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PRÁTICAS DE LEITURA E OUTRAS LINGUAGENS: ARTICULAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO HUMANA E PROFISSIONAL Neste painel apresentaremos textos que agregam debates sobre as práticas de leitura na escola coadunadas a outras linguagens e espaços educativos, a fim de que novas culturas escolares sejam concebidas e praticadas nas aulas de Literatura. O primeiro texto traz à baila questões sobre a relação entre a prática do ensino de literatura e a proposta curricular articulada com a cultura e com o reconhecimento da subjetividade no processo de ensino-aprendizagem. O segundo apresenta pesquisa no campo da arte, realizada no Instituto Federal do Espírito Santo, entre 2014/2105, cujo objetivo geral centrou-se na compreensão da origem e as especificidades do acervo de obras de Arte do Ifes campus Vitória. Como resultados preliminares constatou que o material educativo, as exposições e as palestras realizadas contribuíram com a formação estética dos visitantes das mostras e dos participantes das palestras, por meio de suas reflexões suscitadas pelas imagens. O último artigo versa sobre o ensino da literatura e a formação do leitor sob a ótica da Pedagogia Social, a partir de aproximações entre alguns pressupostos norteadores desse campo teórico e as funções da Literatura na escola. Metodologicamente, o primeiro texto optou pelo estudo de casos, com intervenções e algumas perspectivas da pesquisa-ação, enquanto o segundo utilizou a pesquisa exploratória com vistas à compreensão da origem e as especificidades do acervo de obras de arte em análise e, por fim, o terceiro examinou o tema por meio de uma revisão bibliográfica das produções de autores representativos da Pedagogia Social e da formação do leitor literário. Como matrizes teóricas, utilizaram-se textos de Paulo Freire, Moacir Gadotti, Leahy-Dios, Mikhail Mikhailovich Bakhtin, Gabriel Perissé, Antonio Candido entre outros. O painel permite afirmar que as práticas de leitura escolar precisam se inserir em situações pedagógicas que considerem outros artefatos culturais e linguagens para a formação humana discente. Palavras-Chave: Leitura, Ensino, Linguagens. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 3564 ISSN 2177-336X

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PRÁTICAS DE LEITURA E OUTRAS LINGUAGENS: ARTICULAÇÃO

ENTRE FORMAÇÃO HUMANA E PROFISSIONAL

Neste painel apresentaremos textos que agregam debates sobre as práticas de leitura na

escola coadunadas a outras linguagens e espaços educativos, a fim de que novas culturas

escolares sejam concebidas e praticadas nas aulas de Literatura. O primeiro texto traz à

baila questões sobre a relação entre a prática do ensino de literatura e a proposta

curricular articulada com a cultura e com o reconhecimento da subjetividade no

processo de ensino-aprendizagem. O segundo apresenta pesquisa no campo da arte,

realizada no Instituto Federal do Espírito Santo, entre 2014/2105, cujo objetivo geral

centrou-se na compreensão da origem e as especificidades do acervo de obras de Arte

do Ifes – campus Vitória. Como resultados preliminares constatou que o material

educativo, as exposições e as palestras realizadas contribuíram com a formação estética

dos visitantes das mostras e dos participantes das palestras, por meio de suas reflexões

suscitadas pelas imagens. O último artigo versa sobre o ensino da literatura e a

formação do leitor sob a ótica da Pedagogia Social, a partir de aproximações entre

alguns pressupostos norteadores desse campo teórico e as funções da Literatura na

escola. Metodologicamente, o primeiro texto optou pelo estudo de casos, com

intervenções e algumas perspectivas da pesquisa-ação, enquanto o segundo utilizou a

pesquisa exploratória com vistas à compreensão da origem e as especificidades do

acervo de obras de arte em análise e, por fim, o terceiro examinou o tema por meio de

uma revisão bibliográfica das produções de autores representativos da Pedagogia Social

e da formação do leitor literário. Como matrizes teóricas, utilizaram-se textos de Paulo

Freire, Moacir Gadotti, Leahy-Dios, Mikhail Mikhailovich Bakhtin, Gabriel Perissé,

Antonio Candido entre outros. O painel permite afirmar que as práticas de leitura

escolar precisam se inserir em situações pedagógicas que considerem outros artefatos

culturais e linguagens para a formação humana discente.

Palavras-Chave: Leitura, Ensino, Linguagens.

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ACERVO DE OBRAS DE ARTE DO IFES: MEDIAÇÕES E LEITURAS DE

IMAGEM

Priscila de Souza Chisté

IFES – Campus Vitória

Resumo: Este trabalho tem como proposta apresentar pesquisa no campo da arte,

realizada no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). A investigação inicia a partir da

aprovação do projeto de pesquisa no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação

Científica ocorrido entre 2014/2105. O objetivo geral da investigação é compreender a

origem e as especificidades do acervo de obras de Arte do Ifes e, de modo mais

específico, pretende organizar exposições das obras de arte com o intuito de divulgar o

acervo em tela e também criar um material educativo que favoreça o entendimento das

obras. Utiliza como metodologia a pesquisa exploratória tendo em vista a necessidade

de compreender a origem e as especificidades das referidas obras. Para produzir os

dados da pesquisa realiza entrevistas com artistas e ex-funcionários da instituição

envolvida, registros por meio de fotografias, análises de documentos e livros. No que se

refere a elaboração do material educativo relacionado com o acervo, dialoga com Chisté

(2013), Bakhtin (2003) e Oliveira (2004) que discutem a necessidade de se compreender

a linguagem artística por meio da análise do contexto em que foram produzidas,

observando seus aspectos formais e de conteúdo, além de compreender tal objeto

sempre em diálogo com outros textos visuais e verbais. Como resultados preliminares

constata que o material educativo, as exposições e as palestras realizadas contribuíram

com a formação estética dos visitantes das mostras e dos participantes das palestras,

tendo em vista que esses sujeitos por intermédio das obras do acervo puderam refletir e

analisar questões novas suscitadas pelas imagens. Contudo, observa que tal acervo pode

ser conhecido por outros alunos e docentes do Ifes. Por isso, propõe continuidade do

projeto em 2016, por meio de pesquisa em nível de mestrado, que visará realizar

exposição do acervo e material educativo interdisciplinar no município de Montanha,

Espírito Santo.

Palavras-Chave: Exposição de Arte, Material Educativo, Leitura de imagem.

INTRODUÇÃO

A pesquisa intitulada ―Obras de Arte do Acervo do IFES: Mediações, Formação

de Professores e Leituras de Imagens‖ iniciou a partir da aprovação do projeto de

pesquisa junto ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).

Durante o projeto foram realizadas várias ações, algumas ainda em andamento, que

serão empreendidas em 2016/2017 como projeto de pesquisa em nível de mestrado na

área do ensino de Ciências e de Matemática. Com o objetivo de apresentar os resultados

parciais da referida pesquisa o texto em tela iniciará ao expor a caracterização da

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pesquisa.

1 A PESQUISA

O Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) possui um acervo com trinta obras de

arte de diferentes autores que apresentam variados estilos artísticos. Conta com obras de

artistas capixabas e também de expoentes nacionais. Essas obras estão alocadas em

setores administrativos do campus Vitória. Desse modo, o acesso a elas fica restrito a

um público limitado o que demandou uma ação que propusesse novas possibilidades de

encontro com essas obras de arte. Para tanto, foi necessário conhecer de modo mais

aprofundado tal acervo para constatar como essas obras chegaram até o Ifes, quem

foram os artistas que as produziram, em que contexto elas foram elaboradas, qual o

diálogo que estabelecem com outros artistas da época e quais contribuições trazem para

o campo da educação. Cabe colocar que até o momento não existe nenhum tipo de

pesquisa relacionada à constituição, investigação e apresentação do acervo de obras de

arte do Ifes. Portanto, trata-se de uma pesquisa inédita.

Outro ponto importante diz respeito à necessidade de conservar essas obras de

arte. Como integram o Patrimônio Cultural da Instituição, necessitam de certos cuidados

para se manterem em tal acervo. Isso demanda um olhar atento e técnico para que seja

possível, por meio de diversas técnicas de preservação, cuidar da integridade de tais

obras de arte.

A Constituição Federal estabelece em seu Artigo 26 que o poder público, com a

cooperação da comunidade deve promover e proteger o Patrimônio brasileiro. Dispõe

ainda que esse Patrimônio Cultural é constituído pelos bens materiais e imateriais que se

referem à identidade, à ação, e à memória de diferentes grupos formadores da sociedade

brasileira, como por exemplo, as obras artísticas. Nesse sentido, podemos considerar

que as obras de arte adquiridas, seja por doação ou compra, na trajetória do Instituto

Federal do Espírito Santo constituem-se como Patrimônio Cultural dessa instituição e,

por conseguinte, de toda a comunidade que a cerca, cabendo-lhe proteger e apresentar

esse patrimônio a essa comunidade. É com esse objetivo máximo que o referido projeto

busca trabalhar. Temos como foco a compreensão, a apresentação e a conservação do

acervo de obras de Arte do Ifes campus Vitória, pois se não o fizermos, aos poucos ele

sofrerá um processo de deterioração e se perderá.

2 A METODOLOGIA DA PESQUISA

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A pesquisa contou com a participação de uma graduanda do curso de

Licenciatura em Letras – Português, na modalidade Ensino à Distância do Ifes, e duas

docentes do Ifes. A metodologia utilizada foi a pesquisa exploratória tendo em vista a

necessidade de compreender como as referidas obras de arte chegaram ao campus

Vitória. Como técnica de produção de dados optamos por entrevistas com artistas e ex-

funcionários do campus, fotografias das obras de arte, análises de documentos, livros e

pesquisas em sites de arte.

Inicialmente solicitamos ao setor responsável pelo patrimônio do Ifes - campus

Vitória que nos disponibilizasse a lista das obras de arte que compõem o acervo desse

campus. A seguir, fomos às salas onde as obras estavam alocadas e registramos as

imagens por meio de fotografia. Depois disso, fizemos a ficha catalográfica de cada

obra. Diante dessas informações iniciamos uma busca pelos artistas. Fizemos contato

com alguns deles, via mensagem eletrônica e mensagem em tempo real, além de

realizarmos pesquisa em enciclopédias virtuais de arte e em sites dos artistas.

Realizamos também várias entrevistas com ex-funcionários do Ifes para

compreendermos a origem deste acervo.

Após essa etapa, elaboramos o primeiro material educativo impresso cuja

finalidade foi ser distribuído aos visitantes da primeira exposição das obras de arte do

acervo do Ifes, realizada na biblioteca Nilo Peçanha do campus Vitória do Ifes.

Também fizemos a divulgação em mídia social (Facebook), criamos convites que

distribuímos pelas salas do campus Vitória e abrimos a exposição com a palestra (figura

1) intitulada: ―Obras de Arte do Acervo do IFES: Mediações, Formação de Professores

e Leituras de Imagens‖. Essa ação ocorreu na Semana da Biblioteca realizada no mês de

novembro de 2014.

Fig. 1: Palestra sobre o Acervo de Obras de Arte do Ifes

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Fonte: Acervo do projeto de pesquisa – Fotografia: Mónica Rebolledo

Seguimos nosso cronograma de pesquisa produzindo os dados vivenciados com

a intenção de organizar a segunda exposição do acervo, que ocorreu em novembro de

2015, também na Biblioteca Nilo Peçanha. Nessa ocasião apresentamos a versão final

do material educativo (figura 2), um pouco mais completa que a anterior, e também

realizamos palestras e visitas mediadas à exposição para alunos e professores.

Fig. 2 – Material Educativo sobre o acervo do Ifes

Fonte: Acervo do projeto de pesquisa

3 O MATERIAL EDUCATIVO ELABORADO

Como apontado, o Material Educativo foi elaborado em diálogo com as

discussões de Chisté (2013), Bakhtin (2003) e Oliveira (2004). Tais autores discutem a

necessidade de se compreender a linguagem artística por meio do estudo do contexto

em que foram produzidas, observando seus aspectos formais e de conteúdo, além de

compreender que tal objeto está sempre em diálogo com outros textos visuais e verbais.

O material educativo foi organizado a partir das seguintes seções:

1) A pesquisa – apresentamos a metodologia de pesquisa utilizada, a origem do

acervo e as obras de arte.

2) A Exposição – descrevemos as atividades (figura 3) relacionadas com a

organização da mostra artística.

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Fig. 3 - Visita dos alunos do Ifes à exposição

Fonte: Acervo do projeto de pesquisa – Fotografia: Mónica Rebolledo

3) Perfil dos Artistas – divulgamos dados bibliográficos (figura 4) sobre os

artistas e sobre as obras de arte, tais como Alfredo Volpi, Darel Valença Lins, Dileuza

Diniz Rodrigues, Eduardo Sanchez Iglesias, Fayga Ostrower, Inácio Rodrigues, Raphael

Samú e Savério Castellano.

Fig. 4 - Perfil de Alfredo Volpi. Páginas do Material Educativo

Fonte: Acervo do projeto de

pesquisa – Imagem: Mónica Rebolled

4) Leituras de imagens – realizamos leituras de imagens das obras do acervo a

partir da Semiótica Plástica e também do conceito bakhtiniano de dialogismo. Como

exemplo dessa seção destacamos a produção do poema abaixo, criado pela bolsista de

Iniciação Científica, a partir da obra do artista Savério Castellano.

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Fig. 5 - CASTELLANO, Savério. Montanha Cristalina, 1981. Litografia, 45,7x55,8cm

Fonte: Acervo do Projeto de Pesquisa – Fotografia: Érica Sabino.

Poema à obra de Savério Castellano.

Nada são a ideia e o suporte,

a ferramenta a técnica e a luz.

O que é que da o sentido?

é a poesia que o artista traduz.

Com as cores a mistura risonha

Contorna-se na linha coquete,

Evitando a ação medonha,

De quem não cria e só repete!

Haja trabalho e tentativa!

Para conter uma obra prima,

pondo o verso em perspectiva

até achar o que melhor rima.

É assim que o criador artista

captura a forma divina,

da base à ponta aquilina

como um ato de conquista!

A obra de Savério se eleva

depois do esforço proferido,

que a arte jamais prescreva!

deste plano vivo e colorido.

4 RESULTADOS PRELIMINARES E ENCAMINHAMENTOS DO PROJETO

O registro nos livros de assinatura das mostras nos mostrou um fluxo de 460

visitantes na primeira exposição. Nessa primeira etapa também foram realizadas três

palestras com quarenta participantes em cada uma, entre eles professores e alunos.

Foram realizadas seis visitas mediadas, para alunos do Ensino Médio, da Graduação em

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Letras e também do Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática do Ifes. Alguns

visitantes, além de alunos do Ifes, atuavam como professores da Educação Básica.

Já na segunda exposição registramos a visita de 50 alunos e professores do

campus Vitória e também de integrantes da comunidade externa. Cabe colocar que essa

última mostra ocorreu em um período de greve de alguns servidores da instituição.

Muitos alunos ficaram sem aula e por isso a mostra foi pouco visitada. Mesmo assim,

foram realizadas palestras nas quais participaram cerca de sessenta alunos e professores

do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo e também da

graduação em Letras do Ifes.

Diante dos resultados alcançados com o projeto de iniciação científica,

consideramos necessária a continuidade da pesquisa para que, em uma segunda versão,

possamos dar sequência à investigação e elencar os artistas que não foram contemplados

inicialmente.

Acreditamos ser necessário também dar continuidade a pesquisa aproximando as

obras de arte a outras áreas do conhecimento, como as áreas de Ciência e de

Matemática. Nesse sentido, convidamos um aluno do Mestrado em Ensino de Ciências

e Matemática para junto conosco, dar continuidade à pesquisa.

CONCLUSÕES PRELIMINARES

A possibilidade de pesquisar obras de arte de grandes expoentes nacionais e

internacionais que integram o projeto ―Obras de Arte do Acervo do Ifes: Mediações,

Formação de Professores e Leituras de Imagens‖ constitui-se como um campo imenso

de pesquisa.

Cada obra abre diferentes portas que podem nos encaminhar a discutir assuntos

bem variados. Analisar tais imagens constitui-se como um projeto longo devido às

inúmeras possibilidades que se pode pensar a partir delas. Podemos realizar leituras

interdisciplinares, relacionando a arte a outras áreas do conhecimento, entre outras

possibilidades.

Portanto, o projeto de pesquisa sobre o acervo de obras de arte do campus

Vitória constitui-se como uma investigação ampla e possível de vários desdobramentos.

Além disso, as etapas elaboradas até o momento referentes ao projeto nos fazem chegar

a algumas conclusões sobre as atividades realizadas: faz-se necessário apresentar essas

obras em outros campi do Ifes, além do que foi contemplado.

Cabe também assegurar que essas obras serão conservadas. Muitas não

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integraram a exposição, pois estão em estado de conservação precário. Além disso, é

preciso continuar as pesquisas sobre os artistas que não foram contemplados nessa

etapa do projeto, bem como divulgar a pesquisa em eventos científicos. Desse modo,

empenharemo-nos de agora em diante a alcançar esses objetivos e buscar tais

aprofundamentos. Porém, é necessário deixarmos em relevo a importância de se refletir

sobre essas imagens. Elas integram um Patrimônio Cultural que é de todos e podem

contribuir sobremaneira com a formação estética dos sujeitos que dela se apropriarem.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da Criação

Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

CHISTÉ, Priscila de Souza. Educação estética no ensino médio integrado: mediações

das obras de arte de Raphael Samú. 2013. 335 f. Tese (Doutorado em Educação) –

Curso de Pós-graduação Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória,

1995.

OLIVEIRA, Ana Cláudia. As semioses pictóricas. In: OLIVEIRA, Ana Cláudia (Org.).

Semiótica plástica. São Paulo: Harker Editores, 2004.

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A PRÁXIS DOCENTE (IM)POSSÍVEL DE LITERATURA: TEATRO, SUBJETIVIDADE E ENGAJAMENTO SOCIAL

Fábio Mota Salvador

Me. em Educação – PPGE/UFES

Professor de Língua Portuguesa e Literatura – PMV/PMS

Assessor pedagógico da Secretaria Municipal de Educação de Vitória/ES

RESUMO: O artigo norteia seus estudos nas práticas de ensino de literatura e no

engajamento social do educador que transitam pelos discursos cênicos, subjetivos e

sociais. Nesta perspectiva, legitimando a importância do ensino da literatura na

emancipação pessoal e social do corpo discente e, principalmente, na construção de

sentidos entre o ―eu‖ e o ―mundo‖. As principais questões problematizadas foram as

seguintes: Como a práxis docente de literatura, estruturada no teatro, na subjetividade e

no engajamento social do educador pode transformar o ambiente escolar e potencializar

o emancipação dos estudantes? Qual o papel da literatura na diminuição do número de

reprovação e de evasão escolar nas escolas da rede pública? O artigo discute a relação

entre a prática docente do ensino de literatura e a proposta curricular articulada com as

manifestações culturais, com os propósitos sociais de emancipação e com o

reconhecimento das questões subjetivas no processo de ensino-aprendizagem,

utilizando-se como metodologia a pesquisa qualitativa, tendo como eixo o estudo de

casos, com intervenções e com algumas perspectivas da pesquisa-ação. As ações

investigativas se estruturam nas práticas literárias desenvolvidas na disciplina de Língua

Portuguesa e Literatura, em escolas da rede pública capixaba. Muitas pesquisas de

dissertações e teses das Universidades Brasileiras apontam uma desqualificação do

conhecimento literário nas escolas públicas – ocasionada por propostas de ensino

tradicionais, baseadas em fragmentos de textos dos livros didáticos, desarticuladas com

as manifestações culturais, desumanizadas e sem princípios sociais. O artigo aponta

outras práticas possíveis de ensinar Literatura – dialogando com os textos teóricos de

Paulo Freire, Jorge Larrosa, Moacir Gadotti, Leahy-Dios, entre outros. Palavras-chave: Currículo, Literatura e Prática de Ensino.

ABSTRACT: The article guides its studies in teaching practices of literature and social

engagement of the teacher passing by scenic speeches, subjective and social. In this

perspective, legitimizing the importance of the teaching of literature in personal and

social emancipation of the student body, and especially in the construction of the

meaning between the "I" and the "world." The main issues problematized were the

following: How the practice of teaching literature, structured at the theater, subjectivity

and the social engagement of the educator can transform the school environment and

enhance the empowerment of students? What is the role of literature in decreasing the

number of repetition and dropout in public schools? The article discusses the

relationship between the teaching practice of literature and the curriculum proposal

combined with cultural events, with the purpose of social emancipation and the

recognition of subjective questions in the teaching-learning process, using as

methodology the qualitative research having axis as the study of cases, with assistance

and with some perspectives of action research. The investigative actions are structured

in literary practices developed in the discipline of Portuguese Language and Literature,

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in public schools capixabas. Many research dissertations and theses of Brazilian

Universities point to a disqualification of literary knowledge in public schools - caused

by traditional teaching approach, based on fragments of texts from textbooks, disjointed

with the cultural manifestations, dehumanized and without social principles. The article

points out other possible practices of teaching Literature - dialoguing with the

theoretical texts of Paulo Freire, Jorge Larrosa, Moacir Gadotti, LeahyDios, among

others. Keywords: Curriculum, Literature and Teaching Practice.

1 Introdução A palavra literária é autenticamente palavra quando, trazendo à luz verdades

fulminantes, livra-nos do vazio abissal, do tédio mortal, da encapsulação, da

asfixia existencial, desse nível infracriador a que somos rebaixados, e no qual

passamos a ser, menos do que pessoas: objetos, e objetos de não-amor.

GABRIEL PERISSÉ Após uma década ensinando Língua Portuguesa e Literatura nas escolas públicas

do Espírito Santo, onde lecionei para o ensino fundamental, ensino médio e a educação

de jovens e adultos (EJA), pude perceber o quanto a palavra literária contribui na

conscientização crítica do indivíduo, na sua transformação existencial e na construção

de outros significados possíveis na relação do ―eu‖ com o mundo. O autor Perissé nos

afirma em sua epígrafe acima, que a literatura potencializa a liberdade existencial do

homem, e, assim, oportuniza o seu próprio (des)conhecimento de si diante das

contradições impostas pela realidade social e o encoraja quando incita as suas emoções

e desmascara os seus questionamentos que habitam a emancipação do ser humano. A

palavra literária tem a importância de humanizar o processo de ensino-aprendizagem

quando amplia o seu conhecimento para as questões subjetivas e as experiências vividas

pelos educandos, que, muitas vezes, são desconsideradas nos ambientes escolares.

A palavra literária se torna o lugar do enfrentamento ao conformismo social, da

ruptura do saber hegemônico e impessoal e do distanciamento dos sentimentos

fabricados. Após uma década, de práticas de ensino de literatura no cotidiano da sala de

aula, sempre acreditei no poder da literatura na emancipação do corpo discente. E, na

medida do possível, fiz do exercício profissional um espaço de luta, onde as armas

contra a estagnação humana e social eram as atividades culturais (a poesia, o teatro e a

música), a subjetividade (a escuta sensível, a valorização do saber do aluno e o

reconhecimento da sua complexidade social) e o engajamento (a educação libertária, a

consciência crítica e o ensino idealista).

A literatura entendida como um campo de saber polissêmico que permite o

protagonismo do ser humano. A palavra literária vai constituindo um pensamento

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humanizador que alimenta a existência e corrói tudo aquilo que acreditamos dizer –

quando, na verdade, é um ato de reprodução (saberes já pensados) que não corresponde

ao que somos. Em algumas escolas, a literatura se distancia da emancipação do ser

humano quando se concentra em burocratizar, uniformizar o saber e nutrir um currículo

centrado na impessoalidade. Após algumas leituras e reflexões, observei nos estudos de

Gadotti (2010, p.24) que educar é um ato emaranhado por forças contraditórias e que a

escola desempenha um papel social visceral quando se torna o espaço que permite a

transformação da identidade e a ascensão social das classes desfavorecidas:

A formação da consciência do indivíduo não é inata. Exige esforço e atuação

de elementos externos e internos. A educação é um processo contraditório de

elementos subjetivos e objetivos, de forças internas e externas. [...] Na

perspectiva de uma educação visando à transformação da sociedade, e escola

tem um papel estratégico, na medida em que pode ser o lugar onde as forças

emergentes da nova sociedade, muitas vezes chamadas de classes populares,

podem elaborar a sua cultura, adquirir a consciência necessária a sua

organização.

No contato diário com os alunos da rede pública e as suas realidades sociais

marcadas por abandono familiar, pobreza, péssimas condições de vida e várias marcas

de violência, legitimou-se a minha opção em educar para emancipar e construir outras

existências de vida possíveis. Nas práticas de ensino de literatura na sala de aula,

estruturei os meus posicionamentos teóricos e práticos a partir dos questionamentos que

emergiam daquele lugar de contradição e enfrentamento. Ali, comecei a entender a

diferença que uma práxis engajada de literatura, por meio da cultura e da subjetividade,

poderia oportunizar ao corpo discente e ao sentido da escola.

Na minha trajetória profissional, durante toda a primeira década do século XXI,

busquei construir uma práxis docente que despertasse o interesse do corpo discente e,

consequentemente, diminuísse a evasão e a reprovação escolar. Neste período de sala de

aula, as transformações tecnológicas, econômicas, políticas e culturais trouxeram novas

perspectivas para os modos de vida pessoais e sociais. Estas contradições que emergem

do processo de globalização refletem também no pensamento educacional. O sentido da

escola, a construção do currículo e a formação e a prática docente são questões

amplamente debatidas pelos estudiosos e pelos educadores. A educação que possibilita

a emancipação do indivíduo, também pode incitá-lo à submissão de uma sociedade

mercadológica.

Após a Constituição de 1988, observando a defasagem da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (5.692/71), elaborou-se uma nova LDB (9.394/96),

sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ministro da educação

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Paulo Renato, em 20 de dezembro de 1996. Na nova LDB, percebe-se o interesse em

preparar o indivíduo para as novas relações sociais e produtivas, ocasionadas pelo

desenfreado processo de globalização.

A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96)

apresentou alguns avanços que contribuíram para o meu exercício profissional. A

valorização do processo criativo e do conhecimento alternativo trouxeram para o

processo de ensino-aprendizagem de literatura novos sentidos que fortaleceram o educar

para emancipar. A literatura promove o saber vivido, a imaginação e o despertar de

outros vínculos existenciais – essencial na construção da consciência crítica e no

desabrochar de indivíduos plenamente 5 autônomos e capazes de interagir e interferir

em sua sociedade. Na leitura de Leahy-Dios (2001, p.42), observa-se que a docência de

Língua Portuguesa e Literatura, para a prática da liberdade e do protagonismo do

estudante, encontra ecos na nova LDB:

Essa certeza é reforçada por determinados trechos da atual Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (nº 9.394/96), garantindo a importância da

criação, do saber alternativo, da ausência de rigidez na construção do saber

socialmente validado. Diz também que ―aspectos qualitativos devem

prevalecer sobre os quantitativos‖ (Capítulo II, art. 24, V a), e que ―o ensino

da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da

educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos

alunos‖ (Capítulo II, art. 26, § 2º).

A opção por uma práxis docente de literatura que rompia com o modelo

unicamente tecnicista oportunizou novas significações do conhecimento literário por

parte do corpo discente. A experimentação do saber, por meio de um currículo que se

estrutura no discurso cultural literário, valoriza as questões subjetivas e oportuniza o

engajamento social, acrescentando consciência crítica e protagonismo na vida dos

estudantes da escola pública. Nos meados do século XXI, pude observar no exercício

profissional que a nova LDB contribuiu para o surgimento de novas práticas docentes e

propostas curriculares, embora esta reformulação pedagógica ocasionasse muitos

debates e enfrentamentos entre os atores educacionais, principalmente, nas instituições

de ensino. A nova LDB legitimou, na parte diversificada, conteúdos que atendiam às

especificidades regionais, culturais, econômicas, históricas e sociais de cada

comunidade escolar. Embora mantivesse o caráter profissionalizante destes conteúdos, a

parte diversificada oportunizava interesses de outra natureza, como por exemplo, os

aspectos culturais nas práticas pedagógicas.

No ensino de Língua Portuguesa e Literatura no ensino médio, a nova LDB faz

apenas duas referências. Identifica a importância da compreensão do significado das

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letras e das artes, o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura e

preconiza a sua força comunicativa na formação do saber e da cidadania. Neste contexto

da Lei (9.394/96), o ensino de literatura aparece no vocábulo ―letras‖ e na expressão ―o

processo histórico de transformação da sociedade e cultura‖. Embora a nova LDB não

ofereça um entendimento mais profundo sobre o ensino literário, ela acena o sentido

primordial da literatura – a transformação humana e social.

2 Na contramão da literatura severina

Tem dias que a gente se sente. Como quem partiu ou morreu. A gente

estancou de repente. Ou foi o mundo então que cresceu. A gente que ter voz

ativa. No nosso destino mandar. Mas eis que chega a roda viva. E carrega o

destino prá lá. Roda mundo, roda gigante. Roda moinho, roda pião. O tempo

rodou num instante. Nas voltas do meu coração. CHICO BUARQUE

No trecho da canção Roda viva, de Chico Buarque, percebemos um personagem

que sente o desejo de falar e de expressar seus sentimentos e seus pensamentos, porém

ele é silenciado por um conjunto de forças externas (discurso ideológico opressor).

Muitas vezes, a práxis docente não permite a participação espontânea do corpo discente.

A aprendizagem torna-se unidirecional, pois não considera as experiências vividas. A

utilização do termo ―literatura severina‖ baseia-se na obra ―Morte e vida severina‖ de

João Cabral de Melo Neto. No texto poético, o termo ―severina‖ refere-se o que é

severo, rude, embrutecido e difícil. A expressão ―literatura severina‖ é definida como

aquela que embrutece a aprendizagem e distancia o saber da escola e o saber vivido do

aluno. Embora muitos profissionais de educação se distanciem deste ensino

embrutecedor, que se dá em cansativos monólogos centralizados no professor e no livro

didático, ainda há uma grande maioria de docentes, que faz da aula literária um local de

silêncio coercitivo e uniformizador de um pensamento estagnado.

A literatura potencializa no ser humano a sua consciência crítica, que o leva a

refletir sobre a sua existência e sua relação com o mundo. Por isso, a práxis docente

desempenha um papel primordial na mediação entre o saber literário e a motivação de

aprender do corpo discente. Esta tarefa é árdua e permanente, pois exige do educador

uma luta constante no seu exercício pedagógico. Muitas vezes, o ambiente escolar é

caracterizado pelo fortalecimento do aparelho hegemônico. Produzindo uma

uniformidade de comportamento no corpo discente. Repetindo um conhecimento

científico doutrinário e incompatível com a realidade dos estudantes. Priorizando as

relações humanas e sociais desinteressantes, por serem forjadas em sentimentos

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fabricados e corpos condicionados à obediência. Promovendo o silêncio que encarcera

sonhos. Cabe à escola, ao docente e a sua práxis, destituir o currículo burocrático e

desumanizado, existente em muitos ambientes de ensino, que se omite diante do aluno

pobre e oprimido que se conforma com sua invisibilidade social. Neste contexto, o

processo de ensino-aprendizagem se sacraliza, acomoda uma relação de saber e poder

inquestionável e ineficaz.

Percebe-se em várias escolas uma práxis literária fragmentada e rígida. De forma

severa, ela se resume num quadro de informações, não oportunizando a experimentação

do conhecimento. Ensinar e aprender literatura não podem continuar a ser apenas um

apanhado histórico, nem a memorização de características rígidas de escolas de

produção literária de um passado europeizado e seletivo. (LEAHY-DIOS, 2001, p.35).

Contraditoriamente, a literatura dialoga com a democracia, a emoção, o

questionamento, a liberdade e a emancipação. Se a literatura possibilita a criação de

outros sentidos para a existência humana e para as suas relações sociais, cabe ao

educador (re)pensar a práxis docente. Para a maioria dos adolescentes e jovens de

classes populares, a literatura se apresenta distante, fria e sem propósitos.

O ensino de literatura pode ganhar novos sentidos quando planejado com uma

proposta cultural. O texto literário permite várias leituras e potencializa as produções

artísticas no ambiente escolar. Embora exija um exercício profissional exaustivo, a

construção de um saber literário envolvido na elaboração de uma peça teatral, na

declamação poética, na leitura dramatizada, na análise de canções, etc., torna-se mais

prazeroso e interessante para o corpo discente. Porém, estas ações transitam na ousadia,

no enfrentamento, na dúvida, na subversão, no desapego, no incômodo, que, muitas

vezes, não encontram protagonistas no ambiente escolar.

3 Perspectivas teóricas: literatura, práxis docente e emancipação

3.1 A experimentação da leitura: aspectos humanos e sociais nas concepções de Jorge

Larrosa e Paulo Freire A experiência da leitura aparece como uma experiência de abandono das

seguranças do mundo administrado, incluindo as que constituem a própria

identidade do leitor, e como uma entrega a um outro mundo que ―inquieta‖,

interrompe e transforma o primeiro. JORGE LARROSA

Tentava ler ou prestar atenção na sala de aula, mas não entendia nada,

porque a fome era grande. Não é que eu fosse burro. Não era falta de

interesse. Minha condição social não permitia que eu tivesse educação. A

experiência me ensinou, mais uma vez, a relação entre classe social e

conhecimento. [...] À medida que comia melhor, comecei a compreender

melhor o que lia. PAULO FREIRE

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Temos uma sociedade que cultua os confortos propiciados pela evolução

tecnológica, principalmente, os aparelhos eletrônicos e o mundo virtual. Somos

engolidos por uma avalanche de informações simultâneas e impossíveis de serem todas

memorizadas, até porque elas mudam instantaneamente. Neste contexto social ditado

pela modernidade, o ser humano vaga acorrentado nas atribulações do mundo, vive

subtraindo a sua própria existência. O hábito de leitura tem profundas ligações com a

transformação do indivíduo e da sua realidade social. Possivelmente, ele democratiza o

conhecimento e aponta alternativas para a solidificação de uma sociedade mais justa,

inclusiva e igualitária. O ser humano com um extenso repertório de leitura, dificilmente,

será submisso e ficará calado diante das desigualdades impostas por um mundo

desumano e injusto. Uma nação, composta por indivíduos que não leem, perpetua nas

mãos de uma minoria as decisões que influenciam a vida de todos. No Brasil, o mercado

editorial é um privilégio de uma classe social que tem o hábito de ler e consegue pagar

os preços exorbitantes cobrados pelas obras literárias nas livrarias.

Recai sobre a escola a difícil tarefa de aproximar os estudantes do ato de leitura,

embora, historicamente, os investimentos financeiros específicos para atividades e

projetos de leitura no cotidiano do ambiente escolar sejam inexpressivos ou, em muitos

casos, inexistentes. São poucas as iniciativas que ofertam aos professores de língua

portuguesa e literatura alguma formação e/ou oficina literária. Estas ações

desconsideram que todos os docentes, independente da sua área de conhecimento, têm o

compromisso de propagar e incentivar o gosto pela leitura. Em algumas instituições de

ensino, o professor tem afastado cada vez mais o aluno do entusiasmo pela leitura. A

uniformização, a normatização, a burocratização e a imposição da leitura conspiram

para o agravamento desta situação educacional. Em várias salas de aula, não é facultado

ao aluno criar um diálogo entre o que se lê e suas experiências vividas. Esta situação

colabora para um processo de ensino-aprendizagem ainda mais desanimador.

Freire e Larrosa dialogam com a ideia de ressignificação da educação, por meio

da valorização de uma escola que priorize a experimentação do saber, a leitura

autônoma e provocativa que possibilite ao corpo discente o exercício da liberdade e a

construção de novos vínculos existenciais na sua relação com o mundo. Neste contexto,

este artigo encontra nos estudos destes pensadores indícios da fundamentação teórica

que legitima e estrutura a práxis docente de literatura analisada e debatida nesta

pesquisa. Os estudos de Larrosa nos campos educacionais despertam novos

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questionamentos sobre os conceitos de escola, identidade, literatura, sociedade e

currículo. Desta maneira, as suas pesquisas problematizam as teorias educacionais

sacralizadas e prescritas – que já não respondem as indagações dos docentes, as

incertezas dos pensamentos científicos e os enfrentamentos pessoais e sociais que

circundam o cotidiano do ambiente escolar.

A obra de Paulo Freire não foi importante só no âmbito da educação popular e

da alfabetização, a cada dia compreendemos melhor o que ele representa enquanto um

intelectual que propõe a superação do modelo de escola e de educação que se faz no

Brasil e no mundo. É possível fazer educação e escola para a transformação social.

Fundamentalmente não se fará nada de novo apenas com a crítica; nem tampouco com a

implantação de novas tecnologias: novas relações deverão ser estabelecidas, que

indiquem esperança e possibilidades de transformação e libertação através do

comprometimento e da luta (Streck, 2012, p. 12). Em seus textos, o ato de leitura é

enfrentamento e subversão, pois promove a humanização do indivíduo e lhe possibilita

lutar contra as forças sociais opressoras. Em Freire (2009, p. 58), a escola e a práxis

docente devem criar condições favoráveis para que a leitura possa se conectar com a

vida diária dos alunos, e, assim, tornar-se efetiva e afetiva:

O que me fascina ao ler bons livros é descobrir o momento em que o livro me

possibilita ou ajuda a melhorar o entendimento que tenho da realidade, do

concreto. Em outras palavras, para mim a leitura é importante na medida em

que os livros me dão um determinado instrumento teórico com o qual eu

posso tornar a realidade mais clara com relação a mim mesmo. Essa relação

que tento estabelecer entre ler palavras e ler o mundo.

O exercício literário, que amplia os sentidos do mundo do aluno-leitor, torna-se

imprescindível para solidificar um ensino que visa o despertar dos estudantes para a

emancipação humana e social. Aproximam-se das concepções de Freire sobre a

experiência de leitura e leitura de mundo, os estudos de Larrosa sobre

experiência/sentido. Sem imposição e sem o intuito de servir como modelo pedagógico,

suas ideias questionam a literatura que não atravessa o indivíduo, ou seja, não o move e

que não faz o seu conhecimento suplicar vida e liberdade. Quando o saber possibilita a

construção de sentidos na vida cotidiana, eleva-se o homem ao lugar do mestre. Em sua

definição de experiência ele nos diz:

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer

um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que

correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar

mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir,

sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender

o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a

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atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos

acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro,

calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, p.24, 2002).

Para o autor, a escola que constrói seu currículo tendo como alicerce o

armazenamento de informações como resultado do ―ensino‖ está fadada ao isolamento

do sujeito desmedido de si mesmo. Um currículo sob essa ótica nos remete às

regulações do tempo das aulas, das disciplinas fragmentadas em minutos e da educação

bancária a que Paulo Freire se referia. Experimentos sem vivências, somente acúmulos,

depósitos de informações, ou seja, sem a experimentação do conhecimento.

A experiência promove o ato de aprender, pois expõe o indivíduo às suas

desilusões existenciais, às emoções instáveis e ao descolamento do saber artificial, que o

ancorava num porto seguro de informações impessoais. Nesta realidade distorcida, a

experiência destitui a supremacia de opiniões tão valorizadas numa sociedade

irredutível ao descompasso e a embriaguez do conhecimento que não obedece a normas

e convenções. A experiência permite a vida humana o não condicionamento ao que lhe

empobrece e consome, por diversos fatores políticos, econômicos e sociais, que em

nome de uma sociedade dita democrática, excluem do homem o seu bem-estar.

No diálogo de Freire e Larrosa, percebemos a importância da relação entre os

saberes prescritos e os saberes vividos. A experimentação do conhecimento permite

uma aproximação entre o aluno e o porquê se aprende; e como este conhecimento pode

contribuir e ressignificar a sua compreensão de si mesmo e de estar no/ e com o mundo:

O saber de experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida

humana. (...) A experiência e o saber que dela deriva são o que nos permite

apropriar-nos de nossa própria vida. (LARROSA, p.26-27, 2002). Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura

que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer

que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura de mundo, mas

por uma certa forma, de ―escrevê-lo‖ ou de ―reescrevê-lo‖, quer dizer, de

transformá-lo através de nossa prática consciente. (FREIRE, 2011, p. 29-30).

Nesta perspectiva dialógica, entende-se a prática de leitura como uma ação onde

o homem pode encontrar outros sentidos para a sua existência. No jogo polissêmico

literário, ele pode subverter o que lhe é prescrito, enveredar-se em emoções subjetivas

desconhecidas, encontrar-se com os outros ―eus‖ e reinventar de forma autônoma sua

relação com o mundo.

3.2 Moacir Gadotti: a práxis docente

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A educação que copia modelos, que deseja reproduzir modelos, não deixa de

ser práxis, só que se limita uma práxis reiterativa, imitativa, burocratizada.

Ao contrário desta, a práxis transformadora é essencialmente criadora,

ousada, crítica e reflexiva. MOACIR GADOTTI

Educar é ensinar a olhar para fora e para dentro, superando o divórcio, típico

da nossa sociedade, entre objetividade e subjetividade. É aprender além:

saber que e tão verdade que a menor distância entre dois pontos é uma linha

reta quanto o que reduz a distância entre dois seres humanos é o riso e a

lágrima. O gesto da identidade pessoal no tempo da impessoalidade e do

anonimato. CHICO ALENCAR

A leitura dos estudos sobre práxis docente de Moacir Gadotti aponta várias

considerações relevantes fundamentais para a problematização das ações pedagógicas

investigadas nesta pesquisa. Várias concepções do saber e fazer docente, presentes no

seu texto, são significativas para a compreensão da prática docente que transita pelo

teatro, pela subjetividade e pelo engajamento social do educador que busca na sua

finalidade vital a emancipação do indivíduo.

A construção de uma práxis docente alternativa que visa a diminuição do índice

de reprovação e evasão escolar, por meio do ensino literário é uma tarefa ousada para

qualquer educador. Torna-se uma pedagogia do risco, da dúvida e do pensar que leva o

ser humano a inquietude que movimenta as suas peculiaridades cotidianas. Uma prática

docente que opte por uma literatura estética-expressiva que dialogue com a linguagem

cênica, subjetiva e social; que envolva os alunos em outras formas de apropriar-se do

saber de si e do mundo, sem exibicionismo e exatidão; e que faça o indivíduo

(res)significar a sua própria existência, e, talvez, descobrindo as palavras que o move,

descubra outras maneiras de ser o que acredita ser.

No encontro com os conceitos de Gadotti, percebemos que a educação reflete as

marcas da sua sociedade. Assim, as contradições, as dúvidas e os embates cotidianos do

ambiente escolar estão diretamente relacionados com as questões sociais do qual ela

está inserida. Vivemos numa sociedade onde as forças opressoras buscam perpetuar um

pensamento hegemônico. O educador e a sua práxis desempenham o papel de se

solidarizar e lutar pela emancipação dos oprimidos. Caso contrário, apenas colaboram

para a manutenção de um pensamento que reproduz a submissão social e o desapego a

existência autônoma.

De um lado toda relação pedagógica é fonte de tensão, de desequilíbrio, de

conflito, para aqueles que a vivem, na medida em que ela os implica naquilo que são, os

interroga, coloca em questão suas preferências, seus valores, seus atos, sua maneira de

ser, seu projeto de existência. (...) A educação é o lugar onde toda a nossa sociedade se

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interroga a respeito dela mesma, ela se debate e se busca: educar é reproduzir ou

transformar, repetir servilmente aquilo que foi, optar pela segurança do conformismo,

pela fidelidade à tradição ou, ao contrário, fazer frente à ordem estabelecida e correr o

risco da aventura; querer que o passado configure todo o futuro ou partir dele para

construir outra coisa (GADOTTI, 2010, p.43).

Na leitura de Gadotti (2010, p. 226), muitos pensadores defendem uma ação

pedagógica transformadora estruturada no engajamento do educador. Embora eles

reconheçam as dificuldades da construção e consolidação desta prática no ambiente

escolar oriundo de um pensamento educacional predominantemente capitalista e

excludente. A práxis docente engajada socialmente é conceituada como a ação que

expressa o que não foi dito, oportunizando uma nova ressignificação da realidade e

potencializando a emancipação dos educandos. O engajamento do educador e a práxis

docente de literatura, por meio do teatro e da subjetividade, potencializam a restituição

do indivíduo a ele mesmo, quando dessacralizam as verdades absolutas, as relações

humanas previsíveis e as respostas prontas. Em muitas unidades de ensino, a prática

docente repetitiva, autoritária e padronizada satura e engessa o conhecimento, que, por

sua vez, despersonifica a existência do ser humano. Dialoga-se com a compreensão de

que o saber prescrito não está desassociado da experimentação do mesmo pelos os

educandos, ou seja, problematiza se o que se ensina na sala de aula é o mesmo que o

estudante aprende ou não, e se aprende, como isto se protagoniza em algo favorável em

sua vida.

4 Considerações

Como a práxis docente de literatura, estruturada no teatro, na subjetividade e no

engajamento social do educador pode transformar o ambiente escolar e potencializar o

emancipação dos estudantes? Quais as significações (im)possíveis que a literatura pode

trazer para a diminuição do número de reprovação e de evasão escolar nas escolas da

rede pública? Uma das alternativas possíveis é a potencialização do ensino de literatura,

por meio de atividades docentes estruturadas em ações culturais (teatro, poesia e

música), marcadas por subjetividade (as relações humanas e seus vínculos afetivos) e

caracterizada por um engajamento social (educar para emancipar).

Muitas crianças, adolescentes e jovens abandonam a escola, por diversos

motivos, entre eles, a situação social de miséria e pobreza, a falta de estrutura familiar, a

aproximação com o tráfico e a violência geral, a baixa-estima, o desinteresse pelo

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ambiente escolar, as sucessivas reprovações e o desprendimento pela construção do seu

próprio futuro. Eles vivem impregnados de conformismo e invisíveis socialmente. Nesta

lógica perversa de descaso com estes jovens, não há tempo para uma política de

culpabilidade, e, sim, de (re)pensar as nossas responsabilidades enquanto docentes.

Lutar por uma escola que se aproxime dos seus sujeitos educacionais ao invés de

distanciá-los. Lutar pela elaboração de um currículo que reconheça a realidade e o

cotidiano dos estudantes ao invés de refletir valores excludentes e elitizados. Lutar pela

literatura que liberte ao invés de encarcerar os alunos na orfandade social. Lutar pela

práxis docente que defenda o protagonismo humano ao invés de defender a

arbitrariedade e a opressão. Neste contexto educacional e social, todas as iniciativas de

diálogo e problematização sobre os sentidos da escola e da práxis docente favorecem o

fortalecimento de uma escola democrática. As universidades públicas e privadas, as

secretarias de educação estaduais e municipais, as escolas e os movimentos sociais são

espaços privilegiados para a construção de um trabalho de parceria e cooperação que

vise uma escola pública qualificada e humana. Para Foerste (2005, p. 34), esta parceria

não pode afastar-se da pesquisa do cotidiano escolar, da investigação das

particularidades culturais e sociais que circundam os saberes e fazeres ofertados pelos

ambientes escolares e os saberes e fazeres adquiridos nas experiências vividas pela sua

comunidade estudantil:

Investigar o cotidiano da escola, os aspectos culturais que ali se manifestam

de múltiplas maneiras, mostram Lüdke e Moreira, é um movimento pelo qual

poderemos talvez tocar e compreender um pouco melhor a organização e o

funcionamento dos estabelecimentos escolares, as relações que ali se

estabelecem e os saberes que acabam sendo produzidos. Pensar reformas

educacionais descoladas do campo da prática educativa, sem discutir com os

profissionais de educação (universidade e escola básica) explicita uma visão

desfocada dos anseios democráticos, enfim, do verdadeiro papel da escola em

nossos dias no resgate da cidadania.

Dialoga-se sobre as práticas docentes que oportunizam a emancipação do corpo

discente. A escola como lugar de transformação e de apropriação do conhecimento, por

meio de um ensino literário inclusivo e prazeroso. Discutir o sentido da literatura

enquanto agente transformador do ser humano.

5 Referências

FOERSTE, Erineu. Parceria na formação de professores. São Paulo: Cortez. 1ª ed.,

2005.

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FREIRE, Paulo. HORTON, Myles. O caminho se faz caminhando: conversas sobre

educação e mudança social. Tradução: Vera Lúcia Mello Josceline. Petrópolis, Rio de

Janeiro: Vozes. 5ª ed., 2009. ___________. Shor, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Tradução:

Adriana Lopes. São Paulo: Paz e Terra. 13ª ed., 2011. ___________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.

São Paulo: Paz e Terra. 2011. GADOTTI, Moacir. Pedagogia da práxis. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire. 5ª

ed., 2010. GENTILI, Pablo. ALENCAR, Chico. Educar na esperança em tempos de

desencanto. Petrópolis. RJ: Vozes. 7ª ed., 2007. LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Tradução:

Alfredo Veiga-Neto. Belo Horizonte: Autêntica, 5ª ed., 2010. ___________. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira

de Educação, nº 19, p.20-28, São Paulo: Associação Nacional de Pós-Graduação e

Pesquisa em Educação, 2002. LEAHY-DIOS, Cyana. Língua e literatura. Uma questão de educação? Campinas,

SP: Papirus. 1ª ed., 2001. PERISSÉ, Gabriel. Literatura & Educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora. 1ª ed.,

2006.

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LEITURA, ESCOLA E FORMAÇÃO DO LEITOR NA PERSPECTIVA

DA PEDAGOGIA SOCIAL

Letícia Queiroz de Carvalho

Instituto Federal do Espírito Santo

RESUMO: O artigo discute a convergência entre o campo teórico da Pedagogia Social e

o lugar da leitura nas escolas, considerando os pressupostos da teoria da Educação

Social e da prática de ensino da literatura. Metodologicamente, pretende-se examinar o

tema por meio de uma revisão bibliográfica das produções de autores representativos da

Pedagogia Social e da formação do leitor literário, bem como de obras referenciais de

ambos os campos teóricos que sustentarão nossa abordagem. A partir dessas

aproximações teóricas, algumas hipóteses de trabalho com a leitura nas escolas serão

apresentadas em meio ao campo conceitual da práxis educativa social.

Palavras-chave: Pedagogia Social; ensino; leitura.

.

INTRODUÇÃO

A Literatura não é um luxo. O acesso ao texto literário é um direito e uma

necessidade premente à formação humana, seja por suas funções psicológica, educativa

e de conhecimento do mundo, as quais atuam tanto no percurso formativo da escola

quanto adentram as camadas profundas da personalidade do leitor, de modo que a

interação com a obra literária possibilita o seu reconhecimento e identificação cultural

como sujeito imerso no cenário social, desenvolvendo o afinamento das suas emoções e

a sua abertura para a sociedade e o seu semelhante (CÂNDIDO, 2000).

É por isso que leitura e escola apresentam-se como um binômio temático que

tem motivado uma profusão de reflexões nos círculos acadêmicos e gerado inúmeras

produções teóricas que buscam subsidiar o escopo dos pesquisadores e estudiosos da

área de Letras. Mesmo assim, o ensino da literatura evoca, em nossas lembranças

escolares, práticas ainda descoladas das relações sócio-históricas, com as quais nos

colocamos frequentemente em contato. Embora o discurso educacional aponte evidente

preocupação com o assunto e enfatize, cada vez mais, a importância da leitura na escola

como um processo decorrente da interação social, é perceptível o distanciamento entre

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os projetos teóricos sobre a literatura escolar e as práticas de leitura do texto ficcional

que se efetivam na sala de aula.

É importante ressaltar, pois, que esse quadro paradoxal presente na formação do

leitor literário, em que o discurso sobre a importância da leitura não é coerente com a

sua escolarização, deve-se, entre outros fatores, à indiferença dos sujeitos envolvidos

nas práticas leitoras em relação à natureza da linguagem literária, em muitas situações

24do ensino sequer considerada por apresentar recursos expressivos que ressaltam sua

polissemia e uma pluralidade de sentidos que povoam o universo textual a partir do

encontro entre o autor, a obra e o leitor, elementos que dialogam e agregam valores,

experiências e visões diferenciadas acerca do mundo, da cultura e das questões sociais

que se apresentam nessas relações entre a literatura e a vida.

Desse modo, torna-se natural e esperada a relação entre os livros, a sociedade e o

repertório intelectual da comunidade de leitores que participa da experiência da leitura,

atividade dialógica por natureza, principalmente por apresentar-se como espaço de

interlocução entre mundos que se cruzam a partir das muitas vozes sociais que emergem

no universo ficcional e reverberam de forma inconteste as tensões sociais que se recriam

na edificação textual das obras literárias.

Sabemos que as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos

e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios (BAKHTIN, 1997,

p.41). Nessa perspectiva, a palavra revela-se como produto das relações sociais em que

valores contraditórios se entrecruzam , tornando-se viva na interlocução entre os

sujeitos, de modo que a leitura configura-se nessa perspectiva como uma questão social

inconteste, em qualquer espaço potencialmente educativo no qual o texto literário não

represente apenas uma tarefa escolar ou um campo de ilustração da historiografia da

Literatura, mas sim uma ponte entre as experiências dos leitores e os traços verossímeis

das obras de ficção.

É por esse viés teórico que pretendemos discutir a convergência entre o campo

da Pedagogia Social e o lugar da leitura nas escolas, considerando os pressupostos da

teoria da Educação Social e da prática de ensino da literatura em uma perspectiva social.

Metodologicamente, pretende-se examinar o tema por meio de uma revisão

bibliográfica das produções de autores representativos da Pedagogia Social, bem como

de obras referenciais de ambos os campos teóricos que fundamentarão nossa

abordagem. A partir dessas aproximações teóricas, algumas hipóteses de trabalho com a

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leitura nas escolas serão apresentadas em meio às fundamentações teóricas basilares da

práxis educativa social.

Por isso, um breve contexto do surgimento da Pedagogia Social, bem como dos

seus pressupostos centrais será explicitado a seguir, para que as correlações propostas

fundamentem algumas proposições de práticas pedagógicas relativas à leitura na escola.

1. A PEDAGOGIA SOCIAL: ALGUNS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Em sua construção histórica, a Pedagogia Social já se constituía, de certa forma,

nos debates educacionais assumidos por filósofos e educadores, de Platão a Pestalozzi,

ainda que apresentassem à época uma perspectiva humanitária, filosófica ou política;

esses pensadores podem ser considerados precursores da Pedagogia Social. A primeira

obra que apresenta uma sistematização dessa ciência é publicada em 1898, escrita por

Paul Natorp e intitula-se ―Pedagogia Social. Teoria da educação e da vontade sobre a

base da comunidade‖, espaço em que o autor traz para a discussão educacional o

conceito de comunidade em oposição ao individualismo que era, ao seu ver, a causa dos

conflitos sociopolíticos da Alemanha. Por isso, propõe uma teoria sobre a Educação

Social como saber prático e teórico (MACHADO, 2008).

Caliman (2006) ressalta que o termo ―Pedagogia Social‖ é de origem alemã e foi

utilizado inicialmente por K. F. Magwer em 1844, na "Padagogische Revue", e mais

adiante por A. Diesterweg (1850) e Natorp (1898), autor que a analisa como disciplina

pedagógica, em meio às problemáticas sociais que emergiram no contexto alemão,

oriundas da industrialização, a partir da metade do século XIX, fatores que motivaram

tal sistematização da pedagogia social como ciência e como disciplina.

A Pedagogia Social emerge no contexto educacional brasileiro, a partir dos

processos sociais de redemocratização presentes em nosso país, na década de 80,

momento em que se institui, no dizer de Silva (2011), um novo marco normativo à

Constituição de 1988 e um cenário favorável à adoção desse referencial teórico como

uma Teoria Geral da Educação Social no Brasil.

Estima-se que esse campo teórico seja mais reconhecível em nosso país a partir

da educação não formal, dos movimentos sociais, das organizações não governamentais

e dos programas de projetos sociais - públicos e privados - que proponham novas

formas educativas que intervenham não apenas nos problemas escolares, mas também

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nas demandas resultantes das profundas mudanças da contemporaneidade, as quais não

se inscrevem apenas no ambiente da escola.

A Pedagogia Social também tem sido apresentada à sociedade brasileira

alinhada à concepção freireana de educação crítica e transformadora, a partir da qual se

constitui a base teórica que inspira o pensamento de intelectuais brasileiros dedicados à

sistematização do desenvolvimento desse campo acadêmico em nosso país, destacando-

se a ressocialização do indivíduo pela via da cultura, do trabalho e do resgate da sua

individualidade como cidadão que participa do movimento histórico-social do seu

tempo.

Ao defender uma educação que conscientizasse os homens da sua condição

social, Freire, de certa forma, posicionou-se contra os padrões oficiais de cultura, pois

para o autor

O importante, do ponto de vista de uma educação libertadora, e não

―bancária‖, é que, em qualquer dos casos, os homens se sintam sujeitos de

seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada

implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus companheiros

(FREIRE, 1987, p.69)

Paulo Freire reconhece a importância das relações humanas com a realidade no

contexto das práticas educativas, uma vez que o resultado de estar imerso na vida social,

seja criando, seja recriando ou decidindo, permite que esse homem dinamize, humanize,

domine essa realidade, acrescentando-lhe algo, produzindo cultura, em uma postura de

vida não estática e criadora (FREIRE, 1967, p.43).

Em diálogo com a concepção educacional dialógica, participativa e

transformadora preconizada por Freire, o pesquisador Geraldo Caliman (2010, p.344)

ressalta que a Pedagogia Social, em meio a concepções distintas no cenário mundial,

pode ser caracterizada em nosso contexto como pedagogia voltada para a assistência em

casos de necessidade, com intenção preventiva e compensatória ou ainda atuar

criticamente em resposta às demandas sociais pautadas na solidariedade por meio do

desenvolvimento do voluntariado nas instituições de acolhida, prevenção, recuperação,

reinserção social, ou seja, ―uma pedagogia orientada para a ajuda e para o

empowerment da solidariedade social e cidadã‖.

Pinel, Colodete e Paiva (2012, p.2) esclarecem que os termos Pedagogia Social e

Educação Social não são sinônimos, pois a Pedagogia Social é uma disciplina científica;

uma teoria que irá fundamentar as ações da Educação Social, que é uma práxis. Os

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autores lembram também que uma está intrinsecamente ligada à outra, ―mesmo que se

diferenciem na produção discursiva (Pedagogia Social) para criar tentativa de

sustentação de uma práxis (Educação Social)‖.

A construção histórica da Pedagogia Social remete-nos ao contexto alemão do

final do século XIX, momento marcado por um quadro social crítico gerado pela

Primeira Guerra Mundial, cenário descrito por Machado (2008, p.3), ao considerar que

(...) a Pedagogia Social enfatiza o atendimento a problemas públicos da

sociedade da época, relacionados à infância abandonada, a jovens

inadaptados ou delinqüentes, a grupos marginalizados, à terceira idade, à

animação sócio-cultural, à educação permanente. Estabeleceu-se nesse

período, no país, uma política de atendimento às necessidades sociais,

objetivando melhoria de qualidade de vida do povo, com leis de apoio social

e assistencial à infância e à juventude, apoio às instituições sócio-

pedagógicas e aos trabalhadores.

Portanto, a práxis educativa dessa ciência reitera, desde as origens, a sua

proximidade dos grupos de desvalidos, marginalizados ou inadaptados na sociedade os

quais sempre buscaram condições de vida pautadas em melhorias qualitativas apoiadas

em leis e políticas públicas. Nesse sentido, as dimensões teórico-epistemológicas que se

configuram no estatuto acadêmico da Pedagogia Social poderão dialogar com essas

necessidades humanas, ainda presentes em nosso cenário, bem como orientar novas

práticas e ações que proponham caminhos menos desiguais para esses sujeitos.

Para enfrentar tais questões, pensadores, estudiosos atuantes nessa área do

conhecimento propõem a partir do IV Congresso Internacional de Pedagogia Social o

reagrupamento das práticas de Educação popular, social e comunitária em quatro

domínios distintos: 1- Domínio sociocultural; 2- Domínio sociopedagógico; 3- Domínio

sociopolítico e 4 – Domínio epistemológico, os quais convergem para a consolidação da

práxis da Educação Social, a partir da desconstrução da dicotomia formal x não formal.

Assim, a recuperação das dimensões histórico-culturais por meio de processos

artísticos, em suas múltiplas manifestações e modalidades, bem como o

desenvolvimento de habilidades e competências sociais capazes de levar os sujeitos

menos favorecidos à superação de condições marginalizadas com as quais possam se

deparar e o estímulo a práticas que propiciem o protagonismo e a participação política

desses cidadãos por meio da sistematização de princípios epistemológicos que

colaborem no enfrentamento da exclusão social, têm sido basilares para os aspectos

teórico-práticos presentes nas ações socioeducativas.

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Os objetivos da Pedagogia Social inserem-se, portanto, em um projeto de

sociedade em que todos os espaços e todas as relações sejam essencialmente

pedagógicos, a fim de se constituírem como parte entre a Educação Escolar formal e a

Educação não formal e possam elevar - se ao status de política pública, por meio da

observação dos seus princípios basilares: uma concepção de Educação como a própria

essência das relações do ser humano, consigo mesmo, com o outro, com a vida e com o

meio ambiente (SILVA, 2011).

Por isso, o viés da alteridade e do diálogo é traço essencial nas relações escolares

orientadas pelos princípios da Pedagogia Social, ciência que reitera em sua perspectiva

sociocultural a necessidade da recuperação das dimensões históricas, culturais e

políticas do público alvo desse tipo de intervenção pedagógica, a partir dos sentidos

produzidos nas interações em que as manifestações humanas se expressem por meio da

Arte, da Cultura, da Religião e do Esporte.

A partir dessas considerações, sob que ótica poderá ser pensado o ensino da

Literatura em diálogo com os princípios e domínios presentes na base epistemológica da

Pedagogia Social? As práticas de leitura na escola poderão se alinhar

metodologicamente ao quando teórico que embasa a ciência da Educação Social? Como

despertar o prazer pela leitura a partir da natureza social da Literatura?

A seguir, realizaremos algumas aproximações entre a leitura na escola e a

Pedagogia Social, destacando-se as especificidades do domínio sociocultural dessa

ciência, o qual permeia as atividades culturais dos sujeitos leitores, para que possamos

vislumbrar possíveis caminhos a esses questionamentos.

2. A LEITURA NA ESCOLA SOB A ÓTICA DA PEDAGOGIA SOCIAL

A literatura enquanto objeto de ensino tem suscitado debates e preocupações no

meio educacional. De um lado, estudiosos da área defendem o seu lugar na escola e o

viés pedagógico a ela atribuído por currículos e documentos oficiais; em contrapartida

há os que acreditam nos efeitos nocivos da escolarização da leitura para a formação

cultural do aluno.

Embates à parte, acreditamos na concepção humanizadora e formativa da

literatura proposta por Candido (2002, 2004), na qual o texto literário extrapola as

pretensões pedagógicas e curriculares presentes na escola e dialoga de forma intensa

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com a realidade social e as questões do nosso tempo. Se reconhecermos a importância

da literatura como componente cultural vinculado à nossa formação, seremos capazes de

criar situações na sala de aula em que os principais problemas que afetam o ensino de

literatura na educação sejam substituídos por uma prática docente pautada no diálogo,

na leitura efetiva das criações ficcionais e no reconhecimento das experiências dos

nossos alunos-leitores no ato de ler.

Quando Gonçalves (2002) analisa as relações entre educação e literatura,

encontramos algumas ideias que dialogam com nossas práticas ainda repletas de fissuras

entre o que teorizamos e o que podemos fazer com os livros e a leitura em suas

múltiplas vertentes na escola. Esse autor lembra que, na prática cultural

(...) a literatura não se situa no território de sombras de uma tradição de

cultura falida – algo feito para fruição e enfeite: ela é conhecimento

produzido historicamente, além de ocupar, na prática cultural, um lugar de

privilégio como exercício de liberdade, de inquietação e de perplexidade.

(2002, p.18)

Candido (2002) ressalta em seu texto ―A literatura e a formação do homem‖ que

a função educativa da Literatura é bem mais complexa do que é estabelecido

pedagogicamente na escola, pois no dizer do teórico a formação do leitor segundo a

pedagogia oficial costuma enfatizar a leitura como uma prática ideológica que veicula a

tríade famosa – O Verdadeiro, o Bom e o Belo, definidos de acordo com os interesses

de grupos dominantes, para que suas concepções e valores sejam reforçados.

Concordamos com o autor, quando afirma que a Literatura ―(...) Longe de ser

um apêndice da instrução moral e cívica (esta apoteose matreira do óbvio, novamente

em grande voga), ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa como

ela, — com altos e baixos, luzes e sombras (CANDIDO, 2002, p.84).

Alinhado à concepção social de Candido, Todorov (2009, p.76) ressalta a

amplitude do texto literário em sua relação com a formação do leitor em suas condições

concretas de vida, ou seja, uma construção textual que pode estabelecer interlocuções

com o mundo e o percurso de cada um de nós, afinal

A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos

profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres

humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos

ajudar a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para

com a alma; porém, revelação do mundo, ela pode também, em seu percurso,

nos transformar a cada um de nós a partir de dentro.

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Nessa perspectiva, emerge a seguinte questão: sob que ótica, a Pedagogia Social

poderá contribuir para que o ensino da Literatura e a formação do leitor possam

efetivamente sensibilizar escola, professores e alunos para a necessidade do texto

literário no processo formativo humano?

Essas questões são fundamentais, na medida em que a leitura na escola precisa

constituir-se como espaço dialógico por excelência, em que os textos provoquem nos

leitores respostas advindas das suas experiências sociais, dos seus repertórios de leitura

e da sua abertura para as situações que permeiam seu percurso formativo como cidadão,

a partir da consideração da historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos da

aprendizagem; o respeito aos valores estéticos, políticos e éticos da educação nacional,

na perspectiva do desenvolvimento para a vida em sociedade.

Desse modo, o enfoque na história da literatura e no estudo dos textos dos

autores clássicos em detrimento de autores da contemporaneidade, a escolarização da

leitura literária, a utilização do livro didático como instrumento principal na exploração

da leitura literária, o ensino de literatura voltado para o vestibular e a prevalência de

uma proposta curricular ainda centrada numa concepção tradicional de ensino (JESUS,

2010, p.12) deverão dar lugar à interlocução entre o texto literário e a prática social.

A dimensão sociocultural da ciência da Educação Social pressupões aspectos

básicos, tais como: a) uma concepção dinâmica do ser humano e do social; b)

indivíduos e grupos responsáveis e comprometidos na definição e na gestão da sua

comunidade, e dos interesses e aspirações da mesma; c) uma tecnologia participativa e

ajustada a cada situação (COSTA, 2006).

A animação sociocultural, conceito fluido e ambíguo, sobre o qual não cabem

aqui maiores aprofundamentos, pode ser considerado muito mais do que apenas práticas

criativas ou de participação cultural comunitária, já que implica uma postura de vida e

uma concepção de homem e de sociedade em que as formas de fazer e viver

caracterizam um projeto de pessoa e de sociedade na qual cada indivíduo edifica o seu

próprio percurso na interação com os outros, no contexto de suas vivências.

A presença do professor nas aulas de Literatura poderá se alinhar à tendência da

animação sociocultural hodierna da mediação, cuja função imanente apresenta-se

correlata à ideia de ―por em relação‖, ressaltando uma postura para além do caráter

intervencionista e paradigmático dos projetos de leitura, os quais deverão observar

alguns caminhos metodológicos para o trabalho com o texto literário na escola, tais

como:

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a) Contextualização das condições de produção do texto a ser lido: apresentação aos

alunos de dados e curiosidades sobre o autor da obra e do momento histórico em que o

texto foi criado, ou seja, um breve quadro social desse contexto de criação do livro, para

que se busquem relações entre esse momento de produção e o momento vivido pelos

alunos-leitores.

b) Postura dialógica prévia à leitura: a partir das ilustrações, título, capa, contracapa,

orelha do livro, enfim, dos elementos paratextuais que compõem o objeto de leitura,

pode ser criado rico momento de interlocução entre professor e aluno, por meio de

questionamentos e inferências que trarão novos sentidos e concepções para o texto a ser

lido.

c) Diálogo entre o texto literário e outros artefatos e produções culturais: o texto

não se encerra no livro, pois traz em seu bojo a aproximação e a recriação da realidade,

por isso torna-se mais vivo se posto em diálogo com outras produções culturais –

filmes, músicas, peças de teatro, exposições de arte – que abordem temas, cenários e

contextos em que se possa ampliar a discussão iniciada pelo livro.

d) Estímulo à responsividade do aluno-leitor: o leitor ativo, participante e responsivo

é aquele que responde às provocações do texto literário. Tal possibilidade será

estimulada pela mediação do professor, por meio de perguntas, da leitura compartilhada,

das relações propostas entre o que se lê e o que circula socialmente em revistas, jornais,

televisão, internet e redes sociais.

e) Avaliação da leitura: as propostas avaliativas que se reduzam a fichas, questionários

ou questões formais em provas precisam ser abolidas da proposta docente no ensino da

Literatura. Devem ser pensados momentos de leitura que resgatem o repertório cultural

dos alunos, de modo a inseri-lo em debates e situações didáticas que analisem, discutam

e problematizem as questões sociais e humanas que atravessam os textos literários.

f) Ser um professor leitor: a mediação entre a leitura e os alunos será tão mais

interessante e significativa, à medida que o professor também seja um leitor das obras

com as quais propõe leituras e atividades. Conhecer antecipadamente o livro que a

turma lerá é condição essencial para a criação de atividades, questões e situações

criativas que acompanharão o processo.

Esses caminhos precisam ser agregados ao planejamento de uma prática leitora

em que se considere o aluno e a sua recepção do texto proposto, bem como a leitura

como espaço interlocutivo não apenas no contexto da escola, mas principalmente nos

espaços sociais pelos quais os alunos transitam e se constituem como cidadãos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo buscou aproximações entre os princípios teórico-metodológicos da

Pedagogia Social e o ensino da Literatura, por meio do diálogo entre os domínios

teóricos que fundamentam a ciência da Educação Social e a leitura como uma prática

inserida em um contexto social amplo, no qual a heterogeneidade cultural e discursiva,

bem como as questões da sociedade que permeiam as relações humanas precisam ser

agregadas ao trabalho com os livros.

Os caminhos metodológicos para o trabalho com a leitura escolar podem ser

pensados na perspectiva do encontro e do viés discursivo da linguagem, o qual

considera a diversidade das vozes e das concepções que permeiam o universo dos

nossos alunos, a partir das suas vivências e da forma como enxergam o mundo pela

ótica da ficção.

Quando se resgatam para as aulas de Literatura os princípios da Pedagogia

Social, resgatam-se também valores, temas, tensões e concepções que se apresentam nos

enredos ficcionais e nas vivências dos personagens, os quais embora seres habitantes do

mundo da invenção metaforizam as angústias, alegrias e subversões humanas, de modo

a fazer eclodir no contexto da sala de aula uma sensibilização e afinamento dos traços

de humanidade dos leitores.

Cabe, portanto, ressaltar que ler na perspectiva da Pedagogia Social é despertar

o aluno-leitor para as suas potencialidades como ser humano e social, de modo a

instigá-lo a pensar em si, na sociedade em que vive e nas possibilidades de transpor

determinismos a partir do universo ficcional.

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