Pt paredes com teatro

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A Cidadania em Palco é o subtítulo do livro que apresenta as seis edições do programa PT Paredes com Teatro, iniciativa criada pela Setepés no âmbito da consultoria ao departamento da Cultura da C.M. de Paredes, para promover apoiar e renovar o teatro amador naquele concelho.

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PT Paredes com Teatro A cidadania em palco

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5abertura

9O rapaz do braço engessado e a caixinha de chocolates

13Capítulo 1

Os Bastidores

25Capítulo 2

O Palco

27Nota do autor

29Grupo de Teatro da Associação para o Desenvolvimento de Bustelo – Recarei

35 Grupo de Teatro Juvenil de Sobreira

43Grupo de Teatro de Duas Igrejas

51Grupo de Teatro de Cête – Cêteatro

57Grupo Teatro Infanto-Juvenil de Baltar – Associação Clube Jazz de Baltar

63Grupo de Teatro de Baltar – Associação Clube Jazz de Baltar

15O Programa PT Paredes com Teatro

18A operacionalização do Programa

21Os resultados do Programa

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71Grupo de Teatro da Associação Social e Cultural de Louredo

77Grupo de Teatro Os Expansivos – Lordelo

85Grupo de Teatro da Associação Juvenil Xisto – Aguiar de Sousa

91Tru’peça – Associação de Teatro de Rebordosa

99Grupo de Teatro Amador de Cristelo

107Tic-Tac – Grupo de Teatro Infantil de Cristelo

113Tic-Tac – Grupo de Teatro Juvenil de Cristelo

153Capítulo 3

A Cena

155Os encenadores do PT Paredes com teatro

156Testemunhos e notas biográficas

173 os grupos participantes

119Grupo de Teatro Infantil de Mouriz

125Girassol – Grupo de Teatro de Mouriz

131Grupo de Teatro Os Mindinhos – Rebordosa

137Grupo de Jovens Nova Esperança – Sobreira

145Companhia de Teatro de Vandoma – Grupo de Jovens de Vandoma

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5Uma política cultural com os cidadãos

Em 2006 estava convicto que uma política cultural para o Município

de Paredes tinha que ser definida, em primeiro lugar, apostando

nas instituições locais e nos cidadãos, tanto mais que a cidadania,

expressando-se de diversos modos, tem na cultura um lugar

privilegiado de ação. Uma política cultural municipal deve traçar as

orientações estratégicas definidas em função do território, dos meios

disponíveis, orçamentais, de recursos humanos e de equipamentos de

programação, da acessibilidade, procurando tanto quanto possível a

inclusão dos seus munícipes e, por último, a abertura ao contacto com

os modos e as formas culturais da contemporaneidade.

Conhecendo o território e as suas mais importantes manifestações

culturais, estava em crer que era possível traçar, numa das frentes

de orientação política cultural para Paredes, o desafio de recuperar

e renovar uma forte tradição de cariz associativa do concelho:

o Teatro Amador.

Paredes sempre foi terra de gente que gosta de teatro, ao ponto de

esta atividade ser frequente em todos os centros paroquiais. Era, para

mim, estranho que desse fulgor que permitiu a gerações e gerações de

paredenses serões bem passados pouco restasse. Apenas a evidência

na grande maioria dos salões paroquiais a existência do palco e das

míticas cortinas que ainda nos agarram o olhar.

Era preciso voltar a chamar essa gente! Assim foi e a pouco e

pouco lançada a âncora no passado começamos a construir este sonho.

Definida a orientação, foi elaborado um programa para o qual

foram definidos o modelo, os objetivos, os resultados a alcançar e

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6 disponibilizados os respetivos meios, de modo a assegurar a sua

concretização no médio e longo prazo.

O PT Paredes com Teatro foi, desde o seu lançamento, um sucesso,

quaisquer que sejam as perspetivas pelo qual seja avaliado. Pelo

número de grupos, pelo número de espetáculos, pelo número

de espetadores, pela qualidade dos espetáculos produzidos, pela

abrangência de dramaturgos trabalhados, até pela dinâmica

que foi criando promovendo iniciativas que estavam longe de ser

vislumbradas aquando do seu lançamento, como é exemplo, a

participação de crianças e jovens que levou ao lançamento, na terceira

edição, do PT Júnior.

A primeira edição, em 2006, foi lançada com alguma prudência,

já que o objetivo era começar com cinco grupos. Logo nessa edição

foram oito os grupos participantes. De então para cá, e realizadas

que estão seis edições e mais de 400 espetáculos aos quais assistiram

mais de 40 000 espetadores só no concelho de Paredes, os resultados

foram ultrapassados em todos os parâmetros e o modelo provou a sua

eficácia e dinâmica.

Ao longos destes anos assisti a dezenas de espetáculos em muitas

localidades de Paredes. Admiro a entrega, a disponibilidade, a

vontade, a mestria daqueles que participam, encenam e ajudam,

por vezes, a audácia das encenações. Assisti a espetáculos dos

mais variados géneros: da comédia, à tragédia; do clássico ao

contemporâneo; do musical ao teatro do absurdo. Em todos eles vi

pessoas, dos 7 aos 70, vibrantes e orgulhosos. Vi despontar verdadeiros

talentos da representação. Vi sobretudo, amadores apaixonados pelo

teatro. Vi crianças e jovens no palco e os pais e familiares na plateia.

Vi jovens encenadores, profissionais de teatro, orgulhosos do “seu”

grupo. Vi uma comunidade de cidadãos.

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7Como Vereador da Cultura do Município de Paredes, sinto orgulho

e satisfação por ver concretizada uma intenção política numa ação

levada a cabo com tão grande sucesso e dinamismo.

Na qualidade de Vereador da Cultura de Paredes, a todos os

que fazem o PT Paredes com Teatro, o meu sincero agradecimento

e o meu aplauso.

Enquanto cidadão o meu abraço fraterno.

Pedro mendes

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9O rapaz do braço engessado e a caixinha de chocolates

Reparei que o rapaz tinha um braço engessado. Era o ator ou a

personagem que assim se apresentava? O Rei fazia o que um rei é

suposto fazer: ordenava, inquiria, ditava leis e decretos, distribuía

benesses e castigos, comia e dormia. Na qualidade de espetador

esperava a todo o momento a referência a uma guerra que justificasse

um real braço partido, marca de uma peleja grandiosa na conquista,

a ferro e fogo, de reinos inimigos, para engrandecimento do reino e

glória de Sua Majestade. Em vão. Aquele era um Rei pacífico apenas

preocupado em descobrir, das três princesas suas filhas, aquela que

por artes de malvadez apenas justificada por desmesurada e cega

ambição, maquinava nas costas do Rei a desfortuna das irmãs na

herança da coroa real. Uma história de todos os tempos, de Eurípides

a Shakespeare, passando pelos contos dos irmãos Grimm e acabando

nas telenovelas do primetime, protagonizada naquele palco por

um grupo de crianças. Sem justificação dramatúrgica para o braço

engessado, deixei-me levar pela mestria do ator e as peripécias da

personagem, os movimentos graciosos das filhas do Rei, a malvadez

de um Ministro, e toda a ação da peça, até ao desenlace final onde tudo

se resolveu pelo bom juízo do Rei que castigou quem devia castigar e

louvou quem devia louvar. Moral da história? A ordem do Reino foi

reposta e todos viveram felizes para sempre.

— E o gesso, João? – Ontem caí e parti o braço. Sorriu, olhou a mãe

com ternura e rematou: – A minha mãe não me queria deixar vir para

o teatro, mas hoje era a estreia.

Por vezes um gesso é uma desculpa, outras um desafio. É isso

também o teatro: a superação, o esforço, o trabalho, a confiança.

Desistir não era opção para aquela criança. Dez anos? Onze, talvez,

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10 mas não mais. Desistir era deixar o imprevisto ganhar à vontade.

Desistir era comprometer um bem maior, o grupo, a pequena

comunidade tecida pelo esforço comum, pela cooperação, pela

confiança, pela vontade, pela convivialidade. Diverti-me com o Rei,

magistralmente interpretado, mas emocionei-me com o João.

Em cena, a vida é um faz-de-conta, mas o ator é de carne e osso,

ainda que seja um fingidor, como o poeta. O teatro é um olhar pela

fechadura da porta, um polaroid de vida condensada, ideia que

Peter Brook exprime com maior grandeza e exatidão: “O Teatro é,

em primeiro lugar, a vida. É a vida, mas é a vida sob uma forma mais

concentrada, mais breve, condensada no tempo e no espaço”.

Se é certo que o teatro não serve para medir a temperatura do

ar nem calcular a órbita de um planeta serve para tornar visível as

fraquezas e as virtudes dos homens.

Desmascara vilões, desmonta traições, apresenta ideias

revolucionárias, como em “Lisístrata”, de Aristófanes. Mostra as paixões,

as angústias, os sonhos, os gestos de pequenos e grandes homens, sempre

a “mentir, dizendo sempre a verdade” como afirmava Jean Cocteau,

a que Carlo Goldoni acrescentava com certeza poética que “tudo o

que é verdadeiro tem o direito de agradar”. O teatro pode ser também

premonitório, debruçar-se sobre a vida e a morte, sobre o amor e a

política, como fizeram Gil Vicente, Moliére, Tchekov e tantos outros, de

ontem e de hoje. Recriam o mundo, apresentando os homens tal e qual.

E o teatro que se faz no PT Paredes com Teatro? O teatro feito de

pessoas comuns, aquelas que podem ser “excecionais não sendo

profissionais” no dizer feliz e certeiro de uma encenadora do PT?

O teatro feito por todas aquelas pessoas como o João, criança, ou o

Aníbal com 70? Que força, que vontade, que impulso leva homens e

mulheres, crianças, jovens e adultos, ao palco depois de um dia de

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11trabalho cumprindo as suas obrigações profissionais ou o exercício

de um dia de aulas, da escola ou da universidade? Faço-me a pergunta

vezes sem conta, sobretudo depois de assistir a uma estreia sabendo

que muitas dezenas de horas de ensaio foram necessárias para ali

chegar. Muitas angústias, muitas frustrações e outras tantas alegrias,

repetições sem conta às vezes apenas e só para compor um pormenor

do andar, a entoação da voz ou a dicção de uma palavra. Penso no

esforço que é necessário para chegar ali, à estreia: físico e mental,

resistência ao cansaço, persistência para aperfeiçoar um gesto,

concentração para não perder o ritmo, atenção afinada para não

perder o tempo de uma fala ou a contracena com uma personagem.

O teatro é um jogo que jogamos desde a infância, é ontológico, e que

jogamos pela vida fora como nos lembra W. Shakespeare1. No teatro

que se faz no PT Paredes com Teatro cumpre-se a mensagem de

Augusto Boal, “Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a

ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver,

tão habituados estamos apenas a olhar.”2 Assim é, Augusto, aqueles

homens e mulheres, crianças e jovens são todos artistas. Tocaram o

fogo prometaico. Criam vidas e por isso vivem muitas vezes.

Tantas palavras tantas vezes repetidas. Tantos gestos tantas vezes

reproduzidos. Tantas dores tantas vezes sentidas. Tantos beijos tantas

vezes trocados. Tantas mortes tantas vezes vividas. E uma caixinha

de chocolates, para início de ensaio, trouxe a Cidália para adoçar a

boca de todos. Uma caixinha de surpresas, Cidália, ver estes homens e

mulheres, crianças e jovens em tantas vidas representadas.

O teatro que se faz no PT é um abraço fraterno de cada

comunidade participante posta em cena pela vontade das pessoas

comuns que assim nos mostram um sentido de convivialidade forjada

no encontro entre arte e vida. Um teatro de comunidade. Um teatro

para a comunidade. Em suma: um exercício de cidadania, ou como diz

o subtítulo desta edição: a cidadania em palco.

Henrique PraçaSetepés

1 Todo o mundo é um palco. E todos os homens e mulheres meros atores; Eles têm suas saídas e suas entradas, E um homem em seu tempo desempenha muitos papéis “As you like it”, William Skakespeare.

2 Mensagem do Dia Mundial do Teatro, Instituto Internacional de Teatro, UNESCO, 2009

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15O Programa PT Paredes com Teatro

A tradição do teatro amador em Portugal foi uma das mais importantes

manifestações de cariz cultural comunitário e associativa ao longo de

dezenas de anos do séc. XX. O Município de Paredes, tal como tantos

outros Municípios do país, não fugiu à regra, encontrando-se neste

concelho um historial rico de iniciativas neste domínio dinamizado

por associações de natureza recreativa, cultural e desportiva. O auge

deste tipo de manifestação cultural aconteceu na década de 50/60 do

séc. XX tendo a partir dessa altura iniciado um declínio apenas com um

pico de algum rejuvenescimento no pós 25 de Abril de 74, coincidente

com o crescimento do associativismo de pendor mais político. A década

de 80 do séc. XX assistiu ao progressivo declínio do teatro amador,

acompanhando o decréscimo da atividade associativa de matriz

cultural a que não é alheio o progressivo afastamento dos mais jovens

seduzidos por outras atividades mais aos gosto do seus pares. Mas

também pelo envelhecimento acentuado das práticas associativas, com

direções cristalizadas no tempo e da falta de iniciativas que cativassem

os jovens. Para dar um exemplo: no ano 2000, ano que antecedeu a

iniciativa Porto 2001.Capital Europeia da Cultura, havia na cidade do

Porto cerca de 650 associações (recreativas, culturais e desportivas)

registadas, mas apenas cerca de três dezenas e meia em atividade,

algumas das quais apenas com a disponibilização de um bar, jogos e

uma ou outra iniciativa por altura das épocas festivas.

O Município de Paredes acompanha de perto todo este processo: forte

implantação do teatro amador de natureza associativa ao longo de

décadas e forte declínio a partir dos anos 80. No início do séc. XXI,

e tomando como referência o ano de 2005, havia no concelho dois

grupos de teatro amador, um com atividade intermitente e outro

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16 com atividade regular, ambos sofrendo de parcos recursos para as

necessidades, envelhecimento dos participantes, dificuldade de

recrutamento de pessoas, em particular de jovens, práticas teatrais

antiquadas e repertórios muito estreitos quer quanto a autores quer

quanto a dramaturgias contemporâneas.

Em 2006, e como parte integrante da estratégia cultural posta

em prática pela vereação da cultura, o Município de Paredes entende

criar uma dinâmica que possibilite o renascimento daquela tradição,

apostando num programa inovador que incentivasse a criação de

grupos de teatro amador nas associações culturais existentes ou o

aparecimento de novos grupos.

Nasce o Programa PT Paredes com Teatro (adiante referido

por PT), definido como “uma iniciativa de promoção da cultura e da

cidadania participativa dos cidadãos cuja missão é a promoção, o

apoio e o desenvolvimento do teatro amador com vista a contribuir

decisivamente para uma mudança significativa e sustentada, a médio

e longo prazo, do teatro amador no Concelho de Paredes”, tal como

consta do preâmbulo ao protocolo de adesão.

A fim de cumprir aquela missão foram definidos um conjunto

de linhas orientadoras que sustentavam a operacionalização do

programa:

1. Colocar, junto dos grupos aderentes, jovens artistas com

formação superior em teatro e prática profissional para a

dinamização do grupo nas diferentes vertentes: formação

e encenação;

2. Contratualizar com os grupos aderentes, mediante um

protocolo anual, a compra de espetáculos pelo Município,

definindo um número mínimo de apresentações a realizar

no Programa Itinerâncias pelo concelho.

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173. Criar um órgão de gestão para coordenar o Programa;

4. Definir e inscrever, anualmente, um orçamento próprio

para o Programa.

Estas linhas orientadoras que sustentavam a arquitetura do

PT pretendiam: qualificar as práticas teatrais amadoras (colocar

profissionais com formação superior para dinamização dos grupos);

criar um novo modelo de financiamento público no contexto das

práticas associativas afastado da tradicional atribuição de subsídios

(contratualização de espetáculos); introduzir a co-responsabilização

na coordenação do programa (gestão do programa partilhada entre o

Município e os Grupos); a sustentabilidade, a médio e longo prazo, do

programa de modo a atingir os objetivos traçados (orçamento próprio).

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18 A operacionalização do Programa

O preâmbulo do Regulamento do PT esclarecia o entendimento

do programa quer quanto ao teatro quer quanto à realização de

projetos de espetáculos como se transcreve de seguida: “Embora a

área artística a promover seja o teatro, […] entende esta manifestação

artística como uma grande pluralidade de práticas, quer quanto

à forma, ao repertório ou ao modo de apresentação […] teatro de

rua, de marionetas, de formas animadas, o teatro clássico, o teatro

contemporâneo, à italiana, em arena, teatro-fórum […]. incentivará

[…] a produção de espetáculos que integrem outras formas de

cultura popular e associativa do concelho, nomeadamente os Grupos

Etnográficos e as Bandas de Música”.

A operacionalização do Programa PT estipulou um número de

horas para o trabalho do encenador profissional contratado – 65h

por edição do Programa PT – junto de cada grupo, a obrigatoriedade

de cada grupo realizar 8 apresentações por edição do Programa PT

itinerantes pelos espaços de acolhimento nas freguesias do concelho,

a participação de elementos dos grupos nos cursos de formação

técnica a realizar consoante as necessidades e as disponibilidades

orçamentais em cada edição. O Programa estipulou ainda um

Prémio de Participação no PT (monetário), a compra dos espetáculos

obrigatórios nas itinerâncias (monetário) em que parte era destinado

a custear os custos de produção e parte (fixo) para custear os custo

de deslocação. Na 2ª edição do programa PT estipulou ainda um

prémio monetário adicional aos grupos que incluíssem nos seus

espetáculos a participação de outras formas de cultura popular

existentes na sua comunidade e ainda um prémio monetário aos

grupos que realizassem espetáculos noutros concelhos. Estes dois

últimos prémios estavam limitados, em cada edição, a um montante

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19pré-definido. Por último foi introduzido um fator de controle da

venda de bilhetes, estando contratualizado que os grupos só podem,

caso o queiram, cobrar entradas nos espetáculos realizados nas suas

comunidades, tradição existente em algumas associações.

Ao longo das seis edições realizadas (a apresentação pública

deste livro coincide com o lançamento da 7ª edição do Programa

– 2013-2014), foram introduzidas algumas alterações e melhorias

fruto da avaliação realizada no final de cada edição. De entre todas

destacam-se as mais significativas:

» A criação do PT Júnior. Criado na 3ª edição do PT em

consequência de dois factos:

a) Nalguns grupos os participantes apresentavam

uma amplitude etária muito grande, o que causava

dificuldades na produção de espetáculos;

b) A vontade manifestada por algumas associações em

criar grupos de teatro com crianças aumentando a oferta

de atividades para a comunidade. Assim, o PT Júnior

incluiu grupos constituídos por crianças ou jovens, muito

embora se verifique, por vezes, a participação de alguns

dos jovens de um grupo nos espetáculos dos adultos da

mesma associação.

» A diminuição do número mínimo de espetáculos

obrigatórios a realizar pelos grupos na itinerância, de

oito na 1ª edição, para quatro a partir da 3ª edição. Esta

mudança foi resultado da conjugação de três factos:

aumento significativo do número de grupos; escassez

de salas no concelho para apresentação das produções

teatrais; insuficiência dos equipamentos técnicos

disponíveis no concelho. No entanto o número total de

espetáculos realizados tem-se mantido estável.

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20 » As apresentações noutros concelhos. Embora não tenha

sido uma alteração provocada deliberadamente, ela foi

acontecendo naturalmente. Se nas duas primeiras edições

os grupos não realizaram apresentações fora do concelho

de Paredes, elas têm vindo a aumentar, contando-se já

por algumas dezenas. Esta mudança deve-se sobretudo à

melhoria significativa nas produções apresentadas pelos

grupos.

O PT conta ainda com um mecanismo de avaliação anual de cada

edição, processo simples mas fundamental para assegurar a qualidade

e a concretização dos objetivos do Programa. É realizada por três

intervenientes : encenadores (os profissionais que dinamizam cada

grupo), os responsáveis por cada grupo participante e o coordenador

do Programa PT que tem a seu cargo a articulação com a vereação

da cultura e a gestão do programa, a escolha dos encenadores e a

assistir às apresentações dos espetáculos. É avaliado um conjunto

de parâmetros, maioritariamente qualitativos, pontos positivos e

negativos e ações de melhoria.

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21Os resultados do Programa

Num programa desta natureza os resultados obtidos são de ordem

quantitativa, tangíveis, como os apresentados no Quadro I, e

os intangíveis, mais difíceis de medir dada a sua subjetividade.

Comecemos pelos resultados quantitativos.

No lançamento do programa, em 2006, traçaram-se objetivos

para a 1ª edição: cinco grupos participantes e quarenta espetáculos

a realizar na itinerância. Fruto da boa aceitação do Programa PT,

ambos os objetivos foram largamente ultrapassados nessa mesma

edição, com a adesão de 8 grupos e a realização de 56 espetáculos em

8 freguesias do concelho. Nessa 1ª edição realizaram-se ainda dois

cursos de formação técnica, operador de luz e operador de som com a

presença de, respetivamente, 7 e 9 participantes. No final dessa edição

aconteceu o 1º Encontro PT e a aquisição de material técnico de luz e

som para os espetáculos da itinerância.

Na 4ª edição, 2010, fruto de uma parceria com a companhia

francesa Image Aigue no âmbito do programa “Cultural Ambassador

of Europe 2010”, realizaram-se em Paredes dois workshops de

teatro dirigidos pela encenadora Christiane Véricel e atores daquela

Companhia, com a participação de 28 elementos dos diversos grupos do

PT. No âmbito daquela cooperação foram selecionados três elementos

de grupos do PT para integrarem uma produção da mesma companhia,

com estágio de três semanas em Lyon, e realização do espetáculo “Les

Ogres” com apresentações ainda nesse ano em Lyon e Paredes.

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22 O Quadro I apresenta os resultados quantitativos referentes às seis

edições, distinguindo-se, a partir da 3ª edição, os grupos do PT Júnior.

Edição Grupos (n.º) Participantes(n.º)

Espetáculos (n.º) Espetadores

PT PT Júnior Concelho de Paredes

Outros Concelhos n.º Média

1ª (2006-2007) 8 … 105 56 0 5532 84

2ª (2007-2008) 13 … 178 66 0 6285 112

3ª (2008-2009) 13 4 195 63 8 6587 105

4ª (2009-2010) 15 7 210 68 12 7624 112

5ª (2010-2011) 14 5 176 65 22 7846 121

6ª (2011-2012) 13 4 165 64 35 8000 125

Totais 382 77 41874 110

Nota 1: O número de espetadores refere-se apenas aos espetáculos realizados no concelho de Paredes.

Nota 2: Para a 6ª edição o número de espetáculos e de espetadores é uma previsão.

Quadro I. Resultados quantitativos por edição do Programa PT

Num concelho com cerca de 87 000 habitantes os resultados do PT são

notáveis, quer quanto ao número de grupos quer quanto ao número

de participantes e de públicos. É de referir que a ligeira diminuição

de grupos que se verificou está bem caraterizada. É o caso de grupos

exclusivamente constituídos por jovens logo na 1ª edição que, por

terem concluído os seus estudos secundários e continuado estudos

superiores, viram inviabilizada a sua continuação a partir da 3ª

edição. Ou o caso de grupos que, devido a insuficiências de gestão nas

associações a que pertenciam, não encontraram suficiente motivação

para continuar.

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23Quanto aos resultados intangíveis, subjetivos e de difícil formulação e

avaliação como já se afirmou, apresentamos uma lista não exaustiva

inferida dos textos apresentados no capítulo II:

» No domínio artístico e da prática teatral:

» promoveu o teatro enquanto uma arte performativa

exigente e de múltiplas valências e múltiplos

protagonistas;

» promoveu a literacia teatral, quer no conhecimento de

dramaturgos quer da história do teatro;

» promoveu a formação de públicos;

» promoveu, ainda que em menor escala, a descoberta

de talentos e vocações para a prática teatral, facto

comprovado pelo prosseguimento de estudos

superiores em teatro por alguns participantes;

» No domínio educativo e pedagógico:

» reforçou os valores da perseverança, do trabalho em

equipa e da interdependência dos membros de um

grupo para atingir determinado fim;

» promoveu os valores do trabalho enquanto atividade

social e cultural;

» No domínio pessoal:

» promoveu a autoconfiança;

» promoveu os valores da amizade, da confraternização

e da convivialidade;

» No domínio da comunidade; envolveu os cidadãos na

cultura enquanto prática da cidadania.

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Chegava como um intruso. Ficava em silêncio até ser possível falar. Via. Escutava. E nos diferentes momentos dos grupos do PT Paredes com Teatro, juntei histórias, palavras, sentimentos, sensações. Os textos que se seguem não têm uma ordem pensada. Têm a ordem do trabalho desenvolvido ao longo de vários meses e a junção de pormenores que criam um mundo de arte, de sonhos, de amizades e de pessoas com o dom de fazer encantar o espaço.

Eugénio Mendes Pinto

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As primeiras horas da tarde marcam o início dos ensaios. Em Bustelo,

Recarei, no salão da sede da Associação para o Desenvolvimento

de Bustelo, um grupo de pessoas têm no coração uma arte, uma

imaginação que nasceu há cerca de cinco anos e que hoje sentem

como enraizada no corpo, nos movimentos, nas palavras, nos olhares

cúmplices que traçam em silêncio enquanto se inicia o ensaio da

tarde. A peça ainda não tem nome, ou será qualquer coisa como

Mundo ao Contrário, mas o nome não parece fundamental para

ensaios tão avançados.

Tudo nasceu em 2007, no início com um conjunto de perto de

trinta pessoas. Hoje, o grupo, constituído por 14 pessoas, tem os

corpos de quem se move numa arte aprendida e que aperfeiçoam, que

repetem palavras e gestos, que sorriem e questionam o mundo.

Joaquim Marinho, a quem todos os atores chamam somente

Marinho, para por momentos o ensaio para explicar pormenores

e aperfeiçoar todos os gestos e palavras. A arte do teatro tem este

encanto da imaginação, de tudo o que se pode recriar para aproximar

o que se diz do público. “Nenhum destes atores tinha noção do que

era representar, de teatro, alguns nunca tinham assistido a uma

peça. Começamos devagar, passo a passo, palavra a palavra, e hoje

podemos afirmar que, embora amador, temos arte no trabalho que

desenvolvemos e a capacidade de, em cada peça que fazemos, esta é a

quinta, de melhorar todos os processos do teatro”.

Grupo de Teatro da Associação para o Desenvolvimento de Bustelo – Recarei

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31O objetivo nunca será criar teatro profissional, nem é esta a

filosofia de base de todo o projeto que criou o Paredes com Teatro. Está

patente em todas as palavras que o desejo é que as pessoas se envolvam

no teatro, conheçam a arte de representar, que formem um grupo de

pessoas, de amigos, que criem.

O salão da sede da Associação para o Desenvolvimento de Bustelo

não tem as condições ideais para a representação. Mas o que existe é

o ideal, o parco palco do salão, o cenário a negro, pequenas peças de

cores arco-íris que transformam o palco em luz num curto espaço. A

luz exterior deixa entrar o som do sino da capela que ali ao lado não

houve a representação. Talvez o segredo deste amor pelo teatro, desta

dedicação desinteressada, esteja na paixão que Marinho transmite

aos atores e na paixão que tem pelo teatro. “O nosso papel, a nossa

função neste trabalho concreto, passa pela dedicação e amor que

temos pela arte. E esse amor pela arte vai ser transmitido aos meus

atores e isso, sem dúvida alguma, contagia-os”.

Por isso, há no grupo a amizade e um espírito de entreajuda

salutar. Quando, em 2007, o grupo inicia, várias pessoas perceberam

que para fazer teatro é preciso trabalho, dedicação, que é necessário

despender um pouco do tempo da vida para o dedicar ao teatro.

Perceberam alguns que não teriam esse tempo. E os que ficaram,

mais do que tempo, deram essa dedicação que se agarra e todos os

dias se aperfeiçoa, que se interessa, que se dedica com sonho.

Na terra, Bustelo, não haverá outro espaço de cariz cultural

tão forte. “Tenho a sensação de que o grupo representa tudo para

Bustelo. As pessoas aderem em massa às estreias, pois sentem que

alguém está a fazer muito pela terra, pelo meio, por um espírito

comum de um grupo que deixa de ser de quem é ator ou encenador,

mas que começa a pertencer à comunidade, deixa de ser nosso, e esse

sentimento cria o alento para continuarmos”.

No palco continuam os ensaios. Marinho explica, levanta os

braços, move-se, parece ele ser o próprio movimento da paixão pelo

teatro. Embora o cenário esteja minimamente adequado à peça, as

roupas são as que cada um veste no seu dia a dia. Mas cada ator já

imaginou como vestir a personagem que representa.

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“Nenhum destes atores tinha noção do que era representar, de teatro, alguns nunca tinham assistido a uma peça. Começamos devagar, passo a passo, palavra a palavra, e hoje podemos afirmar que, embora amador, temos arte no trabalho que desenvolvemos e a capacidade de, em cada peça que fazemos, esta é a quinta, de melhorar todos os processos do teatro”

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33Maria José, uma das atrizes, a mais velha do grupo, não que a

idade seja muita, está desde o início no grupo. Veio, em 2007, trazer a

filha Margarida para o teatro, tinha a filha sete anos, e ficou. “Gostei

e aqui estou para continuar. Nestes cinco anos guardo imensas

histórias, a viagem a França. Nunca tinha representado e, hoje, parece

a representação fazer parte da minha vida. Não me assusta o público,

despendo o meu tempo com carinho e gosto, adoro representar”. Com

Maria José está Patrícia e Miguel, os mais novos do grupo. Ambos têm esse

olhar de criança, de uma forma muito terna de olhar, de falar. Ambos

vieram com alguém e, por gosto, ficaram e sentem-se, ainda tão novos,

ligados de forma irremediável ao grupo, como fosse “para sempre”.

Hoje, no ensaio, Vítor não pode estar. Mas Vítor tem sonhos que quer

realizar. Realizou agora um. “Sem literatura não haveria peças de teatro

a menos que fossem construídas sobre a base do improviso. Tenho-me

dedicado às duas áreas nestes últimos anos: literatura e teatro. Na escrita,

há já alguns anos que espontaneamente escrevo de forma livre poemas,

pequenas histórias, pensamentos e algumas prosas”, escrita consumada

agora com a edição do seu primeiro livro Devaneios.

Está a ficar tarde e, em Sobreira, os ensaios vão avançados no

grupo de teatro que nos aguarda. Bustelo tem casas dispersas, ruas de

paralelos, o verde em redor que parece nesta tarde suavizar o calor do

tempo. Marinho a gesticular, a dizer como é, como fazer, a dar arte,

vida, imaginação, a unir a música à peça, os sons e as palavras à tarde

quente que envolve Bustelo. Neste salão o mundo tem outra cor e luz.

No fim do ensaio dirá Marinho que “as pessoas que se sentem

inseguras, no teatro conseguem descobrir qualquer coisa diferente

e ganhar segurança. E o ser ator ou atriz ajuda as pessoas a ser

melhores, ter mais iniciativa, mais confiança. É uma arte que

aprendem, uma capacidade crítica de ver o meio e a arte faz parte

do mundo e cria experiências diferentes. Sinto que houve uma

evolução imensa desde a primeira peça até hoje. Acho que as pessoas

começaram a perceber o que é esta arte, o que é o teatro”.

O relógio da capela volta a dar horas. É tarde. Está quente e abafado

o tempo e, enquanto seguimos para Sobreira, vemos um concelho de

contrastes na cor, nas ruas, no verde e nos ruídos de fim de tarde.

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Grupo de Teatro Juvenil de Sobreira

Decorria o ensaio para o fim quando entramos no auditório onde

ensaiava o Grupo de Teatro Juvenil da Sobreira. Tivemos de recuar no

tempo e imaginar todo o ensaio, as cadeiras, as máscaras, as palavras.

Claro que aqui as condições são outras, mas não é isso que difere o

empenho dos atores e encenadores. Em todos, seja nas condições

que forem, a dedicação à arte do teatro tem as mesmas palavras e o

mesmo encanto.

Mas vamos entrar no auditório, repousar um pouco a ouvir

as últimas palavras de uma das atrizes sentados nas confortáveis

cadeiras. No palco, cadeiras, legos, uma atriz de máscara branca,

personagem rouca e velha.

Ana Machado é responsável pelo Grupo de Jovens Nova

Esperança da Sobreira desde 2008, ano que iniciou o teatro. Mas

como o grupo estava extenso, com a dificuldade de adaptação de

textos, foi criado, em 2012, o Grupo de Teatro Juvenil da Sobreira. No

fundo, de um grupo, foram criados dois e os seis atores que vemos a

movimentar-se no auditório são a génese deste grupo.

E neste grupo tudo se inicia com uma cadeira. A encenadora

Susana Paiva pediu que eles trouxessem de casa uma cadeira e, são

essas histórias que ainda vamos ler pelas palavras deles, com essa

cadeira, com a personalidade do assento, criaram-se as personagens

e, depois da cadeira, uniram-se as máscaras.

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37Ana Machado sabe que “para a Sobreira o teatro tem sido das

poucas manifestações que temos em termos culturais”. Com uma

sala “fantástica, é evidente que aproveitamos ao máximo o espaço

que temos. Há cada vez mais pessoas a assistir ao teatro e cada vez

mais pessoas a querer entrar para o teatro. Algumas, depois, veem

que é preciso disponibilidade, mas há os que resistem, que ganham

disponibilidade e permanecem. Vemos cada vez mais jovens a

assistirem às peças”.

O ensaio terminou. Susana Paiva, encenadora, chega radiante.

“Está a ser um processo muito interessante. Conhecia estes jovens

do grupo dos adultos e, agora, fazem parte de uma seleção natural”.

No início, pensou Susana Paiva fazer teatro de rua para aproveitar os

espaços na Sobreira. A ideia inicial era criar uma peça para estrear

na escadaria da igreja que fica do outro lado da rua, em frente ao

auditório. No alto, a igreja que parece dominar o espaço. Ora, nestes

meses de outono e inverno, com a incerteza do tempo e a certeza do

frio, a ideia foi posta de lado. Manteve-se a ideia das cadeiras. Susana

Paiva pediu a cada um dos atores para trazer um poiso de casa. Da

cadeira nasceu uma ação, uma música, uma personagem que surge

com uma idade, profissão, atividade e entrada em cena. Com este

cenário humano construído, havia a necessidade da palavra. “Lembrei-

me do texto A Tabacaria, de Fernando Pessoa, e dividimos o texto entre

todos eles. Estamos a introduzir o texto, não estamos a fazer poesia

declamada”. Por isso, no palco, ficam cadeiras, pequenos objetos que

definem personagens, como um telefone, legos e outros silêncios que

parecem significar pouco quando ali pousados na luz amarelecida de

um foco que ilumina o espaço. Ganha forma quando Susana pede aos

atores para representarem um momento. E cada cadeira assume um

corpo pálido, uma forma que se une ao assento e deixa transparecer

cada personagem.

Mas o momento não fica por aqui. Há as máscaras. Cada rosto

é uma máscara, um refúgio num olhar, nas sobrancelhas, numa

palidez alva que transforma o cenário, o palco, num momento de

beleza na forma que se vai recriar logo de seguida nas palavras.

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38 “São pessoas sensíveis, têm alguma coisa a dizer, são empenhadas, entusiastas. Complicado é serená-las depois de surgir uma coisa nova. Trazem público, trazem mais jovens para o teatro”

“Gosto de utilizar a máscara porque amplia os movimentos. A máscara tem as sobrancelhas, as pestanas, o nariz, define-nos logo como personagens”

Page 41: Pt paredes com teatro

39Susana Paiva, que desenvolveu tese de mestrado no ensino e

aplicação do trabalho com máscara em Portugal, tinha máscaras em

casa e “achei que isto precisava de qualquer coisa nova. Acho que

resulta na perfeição e acaba por acelerar o processo criativo. Em vez

de estarmos a trabalhar o corpo lentamente, a máscara quase que

implica isso, a voz é quase imediata e cada personagem está mais

segura a partir da máscara”.

A voz de Susana Paiva transporta o que sente pelo teatro e por

esse trabalho. Tem ânimo, transpira força. “Estes jovens têm muita

energia, são extremamente inteligentes. É muito fácil trabalhar e é

imediato o trabalho. São pessoas sensíveis, têm alguma coisa a dizer,

são empenhadas, entusiastas. Complicado é serená-las depois de surgir

uma coisa nova. Trazem público, trazem mais jovens para o teatro”.

Mais palavras não seriam necessárias para perceber o papel

do teatro em Sobreira. Educa, une, cria valor humano, transforma

pessoas, recria o mundo em arte. Por isso tem arte as máscaras, as

cadeiras unidas aos corpos, as palavras e os movimentos ensaiados

que recortam a branco o palco. “Não vale a pena virem para o teatro

para chorar ou falarem de coisas tristes”. Tem as máscaras e tem

Diana, a mais tímida do grupo, que trouxe a cadeira de casa para o

palco, às costas, “as pessoas a olharem para mim. Quando vierem

aqui vão perceber”.

Catarina sempre teve uma paixão por representar. “Com a

máscara é como se fossemos uma pessoa completamente diferente.

A máscara é a personagem, acho divertido e sei que o público vai

gostar”. A Rita teve a sorte de o pai lhe trazer a cadeira no carro. Mas

acha inovador as máscaras que “ajudou logo a criar a personagem, a

ser o que quisermos”. Ana Rita tem no palco a cadeira mais velha mas,

com a máscara “a personagem torna-se muito mais fácil de fazer,

divertida. E como o texto não é de comédia fácil, a máscara ajuda a dar

comédia”. Conta que, como o meio é pequeno, as pessoas lembram-se

de personagens que fizeram. “Depois da estreia fui a uma mercearia

e a mulher da mercearia disse-me: então Mila, estás boa? Somos mais

conhecidos um bocadinho, somos os atores aqui da terra”.

Page 42: Pt paredes com teatro

40 Lá fora anoitece. Neste momento deve estar Marinho a deslocar-

se para Duas Igrejas para começar o ensaio do Grupo de Teatro de

Duas Igrejas. Temos de seguir. Está no palco a movimentar-se de

lado para lado Diogo, o único rapaz do grupo, que adora teatro e

sabe que “estamos todos no início de um novo grupo”. Que trabalha

com máscaras, que inova e cria, com toda a certeza, algo novo na

Sobreira. “Gosto de utilizar a máscara porque amplia os movimentos.

A máscara tem as sobrancelhas, as pestanas, o nariz, define-nos logo

como personagens”.

Ficam no palco. Nós saímos. Sabemos que os ensaios vão

continuar. As estreias aproximam-se e os atores sentem a

necessidade de acertar pormenores, recriar a vida das personagens e

aperfeiçoá-las num desejo magistral de criar teatro e arte.

À espera de Marinho em Duas Igrejas está Lisete. A segurar num cão…

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Grupo de Teatro de Duas Igrejas

Marinho ainda não tinha chegado. Onde seria o espaço de ensaios?

Com a missa vespertina na igreja de Duas Igrejas a decorrer não seria

fácil encontrar pessoas para perguntar. No fundo do adro, do lado

esquerdo de quem olha o local de culto, uma casa com ar antigo, de

pedra, térrea, estores velhos, empoeirados, porta de alumínio com

vidro martelado. Ali, somente uma pessoa com um pinscher ao colo.

Olhou, o cão arreganhou os dentes, e percebemos pelo sorriso da

pessoa que tínhamos encontrado o local de ensaio do Grupo de Teatro

de Duas Igrejas.

Marinho chegou no mesmo momento, com ele chegaram mais

jovens. Abriu a porta e entramos no espaço cedido pela paróquia para

os ensaios do grupo. Uma sala não muito ampla, um palco que não é

utilizado, pois tem tralhas do grupo de jovens da paróquia, e o soalho,

que servirá na estreia da peça Amigos da Onça para organizar as filas

das cadeiras azuis, que agora repousam em redor das paredes do

salão, serve hoje para os ensaios.

Marinho tem a seu cargo a encenação de dois grupos. O de

Bustelo e o de Duas Igrejas. Natural de Duas Igrejas, foi Marinho

que criou a Associação e o Grupo de Teatro de Duas Igrejas em

2007. “Havia a vontade de criar aqui um grupo de teatro. Fundei

a associação, contactei um grupo de pessoas e desse grupo inicial

fizemos a primeira peça. Até hoje já estreamos seis espetáculos

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45e, hoje, o que ensaiamos, será a sétima peça”, que está em fase

adiantada de aperfeiçoamento.

O ator mais novo do grupo é Luís que está a gostar imenso do teatro.

A seu lado, Fernanda que veio ver, “como uma experiência, era inédito

aqui na freguesia”. Agora, a amizade, os laços que criou no grupo “falam

alto, gostamos de estar uns com os outros e aproveitamos para fazer

teatro, que é algo de que gostamos. As pessoas aqui da terra sabem que

fazemos teatro, pois nas estreias aparece sempre muita gente”.

Estão a decorrer os ensaios e Marinho interrompe várias vezes

os atores para exemplificar pormenores, aperfeiçoar palavras e

momentos; ou o ensaio para quando os atores se esquecem de alguma

fala e sorriem como o sorriso lhes trouxesse à memória as palavras

esquecidas.

De viola na mão, a ensaiar, Marcelo cria uma personagem de

traços femininos. “O que nos une é a amizade”. No grupo desde a

sua génese, Marcelo sabe que hoje o grupo está diferente. Mais unido,

mais forte. “No início chegávamos aqui e ficávamos intimidados,

tínhamos medo de ir para cima do palco representar. Deste tempo,

fica uma grande lição de vida, aprendemos com as peças, com as

pessoas, saímos enriquecidos”.

O pinscher está no colo de Fernanda. Afinal, Lisete não é a dona

do cão que entra na peça pela mão de António que chegará hoje aos

ensaios um pouco mais tarde, pois percebeu mal a hora de início.

Lisete é dona da gata que também entrará na peça, mas que hoje não

veio aos ensaios. Afinal um gato não precisa de ensaiar, “basta que se

porte bem no dia. Sempre quis ser atriz para criar bases, melhorar.

Confesso que no primeiro dia o Marinho estava a exigir muito de mim

e pensei logo em sair. Mas a minha mãe aconselhou-me a continuar.

E voltei e estive outra vez para não voltar. Vim novamente e isto hoje

é tudo para mim”. Lisete aprende, recria uma arte de quimeras e

deixa que o seu sonho ali se realize enquanto imagina outros palcos

e outros públicos. “As pessoas sabem que na freguesia existe este

grupo. Deveriam ajudar a construir um auditório”, de raiz. Embora

as palavras sejam as de Lisete, todos os atores referem o mesmo,

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“O que nos une é a amizade”

“No início chegávamos aqui e ficávamos intimidados, tínhamos medo de ir para cima do palco representar. Deste tempo, fica uma grande lição de vida, aprendemos com as peças, com as pessoas, saímos enriquecidos”

“É mais fácil representar o que escrevo, pois tenho a construção da personagem desenvolvida na minha mente. Quando estou a escrever estou a construir as personagens. Se fosse um personagem de um outro texto, teria de interiorizar esses elementos para a poder recriar”

Page 49: Pt paredes com teatro

47mas o espaço não limita a representação e Pedro movimenta-se nos

ensaios com mestria. Desde o início no grupo, para Pedro não há um

momento para destacar, “há momentos e o que nos marca também

são as pessoas que aqui estão. É uma responsabilidade representar

e se estamos aqui, a melhorar a nossa arte diariamente, é para

construir algo e aperfeiçoar o que estamos a fazer. Somos outras

pessoas a representar. No início, lembro-me, queríamos sair logo do

palco, hoje, queremos permanecer”.

Diana será estreante como atriz. “Estava com medo quando

entrei, mas agora estou de coração no grupo. Desde pequena que

gosto de representar. Mas só agora tive oportunidade de participar

num grupo de teatro real e estou a adorar”.

Marisa Cruz Lopes, quando era pequena, e por influências

televisivas e de alguns atores de quem gostava muito, queria ser atriz.

“Adoro andar no teatro. Foram laços afetivos que se criaram, mais

do que uma responsabilidade é uma forma de descontrair, de rir, de

nos enriquecer. Passámos muitos bons e agradáveis momentos. No

ano anterior entrei para a faculdade e comecei a trabalhar numa

cabeleireira aos sábados em part-time e estava a ser difícil conciliar

tudo. Pensei em desistir, mas continuei. Ainda bem. Foi uma questão

de me organizar. Agora percebo que seria impossível viver sem este

grupo de amigos”.

Tânia Ferreira começou no teatro assim que foi fundado em

Duas Igrejas. Este ano foi colocada na Universidade de Coimbra,

por isso não pode participar. “A distância, o tempo de viagem, tudo

isso e entre outras coisas encurtava o fim de semana de tal maneira

que não passava tempo nenhum com a família. Mas nunca deixei

realmente o teatro. Era bom, tinha melhor efeito do que um SPA, dava

simplesmente para relaxar e esquecer o que estava lá fora. Eu gosto e

pretendo voltar assim que possível”.

António entrou e, com ele, quando a porta que parece pouco

segura do salão se abriu, veio o som do adro, da missa que terminava,

o ruído de carros e motas, de palavras, de passos. Com ele entrou a

luz da noite na pouca claridade do salão e, com ele, entrava um outro

Page 50: Pt paredes com teatro

48 sorriso cúmplice de alguém que no grupo está desde início e cria uma

amizade e forma de estar que une e acolhe as pessoas.

E António escreve. É ator e argumentista. A peça que ensaiam foi

escrita por António. “Sempre fui criativo e como é difícil encontrar

textos para o que idealizamos, decidi escrever o texto”. Os processos

criativos nem sempre são fáceis de explicar. António tenta: “Defino

o início, depois começo a imaginar o que se seguirá, mas nunca

defini qual seria o meio ou o final da peça. Vou imaginando como as

coisas vão correndo, de forma aleatória, nunca imaginei as coisas

numa sequência lógica, utilizo pequenas ideias que se encaixam

naturalmente e criam uma peça”, onde António é ator. “É mais fácil

representar o que escrevo, pois tenho a construção da personagem

desenvolvida na minha mente. Quando estou a escrever estou a

construir as personagens. Se fosse um personagem de um outro

texto, teria de interiorizar esses elementos para a poder recriar”.

O ensaio está a acabar. Os atores estão cansados, é tarde. António

sabe que ainda tem muito para aprender, “é um processo evolutivo.

Enquanto tiver inspiração vou continuar a escrever e, um dia, quem

sabe, continuar os estudos”.

António também sabe que a inspiração nasce do trabalho, de

livros, de procuras, de uma dedicação séria e real ao teatro. Tem nesse

desejo, enquanto se desligam as luzes fracas e adormecidas do salão

paroquial de Duas Igrejas, de continuar a aperfeiçoar as palavras e a

dar liberdade à imaginação para o teatro, a partir dele e com quem

o acredita como suave momento de prazer, continuar a abrir palcos,

luares e estrelas.

O pinscher saiu ao colo de Fernanda. Rosnou mais uma vez. A gata

virá na estreia. E esperemos que os bichos não troquem os seus papéis.

O tempo arrefeceu.

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Grupo de Teatro de Cête – Cêteatro

Hoje é tarde de ensaio geral. Nota-se um certo nervosismo e a nossa

chegada, que parece que foi um pouco tardia, era aguardada com

ansiedade para não existirem atrasos no último ensaio. No palco da

sede do Grupo de Teatro de Cête, Cêteatro, somente quatro cadeiras de

cada lado, de um lado os homens, do outro as mulheres, e um ator numa

escada a compor as luzes. O Teatro Possível, nome da peça, é um texto

maravilhoso de Pedro Estorninho sobre o teatro e como ele atravessa a

humanidade até aos nossos dias. Os atores levam-nos nessa viagem de

encantos, de imaginação, enquanto uma criança brinca entre as pouco

mais de cem cadeiras do auditório que vão encher à noite na estreia,

apesar do frio e da chuva.

Ariana, a atriz mais nova, não parece nervosa e, para ela, o teatro

é um entretimento. Como não gostava de tocar viola e não tinha tempo

para tudo, optou pelo teatro e pelo ballet, mas o teatro é algo que a faz

sorrir muito, assim um sorriso do tamanho do mundo, como o sorriso

de todas as crianças dos outros grupos que vamos ver e ouvir. Não

lhe retira tempo o teatro para os estudos e sabe que quer continuar a

representar. A seu lado, Aníbal Barbosa, que, com perto de 70 anos, todas

as recordações que refere estão ligadas ao teatro. “Quando era mais

jovem fazíamos teatro ali nos bombeiros. Eram grupos espontâneos e o

teatro desde sempre esteve nos meus gostos e as histórias deste tempo

são tantas que não é fácil referir nenhuma em particular”.

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53Aníbal, durante o ensaio, coisa que não sucederá na estreia,

esqueceu-se de uma das suas falas. “É normal”, como é normal a

alegria que transmite quando fala. Como fará à noite, com a casa

cheia, sorrir a plateia com as suas palavras. Também quem os fará

sorrir é Joaquim Rodrigues, ator e responsável do Grupo Cêteatro.

“Tenho sempre uma responsabilidade acrescida. Tenho de ter tudo

em ordem, as cadeiras, os adereços para a estreia, pequenas coisas

que têm de ser tratados que tenho de ser eu a realizar”. Pormenores

que são fundamentais para que os ensaios e as estreias aconteçam.

“Quando, em 2006, vim assistir a um ensaio, fiquei a gostar…

até hoje”. Joaquim Rodrigues, embora não pareça, é um pouco

introvertido e o teatro ajudou a ultrapassar um pouco essa timidez.

“Algumas pessoas não conheciam esta minha faceta e algumas ficam

admiradas, mas para mim é normal ser ator e, hoje, faz parte de mim

estar num palco e representar”.

A sala, hoje de tarde, está vazia. Encherá daqui a algumas horas;

encherá de pessoas que vêm para ver teatro. Depois da estreia, Joaquim e

outros atores do grupo, arrumam a sala, desmontam cenários e deixam

tudo em ordem. É sempre assim. O cenário move-se com eles para onde

quer que vão. Quem faz teatro por amor tem a capacidade de tudo fazer

para o teatro ser possível, como o próprio nome da peça sugere.

De histórias, recorda Joaquim uma que, num teatro que nem

era comédia, fez sorrir a plateia. “Foi na Sobreira. Estava apertado, e

com a peça a decorrer, fui à casa de banho. Não fechei a porta e, como

ela era ao lado do palco, no momento que urinava tudo estava em

silêncio, imagine o ruído que fiz. Foi riso geral”.

Inês Leite, a encenadora, no fim do ensaio geral vai dar notas aos

atores, mas essas não sei nem tenho direito a assistir. “O que se passa

no teatro fica no teatro. Este trabalho é muito interessante porque

lidamos com material humano. Eles, como amadores, amam o teatro

e, para além desse lado que pode ser profissional, há uma ligação de

amizade com as pessoas, o reconhecimento mútuo do que cada um de

nós é, e isso é que é fundamental. E com estes atores, que têm menos

técnica, que estão menos formatadas do ponto de vista formal da arte

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54 “Quando era mais jovem fazíamos teatro ali nos bombeiros. Eram grupos espontâneos e o teatro desde sempre esteve nos meus gostos e as histórias deste tempo são tantas que não é fácil referir nenhuma em particular”

“Lembro-me de uma senhora que passou pelo grupo, mas teve de sair, veio falar comigo a chorar, pois tinha deixado o que era mais importante na vida dela. É preciso ver estas pessoas que se levantam às cinco da manhã, para irem trabalhar e chegam à noite, depois de um dia de rotinas e de corridas constantes, cansativo, e virem para aqui trabalhar numa arte, é algo fantástico, que deve merecer o reconhecimento de todos”

Page 57: Pt paredes com teatro

55teatral, acontece que, por vezes, criam coisas ou fazem gestos que

são totalmente novos, frescos e me colocam a olhar para o teatro de

forma diferente”.

Por isso sabe Inês que o trabalho de encenadora, mais do

que formatar, é um terceiro olho, de olhar de público, embora “a

encenação seja dar-lhes formação técnica, estimular do ponto de

vista artístico, de novos horizontes, e de acompanhar e proteger os

atores nas suas capacidades artísticas, exigindo sempre mais deles”.

Por isso Inês Leite faz avaliações, diz o que podem melhorar, como

têm de agir para melhorar, como podem crescer na arte teatral.

Em Cête, este grupo cria públicos, cria a necessidade da arte do

teatro, faz serviço público. Mais, faz pensar, cria afetos, transforma o

mundo, une este espaço a centros tidos como cosmopolitas. Serve para

as pessoas se recriarem. “Lembro-me de uma senhora que passou pelo

grupo, mas teve de sair, veio falar comigo a chorar, pois tinha deixado

o que era mais importante na vida dela. É preciso ver estas pessoas que

se levantam às cinco da manhã, para irem trabalhar e chegam à noite,

depois de um dia de rotinas e de corridas constantes, cansativo, e virem

para aqui trabalhar numa arte, é algo fantástico, que deve merecer o

reconhecimento de todos”.

Já faltam menos de três horas para a estreia. Temos de os

deixar. Vão jantar, alguns juntam-se, outros jantam com a família,

outros com amigos e, uma hora e meia antes da estreia, reúnem-se

novamente para repousarem e se concentrarem na arte, no Teatro Possível. A sede do grupo fica por momentos calma, sem atores.

Quando, na noite fria chegamos, e uma chuva miudinha cairia no

fim da peça, já um grupo de pessoas esperava pela estreia. Começaria

na porta, com um certo ruído inicial, alguns atrasos, numa plateia

que encheu. “O teatro são estes momentos, são todos. Não falto a

nenhuma estreia”.

Não podemos atrasar. As crianças esperam-nos, não nesta noite,

noutra, no dia a seguir, mas com os mesmos sorrisos da criança que

no ensaio geral imaginava uma máquina fotográfica nas suas mãos

e, a brincar, continuava a tirar fotografias e encantos que só ela

conseguia ver.

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57Grupo Teatro Infanto-Juvenil de Baltar – Associação Clube Jazz de Baltar

São as crianças que conseguem sempre criar o inesperado, reinventar

o teatro nos movimentos. No Grupo de Teatro Infanto-Juvenil de Baltar,

num espaço nobre, novo, onde iniciam os ensaios, crianças e jovens

falam muito, mexem nos vestidos que alguém trouxe, experimentam-

nos, algumas vestem os fatos ao contrário e vão novamente trocá-

los, enquanto Ana Perfeito, a encenadora, diz que está na altura de

começar o ensaio e que o podem fazer já com as novas roupas. A

Margarida vai trocar o vestido verde pelo azul da Inês. Agora sim, está

tudo pronto para começar o ensaio e as notas musicais que cobrem os

fatos coloridos já estão viradas para o sítio certo, na parte da frente,

e parece assim que as crianças são música, são pautas e arco-íris que

encantam no palco.

O espaço do BaltarArte é novo, ainda cheira a verniz, a novo, e

há um certo pó no ar. Já é noite, as crianças amanhã têm aulas, e não

podem estar até muito tarde no ensaio. Sentada num dos cantos da

bancada, a mãe da Beatriz e da Margarida espera pelas filhas. “Temos

de coordenar os horários, trazê-las e esperar por elas. Elas adoram”.

Vamos lá então ao ensaio, primeiro às músicas que cantam com

entusiasmo, depois à peça que se desenrola num reino que se escreve

assim: lagutroP. A peça intitula-se O Pequeno Conselheiro do Rei, é

de Paulo Sacaldassy, uma peça infantil, que nos leva pela música e

pela liberdade, pelos sonhos das crianças que querem ser livres, por

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Page 61: Pt paredes com teatro

59sorrisos e muita cor. “É muito gratificante ensaiar crianças. Mais do

que um projeto teatral, é um projeto de crescimento humano. Vejo-

os a crescer não só a nível físico, mas também a nível de relações.

Ficam completamente diferentes”. Ana Perfeito tem um sorriso

também de criança, vivo, que transmite alegria ao grupo. “Vejo-os a

perder o medo do palco, as evoluções individuais e as que acontecem

em conjunto. Estão muito motivados e têm uma capacidade de

memorização enorme”.

Ensaiam uma vez por semana e é admirável que, com tão poucos

ensaios, tudo pareça tão coordenado. “Não posso prejudicar a vida

escolar deles, embora os pais colaborem em tudo, mesmo nas roupas,

nas maquilhagens, estão sempre disponíveis. As crianças estão

motivadas e é daqui que podem nascer talentos. O objetivo não é esse,

mas se acontecer… fantástico”. Todas levantam a mão quando se

pergunta se querem seguir teatro.

Começam a chegar outras pessoas. A noite já teve o seu início há

mais de uma hora. Talvez seja este o momento em que Cidália pegue

na caixa de chocolates e saia de casa para o espaço do BaltarArte. O

ensaio decorre, acertam-se pormenores, Ana faz os gestos amplos

com eles, para eles verem como se faz; eles repetem os movimentos,

sempre mais pequenos, os braços não chegam tão longe, mas com

esse sorriso do tamanho do mundo, e livre. Cantam e falam, as vozes

estão quentes. Joana, a mais nova do grupo, com uns pequenos cinco

anos, sorrirá sempre enquanto abana a cabeça e afirma, com gestos,

que gosta de fazer teatro.

Nenhum deles está habituado a falar de teatro. Há perguntas

que nunca lhes tinham sido feitas e a resposta não parece ser fácil.

Gostam de representar e isso é o mais importante. Filipe, o mais velho

do grupo, com 14 anos, sabe que o “teatro o ajudou a falar melhor”.

Beatriz adora representar e o tempo que passa nos ensaios nada afeta

os estudos, ajuda a ter regras, a decorar, a aprender formas diferentes

de estar com outros. Tiago, que é o menino que foge na peça, que quer

a liberdade, também tem essa liberdade no que diz, no que o teatro

ajuda na escola. As 14 crianças ali reunidas, 10 meninas, quatro

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60 “É muito gratificante ensaiar crianças. Mais do que um projeto teatral, é um projeto de crescimento humano. Vejo-os a crescer não só a nível físico, mas também a nível de relações. Ficam completamente diferentes”

Page 63: Pt paredes com teatro

61meninos, todas têm um nome que não interessa escrever, interessa

sim deixar que sorriam e que o teatro desenvolva esse ânimo livre que

o Tiago representa na peça.

Na Joana, o rosto é de sono e os olhinhos ficam pequeninos. Os

pais já todos chegaram para levar os filhos. Amanhã o dia é de aulas,

mas a noite e os sonhos será de teatro, de músicas, de palavras e

muita cor. As histórias que não contam, guardam-nas nas quimeras e

nos desejos que ficam gravados no brilho do olhar.

No espaço do BaltarArte, atores do grupo de teatro de adultos

esperam. Junto à saída há uma placa com a data de inauguração

do edifício. Vinte e três de julho de 2011. Novo, nobre, espaçoso,

luminoso. Está frio lá fora. As crianças vestem agasalhos quentes e

começam a sair. Talvez seja este o momento que Cidália sai de casa

com a caixa de chocolates, que as crianças já não vão ver, numa das

mãos. É esta doçura que Cidália transporta na noite que as crianças

levam para o sono e para os sonhos. É esta doçura que o teatro lhes dá

e permanece…

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Cidália Pereira ainda não chegou. Por isso ainda ninguém tem

chocolates. Entrará quando as crianças adormecerem. Agora é tarde

e os atores do Grupo de Teatro de Baltar, que são 16, estão preparados

para iniciar o ensaio. Ana Perfeito também é a encenadora deste

grupo e, embora os métodos de ensaio sejam diferentes, Ana mantém

o rosto que transporta de criança e das crianças. Está com o grupo

desde o início e alguns dos atores vieram do grupo infantil. Filipe é o

único que ensaia nos dois grupos.

Claro que ensaiar adultos é mais difícil do que crianças. “São mais

teimosos e como em Baltar têm muitas atividades, envolvem-se em tudo

e não é possível fazer tudo ao mesmo tempo”. Talvez seja por isso que

este ano ensaiam uma comédia e como no ano passado apresentaram

uma tragédia, e para tragédia já basta a vida, a comédia foi a opção. “As

crianças decoram mais facilmente as canções e os textos”.

Ana Perfeito vive intensamente e de forma emotiva com os

grupos que ensaia, que são três. Do outro falaremos mais à frente e

ela nesse não estará presente. “Sinto-os como uma família. Já chorei

por causa deles, como me ri muito por causa deles. Cada espetáculo é

um mar de emoções, de ansiedade, que parece que nunca é possível,

mas depois é e vive-se uma experiência de vida constante, como se

estivesse sempre em renovação”.

Grupo de Teatro de Baltar – Associação Clube Jazz de Baltar

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65Tudo neste grupo passa por uma grande amizade. Miguel

Silva entrou para o grupo há três anos. “Sempre gostei de teatro e

como andava aqui um bichinho a moer, cá estou… só se a vida não

permitir”. Serralheiro, os ensaios noturnos não interferem na árdua

profissão. “Chego a casa, tomo uma chuveirada, arranjo-me e venho.

É uma forma de me descontrair um pouco, esquecer os problemas da

vida. Divirto-me, ensaio, converso”.

O grupo tem 16 pessoas. Ana sabe que têm adoração “por isto.

Aqui não é só o trabalho de ator, são todos os trabalhos, os cenários, as

roupas, tudo, e isso é o que torna estes grupos famílias, pelas ligações

e afetos que criam uns com os outros”. Para todos o grupo representa

a vida, representa “muito”, diz Maria da Glória. “Muitas vezes

estamos chateados da vida e aqui esquecemo-nos de tudo”.

É no Grupo de Teatro de Baltar que está a pessoa mais idosa de

todos os grupos do Paredes com Teatro. Maria Inocência tem mais uns

anitos acima dos setenta e “enquanto puder e tiver a capacidade de

decorar, não vou deixar o teatro. Gosto disto, faz parte de uma cultura

que temos de ter, que aprendemos, divertimo-nos juntos, sinto o

grupo como uma família. De noite, quando acordo, recordo o texto

e as falas. Sou sempre a primeira a decorar tudo. Aqui aprendemos

a falar, arranjamos amigos e é espetacular”. São estas palavras que

traçam de forma muito clara e sentida o sentimento global dos

grupos.

O ensaio ainda não começou. Cidália entra agora com a caixa de

chocolates, não traz com ela a noite, traz doçura que percorre todos os

elementos do grupo. “Aqui o trabalho é muito significativo porque é

cultura e leva-me a outros horizontes. Trabalho com crianças no dia a

dia, e muitas das atitudes que a nossa encenadora nos transmite podem

ser levadas para os outros. Aproveito isso no meu trabalho. Estamos

sempre a aprender, a Ana torna tudo simples, sinto-me lindamente e

viver com ela e com estas pessoas o teatro é maravilhoso”. O sabor do

chocolate silenciou por parcos momentos o espaço. Há um sabor que

permanece nas palavras e nas atitudes de todos. Há linhas comuns

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66 “Trabalho com crianças no dia a dia, e muitas das atitudes que a nossa encenadora nos transmite podem ser levadas para os outros. Aproveito isso no meu trabalho. Estamos sempre a aprender, a Ana torna tudo simples, sinto-me lindamente e viver com ela e com estas pessoas o teatro é maravilhoso”

“Sinto-os como uma família. Já chorei por causa deles, como me ri muito por causa deles. Cada espetáculo é um mar de emoções, de ansiedade, que parece que nunca é possível, mas depois é e vive-se uma experiência de vida constante, como se estivesse sempre em renovação”

“Este grupo é basicamente uma família. Para nós o ensaio ao domingo é o início de uma semana fresca”

Page 69: Pt paredes com teatro

67de pensamento. “O teatro não interfere na minha vida. Muito pelo

contrário, o teatro enriquece a vida profissional, porque aprendemos

a trabalhar uns com os outros, a darmo-nos, a deixar que os outros

também se deem e levar isso para o nosso trabalho é algo muito bom. O

teatro é a vida e é a vida que nos enriquece”.

Posso estar a ser injusto, mas neste grupo Cidália, e não será

pelos chocolates, tem o dom da palavra, de um olhar azul que

contagia a noite. Histórias? “São tantas… mas houve uma que me

marcou. Fizemos uma formação de teatro e, quando estávamos a

fazer um jogo onde tínhamos de morrer e representar a morte, uma

das nossas colegas morreu e nós pegamos nela e colocámo-la num

canto. Lá ficou ali de barriga para o ar, morta. Tínhamos de arrumar

mais cadáveres e pegamos mais num e lá o atiramos para o lado.

Caiu em cima dela. E ainda recordo as palavras que disse: era preciso morrer para ter um homem em cima de mim!”.

São histórias que marcam todos os momentos do teatro.

As deixas que se esquecem, passar a peça três páginas à frente,

alguém que se esquece de entrar em palco, algum objeto que se

parte, o cenário que se move quando não deve, entre muitos outros

momentos que fazem sorrir atores e, raramente, o público, pois não

se apercebem. Ana Perfeito sabe que quando essas coisas acontecem,

como encenadora, não pode interferir. “Mas eles resolvem sempre de

forma muito criativa, surpreendente”.

Os chocolates terminaram. O ensaio vai começar. Ana Perfeito

pede um esforço e uma dedicação extra, pois a estreia aproxima-se.

Os ensaios começam agora a ser aos domingos e às segundas à noite.

Definem o dia para irem comprar as roupas a uma dessas cadeias de

lojas conhecidas e baratuchas. Luís Cruz, que veio do grupo infantil, está

disponível, embora estude no Porto. Está no primeiro ano da faculdade.

“Este grupo é basicamente uma família. Para nós o ensaio ao domingo é

o início de uma semana fresca”. Imagino que com ensaios aos domingos

e segundas a semana seja duplamente refrescante. “Para quem tira um

curso superior, o teatro favorece-nos. Além de uma pessoa se divertir,

Page 70: Pt paredes com teatro

68 modifica as pessoas, mesmo nas relações com os outros. O teatro não

interfere na minha vida nem nos meus estudos. Faz parte da minha

vida e do que estudo. Temos este compromisso e temos de pensar em

todas as pessoas que aqui estão. Com uma organização responsável

tudo se consegue”. Luís, no seu décimo oitavo aniversário, esteve com o

grupo em Mondim de Basto numa representação, “e foi um grande dia, o

melhor dia de anos que podia ter”.

O ensaio a decorrer, Ana Luísa, que está no 12.º de escolaridade,

diz que quer seguir Psicologia. “Estou aqui abstraída do mundo

exterior e dedico todo o tempo que tenho ao teatro”. Mas Ana Perfeito

agora está a ensaiar, todos têm de estar concentrados, pois a peça

ainda precisa de um trabalho “dantesco” para estrear na data

prevista. A noite entrou nela e vai daqui a algumas horas dar lugar

ao dia. O ensaio prossegue, quase todos ainda com os papéis da peça

na mão. Cidália trouxe um bigode e barba, fará de homem, e o ensaio

decorre com Ana a marcar os pontos que se devem alterar, a definir

espaços e todos os pormenores.

Vamos sair. O ensaio continuará. Está muito frio. Mas o sabor é

de chocolate, de amizade e da boa disposição contagiante.

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Grupo de Teatro da Associação Social e Cultural de Louredo

— Rui, o que fazes quando entras?

— Ah! Esqueci-me…

— Não te podes esquecer.

— Era a vénia.

— Não adormeçam em cena, concentrem-se. Não sejam

trapalhões. Virem-se para a frente.

Joana Morais já vai com o ensaio adiantado quando dá estas

indicações. No espaço da Associação Social e Cultural de Louredo, sete

atores movem-se sob as palavras constantes de Joana, a encenadora.

“É o primeiro ano que estão comigo. Este grupo tem mudado muito

de encenador. Começamos os ensaios há seis meses, e ainda há muito

para fazer. Eles são muito novos”.

São sete atores que sorriem constantemente das próprias deixas,

que se esquecem do que têm para dizer, mesmo com o guião nas

mãos. “A questão é convencê-los a decorar o texto, pois só depois

de decorar o texto é que se consegue trabalhar. Temos de os libertar

do papel para as personagens evoluírem. E, apesar de serem todos

muito novos, conseguem ter uma criatividade imensa. Mas acho que

estamos a trabalhar bem e no sentido correto”.

Claro que num sábado de tarde ter todos os atores disponíveis para

o ensaio não deve ser tarefa fácil. O sol ameno e quente convida a outros

momentos, e eles têm de estar ali concentrados num trabalho que sabem

que é, depois da peça decorada, de imaginação e criatividade.

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73Numa breve pausa, reunidos à volta de uma curta mesa, todos

deixam palavras. Sofia é a grande dinamizadora do projeto e é

por causa dela e devido ao seu irmão, Rafael, que todos estão ali.

Está no grupo desde o início. Hoje, desempregada, gosta “muito de

representar. O teatro representa um desafio, a possibilidade de ter

futuro”. Ao lado de Sofia, Cátia. Está a tirar o curso de enfermagem

e não tem sido fácil, neste início de licenciatura, conciliar estudos

e teatro. O grupo realiza os ensaios conforme a disponibilidade de

Cátia. “O grupo é uma forma de sair da minha personalidade, do que

sou, para representar outro tipo de pessoas, e talvez ganhar novas

experiências e melhorar a minha própria personalidade. Depois são

os amigos que fazemos e conhecemos novas facetas dessas pessoas”.

Embora Cátia ainda não tenha pensado que pode ligar enfermagem

ao teatro, pensa que representar a pode ajudar a ser mais desinibida,

a ter uma relação diferente, no futuro, com os utentes. “Mas não

sei, ainda falta muito tempo para acabar o curso e a certeza, neste

momento, é que o teatro também é para continuar”.

Ao lado de Cátia permanece Rui, sempre num olhar muito

maroto, distraído, como se fosse esquecer novamente da sua vénia

quando entra em cena. Rui não fala muito e simples monossílabos

respondem às perguntas. É a primeira vez que representa, gosta,

estuda e o teatro não interfere nos estudos, não gosta muito de falar

e, como é fácil perceber, ainda vai ter de decorar o texto.

O grupo é de jovens, todos com olhares misteriosos, de teatro,

de atores que querem aprender. Dos sete elementos do grupo, quatro

estão pela primeira vez no papel de atores. Catarina está nesse papel

e gosta “de conviver com os amigos e representar. Quem insistiu para

eu vir para aqui foi a Sofia. Pedi aos meus pais, a minha mãe não

queria que eu viesse por causa da escola, mas o meu pai deixou, fui

vindo, e depois ela concordou. Queria muito vir para o grupo”.

Separada da mesa, está a mãe de Bibiana. Assiste aos ensaios

e ouve a filha que diz que a experiência tem sido fantástica. “É a

primeira vez, mas quero continuar e o teatro não interfere nos

estudos”. Ao lado, Pedro: “Queria fazer teatro e estou a gostar muito.

Pensei que fosse um pouco diferente, o texto é um pouco difícil de

Page 76: Pt paredes com teatro

74 “Olhe, podia estar a arrumar a casa e tenho de vir atrás dela, tenho de a trazer. É sempre um transtorno. Mas é muito interessante e, para ela, como é muito trapalhona a falar, não se explica muito bem, o teatro tem-na ajudado a melhorar. Tem de ter métodos, de estudar, decorar. Tem os amigos”

Page 77: Pt paredes com teatro

75decorar, mas já está quase e não sinto que o teatro interfira nos

estudos”. Rafael, no grupo há três anos, acha que “todos representam

muito bem e, sinceramente, gosto muito”.

Os ensaios vão continuar. Rui tem de estar atento enquanto

Bibiana entra em palco.

— Zaca, zaca, dirá Rui várias vezes e voltará a repetir enquanto

Joana indica a entoação, a forma como tem de se colocar em palco.

— Têm de decorar o texto.

E, enquanto os ensaios decorrem, Helena, mãe de Bibiana, fala

dos pequenos atores. “Olhe, podia estar a arrumar a casa e tenho

de vir atrás dela, tenho de a trazer. É sempre um transtorno. Mas é

muito interessante e, para ela, como é muito trapalhona a falar, não

se explica muito bem, o teatro tem-na ajudado a melhorar. Tem de

ter métodos, de estudar, decorar. Tem os amigos”. Claro que Helena,

já que vem acompanhar a filha, coloca a possibilidade de um dia

também poder vir a fazer teatro. Mas mais importante é acompanhar

a decisão da filha e apoiá-la. “O que lhe digo é quando se toma uma

decisão, temos de ter responsabilidade, não faltar porque dependem

uns dos outros e depois tem de se esforçar ao máximo para que tudo

saia minimamente bem. Por causa de um não pode sofrer o grupo

todo”. Helena trabalha e sabe que todos estão um pouco dependentes

dos horários da Cátia. “Mas tento estar sempre disponível. Gosto

imenso de teatro, das peças que aqui se têm feito e das que outros

grupos vêm aqui representar. Há pessoas aqui em Louredo que estão

sempre a perguntar quando é que é a estreia. As pessoas gostam

destas atividades e empenham-se. Aqui estes pequenos atores têm

tudo para se desenvolverem”.

Helena sorrirá novamente quando Joana Morais se levanta

para novamente dar indicações. Em cena Catarina faz de macaco e

o sorriso dos atores é contagiante. Sabem todos que não poderá ser

assim, que a concentração tem de ser diferente, que o texto tem de ser

decorado. Mas, como dirá Joana, “eles são talentosos”.

— Decorem o texto…

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Grupo de Teatroos Expansivos – Lordelo

Estes são adultos, mas também ainda não têm o texto decorado.

— Concentrem-se, então?

Mas eles sorriem na mesma.

— Ó menina respira fundo.

Sorriem.

— É para hoje?

Sorriem.

— Gente, qual é a dificuldade? Respirem fundo.

Eles sabem que têm de respirar fundo, mas a peça tem essa

magia e, por vezes, nalguns momentos, o riso torna-se contagiante.

— Vejam o texto. O texto é independente da ação.

Prosseguem os ensaios.

— Atenção, em câmara lenta. Outra vez, é a última vez. Tu estás

muito em cima deles.

Inês Leite, a encenadora, explica tudo de novo.

— É divertido, eu sei. Façam cara de maus, não sorriam, está a

doer para caraças. Pega na vassoura André e põe-te de pé. Última vez.

Concentrem-se.

Inês Leite move-se entre eles, faz gestos, repete as deixas,

exemplifica, deixa que a liberdade deles crie personagens, fala

continuamente e deixa no ar linhas de palavras que se parecem

repetir na sede do Grupo Cultural e Recreativo de Lordelo Os

Expansivos, conhecidos em Lordelo pelos Os Expansivos. É noite e,

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78

Page 81: Pt paredes com teatro

79na sede, junto ao parque da cidade, somente as vozes dos atores e o

silêncio da noite quebrado pelo mutismo das luzes amarelecidas do

exterior. No interior, o espaço é alvo, e algumas vitrines guardam a

história desta associação.

Conta Sérgio Machado, ator e responsável pelo Grupo de Teatro

Os Expansivos que o grupo de teatro nasce quando, em 1980, é

formado o Grupo Cultural e Recreativo de Lordelo Os Expansivos.

“Quando foi formada a associação, existia um grupo de jovens

que se unia para ensaiar teatro. Foram eles que resolveram criar a

associação para formalizarem o que faziam”. Durante quatro anos o

teatro teve vida. Mas, tendo a associação também folclore, que requer

muito tempo e muito trabalho, decidiu-se parar com o teatro. “Seria

para parar pouco tempo, mas foram 20 anos. Em 2006, com uma

nova direção recém-eleita, resolve-se reavivar o teatro. A Câmara

Municipal de Paredes fez-nos o convite, nós aceitamos e, desde 2006,

tem sido sempre a crescer”.

Sérgio não fala alto. Tem duas meninas, uma de nove anos e

outra de nove meses. Sabe que ambas já dormem e, talvez por isso,

não fale muito alto, não vá acordar a sua bebé. O teatro para Sérgio,

mesmo quando assume em 2006 a direção do grupo, era somente

para gerir, “nem sequer me passava pela cabeça ser ator. Fui

convidado pela Inês e decidi experimentar e, hoje, é uma das minhas

grandes paixões”.

Constituído por 11 atores, e por outras pessoas que ajudam

para que o teatro seja possível, o grupo veio cobrir uma lacuna

que existia em Lordelo. Sérgio, como outros dos atores, trabalha. É

operário numa empresa de móveis e o teatro não interfere na sua

vida profissional. “Interfere na minha vida familiar. Devia estar lá…”,

mas elas dormem em silêncio. “A vida real também é um bocado de

teatro. No dia a dia muitas vezes representamos. E aqui em Lordelo

todas as pessoas nos conhecem. Alguns dos atores são novos, todos os

anos há renovações, a própria vida profissional e familiar interfere e

o elenco é diferente todos os anos. Mas tudo tem corrido muito bem e

queremos todos continuar”.

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80 “A vida real também é um bocado de teatro. No dia a dia muitas vezes representamos. E aqui em Lordelo todas as pessoas nos conhecem. Alguns dos atores são novos, todos os anos há renovações, a própria vida profissional e familiar interfere e o elenco é diferente todos os anos. Mas tudo tem corrido muito bem e queremos todos continuar”

“Sei que os atores têm responsabilidade pelo que fazem, pelo teatro. E sentem depois prazer do teatro. Sei que é cansativo e exigente, as pessoas têm os seus trabalhos e isto exige muito deles. É incrível a força destas pessoas”

Page 83: Pt paredes com teatro

81A Sérgio, em palco, já aconteceu um pouco de tudo. Já ficou

sem luzes e improvisou durante dois minutos sem que o público se

apercebesse que aquilo não fazia parte da peça. “No ano passado,

em Cête, tive uma branca terrível. Desatei a rir no palco, as pessoas

aperceberam-se e todos se começaram a rir”.

Claro que para Inês Leite, que encena, se vê estas situações,

poderemos dizer que está explicada a frase que afirma: “Um

encenador sofre três vezes mais do que os atores”. Mas, agora que

ainda decorrem os ensaios, o riso do momento passou, Inês sabe que

alguns atores ainda estão a decorar o texto, os atores ainda estão

a aprender técnicas úteis ao próprio espetáculo. “Alguns sentem

mais a pressão, outros estão mais relaxados, mas no dia da estreia

o meu trabalho está feito. Depois o trabalho e a responsabilidade é

deles. Tento que os grupos sejam um bocadinho independentes, que

aprendam a estar sozinhos. Os grupos têm uma vida ativa para além

do próprio espetáculo e as pessoas que aqui estão sabem o que têm

de fazer e sabem que têm de continuar, que têm de trabalhar. Se não

tivessem passado por esta experiência seria diferente”.

Há rotinas que se aprendem e que vão ficar no grupo: os

aquecimentos, as dinâmicas próprias de um grupo de teatro, o criar

relações. “Há empenho deles para que o grupo funcione e a ideia é

que sejam independentes. Digo-lhes sempre que a parte mais fácil do

teatro é decorar o texto. A parte mais difícil é, depois de saber o texto,

estar em palco e agir como personagem que tem de conhecer todas as

outras. E quando as pessoas já sabem o texto de cor, têm mais prazer,

ganham mais energia, a peça ganha outro ritmo”.

Enquanto a bebé dorme, Sérgio continua a ensaiar.

— Isto ainda não acabou…

Para Inês, este tempo, ser encenadora destes grupos, deste e do

de Cête, tem trazido uma experiência de vida diferente. Conheceu

uma nova região, uma realidade diferente do país, os contrastes.

“Aqui aprendo a ser encenadora pela prática, aprendo sobre as

pessoas, a conhecer, a humanidade, avalio alguém pela observação,

vejo as pessoas a desenvolverem-se ao longo do tempo. Sei que os

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82 atores têm responsabilidade pelo que fazem, pelo teatro. E sentem

depois prazer do teatro. Sei que é cansativo e exigente, as pessoas têm

os seus trabalhos e isto exige muito deles. É incrível a força destas

pessoas”.

É noite profunda e continuam os ensaios. Sabem que o tempo da

estreia aproxima-se. Andreia, que é nova no grupo, uma substituição

de última hora, “porque uma colega teve de sair porque entrou na

universidade e eu, como saí, entrei no teatro”. Licenciada em ciências

da nutrição, sem trabalho, Andreia dedica-se ao teatro. “Sempre

gostei de teatro, embora nunca tenha feito parte de nenhum grupo.

Podemos fugir um pouco da realidade e fingir que somos outras

pessoas, que não estamos desempregados… e existe depois o convívio

do grupo”. Andreia está rouca, mas tem um olhar muito livre.

Embora tenha aparecido “por acidente, estou a gostar imenso desta

experiência”.

Como também faz parte da vida de André o teatro. Técnico de

gestão industrial, a trabalhar em Paços de Ferreira, “gostaria imenso

de deixar a profissão para se dedicar somente ao teatro”. Teve já

em França, depois de um casting em Paredes, onde foi escolhido,

a trabalhar com um grupo de teatro francês. “Para mim o teatro é

uma filosofia de vida. O meu objetivo é seguir teatro, ser ator, ser

encenador”. Com estas palavras é fácil perceber o que significa este

grupo para André. “Sinto-me mais completo com eles”. Histórias? “Na

minha primeira peça, embora tímido, decidi durante um espetáculo

fazer umas caras que normalmente não fazia nos ensaios. Todos

começaram a sorrir em cena e o público começou a perceber que

aquilo não estava programado”.

Agora, na noite, que os ensaios terminaram, fica o silêncio, a voz

de Andreia, a paixão de André e Inês pelo teatro, e Sérgio, já em casa,

a olhar a filha adormecida.

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Grupo de Teatro da Associação Juvenil Xisto – Aguiar de Sousa

Anoitece e com a noite chega o frio. E nunca pensei que tivesse a mesma

sensação de Emílio Gomes, encenador do grupo de Teatro da Associação

Juvenil Xisto. Quando, na estrada, “vinha de noite, sempre com os

máximos ligados, cada vez mais no meio do mato, a tabuleta a dizer

Aguiar, sempre a subir, parecia mesmo quase no fim do mundo”. Não

imaginava que Aguiar de Sousa ficasse entre serras, entre árvores e

árvores, aldeia quase escondida, entre Porto e Paredes, assim encantada

numa rusticidade pouco habitual mas que guarda a simplicidade do

tempo e das palavras, mesmo quando pergunto onde fica a sede do

grupo num café ruidoso e me indicam que é perto, “depois de uma

casa branca vira à esquerda”. A indicação era precisa, mas encontrar

a sede levou as suas voltas pelas árvores que rodeiam Aguiar de Sousa

que parece ficar esquecida entre montes. A sede da Associação Juvenil

Xisto fica arrecadada numa antiga escola. É velha, acanhada, escondida

numa encosta fria, rodeada de plátanos dourados de outono, um dos

vidros está partido, um espaço que parece esquecido. Lá dentro Emílio

Gomes ensaia. A voz de Emílio afaga a noite e a imagem de desolação

da sede. Há matraquilhos, uma espécie de balcão, dois sofás amarelos

empoeirados, um espelho que não esconde as persianas estragadas,

cadeiras e uma mesa de pingue-pongue ordenada num canto, dois

aquecedores frios, placares de cortiça.

Se fosse somente pela sede da Associação Juvenil de Aguiar de

Sousa Emílio Gomes não ficaria de certeza a encenar o grupo. Mas os

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Page 89: Pt paredes com teatro

87espaços ganham vida com as pessoas, com as palavras e gestos que

percutem a noite e dão outro colorido ao baço da sede. “Estou com

este grupo há quatro anos e todos os anos há alterações nos atores”, o

que mostra que o grupo se renova. Bastante jovem, constituído por 11

meninas, conta Emílio que quando chegou eram todas “muito verdes.

Tentei cada ano dar um passinho maior para melhorar a capacidade

de interpretação das pessoas, não para criar atores, mas criar teatro

para a comunidade”.

Como esta experiência corria bem, Emílio tentou este ano fazer

um espetáculo diferente, ligado ao teatro do absurdo. Contudo, o texto

era bastante complicado e viu que o trabalho não corria nos moldes

pretendidos e que os atores não estavam a gostar. Então, deitou mãos à

obra e escreveu uma peça que vai de “encontro ao que elas vivem”.

Escrita por Emílio, sobre a adolescência, como sátira às novas

gerações, o grupo ganhou outra vida e são as próprias atrizes que, de

certa forma, também dão colorido à peça, às frases, pois existe essa

liberdade para apresentação de ideias e de transformação de texto

que se encontra aberto.

Chegam mais três atrizes e a sede deixa de ter pó, deixa de ter

vidros partidos e ganha a vida das pessoas. Por isso os espaços não são

fundamentais quando se quer criar, inventar. Ali, em Aguiar, um grupo

que consegue fazer teatro, dança, folclore e outras atividades, não

precisa de uma grande sede, pois mostra no que desenvolve uma paixão

única para manter tradições e criar, entre serras, um trabalho louvável.

Emílio sabe que os quatro anos ligado ao grupo de Aguiar têm

sido de aprendizagem, do que se fez, do que podemos fazer, encontrar

processos de melhorar e ensinar. “Fui-me afeiçoando às pessoas,

existe uma boa relação entre nós. Não estou aqui para formar atores,

mas talvez para formar pessoas”.

Todas as atrizes do grupo trabalham ou estudam no Porto.

Mas mais importante do que a vida de cada um, é o espírito que se

cria. “Todas deram um salto tremendo. É um projeto criado para

a comunidade e interessa que as pessoas se divirtam. Temos de

nos adaptar ao que existe. E a função da associação está também

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Escrita por Emílio, sobre a adolescência, como sátira às novas gerações, o grupo ganhou outra vida e são as próprias atrizes que, de certa forma, também dão colorido à peça, às frases, pois existe essa liberdade para apresentação de ideias e de transformação de texto que se encontra aberto.

“Não temos espaço para atuar, mas mesmo sem espaço, o trabalho que desenvolvemos é reconhecido e as pessoas aderem muito mais do que pensávamos no início”

Page 91: Pt paredes com teatro

89relacionada com as regras que as próprias pessoas de Aguiar

respeitam quando assistem aos espetáculos”.

A presidente da Associação de Xisto, Ana Sousa, sabe que a

associação nasceu para oferecer aos jovens formas de ocupar os

tempos livres. Mesmo com pouco tempo livre, “pois dou aulas e estou

a tirar outro curso”, Ana Sousa não desiste. “Não temos espaço para

atuar, mas mesmo sem espaço, o trabalho que desenvolvemos é

reconhecido e as pessoas aderem muito mais do que pensávamos no

início”. Ana adora representar papéis diferentes daquilo que é, “outras

personagens. Representa uma fuga para outra realidade. Gosto muito

de ler para me colocar no papel das personagens e o teatro é projetar-

me numa outra vida, numa outra personagem. É por à prova as minhas

capacidades porque são sempre desafios completamente diferentes de

ano para ano e é um desafio que me atrai”.

Depois, o teatro ajuda na vida profissional. “Sou muito

expressiva e os meus alunos dizem que eu falo de pessoas como se

as conhecesse. Estou muito à vontade, sei projetar a voz, cativar a

atenção dos alunos para determinados aspetos. Noto uma grande

diferença entre nós, o que eramos quando começamos e o que somos

hoje”. E um dia, quem sabe, pode ser que escreva uma peça, pois “se

tivesse descoberto o teatro mais nova talvez tivesse seguido o teatro”.

Interessa que o segue hoje, não de forma profissional, mas

com paixão e profissionalismo amador de quem encanta enquanto

faz de rapaz reguila na peça que ensaiam nos sofás empoeirados.

Com ela, Daniela, irmã de Ana, que sente que o teatro a ajudou no

desenvolvimento pessoal, “na interação com outras pessoas, na dicção.

E existe o convívio, encontramo-nos com amigas. Todas trabalham fora

e é uma maneira de nos encontrarmos”, e de colocar as conversas em

dia. Andreia também ali está e “está a gostar da experiência”.

O encenador que, apesar de ter feito outras experiências, é a

primeira vez que desenvolve um texto de raiz para ser representado,

sabe que estes projetos são essenciais e “deviam existir em todo o país”.

Está noite, muito frio. Quem imagina que em Aguiar de Sousa,

à noite, em amizade, num espaço frio que se esquece entre palavras,

entre montanhas, se cria teatro?

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Tru’peça – Associação de Teatro de Rebordosa

E poucos também conseguem imaginar que ao mesmo tempo que

o grupo de Aguiar de Sousa ensaia, em Paredes, na nobre Casa da

Cultura, se inicia a representação da peça Casa, não casa?. A história

é simples: Júlio, apaixonado e sonhador, tem o coração dividido entre

duas paixões: Isabel e Luísa. Um dia as paixões e indecisões de Júlio

revelam-se num suceder de histórias rocambolescas e de sorrir.

Em cima do palco, uma mesa, um candelabro, cinco velas acesas,

quatro cadeiras e… uma urna. No auditório da Casa da Cultura de

Paredes as pessoas esperam o início da peça. Depois da estreia em

Rebordosa, é a segunda vez que sobem ao palco para a representação.

Atrás do palco há ansiedade. “Estamos ali atrás todos quase enlatados,

mas temos aquela energia que é difícil explicar. Estamos todos em

silêncio, sentimos a energia do público, porque ouvimos o murmúrio, e

queremos entrar, que a peça comece”. Pedro, que representa Júlio, está

calmo no fim da peça. Representar paixões, dúvidas, amores, não é fácil,

mas o papel encantou o público, como encantou a representação de

todos os outros atores.

Num outro palco, Ana Perfeito, a encenadora, representa em

Viana do Castelo. Não está presente, mas todos a sentem como parte

de um grupo que se assume como família. Pedro é reservado, é

estudante universitário e o teatro trouxe-lhe outra forma de encarar

a vida, “outra forma de ver, interação com outras pessoas. Pensei

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92

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93seguir a vocação pelo teatro, mas acabei por desistir”, situação que

parece acompanhar quase todas as decisões dos atores amadores.

Pedro usa bigode curto. “Ando diariamente com a barba grande,

no dia da peça faço-a e deixo o bigode. Não gostei muito da ideia do

bigode, mas agora não me importo”.

No fim da representação, enquanto alguns atores começam

a desmontar o cenário, outros falam com pessoas conhecidas do

público, cumprimentam-se. Entre os atores está Ana Isabel. “Antes de

entrar em palco sente-se muita ansiedade, nervosismo, pensamos que

vai correr tudo bem. As pessoas, o público, estão ansiosas por saber o

que vai sair dali e nós estamos ansiosas para ver se vamos agradar ao

público. E, no fim, sinto muita alegria, felicidade, emoção, ficamos

satisfeitas pelo trabalho que realizamos”. Aluna universitária como

Pedro, Ana Isabel queria seguir teatro, não seguiu “porque sabemos

que isto não dá futuro. Vou-me formar noutra área, mas mais tarde

é um sonho que quero prosseguir. É o meu futuro e hei de tirar um

curso de teatro”.

A Tru´peça, Associação de Teatro de Rebordosa, são 15 atores. Há

alguns técnicos e pessoas que colaboram com o grupo e ajudam em

diferentes tarefas. Para Ana Isabel “é uma família, é uma amizade que

se cria, posso dizer que tenho aqui pessoas como se fossem meus pais

ou irmãos. Estou aqui desde os 12 anos”. E sempre a acompanhar Ana

Isabel, Fernando, o pai, que também está no grupo desde o seu início.

“Adoro isto. O grupo ajuda-me a aliviar aquilo que trago de outros lados,

alivio a mente, ocupa um espaço que tinha vago. E sinto como os mais

jovens, antes das peças, aquele moidinho, aquela comichão na barriga,

um formigueiro. E no fim, quando sentimos que as pessoas ficaram

satisfeitas, que não abandonaram o espetáculo, que reagiram nos

pontos que era para reagir, ficamos completamente satisfeitos com o

nosso trabalho”.

Mas, silêncio, o espetáculo vai começar. Bárbara, que faz de

Luísa, está atrás das cortinas e sente um nervosismo enorme, “uma

dor na barriga. Mas o apoio de todos, a calma que transmitimos uns

aos outros, o estarmos juntos, a energia, sossega a nossa alma”. Dará

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94 “Estamos ali atrás todos quase enlatados, mas temos aquela energia que é difícil explicar. Estamos todos em silêncio, sentimos a energia do público, porque ouvimos o murmúrio, e queremos entrar, que a peça comece”

“O que me mantém hoje viva é o teatro. Aprendo técnicas para gerir emoções, o nervosismo, a ansiedade. Temos segredos nossos antes de entrar em palco que nos fazem agir com naturalidade. Tenho na alma o teatro”

Page 97: Pt paredes com teatro

95as mãos no fim da peça a Ana Isabel. A Bárbara “só apetece gritar,

dizer estou feliz, estou bem, acabou, correu tudo bem. É uma paixão”.

Também a estudar na universidade, Bárbara gostava de seguir teatro.

Nos três atores principais da peça, Pedro, Ana Isabel e Bárbara, sente-se

que o desejo, os sonhos de futuro, muito mais do que o curso superior

ao qual se dedicam, passa pelo teatro, por uma paixão que lhes percorre

as veias e o querer, que lhes dá uma presença em palco que os anos

aperfeiçoou e Ana Perfeito ajudou a amadurecer. No teatro ambos

cresceram, como se recriaram todos os elementos do grupo. Todos

passaram por alegrias, tristezas, mágoa, conflitos e, sobretudo, vida, a

vida de um gosto que perdura e permanece no coração.

O espetáculo prossegue. A urna que transportam em palco será

no fim desmontada pelos mesmos elementos que agora a levam.

Todos colaboram e todas as palavras que ficam são as histórias que

todos guardam. Fernanda, enquanto representa, não pensa que

está constipada nem que se encontra medicada para poder estar a

representar o seu papel. E o teatro, em Fernanda, representa a vida,

um caminho muito próprio que já vem da mãe quando também

ela fazia teatro. “Na segunda peça tive uma doença rara. E chorava

muito, não por estar doente; chorava por não poder fazer teatro.

Aprendi a ultrapassar o dia a dia, a realidade, pelo teatro. Consigo

enganar-me a mim própria, sou uma boa atriz”. Fernanda anda

“sempre a sorrir. O teatro é 90% de trabalho e 10% de talento. E

ver hoje estas crianças, eram crianças, a representar, vemos que o

futuro é delas”. Para Fernanda, o que a vida tem de complicado o

teatro simplifica. “O que me mantém hoje viva é o teatro. Aprendo

técnicas para gerir emoções, o nervosismo, a ansiedade. Temos

segredos nossos antes de entrar em palco que nos fazem agir com

naturalidade. Tenho na alma o teatro”.

Está a ficar tarde. O público saiu, o palco está quase arrumado,

a urna desmontada. Somente falta levar a mesa e as quatro cadeiras.

Faustino Alves, responsável pelo grupo, pede a todos para se

despacharem. Foi Faustino Alves que, desafiado, fundou o grupo

de teatro. “Não fui eu, fomos todos que fundamos o grupo. Tem

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96 sido um grupo bastante estável, as pessoas gostam de teatro e em

Rebordosa faltava este grupo. E fazemos todos os possíveis para

manter equilíbrio no grupo. Fico muito mais satisfeito pelo grupo

fazer do que por aquilo que faço. As minhas preocupações passam por

saber se tudo está bem, tudo em ordem”. Por isso Faustino Alves pede

novamente para serem ágeis na arrumação do que falta e quer que

o cenário seja rapidamente colocado na carrinha, que alguém teve

a gentileza de emprestar, com cuidado, pois há horas para cumprir

compromissos.

O palco está arrumado. Levam agora as cadeiras e a mesa, o

auditório da Casa da Cultura de Paredes está vazio e, o último a sair

do auditório será Fernando Leão. Emociona-se a falar. “Quando

gostamos daquilo que fazemos enquadramo-nos em qualquer papel.

E se estamos aqui é porque há algo dentro de nós que nos faz aqui

estar”. No trabalho diário retira os momentos que, um dia, pode

trazer para os palcos. Sabe que do equilíbrio nasce a sabedoria. “O

teatro não é só palco. E digo com lágrimas que é gratificante ter um

ambiente familiar por detrás do palco. Eu posso brilhar, mas sem os

meus colegas não faço uma peça de teatro. Somos todos importantes

e todos juntos brilhamos”.

E é esse brilho que levam do palco para o brilho desta noite de

estrelas.

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Grupo de Teatro Amador de Cristelo

Estão as estrelas a chegar quando chegamos ao Centro Social e

Paroquial de Cristelo. A luz amarelecida de alguns candeeiros do

adro da igreja da aldeia esconde a noite. Começa a chover. À porta

do centro, Manuel espera os restantes elementos do Grupo de Teatro

Amador de Cristelo para se iniciarem os ensaios. Acaba a celebração

na igreja e, apesar da hora adiantada, teremos tempo para ver todas

as pessoas a saírem apressadas da igreja enquanto as gotas ganham

forma mais consistente.

Chega Liliana, depois Fernando Soares, o encenador, e entramos

para o espaço onde o grupo ensaia e representa. Liliana veio para o

grupo porque Rosália a convidou. “É um libertar do stress do dia a

dia. Recordo que em 2006, quando iniciamos, e o nosso encenador

nos queria motivar, ele fazia os nossos jantares. Eu trazia o fogão

industrial e as panelas, a Rosália levava a loiça e o Fernando cozinhava.

E, em Lordelo, como não havia espaço na sala, o Fernando fez arroz de

marisco na casa de banho dos homens e a mesa da peça serviu para a

jantarada. E quando foi a chouriça com arroz de feijão…”.

O Centro Social e Paroquial de Cristelo é um espaço médio,

nem muito grande nem muito pequeno. Do lado direito espaço para

arrumos, do lado esquerdo janelas sobre o espaço verde de Cristelo

pontuado com não muitas casas dispersas, as cortinas pretas que

tudo encobrem, o palco negro, as luzes, o frio do espaço e fica o lugar

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100

Page 103: Pt paredes com teatro

101descrito nessa simplicidade que não é muito mais do que as palavras

descrevem. Cheira a pó, a madeira. Também é neste espaço que

ensaiam e representam os outros dois grupos de teatro de Cristelo,

o infantil e o juvenil, mas esses ficam para mais tarde, são mais

barulhentos, e ficam agarrados aos telemóveis a marcar jantares

entre eles para prosseguirem, julgo, os ensaios pela noite.

Chega por fim Rosália. Hoje ainda faltam dois atores. Manuel,

que tem uma filha de cinco anos, está com o grupo desde início. Mas

começou muito “novinho, com apenas 15 anos, no grupo de jovens.

Depois uns casaram, cada um foi à sua vida, e o grupo terminou”.

Mas a paixão pelo teatro, por representar, levou a que se juntassem

grande parte dos elementos em 1999, sabe Manuel que foi no dia 26

de dezembro, “datas nunca me esqueço”. Em 2006, com a entrada

do encenador, o grupo ganha outra dinâmica. “Há coisas que

aprendemos e continuamos a aprender. O encenador, além de um

amigo, é um professor. Hoje faltam o Arlindo e o Albano, mas depois

há outras pessoas que fazem parte do grupo, que nos acompanham”,

que prosseguem um gosto e ainda os sonhos que a idade permite ter.

No Grupo de Teatro Amador de Cristelo todos têm mais de 30

anos. Manuel ainda não sabe o papel de cor, “mais ou menos metade,

neste momento ainda não estou preparado”. E claro que Manuel

continuará, “só se partir uma perna…”, mas como na peça tem de

andar a coxear…

Ao lado de Manuel, também em cima do palco, como já

estivessem a representar, Carla, que também é a responsável pelo

grupo, estava “gravidíssima da minha filha mais nova quando, em

2006, iniciaram o projeto Paredes com Teatro. Sou presidente do

grupo e, apesar de nem sempre ter representado, pois depois nasceu

a segunda filha, estive sempre perto e a acompanhar”. Desde de 2006,

quando criaram a Associação do Grupo de Teatro Amador de Cristelo,

o “trabalho foi exigente e sempre distribuímos tarefas”. Por isso,

hoje, no palco, Carla volta a representar. “Tenho de encarnar a minha

personagem e tenho sempre muitas outras coisas. Somos um grupo

de amigos. Quando precisamos de roupas pedimos ajuda à Liliana,

Page 104: Pt paredes com teatro

102 “É um grupo bem antigo, construído na amizade, no trabalho. Tenho dois filhos e, como mãe, este grupo interfere diretamente na minha vida. Por isso sou a única que chego sempre atrasada. Mas não consigo deixar, está dentro de mim, faz parte de mim. Posso deixar tudo, o teatro não. Quando começamos em 2006 estava grávida e até uma semana antes da criança nascer representei. A Liliana representou na véspera do casamento à noite”

“O projeto é muito deles e uma das condições que lhes coloquei é que teriam de ver espetáculos de outros grupos para terem a noção de que o teatro é muito mais do que se passa aqui. O balanço é muito positivo, de aprendizagem lenta, mas com a satisfação que eles se divertem intelectualmente e isso também é nossa função”

Page 105: Pt paredes com teatro

103pois conhece pessoas ligadas à costura. Temos de nos ajudar uns aos

outros, pois não temos ninguém que trate das burocracias”.

As estreias do grupo são feitas no espaço onde estamos.

Geralmente, dado a afluência de pessoas, fazem três espetáculos. “E a

casa enche sempre. O público habituou-se a ver o grupo de Teatro de

Cristelo e, mesmo os mais céticos, que por vezes dizem que já não é a

mesma coisa, que gostavam mais da revista, continuam a querer ver

aquilo que fazemos. É agradável que diferentes pessoas venham ter

connosco e percebam a nossa evolução”. Carla repete o que Manuel

disse: “O Fernando é um professor. E as pessoas daqui associam-nos às

personagens e, quando vamos às escolas, os miúdos ficam encantados”.

Para Carla, para além das representações habituais, o ir às escolas

tem um papel didático que todos salientam no grupo. “Para nós é uma

aprendizagem” e sabe que encantar crianças com histórias, como

encanta as que tem em casa, deixa o corpo muito leve, “muito suave”.

Rosália esteve quase sempre em silêncio no frio da sala. Na plateia,

sentado, com uma mesa à frente, Fernando sabe que é tarde e que o

ensaio está atrasado irremediavelmente. Parece o único espetador desta

pequena peça de conversas, de palavras e pequenas histórias. Rosália

está a “interiorizar a minha personagem. É um grupo bem antigo,

construído na amizade, no trabalho. Tenho dois filhos e, como mãe, este

grupo interfere diretamente na minha vida. Por isso sou a única que

chego sempre atrasada. Mas não consigo deixar, está dentro de mim,

faz parte de mim. Posso deixar tudo, o teatro não. Quando começamos

em 2006 estava grávida e até uma semana antes da criança nascer

representei. A Liliana representou na véspera do casamento à noite”.

Fernando Soares intervém. “Ide, por favor, arranjar as cenas”.

Talvez Fernando não precise de muitas apresentações. A sua

presença, as palavras, o modo de estar, o rosto, marcam uma vida e

uma história. “Tenho o privilégio de trabalhar com jovens do primeiro

ano do primeiro ciclo até finalistas de cursos superiores, pessoas com

deficiência física ou mental, reclusos. E é mais uma etapa do meu

percurso trabalhar com este projeto. Por vezes, um pouco desolador

pois nós, que estamos ligados à profissão, colocamos a fasquia um

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104 bocadinho acima e depois temos dificuldades para que exista uma

correspondência prática por parte de recursos humanos e técnicos.

Mas, fundamental, é que este projeto tenha esta presença no concelho

e marque de forma decisiva o teatro. Há o levantamento de tradições

teatrais e o nosso papel é o de chegar aqui, pegar nas tradições

teatrais, introduzir elementos de caráter técnico e criar uma ideia de

teatro que os mova noutra procura”.

Claro “que há coisas que eles começam a assimilar, se assim

não fosse não estava aqui a perder tempo. Há um partir de pedra

constante e tenho tido o privilégio de ter estas pessoas neste grupo.

Mas… olhe, já devíamos estar a trabalhar há uma hora e ainda não

estão aqui os atores todos”. Nem vão chegar. E já estamos quase no

início de outro dia. “O projeto é muito deles e uma das condições

que lhes coloquei é que teriam de ver espetáculos de outros grupos

para terem a noção de que o teatro é muito mais do que se passa

aqui. O balanço é muito positivo, de aprendizagem lenta, mas com

a satisfação que eles se divertem intelectualmente e isso também é

nossa função”.

Continuará Fernando no centro da plateia a dar indicações

e a marcar as palavras dos dois atores que faltam. “Eles já se

aperceberam das diferenças. O teatro tem regras que devemos

observar e cumprir. O que estamos hoje a fazer é completamente

diferente e eles usufruem dessas diferenças. E hoje querem fazer

melhor do que os outros. Somos um grupo de amigos que gostaria

de ter o projeto mais avançado, mas também sabemos que todos

trabalham e o tempo que eles têm não é muito. As pessoas que

assistem às peças de teatro veem um produto acabado. Não se

conseguem aperceber das centenas de horas de trabalho, de

angústias, de tensão, de algum sofrimento e imensas risadas”.

Fernando Soares prossegue as suas indicações no centro da

plateia. “A muleta?”. As palavras vão prosseguir já no outro dia, nesse

que jovens do mesmo grupo marcam jantares enquanto ensaiam a

peça em sorrisos e num murmúrio, quase ruído, difícil de controlar e

silenciar. Os jovens têm essa energia e o tempo é deles.

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Tic-tac – Grupo de Teatro Infantil de Cristelo

Era uma vez uma jovem de nome Vanessa…

E assim começou, mais uma tarde de teatro, no Centro Social e

Paroquial de Cristelo

A Vanessa recebe a resposta que esperava:

— Sofia, eu vou. A minha mãe deixa.

— Por favor, silêncio! Rita Campos, a encenadora, nem sempre

consegue colocar sossego naquele aglomerado de onze jovens que,

para além de serem promessas de atores, parecem ter energia

suficiente para mover o mundo. Rita está com eles desde o início e

agora, os jovens a rondar os 15/16 anos, têm de ter espaço para saltar,

falar, deixar que o mundo não lhes passe ao lado. “Conheço-os desde

os 10/11 anos. Faço parte do percurso infantil deles, conto um pouco

as suas histórias, as suas brincadeiras, os namoros, as vontades, os

desejos, os objetivos enquanto estudantes e acabamos por partilhar a

amizade. Sou uma espécie de irmã mais velha para eles e existe uma

certa confraternização. Para além do teatro, da arte, existe aqui uma

questão relacional, uma relação de amizade que se cria e permanece”.

O espaço, embora seja o mesmo onde os outros dois grupos ensaiam,

difere em pormenores. Tem a claridade do dia e as janelas abertas

deixam entrar essa luz diluída de uma tarde fria. Rita Campos

desempenha, também, um papel de educadora. “Já se encontram

mais autónomos e durante este tempo evoluíram como pessoas,

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Page 111: Pt paredes com teatro

109como seres humanos, como indivíduos e, claro, também como atores.

Começaram por ser crianças que se esforçavam para dizer frases bem

ditas e hoje sabem interpretar textos, sabem criar uma personagem

com princípio, meio e fim, sabem brincar ao faz de conta”.

A tarde continua calma e fria….

A Vanessa continua a dar a novidade aos colegas. A mãe

permitiu que vá, com alguns dos amigos, jantar a um qualquer local

que para eles é deslumbrante. Enquanto Vanessa sorri de alegria,

outros dão ordem ao cenário no palco para começar o ensaio, que

será, quase sempre, com conversas paralelas, tal a energia do

grupo. Todos estudam, todos ambicionam ir para a universidade,

todos têm boas médias, são alunos preocupados e o teatro ajudo-as

nesse processo de memorização, de definição de regras, de divisão

do tempo para o estudo, para o teatro, para a diversão, criando-

lhes responsabilidades diferentes. “Este grupo conhece-se desde o

primeiro ciclo e agora alguns acabam por se encontrar só no teatro”,

daí esta agitação positiva na tarde, as conversas paralelas e a energia

deles é, sempre, parte integrante dos ensaios. Rita Campos dá-lhes

liberdade para eles criarem as próprias personagens. “Representaram

já textos completamente diferentes e assim evoluem”. E é essa

capacidade criativa que lhes permite estar a ensaiar e a questionar

constantemente o que fazem. Há enganos, palavras confusas,

pequenas coisas que Rita Campos sabe que tem de aperfeiçoar neles.

Depois dos ensaios há sempre tempo para o convívio, marca-se um

jantar, define-se uma ida ao cinema…

Falam, entre eles, para saber quem pode, como o vão fazer e o

murmúrio quase chega ao palco. Assim, de forma simples, para os

sossegar, Rita pede-lhes para fazer uma roda. Sentam-se em círculo

nas cadeiras de madeira e representam pequenas frases para criar

uma certa unidade: Cristiana – É um grupo de amigos, faz-me

abstrair da escola e gosto muito de fazer parte deste grupo. Ana

Luísa – Não tem interferido nos estudos. É fácil decorar os textos

e já está tudo decorado. Beatriz – Agora, tudo é mais fácil, estamos

preparados, aprendemos a estar unidos, como ajudar-nos uns aos

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110 “Conheço-os desde os 10/11 anos. Faço parte do percurso infantil deles, conto um pouco as suas histórias, as suas brincadeiras, os namoros, as vontades, os desejos, os objetivos enquanto estudantes e acabamos por partilhar a amizade. Sou uma espécie de irmã mais velha para eles e existe uma certa confraternização. Para além do teatro, da arte, existe aqui uma questão relacional, uma relação de amizade que se cria e permanece”

Page 113: Pt paredes com teatro

111outros, a cooperação. José – Estou aqui desde o início e toda a gente

fica impressionado com as peças que fazemos. Vanessa – Representa

a união de grupo, um trabalho de equipa. Também existem os

momentos lúdicos, que nos divertimos muito, a ansiedade das

estreias. Sofia – Tinha outras atividades e os meus pais lá acabaram,

depois, por apoiar a minha entrada. Representamos, divertimo-

nos e é uma maneira diferente de estar, é um passatempo, um

entretimento. Manuel – Entrei em setembro e estou a gostar muito.

Requer trabalho da nossa parte e requer diversão de todos. Entrei

pelos meus amigos e por mim, porque o teatro foi sempre algo que

gostei de fazer. Dalila – Gostei da ideia de ser atriz, de experimentar

novos papéis. Ana Catarina – Gosto de representar e gosto do grupo.

É simpático, muito divertido, e gosto de representar e quando é para

trabalhar é para trabalhar. Daniela – Entrei este ano. Por vezes, não

nos portamos bem, mas a encenadora é compreensiva e paciente,

muito paciente. Gosto de representar e aqui sinto-me bem. Rui – As

pessoas de Cristelo vêm ver o teatro, tem sempre muita gente e é uma

forma de divertir as pessoas da freguesia.

Vai continuar o ensaio, a Vanessa continuará feliz, porque vai jantar

fora e depois irá ao cinema, continuará o murmúrio e chegou o Rafael.

Já não falta muito para que comece a anoitecer… O frio na sala é

cada vez maior… há cada vez menos luz…

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Tic-tac – Grupo de Teatro Juvenil de Cristelo

A entrada de Rafael marca o fim de um ensaio e o início de outro.

Rafael pertence ao Grupo de Teatro Juvenil de Cristelo. Está no grupo

desde 2006 e a estudar tecnologias, para além do teatro assume que

o som e as luzes também o fascinam. E como as tardes são curtas e a

luz que entra pelas amplas janelas está a criar uma penumbra mais

fria na sala, Rafael liga os projetores da sala. Para Rafael o teatro

nunca atrapalhou os estudos e sente “que ajuda a socialização com as

pessoas”. A primeira vez que cheguei aqui não conhecia ninguém e

começamos a fazer exercícios vocais e a representar pequenos papéis,

gostei e a minha vontade é continuar”. O Grupo de Teatro Juvenil de

Cristelo é mais pequeno que o infantil. Os atores são cinco e alguns

deles, como existe ligação entre os grupos, representam por vezes com

o grupo sénior. Este grupo não é preciso mandar calar e apesar de

serem pouco mais velhos do que os outros, já têm outra maturidade. Os

que ali estão sabem que o teatro faz parte da vida deles e é um processo

que não se pode afastar da vida diária. Para Andreia, que trabalha em

Felgueiras, deslocar-se a Cristelo para os ensaios é algo que faz parte

da vida normal dela e talvez não pudesse ser de outra forma. Quem a

traz é o namorado que ali fica a assistir aos ensaios. “O teatro faz-me

bastante feliz, porque sempre gostei de teatro e foi sempre algo que me

completou. Claro que agora, com a encenadora, tudo tem sido diferente

ao nível das técnicas, da aprendizagem em si. É mesmo começar do

zero e sinto que todos tivemos um crescimento enorme. Agora temos

regras, o que nos ajuda a crescer. Sei que é teatro amador, mas é uma

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115forma de aprender e crescer. Faço teatro simplesmente por gosto”.

Ao lado da Andreia, está a Adriana. Adriana já pensou seguir teatro,

mas quando pensa nas dificuldades que podem estar associadas a

esta profissão, coloca a ideia logo de lado. “E aconselharam-me a não

seguir”. Mas, um dia, quem sabe, pois “gosto de representar diferentes

personagens, de fazer de pessoas que não sou. Na estreia fico sempre

nervosa, mas depois sou outra pessoa, não sou eu”. É assim a Adriana.

Sempre a sorrir, como sorriu Andreia, como sorriu Rafael que se

levanta e vai ligar mais uma luz que, para ele, a iluminação não estaria

no ponto de luminosidade adequado. “A minha mãe e uma tia minha

participavam no teatro de revista e eu continuei. Com a Rita aprendi

muita coisa, ela é uma referência para todos nós, tudo o que fez, o que

faz, tem métodos para nos cativar e nos fazer prosseguir”. Adriana

enquanto fala parece estar quase a representar uma peça. Faz uma

voz coloquial, os gestos são abertos, as palavras pensadas como textos,

brinca com a Andreia, com o Rafael e com a encenadora. “Tudo o que

faço é novo para mim. Claro que há coisas de que gostamos mais do

que de outras e houve uma personagem que fiz que não falava, era um

mimo, e eu tive de fazer esse papel. Enrolei-me em papel higiénico e

isso ficou para a história do teatro de Cristelo”. Enquanto os três pegam

nas roupas para irem representar um trecho da peça, Rita Campos fala

deles. “Comecei com ambos os grupos ao mesmo tempo e são pessoas

que fazem parte da minha vida e fizeram parte do meu crescimento.

Acabo por ser uma espécie de irmã mais velha para eles”. Eles falam

enquanto se vestem, brincam, pedem à Rita para não dizer muito mal

deles, que se disser já não representam mais. Brincam e o teatro está

neles como momento de vida. “Do meu ponto de vista, em termos

artísticos, estes elementos atingem um certo nível de qualidade, por

isso trabalham e colaboram muitas vezes com o grupo dos adultos.

Conseguem atingir um certo grau satisfatório, relativamente à parte

artística, que pode ser sempre melhor, dependendo da vontade e do

trabalho deles”. São cinco e, hoje, faltam dois. Por isso representar

alguns trechos é hilariante quando assumem que podem fazer vários

papéis ao mesmo tempo. “Quero que façam coisas novas para não

aprenderem sempre o mesmo, alternativas para experimentarem tudo.

E se estão aqui com esta idade é porque querem mesmo continuar e

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116 “se as pessoas gostam disto, então devem realizar os seus sonhos. Mas, as pessoas podem ter uma vida bonita numa outra profissão e continuarem a representar e a fazer teatro. Nós podemos ser qualquer coisa na vida e fazer teatro a vida toda. Podemos ser excecionais no teatro, mesmo não sendo profissionais”

“O teatro faz-me bastante feliz, porque sempre gostei de teatro e foi sempre algo que me completou. Claro que agora, com a encenadora, tudo tem sido diferente ao nível das técnicas, da aprendizagem em si. É mesmo começar do zero e sinto que todos tivemos um crescimento enorme. Agora temos regras, o que nos ajuda a crescer. Sei que é teatro amador, mas é uma forma de aprender e crescer. Faço teatro simplesmente por gosto”

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117é porque o teatro lhes diz mais do que à maioria das pessoas. Gostam

mesmo de teatro”. Como amadores podem ser profissionais? “Claro

que sim. Comecei assim. Fazíamos teatro por amor à camisola”. Para

Rita Campos “se as pessoas gostam disto, então devem realizar os

seus sonhos. Mas, as pessoas podem ter uma vida bonita numa outra

profissão e continuarem a representar e a fazer teatro. Nós podemos

ser qualquer coisa na vida e fazer teatro a vida toda. Podemos ser

excecionais no teatro, mesmo não sendo profissionais”. Para Rita

Campos estes atores, os que permanecem, têm no sangue este desejo,

é algo que lhes bate no coração e, por isso, devem prosseguir, pois vão

criar sempre personagens que vão encantar diferentes públicos. Agora,

que representam pequenos momentos de uma peça, há suavidade

nos gestos, nas palavras, na forma de estar em palco, a vontade de

transferir a vida para uma outra personagem. Claro que encantado

com a representação de Andreia está Carlos, o namorado que a espera,

sentado, em silêncio, numa cadeira iluminada pela luz que o Rafael

ligou. “Quando a conheci falou-me sempre muito do teatro. E ela

pelo que gosta o mínimo que posso fazer é trazê-la aqui. De a trazer

aqui, ver os ensaios e, sinceramente, também começo a achar isto

do teatro engraçado e, quem sabe, se não tentarei representar um

papel na próxima peça, se tiver jeito e se me aceitarem”. Carlos não

conheceu a Andreia no teatro nem em nenhuma peça que Andreia

tenha representado. Simplesmente conheceram-se e quando Carlos diz

que o “mínimo que posso fazer é trazê-la aqui” está a transportar esse

amor pelo teatro e a manter em cena uma vida, um sonho, para quem

o teatro representa as “próprias mãos”. Rafael vai desligar as luzes,

Adriana move-se em gestos que só ela conhece e transporta como

forma de se exprimir e Andreia, com Carlos, esperam o próximo ensaio

para voltarem ao que pode ser a vida deles.

Escureceu…

Apagaram-se as luzes…

Já não há atores na sala, só escuridão, silêncio e um desejo… que

o teatro volte…

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119

Grupo de Teatro Infantil de Mouriz

Em Mouriz, numa sala da Junta de Freguesia, um grupo de jovens está

entretido e distraído a ver um filme. Mas não é um filme qualquer. É o

filme da próxima peça que vão representar. Estão sossegados, debruçados

sobre o monitor do computador, em círculo. Imaginam as personagens

que vão recriar e é isso que vão dizer a Stela Brasil, a encenadora.

Stela veio a Portugal fazer um mestrado há cerca de 12 anos e,

depois do mestrado, foram surgindo oportunidades e aqui permanece

desde 2000. Na Junta de Freguesia de Mouriz o trabalho começou por ser

voluntário, “ofereci duas horas por semana para encenar um grupo de

jovens. Sempre tive muita sede de conhecimento, mas nunca gostei de

ensinar o que sei para ninguém. Não gosto de ensinar”. Mas em Mouriz

foi diferente. Stela vivia no Porto e, quando veio para Mouriz, sentiu-

se enraizada na terra com o grupo de teatro. “Falei com o presidente

da junta quando decidi ceder duas horas por semana para estar como

encenadora no Grupo de Teatro de Mouriz. Ele disse que sim e levou-me

a falar com a pessoa responsável. Chamou-me e no dia seguinte, quando

me desloquei à igreja para falar com ela, tinha cerca de 50 crianças. Era

imensa gente. Apresentei-me e assim tudo começou”.

Continuam atentos a ver o filme. O Grupo de Teatro Infantil de

Mouriz tem seis atores: Rafael, Ana Catarina, Catarina, Daniela, Rita e

Ritinha. Mas em redor do computador estão mais, pois os dois grupos

de Mouriz trabalham em conjunto, como se de um grupo se tratasse

mas desenvolvesse dois espetáculos, um para crianças e outro para

toda a família. “O trabalho é todo em conjunto”.

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121Hoje, “estamos a trabalhar com os pequenos, claro que estão

aqui sempre elementos do outro grupo, também são pequenos” e

esta divisão prática não os separa das amizades, convívio e trabalho

que existe entre ambos os grupos. “Estamos a apresentar o vídeo da

peça que vão representar, vamos fazer a distribuição de personagens.

É como se fosse um trabalho de laboratório: vêm o filme, definem

personagens, fazem pesquisa. Para dominarem a história têm de ter

intimidade com o próprio texto, conhecer tudo sobre o tema. Não

basta apenas decorar o texto, mas sim o pretexto e o contexto” e, desta

forma, conseguem ter uma noção do que vão representar, do perfil das

personagens, do tempo em que a história decorre, da cultura própria

dessa época, do vestuário próprio do tempo do texto, e tudo o que os

envolve leva-os a criar personagens reais, inseridas num espaço que

têm de compreender, social, económica e culturalmente.

E como se escolhem as personagens? “É tudo muito democrático.

A última palavra é sempre minha, quando a tenho. Trabalho muito com

a liberdade de expressão e de criação, a liberdade de imaginação. Não

digo é assim nem imponho. Eles apresentam a ideia e eu oriento e tem

resultado, porque eles são muito competentes”. Stela trabalhou com

formação “e quando paro para ver alguns miúdos com quem comecei,

completamente verdes, vejo que mudaram completamente. Voz,

expressão corporal, interpretação, tudo, a maneira como se expressam.

Amadureceram, não só pela idade, mas evoluíram nos comportamentos.

Tinha aqui atores que não tinham talento nem vocação. Mas através do

trabalho, da procura do talento, têm amor pelo teatro”.

O grupo de teatro de Mouriz tem 40 anos. Stela está nele há quatro

anos. E em quatro anos tudo mudou. Mudou o espaço, onde ensaiam hoje

era uma creche. E o trabalho, as mudanças, todas as transformações,

foram “fruto do trabalho deles”. Iluminação, palco, espelhos, cortinas,

pinturas, tetos, tudo é “fruto não só de um ator, mas da parte cívica

do trabalho que desenvolvem para além do teatro. Este espaço serve

a comunidade e todos se envolvem nas tarefas que desenvolvemos.

Procuram patrocínios, fazem aulas de dança e ginástica, recebem as

companhias de teatro de outras localidades, fazem feiras, torneios de

futebol para angariar fundos, dão aulas a outras pessoas de francês,

inglês e espanhol, atividades de tempos livres nas férias”. Tudo gira em

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122 “Trabalho muito com a liberdade de expressão e de criação, a liberdade de imaginação. Não digo é assim nem imponho. Eles apresentam a ideia e eu oriento e tem resultado, porque eles são muito competentes”

“Não é uma escola somente de teatro, é uma escola de vida. Não é só representar, é o saber o porquê da peça, a história que a criou, desenvolver os figurinos, fazer cartazes, colocá-los, angariar patrocínios. É uma escola de tudo”

Page 125: Pt paredes com teatro

123redor do teatro e o movimento cria jovens empenhados e dedicados. O

espaço é cedido pela junta e tudo o que se vê é empenho e trabalho de

todo o grupo. “Tudo é feito na base da entreajuda”.

Agora já falam entre eles. O filme deve ter acabado e talvez

discutam como vão ser as personagens, quem as vai representar, como

se podem vestir, como será o cenário. E isso tudo vão transmitir a Stela

que os orientará neste processo criativo, de imaginação e de arte.

Claro que todos os anos saem pessoas: saem umas, entram outras.

Existe uma renovação natural constante no grupo. “Fica sempre a união

e a boa vontade. Podem não estar presentes, mas não estão ausentes,

existe sempre um vínculo que une as pessoas ao grupo”.

Stela vive em Mouriz há cerca de cinco anos. “Tive uma doença

muito grave. Há altos e baixos na minha vida, mas o teatro permanece

sempre. Quando soube que tinha cancro, ninguém soube, e o grupo

sempre funcionou como uma fortaleza. O teatro fica sempre e é

importante que estas crianças que um dia vão ser adultas passem para os

filhos, para os netos e que continuem a criar histórias e vida no teatro”.

E o teatro aqui em Mouriz parece ser o início de tudo. “Pego

nas aptidões de cada um e fazemos diferentes atividades tendo

sempre como fundo o teatro. O projeto que pensei e criei, eles têm-no

executado com arte, melhoram-no todos os dias e criam essa riqueza

que também a mim me dá vida e me enriquece, me leva a espaços

que nunca imaginei, cresço com todos. Não é uma escola somente

de teatro, é uma escola de vida. Não é só representar, é o saber o

porquê da peça, a história que a criou, desenvolver os figurinos,

fazer cartazes, colocá-los, angariar patrocínios. É uma escola de

tudo. Fazem produção, pós-produção. Da mesma forma que a minha

faculdade me preparou para fazer o projeto desde o seu esboço ao

final, eles aqui têm essa preparação como atores, atrizes, produtores,

quem sabe, de teatro”.

Vamos deixá-los agora, enquanto falam, escolher as suas

personagens, desenvolver os sonhos normais de crianças e jovens que

já imaginam a nova peça, como se podem vestir e colorir cada parte

do texto com a liberdade que eles podem recriar no olhar, nas mãos e

em cada movimento que atravessa a vontade de cada um.

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Girassol – Grupo de Teatro de Mouriz

Imaginadas as personagens pelos jovens atores, vamos imaginar as

personagens dos outros atores, ainda jovens, mas que hoje aqui não

estão. Só alguns. Pequenos trechos de momentos de teatro que alguns

representam, fazem o espaço encher-se de risos. Na plateia, não sei de

onde, estão muitos jovens. Como na sede da junta de Mouriz ao sábado

também decorre a catequese, parece ser normal passarem por ali para

ver o que está a acontecer. É normal esta curiosidade nos jovens.

Victor Hugo, Dara, Filipa, Joana Sousa, Joana Neto, André

Moreira, Anabela, Cátia, Raquel, Ana Maria, Ana Sofia, Sofia, Joana

Barbosa e Bruna são os nomes dos atores que dão vida ao Grupo de

Teatro Girassol, Mouriz. Moreira é o técnico de som, e faz parte do

Grupo TEO, grupo esse que colabora com o teatro Girassol. “O grupo

dos adultos não são adultos, são jovens, a faixa etária de idades é

dos 14 aos 19”. Margarida Coelho é a produtora do grupo. Começou

como atriz, pois havia uma personagem que ninguém queria fazer.

“Comecei a fazer essa personagem por brincadeira e acabei por ter de

a fazer. Mas o trabalho agora é de bastidores, montagem, preparação,

preparação. É isto que gosto de fazer”.

O teatro é importante para Mouriz. A arte faz parte da vida e faz

parte da educação e qualquer jovem ter a oportunidade “de estar num

grupo de teatro é muito importante. Criou-se um grupo de união.

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127Podiam estar a fazer outras atividades, mas estão aqui e para as

vivências deles, a convivência com a arte, a entreajuda. É um grupo

forte e coeso”.

Margarida sente que o que fez mover os jovens, foi Stela, a

encenadora. “Põe todos aqui a mexer e, na verdade, ela acaba por ser

para nós uma pessoa da nossa família. E como família, ela é uma peça

fundamental”. Margarida, no grupo, permanece com a sua presença,

ajuda, organização. Ora, fazer teatro… para já não”. De todos os

momentos, tudo é guardado na memória com carinho. Os bons e maus

momentos, “aprendemos com tudo. O teatro é uma lição de vida”.

Na plateia, enquanto os jovens falam e outros representam

pequenos excertos de peças que já levaram a palco, Joaquim Coelho,

presidente da Junta de Freguesia de Mouriz, é presença assídua.

“O teatro representa muito para a freguesia. Estava esquecido

e o retomar a tradição, a recordação que tínhamos do teatro, foi

fundamental. As pessoas aderiram, os jovens estão aqui presentes,

mesmo algumas pessoas de mais idade ajudam, o que significa que

vale a pena fazer alguma coisa nestes poucos tempos livres que

temos”. Joaquim já representou e, quem sabe, volte a representar.

“Com a encenadora abraçamos este projeto que ela apresentou à

freguesia com imensa dedicação. Espero estar sempre ligado a este

projeto, pois foi a junta que tudo novamente iniciou”.

Joaquim, Margarida e tantos outros nomes vão continuar a dar

colorido e vida ao teatro. A encenar, Stela Brasil que se sente mais

portuguesa do que brasileira. “Passei há pouco tempo no Brasil seis

meses e, sinceramente, não via a hora de voltar. Até o clima me

incomodava, me sufocava. Recebi propostas para ficar, propostas

muito interessantes, mas em mim tudo tinha de voltar, não só pelos

meus filhos, mas por este projeto de teatro que não podia deixar”.

Foi criado de raiz por Stela e foi este o país que Stela escolheu para

viver e permanecer. “Adoro o teatro, Mouriz, estar neste país que tem

estas pessoas maravilhosas, que me receberam de braços abertos

e abraçaram o projeto como fosse deles. E isso nunca esquecerei e

permanecerá sempre comigo”.

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128“O teatro representa muito para a freguesia. Estava esquecido e o retomar a tradição, a recordação que tínhamos do teatro, foi fundamental. As pessoas aderiram, os jovens estão aqui presentes, mesmo algumas pessoas de mais idade ajudam, o que significa que vale a pena fazer alguma coisa nestes poucos tempos livres que temos”

Page 131: Pt paredes com teatro

129Apesar das diferenças de idades dos atores do grupo Girassol,

que vai dos 7 aos 19 anos, tudo decorre com a harmonia e união para

se fazer teatro e projetos que envolvam a imaginação. Claro que

“com crianças é mais fácil encenar, crianças ou jovens, pois a sede

deles aprenderem é maior, vestem mais os seus desejos. E tudo o que

dizemos eles absorvem, é lei. Os mais crescidos têm o poder de dizer

que não concordam, que não é bem assim e isso impede o crescimento

normal e desenvolvimento deles como atores. Um ator tem de se

esvaziar. Quando vou construir uma personagem, esvazio a Stela. E a

pior coisa no mundo do teatro é quando um ator acha ou sente que a

personagem dele chegou onde queria, que não evolui mais. Mas com

muita diplomacia tudo cresce”.

Sabe Stela que o grupo tem pessoas que se quisessem fazer

carreira no teatro teriam vocação e talento. “Há aqui essas pessoas”.

E Stela afirma-o com convicção, com energia. “Digo mais: se qualquer

um deles quiser fazer um casting para ingressar em qualquer curso

superior de interpretação e de teatro, fazem isso muito facilmente,

pois levam toda a experiência daqui. Fazem teatro com naturalidade”.

É esta naturalidade que agora representam no palco, que

brincam, que levam as pessoas ali a sorrir como momento que eles

criam para se divertirem e evoluírem na representação em todos os

pequenos momentos que desenvolvem. São estas minudências, estas

pequenas situações, que fazem crescer os atores e atrizes, este gosto

intenso e verdadeiro pelo teatro.

Neste momento, a dormirem, já escolheram as personagens da

próxima peça e, em sonhos, já se vestem e representam a vida na Arca de Noé. Como meninos é só um no grupo infantil, imagino que seja

Rafael a fazer de Noé. Não se esqueçam de ir à estreia.

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“Estão sempre a falar, têm a mania que são atores”, diz Fernando

Soares, o encenador, enquanto sorri e lhes pede silêncio. No centro

da plateia, enquanto o ensaio decorre, Fernando mostra como deve

ser feito, exemplifica as falas, os movimentos, gestos. “Este texto

que hoje ensaiamos é um texto que fazemos muitas vezes, pois a sua

história tem uma frase chave: as coisas só pertencem a quem delas trata bem. Trabalhamos esta mensagem com os jovens, que têm de

tratar bem toda a gente. Não me preocupa se eles vão ser atores ou

não, preocupa-me a formação interior, cívica, intelectual, social e

cultural deles”. Por isso lhes volta a pedir silêncio.

Na sede da Junta de Freguesia da Rebordosa, o espaço

gentilmente cedido para o ensaio, um palco construído numa larga

sala que também serve para as estreias dos espetáculos, o ruído das

crianças e jovens dá um colorido mais quente ao espaço. No palco, os

atores. Na plateia, para além de Fernando a movimentar-se livre nas

explicações e exemplificações, mais três crianças que não integram

esta peça. Já é tarde e um deles, quase adormecido em cimo da

cadeira, resolve sentar-se no chão.

Fernando Pessoa escreveu que temos de ser tudo no mínimo

que fazemos. “O teatro é um vínculo” que os une a uma formação

interior. “A nossa preocupação é contar uma história, mesmo

numa linguagem que eles nem sempre gostam muito, para que

possam perceber que existem pontos concretos da história com a

vida quotidiana deles. Temos de os municiar de ferramentas muito

Grupo de Teatro os Mindinhos – Rebordosa

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Page 135: Pt paredes com teatro

133concretas para a vida deles. Este espaço tem de ser uma escola de

cidadania, claro que a componente artística bem definida”. Mais:

“Eles têm um espaço de trabalho e um tempo para trabalhar. Os

jovens têm de perceber que há tempo para tudo e que em cada tempo

há que fazer a coisa mais importante que esse tempo implica. Para

eles perceber isto é complicado”.

Por isso Fernando fala, move-se, chama a atenção dos jovens que

andam em média pelos 12 anos. Diz a Tânia como deve fazer, a Joel

como se deve movimentar. Todos adoram o teatro e dizem que não lhes

afeta os estudos. Para Juliana “Pequena” tem sido uma experiência de

sonho, para Inês, que está no grupo desde os sete anos, tudo é diferente

“evoluímos muito e representamos cada vez melhor”. Ricardo, com

o mesmo sentimento, diz “que há sempre um tempinho para o que

gostamos. As peças são bastantes instrutivas e sou conhecido pelo

rapaz que anda n’Os Mindinhos”. A Juliana “Grande”, também desde

2007 no grupo, sabe que o processo tem sido enriquecedor. “Quando há

uma estreia esta casa enche, todos nos vêm ver. Há muito nervosismo,

atrapalhamo-nos um bocadinho. Lembro-me que nas primeiras peças

fazíamos tudo muito rápido, queríamos deixar o palco. Agora, com

o encenador, tem sido diferente. Do nosso grupo, hoje faltam a Rita,

a Brígida, a Liliana e a Catarina”. A Ariana lamenta não integrar a

presente peça, mas evoluiu surpreendentemente desde que aqui chegou.

Para Fernando Soares, que também é encenador do grupo de

Cristelo, encenar os dois grupos é quase idêntico, as diferenças são

poucas. Diz a sorrir que são “todos muito barulhentos, estão sempre

ansiosos por pegar no telemóvel, assistem a poucos espetáculos, nem

sempre percebem muito bem que têm de dar ao teatro, não podem

somente receber”. Claro que há diferenças que distinguem os grupos:

“Artisticamente posso exigir aos adultos coisas que não exijo a estes.

Aqui temos a responsabilidade acrescida da pedagogia, da educação.

Os adultos só os podemos educar artisticamente. Aqui o trabalho é

mais alargado, multidisciplinar, que exige uma dose de paciência

muito maior”. Que é fácil reparar nas vezes que é necessário pedir

silêncio, concentração, tempo.

Em cima do palco, continuam os ensaios. Na plateia, Fernando

Soares. Nas cadeiras, duas crianças sentadas, e uma que parece

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“E ele tem a capacidade de lhes mostrar não só novos textos e a arte de representar, mas também o valor das palavras. Não se nota imediatamente, mas o tempo deixa essas marcas aqui em Rebordosa”

“Este texto que hoje ensaiamos é um texto que fazemos muitas vezes, pois a sua história tem uma frase chave: as coisas só pertencem a quem delas trata bem. Trabalhamos esta mensagem com os jovens, que têm de tratar bem toda a gente. Não me preocupa se eles vão ser atores ou não, preocupa-me a formação interior, cívica, intelectual, social e cultural deles”

Page 137: Pt paredes com teatro

135adormecida no chão, encostada às pernas da cadeira. Pede Fernando

concentração, sempre tempo, que tudo tem um tempo, para não

apressarem a peça, que respirem, que se movimentem com arte, que

as palavras tenham tempo no tempo. Eles repetem trechos, tentam

repousar no palco, ter calma e o que Fernando lhes diz é uma ordem

suave que tentam absorver e colocar em palco.

Lúcia Machado, diretora do Grupo de Teatro Os Mindinhos,

da Associação Rebord’arte, conta que o grupo foi formado em

2007. “Éramos cerca de 25 elementos com uma vontade enorme

de representar, de fingir, de fazer de conta. Era um grupo coeso e

familiar”. Com os anos, saíram alguns, entraram outros atores. Uma

renovação que é normal em todos os grupos e representa a vitalidade

própria de cada um. Lúcia, no grupo, tem feito um pouco de tudo, até

ensaiar uma peça, embora somente dizer que tenha sido encenadora

lhe causa sorrisos e diga logo que “o nome não pode ser esse, não sou

encenadora nem o sei ser. O Fernando é alguém que eles já conheciam

do palco e que saiu do palco para estar com eles. Tem um estatuto

diferente; eles ficam admirados, é uma admiração profunda que eles

têm por ele. E ele tem a capacidade de lhes mostrar não só novos textos

e a arte de representar, mas também o valor das palavras. Não se nota

imediatamente, mas o tempo deixa essas marcas aqui em Rebordosa”.

Hoje, o grupo tem menos crianças. Mudou. Lúcia sabe que a ideia

que esteve por detrás da criação do grupo continua. A necessidade

“de mudar mentalidades e que as peças façam pensar é fundamental.

Não é fácil e a cultura do teatro nesta região não é ampla. Queremos

transmitir mensagens que consideramos importantes e, por vezes, as

pessoas têm alguma dificuldade em perceber. Mas fica uma postura,

uma responsabilidade, o respeito pela diferença, estamos a formar

pessoas e constatamos que aos poucos há alterações”.

No palco, em cena, ou antes, em ensaio, A História da Boneca Abandonada. Uma história simples: a boneca era velha, é deitada fora

e, depois de cuidada, todos a querem. Tentam ter calma a contar a

história, dão tempo às frases, aos movimentos. Está quase pronta a

peça. Todos a sorrir, a encantar com pequenos movimentos que só as

crianças e jovens têm a capacidade de reinventar.

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Page 139: Pt paredes com teatro

137

Grupo de Jovens Nova Esperança – Sobreira

À mesma hora que as crianças ensaiam em Rebordosa, em Paredes,

no auditório da Casa da Cultura, inicia a peça o Grupo de Jovens

Nova Esperança, de Sobreira. Pela quinta vez sobem a palco com a

peça Os Mártires do Mosteiro. No palco, duas camas, uma poltrona, a

secretária da médica, o local da oração e, no centro, uma televisão.

Está tudo pronto para o início. Pedro Ribeiro, que somente

entrará no fim da peça, já ajudou João Silva a preparar as luzes,

“direcionar os projetores, intensidade de luz, som, volume e está tudo

pronto para começar. Isto não cria stresse. Fui sempre ator, mas como

sempre dei uma ajuda nesta parte mais técnica, tenho uma noção

de como as coisas funcionam: luz cruzada para não criar sombras,

individualizar personagens com focos apontados para eles, nunca

trabalhamos com muito brilho”.

Som e desenho de luz foi tudo escolhido pela encenadora que

hoje não está presente. Susana Paiva toca gaita de foles e, em tempo

de magustos, está presente num desses eventos. Mas ninguém a

esquece e todos sabem que o que ela encenou está enraizado neles.

João Silva, que já foi ator, hoje está somente dedicado à parte técnica e

à logística. “Transportar materiais, não temos uma carrinha própria.

Temos sempre de trazer e levar tudo”. Olha para o palco como a

confirmar que o trabalho é árduo. Hoje foi necessário transportar

o cenário de Sobreira para Paredes. “Sempre à chuva, sempre a

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Page 141: Pt paredes com teatro

139correr”, pois, para além do frio, chove, e o trabalho agendado é para

cumprir. “Levamos a tenda para onde vamos e montamos a barraca”.

Bem-disposto, João Silva, verá a peça na cabine do som e da imagem,

atrás da plateia. “Tudo tem corrido sempre muito bem, histórias

maravilhosas que temos todos aqui vivido. Há pessoas que saíram,

outras que entram, cada um tem o seu trabalho e, como um hobbie,

sinto que todos vivemos isto com paixão”.

Temos de ficar em silêncio. A peça está a decorrer e, numa

plateia quase cheia, os sorrisos são muitos. E, enquanto aqui decorre a

apresentação de um trabalho que foi sendo criado com muita dedicação

e ao longo de vários meses, em Vandoma, um grupo de jovens reúne-

se para dar início a um mesmo processo. Escolher a peça e começar os

ensaios para a peça subir a palco. Talvez esteja nesse momento o Grupo

de Jovens Nova Esperança a começar os ensaios de um novo espetáculo.

Nuno Coelho, um dos atores, refere que no início de cada

espetáculo é diferente. Há uma ansiedade inicial, públicos diferentes

e não sentem de todos os públicos a mesma energia. “Estamos aqui

a divertirmo-nos. Nós em cima do palco tentamos trazer um pouco

de alegria às pessoas, o que é muito bom”. No grupo desde o início,

licenciado, Nuno sempre trabalhou, estudava à noite, e todo “o

tempinho que sobra é para os ensaios. Ando sempre com os textos e os

papéis atrás de mim para decorar a peça. Mas, se gostamos, temos de

nos dedicar. Deste grupo ficam todos os bons momentos passados em

cima do palco, os que são passados nos ensaios e noutras situações e

as diversas reações do público que mostram que as pessoas percebem

e veem qualidade no nosso trabalho, o que chega para alimentar o

nosso trabalho e dar força para continuar”.

Nuno continuará em cena a fazer sorrir o público. Desce do palco

Ricardo Sousa. Com ele, e agarrada à sua perna, Fátima, a filha que

nada dirá, de um olhar azul muito intenso, com olhos de sono, pois a

noite é longa. Ricardo começou no grupo como técnico de som. Depois

ganhou coragem para participar como ator e, hoje, “é uma paixão.

A minha namorada já participava, através dela comecei a conviver

com as pessoas do grupo e a conviver com o teatro”. Por talvez não

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“Por isso sinto que a minha vida é um palco, gosto do palco, do aplauso. Já em miúdo, na escola, quando havia teatro ou música, era sempre o primeiro a levantar o dedo para ir para a frente e atuar. Gostei sempre disto e ainda bem que surgiu a oportunidade de estar neste grupo”

“Ando sempre com os textos e os papéis atrás de mim para decorar a peça. Mas, se gostamos, temos de nos dedicar. Deste grupo ficam todos os bons momentos passados em cima do palco, os que são passados nos ensaios e noutras situações e as diversas reações do público que mostram que as pessoas percebem e veem qualidade no nosso trabalho”

Page 143: Pt paredes com teatro

141ter coragem para subir logo aos palcos, se tenha refugiado na cabine

como técnico de som. Hoje, sobe aos palcos com uma naturalidade

que nunca pensou e sabe que o teatro “fica para sempre, que não

largamos mais. Lembro-me que quando comecei nunca tinha ido ao

teatro, pensava que era algo muito aborrecido”. Agora, é diferente.

Antes do início da representação sente-se sempre um pouco nervoso,

“mas no fim corre sempre tudo bem. Há sempre falhas, algumas

o público não se apercebe. O stresse existe enquanto a peça não

começa, depois de começar tudo parece muito normal e calmo. Na

fase dos ensaios sentimos que as coisas nunca vão correr bem, mas

depois tudo corre naturalmente”, como está a decorrer hoje, com

encantamento, com sorrisos. Ricardo está em cena e já não tem

agarrada à sua perna Fátima.

Vamos chamar Fernando Machado. Desliga a televisão e desce do

palco. O noticiário iniciará mais tarde. No grupo desde o início, “estes

anos têm sido maravilhosos. No primeiro ano parece que andávamos

na lua, chegávamos ao palco e ríamo-nos todos uns dos outros, das

figuras que fazíamos”. Na plateia, a assistir à peça, está um amigo do

trabalho. “Quando chega aqui e me vê naquela figura, com ceroulas

e camisola interior, claro que ele terá de dizer qualquer coisa depois”.

Mas Fernando não esconde a ninguém esta sua paixão. No seu trabalho

contacta com muitas pessoas diariamente e a todas tem tido o prazer

de falar deste projeto do teatro, do Paredes com Teatro. “As pessoas

não acreditam e quando nos conhecemos melhor e nos vêm ver,

ficam admiradas. Nos primeiros dias brincam, falam do nome da

personagem, mas é normal que assim seja”. Difícil de gerir, talvez pelo

trabalho diário, é a vida de trabalho e tudo o que é necessário fazer

para que o teatro aconteça. Fernando levanta-se às cinco e meia da

manhã e, quando os ensaios são durante a semana, “é difícil, custa

um pouco. Mas temos de conseguir gerir tudo da melhor maneira. Por

isso sinto que a minha vida é um palco, gosto do palco, do aplauso. Já

em miúdo, na escola, quando havia teatro ou música, era sempre o

primeiro a levantar o dedo para ir para a frente e atuar. Gostei sempre

disto e ainda bem que surgiu a oportunidade de estar neste grupo”.

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142 Fernando tem também outro papel no grupo: a organização. Como

forma de intervir socialmente, afinal é uma das linhas de orientação do

grupo, já foram convidados para representarem uma peça para angariar

fundos “para uma causa social. Fomos e nós próprios, todos os atores,

pagamos o bilhete. A minha vida é um palco”. São estes palcos que criam

harmonia e sorrisos nos espaços. Fernando sabe que, apesar de algumas

dificuldades, próprias do teatro, tudo será para aperfeiçoar. Já passou

por múltiplas situações e a todos diz, mesmo nas mais difíceis, que até

aos melhores para chegar ao estrelato tiveram de passar por tudo um

pouco. “É o que nos está a acontecer a nós”. Fernando não pensa em ser

estrela. Pensa na vida que lhe dá o teatro e nessa forma transparente e

livre de rosto que consegue levar aos outros.

Está na hora do noticiário e Fernando está em palco a dar as

últimas novidades. Desce Ana Machado, assistente da encenadora,

que diz que a peça correu muito bem. “Este grupo, para além

do teatro, tem muitas outras atividades. Pediram-me para ser

responsável pelo grupo e, com a ajuda de todos, o trabalho tem sido

fácil. Habituei-me a coordenar e a trabalhar com a Susana Paiva nos

textos. Tem corrido tudo muito bem e sei que cada vez será melhor.

Queremos que o público pense, esteja atento ao texto, temos de

educar o público que, desta forma, vai conhecendo obras diferentes”.

Para Ana, o que a deixa mais nervosa “são os bastidores. O que

acontece antes das peças, pois tenho de pensar em todos e só quando

entro em palco é que só penso em mim”. Na plateia, o público sorri.

“Sabemos que o público está ali, mas não o vemos, geralmente por

causa das luzes. E quando tudo termina, a vontade era chegar a casa

das pessoas e perguntar se gostaram, pois a adrenalina continua”.

Vamos agradecer a todos a representação, ouvir a plateia a

ovacionar o trabalho dos atores. Vamos para Vandoma ver como tudo

inicia. Vamos ver Pedro e João a desmontar o cenário. Vamos deixar

Fátima adormecer agarrada ao pai.

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145Companhia de Teatro de Vandoma – Grupo de Jovens de Vandoma

Hoje, que Fátima dorme agarrada ao pai, voltamos ao início. É tarde,

chove torrencialmente, e na pequena sala da antiga escola primária

de Vandoma, Joana Moraes, a encenadora da Companhia de Teatro de

Vandoma, guarda por momentos um segredo.

A Companhia de Teatro de Vandoma iniciou em 2006, na altura

o nome era Grupo de Jovens de Vandoma. No início eram mais de

20 e hoje os que se encontram na sala, quatro, dois não puderam

estar presentes, são aqueles para quem o teatro corre no corpo e na

imaginação. Entre eles, enquanto falam, há cumplicidade, há amizade,

há amor, afinal está ali um casal que chegou há alguns dias da lua

de mel, e de certeza que foi o teatro que os uniu. Sorriem e dizem

que todos os anos pensam terminar, mas ali estão para dar início a

mais um trabalho, a mais uma peça, pois em Vandoma as atividades

culturais são poucas e sabem que muitas pessoas já esperam ansiosas

pelo novo trabalho cénico. Estão todos no grupo desde o início.

As palavras e as ideias misturam-se enquanto falam. Filinto, ator

e responsável pela Companhia, diz que as peças nunca se esquecem.

“Nos primeiros tempos, as pessoas que nos conhecem brincam

connosco, fazem comentários agradáveis, sinal que guardaram

alguma coisa da peça que viram”. Sabem todos que o trabalho

foi sendo aperfeiçoado ao longo destes seis anos. Aperfeiçoaram

métodos, formas, simplificaram os processos, mesmo os cenários.

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147Recorda Filinto que “nas primeiras peças íamos com uma carrinha de

transporte de móveis para montar o cenário. Na primeira montamos

um café, na segunda eram imensas caixas. Com tudo atrás de nós

era muito complicado. Agora os cenários são mais reduzidos, mas as

peças melhores”.

No grupo todos exercem atividade profissional. E o teatro não

altera nem implica uma mudança na vida para, semanalmente, se

reunirem. Muito pelo contrário, pois o teatro representa uma forma

de estar, um desenvolvimento pessoal rico, amplo, que permite de

certa forma a vida do quotidiana. Fundamental, nos dias que se

reúnem, é a pontualidade e a necessidade de todos cumprirem o que

está estipulado. “Assim, estamos aqui, ensaiamos, divertimo-nos,

rimo-nos e vamos passar este nosso prazer para o público”.

Manuela, atriz, está ali “porque já me esqueci daquilo por que

passei na última peça. Estou pronta para outra”. Hoje estão todos

lá para o início de um novo trabalho e Joana guarda para eles uma

pequena surpresa, o tal segredo. Faltam Joel e Bebiana, que não

podem estar, facto que não altera nada no grupo. Manuela sente mais

facilidade em decorar textos, os ensaios são diferentes. “Hoje é o dia

mais simples, vamos decidir no que vamos trabalhar e não temos

noção nenhuma do que Joana nos tem para dizer. Acima de tudo

somos um grupo de amigos, estamos juntos há muito tempo, damo-

nos todos muito bem e vir aqui uma vez por semana ensaiar vale

mesmo a pena, recompensa”.

Fernanda, conhecida pela Nani, embora diga que tem sempre um

pequeno papel como atriz, tem um trabalho fulcral do grupo. “Trato

de toda a logística, estou sempre presente, trato do som, das luzes, da

imagem, ajudo a ensaiar, a decorar os textos, substituo aqueles que, por

vezes, têm de faltar”. Nani é a alma do grupo e, todos juntos, criam um

grupo de amigos. E Nani tem esse papel de organizar, de responsabilizar,

de permanecer e estar onde algo pode ser necessário resolver.

Histórias, em seis anos, são imensas e sorriem quando as

começam a enumerar. Todos se recordam de episódios diferentes,

mas um parece estar guardado em todos. Numa estreia, Celso, um

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148

“Hoje é o dia mais simples, vamos decidir no que vamos trabalhar e não temos noção nenhuma do que Joana nos tem para dizer. Acima de tudo somos um grupo de amigos, estamos juntos há muito tempo, damo-nos todos muito bem e vir aqui uma vez por semana ensaiar vale mesmo a pena, recompensa”

“Fiz com eles coisas fantásticas. Todos os grupos valem a pena, mas este tem tido uma evolução enorme, a capacidade que têm neste momento de estar em palco e enfrentar desafios como atores é algo que merece esta nossa admiração. São amadores, mas na última peça que fizeram quebraram preconceitos e sei que se vão sentir mais à vontade em muitas outras situações”

Page 151: Pt paredes com teatro

149dos atores, que tinha de fazer vários papéis, resolveu num deles levar

um bigode. Tudo seria normal se, durante a cena, o bigode não tivesse

descolado. Para o segurar, Celso colocou dois dedos no bigode e

continuava a falar. E o bigode, com os movimentos novos e sem nexo

no rosto do ator, criaram uma cena hilariante que a todos fez e faz

sorrir quando a recordam. “Continuou a representar, mas depois da

cena do bigode nunca mais fui o mesmo… acontece e são improvisos

que temos de resolver na altura. Até acho que correu bem”. Parece

que somente Celso acha que correu bem. “Fundamental é saber que

temos de continuar para dinamizar o meio, não só por nós. As pessoas

gostam do nosso trabalho. Neste grupo o nosso enriquecimento

foi enorme. É um grupo de amigos e não fazemos teatro como algo

obrigatório, temos prazer e temos amigos, e é esta marca que fica.

Claro que exige disponibilidade e quem deixou o grupo, por diferentes

razões, não deixou de estar próximo e estão sempre prontos a

ajudar no que necessitamos. E sabemos que alguns, mal acabem a

universidade, vão voltar”.

E o segredo? Joana Moraes só o revelará no fim. É assim que

tudo começa. “Fiz com eles coisas fantásticas. Todos os grupos valem

a pena, mas este tem tido uma evolução enorme, a capacidade que

têm neste momento de estar em palco e enfrentar desafios como

atores é algo que merece esta nossa admiração. São amadores, mas

na última peça que fizeram quebraram preconceitos e sei que se vão

sentir mais à vontade em muitas outras situações. Estes atores já têm

a capacidade de ir ao teatro, ver outros trabalhos, de profissionais,

e fazerem críticas sobre o que viram e como podem fazer. Educam,

formam pessoas, transmitem mensagens através do teatro que, de

certa forma, vão influenciar sempre alguém”.

Joana não compara este trabalho com o do grupo de Louredo.

Lá são crianças, jovens, e o trabalho obrigatoriamente tem de ser

diferente. Ambos recompensam. E o segredo? Em qualquer início,

mesmo no teatro, é preciso definir por onde se vai começar. É esse

o segredo. Eles pensam que Joana lhes vai apresentar uma ou duas

peças já definidas para iniciarem o processo. Não vai. “Trago uma

Page 152: Pt paredes com teatro

150 ou duas peças mais ou menos pensadas, mas a proposta que lhes vou

fazer é diferente”. E diz-lhes: “Concordam, têm vontade de criarmos

um texto de raiz? Sei que tenho de apresentar um desafio maior,

porque a resposta vai ser muito interessante”.

Até hoje sempre trabalharam com textos bem definidos. Até

hoje, no primeiro dia, definiam o texto e começam logo a trabalhar,

a ensaiar, a criar as personagens, a decidir o que pode funcionar

melhor em determinada situação. Até hoje, o teatro tinha um texto

bem definido. Mas hoje, o teatro pode ser deles, com base numa ideia,

ou num curto texto, definirem uma peça e recriarem o próprio teatro.

Olham Joana, não respondem, sorriem e ficam em silêncio. É

possível só agora ouvir a chuva forte que parece ter acalmado com o

entrar da noite.

O teatro vai começar…

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151

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3

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Page 157: Pt paredes com teatro

155Os encenadores do PT Paredes com teatro

Nas seis edições do PT foram contratados dezasseis encenadores dos

quais seis se mantêm desde a primeira edição que teve início em

2006. Aos atuais foi pedido um testemunho e uma curta biografia.

A todos os que participaram desde a primeira edição, com a sua

competência, empenho e dedicação ao PT Paredes com Teatro são

devidos os nossos agradecimentos.

Alexandra Miranda

Ana Perfeito

Ana Rita Campos

Emílio Gomes

Fernando Soares

Inês Pereira Leite

Joana Moraes

Joaquim Marinho Neto

Juan Fernandez

Manuel Neiva

Mariana Assunção

Rita Burmester

Sara Pinto Pereira

Sílvia Correia

Stela Figueiredo

Susana Paiva

Page 158: Pt paredes com teatro

156 A minha história no PT começa com os meus passos assustados

de atriz e encenadora em início de carreira. E com os passos, ora

confiantes dos elementos experientes do Grupo de Teatro da

Associação Clube Jazz de Baltar, ora desconfiados dos jovens do grupo

Xisto, de Aguiar de Sousa. É construída com as suas experiências, as

suas histórias, com os seus risos e os seus choros. E os seus aplausos.

Destes ingredientes, só uma de duas receitas poderia surgir: um

grande amor ou uma grande aversão! Mas isso, só o tempo diria…

O tempo fez também ver que afinal todos têm os mesmos risos,

os mesmos choros e lutam pelos mesmos aplausos. Somos todos

feitos da mesma matéria: a humanidade e a humildade, que todos –

profissionais e amadores – deveriam ter…

As estreias surgiram e abriram caminho para um projeto

cultural e social já indispensável no município de Paredes. A partir de

2007, continuei com o Grupo de Teatro de Baltar e passei a encenar

a Tru’peça (nome criado em conjunto com os elementos do grupo) –

Associação de Teatro de Rebordosa. Decorrido pouco tempo, orientei

também oficinas de Teatro para crianças e jovens de Baltar, que deram

origem a mais dois grupos no PT – o grupo de Teatro de crianças e o

grupo de Teatro de jovens da A. C. J. de Baltar (hoje fundidos no grupo

Infanto-Juvenil).

Muitas estreias, muitas emoções, muitos aplausos aconteceram

ao longo destes anos, que, não me canso de dizer, mudaram a minha

vida para muito melhor. Como profissional, mas acima de tudo como

ser humano, já que posso afirmar que cada grupo é mais uma família

que tenho.

Não nego que existem dificuldades, obstáculos, uns mais fáceis de

ultrapassar do que outros. Mas o brilho no olhar de quem faz, vê e de

mim própria em cada espetáculo representado, faz-me não desistir!

Page 159: Pt paredes com teatro

157

Ana Perfeito nasceu em 1982, no Porto. Completou a Licenciatura

do Curso de Teatro (Interpretação e Estudos Teatrais) na Escola

Superior de Música e das Artes do Espetáculo (ano letivo

2003/2004). Recebeu o Prémio Engenheiro António de Almeida,

em 2005, por ter alcançado a melhor média na sua turma.

Entre 2000 e 2013 (período da sua carreira artística a nível

profissional) participou como atriz, produtora, diretora de cena

e encenadora em várias companhias de Teatro do Norte, tendo

feito internacionalizações no Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro) e

em Cabo Verde (Festival de Teatro MINDELACT). É encenadora no

Projeto “PT – Paredes com Teatro”, desde 2006 e faz parte, desde

2008, do elenco dos espetáculos do Teatro do Noroeste – Centro

Dramático de Viana.

Frequentou o Curso de Língua Gestual Portuguesa, na

Associação de Surdos do Porto, tendo um projeto de criação de

Teatro em Língua Gestual e de uma Companhia de Teatro de Surdos.

Concluiu o Curso de Formação de Formadores em 2007.

Presentemente, exerce atividade como atriz, encenadora,

diretora de cena e formadora de Teatro.

O poema de Bertolt Brecht (de quem encenei a “Boda dos Pequenos

Burgueses” em Baltar) exprime a luta daqueles que não desistem:

«Há homens que lutam um dia, e são bons;

Há outros que lutam um ano, e são melhores;

Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;

Porém há os que lutam toda a vida. Estes são os imprescindíveis.»

Não tenho dúvidas que os seres humanos com quem

tenho o privilégio de trabalhar no PT – Paredes com Teatro são

imprescindíveis!...

Ana Perfeito

Page 160: Pt paredes com teatro

158 Nos últimos cinco anos tenho monitorizado o grupo de Aguiar de

Sousa – Xisto. Não é a minha primeira experiência como encenador

de grupos de teatro amador. Sempre foi um caminho que vi, como

natural, no meu percurso artístico. Sendo e tendo formação como

ator, o lado da criação (encenação) foi um desejo que esteve sempre

presente. Não havendo propriamente curso ou formação nesta área

em Portugal, a oportunidade do PT Paredes com Teatro surgiu quase

como uma escola prática de encenação.

Encontrei em Aguiar de Sousa um grupo de adolescentes e

jovens adultos recetivos ao “Teatro” com vontade de dinamizar a

sua localidade. Aguiar de Sousa fica um pouco distante do resto

do concelho de Paredes. É um local que fica no cimo de um monte,

rural, e as primeiras impressões do mesmo podem ser um pouco

preconceituosas. O mesmo aconteceu comigo; dei comigo a pensar

– “O que é que eu estou aqui a fazer?”. No entanto, o preconceito

desvaneceu ao fim de poucas sessões e o lado mágico de Aguiar seduz-

nos e tornamo-nos amigos desta terra e deste grupo. Foi o que me

aconteceu com a Xisto e com Aguiar. Comecei cético e até um pouco

paternalista, mas depressa vi que este projeto era mesmo uma escola e

que o processo de aprendizagem funcionava em ambas as direções.

No lado humano, vejo esta experiência com algo de esclarecedor.

Ver a disponibilidade de pessoas que depois de um dia de trabalho,

ou escolar, estão dispostas (e com vontade!) de ensaiar uma ficção

é gratificante. Estarem disponíveis para largar as suas vidas e

representar outras, com outros problemas e dilemas é significativo.

Nós, os do “Teatro” devemos ver este fenómeno como um caminho de

esperança. Vejo este projeto (PT) como algo a seguir em todo o país.

Page 161: Pt paredes com teatro

159É realmente esperançoso vermos que o Teatro tem uma função nas

comunidades e que elas têm vontade de o receber, praticar e mostrar.

Sem o apoio do município, tudo isto seria impossível.

No campo criativo, o trabalho foi desenvolvido na perspetiva da

evolução; tanto da pessoa como do ator. Não vejo o PT como um projeto

puramente artístico, mas essencialmente comunitário. Encarei-o

desde o princípio nessa perspetiva. É óbvio que nestes cinco anos o

crescimento destes jovens atores é visível e reflete-se nos trabalhos

apresentados no palco; no entanto, parece-me mais importante e

reflexo do sucesso do projeto na comunidade, vermos as ferramentas

teatrais terem utilidade no dia a dia dos seus membros. No caso da

Xisto, em que grande parte do grupo estava no início da adolescência e

agora, entra na idade adulta, os progressos são formidáveis. Vejo-o nas

capacidades expressivas e sobretudo no desenvolvimento do discurso.

No caso dos outros membros do grupo, que já estavam no início da

fase adulta, assumem como natural serem elementos com mais

responsabilidades e têm um atitude quase profissional na abordagem

ao trabalho teatral; seja em ensaio, espetáculo, preparação do mesmo

e respetivas digressões.

É claro que nem sempre tudo corre bem, existem discussões e a

unanimidade não está presente em todas as decisões. Como jovens

que são ( e somos, também me incluo), cada um defende as suas

posições com veemência e procura vitória para os seus argumentos.

Digo isto apenas para demonstrar o verdadeiro sentimento de grupo

que existe nesta nossa equipa. Não vejo a Xisto como somente um

grupo de pessoas que dirijo no palco, são pessoas que já fazem parte

da minha vida. Em qualquer ensaio, num qualquer momento, alguém

Page 162: Pt paredes com teatro

160 vai contar uma situação por que passou recentemente. Eu não

introduzi isto como fazendo parte do processo criativo, isto acontece

espontaneamente. Mas acontece, sempre. Penso ser o reflexo da

confiança adquirida com o tempo e da sala de ensaios ser também

uma sala de partilhas.

De ano para ano o grupo vai tendo algumas entradas e saídas,

algo muito natural, mas o seu núcleo duro mantém-se fazendo

sacrifícios tanto a nível familiar como social.

Vendo esse caminho já referido da evolução, começámos por

fazer textos de outros grupos amadores, passando por textos de Karl

Valentim, Eugene Ionesco chegando à dramaturgia contemporânea

de Dennis Kelly. Sem evolução interpretativa não podíamos ter dado

estes pequenos saltos no que se refere à dificuldade dramatúrgica.

Mantendo esse caminho, este ano optei por escrever uma peça

para estes atores. Mais uma vez, utilizei o PT como escola; desta vez

de escrita. Procurei uma área temática que fosse ao encontro dos

problemas atuais da maioria dos membros do grupo, e inerentemente

da sua faixa etária. Na nosso processo criativo, nunca fomos

absolutamente puristas com o texto, procurando que este servisse o

espetáculo e não o contrário. Sendo assim, criei uma pequena sátira

novelística da adolescência de base para o nosso espetáculo. E é apenas

isso que é, a base. O resto é feito pelo processo criativo dos atores e do

encenador. Assim todos temos muito mais liberdade e chegamos ao

ponto que eu tanto queria desde início: estamos a falar no palco sobre

coisas que se passam connosco fora dele.

Sendo uma experiência, como quase todas, com altos e baixos,

sinceramente só me aparecem na memória os bons momentos e

Page 163: Pt paredes com teatro

161

Emílio Gomes nasceu a 1 de maio de 1981 em Vila Nova de Gaia e

reside no Porto.

Concluiu a licenciatura em Estudos Teatrais/Interpretação na

ESMAE em 2003 com destaque para workshops e/ou produções com

António Pires, Rogério de Carvalho, António Durães, Nuno Cardoso,

Julio Castronuovo, Alan Richardson, Paula Simms e Jen Yates.

Funda em 2001 com Nuno Loureiro a companhia Teatro

Atípico com destaque para os espetáculos: “O público”, “Logo

hoje”, “Tudo o que as mulheres querem…”

Desde 2003 trabalha como ator na associação Usina dedicada

a espetáculos de Debate teatral. Destacam-se os espetáculos .

“Nem muito simples, nem demasiado complicado”, “Dependências”.

É ator residente do Teatro Oficina, primeiro entre 2003

e 2005, e depois desde 2008 trabalhando com Marcos Barbosa,

Alberto Villareal, Cristina Carvalhal, Nuno M. Cardoso, Denis

Bernard, Nuno Pino Custódio, João Pedro Vaz, entre outros.

Destacam-se os espetáculos: “O silenciador”, “Sonho de uma noite

de verão”, “Macbeth”, “Rua Gagarin” e “O atraso de Gogot”.

É encenador desde 2007 do grupo amador de Teatro Xisto,

de Aguiar de Sousa.

Tem também pequenos trabalhos em cinema e figurações

especiais.

quando assim é só pode ser positivo. Quando me refiro a alguém que

terei ensaio nessa noite em Aguiar digo-o falando no “meu grupo”.

Não o digo num sentido de posse mas de pertença; eu faço parte deste

grupo. E tenho orgulho.

Emílio Gomes

Page 164: Pt paredes com teatro

162 … e o projeto PT desenvolveu-se e solidificou-se, sendo hoje “palco” de

uma dinâmica teatral/associativa muito profícua e até surpreendente.

Todavia, e concretizada a fase participativa, creio ser importante

que o PT entre na fase qualificativa, para, designadamente, se

constituir como referência artística e cultural para lá da geografia

do concelho de Paredes, partilhando o trabalho desenvolvido com

outros projetos regionais e nacionais. O Município de Paredes, ao

investir no PT, demonstrou que, mesmo em conjunturas adversas, a

cultura e as expressões artísticas, o teatro em particular, constituem

um investimento de elevado valor, cada vez mais necessário, porque

feito de um modo estruturado e sustentado, com os cidadãos e para os

cidadãos. Por tudo o que foi feito e pelo que ainda virá no futuro, e a

todos que estão neste palco PT os meus agradecimentos.

Fernando Soares

Fernando Soares é licenciado em Teatro - interpretação e encenação

- e desenvolve a sua atividade artística (para além das artes

plásticas e fotografia), trabalhando em projetos na área da

poesia e do teatro, (como professor, ator, encenador e formador),

nos contextos associativo e escolar (integrando e coordenando

diversos projetos desde o primeiro ciclo ao universitário, e o

projeto teatral no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira).

Como profissional, trabalhando, designadamente, no Centro

Dramático de Viana, Seiva Trupe, A.C.E/Teatro do Bolhão e Teatro

Nacional de São João.

Page 165: Pt paredes com teatro

163O Programa PT tem sido uma viagem cheia. Com momentos de

espanto, partidas e chegadas como uma aventura de livro.

Começou por um desafio que me foi feito enquanto profissional

do teatro. Encenar uma peça de Teatro, dar formação e dinamizar dois

grupos de pessoas prontas a entrar no barco e a fazer uma travessia

em direção ao desconhecido.

Para tal é necessária uma planificação que exige conhecimento

de mapas e da natureza humana, cálculos de navegação que nos

apontem direções e mestres de letras a explorar, experiência na

navegação “à vista” e diplomacia perante novas realidades.

Através da minha formação e experiência anteriores tinha já

tido a oportunidade de experimentar alguns dos desafios que eram

agora inaugurados.

Tomei em mãos a aventura e vim a descobrir Cête e Lordelo, cheia

de costumes próprios, histórias de pessoas e de História.

Eu que durante a maior parte da minha vida vivi no Porto e que mal

conhecia Paredes aqui tão perto. Mudei-me de armas e bagagens (a dado

momento literalmente) e tentei entrar no espaço dos que me acolhiam

de braços abertos na sua terra, abrindo-me as suas casas e as suas vidas.

Contra as correntes que vão perdendo a cultura e desperdiçando

capital humano, o programa PT tomou uma rota que só poderia dar

frutos. A sua força eram as pessoas.

Começámos devagar mas com passos confiantes, procurando

sempre um desafio mais arriscado, com uma exigência acrescida

pelas vitórias conseguidas. Não apenas a vitória dos públicos e dos

risos da plateia, mas sobretudo a vitória de arriscar o ridículo, a falha,

para nos ultrapassarmos.

O Teatro também foi sendo feito das experiências e saberes

acumulados pelas associações e seus intervenientes: um que sabe de

eletricidade, outra que faz magia com os tecidos, um que sabe da história

do teatro feito em Portugal, uma que é depositária da sabedoria e das

regras dos trajes tradicionais, uma que compõem imagens, amizades e

Page 166: Pt paredes com teatro

164 adereços, um outro que toca guitarra. Vários que sem saber ler decoram

papéis inteiros como se aprendessem uma nova língua.

São muitos os exemplos de pessoas que dão um pouco do seu

tempo para arriscar em conjunto. Recebem em troca amizade e

companheirismo de outros, a partilha de uma aventura conjunta, algo

que é difícil de explicar nestas palavras.

Tenho vindo a aprender todos os anos a desafiar os limites que

cada um acreditava serem os seus, até os meus próprios limites,

alargando a minha paciência mas também a minha sabedoria.

Para esta viagem outros aceitaram a aventura do desconhecido

e dos afetos e entraram na embarcação Teatro. É este risco tomado

que nos espanta, num tempo em que nos habituam a fazer viagens

completamente sozinhos. E este é também um presente de vida que

nos acompanha.

Inês Leite

Inês Leite. Natural de Londres. Licenciatura em Estudos Teatrais

(ESMAE 2005) e Biologia (FCUP 2001). Bacharelato em Teatro-

Interpretação (ESMAE 2004).

Como atriz trabalhou com encenadores como António

Durães, João Garcia Miguel, José Carretas, Lee Beagley e Pedro

Estorninho e em companhias como TEatroensaio, Panmixia

AC, Produções Suplementares, Teatro das Beiras. Em cinema

trabalhou com Raquel Freire em “Veneno Cura” e Eduardo Morais

em “Glória”, “Sotão” e “Caos”.

Encenou “Pássaro de Papel” (TEatroensaio 2010 ), “ Morte

e Vida Severina” (1º Prémio FTA Guimarães, CCVF 2010), “A Rua

do Inferno” (TRIP-ESE 2006) e co-encenou os projetos Direitos e

Desafios II (CM Sta. Maria Feira 2006) e “Se eu te quisesse beijar...

tu deixavas? (FEP 2004). Assistente de Encenação de João Mota

(Esmae-IPP, Projeto II), Pedro Estorninho e António Durães, sendo

responsável pelos Projetos Independentes (ESMAE-IPP 2010).

Realizou trabalhos de Tradução para Teatro (Samuel Beckett

e Eduardo de Filippo) e trabalhou como produtora no Serralves

em Festa 2007 e 2008.

É formadora do Programa PT desde a sua formação em

2006, encenando um espetáculo anual junto de cada um dos

Grupos: “CêTeatro” (Centro Social de Cête) e “Os Expansivos”

(GRC Lordelo) e diretora (desde a sua formação) da companhia

TEatroensaio, companhia profissional sediada no Porto.

Page 167: Pt paredes com teatro

165Trabalho como monitora do PT – Paredes com teatro desde 2006,

data de início do projeto, o que tem sido uma experiência muito

compensadora. Comecei por trabalhar com dois grupos, os das

freguesias de Vandoma e de Gandra. Na altura estes dois grupos,

muito diferentes entre si, não tinham quaisquer referências sólidas

sobre teatro. Curiosamente, ambos referiram que o que gostariam de

fazer era teatro de revista. Desde logo decidi que seria interessante

fazer propostas mais ousadas com as quais eles pudessem perceber o

teatro de uma forma mais ampla, mas que ao mesmo tempo não lhes

fossem tão estranhas que os desmotivasse. Nessa primeira edição

decidi fazer com os dois grupos peças criadas de raiz, para que os

intervenientes pudessem perceber que tinham uma palavra a dizer

enquanto criadores. E o trabalho funcionou de forma muito positiva

tanto por parte dos jovens atores, como por parte do público que

recebeu muito bem os espetáculos.

Desde então já trabalhei com vários grupos, de várias idades e de

diferentes freguesias. Trabalhámos textos originais e trabalhamos grandes

nomes do teatro nacional e internacional tão diversos como Shakespeare,

Ionesco (celebramos os 100 anos sobre o seu nascimento em 2009), Steven

Berkoff, Luísa Costa Gomes, Almada Negreiros, António Torrado, entre

outros, sempre com uma ótima receção por parte do público.

Mas mais importante que isso, penso que se destaca o facto de

ter sido possível fazer um trabalho continuado com estes grupos

e acompanhar a sua evolução enquanto atores, enquanto sujeitos

artisticamente ativos com uma voz que tem algo a dizer. Observar que

já perderam muitas das inibições iniciais, ganharam mais confiança

em si mesmos e no grupo e aceitam desafios cada vez maiores.

Observar que neste momento pensam em teatro, conhecem teatro e

criticam teatro de forma construtiva e positiva.

Seria utópico achar que o projeto funcionou de igual maneira para

todos os grupos com quem trabalhei. É verdade que há grupos que

tiveram que desistir, uns porque as vidas mudaram, outros porque não

encontraram a motivação certa. Mas de qualquer forma, fiquei sempre

com a sensação que foram lançadas sementes que hão de germinar.

Page 168: Pt paredes com teatro

166 É de extrema importância a educação e este projeto é muito mais

do que um projeto de entretenimento porque tem ajudado a levar

outras mensagens e outras referências a pessoas que muitas vezes não

as têm, pelo menos ali, no lugar onde moram. Este parece-me ser um

dos pontos mais fortes do PT.

Mas claro, também é muito importante a dinâmica que

estes grupos criam nas suas freguesias, não só para os que fazem

diretamente parte do projeto, como para todos os que se mobilizam

para ajudar, para apoiar, e para seguir os amigos nas suas digressões.

Para além disso, ficam todos os momentos divertidos vividos em

conjunto e as amizades que de outra forma nunca aconteceriam.

Joana Morais

Joana Moraes inicia em 1997 os estudos em teatro no ACARTE, com

Lúcia Sigalho.

Nesse mesmo ano frequenta as oficinas de teatro do

Chapitô, em Lisboa.

No ano letivo de 1999/2000 frequenta o Institut del Teatre

de Barcelona como free-mover.

Conclui a licenciatura em Estudos Teatrais- Interpretação,

na ESMAE, no Porto, em 2003 onde trabalha com nomes como

Polina Klimovitskaya, Denis Bernard, António Durães, Claire

Bynion, Rogério de Carvalho, Nuno Cardoso, entre muitos outros.

Como atriz profissional trabalhou com António Durães,

Catarina Lacerda, Claire Bynion, José Topa, Lee Beagley, Lúcia

Sigalho, Rodrigo Areias entre outros.

É professora de Teatro e dirige o estúdio de Ópera no

Conservatório de Música do Porto, desde 2005.

Trabalha como monitora, desde 2006, no projeto PT -

Paredes com Teatro, da Câmara Municipal de Paredes.

Em 2011 conclui, na ESMAE, o Mestrado em Encenação e

Interpretação onde criou e dirigiu o espetáculo “Três em linha”

(2010), apresentado no Teatro Helena Sá e Costa, Porto.

É diretora artística do Musgo onde criou e dirigiu os

espetáculos “Gostava de ter um periquito...” (2011) e “A casa de

Georgienne” (2012).

Em Setembro de 2012 lança, pela editora Eucleia, o livro de poesia “Um punhado de histórias mais ou menos lamechas”.

Page 169: Pt paredes com teatro

167Gostaria, em primeiro lugar, de felicitar todos os intervenientes do

programa “PT PAREDES COM TEATRO” pela excelente iniciativa que

constitui em difundir o teatro dentro e fora do concelho de Paredes,

que nos permitiu tomar contacto com dezenas de grupos de teatro,

centenas de espetadores e compreender o que se faz de melhor no

teatro amador. Trata-se de uma ação do maior interesse, à qual tenho

o prazer de pertencer.

De igual modo, quero agradecer a oportunidade de testemunhar

a minha experiência enquanto encenador do Grupo de Teatro de Duas

Igrejas e do Grupo de Teatro da Associação para o Desenvolvimento

do Lugar de Bustelo, Recarei. Precisamente, no dia 25 de Maio do ano

de 2007, iniciei-me como encenador em Bustelo e no ano seguinte, em

Duas Igrejas.

A experiência foi bastante enriquecedora ao mesmo nível

nos dois grupos de teatro. A representação e a encenação de um

espetáculo de teatro são atividades formadoras do indivíduo. Foi nesse

sentido que eu, em conjunto com os atores, encontrámos no teatro

uma maneira de estar única que nos ajudou no desenvolvimento

pessoal e para um trabalho de aprendizagem em continuidade.

O teatro, se me permitem a analogia, é como a prática desportiva

que reside na fórmula: o bom atleta/ator é aquele que treina/ensaia

todos os dias, que se põe à prova e procura melhorar os seus tempos/a

sua performance.

Mas no teatro amador, aqui em particular, a direção de atores é

de extrema exigência, pois obriga-nos a ser bastante complacentes

com as pessoas. O ator amador desenvolve a sua atividade ao fim do

dia, não dedica todo o seu tempo e não obtém com a mesma, nenhum

rendimento económico assinalável. Trata-se antes de mais, de uma

atividade apaixonante, um momento para se encontrar com os outros,

uma forma de ocupar os seus tempos livres.

Page 170: Pt paredes com teatro

168 Mais do que a parte artística importa a formação deles como

melhores pessoas, mais autónomos, responsáveis, com capacidade

para trabalhar em equipa, com espírito de entreajuda e terem

confiança neles próprios.

Em suma, a minha experiência contribuiu para afirmar que o

teatro amador neste contexto é considerado pelos atores de grande

importância para a sua atividade futura. Habitualmente, estas

experiências são descritas como gratificantes, com um importante

caráter pedagógico e formador; um veículo de conhecimento dos

meandros do meio teatral, do saber-fazer dos seus profissionais e de

um passo para cada um encontrar-se a si próprio.

Joaquim Marinho Dias Neto

Joaquim Marinho Dias Neto nasceu em Paredes, a 8 de julho de 1984,

no seio de uma família humilde.

Interessou-se desde muito novo pelo teatro, graças aos

teatrinhos na escola. Estudou na escola EB2/3 de Cristelo e

posteriormente inscreveu-se no curso de teatro na escola

Balleteatro no Porto. O seu percurso profissional foi marcado por

alguns artistas de renome como: José Wallenstain, Ricardo Pais,

Lígia Roque, João Reis, João Grosso, António Durães, Jeff Cohen,

Emília Silvestre, Jorge Pinto, Jorge Vasques, Luís Madureira, Né

Barros, Jean Pierr Sarrazac, Roberto Merino, Nuno Nunes, Artur

Guimarães, Paulo Ribeiro, João Paulo Seara Cardoso, Ana Perfeito e

Fernando Soares.

Atualmente encontra-se a acabar o Curso de Animação

Sociocultural no Instituto Superior de Ciências Educativas

de Felgueiras. Paralelamente aos seus estudos académicos,

leciona a Atividade Extracurricular de Expressão Dramática no

Agrupamento de Escolas de Frazão, Paços de Ferreira e encena o

Grupo de Teatro de Duas Igrejas e o Grupo de Teatro da Associação

para o Desenvolvimento do Lugar de Bustelo, Recarei.

Page 171: Pt paredes com teatro

169O projeto PT nasceu, cresceu, amadureceu e ganhou raízes,

transformando-se num “palco maior”, onde se combinam cidadãos,

idades, costumes, escritas criativas, vontades e, sobretudo, Novos Hábitos de cultura e dinâmicas teatrais.

Este projeto tem, agora, raízes fortes e saudáveis, os seus ramos

já dão folhas viçosas, que se esperam, ainda, com mais qualidade

nos anos vindouros, com o empenho de todos os que colaboram, de

coração, neste projeto singular do panorama cultural português.

O Município de Paredes, ao investir na continuidade do PT,

demonstrou que, mesmo em tempos desavindos, a cultura e as

expressões artísticas, o teatro em particular, constituem uma mais-

valia para os cidadãos e a comunidade envolvente.

Em jeito de balanço, congratulo todos aqueles que, de uma Ideia,

fizeram a história deste livro, que se deseja presente e futura…

O meu sincero agradecimento a todos os que partilharam e

partilham este “palco maior”.

Rita Campos

Rita Campos, licenciada em Teatro e Artes Performativas,

desenvolve a sua atividade artística, como atriz, escritora

e intérprete/soprano, desde o ano 2001. Trabalhou com

encenadores nacionais e internacionais, como Breno Moroni,

Filipe La Féria, entre outros. Reconhecida pelo seu trabalho como

Contadora de Estórias em diversas escolas, feiras do livro e como

diseur em várias exposições e lançamentos de livros. No âmbito

da encenação tem colaborado em diferentes projetos: PT Paredes

com Teatro, Oficina de Teatro do Estabelecimento Prisional de

Paços de Ferreira e SALTO ALTO.

Paralelamente ao seu percurso artístico é docente e

formadora em diversos projetos, desde o primeiro ciclo ao

universitário, no âmbito das áreas artísticas-Teatro, Expressão Dramática, Contadores de Estórias, Voz, Canto e Técnicas de Caraterização para Teatro e Cinema. Estando integrada no ensino

regular e profissional desde 2005.

Page 172: Pt paredes com teatro

170 O meu percurso no programa PT Paredes com Teatro sempre esteve

ligado ao Grupo de Jovens Nova Esperança da Sobreira. Esse percurso

iniciou-se em 2008/2009 com o espetáculo “Os Idiotas” que foi

baseado em textos de Monty Python e outros textos cómicos. Fui a

primeira encenadora e formadora deste grupo e também foi a minha

primeira encenação. É com muito orgulho que vejo este grupo crescer

em termos artísticos. Nesse primeiro projeto optei por trabalhar

pequenos textos e apostar na formação teatral para poder dar técnicas

de base em termos teatrais.

No período de 2010/2011 realizámos o espetáculo “Há perigo no

prédio” com base no texto “Se perguntarem por mim não estou” de

Mário de Carvalho. Considerei que já podíamos trabalhar uma peça de

teatro e foi isso que fizemos. O resultado foi um espetáculo divertido,

bem realizado e muito bem recebido pelos espetadores.

Em 2012 construímos o espetáculo “Os Mártires do Mosteiro” com

base no texto “O Coronel Pássaro” de Hrysto Boytchev. Começámos

com um período intenso de adaptação do texto dramático ao número

de elementos do grupo e seguimos com ensaios que deram forma ao

espetáculo final que teve boa receção por parte do público. O texto

refere-se ao conflito Sérvio-Bósnio mas eu decidi adaptá-lo ao conflito

da Síria por ser este atual.

No mesmo ano foi criado o Grupo de Teatro Juvenil da Sobreira

que realizou como primeiro espetáculo “Queres sentar?” com base no

texto “A Tabacaria” de Fernando Pessoa e no trabalho com máscara.

Utilizei o trabalho com máscara neste projeto por este ser o tema de

análise da minha tese de Mestrado e o resultado foi muito positivo.

Além da formação dada aos atores é importante referir a

educação do público que tem sido crescente e isso reflete-se na sua

intensa presença nos espetáculos que ocorrem no auditório do grupo.

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171Ser encenadora tem sido uma parte muito importante na minha

realização pessoal e profissional. Tenho crescido como pessoa e como

artista e muito devo ao PT Paredes com Teatro.

Susana Paiva

Susana Paiva, Inicia o seu percurso no teatro em 1999 no TeatrUBI -

Teatro Universitário da Beira Interior. Ingressa na Escola Superior

de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE) em 2003 no Curso de

Teatro – Interpretação que termina em 2007. Paralelamente à

sua formação na ESMAE, faz um Masterclass e um Estágio em

Commedia dell’Arte com Filipe Crawford, Mário Gonzalez e

Ferruccio Soleri inserido no Festival Internacional de Máscaras

e Comediantes organizado pela Casa da Comédia. Em 2009, dá

aulas de teatro na Escola E.B.2/3 Fernando Pessoa, de Santa

Maria da Feira e inicia o Curso de Mestrado em Encenação/

Interpretação na ESMAE. Em 2010 dá aulas de Expressão Corporal

e de Teatro na EB2/3 Ferreira de Castro, trabalha como atriz no

grupo “Companhia do Jogo”, frequenta o 2º ano de Mestrado e

encena o Grupo de Jovens Nova Esperança da Sobreira. Em 2011,

frequenta o Estágio de Commedia dell’Arte ministrado por Fabio

Gorgolini do Teatro Pícaro. No ano letivo de 2011/2012 continua

a exercer funções como atriz na “Companhia do Jogo”, dá aulas

de Expressão Dramática no Agrupamento de Escolas do Pinheiro

da Bemposta e na EB2/3 Ferreira de Castro. Em 2011 conclui o

Curso de Formadores “Desenvolvimento Curricular em Artes-

Metodologias e Práticas” na área do teatro. Encena dois grupos

de Teatro do Grupo de Jovens Nova Esperança da Sobreira, em

Paredes, na vertente júnior e sénior. Defende a Tese de Mestrado

que se centra no ensino e aplicação do trabalho com máscara em

Portugal. E de momento é atriz no grupo de Teatro Experimental

do Norte, no Porto.

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Grupos Participantes

Grupo de Teatro da Associação para o Desenvolvimento de Bustelo – Recarei

Grupo de Teatro Juvenil de Sobreira

Grupo de Teatro de Duas Igrejas

Grupo de Teatro de Cête – Cêteatro

Grupo Teatro Infanto-Juvenil de Baltar – Associação Clube Jazz de Baltar

Grupo de Teatro de Baltar – Associação Clube Jazz de Baltar

Grupo de Teatro da Associação Social e Cultural de Louredo

Grupo de Teatro Os Expansivos – Lordelo

Grupo de Teatro da Associação Juvenil Xisto – Aguiar de Sousa

Tru´peça – Associação de Teatro de Rebordosa

Grupos Participantes em edições anteriores do pt paredes com teatro

Associação Damus Vida, Madalena

Associação Recreativa de Vilarinho de Cima

Grupo de Teatro Infantil da Fundação Alord

Teatro Palco – Grupo de Teatro de Sobrosa

Grupo de Teatro Amador de Cristelo

Tic-Tac – Grupo de Teatro Infantil de Cristelo

Tic-Tac – Grupo de Teatro Juvenil de Cristelo

Grupo de Teatro Infantil de Mouriz

Girassol – Grupo de Teatro de Mouriz

Grupo de Teatro Os Mindinhos – Rebordosa

Grupo de Jovens Nova Esperança – Sobreira

Companhia de Teatro de Vandoma – Grupo de Jovens de Vandoma

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Ficha Técnica

Título:

PT Paredes com Teatro A cidadania em palco

Promotor:

Município de Paredes

Presidente:

Celso Ferreira

Vereador da Cultura:

Pedro Mendes

Chefe de Divisão da Cultura:

Margarida Cardoso

Gestão do Programa PT:

Fernando Salvador, Sónia Peixoto

Consultoria ao Programa:

Setepés

Textos:

Eugénio Pinto, Henrique Praça

Fotografias:

Rafael Telmo Marco Pedrosa (Clube Jazz de Baltar)

Design:

GSA Design

Gestão editorial:

Setepés

Editor:

Câmara Municipal de Paredes

Impressão:

Invulgar

Tipos:

Bebas Neue (Dharma Type) Bitter (Sol Matas)

Tiragem:

1000 ex.

Depósito legal:

xxxxxxxxx

ISBN:

978-989-96388-1-5

Edição gratuita

Paredes, junho de 2013

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