
Os Srs. Ministros Regina Helena Costa, Laurita Vaz, Jorge Mussi e Marco
Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 17 de setembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Moura Ribeiro, Relator
DJe 23.9.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Moura Ribeiro: Trata-se de embargos de declaração
opostos por Cesare Battisti contra acórdão de agravo regimental da Quinta
Turma do STJ, assim ementado:
Agravo regimental no agravo em recurso especial. Falsifi cação de selo ou sinal
público.
1. Inépcia da denúncia. Inocorrência. Peça acusatória que preenche os
requisitos necessários.
2. Audiência de inquirição de testemunhas via carta precatória. Requisição
do paciente, que se encontrava preso. Desnecessidade, uma vez que este não
manifestou, por meio de defensor, a vontade de estar presente. Ausência,
outrossim, da demonstração de prejuízo.
3. Falta de intimação dos defensores para as audiências redesignadas no juízo
deprecado. Inexistência de nulidade, posto que se verifi cou a intimação da defesa
da expedição da precatória. Inteligência da Súmula n. 273-STJ.
4. Inquirição de testemunha de acusação depois das de defesa. Possibilidade,
já que foram ouvidas por carta precatória. Disposição expressa no art. 400, caput,
do CPP.
5. Indeferimento de juntada de prova documental e desconsideração de tal
prova. Ausência de prequestionamento. Matéria não conhecida.
6. Condenação baseada exclusivamente na prova colhida no inquérito.
Argumentação da sentença condenatória, contudo, baseada em elementos
probatórios obtidos tanto na fase policial como em juízo.
7. Agravo regimental desprovido.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 531
Busca o embargante, postulando a atribuição de efeitos infringentes, o
reconhecimento de contradição, pois ao entender que as matéria arguidas podem
merecer análise, ultrapassando o óbice sumular imposto pela r. decisão monocrática,
sem, contudo, reformá-la, o v. acórdão é contraditório, porque constam do julgado duas
proposições inconciliáveis entre si (fl . 1.294).
Sustenta contradição na decisão da colenda Quinta Turma, porque teria
apreciado o mérito do recurso especial sem reformar a r. decisão monocrática.
Entende que as conclusões dos jugados, monocrático e colegiado, seriam
incompatíveis em seu conteúdo.
Afi rma, ainda, obscuridade quanto à análise da alegada ofensa ao art.
155 do Código de Processo Penal pois a condenação estaria baseada apenas
em elementos colhidos no inquérito policial; portanto, não submetidos ao
contraditório.
É o sucinto relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Moura Ribeiro (Relator): Observo que o acórdão recorrido
não foi omisso e, fundamentadamente, negou provimento ao agravo regimental
mantendo a inadmissibilidade do recurso especial, ainda que por outro
fundamento.
Alega o embargante que a decisão da c. Quinta Turma, teria sido
contraditória na medida em que afastando o óbice inicial, teria apreciado o
mérito do recurso especial inadmitido, sem, contudo, reformar a r. decisão
monocrática.
Considera, segundo seu entendimento, que as conclusões dos julgados,
monocrático e colegiado, seriam incompatíveis em seu conteúdo, o que estaria a
ensejar o provimento do recurso integrativo.
Para melhor análise, deve-se cotejar a natureza e o conteúdo dos
provimentos jurisdicionais combatidos, na medida em que tratam da
admissibilidade do recurso especial interposto perante o e. Tribunal a quo, ao
qual se negou seguimento.
Com efeito, tanto o juízo de admissibilidade, quanto a decisão monocrática,
negaram seguimento ao apelo nobre, considerando que a matéria não poderia
ser objeto de debate na instância superior, pela incidência de óbice processual,
qual seja, a vedação ao reexame do conteúdo fático-probatório do processo.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
532
Por seu turno, a decisão colegiada, entendendo que seria possível superar
o impedimento sumular, apreciou as causas do pedido feito no recurso especial,
rechaçando-as, e, ainda que por outros fundamentos, mantendo a negativa de
seguimento do referido recurso.
Assim, não há que se falar em contradição entre os termos das decisões
recorridas, porque a despeito da ampliação do alcance de seu julgado, manteve-
se o óbice à admissibilidade do recurso especial. Em suma, nos termos da
decisão monocrática ou nos fundamentos da colegiada, manteve a correlação
entre seus conteúdos, apenas explicitando de maneira mais analítica as razões
pelas quais não se poderia admitir o processamento do pretendido recurso.
Nesse sentido, deve-se observar que é sedimentado, no âmbito deste
Superior Tribunal, não há contradição entre as decisões que mantém a negativa
de seguimento a recurso, ainda que por outros fundamentos. Nesse sentido
confi ra-se:
Processo Civil. Agravo em recurso especial. Ação de cobrança. Contrato de
locação por tempo determinado. Fiança. Responsabilidade dos fiadores até
a efetiva entrega das chaves do imóvel. Matéria pacifi cada. Decisão agravada
mantida, ainda que por outros fundamentos.
Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp n. 189.347-SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira
Turma, julgado em 14.8.2012, DJe 21.8.2012)
Administrativo. Agravo regimental. Responsabilidade civil do Estado. Pretensão
de reparação civil. Prazo prescricional. Irrelevância. Autor absolutamente incapaz.
Arts. 169, inc. I, do Código Civil de 1916 e 198, inc. I, do novo Código Civil.
Prescrição não consumada.
1. No regimental, sustenta a parte agravante que o prazo prescricional para
ação indenizatória com causa de pedir na responsabilidade civil do Estado é
trienal, caracterizando, na espécie, a prescrição.
2. É caso de manter a decisão agravada, ainda que por outros fundamentos.
(...)
6. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag n. 1.196.900-RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda
Turma, julgado em 26.10.2010, DJe 10.11.2010)
Ademais, acerca da alegada contradição, não prospera a tese de que a
análise dos temas julgados na decisão colegiada só poderia ter sido apreciada
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 533
no âmbito do recurso especial, mediante sua admissão, pois é sabido que, na
esfera do meio processual em comento, qual seja, o agravo previsto no art. 544,
do Código de Processo Civil, aqui aplicado de forma analógica, é permitido
ao relator apreciar o mérito do próprio recurso especial, dando ou negando
provimento ao agravo. Sobre tema, colaciona-se os seguintes julgados:
Agravo regimental nos declaratórios no agravo em recurso especial. Processual
Civil. Julgamento do mérito do recurso especial por decisão monocrática. Cabimento.
Violação do art. 535 do Código de Processo Civil. Ocorrência.
1. Nos termos dos arts. 544, § 3º, e 557 do CPC; 34, VII e XVIII, e 254, I, do RISTJ, é
permitido ao ministro relator, nos autos de agravo interposto com fundamento no
art. 544 do Código de Processo Civil, apreciar monocraticamente o mérito do recurso
especial.
(...)
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg nos EDcl no AREsp n. 248.246-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,
Terceira Turma, julgado em 16.4.2013, DJe 25.4.2013)
Penal. Agravo regimental. Agravo. Possibilidade de julgamento monocrático
do recurso. Ausência de impugnação específi ca. Súmula n. 182-STJ.
1. O art. 544, § 4º, do CPC determina que o agravo de instrumento deve ser julgado
monocraticamente pelo relator, sendo-lhe permitido adentrar no mérito do recurso
especial. Precedentes.
(...)
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag n. 1.174.096-AC, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado
em 20.9.2012, DJe 1º.10.2012)
Por fi m, no que diz respeito à dita contradição, a jurisprudência desta Corte
preconiza que a interpretação do artigo 515, § 3º, do Código de Processo Civil deve
ser feita de forma sistemática, tomando em consideração o artigo 330, I, do mesmo
Diploma. Com efeito, o Tribunal, caso propiciado o contraditório e a ampla defesa,
com regular e completa instrução do processo, deve julgar o mérito da causa, mesmo que
para tanto seja necessária apreciação do acervo probatório (REsp n. 1.018.635-ES,
Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 1º.2.2012).
A propósito, os seguintes julgados:
Agravo regimental no recurso especial. Civil e Processual Civil. Indenização.
Danos materiais. Sentença de mérito decotada. Causa madura. Aplicação do art.
515, § 3º, do CPC. Possibilidade.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
534
Precedentes.
1. A despeito de ter havido decisão de mérito na sentença, sendo esta
decotada na parte extra petita, a interpretação extensiva do § 3º do art. 515 do
Código de Processo Civil autoriza o Tribunal local adentrar na análise do mérito
da apelação, mormente quando se tratar de matéria exclusivamente de direito,
ou seja, quando o quadro fático-probatório estiver devidamente delineando,
prescindindo de complementação, tal como ocorreu na espécie.
Precedentes.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 1.194.018-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira
Turma, julgado em 7.5.2013, DJe 14.5.2013)
Processual Civil. Recurso especial em ação rescisória. Ação anulatória de ato
administrativo. Desligamento. Fundamentos da aplicação em concreto da teoria
da causa madura. Súmula n. 7-STJ.
1. Trata-se, originariamente, de Ação Anulatória de ato administrativo que
desligou o autor de corporação, movida contra o Estado do Rio de Janeiro, extinta
por prescrição. O acórdão afastou o fundamento da sentença, mas, com amparo
no art. 515, § 3º, do CPC, julgou o feito improcedente por ausência de ilegalidade.
Inconformado, o agravante propôs Ação Rescisória com fulcro no art. 485, V, do
CPC.
2. O acórdão da ação originária afastou a prescrição e, prosseguindo no
julgamento, adotou a teoria da causa madura, prevista no art. 515, § 3º, do CPC,
passando ao julgamento da questão de fundo. Ao fazer dessa forma, analisou a
prova dos autos e afi rmou que “como se depreende dos documentos acostados
aos autos, ao autor foi dada oportunidade, em sede administrativa, de exercer seu
direito de defesa, permitindo-lhe a interposição de recursos, não se vislumbrando,
assim, qualquer ilegalidade no ato administrativo, não podendo, o Judiciário,
enfrentar o mérito da punição”.
3. Para verificar eventual quebra de contraditório por aplicação errônea
da teoria da causa madura, seria imprescindível examinar todo o conteúdo
da ação originária e a documentação ali acostada, com especial destaque às
provas produzidas em processo administrativo, no intuito de reavaliar se houve
precipitação no julgamento meritório. Incidência da Súmula n. 7-STJ. Precedentes
do STJ.
4. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 232.197-RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma,
julgado em 13.11.2012, DJe 19.12.2012)
No tocante à alegada obscuridade na análise da alegada ofensa ao art. 155,
do Código de Processo Penal, pois a condenação estaria baseada apenas em
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 535
elementos colhidos no inquérito policial, não submetidos ao contraditório, a
decisão agravada expressamente consignou (fl . 1.279):
“Da condenação baseada exclusivamente na prova indiciária”
O recorrente ao invocar o disposto no art. 155 da citada legislação processual,
ao invés de “prova indiciária”, quis referir-se seguramente, à prova colhida na
investigação policial.
A Corte Regional, no entanto, afastou esta sustentação, consignando os laudos
periciais que atestam a materialidade da infração e, no tocante a autoria, fez
referência a confi ssão do agravante, tanto na fase policial, como em juízo, e, em
relação a esta, fez constar que extraiu da prova que ele “tinha plena consciência
da falsidade dos carimbos por ele utilizados” (fl s. 876-STJ), com especial realce na
parte em que diz “que recebeu um carimbo para colocar visto no passaporte” e que o
dito “carimbo tinha algum problema com, salvo engano, inversão de dia e mês” (fl s.
877-STJ), o que, aliás, restou observado pelo laudo pericial, conforme se constata,
segundo o acórdão, a fl s. 73-81.
Não procede, nestas condições a alegação de que a decisão está baseada tão
somente em elementos contidos no inquérito policial, e, além disso, vale ressaltar
que a última instância no exame da prova concluiu que “ficou evidenciado
que o ora denunciado, de forma livre e consciente, fez uso de sinais públicos
falsifi cados em passaportes falsos e cartões de entrada-saída no intuito de entrar
e permanecer clandestinamente em território nacional” (fl s. 877-STJ).
A afastar qualquer dúvida acerca da matéria já fartamente apreciada,
transcreve-se, novamente, por oportuno, o seguinte trecho do v. acórdão do eg.
Tribunal Regional Federal da 2ª Região:
Demais disso, é possível extrair das declarações prestadas pelo acusado, em
Juízo, que tinha plena consciência da falsidade dos carimbos por ele utilizados,
conforme se observa do excerto transcrito a seguir:
(...) que ratifi ca em parte suas declarações prestadas em sede policial
de fl s. 132-133, bem como reconhece como sua a assinatura ali lançada;
que quer retificar o que se segue; que não chegou ao Brasil de barco;
que naquele momento tinha um certo temor de declarar algumas coisas;
que na realidade estava confuso e não sabia o que estava motivando a
prisão; que chegou de avião, passando pela Ilha da Madeira, Canárias,
Cabo Verde e Fortaleza; que a viagem durou três semanas; que acha
que chegou a Fortaleza na primeira semana de setembro de 2004; que
chegou com um passaporte italiano; que o passaporte é autêntico assim
como o nome da pessoa, embora com a foto do interrogando; que o
passaporte foi entregue por um agente do governo francês, no momento
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
536
em que o interrogando estava na França; (...); que nunca usou o primeiro
passaporte; que não passou pelo controle policial em Fortaleza; que este
passaporte desapareceu e recebeu um outro falso através da comunidade
de refugiados da França; que recebeu um carimbo para colocar visto no
passaporte; que o passaporte já tinha alguns carimbos de entrada e
saída; que o carimbo tinha algum problema com, salvo engano, inversão
de dia e mês; que nunca precisou usar o segundo passaporte; (...) - fl s. 518-
520. Grifei.
Note-se que a inversão de datas mencionada pelo ora acusado, foi
constatada pelos peritos no laudo de fl s. 73-81, in verbis:
(...) como também foi observado que a data “072505”, constante do
carimbado aposto na página 06, encontra-se invertida, com relação ao dia
e mês da referida data, tendo em vista que no Brasil a posição correta seria:
“250705”, (...).
Outrossim, deve ser rechaçada a tese defensiva de que os passaportes falsos,
bem como os carimbos inidôneos, foram entregues ao apelante por um terceiro -
agente da polícia francesa -, que os teria confeccionado para o acusado, tendo em
vista que não há qualquer indício que aponte para essa situação, sendo certo que
o réu, em sua defesa, limitou-se a fazer alegações carentes de fundamento, nada
apresentando durante a instrução probatória que as comprovasse.
Dessa feita, ficou evidenciado que o ora denunciado, de forma livre
e consciente, fez uso de sinais públicos falsificados em passaportes falsos e
cartões de entrada-saída no intuito de entrar e permanecer clandestinamente em
território brasileiro, realizando, pois, a conduta descrita no artigo 296, § 1º, I, do
Código Penal. (fl s. 876-877)
De outra parte, nos termos da jurisprudência desta Corte, o órgão julgador
não é obrigado a se manifestar sobre todos os pontos alegados pelas partes, mas
somente sobre aqueles que entender necessários para a sua decisão, de acordo
com seu livre e fundamentado convencimento, não caracterizando omissão ou
ofensa à legislação infraconstitucional o resultado diferente do pretendido pela
parte.
Não há, portanto, que se falar em omissão no julgado porque ausentes os
requisitos autorizadores dos embargos declaratórios previstos no art. 619, do
Código de Processo Penal.
Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração.
Haja vista o que foi decidido e determinado no julgamento do agravo
regimental ora embargado, e o disposto no art. 65, parágrafo único, alínea a, da
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 537
Lei n. 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro), expeça-se novo ofício ao Exmo.
Sr. Ministro da Justiça, reiterando o encaminhamento de cópia da r. sentença
(fl s. 658-666), do v. acórdão (fl s. 868-886), bem como dos julgados proferidos
no âmbito desta c. Corte para as providências legais que entender cabíveis.
É como voto.
HABEAS CORPUS N. 175.816-RS (2010/0105875-8)
Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze
Impetrante: Katerine Olmedo Braun - Defensora Pública
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Paciente: Tatiane Chaves Soares
EMENTA
Habeas corpus impetrado em substituição ao recurso previsto
no ordenamento jurídico. 1. Não cabimento. Modificação de
entendimento jurisprudencial. Restrição do remédio constitucional.
Exame excepcional que visa privilegiar a ampla defesa e o devido
processo legal. 2. Ameaça. Sogra e nora. 3. Competência. Inaplicabilidade.
Lei Maria da Penha. Abrangência do conceito de violência doméstica e
familiar. Divergência doutrinária. Interpretação restritiva. Violência de
gênero. Relação de intimidade afetiva. 4. Competência do Juizado Especial
Criminal. 5. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofício.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a
racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema
recursal, vinha se fi rmando, mais recentemente, no sentido de ser
imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às
hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo
Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal
Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo
substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
538
Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no
intuito de verifi car a existência de constrangimento ilegal evidente a
ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se
prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.
2. A incidência da Lei n. 11.340/2006 reclama situação de
violência praticada contra a mulher, em contexto caracterizado por
relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher sobre
mulher em situação de vulnerabilidade. Precedentes.
3. No caso não se revela a presença dos requisitos cumulativos
para a incidência da Lei n. 11.340/2006, a relação íntima de afeto, a
motivação de gênero e a situação de vulnerabilidade. Concessão da
ordem.
4. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofi cio, para
declarar competente para processar e julgar o feito o Juizado Especial
Criminal da Comarca de Santa Maria-RS.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder
habeas corpus de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-
PR), Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE) e Jorge Mussi
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.
Brasília (DF), 20 de junho de 2013 (data do julgamento).
Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator
DJe 28.6.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de Habeas corpus
impetrado em favor de Tatiane Chaves Soares, apontando-se como autoridade
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 539
coatora o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, nos autos do Confl ito
de Competência n. 70034043414, declarou a competência do Juízo da 4ª
Vara Criminal de Santa Maria-RS para processar e julgar a ação ajuizada pela
suposta prática do delito de ameaça – art. 147 do Código Penal –, praticado pela
nora contra a sogra, em acórdão assim ementado (fl . 90):
Confl ito de competência/jurisdição. Lei Maria da Penha.
Os confl itos entre sogra e nora estão ao abrigo da Lei Maria da Penha quando a
agressão tem motivação de ordem familiar.
Não é do Juizado Especial Criminal a competência para processar e julgar os
crimes de menor potencial ofensivo envolvendo violência doméstica e familiar
contra a mulher - Lei n. 11.340/2006.
Confl ito julgado procedente. Decisão unânime. (fl . 90).
No Superior Tribunal de Justiça alega a impetrante que “não deve prosperar
o entendimento da 1ª Câmara Criminal do TJRS, eis que o suposto fato narrado
na inicial teria se dado entre nora e sogra, que não residem na mesma casa, sendo
que a paciente não sustenta sua sogra, não se enquadrando na proteção da Lei
n. 11.304/2006 que trata da proteção da mulher em situação de vulnerabilidade
ou hipossufi ciência, e mais no caso concreto não há opressão de gênero, já que o
suposto confl ito teria ocorrido entre duas mulheres” (fl . 3).
Assevera, ainda, que “no caso concreto não há demonstração de
hipossuficiência ou de vulnerabilidade da suposta vítima, o que deve ser
demonstrado para o fi m de aplicação da Lei n. 11.3340/2006. Deixar a cargo
da parte acusada a sua prova é uma exigência que a lei não impõe. Caso não
demonstrado pelo acusador a vulnerabilidade da vítima, deve ser afastada a
incidência da Lei n. 11.340/2006, e com isso o art. 41, que impede a oferta de
vários benefícios a paciente, previstos na Lei n. 9.099/995” (fl . 6).
Diante disso, pleiteia, inclusive liminarmente, pelo trancamento da Ação
Penal n. 027/2.09.0001734-1, que tramita perante a 4ª Vara Criminal da
Comarca de Santa Maria.
A liminar foi indeferida pelo Ministro Hamilton Carvalhido, no exercício
da presidência deste Tribunal Superior (fl s.126127).
As informações foram prestadas às fl s. 133-152.
O Ministério Público Federal, ao se manifestar (fl s. 156-160), opinou pela
concessão da ordem.
É o relatório.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
540
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): Consolidou-se, por meio
de reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal
Federal, a tendência de se atenuar as hipóteses de cabimento do mandamus,
destacando-se que o habeas corpus é remédio constitucional voltado ao combate
de constrangimento ilegal específi co de ato ou decisão que afete, potencial
ou efetivamente, direito líquido e certo do cidadão, com refl exo direto em sua
liberdade. Assim, não se presta à correção de decisão sujeita a recurso próprio,
previsto no sistema processual penal, não sendo, pois, substituto de recursos
ordinários, especial ou extraordinário. A mudança jurisprudencial consolidou-
se a partir dos seguintes julgamentos: Habeas Corpus n. 109.956-PR, Relator
o Ministro Marco Aurélio; Habeas Corpus n. 104.045-RJ, Relatora a Ministra
Rosa Weber; Habeas Corpus n. 114.550-AC, Relator o Ministro Luiz Fux e
Habeas Corpus n. 114.924-RJ, Relator o Ministro Dias Toff oli.
Entendo que boa razão têm os Ministros do Supremo Tribunal Federal
quando restringem o cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas
na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. É que as vias recursais
ordinárias passaram a ser atravessadas por incontáveis possibilidades de dedução
de insurgências pela impetração do writ, cujas origens me parece terem sido
esquecidas, sobrecarregando os tribunais, desvirtuando a racionalidade do
ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal. Calhou bem a
mudança da orientação jurisprudencial, tanto que eu, de igual modo, dela passo
a me valer com o objetivo de viabilizar o exercício pleno, pelo Superior Tribunal
de Justiça, da nobre função de uniformizar a interpretação da legislação federal
brasileira.
No entanto, apesar de não se ter utilizado, na espécie, do recurso previsto
na legislação ordinária para a impugnação da decisão, em homenagem à garantia
constitucional constante do art. 5º, inciso LXVIII, passo à análise das questões
suscitadas na inicial no intuito de verifi car a existência de constrangimento
ilegal evidente a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício,
evitando-se, desse modo, prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.
A presente impetração busca o trancamento da ação penal a que responde
a paciente, haja vista a incompetência da 4ª Vara Criminal da Comarca de Santa
Maria-RS para processar e julgar o feito, ao entendimento de que as agressões
narradas nos autos não caracterizam violência doméstica, pois foram praticadas
por nora contra sogra fora do ambiente doméstico, razão pela qual a competência
recai sobre o Juizado Especial de Pequenas Causas.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 541
A questão da inaplicabilidade da Lei Maria da Penha ao presente caso,
atraindo a competência do Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Santa
Maria-RS para julgar e processar o feito, foi decidida pelo Tribunal Estadual
nos seguintes termos (fl s. 92-96):
Pedido a mais respeitosa vênia às doutas e abalizadas opiniões em contrário,
trago para a colação o que foi decidido quando do julgamento do Confl ito de
Competência n. 70.022.033.989, julgado por esta Colenda Câmara, sessão de 6 de
dezembro de 2007, da nossa relatoria, in vebis:
lnicialmente, embora não desconheça o Ofício Circular n. 327/06 - CGJ,
tenho que o confl ito pode ser resolvido na esfera Judicial.
Depreende-se dos autos que foi lavrado termo circunstanciado de
contravenção penal de vias de fato, tendo em vista fato acorrido em
20.2.2007, por volta das 12 horas, na residência localizada na Rua Luiz Beck
da Silva, n. 74, Bairro Faxinal, na cidade de Santa Cruz do Sul, visando a
apurar a prática, em tese, desta contravenção perpetrada por V. L. da S. que
teria agredida sua fi lha M. da S., de 16 anos de idade (nascida em 9.12 1990).
O cerne da questão refere-se à defi nição se o delito ou contravenção
cometido enquadra-se na Lei Maria da Penha Baseando-se em estudos
sobre a matéria, concluo que sim.
Explico.
Verifi cando quem pode ser sujeito passivo e ativo desses delitos, há
posição no sentido de que os confl itos entre mães e fi lhas estão ao abrigo
da Lei Maria da Penha quando a agressão tem motivação de ordem familiar
(DIAS, MARIA BERENICE. A LEI MARIA DA PENHA NA JUSTIÇA: EFETIVIDADE
DA LEI 11.340/2006 DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
CONTRA A MULHER. SÃO PAULO: EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS, 2007,
P. 41). No ponto, tanto o homem quanto a mulher podem ser sujeito ativo,
e, no sujeito passivo, há exigência de uma qualidade especial: ser mulher.
Outrossim, desimporta a idade da mulher. Cuidando-se de mulher
“menor” como no caso em tela, poderá ser aplicada quando compatível e
não confl itante a legislação especifi ca relativa à criança e ao adolescente
(ECA) conforme o art. 13 da Lei Maria da Penha. O ilustre Promotor de
Justiça Marcelo Lessa Batos, em seu artigo violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher (BASTOS, MARCELO LESSA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E
FAMILIAR CONTRA A MULHER.
Quando trata deste tema, aduz:
São os arts. 5º e 7º os responsáveis por determinar o âmbito de
incidência da Lei em comento, já que são eles que defi nem o que
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
542
confi gura e quais as formos de violência doméstica e familiar contra
a mulher. Seu exame conjunto, portento, mostra-se fundamental para
estabelecer quando se aplica a Lei Maria da Penha.
Uma primeira observação que se deve fazer diz respeito o
que mulher está sujeita à proteção legal. À míngua de qualquer
exclusão constante do texto da Lei, conclui-se que qualquer mulher
está por ela tutelada, independente da idade, seja adulta, idosa ou,
até mesmo, criança ou adolescente. Nestes últimos casos, haverá
superposição de normas protetivas, pela incldêncla simultânea dos
Estatutos do Idoso e da Crlança e Adolescente, que não parecem
excluir as normas de proteção da Lei Maria da Penha que, lnclusive,
complementam a abrangência de tutela. Bom que se lembre que a Lei
Maria da Penha não se restringe à violência doméstica, abrangendo,
igualmente, a violência familiar, do que não estão livres, infelizmente,
crianças, adolescentes e idosos.
[...]
Para ser sujeito passivo tutelado pela norma basta, portanto, que a
pessoa se enquadre no conceito biológico de “mulher”
[grifo nosso].
De outra banda, conforme o ensinamento da eminente Desa.
Maria Berenice Dias, ao enfrentar e competência do juízo, o legislador
deixou claro que a violência contra a mulher não é crime de pequeno
potencial ofensivo (art. 41) Nesse particular, esclarece que (idem,
pp.61 62) “9.3 Competência de Juízo. Quando entrou em vigor a Lei
Maria da Penha chamou atenção e suscitou questionamento o fato
de a vidência doméstica ter sido excluída do âmbito dos Juizados
Especiais Criminais - JECrIms (art. 41). Mas o legislador não quis
deixar dúvidas. Foi enfático e até repetitivo ao afastar os delitos que
ocorrem no âmbito da família do Juízo especial que aprecia infrações
de pequena lesividade. Nítida a intenção de deixar claro que a violência
contra a mulher não é crime de pequeno potencial ofensivo. A alteração
de competência Ievado a efeito justifi ca-se. A Constituição Federal
assegurou alguns privilégios a delitos de menor potencial ofensivo e
delegou à legislação infraconstitucional defi nir os crimes que assim
devem ser considerados (CF art. 98, I). Foi o que fez a Lei dos Juizados
Especiais. Sem dar nova redação nem à Lei das Contravenções Penais
e nem ao Código Penal, considerou de pequeno potencial ofensivo: a)
as contravenções penais; b) os crimes que a lei comina pena máxima
não superior a dois anos; e c) os delitos de lesões corporais leves
e culposas. A Lei Maria da Penha lei da mesma hierarquia afastou a
violência doméstica da égide da Lei n. 9.099/1995. Assim, se a vítima é
mulher e o crime aconteceu no ambiente doméstico, não pode ser
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 543
considerado de pouca lesividade e não mais será agraciado pelos
JECrim. Mesmo que tenha o legislador usado a expressão “crimes”
para repudiar os Juizados Especiais Criminais, as contravenções
penais não continuam nesses juizados. [...]. Para o processo, o
julgamento e o execução das causas cíveis e criminais decorrentes
da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher foram
criados os JVDFMS (art. 14). Mesmo que não tenha sido imposta a
criação dos Juizados especializados e nem definido o prazo para
seu funcionamento, enquanto não estruturado, foi deslocada a
competência dos Juízados Especiais Criminais para as Varas Criminais
(art. 33)
Com efeito, não é do Juizado Especial Criminal a competência
para processar e julgar as Contravenções Penais envolvendo violência
doméstica e familiar contra a mulher - Lel n. 11.340/06. Isso já foi
estabelecido na Resolução n. 562/06-COMAG, com as alterações
pertinentes, quais sejam, de n. 571/2006-COMAG e 574/2006-COMAG;
no Ofício Circular n. 327/06/CGJ, e em diversos julgados deste
Colenda Câmara.
Além disso, o art. 41 da Lei Maria da Penha é expresso ao
mencionar que, independentemente da pena prevista, está vedada a
aplicação da Lei n. 9.099/1995, verbis:
“Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar
contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica
a Lei n. 9.099, d 26 de setembro de 1995.”
Portanto, concluo que a lei dispõe que compete aos JVDFM o
julgamento das “causas cíveis e criminais” (art. 33), enquanto não
forem lmplementadas esses juizados a competência é da Vara
Criminal e não há dúvida que e expressão “causas” compreende
as contravenções penais (nesse sentido, Confl ito de Competência n.
70020004339, D.J. 19 de julho de 2007 de minha relatoria).
Assim, à vista do que foi exposto, julgo procedente o presente conflito de
competência/jurisdição para declarar competente o Juízo de Direito da 4ª vara
Criminal da comarca de Santa Maria.
É o voto.
Ressalte-se, desde logo, a turbulência dos entendimentos acerca do âmbito
de abrangência do conceito de violência doméstica e familiar.
O conceito legal tem sofrido severas críticas da doutrina, como ressalta
Guilherme Nucci por se tratar de uma norma extremamente aberta.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
544
Há os que afirmam, pela interpretação literal da lei, que a norma
compreende relações de casamento, união estável, família monoparental,
homoafetiva, adotiva, vínculos de parentesco em sentido amplo e, ainda, introduz
a idéia de família de fato (aquela que não tem vínculo jurídico familiar, mas que
se consideram aparentadas, como, por exemplo, amigos próximos e empregados
domésticos), como também as relações protegidas pelo biodireito.
No entanto, entendo que o conceito de violência doméstica e familiar
merece uma interpretação restritiva, sob pena de inviabilização da própria
aplicação da norma, eis que a agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea f, do
Código Penal, seria aplicada a um número excessivo de infrações penais, o que,
de certo, não era a intenção do legislador.
Para se compreender melhor o tema, necessário se faz uma pequena
digressão histórica acerca dos motivos que levaram à edição da Lei n.
11.340/2006.
Ressalte-se que simples fotografi a da realidade social e cultural em que
vivemos permite constatar que não faltaram razões para a edição de uma lei
específi ca para prevenir e coibir a violência no país, com enfoque principal fosse
a proteção às mulheres, históricas vítimas, como preconiza o artigo 1º da Lei n.
11.340/2006, bem como o próprio preâmbulo da referida Lei.
Não podemos perder de vista os aspectos históricos e sociais que criaram
condições propícias para a discriminação de gênero hoje vigente e que necessitam
ser eliminados do contexto social.
Deve-se reconhecer que a violência de gênero é um evento sociológico
e epidemiológico, fruto da diferença de poder entre homens e mulheres, dos
distintos papéis sociais atribuídos a cada gênero e da subordinação histórica das
mulheres.
A violência de gênero é, pois, fruto da discriminação contra as mulheres,
ao passo que as relações hierarquizadas e o machismo são determinantes para a
aceitação social dessa violência.
Nesse sentido, já mencionava Sérgio Ricardo de Souza, ao tratar da relação
da violência doméstica e familiar com os direitos humanos:
(...) Mas há que se frisar que o legislador procurou, principalmente, fi rmar a
posição de que a violência de gênero não se confunde com as demais formas
de violência, porque ela caracteriza-se principalmente na cultura machista do
menosprezo pela mulher, bem como na idéia de perpetuação da submissão da
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 545
mulher ao mando do homem, autorizando a equivocada e nefasta disseminação
da inferioridade do gênero feminino em relação ao masculino, permitindo a
“coisifi cação” da mulher, numa afronta direta à doutrina da dignidade da pessoa
humana, consolidada já na fi losofi a kantiana e expressamente inserida no art. 1º,
inc. III, da CRFB.
Luiz Antônio de Souza, por sua vez, ao defender a constitucionalidade da
Lei n. 11.340/2006, ensina que a interpretação do referido Diploma Legal não
deve ser gramatical, mas sim sociológica, teleológica e axiológica.
Sob o prisma sociológico, a Exposição de Motivos da Lei n. 11.340/2006,
no item 11, aponta que as pesquisas realizadas revelam, confirmadas por
estatística, que a mulher é socialmente vulnerável no âmbito doméstico e
familiar, sendo objeto de constantes espancamentos, merecendo, pois, uma
proteção especial, já que as leis penais vigentes não foram sufi cientes para a
proteção de tão nobres bens jurídicos.
Sob o aspecto teleológico – fi nalidade da norma –, temos que a Lei n.
11.340/2006 veio como forma de conferir a efetivação da harmonia das relações
familiares.
Quanto ao aspecto axiológico – valor da norma –, temos que a proteção da
mulher, ao contrário de violá-lo, veio conferir maior efetividade ao princípio da
isonomia e, nesse sentido, da Exposição de Motivos, item 12, destaca-se:
É contra as relações desiguais que se impõem os direitos humanos das
mulheres. O respeito à igualdade está a exigir, portanto, uma lei específi ca que
dê proteção e dignidade às mulheres vítimas de violência doméstica. Não haverá
democracia efetiva e igualdade real enquanto o problema da violência doméstica
não for devidamente considerado. Os direitos à vida, à saúde e à integridade física
das mulheres são violados quando um membro da família tira vantagem de sua
força física ou posição de autoridade para infl igir maus-tratos físicos, sexuais,
morais e psicológicos.
Não é outro o sentido que se extrai da própria Lei n. 11.340/2006, que, em
seu artigo 4º, assevera: “Na interpretação desta Lei, serão considerados os fi ns
sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em
situação de violência doméstica e familiar” (sem grifo no original).
Note-se, pois, que a lei deverá ser interpretada com especial atenção aos
fi ns sociais a que se destina, demonstrando a preocupação do legislador com a
correta interpretação da lei.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
546
De outro giro, observa-se que a iniciativa legislativa de inserir no
quadro normativo nacional uma legislação específica para tratar do tema
da violência doméstica decorre do próprio texto constitucional - art. 226,
§ 8º, da Constituição Federal -, bem como das recomendações feitas por
diversos organismos internacionais no sentido do combate à violência de gênero,
considerada uma grave violação aos direitos humanos.
Nesse sentido, a Lei n. 11.340/2006 buscou inspiração e foi precedida pela
integração de dois importantes tratados ao ordenamento jurídico pátrio, já que
o Brasil assinou e ratifi cou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher (ONU), de 18.12.1979 e a Convenção
interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher
denominada de “Convenção de Belém do Pará” (OEA), de 1994, internalizadas
pelos Decretos n. 4.377/2002 e 1.973/1996, respectivamente.
Em seu art. 1º, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher (ONU), de 18.12.1979, defi ne a discriminação
contra a mulher como:
(...) toda distinção baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado
prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independente
de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social,
cultural e civil.
Por seu turno, defi ne a “Convenção de Belém do Pará” (OEA), de 1994,
art. 1º: “Qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou
sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como
no privado”.
Saliente-se, por relevante, a condenação internacional do Brasil no caso
Maria da Penha Maia Fernandes, em 2001 – Relatório 54/01. Caso 12.051,
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) –, e a recomendação
daquela Corte Internacional para que fossem adotadas medidas legislativas
efi cazes de combate à violência doméstica contra a mulher, razão principal pela
qual a Lei n. 11.340/2006 passou a ser denominada como “Lei Maria da Penha”.
Tendo-se como norte as citadas Convenções Internacionais, que serviram
de parâmetro para a edição da Lei n. 11.340/2006, extrai-se que as defi nições ali
expressas apontam para a violência de gênero como “qualquer conduta baseada
no gênero que cause ou possa causar dano às mulheres”.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 547
Por fi m, destaca-se o artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 que dispõe:
Para os efeitos desta Lei, confi gura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão, baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
E sobre a violência baseada no gênero, ensina Flávia Piovesan (in Temas de
direitos humanos, 3ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2009, p. 229):
a violência contra a mulher constitui ofensa à dignidade humana, sendo
manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e
homens. (...) Vale dizer, a violência baseada no gênero ocorre quando um ato é
dirigido contra a mulher porque é mulher, ou quando atos afetam as mulheres de
forma desproporcional.
Dessa análise, extrai-se que a Convenção de Belém do Pará, em seus artigos
1º e 2º, a, diferencia a “família” e “outras relações interpessoais”, qualifi cando o
tipo de violência de gênero como violência doméstica não só como lugar de
convívio, mas também como um tipo específi co de relação, isto é, aquela que se
dá entre parceiros íntimos, sejam eles conviventes ou não.
E nesse sentido ressalta Jesualdo Almeida Júnior (in artigo científi co
violência doméstica e o direito. Revista Jurídica Consulex. Ano XI, n. 244,
publicado em 15 de março de 2007, p. 56-58):
Outrossim, caracteriza situação a ensejar a aplicação da lei em comento a
agressão desferida contra a mulher numa relação de afeto, não importando o fato
de o agressor e a ofendida coabitarem ou não a mesma casa.
Assim, interpretando os artigos em questão, tem-se a violência doméstica
como uma forma específi ca da violência de gênero – aquela que ocorre em
relações de intimidade – utilizando-se o termo “violência doméstica” para se
referir à violência conjugal, daí porque afi rmarmos que a terminologia “violência
doméstica” deve ser tida como sinônimo de violência contra a mulher praticada
por parceiros íntimos.
Como leciona Carmen Hein de Campos:
Essa também parece ter sido a opção do legislador ao defi nir, no art. 1º, da
Lei n. 11.340/2006 que esta “cria mecanismos para coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra a mulher”. Embora haja uma aparente redundância
na expressão “doméstica e familiar”, pode-se argumentar que o legislador não
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
548
escolheu essas duas expressões como o mero intuito de reforçar o substantivo
“doméstica”. Ao defi nir-se pela expressão violência doméstica, quis o legislador
referir-se ao tipo de relação, tal como consagrada academicamente em estudos
feministas, igualando-o à violência nas relações íntimas. Observa-se que o
legislador usa o conectivo “e” para introduzir o adjetivo “familiar”. Por conseguinte,
o “familiar” se refere ao lugar onde essa violência é praticada (na família). Desta
forma, a violência doméstica contra a mulher defi nida na Lei é uma violência
praticada em relações de conjugalidade (atuais ou não) e também no espaço
familiar (art. I, II e III) - p. 252.
No mesmo sentido, segue o entendimento firmado pelo E. Superior
Tribunal de Justiça, ao afi rmar que o legislador tem em conta a mulher, numa
perspectiva de gênero e em condições de hipossufi ciência ou inferioridade
física e econômica em relações patriarcais. Aduz, ainda, que o escopo da lei é a
proteção da mulher em situação de fragilidade diante do homem (ou mulher)
em decorrência de qualquer relação íntima, com ou sem coabitação, que possa
acarretar atos de violência contra esta mulher:
Confl ito de competência. Penal. Juizado Especial Criminal e Juiz de Direito. Crime
com violência doméstica e familiar contra mulher. Crime contra honra praticado
por irmã da vítima. Inaplicabilidade da Lei n. 11.340/2006. Competência do Juizado
Especial Criminal. 1. Delito contra honra, envolvendo irmãs, não confi gura hipótese
de incidência da Lei n. 11.340/2006, que tem como objeto a mulher numa
perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade
física e econômica. 2. Sujeito passivo da violência doméstica, objeto da referida
lei, é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que
fi que caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade. 2.
No caso, havendo apenas desavenças e ofensas entre irmãs, não há qualquer
motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação
de relação íntima que possa causar violência doméstica ou familiar contra a
mulher. Não se aplica a Lei n. 11.340/2006. 3. Confl ito conhecido para declarar
competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador
Valadares-MG, o suscitado. (CC n. 88.027-MG. Ministro Og Fernandes. S3 - 3ª
Seção, j. 5.12.2008, p. 18.12.2008) - grifos nosso.
Ficou assentado, ainda, no E. Superior Tribunal de Justiça, que a intenção
do legislador ao editar a Lei Maria da Penha foi de dar proteção à mulher
que tenha sofrido agressão decorrente de relacionamento amoroso, sendo
desnecessária à confi guração da relação íntima de afeto a coabitação entre o
agente e a vítima:
Confl ito negativo de competência. Violência doméstica. Ex-namorados. Não
aplicação da Lei n. 11.340/2006. Competência do Juizado Especial Criminal.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 549
1. Apesar de ser desnecessária à confi guração da relação íntima de afeto a
coabitação entre agente e vítima, verifi ca-se que a intenção do legislador, ao
editar a Lei Maria da Penha, foi de dar proteção à mulher que tenha sofrido
agressão decorrente de relacionamento amoroso, e não de ligações transitórias,
passageiras.
2. (...). (CC n. 95.057-MG. Ministro Jorge Mussi. S3 - 3ª Seção, j. em 29.10.2008,
p. 13.3.2009).
A limitação da incidência da Lei n. 11.340/2006, às relações íntimas de
afeto, na proteção do gênero feminino, fi cou claramente exposta no seguinte
aresto:
Confl ito negativo de competência. Lei Maria da Penha. Relação de namoro. Decisão
da 3ª Seção do STJ. Afeto e convivência independente de coabitação. Caracterização
de âmbito doméstico e familiar. Lei n. 11.340/2006. Aplicação. Competência do Juízo
de Direito da 1ª Vara Criminal. 1. Caracteriza violência doméstica, para os efeitos
da Lei n. 11.340/2006, quaisquer agressões físicas, sexuais ou psicológicas
causadas por homem em uma mulher com quem tenha convivido em qualquer
relação íntima de afeto, independente de coabitação. 2. O namoro é uma
relação íntima de afeto que independe de coabitação; portanto, a agressão do
namorado contra a namorada, ainda que tenha cessado o relacionamento, mas
que ocorra em decorrência dele, caracteriza violência doméstica. 3. A Terceira
Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao decidir os Confl itos n. 91.980 e 94.447,
não se posicionou no sentido de que o namoro não foi alcançado pela Lei Maria
da Penha, ela decidiu, por maioria, que naqueles casos concretos, a agressão não
decorria do namoro. 4. A Lei Maria da Penha é um exemplo de implementação
para a tutela do gênero feminino, devendo ser aplicada aos casos em que se
encontram as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar. 5. Confl ito
conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal
de Conselheiro Lafaiete-MG. (CC n. 96.532-MG. Min. Jane Silva Desembargadora
convocada do TJ-MG. S3 - 3ª Seção, j. 5.12.2008. p. 19.12.2008) - grifos nosso.
Ademais, não se pode perder de vista que o legislador colocou nas mãos
do intérprete um elenco de medidas protetivas, notadamente de natureza
extrapenal, a serem aplicadas ao (à) agressor (a), em conjunto ou separadamente,
a saber: art. 8º, II – promoção de pesquisas e estatísticas para determinar as
causas da violência doméstica, art. 8º, III – controle da publicidade sexista, art.
8º, IV – promoção de campanhas educativas dirigidas às escolas e à sociedade,
art. 22, II – afastamento do lar, art. 22, V – fi xação de alimentos provisionais ou
provisórios, art. 23, I – colocação em programa de atendimento ou proteção,
art. 23, II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
550
respectivo domicílio, após afastamento do agressor e art. 23, IV – separação de
corpos, dentre outras.
E tal espectro de garantias não teria sentido se não fosse com o intuito
de proteger a mulher em situação de vulnerabilidade, subjugada pelo marido/
companheiro (a) do (a) qual, muitas vezes, depende economicamente.
Nesse sentido leciona Carmen Hein de Campos:
Portanto, a legislação, ao tratar do tema da violência doméstica, não pretendeu
diminuir a dimensão da violência de gênero, mas reduzir a abrangência legal,
circunscrever seu objeto, focalizando, nesse sentido, o fenômeno da violência
doméstica (ou da violência nas relações íntimas). Daí a série de medidas
integradas de prevenção (art. 8º) dirigidas a mudar o olhar da sociedade sobre
a questão. Essa perspectiva denota a intenção do legislador de retirar o “manto
sagrado” que envolve as relações íntimas e mostrar que a violência doméstica
é uma forma de discriminação contra as mulheres. A violência praticada na
intimidade não é um assunto privado, ao contrário, é de interesse público e diz
respeito à democracia e à cidadania’.
Assim, evidente que a mens legis foi a de reunir, num mesmo juízo, a
competência – administrativa, civil e criminal –, bem como todos os instrumentos
legais e sociais para facilitar a solução controvérsia e por fi m ao litígio de modo
mais célere e efi caz, conferindo ao Juízo da Violência Doméstica e Familiar
Contra a Mulher condições para conceder às vítimas, mulheres, a proteção
integral estabelecida na legislação especial.
Por fi m, a proteção especial conferidas às mulheres pela Lei n. 11.340/2006
é plenamente justifi cável, pois o Direito Penal é instrumento idôneo para
a proteção de grupos considerados vulneráveis, tratamento que emerge do
princípio constitucional da igualdade substancial.
Carmen Hein de Campos explica com precisão as razões da proteção
especial contemplada no sistema constituído pela Lei n. 11.340/2006:
Apesar do discutível recurso ao Direito Penal, reconhece-se a idoneidade de
uma política criminal de gênero quando ela estabelece uma mínima intervenção
punitiva e uma máxima intervenção social.
(...)
A proposta da Lei integral é de combinar a mínima intervenção punitiva, por
intermédio da mínima majoração da pena no crime de lesão corporal de natureza
leve, com a máxima intervenção social, através de amplas políticas públicas
destinadas a prevenir essa violência. As inúmeras medidas protetivas da Lei estão
destinadas a maior proteção da vítima, haja visto a possibilidade de incremento
da violência com a conseqüente ocorrência de crimes mais graves.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 551
Extrai-se do exame do caso concreto que o delito supostamente praticado
por irmão contra irmã não guarda qualquer motivação de gênero apta a atrair
a incidência da Lei n. 11.340/2006, merecendo a conduta exame e eventual
punição à luz do Código Penal.
Ausente, pois, o nexo de causalidade entre a conduta criminosa praticada
e a relação existente entre autor e vítima, que não se identifi ca com violência
de gênero, praticada em contexto de relação íntima de afeto, não deve incidir o
sistema de proteção especial criado pela Lei n. 11.340/2006.
Veja-se, a título de ilustração, que na hipotética situação de ameaça
praticada pelo irmão contra irmão e irmã, somente a última atrairia a incidência
da Lei n. 11.340/2006, em evidente tratamento desigual de pessoas que estavam
numa mesma situação, a evidenciar que a mencionada lei somente alcança
pessoas que estão numa mesma situação ou contexto – mulheres vulneráveis,
vítimas de violência de qualquer natureza, praticada por parceiro ou parceira em
relação íntima de afeto.
Conclui-se, pois, que no presente caso concreto, a relação entre sogra e nora não se
insere na hipótese de incidência da Lei n. 11.340/2006. Se assim fosse, qualquer delito
que envolvesse relação entre parentes poderia dar ensejo à aplicação da referida Lei,
inviabilizando-se, inclusive, o funcionamento do Juizado da Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher.
A Lei n. 11.340/2006 criou um microssistema que se identifi ca pelo gênero da
vítima, fi cando restrita às relações íntimas de afeto. Para os demais casos de violência
– envolvendo relação de parentesco entre irmãos, tios, sobrinha, avós, bem como aquela
envolvendo patrão e empregada – já existem regras, mormente no âmbito do Código
Penal, para penalizar os agressores, não se justifi cando, em relação a estes, a proteção
especial conferida pela Lei n. 11.340/2006.
Em síntese, a incidência da Lei n. 11.340/2006 reclama a constatação da
presença concomitante da violência de qualquer natureza praticada contra mulher
em situação de vulnerabilidade, por motivação de gênero e praticada por parceiro ou
parceira em relação íntima de afeto, fator que, por razões culturais, não eram objeto de
tutela penal sufi ciente, efetiva e adequada.
À conta de tais considerações, não conheço da impetração. Concedo,
habeas corpus de ofício para declarar competente para processar e julgar o feito o
Juizado Especial Criminal da Comarca de Santa Maria-RS.
É como voto.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
552
HABEAS CORPUS N. 218.961-SP (2011/0222773-6)
Relatora: Ministra Laurita Vaz
Impetrante: Cleide Camilo Teixeira e outros
Advogado: Cleide Camilo Teixeira e outro(s)
Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3ª Região
Paciente: Claudio Antonio Pistelli
EMENTA
Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Writ não conhecido, por ser
errônea a impetração originária em substituição à via de impugnação cabível,
qual seja, o recurso ordinário constitucional. Descaminho. Crime formal.
Desnecessidade de constituição defi nitiva do crédito tributário. Ausência de
ilegalidade fl agrante que, eventualmente, ensejasse a concessão da ordem de
ofício. Habeas corpus não conhecido.
1. Na esteira dos precedentes atuais deste Superior Tribunal de Justiça, o
writ não pode ser conhecido, por se tratar de errônea impetração originária de
habeas corpus em substituição à via de impugnação cabível, qual seja, o recurso
ordinário constitucional. Contudo, em respeito ao fato de a impetração ter sido
anterior à mudança do referido entendimento, é feita a análise da insurgência, a
fi m de verifi car a eventual possibilidade de concessão da ordem de ofício.
2. O crime de descaminho se perfaz com o ato de iludir o pagamento de
imposto devido pela entrada de mercadoria no pais. Não é necessária, assim, a
apuração administrativo-fi scal do montante que deixou de ser recolhido para a
confi guração do delito. Trata-se, portanto, de crime formal, e não material, razão
pela qual o resultado da conduta delituosa relacionada ao quantum do imposto
devido não integra o tipo legal. Precedente da Quinta Turma do STJ e do STF.
3. A norma penal do art. 334 do Código Penal – elencada sob o Título XI:
“Dos Crimes Contra a Administração Pública” – visa proteger, em primeiro plano,
a integridade do sistema de controle de entrada e saída de mercadorias do país,
como importante instrumento de política econômica. O agente que ilude esse
controle aduaneiro para importar mercadorias, sem o pagamento dos impostos
devidos – estes fi xados, afi nal, para regular e equilibrar o sistema econômico-
fi nanceiro do país – comete o crime de descaminho, independentemente da
apuração administrativo-fi scal do valor do imposto sonegado.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 553
4. O bem jurídico protegido pela norma em tela é mais do que o mero
valor do imposto. Engloba a própria estabilidade das atividades comerciais
dentro do país, refl etindo na balança comercial entre o Brasil e outros países. O
produto inserido no mercado brasileiro, fruto de descaminho, além de lesar o
fi sco, enseja o comércio ilegal, concorrendo, de forma desleal, com os produzidos
no país, gerando uma série de prejuízos para a atividade empresarial brasileira.
5. Em suma: a confi guração do crime de descaminho, por ser formal,
independe da apuração administrativo-fiscal do valor do imposto iludido,
embora este possa orientar a aplicação do princípio da insignifi cância quando se
tratar de conduta isolada.
6. Habeas corpus não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das
notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido. Os
Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Regina
Helena Costa votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 15 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministra Laurita Vaz, Relatora
DJe 25.10.2013
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de habeas corpus, substitutivo de
recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de Cláudio Antonio
Pistelli, contra acórdão proferido pela Quinta Turma do Tribunal Regional da 3ª
Região que denegou a ordem originária.
Em 14.5.2009, o ora Paciente, foi preso em fl agrante, como incurso no art.
334, § 3º, do Código Penal, quando policiais apreenderam diversos produtos
eletrônicos, oriundos do exterior, sem documentação aduaneira, trazidos em um
avião, no aeroporto da cidade de Capão Bonito-SP.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
554
Consta que dois habeas corpus foram impetrados perante o Tribunal a quo,
buscando o relaxamento da prisão: o primeiro, foi denegado; o segundo, não foi
conhecido.
O Juízo processante, considerando o excesso de prazo da prisão, deferiu a
liberdade provisória ao Paciente.
Um terceiro habeas corpus foi impetrado (HC n. 2011.03.00.012201-0-SP)
perante o Tribunal Regional da 3ª Região, objetivando o trancamento da ação
penal em face da ausência de constituição defi nitiva do crédito tributário. A
ordem foi denegada, consoante a ementa que se segue (fl s. 214-215):
Penal e Processual Penal. Habeas corpus. Indícios de fato delituoso e
envolvimento do paciente. Necessidade de investigação. Ausência de justa
causa não verifi cada. Trancamento de inquérito policial. Medida excepcional.
Precedentes do STF e STJ. Ordem denegada.
1. A ação de habeas corpus tem pressuposto específi co de admissibilidade,
consistente na demonstração primo ictu oculi da violência atual ou iminente,
qualifi cada pela ilegalidade ou pelo abuso de poder, que repercuta, mediata ou
imediatamente, no direito à livre locomoção, conforme previsão do art. 5º, inc.
LXVIII, da CF e art. 647 do CPP.
2. Paciente preso em fl agrante e, posteriormente, posto em liberdade vez que
relaxado o fl agrante.
3. Alegada ausência de justa causa para a investigação e o indiciamento do
paciente, por não ter sido constituído em defi nitivo o crédito tributário. Descaminho
é crime formal. Desnecessidade da constituição do crédito tributário. Precedentes do
STF e dos Tribunais Regionais.
4. Informações da autoridade coatora dão conta de que o inquérito busca
apurar não só o delito em questão, mas também todos os envolvidos, já que este
crime representa apenas um dos diversos delitos cometidos por uma quadrilha
bem organizada.
5. A função da Polícia é investigar os fatos e nesse processo de investigação é
que obterá informações acerca da veracidade, ou não, do delito, as circunstâncias
dos fatos e a identifi cação dos responsáveis.
6. A análise perfunctória da prova não exclui, de plano, a existência do crime,
tampouco a não participação do paciente, de modo a justifi car o trancamento do
curso do inquérito policial instaurado.
7. Necessidade de investigação dos fatos e a identifi cação dos envolvidos.
Trancamento do inquérito é medida excepcional. Precedentes do STF e STJ.
Ausência de justa causa para a investigação não demonstrada.
8. Ordem denegada. (grifei.)
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 555
No presente writ, reiteram os Impetrantes os termos da exordial do
habeas corpus originário, insistindo no pedido de trancamento da ação penal em
decorrência da inexistência de crédito tributário defi nitivamente constituído,
razão pela qual não haveria a condição de procedibilidade para a persecução
criminal. Apontam a norma inserta no art. 83, da Lei n. 9.430/1996, que prevê
a representação fi scal para fi ns penais em relação aos crimes contra ordem
tributária, e o disposto no art. 5º da Portaria n. 665/2008, da Secretaria da
Receita Federal, que expressamente faz referência à necessidade de representação
para o crime de contrabando ou descaminho.
Indicam os Impetrantes, ainda, precedentes deste Superior Tribunal de
Justiça e julgado do Supremo Tribunal Federal, no HC n. 85.942-SP, Rel.
Ministro Luiz Fux, a corroborar a pretensão do mandamus.
Indeferi a liminar às fl s. 221-224, ocasião em que dispensei as informações.
O parecer do Ministério Público Federal às fl s. 231-233 foi pela denegação
da ordem.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): Na esteira dos precedentes atuais
deste Superior Tribunal de Justiça, o writ não pode ser conhecido, por se tratar
de errônea impetração originária de habeas corpus em substituição à via de
impugnação cabível, qual seja, o recurso ordinário constitucional. Contudo,
em respeito ao fato de a impetração ter sido anterior à mudança do referido
entendimento, passo à análise da insurgência, a fi m de verifi car a eventual
possibilidade de concessão da ordem de ofício.
Almejam os Impetrantes o trancamento da ação penal instaurada contra o
Paciente, acusado do crime de descaminho, em face da ausência de constituição
defi nitiva do crédito tributário.
Malgrado a existência de precedentes das Quinta e Sexta Turmas deste
Superior Tribunal de Justiça corroborando a tese da impetração, melhor
refl etindo sobre a questão, creio que deva ser reformulado o entendimento.
Com efeito, é este o tipo legal insculpido no Código Penal:
Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em
parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo
consumo de mercadoria:
Pena - reclusão, de um a quatro anos. (grifei)
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
556
Como se vê, o crime de descaminho se perfaz com o ato de iludir o pagamento
de imposto devido pela entrada de mercadoria no pais. Não é necessária, assim, a
apuração administrativo-fi scal do montante que deixou de ser recolhido para a
confi guração do delito. Trata-se, portanto, de crime formal, e não material, razão
pela qual o resultado da conduta delituosa relacionada ao quantum do imposto
devido não integra o tipo legal.
Nesse sentido, há precedente desta Quinta Turma consignando que “A
falta de indicação do valor de tributos devidos não macula a inicial acusatória,
eis que o descaminho é delito formal e se concretiza com a simples ilusão do
pagamento do tributo devido” (HC n. 171.490-MS, Rel. Ministro Gilson Dipp,
Quinta Turma, julgado em 17.4.2012, DJe 23.4.2012).
Colaciono ainda o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:
Habeas corpus. Descaminho. Importação de produtos de informática e de
telecomunicações. Simulação de operações comerciais. Mercadorias importadas
de forma irregular. Desnecessidade de constituição defi nitiva do débito tributário.
Ordem denegada.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme em considerar
excepcional o trancamento da ação penal pela via processualmente acanhada
do habeas corpus (HC n. 86.786, da minha relatoria; HC n. 84.841, da relatoria do
ministro Marco Aurélio). Habeas corpus que se revela como trilha de verdadeiro
atalho, somente admitida quando de logo avulta o desatendimento das
coordenadas objetivas dos arts. 41 e 395 do CPP.
2. Quanto aos delitos tributários materiais, esta nossa Corte dá pela necessidade
do lançamento defi nitivo do tributo devido, como condição de caracterização
do crime. Tal direção interpretativa está assentada na idéia-força de que, para a
consumação dos crimes tributários descritos nos cinco incisos do art. 1º da Lei n.
8.137/1990, é imprescindível a ocorrência do resultado supressão ou redução de
tributo. Resultado aferido, tão-somente, após a constituição defi nitiva do crédito
tributário. (Súmula Vinculante n. 24)
3. Por outra volta, a consumação do delito de descaminho e a posterior abertura
de processo-crime não estão a depender da constituição administrativa do débito
fi scal. Primeiro, porque o delito de descaminho é rigorosamente formal, de modo
a prescindir da ocorrência do resultado naturalístico. Segundo, porque a conduta
materializadora desse crime é “iludir” o Estado quanto ao pagamento do imposto
devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. E iludir não signifi ca
outra coisa senão fraudar, burlar, escamotear. Condutas, essas, minuciosamente
narradas na inicial acusatória.
4. Acresce que, na concreta situação dos autos, o paciente se acha denunciado
pelo descaminho, na forma da alínea c do § 1º do art. 334 do Código Penal.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 557
Delito que tem como elementos nucleares as seguintes condutas: vender, expor
à venda, manter em depósito e utilizar mercadoria estrangeira introduzida
clandestinamente no País ou importada fraudulentamente. Pelo que não há
necessidade de uma defi nitiva constituição administrativa do imposto devido
para, e só então, ter-se por consumado o delito.
5. Ordem denegada. (HC n. 99.740, Rel. Ministro Ayres Britto, Segunda Turma,
julgado em 23.11.2010, DJe-020, divulg 31.1.2011, public 1º.2.2011, Ement vol-
02454-02, pp-00474, RDDT n. 187, 2011, p. 169-174.)
Cumpre anotar que a norma penal do art. 334 do Código Penal – elencada
sob o Título XI: “Dos Crimes Contra a Administração Pública” – visa proteger,
em primeiro plano, a integridade do sistema de controle de entrada e saída de
mercadorias do país, como importante instrumento de política econômica. O
agente que ilude esse controle aduaneiro para importar mercadorias, sem o
pagamento dos impostos devidos – estes fi xados, afi nal, para regular e equilibrar
o sistema econômico-fi nanceiro do país – comete o crime de descaminho,
independentemente da apuração administrativo-fi scal do valor do imposto
sonegado.
Com efeito, o bem jurídico protegido pela norma em tela é mais do que o
mero valor do imposto. Engloba a própria estabilidade das atividades comerciais
dentro do país, refl etindo na balança comercial entre o Brasil e outros países. O
produto inserido no mercado brasileiro, fruto de descaminho, além de lesar o
fi sco, enseja o comércio ilegal, concorrendo, de forma desleal, com os produzidos
no país, gerando uma série de prejuízos para a atividade empresarial brasileira.
Outrossim, o aludido art. 83, da Lei n. 9.430/1996, com redação dada pela
Lei n. 12.350/2010, que trata da representação fi scal para fi ns penais, não faz
referência ao crime de descaminho. Confi ra-se:
Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a
ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990,
e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois
de proferida a decisão fi nal, na esfera administrativa, sobre a exigência fi scal do
crédito tributário correspondente. (grifei)
E, mesmo que fi zesse, por se tratar de crime formal, que independe da
constituição defi nitiva do crédito fi scal para sua confi guração, não condicionaria
a instauração de investigação ou de ajuizamento de ação penal para apurar o
crime de descaminho.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
558
Quanto à mencionada Portaria n. 665/2008, da Secretaria da Receita Federal
(que já foi revogada pela Portaria n. 2.439/2010), a norma executiva em nada
ajuda a tese dos Impetrantes, ao dispor que:
Art. 5º A representação fi scal para fi ns penais relativa aos crimes de contrabando
ou descaminho, defi nidos no art. 334 do Código Penal, será formalizada em autos
separados e protocolizada na mesma data da lavratura do auto de infração, devendo
permanecer na unidade da RFB de lavratura até o fi nal do prazo para impugnação.
§ 1º Se for aplicada a pena de perdimento de bens, inclusive na hipótese de
conversão em multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria que não seja
localizada ou que tenha sido consumida, a representação de que trata o caput
deverá ser encaminhada pela autoridade julgadora de instância única ao órgão do
Ministério Público Federal que for competente para promover a ação penal, no prazo
máximo de 10 (dez) dias, anexando-se cópia da decisão.
§ 2º Não aplicada a pena de perdimento, a representação fi scal para fi ns penais
deverá ser arquivada, depois de incluir nos autos cópia da respectiva decisão
administrativa.
Eis a dicção da Portaria n. 2.439/2010, nesse particular:
Art. 6º A representação fi scal para fi ns penais relativa aos crimes de contrabando
ou descaminho, defi nidos no art. 334 do Código Penal, deverá:
I - conter os elementos referidos no art. 3º, no que couber;
II - ser formalizada em autos separados e protocolizada na mesma data
da lavratura do auto de infração, devendo permanecer na unidade da RFB de
lavratura até o fi nal do prazo para impugnação;
II - ser formalizada em autos separados e protocolizada na mesma data da
lavratura do auto de infração, observado o disposto nos §§ 1º a 3º do art. 4º;
(Redação dada pela Portaria RFB n. 3.182, de 29 de julho de 2011)
III - ser encaminhada pela autoridade julgadora de instância única ao órgão do
MPF que for competente para promover a ação penal, no prazo máximo de 30 (trinta)
dias, anexando-se cópia da decisão, no caso de aplicação da pena de perdimento dos
bens, inclusive na hipótese de conversão em multa equivalente ao valor aduaneiro da
mercadoria que não seja localizada ou que tenha sido consumida; ou
IV - ser arquivada, depois da inclusão nos autos de cópia da respectiva decisão
administrativa, no caso de não aplicação da pena de perdimento dos bens.
A Portaria referida, como se vê, orienta a fiscalização tributária no
sentido de encaminhar para o Ministério Público Federal informações aptas a
desencadear a persecução criminal pelo titular da ação penal, mas não condiciona
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 559
sua atuação. As esferas Administrativa e Penal são autônomas e independentes,
sendo desinfl uente, no crime de descaminho, a constituição defi nitiva do crédito
tributário pela primeira para a incidência da segunda.
Nesse contexto, a norma procedimental administrativa não tem o condão
de desfi gurar o tipo legal inserto no Código Penal, tampouco de condicionar a
persecução criminal.
A propósito do tema, embora não se tenha discutido no acórdão
impugnado e nem se tenha notícia nos autos do valor dos tributos devidos, vale
ressaltar que a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, em consonância
com a do Supremo Tribunal Federal, admite a incidência do princípio da
insignifi cância quando o montante do imposto iludido, em valores desde logo
estimados, não ultrapassar os R$ 10.000,00 (dez mil reais), limite fi xado no art.
20 da Lei n. 10.522/2002, que determina o arquivamento das execuções fi scais
cujo valor consolidado esteja abaixo desse patamar. O entendimento é que,
inexistindo interesse do Estado na cobrança das dívidas tributárias nesse valor, o
caráter fragmentário e subsidiário do direto penal afasta a incidência da norma
incriminadora, por considerar a conduta materialmente atípica. Nesse sentido:
Recurso especial repetitivo representativo da controvérsia. Art. 105, III, a e
c da CF/1988. Penal. Art. 334, § 1º, alíneas c e d, do Código Penal. Descaminho.
Tipicidade. Aplicação do princípio da insignifi cância.
I - Segundo jurisprudência fi rmada no âmbito do Pretório Excelso - 1ª e 2ª Turmas
- incide o princípio da insignifi cância aos débitos tributários que não ultrapassem
o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n.
10.522/2002.
II - Muito embora esta não seja a orientação majoritária desta Corte (vide
EREsp n. 966.077-GO, 3ª Seção, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 20.8.2009), mas em
prol da otimização do sistema, e buscando evitar uma sucessiva interposição de
recursos ao c. Supremo Tribunal Federal, em sintonia com os objetivos da Lei n.
11.672/2008, é de ser seguido, na matéria, o escólio jurisprudencial da Suprema
Corte.
Recurso especial desprovido. (REsp n. 1.112.748-TO, Rel. Ministro Felix Fischer,
Terceira Seção, julgado em 9.9.2009, DJe 13.10.2009.)
Não obstante, os julgados desta Quinta Turma, alinhados com os da
Suprema Corte, não admitem a aplicação do princípio da insignifi cância em
casos tais em que há reiteração da conduta, na medida em que se evidencia o
alto grau de reprovabilidade do comportamento do agente, bem como a efetiva
ameaça aos bens jurídicos que se almeja proteger. Confi ra-se:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
560
Agravo regimental em recurso especial. Penal. Crime de descaminho. Débito
tributário inferior a R$ 10.000,00. Aplicação do princípio da insignificância.
Inviabilidade. Habitualidade na prática da conduta criminosa. Precedentes do
Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Agravo desprovido.
1. A despeito do débito tributário referente às mercadorias estrangeiras sem
documentação fi scal ser inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), subsiste o interesse
estatal à repressão do delito de descaminho praticado habitualmente pelo Acusado
2. A Suprema Corte firmou sua orientação no sentido de que “[o] princípio da
insignifi cância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas
desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfi mas, isoladas, sejam
sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos
contrários à lei penal, mesmo que insignifi cantes, quando constantes, devido a sua
reprovabilidade, perdem a característica de bagatela e devem se submeter ao direito
penal” (STF, HC n. 102.088-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 21.5.2010).
3. De fato, constatada a conduta habitual do Agente, a lei seria inócua se
fosse tolerada a prática criminosa ou, até mesmo, o cometimento do mesmo
delito, seguidas vezes, em frações que, isoladamente, não superassem certo
valor tido por insignifi cante, mas o excedesse na soma. A desconsideração dessas
circunstâncias implicaria verdadeiro incentivo ao descumprimento da norma
legal, mormente para aqueles que fazem da criminalidade um meio de vida.
Precedentes da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e desta Turma.
4. A despeito de não confi gurar reincidência, a existência de outras ações
penais em curso é suficiente para caracterizar a habitualidade delitiva e,
consequentemente, afastar a incidência do princípio da insignifi cância. No caso,
há comprovação da existência de outras ações penais em seu desfavor, inclusive
da mesma atividade criminosa.
5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.241.920-PR, Rel. Ministra
Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 18.6.2013, DJe 1º.7.2013.)
Agravo regimental no recurso especial. Descaminho. Tipicidade. Princípio da
insignifi cância. Reiteração delitiva. Inaplicabilidade. Decisão mantida por seus
próprios fundamentos. Agravo improvido.
1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp
n. 1.112.748-TO, fi rmou o entendimento no sentido de ser aplicável ao crime de
descaminho o princípio da insignifi cância quando o valor do tributo iludido for
inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
2. Quando a contumácia delitiva é patente, não há como deixar de reconhecer o
elevado grau de reprovabilidade do comportamento do acusado, bem como a efetiva
periculosidade ao bem jurídico que se almeja proteger, impedindo, assim, a aplicação
do princípio da insignificância, notadamente em razão da informação acerca da
existência de outros processos administrativos fi scais, instaurados contra o agravante,
também pelo delito de descaminho. Precedente do Supremo Tribunal Federal.
3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp n. 1.347.579-
PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, DJe de 16.5.2013.)
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 561
Habeas corpus. Processual Penal. Descaminho (CP, art. 334, § 1º, d). Trancamento
da ação penal. Pretensão à aplicação do princípio da insignifi cância. Contumácia na
conduta. Não cabimento. Ausência de constrangimento ilegal. Ordem denegada.
1. Embora seja reduzida a expressividade financeira do tributo omitido ou
sonegado pelo paciente, não é possível acatar a tese de irrelevância material da
conduta por ele praticada, tendo em vista ser ela uma prática habitual na sua vida
pregressa, o que demonstra ser ele um infrator contumaz e com personalidade
voltada à prática delitiva, ainda que, formalmente, não se possa reconhecer, na
espécie, a existência da reincidência.
2. Conforme a jurisprudência da Corte, “o reconhecimento da insignifi cância
material da conduta increpada ao paciente serviria muito mais como um
deletério incentivo ao cometimento de novos delitos do que propriamente uma
injustifi cada mobilização do Poder Judiciário” (HC n. 96.202-RS, Primeira Turma,
Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 28.5.2010).
3. Ordem denegada. (HC n. 115.869, Relator Min. Dias Toff oli, Primeira Turma,
DJe-084 de 7.5.2013; grifo no original.)
Habeas corpus. Penal. Constitucional. Infração do art. 344, § 1º, alínea d, do
Código Penal. Pretensão de aplicação do princípio da insignifi cância: inviabilidade.
Prática reiterada de descaminho. Precedentes.
1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o exercício de mera
adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, a
confi guração da tipicidade demandaria uma análise materialmente valorativa das
circunstâncias do caso concreto, para se verifi car a ocorrência de alguma lesão
grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado.
2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da
tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de
haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal.
3. Existência de outros processos administrativos fiscais instaurados contra o
Paciente em razão de práticas de descaminho. Elevado grau de reprovabilidade da
conduta imputada evidenciado pela reiteração delitiva, o que afasta a aplicação do
princípio da insignifi cância no caso.
4. O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não
pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes,
pois crimes considerados ínfi mos, quando analisados isoladamente, mas relevantes
quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de
vida.
5. O princípio da insignificância não pode ser acolhido para resguardar e
legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de
conduta ínfimos, isolados, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se
justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
562
insignificantes, quando constantes, devido à sua reprovabilidade, perdem a
característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal.
6. Ordem denegada. (HC n. 112.597, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Segunda
Turma, julgado em 18.9.2012, DJe-241, divulg 7.12.2012, public 10.12.2012.)
Esses julgados reforçam a ideia de que o objeto jurídico tutelado extrapola
o mero interesse fi scal sobre as mercadorias introduzidas clandestinamente no
país, porque consideram em desfavor do agente a contumácia na prática do crime
de descaminho, declarando o interesse estatal na persecução criminal, mesmo
quando o valor do tributo devido estiver dentro dos limites não executados pela
Administração.
Firme nessas razões, pedindo vênia aos entendimentos contrários, entendo
que a confi guração do crime de descaminho, por ser formal, independe da
apuração administrativo-fi scal do valor do imposto iludido, embora este possa
orientar a aplicação do princípio da insignifi cância quando se tratar de conduta
isolada.
Não é, portanto, o caso de concessão da ordem de ofício.
Ante o exposto, não conheço da ordem de habeas corpus.
É o voto.
HABEAS CORPUS N. 223.044-ES (2011/0257134-0)
Relator: Ministro Jorge Mussi
Impetrante: Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo
Advogado: Rodrigo de Paula Lima - Defensor Público
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo
Paciente: João Batista Rodrigues de Jesus (preso)
EMENTA
Habeas corpus. Impetração originária. Substituição ao recurso
especial cabível. Impossibilidade. Respeito ao sistema recursal previsto
na Carta Magna. Não conhecimento.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 563
1. Com o intuito de homenagear o sistema criado pelo Poder
Constituinte Originário para a impugnação das decisões judiciais,
necessária a racionalização da utilização do habeas corpus, o qual não
deve ser admitido para contestar decisão contra a qual exista previsão
de recurso específi co no ordenamento jurídico.
2. Tendo em vista que a impetração aponta como ato coator
acórdão proferido por ocasião do julgamento de apelação criminal,
contra a qual seria cabível a interposição do recurso especial, depara-
se com fl agrante utilização inadequada da via eleita, circunstância que
impede o seu conhecimento.
3. Tratando-se de writ impetrado antes da alteração do
entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal será
enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão
de habeas corpus de ofício.
Homicídio qualifi cado (artigo 121, § 2º, inciso II, do Código Penal).
Tribunal do Júri. Nulidade. Ausência de formulação de quesito referente
à absolvição do acusado. Obrigatoriedade. Inteligência do artigo 483 do
Código de Processo Penal. Constrangimento ilegal evidenciado. Concessão
da ordem de ofício.
1. Com o advento da Lei n. 11.689/2008, modifi cou-se a forma
de elaboração dos quesitos de defesa, concentrando-se em um único
questionamento - o que indaga se os jurados absolvem o réu - todas as
teses sustentadas pelo acusado e por seu patrono em Plenário.
2. Nos termos do § 2º do artigo 483 do Código de Processo
Penal, sendo respondidos afi rmativamente os quesitos referentes à
materialidade e à autoria ou participação, passa-se ao questionamento
relativo à absolvição do réu.
3. O quesito referente à absolvição é obrigatório, devendo ser
elaborado mesmo quando a defesa se limite a negar a autoria ou a
participação do acusado nos fatos narrados na denúncia. Doutrina.
Precedentes.
4. No caso dos autos, da leitura da ata da sessão de julgamento,
observa-se que a defesa pleiteou a absolvição do réu ou a exclusão das
qualifi cadoras do delito de homicídio, não tendo o Juiz Presidente
formulado quesito referente à absolvição, com o que não concordou
a Defensoria Pública, que requereu o registro do seu protesto em ata.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
564
5. Demonstrada a ausência de elaboração de quesito obrigatório,
imperioso o reconhecimento da nulidade do julgamento, consoante o
disposto na Súmula n. 156 do Supremo Tribunal Federal.
6. Inviável a determinação de expedição de alvará de soltura em
favor do paciente, pois permaneceu preso durante toda a instrução
criminal, havendo notícias de que seria indivíduo perigoso em seu
meio social, e de que estaria ameaçando testemunhas que depuseram
sem seu desfavor.
7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício,
nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal, apenas
para anular o julgamento do paciente realizado pelo Tribunal do Júri,
determinando-se que outro se realize com a formulação do quesito
obrigatório previsto no artigo 483, inciso III e § 2º, do Código de
Processo Penal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder
“Habeas Corpus” de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os
Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques (Desembargador
convocado do TJ-PR), Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-
SE) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 27 de agosto de 2013 (data do julgamento).
Ministro Jorge Mussi, Relator
DJe 17.9.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus impetrado em
favor de João Batista Rodrigues de Jesus, apontando como autoridade coatora
o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, que negou provimento à
Apelação n. 047.099.159.908.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 565
Noticiam os autos que o paciente foi condenado à pena de 12 (doze) anos
e 3 (três) meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, como
incurso no artigo 121, § 2º, inciso II, do Código Penal.
Irresignada, a defesa apelou, tendo a Corte Estadual negado provimento ao
recurso.
Sustenta o impetrante que o paciente seria alvo de constrangimento ilegal,
sob o argumento de que no seu julgamento pelo Tribunal do Júri não teria
sido formulado quesito obrigatório referente à absolvição, em observância ao
disposto no artigo 483, inciso III, do Código de Processo Penal.
Afi rma que a defesa protestou oportunamente pela ausência do quesito
genérico relativo à absolvição do acusado, motivo pelo qual não se poderia falar
em preclusão.
Alega que a resposta afi rmativa aos quesitos que tratam da materialidade
e da autoria do delito, ensejaria obrigatoriamente o questionamento referente
à absolvição do réu, nos termos do § 2º do artigo 483 da Lei Processual Penal.
Defende que a falta total de quesito tido por obrigatório seria causa de
nulidade absoluta do processo, tal como previsto no artigo 564, parágrafo único,
da Lei Penal Adjetiva.
Assevera que ausência do quesito referente à absolvição violaria não apenas
o princípio da soberania dos veredictos, como também o da plenitude de defesa.
Aduz que nos sistema jurídico atual, seria possível a absolvição do acusado
mesmo quando a defesa, técnica ou pessoal, não tenha invocado teses que
conduzam a um veredicto absolutório.
Requer a concessão da ordem para que seja anulado o julgamento do
paciente pelo Tribunal do Júri, expedindo-se alvará de soltura para que o
paciente seja colocado em liberdade, salvo se por outro motivo não estiver preso.
Prestadas as informações (e-STJ fl s. 51-52), o Ministério Público Federal,
em parecer de fl s. 67-70, manifestou-se pela denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Conforme relatado, com este habeas
corpus pretende-se, em síntese, a anulação do julgamento do paciente pelo
Tribunal do Júri.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
566
O pleito deduzido na inicial não comporta conhecimento na via eleita, já
que formulado em fl agrante desrespeito ao sistema recursal vigente no âmbito
do Direito Processual Penal pátrio.
Nos termos do artigo 105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, este
Superior Tribunal de Justiça é competente para processar e julgar, de forma
originária, os habeas corpus impetrados contra ato de tribunal sujeito à sua
jurisdição e de Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou
da Aeronáutica; ou quando for coator ou paciente as autoridades elencadas na
alínea a do mesmo dispositivo constitucional, hipóteses não ocorrentes na espécie.
Por outro lado, prevê o inciso III do artigo 105 que o Superior Tribunal
de Justiça é competente para julgar, em recurso especial, as causas decididas, em
única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais
dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, nas hipóteses descritas de forma
taxativa nas suas alíneas a, b e c.
Esse Superior Tribunal de Justiça, com o intuito de homenagear o sistema
criado pelo Poder Constituinte Originário para a impugnação das decisões
judiciais, fi rmou entendimento no sentido de que o atual estágio em que se
encontra a sociedade brasileira clama pela racionalização da utilização dessa
ferramenta importantíssima para a garantia do direito de locomoção, que é o
habeas corpus, de forma a não mais admitir que seja empregada para contestar
decisão contra a qual exista previsão de recurso específi co no ordenamento
jurídico, exatamente como ocorre no caso em exame.
Cumpre observar que, em se tratando de direito penal, destinado a
recuperar as mazelas sociais e tendo como regra a imposição de sanção privativa
de liberdade, o direito de locomoção, sempre e sempre, estará em discussão,
ainda que de forma refl exa, mas tal argumento não pode mais ser utilizado
para que todas as matérias que envolvam a persecutio criminis in judictio até a
efetiva prestação jurisdicional sejam trazidas para dentro do habeas corpus, cujas
limitações cognitivas podem signifi car, até mesmo, o tratamento inadequado da
providência requerida.
Com estas considerações e tendo em vista que a impetração se destina
a atacar acórdão proferido em sede de apelação criminal, contra o qual seria
cabível a interposição do recurso especial, depara-se com fl agrante utilização
inadequada da via eleita, circunstância que impede o seu conhecimento.
Todavia, tratando-se de remédio constitucional impetrado antes da
alteração do entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 567
será enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão de
habeas corpus de ofício.
Segundo consta dos autos, o paciente foi acusado de praticar o delito de
homicídio qualifi cado, extraindo-se da denúncia as seguintes passagens:
Noticiam os autos do procedimento policial, que serviu de base para a
presente, registrado sob n. 073/09, que no dia 25 de agosto de 2009, por volta das
19:20h, na Rua São Marcos, Morada do Lago, São Mateus-ES, a pessoa de Marco
Antônio Rapello foi alvejada fatalmente, por projétil de arma de fogo, quando
retomava do trabalho para sua residência, vindo a óbito, tendo sido acionada
a Polícia Militar através do número 190, encontrando os milicianos o corpo do
referido nacional caído na via pública, já sem vida.
Infere-se do inquérito, após investigações, que a pessoa de Marco Antônio
Rapello era usuário de entorpecentes e que estaria devendo dinheiro a trafi cante
de droga ilícita, sendo este a pessoa de João Batista de Jesus Rodrigues, vulgo
“Joãozinho” ou “Alemão”.
Segundo apurado, na data dos fatos, João Batista de Jesus Rodrigues, com
nítido propósito de ceifar a vida de Marco Antônio Rapello, por conta da dívida
existente, oriunda do fornecimento de entorpecentes, dirigiu-se a residência
deste, munido com um revólver calibre 38, municiado, acabando por encontrar a
vítima, chegando de seu serviço, empurando a bicicleta pela via pública.
Conforme revelam os elementos indiciários, ao avistar Marco Antônio Rapello,
João Batista de Jesus Rodrigues se aproximou rapidamente empunhando a arma
e sem vociferar qualquer palavra, proferiu disparos de arma de fogo em direção
à vítima, difi cultando qualquer defesa, atingindo-o mortalmente na região malar
esquerda, tendo o projétil adentrado o crânio, causando hemorragia cerebral
difusa e desorganização de massa encefálica, lesões por si só, causadoras do
óbito.
Ato contínuo, da mesma forma que se aproximou de inopino, João Batista de
Jesus Rodrigues se evadiu do local, vindo, contudo, a ser detido pela Polícia Militar
na data de 23.9.2009, ao tentar se escapar de uma guarnição policial, sendo
encontrado em seu poder um revólver calibre 38, municiado, possivelmente
utilizado no homicídio de Marco Antônio Rapello.
Autoria e materialidade, consubstanciada pelo Laudo de Cadavérico (fl . 25),
certidão de óbito (fl . 08), auto de apreensão (fl . 27) e depoimentos constantes dos
autos.
Procedendo desta forma João Batista de Jesus Rodrigues infringiu a norma
descrita no artigo 121, § 2º, inciso II e IV do Código Penal Brasileiro, razão pela
qual o denuncio. (e-STJ fl s. 10-11).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
568
Submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, o paciente restou condenado
à pena de 12 (doze) anos e 3 (três) meses de reclusão, a ser cumprida no regime
inicial fechado, como incurso no artigo 121, § 2º, inciso II, do Código Penal
(e-STJ fl s. 20-22).
Irresignada, a defesa apelou, tendo a Corte Estadual negado provimento ao
recurso, em aresto que restou assim ementado:
Apelação criminal. Tribunal do Júri. Sentença condenatória. Preliminar
DF. Nulidade do julgamento. Ausência de formulação do quesito absolutório
genérico (art. 483, III, CPP). Inexistência de tese correspondente. Rejeição. Mérito.
Manutenção da prisão cautelar. Réu que permaneceu preso durante toda a
instrução. Persistência dos fundamentos da custódia. Garantia da ordem pública.
Condenação ao pagamento das custas processuais. Isenção. Impossibilidade.
Recurso desprovido.
1) É desnecessária a formulação do quesito absolutório genérico (artigo 483,
inciso III, CPP) quando a defesa do réu ostenta apenas tese de negativa de autoria,
objeto de quesito antecedente, conforme a ordem do artigo 483 do CPP.
2) Preliminar rejeitada.
3) Não se afi gura plausível que o réu que permaneceu preso durante toda a
instrução, seja posto cm liberdade logo quando condenado por decisão calçada
em cognição exauriente, e que lhe impôs pena elevada.
4) Adequada a manutenção da prisão cautelar diante da periculosidade em
concreto do réu, demonstrada pelo modo de execução do delito, cm que a
vítima foi sumariamente executada a tiros enquanto retornava de seu trabalho,
por motivo fútil, qual seja, a pendência de uma divida de drogas. Além disso, há
notícias de que o réu seria tido em seu meio social como indivíduo perigoso, e
que teria ameaçado de morte duas testemunhas inquiridas em juízo, fatos que
autorizam a prisão preventiva para resguardo da ordem pública.
5) Mesmo que litigue sob o pálio da assistência judiciária gratuita, deve o réu
sucumbente ser condenado ao pagamento das custas processuais, fi cando a
exigibilidade da verba suspensa, nos termos do artigo 12 da Lei n. 1.060/1950.
(e-STJ fl . 30).
Pois bem. Com o advento da Lei n. 11.689/2008, modificou-se a
forma de elaboração dos quesitos de defesa, concentrando-se em um único
questionamento - o que indaga se os jurados absolvem o réu - todas as teses
sustentadas pelo acusado e por seu patrono em Plenário.
Confi ra-se, a propósito, a letra do artigo 483 do Código de Processo Penal,
após a mencionada reforma legislativa:
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 569
Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:
I – a materialidade do fato;
II – a autoria ou participação;
III – se o acusado deve ser absolvido;
IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;
V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena
reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível
a acusação.
Dessa forma, sendo respondidos afi rmativamente os quesitos referentes à
materialidade e à autoria ou participação, passa-se ao questionamento relativo à
absolvição do réu, nos termos do § 2º do citado dispositivo legal, verbis:
§ 2º Respondidos afi rmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos
relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a
seguinte redação: (Incluído pela Lei n. 11.689, de 2008)
O jurado absolve o acusado?
Trata-se, portanto, de quesito obrigatório, que deve ser elaborado mesmo
quando a defesa se limita a negar a autoria ou a participação do acusado nos
fatos narrados na denúncia.
Sobre o tema, é essa a lição de Guilherme de Souza Nucci:
A Lei n. 11.689/2008 introduziu uma modifi cação considerável no contexto do
Tribunal do Júri, simplifi cando o questionário, ao menos no que tange às teses de
defesa.
Não é mais necessário que o defensor sustente, por exemplo, a legítima defesa
e o magistrado elabore vários quesitos a esse respeito. Basta um: “o jurado absolve
o acusado?”
Entretanto, continuam a valer as outras teses defensivas, em formato de
quesitos, quando disserem respeito às circunstâncias do crime, implicando na
quantifi cação da pena.
É lógico poder a defesa sustentar, como tese única, a negativa do fato principal,
ou seja, que o réu não agrediu, de qualquer forma, a vítima. Por isso, à pergunta
formulada pelo juiz, referente à autoria ou participação, pedirá a defesa a resposta
“não”. Nesse caso, tornar-se-ia desnecessária a elaboração de outro quesito
específi co, pois bastaria negar a pergunta já constante do questionário.
Porém, a lei exige seja incluído o quesito referente à possibilidade de
absolvição do réu em todos os questionários. E será ele submetido à votação
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
570
sempre que forem respondidas afirmativamente as questões concernentes à
materialidade do fato e sua autoria. (Tribunal do Júri. 2ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, p. 232).
No mesmo sentido orienta-se a jurisprudência desta Corte Superior de
Justiça:
Habeas corpus impetrado em substituição ao recurso previsto no ordenamento
jurídico. (...) 3. Tese única de negativa de autoria. Autoria e materialidade
reconhecidas durante a votação dos três primeiros quesitos. Votação do quesito
obrigatório relativo à absolvição do réu. Ausência de contradição entre os quesitos.
4. Prisão preventiva. Matéria não analisada pelo Tribunal a quo. Supressão de
instância. 5. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofício.
(...)
2. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o quesito previsto
no art. 483, III, do Código de Processo Penal, é obrigatório e, dessa forma, não
pode ser atingido pela regra da prejudicialidade descrita no parágrafo único do
art. 490 do mesmo diploma legal. Precedentes. O fato de a decisão dos jurados
se distanciar das provas coletadas durante a instrução criminal não justifi ca a
renovação da votação ou caracteriza contrariedade entre as respostas. Eventual
discordância da acusação deve ser abordada por meio do recurso próprio, nos
termos do art. 593, III, alínea d, do Código de Processo Penal.
3. Os jurados são livres para absolver o acusado, ainda que reconhecida a
autoria e a materialidade do crime, e tenha o defensor sustentado tese única de
negativa de autoria.
4. Não havendo nos autos informação que a decisão superveniente decretando
a prisão preventiva dos réus tenha sido submetida à análise do Tribunal a quo, é
vedada apreciação diretamente pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de
indevida supressão de instância.
5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, afastando a
nulidade reconhecida, determinar que o Tribunal de Justiça de São Paulo analise o
mérito do recurso do Ministério Público, no tocante ao paciente Edson Vanderlei
de Oliveira Junior.
(HC n. 206.008-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado
em 18.4.2013, DJe 25.4.2013)
Habeas corpus. Homicídio qualifi cado e homicídio qualifi cado tentado. (...)
Ausência de formulação do quesito genérico de absolvição (art. 483, III e §
2º, do CPP). Questionamento obrigatório. Nulidade absoluta (Súmula n. 156-
STF). Arguição em momento oportuno. Irrelevância. Constrangimento ilegal
evidenciado.
(...)
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 571
4. A quesitação relativa à absolvição do acusado decorre expressamente da
lei (art. 483, § 2º, do CPP), portanto sua formulação é obrigatória, em razão da
garantia constitucional da plenitude de defesa. Precedente.
5. Considerando-se que o quesito da absolvição é obrigatório, tem incidência a
Súmula n. 156-STF e, em se tratando de nulidade absoluta, mostra-se irrelevante o
fato de não ter sido suscitada em momento oportuno.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem de habeas corpus concedida
de ofício, para anular o julgamento dos pacientes, realizado pelo Tribunal do
Júri, determinando-se que outro se realize, devendo ser formulado o quesito
obrigatório previsto no art. 483, III e § 2º, do Código de Processo Penal, com
expedição, por consequência, de alvará de soltura.
(HC n. 254.568-PB, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em
12.3.2013, DJe 19.3.2013)
No caso dos autos, da leitura da ata da sessão de julgamento, observa-se que
a defesa pleiteou a absolvição do réu ou a exclusão das qualifi cadoras do delito
de homicídio (e-STJ fl . 24), não tendo o Juiz Presidente formulado quesito
referente à absolvição “haja vista que não há tese formulada para absolvição”,
com o que não concordou a Defensoria Pública, que requereu o registro do seu
protesto em ata (e-STJ fl . 25).
Assim, foi este o questionário submetido à apreciação do Conselho de
Sentença:
1º quesito: No dia 25 de agosto de 2009, por volta das 19:25h, na Rua São
Marcos, Morada do Lago, neste Municipio, Marco Antônio Rapelo foi atingido
por disparos de arma de fogo, que lhe causaram as lesões descritas no Laudo de
Exame Cadavérico de fl . 30 e 156? Sim
2º quesito: Essas lesões foram a causa efi ciente da morte da vítima Marco
Antônio Rapelo? Sim
3º quesito: O acusado João Batista Rodrigues de Jesus concorreu para o crime
ao desferir os disparos de arma de fogo na vítima? Sim
4º quesito: O acusado João Batista Rodrigues de Jesus praticou o crime por
motivo fútil? Sim
5º quesito: O acusado praticou o crime utilizando-se de recurso de difi cultou a
defesa da vitima? Não (e-STJ fl . 19).
Observa-se, então, que não foi elaborado quesito obrigatório, referente à
absolvição do réu, o que enseja a nulidade do julgamento, consoante o disposto
na Súmula n. 156 do Supremo Tribunal Federal:
É absoluta a nulidade do julgamento, pelo júri, por falta de quesito obrigatório.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
572
Finalmente, inviável a expedição de alvará de soltura em favor do paciente,
pois consoante consignado pela autoridade apontada como coatora, ele
permaneceu preso durante toda a instrução criminal, sendo certo que “estão sim
delineados os pressupostos da prisão cautelar, mormente pela periculosidade em
concreto do recorrente, demonstrado pelo modo de execução do delito, em que
a vítima foi sumariamente executada a tiros enquanto retornava de seu trabalho”
em razão da “pendência de uma dívida de drogas”, havendo, ainda, notícias
de que seria “tido como indivíduo perigoso em seu meio social, e que estaria
ameaçando de morte” testemunhas que depuseram em seu desfavor (e-STJ fl s.
37-38).
Ante o exposto, por se afi gurar manifestamente incabível, não se conhece do
writ, concedendo-se, contudo, habeas corpus de ofício, nos termos do artigo 654, §
2º, do Código de Processo Penal, apenas para anular o julgamento do paciente
realizado pelo Tribunal do Júri, determinando-se que outro se realize com a
formulação do quesito obrigatório previsto no artigo 483, inciso III e § 2º, do
Código de Processo Penal.
É o voto.
HABEAS CORPUS N. 232.309-MA (2012/0019908-2)
Relator: Ministro Jorge Mussi
Impetrante: Diomar Bezerra Lima
Advogado: Diomar Bezerra Lima
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão
Paciente: José de Ribamar Teixeira Vasconcelos
EMENTA
Habeas corpus. Impetração originária. Substituição ao recurso
ordinário. Impossibilidade. Respeito ao sistema recursal previsto na
Carta Magna. Não conhecimento.
1. A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, buscando
dar efetividade às normas previstas na Constituição Federal e na Lei
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 573
n. 8.038/1990, passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus
originário em substituição ao recurso ordinário cabível, entendimento
que deve ser adotado por este Superior Tribunal de Justiça, a fi m de
que seja restabelecida a organicidade da prestação jurisdicional que
envolve a tutela do direito de locomoção.
2. Tratando-se de writ impetrado antes da alteração do
entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal será
enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão
de habeas corpus de ofício.
Quadrilha, peculato-desvio e fraude à licitação (artigos 288 e 312
do Código Penal, e 90 da Lei n. 8.666/1993). Writ não conhecido na
origem. Aventada reiteração de pedido. Inocorrência. Decisão proferida
em mandamus referente a outra ação penal. Possibilidade de concessão da
ordem de ofício.
1. Ao contrário do que decidido pela autoridade apontada como
coatora, o habeas corpus impetrado na origem não caracteriza reiteração
de pedido, já que se refere à ação penal distinta da que foi objeto do
mandamus deliberado anteriormente.
2. Tratando-se de tese já julgada pelo Tribunal de origem e
também por esta Corte Superior de Justiça nos autos do HC n.
71.362-MA, não se constata qualquer óbice ao seu enfrentamento.
Corréu detentor de foro por prerrogativa de função. Continência.
Necessidade de julgamento de todos os acusados perante o mesmo juízo.
1. Tratando-se de processo criminal no qual se atribui a todos
os agentes os mesmos delitos, depara-se com nítida hipótese de
continência, nos termos do artigo 77, inciso I, do Código de Processo
Penal, circunstância que, por si só, impede o julgamento dos fatos por
juízos distintos com relação a determinados réus, já que não se verifi ca
nenhuma das exceções previstas no artigo 79 do citado Estatuto.
2. Constatando que um dos réus, à época do recebimento da
denúncia, ocupava cargo detentor de foro por prerrogativa, incidindo,
portanto, em um só caso, duas regras de fi xação de competência
distintas, deve prevalecer aquela estabelecida em norma de maior
hierarquia, nos termos do artigo 78, inciso III, do Código de Processo
Penal, razão pela qual, na hipótese, impõe-se que os corréus não
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
574
detentores do foro por prerrogativa de função sejam processados
e julgados perante o Tribunal de Justiça do Estado, por força da
continência verifi cada.
3. A corroborar tal compreensão, é imperioso frisar que, ao
julgar questão de ordem no Inquérito n. 2.245-MG, o Supremo
Tribunal Federal entendeu, consoante o voto médio prolatado pelo
eminente Ministro Sepúlveda Pertence, que a simples pluralidade
de réus não enseja o desmembramento dos processos em que haja
autoridade detentora de foro por prerrogativa de função, impondo-
se o julgamento unitário dos acusados perante a jurisdição de maior
hierarquia.
4. Consequentemente, havendo na ação penal em exame corréu
com foro por prerrogativa, todos os demais acusados, inclusive o
paciente, devem ser processados perante o mesmo juízo, impondo-se,
por conseguinte, verifi car a quem compete o julgamento do feito.
Afastamento cautelar de corréu do cargo de Secretário de
Estado. Decisões proferidas em ações de improbidade administrativa.
Impossibilidade de se retirar do detentor da prerrogativa de foro o direito
que lhe foi conferido pela constituição sem que ocorra a perda defi nitiva
do cargo. Incompetência do juízo de primeiro grau para processar e julgar
os acusados enquanto o corréu sujeito a foro de hierarquia superior estava
simplesmente afastado de suas funções. Impossibilidade de aplicação do
entendimento fi rmado no julgamento da ADI n. 2.797-DF. Concessão da
ordem de ofício.
1. Embora o artigo 70 da Constituição do Estado do Maranhão
disponha que “os Secretários de Estado ou ocupantes de cargo
equivalente, nos crimes comuns e nos crimes de responsabilidade,
serão julgados pelo Tribunal de Justiça”, questiona-se se o mencionado
dispositivo constitucional se aplica às autoridades que estejam
afastadas de suas funções.
2. Após o julgamento da ADI n. 2.797-DF, não se admite
a manutenção da prerrogativa de foro pelos detentores de cargos
ou mandatos que deixarem de exercer a função, entendimento que
não pode ser aplicado àqueles que são simplesmente afastados
provisoriamente de suas funções por força de decisão judicial não
defi nitiva.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 575
3. Isso porque apenas a perda defi nitiva do cargo ou função tem
o condão de retirar da autoridade os direitos que lhe são conferidos
por força de norma constitucional, não se podendo admitir que uma
decisão de caráter liminar possa suprimir garantias que são inerentes
ao cargo por ele ocupado, notadamente porque ao ser afastado
permanece como seu titular, apenas não exercendo as respectivas
funções por determinado lapso temporal.
4. No caso em apreço, estando o paciente apenas afastado de suas
funções à época em que tramitava a ação penal, impossível aplicar-se
ao caso a orientação sufragada pela Suprema Corte no julgamento da
ADI n. 2.797-DF, pois para que a autoridade detentora do foro por
prerrogativa de função deixe de ostentá-lo, é preciso, como visto, que
haja a perda defi nitiva do cargo.
5. Assim, tem-se que a denúncia formulada contra o paciente e
demais corréus foi recebida por juízo absolutamente incompetente,
já que cabia ao Tribunal de Justiça, e não a um dos Juízes das Varas
Criminais da comarca, processar e julgar o feito, no qual fi gurava
autoridade com foro privilegiado previsto na Constituição do Estado.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para
reconhecer a incompetência do Juízo da 3ª Vara Criminal da comarca
de São Luís-MA, até o momento no qual o corréu deixou de ocupar
o cargo detentor de foro por prerrogativa de função, declarando-se
nulos os atos praticados pelo juízo incompetente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder
“Habeas Corpus” de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os
Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Regina Helena Costa e
Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 1º de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Jorge Mussi, Relator
DJe 14.10.2013
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
576
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus com pedido liminar
impetrado em favor de José de Ribamar Teixeira Vasconcelos, apontando como
autoridade coatora a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do
Estado do Maranhão, que não conheceu do HC n. 019211/2006.
Noticiam os autos que o paciente foi denunciado, com outros corréus,
como incurso nas sanções dos artigos 288 e 312 do Código Penal, e do artigo 90
da Lei n. 8.666/1993.
Sustenta o impetrante a ocorrência de constrangimento ilegal sob o
argumento de que seria improcedente a fundamentação apresentada pelo
Tribunal de Justiça para não conhecer do habeas corpus na origem, tendo em
vista que não se trataria de reiteração de pedidos.
Esclarece que, apesar de a investigação para apurar eventuais irregularidades
na construção de estradas no Estado do Maranhão haver sido realizada num
único procedimento administrativo, o Ministério Público teria optado por
apresentar denúncia relativa a cada carta convite supostamente fraudada (n.
165/2003 e n. 142/2003).
Destaca, assim, que haveria duas ações penais defl agradas em desfavor do
paciente, n. 23.750/2005 e n. 23.887/2005, nas quais, em situação semelhante, a
exordial acusatória teria sido recebida por Juízo incompetente.
Ressalta que o caso em tela seria idêntico ao já analisado por esta Quinta
Turma no julgamento do HC n. 71.362-MA, em que foi concedida parcialmente
a ordem para reconhecer a incompetência do Juízo da 3ª Vara Criminal da
comarca de São Luís-MA.
Requer a concessão da ordem para que seja reconhecida a incompetência
do juízo de primeiro grau para processar e julgar o feito.
A liminar foi indeferida, nos termos da decisão de fl s. 200-201.
Prestadas as informações (e-STJ fls. 210-213), o Ministério Público
Federal, em parecer de fl s. 298-302, manifestou-se pela remessa dos autos à
Corte Estadual para que aprecie o mérito do writ lá impetrado, ou para que
sejam estendidos ao paciente os efeitos da decisão proferida no HC n. 71.362-
MA.
É o relatório.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 577
VOTO
O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Conforme relatado, com este habeas
corpus pretende-se, em síntese, o reconhecimento da incompetência do juízo de
primeiro grau para processar e julgar o feito.
Cumpre analisar, preliminarmente, a adequação da via eleita para a
manifestação da irresignação contra o acórdão proferido pelo Tribunal a quo.
Nos termos do artigo 105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, este
Superior Tribunal de Justiça é competente para processar e julgar, de forma
originária, os habeas corpus impetrados contra ato de tribunal sujeito à sua
jurisdição e de Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou
da Aeronáutica; ou quando for coator ou paciente as autoridades elencadas na
alínea a do mesmo dispositivo constitucional, hipóteses não ocorrentes na espécie.
Por outro lado, prevê a alínea a do inciso II do artigo 105 que o Superior
Tribunal de Justiça é competente para julgar, mediante recurso ordinário, os
habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais
Federais o pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando
a decisão for denegatória.
De se destacar que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal,
no julgamento do HC n. 109.956-PR, buscando dar efetividade às normas
previstas no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, e dos artigos
30 a 32 da Lei n. 8.038/1990, passou a não mais admitir o manejo do habeas
corpus originário perante aquela Corte em substituição ao recurso ordinário
cabível, entendimento que passou ser adotado por este Superior Tribunal de
Justiça, a fi m de que fosse restabelecida a organicidade da prestação jurisdicional
que envolve a tutela do direito de locomoção.
Assim, insurgindo-se a impetração contra acórdão do Tribunal de origem
que não conheceu o prévio writ, mostra-se incabível o manejo do habeas corpus
originário, já que não confi gurada nenhuma das hipóteses elencadas no artigo
105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, razão pela qual não merece
conhecimento.
Todavia, tratando-se de remédio constitucional impetrado antes da
alteração do entendimento jurisprudencial, o alegado constrangimento ilegal
será enfrentado para que se analise a possibilidade de eventual concessão de
habeas corpus de ofício.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
578
Segundo consta dos autos, o paciente, com outros corréus, foi acusado de
praticar os delitos previstos nos artigos 288 e 312 do Código Penal, e do artigo
90 da Lei n. 8.666/1993.
De acordo com a inicial, os acusados teriam simulado a promoção de
certame licitatório, na modalidade carta-convite, “forjando um procedimento
cuja análise pericial contábil identifi cou evidências de frustração da licitude eis
que a proximidade dos valores das propostas, a não comprovação de divulgação
do convite, o desatendimento ao prazo do art. 21, § 2º, IV, da Lei n. 8.666/1993
e a existência de idênticos erros ortográfi cos em todas as propostas, indicam se
tratar de licitação forjada” (e-STJ fl . 25).
A empresa Petra Construções sagrou-se vencedora da licitação, sendo que
as demais teriam atuado apenas como empresas de cobertura, emprestando sua
participação para dar aparência de licitude ao certame (e-STJ fl . 25).
De acordo com o Ministério Público, tal simulação teve por objetivo
desviar, em proveito da Petra Construções e de seus sócios, a quantia de R$
184.614,12 (cento e oitenta e quatro mil, seiscentos e quatorze reais e doze
centavos) do erário estadual (e-STJ fl . 25).
Sobre a forma como os ilícitos foram praticados, eis o que narrou o órgão
ministerial:
1. A estimativa de custo da obra era elaborada pelo réu José de Ribamar Teixeira
Santos, que inventava os trechos e locais, como confessou espontaneamente aos
Promotores que investigaram os fatos, em depoimento prestado, sob assistência
de advogado, em 13.1.2005 (fl . 3.722);
2. Elaborado o orçamento, este era enviado por Reinaldo Bandeira a João
Cândido Dominici solicitando o inicio do serviço;
3. Reinaldo Bandeira e João Dominici tinham ciência de que se tratava de
simulação pelas seguintes razões: a) essas obras não decorriam de planejamento
prévio, estabelecido à revelia de ambos; b) José Ribamar Teixeira não tinha
autonomia para escolher obras e trechos; c) a escolha das obras fi cava a cargo de
João Dominici conforme sua discricionariedade administrativa, que repassava a
Reinaldo Bandeira o encaminhamento das medidas administrativas tendentes à
elaboração dos orçamentos Portanto, não havia como ser autorizada a licitação
desses trechos sem que deles tivessem ciência e controle os réus Reinaldo
Bandeira e João Dominici;
4. Informada a existência de dotação orçamentária, entrava em ação o
advogado Luis Carlos Mesquita, o qual acumulava as funções de assessor jurídico
e membro da Comissão Setorial de Licitação e, de plano, opinava pela escolha
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 579
da modalidade carta-convite. Ocorre que a proximidade do valor estimado pelo
orçamento com o teto para carta-convite recomendava a opção pela Tomada de
Preços eis que, sabido que o custo de estradas é cálculo impreciso, sena previsível
a ocorrência de aditivo e. portanto, o valor pago seria superior ao teto de R$
150.000,00, o que efetivamente aconteceu em todos os outros casos.
5. As propostas que concorriam eram elaboradas com idênticos erros
ortográfi cos Todas contém na planilha orçamentária a expressão jazida grafada
com “s” (jasida); falta-lhes o acento agudo no item “b” de todas as cartas de
apresentação na expressão “a validade da proposta e de 20 (vinte) (...)”; e a palavra
transporte está sempre grafada ‘Tranporte”. Resta claro ai, portanto, que um
requisito essencial do processo licitatório - o sigilo das propostas - era sempre
violado. Eliminava-se, assim, a competitividade do certame.
Dolosamente, a comissão de licitação não examinava atentamente as
propostas, eis que seu objetivo era favorecer a empresa Petra Construções. Esse
favorecimento também era evidenciado peio descumprimento de outras regras
do procedimento licrtatório devidamente apontadas no parecer técnico-contábil
de fl s. 3.706 a 3.709 dos autos. Ressalte-se. por oportuno, que a referida comissão
licitante era composta pelos denunciados José Izidro Chagas da Silva (Presidente),
Márcio Ribeiro Machado e Luiz Carlos Mesquita (Portaria de designação da
Comissão à fl . 3.609).
Tão logo consumada a simulação de licitação, cuja legalidade fora
frustrada com o acerto das participantes, que forneciam seu papel timbrado
e assinaturas para essa fraude, e com a atuação da Comissão Setorial
de Licitação, o resultado do certame foi homologado em 4.8.2003 e emitida a
Ordem de Serviço n. 074/2003.
Isso só se tornara possível porque as empresas participantes, EIT - Empresas
Industrial Técnica, Diamantina Construções Ltda e DUCOL Engenharia Ltda,
contribuíam com o fornecimento de seu papel timbrado e suas assinaturas, e
porque, a CSL. orientada por Luís Carlos Mesquita, montava a licitação fraudulenta.
6. Adjudicada a obra, entrava novamente em ação o réu José Ribamar Teixeira
que, no Termo de Recebimento Provisório de fl . 3.519. atestou a realização da
obra em focai inexistente. Juntamente com Teixeira, Reinaldo Bandeira assinou o
Laudo de Medição de fl . 3.513 dos autos, de local inexistente e no qual confessa
que nunca esteve (fl . 3.726). Para a garantia do pagamento, entrava em ação
novamente Luis Carlos Mesquita que emitia parecer favorável.
7. A quantia paga era muito próxima do contratado e, assim, logo em
seguida reaparecia Teixeira, pedindo aditivo à obra inexistente, sob alegação da
necessidade de serviços não previstos no levantamento inicial (fl . 3.543). Após,
entrava em ação Luis Carlos Mesquita que emitia parecer favorável Seguindo a
mesma seqüência, exceto a participação da CSL, o aditivo era autorizado e pago,
tudo com a participação de João Cândido Dominici, ordenador de despesa e que
confi rmou ter controle das estradas vicinais que eram licitadas.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
580
8. Autorizado o pagamento, a quantia era empenhada fls. 3.698 e 3.552)
e logo depositada em conta da empresa Petra Construções Ltda, gerando o
enriquecimento ilícito de Lourival Sales Parente Filho.
Com esse iter bastante objetivo os recursos do erário oram desviados em
favor da empresa Petra Construções e, notadamente, de seu sócio Lourival Sales
Parente Filho, único atuante da empresa no Estado do Maranhão e que por ela
responde a todos os chamados. (e-STJ fl s. 26-28).
A denúncia foi recebida pela Juíza de Direito da 4ª Vara Criminal da
Capital (e-STJ fl . 33), ato que posteriormente foi tornado sem efeito, tendo ela
declinado da competência para o Juízo da 8ª Vara Criminal que, por sua vez,
também declinou da competência para o Juízo da 3ª Vara Criminal, que passou
a processar e julgar o feito (e-STJ fl s. 274-275).
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus na origem, o qual não foi
conhecido em aresto que restou assim ementado:
Processual Penal. Habeas corpus. Peculato. Fraude a licitação. Formação de
quadrilha. Ação penal. Incompetência do juízo de 1ª instância. Falta de justa causa.
Inépcia da denúncia. Reiteração de pedido. Ordem não conhecida. Unanimidade.
I - Não se conhece de pedido formulado em sede de habeas corpus quando se
tratar de matéria já apreciada.
II - Ordem não conhecida. Unanimidade. (e-STJ fl . 85).
Inicialmente é imperioso destacar que, ao contrário do que decidido pela
autoridade apontada como coatora, o habeas corpus impetrado na origem não
caracteriza reiteração de pedido.
Com efeito, o primeiro writ impetrado no Tribunal Estadual, de n.
11.646/2006, refere-se à Ação Penal n. 23.750/2005, ao passo que o HC n.
19.211/2006, que não foi conhecido, diz com o Processo n. 23.887/2005.
Assim, está-se diante de feitos distintos, o que impede que se considere
que o segundo remédio constitucional seria repetição do primeiro.
Por outro lado, o fato de o mandamus originário não haver sido conhecido,
revelaria, num primeiro momento, a inviabilidade do exame da ilegalidade
suscitada perante esta Corte Superior de Justiça, sob pena de atuar em indevida
supressão de instância, a recomendar a remessa do feito à Corte a quo para que
aprecie o mérito da impetração ali aforada.
Ocorre que, no caso em apreço, tal providência se mostra contrária à
economia e celeridade processuais, bem como à segurança jurídica, já que
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 581
esta colenda Corte Superior de Justiça, ao apreciar o HC n. 71.362-MA,
impetrado em favor do paciente contra acórdão proferido nos autos do HC n.
11.646/2006, entendeu que o Juízo de primeiro grau seria incompetente para
processar e julgar os réus, concedendo a ordem que havia sido denegada pela
Primeira Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.
Dessa forma, impõe-se o enfrentamento do tema para que seja analisada
a possibilidade de concessão de ofício da ordem ora pleiteada, evitando-se a
prolação de decisões judiciais distintas, já que sobre o assunto o Tribunal de
origem já se manifestou nos autos do HC n. 11.646/2006.
Pois bem. Antes de mais nada, cumpre destacar que, no presente caso,
a autoridade detentora do foro privilegiado perante o Tribunal de Justiça do
Estado do Maranhão não era o paciente, mas o corréu João Cândido Dominici,
então Secretário de Estado de Infraestrutura.
Dessa forma, num primeiro momento se poderia argumentar que o ora
paciente não teria interesse no reconhecimento da incompetência arguida, já
que poderia ser processado e julgado perante o seu juiz natural, o magistrado
singular de primeira instância.
Contudo, tal raciocínio não prospera, uma vez que na hipótese em apreço
todos os corréus estão sendo acusados de praticar, em concurso de pessoas,
os crimes previstos nos artigos 288 e 312 do Código Penal, e 90 da Lei n.
8.666/1993.
Tratando-se de ação penal na qual se atribui a todos os agentes os mesmos
delitos, depara-se com nítida hipótese de continência, nos termos do artigo
77, inciso I, do Código de Processo Penal, circunstância que, por si só, impede
o julgamento dos fatos por juízos distintos com relação a determinados réus,
já que não se verifi ca nenhuma das exceções previstas no artigo 79 do citado
Estatuto.
A propósito, esta é a letra dos dispositivos legais mencionados:
Art. 77. A competência será determinada pela continência quando:
I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;
Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e
julgamento, salvo:
I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar;
II - no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
582
§ 1º Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em relação a algum
co-réu, sobrevier o caso previsto no art. 152.
§ 2º A unidade do processo não importará a do julgamento, se houver co-réu
foragido que não possa ser julgado à revelia, ou ocorrer a hipótese do art. 461.
Assim, se um dos corréus no presente processo criminal possui foro por
prerrogativa de função, imperiosa a incidência da norma contida nos aludidos
dispositivos legais para manter a unidade do processo para todos perante um
único juízo, justamente para a preservação da finalidade do instituto que,
segundo Frederico Marques, “além de contribuir para a economia processual,
evita decisões divergentes ou contraditórias, e, por possibilitar uma visão mais
completa dos fatos e da causa, constitui fator de melhor aplicação jurisdicional
do direito” (Da competência em matéria penal. 1ª ed. Campinas: Millennium,
2000, p. 363).
Incidindo, portanto, em um só caso, duas regras de fi xação de competência
distintas, deve prevalecer aquela estabelecida em norma de maior hierarquia, nos
termos do artigo 78, inciso III, do Código de Processo Penal, razão pela qual,
na hipótese, impõe-se que os corréus não detentores do foro por prerrogativa de
função sejam processados e julgados perante o Tribunal de Justiça do Estado,
por força da continência verifi cada.
Para ilustrar o entendimento exposto, recorre-se, mais uma vez, às lições do
renomado doutrinador:
No concurso de jurisdições diversas categorias, prevalecerá a de maior
graduação, - reza o n. III do artigo 78 do Código de Processo Penal.
As jurisdições, quanto à categoria, se distinguem, como já foi exposto, em
jurisdição superior e jurisdição inferior. Havendo, pois, conexidade ou continência
de infrações respectivamente de atribuição de uma e outra, prevalecerá a
competência da primeira.
É a hipótese em que se apurasse a responsabilidade penal de um juiz de
direito, submetido a uma jurisdição superior, por força do artigo 96, inciso III, da
CF em co-autoria com um comerciante. Existindo continência pelo concurso de
pessoas, haveria um só processo e prevalecendo a competência do Tribunal de
Justiça. (Op. cit. p. 376.)
A lição retrata exatamente a hipótese verifi cada nos autos, sendo adotada
pela jurisprudência desta Corte, conforme se infere do seguinte precedente:
Pedido de extensão no habeas corpus. Processual Penal. Vereador. Prerrogativa
de função estabelecida pela Constituição Estadual. Reconhecimento por esta
Corte, nos autos do presente habeas corpus. Co-réus que não detém prerrogativa
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 583
de função. Vis attractiva. Extensão dos efeitos da ordem concedida. Aplicação do
art. 580 do Código de Processo Penal.
1. “A teor do disposto nos arts. 77, I, c.c. 78, III, ambos do Código de Processo
Penal, havendo conexão ou continência entre infrações envolvendo competência
de foro por prerrogativa de função, impõe-se o julgamento simultaneus processus,
prevalecendo, in casu, a vis attractiva para o julgamento dos fatos imputados ao
co-réu que não detém a prerrogativa de função.” (PExt no HC n. 57.341-RJ, Rel.
Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJ de 23.6.2008)
(...)
3. Pedido de extensão deferido para declarar declarar a nulidade da ação penal
movida contra os Codenunciados Rogério Alves de Souza Santos e Guilherme Alberto
Fraga e determinar a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, órgão competente para processar e julgar o feito, a teor do disposto no art.
161, IV, d, da Constituição Estadual do Rio de Janeiro, garantindo-se o direito de
aguardarem em liberdade o julgamento da ação penal. (PExt no HC n. 57.340-RJ,
Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17.11.2009, DJe 14.12.2009).
Aliás, a corroborar a compreensão acima desenvolvida, é imperioso
frisar que, ao julgar questão de ordem no Inquérito n. 2.245-MG, o Supremo
Tribunal Federal entendeu, consoante o voto médio prolatado pelo eminente
Ministro Sepúlveda Pertence, que a simples pluralidade de réus não enseja o
desmembramento dos processos em que haja autoridade detentora de foro por
prerrogativa de função, impondo-se o julgamento unitário dos acusados perante
a jurisdição de maior hierarquia.
Do acordo com o voto condutor, em casos tais se deve proceder à “partilha
objetiva, desmembrando-se o processo e remetendo-o a instância competente
quando não houver imputação, em co-autoria ou não, a dignatário titular do
foro por prerrogativa de função”.
O acórdão recebeu a seguinte ementa:
Ementa: Questão de ordem. Inquérito. Desmembramento. Artigo 80 do CPP.
Critério subjetivo afastado. Critério objetivo. Inadequação ao caso concreto.
Manutenção integral do inquérito sob julgamento da Corte. Rejeitada a proposta de
adoção do critério subjetivo para o desmembramento do inquérito, nos termos
do artigo 80 do CPP, resta o critério objetivo, que, por sua vez, é desprovido de
utilidade no caso concreto, em face da complexidade do feito. Inquérito não
desmembrado. Questão de ordem resolvida no sentido da permanência, sob a
jurisdição do Supremo Tribunal Federal, de todas as pessoas denunciadas.
(Inq n. 2.245 QO-QO, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado
em 6.12.2006, DJe-139 divulg 8.11.2007 public 9.11.2007 DJ 9.11.2007 pp-00043
Ement vol-02298-02 pp-01287 RTJ vol-00203-01 pp-00034)
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
584
Consequentemente, havendo na ação penal em exame corréu com foro por
prerrogativa de função, todos os demais acusados, inclusive o paciente, devem
ser processados perante o mesmo juízo, impondo-se, por conseguinte, verifi car a
quem compete o julgamento do feito.
Como é cediço, a prerrogativa de foro foi criada para proteger determinados
cargos ou funções públicas, diante de sua relevância, já que as decisões referentes
aos delitos praticados por seus ocupantes poderiam ocasionar uma série de
implicações.
Nos dizeres de Eugênio Pacelli, optou-se “pela eleição de órgãos colegiados
do Poder Judiciário, mais afastados, em tese, do alcance das pressões externas que
frequentemente ocorrem em tais situações, e em atenção também à formação
profi ssional de seus integrantes, quase sempre portadores de mais alargada
experiência judicante, adquirida ao longo do tempo de exercício na carreira”
(Curso de Processo Penal, 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 182-
183).
Vê-se, assim, que a prerrogativa de foro é concedida a determinados
indivíduos não por critérios pessoais, mas única e simplesmente por estarem
ocupando, em determinado momento, certos cargos ou funções públicas que
merecem especial proteção.
Mais uma vez, merece menção a lição de Eugênio Pacelli, para quem “o
objeto de tutela das normas constitucionais instituidoras de foros privativos
é o controle da livre e regular atuação do poder jurisdicional, em atenção à
relevância das funções exercidas pelo acusado, por si só sufi ciente para colocar
em risco a qualidade da decisão judicial” (Op. cit., p. 200).
No que diz respeito especifi camente ao foro privativo dos Secretários de
Estado do Maranhão, eis o que consta do artigo 70 da Constituição Estadual:
Art. 70 - Os Secretários de Estado ou ocupantes de cargo equivalente, nos
crimes comuns e nos crimes de responsabilidade, serão julgados pelo Tribunal de
Justiça.
Questiona-se, então, se o mencionado dispositivo constitucional se aplica
às autoridades que estejam afastadas de suas funções.
Sobre o tema, havia a Súmula n. 394 do Supremo Tribunal Federal,
segundo a qual “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a
competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a
ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 585
Percebe-se, por conseguinte, que o entendimento então sumulado da
Suprema Corte permitia que as autoridades com direito ao foro por prerrogativa
tivessem o direito a mantê-la, mesmo depois da cessação do exercício da função,
se o crime tivesse sido praticado durante o exercício funcional.
No entanto, ao julgar uma série de questões de ordem em inquéritos
e ações penais originárias, a Suprema Corte deliberou cancelar o referido
enunciado sumular, por entender que a prerrogativa de foro é inerente à função,
devendo cessar quando esta também deixa de ser exercida.
Confi ra-se, a propósito, a ementa de um dos julgados que resultou no
cancelamento do Verbete n. 394 da Súmula do Supremo Tribunal Federal:
Ementa: - Direito Constitucional e Processual Penal. Processo criminal contra
ex-Deputado Federal. Competência originária. Inexistência de foro privilegiado.
Competência de Juízo de 1º grau. Não mais do Supremo Tribunal Federal.
Cancelamento da Súmula n. 394. 1. Interpretando ampliativamente normas da
Constituição Federal de 1946 e das Leis n. 1.079/1950 e 3.528/1959, o Supremo
Tribunal Federal fi rmou jurisprudência, consolidada na Súmula n. 394, segunda
a qual, “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência
especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam
iniciados após a cessação daquele exercício”. (...) Dir-se-á que a tese da Súmula
n. 394 permanece válida, pois, com ela, ao menos de forma indireta, também
se protege o exercício do cargo ou do mandato, se durante ele o delito foi
praticado e o acusado não mais o exerce. Não se pode negar a relevância dessa
argumentação, que, por tantos anos, foi aceita pelo Tribunal. Mas também não se
pode, por outro lado, deixar de admitir que a prerrogativa de foro visa a garantir o
exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce. Menos ainda
quem deixa de exercê-lo. Aliás, a prerrogativa de foro perante a Corte Suprema,
como expressa na Constituição brasileira, mesmo para os que se encontram no
exercício do cargo ou mandato, não é encontradiça no Direito Constitucional
Comparado. Menos, ainda, para ex-exercentes de cargos ou mandatos. Ademais,
as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de certa forma, conferem, não
devem ser interpretadas ampliativamente, numa Constituição que pretende
tratar igualmente os cidadãos comuns, como são, também, os ex-exercentes de
tais cargos ou mandatos. 3. Questão de Ordem suscitada pelo Relator, propondo
cancelamento da Súmula n. 394 e o reconhecimento, no caso, da competência do
Juízo de 1º grau para o processo e julgamento de ação penal contra ex-Deputado
Federal. Acolhimento de ambas as propostas, por decisão unânime do Plenário.
4. Ressalva, também unânime, de todos os atos praticados e decisões proferidas
pelo Supremo Tribunal Federal, com base na Súmula n. 394, enquanto vigorou.
(Inq n. 687 QO, Relator(a): Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em
25.8.1999, DJ 9.11.2001 pp-00044 Ement vol-02051-02 pp-00217 RTJ vol-00179-
03 pp-00912)
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
586
Contudo, em 2002, adveio a Lei n. 10.628, que, modifi cando a redação do
artigo 84 do Código de Processo Penal, acabou por revigorar o entendimento
constante da Súmula n. 394 da Suprema Corte.
Isso porque o § 1º incluído no artigo 84 da Lei Processual Penal passou
a prever que “a competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos
administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial
sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública”.
Diante da sobredita alteração legislativa, que contrariou o entendimento
do Supremo Tribunal Federal quando do cancelamento da Súmula n. 394,
foi ajuizada a ADI n. 2.797-DF, a qual foi julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal,
acrescentados pela Lei n. 10.628/2002.
Veja-se, por oportuno, o seguinte trecho da ementa do acórdão:
Ementa: (...) III. Foro especial por prerrogativa de função: extensão, no tempo,
ao momento posterior à cessação da investidura na função dele determinante.
Súmula n. 394-STF (cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal). Lei n.
10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do C. Processo Penal:
pretensão inadmissível de interpretação autêntica da Constituição por lei
ordinária e usurpação da competência do Supremo Tribunal para interpretar a
Constituição: inconstitucionalidade declarada. 1. O novo § 1º do art. 84 CPrPen
constitui evidente reação legislativa ao cancelamento da Súmula n. 394 por
decisão tomada pelo Supremo Tribunal no Inq n. 687-QO, 25.8.1997, rel. o em.
Ministro Sydney Sanches (RTJ 179/912), cujos fundamentos a lei nova contraria
inequivocamente. 2. Tanto a Súmula n. 394, como a decisão do Supremo Tribunal,
que a cancelou, derivaram de interpretação direta e exclusiva da Constituição
Federal. 3. Não pode a lei ordinária pretender impor, como seu objeto imediato,
uma interpretação da Constituição: a questão é de inconstitucionalidade formal,
ínsita a toda norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação
da norma de hierarquia superior. 4. Quando, ao vício de inconstitucionalidade
formal, a lei interpretativa da Constituição acresça o de opor-se ao entendimento
da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal - guarda da Constituição
-, às razões dogmáticas acentuadas se impõem ao Tribunal razões de alta
política institucional para repelir a usurpação pelo legislador de sua missão de
intérprete fi nal da Lei Fundamental: admitir pudesse a lei ordinária inverter a
leitura pelo Supremo Tribunal da Constituição seria dizer que a interpretação
constitucional da Corte estaria sujeita ao referendo do legislador, ou seja, que
a Constituição - como entendida pelo órgão que ela própria erigiu em guarda
da sua supremacia -, só constituiria o correto entendimento da Lei Suprema
na medida da inteligência que lhe desse outro órgão constituído, o legislador
ordinário, ao contrário, submetido aos seus ditames. 5. Inconstitucionalidade
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do § 1º do art. 84 C.Pr.Penal, acrescido pela lei questionada e, por arrastamento,
da regra fi nal do § 2º do mesmo artigo, que manda estender a regra à ação de
improbidade administrativa. (...)
(ADI n. 2.797, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em
15.9.2005, DJ 19.12.2006 pp-00037 Ement vol-02261-02 pp-00250)
Desse modo, após o citado julgamento, voltou-se a não se admitir a
manutenção da prerrogativa de foro pelos detentores de cargos ou mandatos que
deixarem de exercer a função.
Na hipótese dos autos, da documentação que instrui o mandamus, tem-se
que o corréu João Cândido Dominici não foi exonerado, nem perdeu o cargo
de Secretário de Estado, tendo apenas sido afastado temporariamente de suas
funções em razão de medidas cautelares deferidas em ações civis de improbidade
administrativa ajuizadas pelo Ministério Público (e-STJ fl . 32).
Com efeito, em consulta ao sítio da Corte de origem, constatou-se que em
diversas ações civis de improbidade administrativa (Processos n. 9.954/2006,
9.952/2006, 8.214/2006, 8.261/2006, 8.271/2006, 9.177/2006 e 9.168/2006),
foi determinado o afastamento do corréu João Cândido Dominici do cargo de
Secretário de Infraestrutura do Estado do Maranhão, valendo transcrever trecho
de um dos provimentos judiciais por meio dos quais a medida foi ordenada:
Do exposto e com base ainda em tudo mais que dos autos consta, determino:
a) o afastamento dos réus João Cândido Dominici, Reinaldo Carneiro Bandeira, Luís
Carlos Mesquita, José de Ribamar Teixeira Santos, Márcio Ribeiro Machado e José
Izidro Chagas da Silva de quaisquer funções e cargos que ocupem na Secretaria
de Infra-Estrutura do Estado do Maranhão, ressalvada a percepção de subsídios
apenas para os cargos efetivos que eventualmente possuam; b) proibição de
que os referidos servidores ocupem qualquer outra função, cargo comissionado
ou similar na estrutura administrativa da União, Estado do Maranhão ou seus
municípios, inabilitando-os para o exercício de qualquer função pública,
enquanto perdurar o processo; (...).
Ora, como visto, houve apenas o afastamento provisório, cautelar, do corréu
João Cândido Dominici de suas funções, situação que, à toda evidência, não
implica a perda do cargo por ele ocupado e, consequentemente, impede que lhe
sejam retiradas as respectivas prerrogativas, como a de ser processado e julgado
por crimes comuns perante o Tribunal de Justiça do Estado.
Isso porque apenas a perda defi nitiva do cargo ou função tem o condão
de retirar da autoridade os direitos que lhe são conferidos por força de norma
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
588
constitucional, não se podendo admitir que uma decisão de caráter liminar possa
suprimir garantias que são inerentes ao cargo por ele ocupado, notadamente
porque ao ser dele afastado permanece como seu titular, apenas não exercendo
as respectivas funções por determinado lapso temporal.
Aliás, este foi o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, ao
julgar habeas corpus impetrado por Prefeito que pretendia invalidar condenação
proferida pelo Tribunal de Justiça local, ao argumento de que estaria afastado
provisoriamente de suas funções, o que imporia a remessa dos autos ao juízo de
primeiro grau.
Eis a ementa do julgado:
Ementa: Habeas corpus. - A condenação defi nitiva a que alude o § 2º do artigo
1º do Decreto-Lei n. 201/1967 é a condenação transitada em julgado. - No caso,
não se decretou a perda do cargo de imediato, mas sim o afastamento do exercício
dele. - Assim, e de qualquer sorte não tendo ainda o ora paciente perdido o
cargo de Prefeito, pois a perda deste só ocorrerá com o trânsito em julgado
de sua condenação, o Tribunal de Justiça local, ao prolatar originariamente a
condenação que agora se pretende invalidar, era competente para proferi-la com
base no artigo 29, X, da Constituição Federal, não interferindo nessa competência
o cancelamento da Súmula n. 394 desta Corte, o que só ocorreria se tivesse
havido essa perda. Habeas corpus indeferido.
(HC n. 80.026, Relator(a): Min. Moreira Alves, Primeira Turma, julgado em
25.4.2000, DJ 4.5.2001 pp-00004 Ement vol-02029-03 pp-00500)
Do corpo do voto condutor, da lavra do eminente Ministro Moreira Alves,
retiram-se as seguintes passagens:
Ademais, condenação defi nitiva é, sem dúvida, a condenação transitada em
julgado -, pois, ainda quando contra ela tenham sido interpostos recursos, como
o especial e o extraordinário, que, normalmente, não têm efeito suspensivo,
não é ela defi nitiva, uma vez que pode ser reformada. Não teria sentido que,
sem o trânsito em julgado da sentença condenatória, o Prefeito, por só haver
contra ela recurso sem efeito suspensivo, perdesse o cargo, e se a esse recurso
posteriormente fosse concedido efeito suspensivo ou, julgado, reformasse a
sentença condenatória, readquirisse ele, provisoriamente, no primeiro caso, e
defi nitivamente no segundo, o cargo que havia perdido. A perda do cargo por
condenação defi nitiva é a perda também defi nitiva, e não a que pode ter o caráter
de provisoriedade. Por isso mesmo, com maior precisão técnica, a Constituição,
no artigo 15, III, só admite a suspensão de direitos políticos por condenação
criminal transitada em julgado, e a Lei n. 8.429/1992, em seu artigo 20, estabelece
que a “a perda de função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam
com o trânsito em julgado da sentença condenatória”.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 589
Aliás, acertadamente ou não - isso não está em causa neste ‘habeas corpus - o
acórdão cuja condenação defi nitiva decorrerá a perda do cargo, embora seu
relator, no voto, tenha dito que estava em decretar “a perda e seu afastamento
desde já, haja vista que se encontra afastado por força de uma ação civil pública, na
Comarca de Triunfo” e que o ora paciente “deve ser afastado, o que já deveria ter
ocorrido quando do recebimento da denúncia” (fl s. 27), na verdade não decretou
a perda do cargo de imediato, mas sim o seu afastamento, tanto que a mesma
Câmara julgadora, segundo as informações que se encontram a fl s. 74 destes
autos, poucos dias depois (em 16.9.1999), desse julgamento (que ocorreu em
9.9.1999) recebeu outra denúncia contra o ora paciente e determinou o seu
afastamento do exercício do cargo, o que não teria sentido se já houvesse,
no processo anterior, decretado a sua perda. E mais: segundo essas mesmas
informações (fl s. 75), “de acordo com comunicação inserta no Ofício n. 111/67, do
Juiz de Direito da comarca de Triunfo, somente a partir de 19.10.1999 o Prefeito Bento
Gonçalves dos Santos foi afastado do exercício do cargo”, e isso, também segundo
elas, “sem prejuízo ao direito de perceber seus subsídios, conforme disposto na Lei n.
8.429/1992 - art. 20, parágrafo único”. Note-se que esse ofício não consta destes
autos.
Assim, e de qualquer sorte não tendo ainda o ora paciente perdido o cargo
de Prefeito, pois a perda deste só ocorrerá com o trânsito em julgado de sua
condenação, o Tribunal de Justiça local, ao prolatar originariamente a condenação
que agora se pretende invalidar, era competente para proferi-la com base no
artigo 29, X, da Constituição Federal, não interferindo nessa competência o
cancelamento da Súmula n. 394 desta Corte, o que só ocorreria se tivesse havido
essa perda.
Portanto, estando o paciente apenas afastado de suas funções à época em
que tramitava a ação penal, impossível aplicar-se ao caso a orientação sufragada
pela Suprema Corte no julgamento da ADI n. 2.797-DF, pois para que a
autoridade detentora do foro por prerrogativa de função deixe de ostentá-lo, é
preciso, como visto, que haja a perda defi nitiva do cargo.
Assim, tem-se que a denúncia formulada contra o paciente e demais corréus
foi recebida aos 13.6.2006 (fl . 33) por magistrada absolutamente incompetente,
já que cabia ao Tribunal de Justiça, e não a um dos Juízes das Varas Criminais da
comarca, processar e julgar o feito, no qual fi gurava autoridade com foro previsto
na Constituição do Estado.
No ponto, é relevante assinalar que, com o fi m do mandato do então
Governador do Maranhão, José Reinaldo Tavares, no ano de 2006, o corréu João
Cândido Dominici perdeu, defi nitivamente, o cargo público de Secretário de
Infraestrutura do Estado, de modo que a competência para processá-lo e julgá-
lo deixou de ser do Tribunal de Justiça, passando a ser do juízo de primeiro grau,
que tem sido o responsável pela condução do feito até a presente data.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
590
Contudo, esta circunstância não impede o reconhecimento da mácula
aventada no presente mandamus, pois a incompetência da autoridade judiciária
responsável pelo acolhimento da inicial e pela condução do processo na origem
é de natureza absoluta, não admitindo prorrogação.
De fato, a competência fi xada em razão do foro por prerrogativa de função,
porque estabelecida ratione personae, tendo em vista a relevância de determinados
cargos ou funções públicas, é material e, como tal, é considerada absoluta,
tendo como características o fato de estar fi xada em norma constitucional,
apresentando como fundamento o interesse público, motivo pelo qual é
improrrogável, podendo ser conhecida a qualquer tempo, e até mesmo de ofício.
Acerca da competência absoluta, estes são os ensinamentos de Ada
Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance
Fernandes:
Nos casos de competência determinada segundo o interesse público, o
sistema jurídico-processual não tolera modifi cações nos critérios estabelecidos,
muito menos em virtude da vontade das partes. Trata-se aí de competência
absoluta, isto é, que não pode ser modifi cada. Iniciado o processo perante o
juiz incompetente, este pronunciará a incompetência, a qualquer tempo e
independentemente de alegação das partes (art. 109 do CPP), enviando os
autos ao juiz competente. E, segundo o Código, todos os atos decisórios serão
nulos pelo vício de incompetência, salvando-se os demais atos do processo,
aproveitados pelo juiz competente (art. 567 do CPP). (As nulidades no processo
penal. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 38).
Ante o exposto, não se conhece do habeas corpus, mas concede-se a ordem
de ofício para reconhecer a incompetência do Juízo da 3ª Vara Criminal da
comarca de São Luís-MA, até o momento no qual o corréu deixou de ocupar o
cargo detentor de foro por prerrogativa de função, declarando-se nulos os atos
praticados pelo juízo incompetente.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.098.792-RS (2008/0237934-6)
Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze
Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 591
Recorrido: Andréia Monteiro de Melo
Advogado: Cleomir de Oliveira Carrão - Defensor Público e outros
EMENTA
Recurso especial. Crime de estelionato. Contrato de compra
e venda. Pagamento por meio de cheque pós-datado e notas
promissórias. Ausência de ordem de pagamento à vista. Promessa de
futuro pagamento. Descaracterização do estelionato. Jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça. Entendimento que pode ser
afastado. Particularidades do caso concreto. Necessidade de análise
individualizada. Denúncia. Descrição dos elementos típicos. Ausência.
Rejeição. Possibilidade. Art. 395, I, do CPP.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no
sentido de que a frustração no pagamento de cheque pós-datado e de
nota promissória não caracteriza o crime de estelionato, em virtude
de não se tratar de ordem de pagamento à vista, mas apenas de
promessa de pagamento futuro. No entanto, o simples fato de ser ou
não cheque pós-datado/nota promissória não elide peremptoriamente
a tipicidade criminal, devendo cada caso ser analisado de acordo com
suas particularidades.
2. Nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, a
denúncia deverá conter a descrição do fato criminoso com todas as
suas circunstâncias, sob pena de rejeição, nos termos do art. 395 do
mesmo diploma normativo.
3. Em se tratando de imputação do crime de estelionato, é
necessário que a denúncia descreva: a) qual a fraude, ardil ou artifício
empregado pelo agente; b) a vantagem indevida obtida pelo autor; c)
a forma pela qual a vítima foi induzida ou mantida em erro; e d) qual
o erro a que foi induzido ou mantido o ofendido.
4. Não se verifi cando na denúncia a descrição fática do ardil
empregado pela recorrida, a forma pela qual a vítima foi induzida
a erro e qual seria esse erro, bem como a indicação de elementos
mínimos que possibilitem aferir a intenção da agente em fraudar o
pagamento dos títulos de crédito – quando da celebração do negócio
jurídico –, correta a decisão que rejeita a denúncia nos termos do art.
395, I, do CPP.
5. Recurso especial a que se nega provimento.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
592
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso, mas lhe negar
provimento.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Regina Helena Costa e Jorge Mussi
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.
Brasília (DF), 3 de setembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator
DJe 9.9.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de recurso especial
interposto pelo Ministério Público, com fulcro no art. 105, III, a, da Constituição
da República, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
proferido nos autos da Apelação Criminal n. 70020854204.
Depreende-se dos autos que a recorrida foi denunciada pela suposta
prática do crime previsto no art. 171, caput, do Código Penal, por 26 (vinte e
seis) vezes, porque, em comunhão de esforços com Kelymar Arylton Lorenski
e mediante a emissão de cheques sem provisão de fundos – emprego de fraude
–, obteve vantagem ilícita consistente em aquisição de diversas mercadorias
prejudicando diferentes vítimas (fl s. 3-27).
O Juiz de primeiro grau recebeu a denúncia em relação aos 2º, 5º, 14º, 17º,
19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º e 26º fatos no dia 1º.3.2007, rejeitando a exordial
quanto aos 1º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º e 18º fatos (fl s.
395-396).
O Ministério Público interpôs recurso de apelação objetivando o
recebimento da denúncia em relação a todos os fatos delitivos.
O Tribunal de origem, por unanimidade de votos, negou provimento ao
recurso e, de ofício, determinou o trancamento da ação em relação ao 17º fato
(fl s. 462-509).
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 593
Irresignado, o Ministério Público interpôs o presente recurso especial ao
fundamento de que o acórdão recorrido violou os arts. 171, caput, do Código
Penal e 43, I, do Código de Processo Penal.
Sustenta que a denúncia deve ser recebida em relação aos 6º e 13º fatos,
já que a exordial acusatória descreveu todos os elementos constitutivos do tipo
de estelionato consistente no emprego de meio ardil pelo uso de cheque sem
provisão de fundos com o intuito de ludibriar as vítimas.
Observa que a existência do ardil deve ser aferida pela prática da conduta
por 26 (vinte e seis) vezes durante 4 (quatro) meses, o que demonstrava que a
recorrida, ao emitir os cheques e notas promissórias, não tinha a intenção de
proceder ao respectivo pagamento.
Pleiteia o recebimento da denúncia em relação aos 6º e 13º fatos.
As contrarrazões foram apresentadas às fl s. 546-551.
A Corte local admitiu o recurso especial (fl s. 553-556).
Os autos foram remetidos a este Tribunal Superior com parecer da
Subprocuradoria Geral da República pelo provimento do especial (fl s. 563-567).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): Inicialmente, ressalto
que o recurso especial será analisado de acordo com as disposições do art.
395 do Código de Processo Penal, que revogou o art. 43 do mesmo diploma
normativo após a edição da Lei n. 11.719/2008.
Objetiva o recorrente o recebimento da denúncia contra a recorrida, pela
prática da infração descrita no art. 171 do Código Penal, em relação aos 6º e 13º
fatos.
No caso, a denúncia foi rejeitada em relação aos 6º e 13º fatos diante da
atipicidade evidente da conduta, tendo o Juiz de primeiro grau fundamentado
sua decisão nos seguintes termos (fl s. 395-396):
Com relação ao 1º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º e 18º, fatos
descritos na denúncia.
Para que seja confi gurado o tipo penal do estelionato na modalidade fraude no
pagamento por meio de cheques (inc. VI do § 2º do art. 171 do CP), é necessário,
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
594
segundo reiteradamente tem se manifestado a jurisprudência pátria que não seja
desvirtuada a natureza da cártula cambial (cheque), que consiste em ordem de
pagamento à vista.
[...]
Analisando as cártulas juntadas no inquérito policial, verifi ca-se o uso dos
cheques como promessa de pagamento futuro, e não como ordem de pagamento
à vista, o que torna a conduta atípica.
O mesmo raciocínio aplica-se ao caso das notas promissórias emitidas pelos
acusados. A questão deve ser solucionada apenas no Juízo Cível.
Assim, foi desvirtuada a natureza da ordem de pagamento à vista, o que
impossibilita a confi guração do tipo penal denunciado.
A Corte de origem, por sua vez, ao manter a decisão de rejeição da
denúncia em relação aos supracitados fatos, o fez pelos seguintes motivos (fl s.
500-508):
Com a vênia do apelante, não merece reparo a bem lançada decisão recorrida,
proferida pela digna Juíza de Direito, que analisou com precisão a prova dos autos
e reconheceu a atipicidade do 1º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 15º, 16º e
18º fatos, razão pela qual adoto os seus fundamentos de fato e de direito como
parte integrante das razões de decidir o presente recurso.
[...]
Em atenção aos termos recursais ressalto que, embora o agente ministerial
tenha capitulado os fatos denunciados na forma simples do crime de estelionato
(art. 171, caput, do CPB), os termos denunciais imputam a eles o agir com dolo
específi co de praticar fraude no pagamento por meio de cheque, previsto no inc.
VI do § 2º do art. 171 do CPB.
No mesmo sentido é o parecer do doutor procurador de justiça Glênio Amaro
Biff gnandi, cujos fundamentos agrego às razões de decidir o recurso, verbis:
(...)
Nas narrativas dos fatos objetos do juízo negativo de admissibilidade,
não é apenas a identidade no modus operandi que se verifi ca.
Sobre a fraude e a indução em erro, descreveu o órgão ministerial em
todos os fatos:
A fraude consistiu na utilização de ardil para que a vítima vendesse as
mercadorias, bem como recebesse os cheques. A indução em erro consistiu
em fazer a vítima acreditar que se tratava de uma negociação normal e que
os cheques teriam provisão de fundos.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 595
Apesar deste ponto da narrativa refl etir apenas a descrição da fraude e
do modo como as vítimas foram induzidas em erro, é justamente a partir
destas descrições que se extrai, num juízo limiar, os traços do dolo atribuído
aos denunciados.
Traços, estes, que não se amoldam ao elemento subjetivo da fi gura típica
capitulada na denúncia (art. 171, caput, do CP). Numa compreensão da
espécies de estelionatos previstas no CP, o fato de os acusados terem agido
com o propósito de fazer com que as vítimas acreditassem que os cheques
dados como pagamento “teriam provisão de fundos” revela, justamente, a
caracterização de um dolo que encontra assento no inciso VI do § 2º do art.
171 do CP.
Como bem destaca Álvaro Mayrink da Costa, o estelionato na
modalidade de fraude no pagamento por meio de cheque “requer o dolo
caracteriza por um querer determinado do autor, ciente de que atua de
forma contrária ao dever, por saber inexistirem fundos disponíveis em
poder do sacado. (...) Torna-se exigível que o sujeito ativo opere com a
consciência de estar enganando o tomador de cheque através da emissão
sem cobertura, pois sem fraude não há reprovabilidade penal.
Dito isso, partindo do pressuposto de que o dolo extraído da narrativa
da denúncia se encontra vinculado à fi gura típica específi ca e distinta da
capitulada, a primeira providência a ser feita que desponta como necessária
consiste na verifi cação dos instrumentos dos estelionatos que foram objeto
do juízo negativo de admissibilidade.
E num exame dos autos, bem se vê que a maioria dos instrumentos
relacionados aos fatos que foram objeto do juízo de rejeição, realmente,
foi pós-datado. Ou seja, nos 1º, 3º, 4º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 15º, 16º e
18º fatos, as cártulas utilizadas foram pós-datadas, o que se constitui em
óbice à tipifi cação das respectivas condutas à fi gura penal cujo dolo restou
delineado nas narrativas – o estelionato na modalidade de fraude no
pagamento por meio de cheque (art. 171, § 2º, VI, do CP).
Ora, como definição, o cheque é ordem de pagamento dirigida ao
sacado, emanado do emitente para que aquele lhe pague, à vista ou a
quem indicar, a importância determinada. Assim, para que o sacado cumpra
a ordem é imperativo que detenha, em seu poder, fundos disponíveis e
bastantes para a cobertura do cheque, que se denomina provisão.
No entanto, se o cheque é datado com data posterior ao negócio
mercantil e foi dado como garantia de dívida, que descaracteriza a fi gura
penal do estelionato na modalidade típica, deve a questão ser transferida
para o juízo cível através da ação de cobrança. O cheque dado como
garantia de dívida converte-se em nota promissória para tais efeitos, isto é,
para garantia não de pagamento à vista, mas ad futurum.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
596
Dessa forma, é possível concluir, de início, que parte da situação fática
retratada nos autos não apresenta compatibilidade como o dolo descrito
na denúncia e a correspondente fi gura típica imputada aos apelados.
Afi nal, embora sabido que o cheque pós-datado seja capaz de confi gurar
o estelionato não na forma do inciso VI do § 2º do art. 171 do CP, mas na
sua modalidade fundamental a vinculação do elemento volitivo à espécie
delituosa cujo instrumento para a execução restou descaracterizado (a
utilização do cheque como garantia de dívida na forma pré-datada), impede
a formação de um juízo de tipifi cação a quaisquer dos tipos passíveis de
enquadramento no gênero crimes contra o patrimônio.
[...]
Ainda registro, em atenção aos termos do parecer ministerial
supratranscrito, que no 13º fato foi utilizado um cheque pré-datado e uma
nota promissória, e no 6º fato foram utilizadas três notas promissórias. As
notas promissórias não foram pagas na data do vencimento. Aqui, anoto que
a denúncia não descreve o ardil empregado pelos denunciados para ludibriar a
vítima, pois a conduta descrita como ardil não materializa esta circunstância
elementar do delito denunciado. O que consta na narrativa dos fatos 6 e 13 é
tão-somente um inadimplemento comercial, onde foram feitas vendas a prazo,
com emissão de notas promissórias, mercadorias entregues e pagamentos
não efetuados. No ponto, ressalto que o inadimplemento é risco inerente às
transações comerciais. Portanto, andou bem a julgadora monocrática ao
rejeitar a denúncia também em relação ao 6º e 13º fatos, pois os elementos
coligidos aos autos evidenciam que as condutas dos réus, relativas a estes fatos
denunciados, consistiram em simples inadimplementos civis, não merecendo a
tutela do Direito Penal.
No presente caso, para melhor compreensão da controvérsia, vejamos o
que disse a denúncia ao descrever as condutas criminosas referentes aos 6º e 13º
fatos imputados à recorrida (fl s. 3-27):
6º fato.
No dia 5.10.2004, por volta das 9 horas, na avenida independência, n. 1225,
M. Fortes, Palmeira da Missões, a denunciada Andréia Monteiro de Mello, fazendo
uso de 3 (três) notas promissórias, no valor de R$ 100,00 (cem reais) e uma nota
promissória no valor de R$ 99,80 (noventa e nove reais e oitenta centavos),
conforme fl . 70, obteve, para si, vantagem ilícita, consistente na obtenção das
mercadorias constantes nas notas fi scais das fl s. 90-91, em prejuízo da vítima Luiz
Mário Vieira de Magalhães, induzindo-a em erro, mediante fraude.
Pra tanto, a denunciada foi até o estabelecimento comercial da vítima, L. M. V.
de M., e, após ter efetuado compras, emitiu as notas promissórias suprarreferidas,
que, nos respectivos vencimentos, não foram pagas. Ato contínuo, a denunciada
saiu da cidade e não deixou endereço conhecido.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 597
A fraude consistiu na utilização de ardil para que a vítima vendesse as
mercadorias e aceitasse as notas promissórias como forma de pagamento. A
indução em erro consistiu em fazer a vítima acreditar que se tratava de uma
negociação normal, bem como que as notas promissórias seriam pagas nas datas
dos vencimentos.
A vantagem ilícita consistiu na obtenção das mercadorias.
À vítima restou um prejuízo de R$ 399,80 (trezentos e noventa e nove reais e
oitenta centavos).
[...]
13º fato.
No dia 10.12.2004, por volta das 15 horas, na rua 3, Mutirão, n. 24, Palmeira
das Missões, a denunciada Andréia Monteiro de Mello, fazendo uso de cheque n.
000028, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), da Conta n. 012399, do Banco
Bradesco, Agência n. 1252 e de 1 (uma) nota promissória, no valor de 378,90,
conforme auto de apreensão das fls. 36-37, obteve, para si, vantagem ilícita,
consistente na obtenção das mercadorias constantes na nota fi scal da fl . 38, em
prejuízo da vítima S. de F. D. S., induzindo-a em erro, mediante fraude.
Para tanto, a denunciada foi até o estabelecimento comercial da vítima, S.
de F. D. S., e, após ter efetuado compras, emitiu o cheque suprarreferido, que,
ao ser posto em compensação foi devolvido por falta de fundos, bem como a
nota promissória, a qual no respectivo vencimento não foi paga. Ato contínuo, a
denunciada saiu da cidade e não deixou endereço conhecido.
A fraude consistiu na utilização de ardil para que a vítima vendesse as
mercadorias, bem como recebesse o cheque e a nota promissória como forma de
pagamento. A indução em erro consistiu em fazer a vítima acreditar que se tratava
de uma negociação normal e que o cheque teria provisão de fundos, assim como
a nota promissória seria paga na data do vencimento.
A vantagem ilícita consistiu na obtenção de mercadorias.
A vítima restou com um prejuízo de R$ 878,90 (oitocentos e setenta e oito reais
e noventa centavos). Além de outro cheque no valor de R$ 90,00 (noventa reais), o
qual alegou ter recebido por ocasião da mesma negociação. Todavia, esta cártula
não foi juntada aos autos.
No que tange à suposta inépcia da denúncia, necessário se faz observar
que o art. 41 do Código de Processo Penal descreve os requisitos que devem ser
atendidos na elaboração da peça vestibular, veja-se:
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com
todas as suas circunstâncias, a qualifi cação do acusado ou esclarecimentos pelos
quais se possa identifi cá-lo, a classifi cação do crime e, quando necessário, o rol
das testemunhas.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
598
Portanto, para o recebimento da acusação formulada contra o denunciado
é necessário que a exordial acusatória contenha a exposição do fato delituoso
em sua essência e com todas as suas circunstâncias. Desse modo, a denúncia
deve conter a exposição quanto à pessoa que praticou o delito, os meios ou
instrumentos por ela empregados, qual o resultado produzido ou pretendido, os
motivos que a levaram à prática delitiva, a maneira pela qual praticou o fato e o
lugar e o tempo do ilícito, sob pena de rejeição da denúncia, nos termos do art.
395 do Código de Processo Penal que assim dispõe:
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - for manifestamente inepta;
II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal;
III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.
De plano, registro não desconhecer o entendimento do Superior Tribunal
de Justiça no sentido de que a frustração no pagamento de cheque pós-datado
não caracteriza o crime de estelionato, em virtude de não se tratar de ordem de
pagamento à vista, mas tão somente de garantia de dívida.
Nesse sentido:
Habeas corpus. Estelionato. Art. 171, caput, do Código Penal. Frustração no
pagamento de cheque pré-datado. Pedido de trancamento. Atipicidade. Procedência.
1. Esta Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça tem proclamado que a
frustração no pagamento de cheque pré-datado não caracteriza o crime de
estelionato, seja na forma do caput do art. 171 do Código Penal, ou na do seu
§ 2º, inciso VI. 2. Isso porque o cheque pós-datado, popularmente conhecido
como pré-datado, não se cuida de ordem de pagamento à vista, mas, sim, de
garantia de dívida. 3. Ressalva do entendimento do Relator no sentido de que a
frustração no pagamento de cheque pós-datado, a depender do caso concreto,
pode consubstanciar infração ao preceito proibitivo do art. 171, caput, desde que
demonstrada na denúncia, e pelos elementos de cognição que a acompanham, a
intenção deliberada de obtenção de vantagem ilícita por meio ardil ou o artifício.
4. Ordem concedida. (HC n. 121.628-SC, Relator o Ministro Og Fernandes, DJe
29.3.2010).
O entendimento referente ao cheque pós-datado deve ser igualmente
adotado para o caso de frustração de pagamento da nota promissória, já que
esta constitui-se em promessa incondicional de pagamento, por meio do qual o
emitente compromete-se a pagar ao benefi ciário uma certa quantia de dinheiro
num determinado prazo.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 599
Logo, havendo julgados neste Tribunal Superior no sentido de que não
confi gura o crime de estelionato a frustração de pagamento de cheque pós-
datado, por não se tratar de ordem de pagamento à vista, igual raciocínio deve
ser utilizado no caso de não pagamento de nota promissória, pois, segundo
o princípio geral do direito “onde há a mesma razão deve haver a mesma
disposição de direito”.
Nesse sentido:
A analogia atende ao princípio de que o Direito é um sistema de fi ns. Pelo
processo analógico, estendemos a um caso não previsto aquilo que o legislador
previu para outro semelhante, em igualdade de razões. Se o sistema do Direito é
um todo que obedece a certas fi nalidades fundamentais, é de se pressupor que,
havendo identidade de razão jurídica, haja identidade de disposição nos casos
análogos, segundo um antigo e sempre novo ensinamento: ubi eadem ratio, ibi
eadem juris dispositio (onde há a mesma razão deve haver a mesma disposição
de direito). (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 296).
No entanto, nos termos da ressalva feita pelo Ministro Og Fernandes,
no precedente anteriormente transcrito, entendo que o simples fato de se
tratar ou não de cheque pós-datado, bem como de nota promissória, não elide
peremptoriamente a tipicidade criminal, devendo cada caso ser analisado de
acordo com suas particularidades, razão pela qual passo ao exame da regularidade
da peça acusatória.
No caso, a denúncia imputou à recorrida a prática do crime previsto no
art. 171, caput, do Código Penal, diante da aquisição de mercadorias mediante
a emissão de cheques sem provisão de fundos e de notas promissórias sem o
efetivo pagamento.
O preceito primário do art. 171, caput, do diploma penalista tipifi ca a
conduta de “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro mediante artifício, ardil ou qualquer
outro meio fraudulento.”
Logo, necessário que a denúncia descrevesse: a) qual a fraude ou ardil
empregados pela recorrida; b) qual a vantagem indevida obtida pela agente; c)
existência de elementos probatórios mínimos que demonstrassem que a vítima
foi induzida ou mantida em erro; e d) qual o erro a que foi induzida ou mantida
a ofendida.
A Corte local, mais especifi camente em relação aos 6º e 13º fatos – objetos
do presente recurso especial – manteve a decisão de rejeição da denúncia por
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
600
não ter a exordial acusatória descrito qual o ardil empregado pela recorrida para
ludibriar a vítima, já que a frustração do pagamento de cheque pós-datado e de
nota promissória não materializaria essa elementar típica (fl . 507).
Da leitura da denúncia, verifi ca-se que o Ministério Público descreveu,
em relação ao 6º fato, que a fraude “consistiu na utilização de ardil para que a
vítima vendesse as mercadorias e aceitasse as notas promissórias como forma
de pagamento” e que a indução em erro “consistiu em fazer a vítima acreditar
que se tratava de uma negociação normal, bem como que as notas promissórias
seriam pagas nas datas do vencimento”.
Em relação ao 13º fato, descreveu que a fraude “consistiu na utilização de
ardil para que a vítima vendesse as mercadorias, bem como recebesse o cheque e
a nota promissória como forma de pagamento” e a indução em erro decorreu do
fato de “fazer a vítima acreditar que se tratava de uma negociação normal e que
o cheque teria provisão de fundos, assim como a nota promissória seria paga na
data do seu vencimento.”
Não constato, na denúncia, a descrição do ardil empregado pela recorrida,
haja vista que a venda das mercadorias e a aceitação das notas promissórias e dos
cheques pós-datados como promessa de pagamento, por si sós, não demonstram
o emprego de ardil, artifício ou outro meio fraudulento, principalmente se
considerarmos ser tal prática costumeira nas compras e vendas empresariais.
Igualmente, não se constata na denúncia a descrição de elementos mínimos
quanto à forma pela qual a vítima foi induzida a erro, limitando-se a exordial a
dizer que a indução em erro decorreu da crença, pela vítima, de que o cheque teria
provisão de fundos e a nota promissória seria paga na data do vencimento. Era
necessário que a denúncia descrevesse qual o comportamento empregado pela
agente que teria sido sufi ciente para enganar a vítima e induzi-la à celebração de
contrato de compra e venda, aceitando o cheque e as notas promissórias como
promessa de pagamento.
A simples emissão de cheques e notas promissórias para fi ns de futuro
pagamento, pelo recebimento de mercadorias, decorrente da celebração de um
contrato de compra e venda não é sufi ciente para caracterizar a fraude, visto que
era de conhecimento das partes envolvidas os atos que estavam sendo realizados
– venda de mercadorias e recebimento de títulos de crédito (cheque pós-datado
e nota promissória) – como promessa de pagamento.
O Ministério Público deveria ter descrito qual o comportamento da
recorrida no momento da celebração do negócio jurídico que ludibriou a vítima
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 25, (232): 519-601, outubro/dezembro 2013 601
fazendo com que aceitasse as cártulas como ordem de pagamento, o que não
ocorreu. Devo observar que a inexistência de provisão de fundos em relação
ao cheque, bem como o não pagamento das notas promissórias na data do
vencimento, não são sufi cientes para se verifi car que a vítima foi induzida a erro
quando da celebração da compra e venda.
Além disso, no caso dos autos, não se verifi ca na denúncia, em relação aos
6º e 13º fatos, sequer a descrição de elementos mínimos que demonstrem que a
recorrida, no momento da compra das mercadorias e da emissão de cheques e da
nota promissória, já tinha a intenção de frustrar o pagamento.
Note-se que a fraude e o erro são elementos imprescindíveis para a
confi guração do delito de estelionato e estão intimamente relacionados à criação
de uma falsa percepção da realidade, ou seja, a vítima deve ser enganada, iludida.
Diante da defi ciência da denúncia em relação aos 6º e 13º fatos, há difi culdade
em se visualizar em que erro incorreu a vítima e em que teria consistido a fraude
supostamente utilizada pela recorrida.
Logo, não tendo a denúncia descrito, ainda que de forma sucinta, qual o
ardil teria sido utilizado para induzir em erro a vítima, a forma pela qual esta foi
induzida, bem como a existência de elementos mínimos a demonstrarem que,
no momento da celebração do negócio jurídico, a recorrida já tinha a intenção
de frustrar o pagamento do cheque e da nota promissória (dolo), correta a
posição das instâncias ordinárias que rejeitaram a denúncia por ser inepta, haja
vista não descrever, faticamente, todas as elementares do fato típico.
Assim, verifi cando que a denúncia não se preocupou em descrever todas as
elementares do tipo previsto no art. 171 do Código Penal, inviável a reforma do
acórdão recorrido.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.