Programa de prevençao de Quedas no idoso
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Programa de Prevenção de Quedas no Idoso Cristina S. Luzio (Ft), F. Vaz Garcia (ORL),Teresa Benzinho (Ft),
V. Gabão Veiga (ORL) EQUI - Clínica da Vertigem e Desequilíbrio Lda. / Lisboa – Portugal
Resumo O presente artigo tem por objectivo partilhar a experiência dos AA na implementação de um programa de
prevenção de quedas no idoso, no âmbito da reabilitação vestibular.
Cerca de 1/3 das pessoas com idades superiores a 65 anos, sofrem anualmente de quedas, sendo as lesões
resultantes frequentemente fatais. As quedas são, pois, uma ameaça real à capacidade de viver de modo
autónomo e constituem um problema sério de Saúde Pública, cujo peso sócio-económico tem acompanhado o
aumento da população idosa. Tais factos justificam a intervenção nesta área.
O Programa de Prevenção de Quedas seguido pelos AA, tem como objectivos promover a segurança, autonomia
e independência do doente, diminuindo ou minimizando os riscos de quedas, através do aconselhamento de
alterações a introduzir no seu ambiente (para muitos idosos, a casa pode ser um local perigoso), desenvolver
estratégias de equilíbrio adequadas e eficazes, aumentar os limites de estabilidade, diminuir o medo de cair e
incentivar a actividade no seu dia-a-dia. Para os referidos objectivos serem cumpridos realizam-se exercícios
específicos, de dificuldade progressiva, de modo a manter ou aumentar a autonomia e segurança do doente e,
consequentemente, conseguir uma melhor qualidade de vida.
Keywords: envelhecimento, desequilíbrio, factores de risco, quedas, medo de cair.
Envelhecimento e Quedas
Segundo a OMS (2002), o número de indivíduos com mais de 65 anos vai duplicar nas próximas
cinco décadas, o que levará a que as doenças associadas ao envelhecimento assumam proporções
importantes.
O envelhecimento é um processo que se caracteriza pela degradação natural do organismo,
registando-se alterações a vários níveis (Herdman, 2002):
• músculo-esquelético – diminuição da força muscular, sobretudo nos membros inferiores e,
em especial, nas articulações tíbio-társicas e pés, diminuição da “flexibilidade” muscular,
aparecimento de artroses e alterações posturais (nomeadamente cifose dorsal que modifica a
posição no espaço dos canais semicirculares e órgão otolítico);
• cárdio-respiratório – diminuição da tolerância ao esforço;
• neurológico – aparecimento de neuropatias periféricas, reflexos mais lentos, estratégias
posturais desorganizadas;
• vestibular – perturbação dos receptores vestibulares, com diminuição do número de células
ciliadas e neurónios vestibulares e alterações degenerativas das máculas otolíticas, o que
origina diminuição do ganho do reflexo vestíbulo-ocular e risco de VPPB;
• visual – diminuição da acuidade visual (particularmente durante o movimento cefálico), da
capacidade de acomodação visual, da perseguição ocular de alvos que se desloquem a
velocidades uniformes, da nitidez dos contrastes, da incapacidade de adaptação ao escuro e,
em certos casos, de alterações da profundidade do campo visual;
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• proprioceptivo – alterações na sensibilidade vibratória, diminuição da sensibilidade da planta
do pé, diminuição da capacidade de detectar a mobilização passiva do pé e aumento do
tempo de resposta dos músculos efectores;
• cognitivas, de coordenação motora (que obriga a movimentos mais lentos) e de
concentração, que se traduzem na dificuldade em realizar simultaneamente duas ou mais
tarefas (por exemplo conversar e caminhar).
Perante a conjugação das múltiplas alterações decorrentes do envelhecimento, a possibilidade de
uma queda torna-se inevitável, instalando-se medo de cair logo após a primeira queda ou “quase-
queda”.
Como factores intrínsecos das quedas indicam-se patologias artríticas, síndromas depressivos,
hipotensão postural, alterações cognitivas, visuais, do equilíbrio, da marcha e da força muscular,
tonturas/vertigens, síncopes e polimedicação [a relação entre as quedas e a administração de
múltiplos fármacos, pelo menos 4, é cada vez mais evidente (Tinetti, 2003), salientando-se que
muitos deles actuam ao nível dos centros de integração sensorial e do controlo motor, exacerbando
os défices fisiológicos já existentes]. Dos factores de risco extrínsecos das quedas salienta-se a
fraca ou má iluminação da casa (especialmente no período nocturno, entre o quarto e a casa de
banho), superfícies irregulares ou escorregadias, tapetes soltos, escadas íngremes ou irregulares,
objectos no caminho, vestuário e calçado inadequado, móveis inadequados, inexistência de corrimão,
especialmente na banheira.
As quedas são uma das causas predominantes de mortalidade e morbilidade do idoso. As suas
consequências vão desde lesões mínimas a patologias graves, que provocam drástica diminuição da
funcionalidade, independência e qualidade de vida, e conduzem, por vezes, à morte (Eckert, 1998).
Mais de 1/3 dos indivíduos com mais de 65 anos caem todos os anos (Tinetti, 2003) e, em metade
destes casos, as quedas são recorrentes. Aproximadamente, 1 em cada 10 quedas causam lesões
graves, nomeadamente fracturas do colo do fémur e de Colles, e hematomas subdurais. As quedas
perfazem cerca de 10% das entradas nas urgências hospitalares, das quais 6% determinam
internamento (Tinetti, 2003).
Todos estes factores traduzem-se em dificuldades no dia-a-dia do idoso, e contribuem para a
diminuição do seu nível de actividade, tornando-o progressivamente mais incapacitado e dependente,
o que traz como consequência quadros de depressão, isolamento e solidão (Herdman, 2002).
O aumento da população idosa, e consequentemente das quedas e suas complicações, tem
agravado as implicações sócio-económicas, e a necessidade de intervenção, na área da Geriatria,
visando a identificação dos factores de risco de quedas e a sua prevenção.
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Programa de Prevenção de Quedas no Idoso Antes de iniciar o Programa de Prevenção de Quedas, o doente é submetido a consulta médica, onde
é avaliado/identificado o défice multisensorial e consequente ingresso no programa. São
identificados os factores intrínsecos do risco de queda e pedidos os necessários exames
complementares de diagnóstico. Caso se justifique, o doente é encaminhado para outras
especialidades médicas.
A avaliação, por parte do Fisioterapeuta, inclui a identificação dos factores extrínsecos de risco de
queda, como as condições e características da casa do doente, com quem vive, etc. É ainda
importante a descrição e frequência das quedas e das “quase-quedas”, bem como a história anterior
relevante.
O Exame Objectivo permite a identificação dos factores intrínsecos do risco de queda, para os quais
será orientada a intervenção. O doente realiza uma Posturografia, na Plataforma Móvel Passiva
Multisegmentos – STATITESTTM, que permite realizar um teste sensorial que avalia o contributo das
aferências somatosensorias, visuais e vestibulares para a manutenção do equilíbrio, ao longo das
diferentes condições de teste (olhos abertos e fechados, em plano fixo e móvel). São ainda avaliadas
as estratégias de equilíbrio, o registo simultâneo das oscilações ao nível da anca e cabeça, eventuais
desvios do centro de gravidade, o controlo motor a estímulos desequilibrantes e a prova de Fukuda.
O Get up and go Test avalia sobretudo a marcha – o doente levanta-se de uma cadeira, caminha
cerca de três metros, dá meia volta, senta-se e repete o mesmo exercício com rotação em sentido
oposto. É considerado eventual desequilíbrio na rotação do corpo, simetria e firmeza dos passos e a
facilidade em sentar-se e levantar-se. A cotação pode oscilar entre 1 (sem qualquer sinal de
instabilidade) e 5 (onde há um risco permanente de queda).
Opcionalmente pode também ser realizada a Prova de Tinetti, composta de 2 partes, consistindo a 1ª
em provas de equilíbrio estático, com os parâmetros a serem classificados em Normal, Adaptado ou
Anormal; e a 2ª parte numa avaliação do equilíbrio dinâmico, através da análise da marcha, sendo a
classificação binária – Normal ou Anormal.
Para avaliar a qualidade de vida é utilizado como instrumento de medida o Dizziness Handicap
Inventory (DHI), que investiga múltiplos aspectos da vida diária e a sua correlação com os distúrbios
do equilíbrio, permitindo avaliar a importância relativa das dimensões Física, Funcional e Emocional
do desequilíbrio.
Os objectivos de intervenção são definidos a curto, médio e longo prazo, desempenhando o doente,
respectiva família e/ou prestadores de cuidados, um papel activo. Os objectivos gerais do programa
visam evitar as quedas e, para tal:
• Desenvolver e aperfeiçoar as estratégias de equilíbrio mais adequadas e eficazes;
• Aumentar os limites de estabilidade;
• Reduzir ou, se possível, eliminar o medo de cair;
• Incentivar a actividade e o dia-a-dia habitual;
• Aperfeiçoar a segurança, autonomia e independência do idoso e, deste modo, melhorar a
sua qualidade de vida;
• Aumentar a segurança no lar, para que o idoso lá possa permanecer.
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Figura 1 – Doente a apanhar objecto do chão
O plano de intervenção é igualmente elaborado a curto, médio e longo prazo, visando atingir os
objectivos previamente estabelecidos (específicos para cada geronte). Estes objectivos são
discutidos com o doente, respectiva família e/ou prestadores de cuidados; do mesmo modo são
analisados aspectos práticos como a periodicidade das sessões, o meio de transporte ou a
necessidade do uso de auxiliares de marcha (ainda que com carácter mais ou menos temporário).
O Fisioterapeuta deverá enfatizar as consequências de possíveis quedas e fornecer orientações
sobre autonomia e segurança, podendo disponibilizar catálogos com material adaptado a cada
doente e respectiva habitação, de acordo com as suas necessidades expressas; pode também
entregar um folheto onde se reúnem sugestões para modificações a introduzir na casa e conselhos
práticos para um dia a dia mais seguro (colocar uma luz de presença no quarto de dormir, tapete
anti-derrapante na banheira, ou mesmo um banco para se sentar durante o banho,
retirar fios eléctricos do chão, tapetes, etc.). É prioritário o idoso continuar a viver
no seu meio habitual, realizar as suas actividades de vida diária de modo
independente mas com a máxima segurança (identificação e eliminação de riscos
extrínsecos de queda do lar), e não descurar os benefícios da actividade física.
O programa é iniciado com o ensino de actividades simples (como sentar e
levantar, apanhar um objecto do chão (Figura 1), etc., de acordo com as
necessidades individuais; evolui depois de acordo com as capacidades do idoso,
em graus de dificuldade crescente.
São realizados também exercícios em solo firme, incluindo progressivamente obstáculos (Figura 2) e
superfícies instáveis (Figura 3), com vista ao treino de transferências de peso, com correcção de
eventuais desvios do centro de gravidade, dissociação das cinturas pélvica e escapular, e
desencadeamento, desenvolvimento e aperfeiçoamento de
estratégias de equilíbrio.
Gradualmente o geronte é colocado perante situações de
conflito sensorial de dificuldade crescente, associando
diferentes condições proprioceptivas (como solo firme,
espuma, trampolim, Plataforma de Bessou) e visuais (como
diminuição de luminosidade ou introdução do estimulador
optocinético em campo total), de modo a solicitar a
utilização das estratégias de equilíbrio previamente
treinadas.
É fundamental que o Fisioterapeuta procure permanentemente que os exercícios tenham aplicação
prática no dia-a-dia, de acordo com as dificuldades relatadas pelo doente.
A utilização do estimulador optocinético está principalmente indicada em idosos com prevalência do
componente visual, identificada na Posturografia, ou quando persista um nistagmo espontâneo
vertical descendente.
Os exercícios podem ainda ser realizados na plataforma STATITESTTM, solicitando a todo o momento
o recurso às estratégias de equilíbrio. As plataformas dinâmicas computorizadas (todas elas) têm a
vantagem de registar os resultados obtidos, permitir um feed-back visual e/ou sonoro, e, de certa
forma, tornar os exercícios mais apelativos. Estes podem ser realizados sob várias condições
proprioceptivas (quer em plano fixo, quer sobre espuma, trampolim ou na Plataforma de Bessou),
Figura 2 – Doente a realizar Treino com obstáculos / subir e descer degraus
Figura 3 – Doente a realizar exercícios em superfície instável (espuma)
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diferentes condições visuais (olhos abertos ou fechados), e sujeitando o doente a conflitos sensoriais,
de acordo com as suas perturbações de equilíbrio e os objectivos previamente estabelecidos .
Bibliografia
Eckert H. Balance – To Stand of Fall in The American Academy of Physical Education – The academy paper: Physical Activity and Aging. Berkeley, University of California, 1998; 37-41 Pélissier J, Brun V, Enjalbert M. Posture, Équilibration et Médicine de Rééducation. Paris: Masson, 1993; 199-231 Tinetti M. Preventing Falls in Elderly Persons. The New Journal of Medicine, 2003; 384;1: 42-49 Whitney S. Tratamento do Idoso com Disfunção Vestibular. In S. J. Herdman, Reabilitação Vestibular. Brasil: Editora Manole Ltda, 2002; 505-528 (Comunicação apresentada no XXX Congresso do NES, realizado no Porto, em 2003)