Processo psicoterapêutico e reconfiguração familiar em ......Oncológica de Anápolis (ACCG) e da...
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Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt- terapia de Goiânia
Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em nível de Especialização
na Abordagem Gestáltica
Processo psicoterapêutico e reconfiguração familiar
em enlutados: um estudo fenomenológico
Cristiane Batista Silva
Cynthia Quinan Fleury
Goiânia- GO
Junho de 2009
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Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia
Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em nível de Especialização
na Abordagem Gestáltica
Processo psicoterapêutico e reconfiguração familiar
em enlutados: um estudo fenomenológico
Cristiane Batista Silva
Cynthia Quinan Fleury
Artigo apresentado ao
Instituto de Treinamento e
Pesquisa em Gestalt- terapia
de Goiânia como requisito à
conclusão do curso de
Especialização Latu-Sensu em
Gestalt-terapia.
Orientadora: Marta Carmo.
Goiânia-GO
Junho de 2009
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Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia
Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em nível de Especialização
na Abordagem Gestáltica
Folha de Avaliação
Título: Processo psicoterapêutico e reconfiguração familiar em
enlutados: um estudo fenomenológico
Autoras: Cristiane Batista Silva
Cynthia Quinan Fleury
Goiânia, 15 de julho de 2009.
Banca Examinadora:
________________________
Ms. Marta Carmo
Orientadora
________________________
Ms. Celana Cardoso Andrade
Psicóloga Convidada
________________________
MS. Danilo Suassuna Martins Costa
Psicólogo Convidado
Nota Final: ____________
Goiânia-GO
Junho de 2009
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Processo psicoterapêutico e reconfiguração familiar em enlutados: um estudo
fenomenológico1
Cristiane Batista Silva 2
Cynthia Quinan Fleury 3
Marta Carmo4
Resumo: O presente estudo buscou investigar aspectos referentes ao luto e seus efeitos no contexto
familiar. Verificou-se de que maneira a família se reconfigura perante a vivência de luto e de que
forma a psicoterapia familiar na abordagem gestáltica pode contribuir nesse processo. Para tanto, foi
realizada uma pesquisa embasada no método fenomenológico de Giorgi (1985). Participou da
pesquisa uma família composta por três colaboradores adultos que vivenciaram o luto em sua família
devido à perda de um ente querido (esposa/mãe). Realizou-se entrevistas individuais com cada
participante que foram gravadas, transcritas e analisadas. Os resultados encontrados evidenciam
aspectos comuns às experiências de todos os membros entrevistados, sendo que suas falas apresentam
várias semelhanças, coerências e concordâncias entre si. Ao findar do estudo pode-se perceber que o
maior auxílio da psicoterapia familiar de base gestáltica para essa família foi a reconfiguração das
relações familiares e a ampliação da consciência.
Palavras-chave: reconfiguração familiar; processo de luto; processo psicoterapêutico; método
fenomenológico; Gestalt-terapia.
Abstract: This study aimed at investigating features related to mourning and its effects on a family
context. The way a family reconfigures when experiencing the mourning and in which way family
psychotherapy in the Gestalt-therapy approach can contribute to this process were investigated. In
order to do so, a research based on Giorgi (1985) phenomenological method was carried out. Three
adult collaborators, which experienced mourning in their family due to the loss of a member
(wife/mother), took part of the research. Individual interviews were carried out with each contributor,
and were recorded, transcribed and analyzed. The results found showed common aspects within all
interviewed members experiences, and each speech presented several similarities, coherencies and
agreements. By the end of the study it can be seen that the major contribution of the Gestalt-therapy
based family psychotherapy to this family were the family relationship reconfiguration and the
expansion of the conscience.
Keywords: family reconfiguration; mourning process; psychotherapy process; phenomenological
method; Gestalt-therapy.
A vida é cheia de mudanças inerentes e necessárias – dentre elas separações e
morte. A morte, que também envolve separação, se mostra em suas diversas formas,
1Artigo apresentado ao Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT)
como requisito para a conclusão do curso de Especialização Lato Sensu em Gestalt-terapia,
chancelado pela Universidade Católica de Goiás (UCG). 2 Psicóloga graduada pela Universidade Paulista (UNIP), especializanda em Gestalt-terapia pelo
ITGT. Psicoterapeuta do Ambulatório de Psicologia Infantil do Hospital das Clinicas (HC/UFG). E-
mail: [email protected]. 3 Psicóloga graduada pela UCG, especialista em Psicologia da Saúde e Hospitalar pelo Instituto de
Ensino e Pesquisa (IEP) e especializanda em Gestalt-terapia pelo ITGT. Psicóloga da Unidade Oncológica de Anápolis (ACCG) e da Santa Casa de Misericórdia de Anápolis. E-mail: [email protected]. 4 Orientadora deste artigo. Psicóloga, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela UCG e
Especialista em Gestalt-terapia pelo ITGT. Editora associada da Revista da Abordagem Gestáltica,
professora do curso de Psicologia na UCG, professora do curso de especialização em Gestalt-terapia
do ITGT e psicoterapeuta na Alter Consultórios de Psicologia. E-mail: [email protected].
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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mas a sua expressão é sempre a mesma: de perda. Especialmente no âmbito da
família, e considerando-se os diferentes momentos de seu ciclo de vida, o impacto
causado pela morte de um dos seus membros precisa ser cuidadosamente avaliado,
de maneira que essa avaliação conduza a uma intervenção adequada e necessária a
esse momento tão delicado (Zinker, 2001). É nesse contexto que se realiza a presente
pesquisa.
A proposta deste estudo é investigar os aspectos referentes ao luto e seus
efeitos no contexto familiar, verificando também a possibilidade de contribuição da
psicoterapia familiar de base gestáltica no processo de reconfiguração em uma
família enlutada. Busca-se entender o processo de desorganização pelo qual a família
se depara e a necessidade de encontrar diferentes formas de adaptar-se a sua nova
estrutura, a fim de reorganizar-se. Levando em consideração a compreensão da
singularidade de cada membro da família no processo de luto.
Esta pesquisa justifica-se pelo fato da morte ser pouco percebida
na totalidade de seu impacto pelos teóricos das relações familiares, pois se conhece
muito acerca do luto individual e pouco sobre o familiar, já que a literatura sobre este
na abordagem gestáltica é bastante escassa. Nesse sentido, são abordados conceitos
utilizados pela Gestalt-terapia os quais são relevantes para a compreensão de família
e aspectos pertinentes a temática tratada: morte e reconfiguração familiar.
Para tanto se propõe uma questão norteadora – Será possível o processo
psicoterápico alicerçado na abordagem gestáltica favorecer a reconfiguração familiar
funcional em uma família enlutada? É sabido que em um processo de mudança,
como é o caso do luto, existe uma reconfiguração do campo. Porém, não raro, esse
processo se dá por vias disfuncionais. São essas famílias que procuram as clínicas
psicológicas.
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Família
Para Zinker (2001) família é um sistema de indivíduos comprometidos a
permanecer juntos por um período de tempo e a dividir tarefas. Eles formam um lar
juntos, em que os filhos são criados e todos interagem com sistemas maiores,
formando assim, um subsistema dentro dos sistemas mais amplos. Dessa maneira, a
família se constitui enquanto unidade social, cultural e econômica da comunidade.
Conforme Minuchin e Fishman (1990) família é um grupo que naturalmente,
no decorrer dos tempos, desenvolve padrões de interação. Tais padrões constituem a
estrutura familiar a qual organiza todo o funcionamento da família. Manter uma
estrutura familiar é extremamente necessário, pois assim, tarefas essências são
desempenhadas e ao mesmo tempo se transmite os sentidos de apoio e pertinência,
fundamentais à individuação de seus membros.
Segundo Zinker (2001) todos os sistemas possuem fronteiras e constituem uma
totalidade. Seus processos incluem troca de informação e estão em constante
processo de mudança. Assim sendo, os sistemas podem ser mais ou menos fechados
dependendo de onde estão naquele momento de sua trajetória.
Ribeiro (1997) esclarece que dependendo do modo como cada sistema se
conecta em um dado campo, é produzido um tipo de comportamento. A maneira pela
qual cada membro de uma família se relaciona e a profundidade de seu engajamento
no contato com o outro, revela o nível de encontro e separação de cada um desses e
como são estabelecidas suas fronteiras.
Alicerçado nas formações dos subsistemas e das fronteiras de contato, pode
ocorrer o que Andolfi (1996) denomina triangulação. Esse modelo triádico consiste
em um processo emocional que envolve uma díade instável. Essa instabilidade,
geralmente, está ligada a uma conflitante necessidade das pessoas em ter autonomia e
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conexão. Os esforços para resolver essas duas necessidades simultaneamente
resultam em ciclos alternativos de ansiedade de engolfamento e ansiedade de
abandono que usualmente envolvem um terceiro elemento (Miller, 1995).
Considerando a compreensão dessa trajetória, Carter e Mcgoldrick (1995) traçam
um plano cartesiano sobre o ciclo de vida familiar. Para as autoras, o fluxo de
ansiedade em uma família passa por um plano “vertical” e “horizontal”. O fluxo
vertical em um sistema inclui padrões de relacionamento e funcionamento que são
transmitidos por intermédio das gerações. Já o fluxo horizontal inclui a ansiedade
produzida pelos estresses na família conforme seu avançar na linha do tempo, lidando
com mudanças e transições no ciclo de vida familiar. Isso compreende tanto eventos
estressores desenvolvimentais previsíveis, como nascimento, casamento etc., quanto
eventos imprevisíveis, como a morte prematura de um membro da família, entre
outros.
Um evento estressor importante, que ocorra no eixo horizontal de uma família, é
capaz de deixá-la, aparentemente, com um alto grau de disfuncionalidade. Mesmo
quando ocorre um estresse de importância pequena no eixo horizontal, mas o eixo
vertical apresenta um grande estresse, haverá um rompimento no sistema familiar
(Carter & Mcgoldrick, 1995).
O entendimento das relações familiares perpassa pela leitura temporo-espacial, a
maneira como a família se constitui ao longo do tempo e como ela se organiza no
contexto atual. Nesse sentido, para a Gestalt-terapia um evento só pode ser
compreendido em seu contexto, à medida que se procura resgatar as conexões e as
relações entre os diversos elementos do campo (Zinker, 2001).
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Sendo a Gestalt-terapia, uma abordagem de campo-fenomenológico (Yontef,
1998), ao descrever o que se passa no campo pode-se captar as interações complexas
e dinâmicas constituídas na relação familiar.
Toda a argumentação gestáltica de campo provém da teoria de Kurt Lewin
(1973). O autor afirma que o campo psicológico e social consiste em um conjunto de
forças que atuam no presente formando uma rede de relações entre as partes. Esse
espaço denominado de campo ou espaço vital é composto de regiões intrapessoais,
interpessoais, físicas e sociais, cujas demarcações são chamadas de fronteiras.
Do ponto de vista funcional, a fronteira revela a diferenciação e a
interdependência dos elementos ali presentes. Em famílias funcionais, por exemplo,
os indivíduos se conhecem o suficiente para sentir quando se reunir e quando
permanecer separados, e sentem-se a vontade para dialogar sobre esses
questionamentos (Zinker, 2001).
Desse modo, na delineação de cada subsistema existe vida e movimento;
entidades separadas que trocam energia, por meio de seus relacionamentos uns com
os outros. O que explica o porquê da afirmação de que em uma família nenhum
membro causa o problema ou é responsável por uma determinada situação, posto que
os eventos dentro e entre os subsistemas são multideterminados. Ou seja, todos os
membros colaboram para a organização ou desorganização de suas vidas, de uma
maneira que contribui para seu bem-estar ou para sua insatisfação e seu sofrimento
(Zinker, 2001).
Teoria de campo
A teoria de campo consiste em uma maneira de analisar relações entre os
diversos elementos coexistentes no campo. De acordo com essa teoria, o espaço de
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vida de uma pessoa retrata ela mesma, com todas as suas questões psicológicas e
fronteiras, bem como o meio em que ela está inserida. Esse universo que delimita a
pessoa e a circunda é nomeado de campo. O campo possibilita uma leitura
psicológica da pessoa e da situação que ela vivencia em um determinado momento
(Lewin, 1965).
A estrutura familiar também pode ser analisada por intermédio da teoria de
campo, sendo que seu espaço de vida consiste na própria família e no seu meio.
Nesse sentido, pode-se afirmar que as várias partes do espaço vital do campo de uma
determinada família são interdependentes entre si. O comportamento é resultado de
alguma mudança em algum estado do campo em um determinado tempo, e sua
estrutura varia de acordo com os desejos e necessidades que a família apresenta
naquele momento. Isso implica que, de acordo com as mudanças que ocorrem ao
longo do tempo na família, ela irá apresentar necessidades diferentes, gerando
comportamentos distintos e novas estruturas no campo.
De acordo com a teoria de Lewin (1965), a maneira como a pessoa se comporta
em seu campo depende da sua situação presente. Dessa forma, a morte de um
membro da família é um acontecimento que promove mudanças no campo. O campo
parece muito diferente antes e depois da ocorrência de tal fato.
Diante disso, Lewin (1973) aponta que a maneira como uma pessoa vivencia
seu passado e seu futuro exerce influência no campo presente, pois ambos os tempos
são partes simultâneas desse campo em um determinado momento. Um enquanto
história e o outro como expectativas. O autor explicita tal aspecto quando afirma:
“cada mudança de situação psicológica de uma pessoa significa justamente isso:
certos eventos são agora „possíveis‟ (ou impossíveis) que eram previamente
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„impossíveis‟ (ou possíveis)” (p.31). Assim, pode-se afirmar que na família enlutada
ocorre esse tipo de alteração.
Outra característica da teoria de campo é analisar a situação como um todo e
não seus elementos isolados, ou seja, considerar o campo inteiro e não seus
componentes separadamente (Lewin, 1965). Essa proposta pode e deve ser aplicada,
principalmente ao avaliar o campo de uma família, não tomando em conta situações
e elementos de forma avulsa, mas sim situações totais, visto que, as várias partes de
um campo são, até certo ponto, interdependentes, e se influenciam mutuamente.
Morte e luto na família
Parkes (1998), explica que a morte ocorre sempre em uma relação específica de
tempo e espaço, e carrega em seu bojo duas características peculiares: o estigma e a
privação. A morte é estigmatizada nas mais diversas sociedades e culturas. Em
algumas delas, esse estigma é mais explícito, em outras, nem tanto, porém, ele
sempre existe. Na sociedade ocidental, em geral, as pessoas não apresentam tantos
tabus em relação à morte e às pessoas enlutadas, contudo, na maioria das vezes, não
sabem como reagir em relação a elas e apresentam dificuldade em compreender que
necessitam viver o seu tempo de luto.
Esse estigma e a dificuldade que as pessoas apresentam em relação à morte
podem ser explicados pela constatação de Heidegger (1988) de que entrar em contato
com a morte do outro é entrar em contato com a possibilidade da própria morte. É
descobrir que todos os seres humanos são mortais, inclusive a própria pessoa, bem
como seus familiares.
A privação, citada por Parkes (1998), implica na falta daqueles “suprimentos”
considerados imprescindíveis e que eram fornecidos pela pessoa perdida. O autor
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compara esses “suprimentos” ao equivalente psicológico para comida e bebida, e
afirma que a falta deles provoca um grande vazio interior.
Conforme Parkes (1998), a perda de uma pessoa amada da família, tem como
conseqüência a perda de uma pessoa única e exclusiva; e também várias perdas
secundárias, acarretadas pela primeira. Uma dessas perdas pode ser a financeira;
existe também a perda dos “suprimentos” que eram fornecidos pela pessoa que
morreu, bem como a perda da identidade, dos papéis e dos costumes que o indivíduo
construiu ao longo dos anos. Repentinamente, deixa-se de ser esposa e passa-se a
viúva, deixa-se de ser filho e passa-se a órfão.
Perls, Hefferline e Goodman (1997) afirmam que quando algum membro da
família morre, ficar de luto é uma reação regulatória do próprio organismo. Essa
reação permitem ao indivíduo restaurar seu equilíbrio. Assim sendo, o luto deve ser
respeitado, aceito e, algumas vezes, até mesmo encorajado, pois é ele que trará
auxílio a quem passe por essa situação de perda da melhor forma possível.
Parkes (1998) define o luto como uma reação à perda de uma pessoa especial e
amada, sendo quase impossível que isso não ocorra perante a morte. O luto não
consiste em um conjunto de sintomas que se inicia após a morte e depois, desaparece
gradativamente. Ele envolve uma sequência de quadros clínicos os quais se
combinam e se substituem. Nesse sentido, percebe-se que o luto não se trata de um
estado, mas sim de um processo, o qual é denominado de processo de luto.
O processo de luto abarca quatro estados clínicos característicos: o
entorpecimento, a saudade ou procura pelo outro, a desorganização e o desespero e,
por fim, a recuperação. Apesar de seguirem uma sequência lógica, em alguns
momentos tais estados podem se fundir (Parkes, 1998).
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De acordo com Tobin (1977) a reação de adaptação à morte de um membro da
família envolve um longo período de tristeza, mas pode ser seguido por um interesse
renovado em coisas e pessoas vivas. Todavia, várias pessoas não conseguem fazer
essa transição, e apresentam o que ele nomeia de reação de persistência.
Tobin (1977) acrescenta que a reação de persistência inibe as emoções normais
ao luto pela morte de um ente querido e mantém a pessoa vivendo uma fantasia,
como se o familiar perdido ainda estivesse vivo. Com isso, a família não se liberta
de um relacionamento morto para dar lugar a novos relacionamentos. “As pessoas
enlutadas continuam a agir, muitas vezes, como se a pessoa morta ainda fosse
recuperável” (Parkes, 1998, p. 98).
Esse tipo de comportamento é definido pela Gestalt-terapia como cristalização
(Perls, 1977; Frazão, 1997; Zinker, 2001), sendo prejudicial ao sistema familiar. A
família continua agindo e relacionando-se da mesma maneira anterior, entretanto,
essa maneira não é mais funcional, e muito menos saudável o que torna a dinâmica
familiar disfuncional e adoecida.
Santos e Sebastiani (2003) nomeiam essa reação do sistema familiar de
imobilidade. Mecanismo o qual é diretamente proporcional ao nível de importância
que a pessoa morta apresentava para o equilíbrio da estrutura familiar. A imobilidade
também é diretamente proporcional ao grau de maturidade psicológica e emocional
que essa família apresenta enquanto sistema.
Parkes (1998) explica que diante de uma mudança tão grande, como a morte, as
pessoas não apresentam condição de conscientizarem-se da nova circunstância de
uma só vez. O sistema familiar fica desorganizado, e a família necessita de colocar as
coisas “em ordem” e de dar sentido ao acontecimento. Isto justifica o
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entorpecimento, a cristalização e a imobilidade, inicialmente, no entanto, esses
estados não podem perdurar, ou se tornarão doentios.
Em suma, quando morre um membro da família, ela tende a atravessar um
processo de desorganização, e se depara com a necessidade de procurar por uma
nova organização da estrutura familiar. Diante desta crise, o sistema se desequilibra,
e terá que buscar novas maneiras de adaptar-se à nova realidade, a fim de
reconfigurar-se.
A reconfiguração familiar sob o enfoque da teoria organísmica
O luto é uma vivência de crise, e engloba alterações nos planos, hábitos,
costumes, circunstâncias e comportamentos. Tais alterações decorrem em
considerável estresse ao individuo. “A perda da pessoa amada inevitavelmente cria
uma série de discrepâncias entre nosso mundo interno e o mundo que agora passa a
existir” (Parkes, 1998, p.115).
A situação de perda na família promove mudanças, as quais geram,
temporariamente, desordem no sistema familiar. Diante dessa circunstância, ele se
depara com a necessidade de avaliar seus antigos hábitos, reformulá-los e colocar
novos em seu lugar. Ao longo da vida, a família cria, dentro de sua estrutura,
concepções as quais embasam o seu funcionamento. Com a morte de um de seus
componentes, emergem incoerências entre o que era e o que passa a ser, sendo
necessário monitorar-se e atualizar-se constantemente (Parkes, 1998).
Uma visão que exemplifica muito bem essa questão é a abordagem holística da
teoria organísmica de Kurt Goldstein (1995). Assim como a teoria de campo de Kurt
Lewin (1973), a teoria organísmica corrobora que todo evento que ocorre em uma
parte de um organismo advêm do contexto do organismo total, afetando o todo (Hall,
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Lindzey & Campbell, 2000). No caso deste estudo, o organismo a ser considerado é a
família, e o evento, a morte de um de seus membros.
De acordo com essa teoria, a organização é o estado natural que cabe a um
determinado organismo, sendo a desorganização um estado patológico que, na
maioria das vezes, é provocado por um ambiente opressivo ou ameaçador. Diante
dessa desorganização, o organismo tentará organizar-se, a fim de satisfazer as suas
necessidades (Hall, Lindzey & Campbell, 2000).
Segundo Goldstein (1995) o organismo necessita estar adaptado ao meio no
qual se encontra inserido, e exercerá as mudanças necessárias, inconsciente ou
conscientemente, a fim de que possa continuar ajustado a esse meio, exercendo as
suas funções as quais considera vitais. “Se o organismo não conseguir controlar o
ambiente, ele tentará se adaptar a ele” (Hall, Lindzey & Campbell, 2000).
Para cumprir tal tarefa o organismo faz uso da auto-regulação organísmica e do
ajustamento criativo. O princípio da auto-regulação organísmica consiste no fato de
que todo organismo sadio tende a se reorganizar de acordo com o seu meio para
alcançar a satisfação de suas necessidades primordiais (Perls, Hefferline &
Goodman, 1997).
O ajustamento criativo é a capacidade do organismo ajustar-se de forma
saudável, funcional e criativa ao seu ambiente, por meio da auto-regulação
organísmica. Quando o organismo é capaz de realizar essa empreitada, ele encontra-
se saudável, isso é operando de forma funcional (Frazão, 1997).
Segundo Perls, Hefferline e Goodman (1997) o processo do organismo de
ajustar-se criativamente a uma nova situação envolve sempre uma fase de destruição,
pois é ao apoderar-se das velhas estruturas e ao alterá-las que se volta ao equilíbrio,
surgindo assim uma nova configuração. Tratando-se de uma família enlutada, é
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necessário que ela tome consciência de sua antiga estrutura, perceba como tal
configuração já não é funcional na nova realidade, e modifique-a, reconfigurando o
sistema de modo a adaptar-se à nova cena familiar. Pois, “quando antigas concepções
e modos de pensar tiverem sido deixados de lado, o indivíduo sente-se livre para
recomeçar” (Parkes, 1998, p.121).
Goldstein (1995) observou em seus estudos acerca de disfunções cerebrais que
pacientes os quais haviam perdido alguma função específica do cérebro
apresentavam a tendência de readaptar-se para suprir suas necessidades, „cobrindo‟ a
função lesionada. Se for levado em consideração que o autor chegou à teoria
organísmica por meio da contribuição desses estudos, e se for realizada uma
comparação entre esses estudos e a estrutura de uma família enlutada, pode-se
afirmar que a família também apresentará a tendência de readaptar-se a fim de
„cobrir‟ as funções antes exercidas pelo membro perdido. Assim como no caso das
disfunções cerebrais, a função não será totalmente recuperada, nem exercida da
mesma maneira, porém, será suprida, proporcionando condições ao organismo de
continuar funcionando da melhor forma possível.
De acordo com Parkes (1998), quatro são as possibilidades para o abono dessas
funções, ou como denomina o autor, papéis. Uma das possibilidades consiste na não
realização dos papéis perdidos. Outra, em achar-se um substituto fora da família para
exercê-los. Outra alternativa é a possibilidade de um ou mais membros da família
assumir estas funções. O fim do sistema familiar devido à sua desintegração também
pode acontecer.
Desse modo, levando-se em conta a teoria organísmica de Goldstein (1995),
faz-se a reflexão de que ao perder um membro, toda a estrutura familiar é
modificada. A sua antiga dinâmica não será mais funcional, pois a situação não é
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mais a mesma. Para que o organismo família continue saudável, ele deverá encontrar
um novo jeito de funcionar, diferente do anterior, pois esse já não é mais eficaz.
Sendo assim, o organismo necessitará reajustar-se, em outras palavras, a família
precisará reconfigurar-se perante a perda. A psicoterapia de família pode, muitas
vezes, auxiliar nesta árdua tarefa.
O processo psicoterapêutico com família em Gestalt-terapia
O processo psicoterapêutico de abordagem gestáltica possui como principal
objetivo de seu trabalho com o paciente a awareness, sendo que a mudança por meio
desta vem como uma conseqüência (Zinker, 2001). A awareness é definida por
Yontef (1998) como um processo de estar em contato pleno no aqui-agora,
abrangendo os níveis sensório-motor, emocional, cognitivo e energético. A
awareness torna o individuo consciente da própria consciência.
Desse modo, para Zinker (2001) quando a família entra em contato com suas
dificuldades e se torna consciente, a mudança acontece naturalmente. Favorecer esse
processo é papel da psicoterapia familiar de base gestáltica, pois a família não irá se
unir em torno de um projeto ou objetivo se a awareness for escassa.
Sobre isso, Minuchin e Fishman (1990) relatam que o terapeuta é um ampliador
de contextos, é ele quem cria meios para exploração do não familiar, confirma
membros da família e os encoraja a experimentar novos comportamentos.
Segundo Zinker (2001) famílias enlutadas podem ser trabalhadas de diversas
formas, sempre respeitando os dados fenomenológicos apresentados por elas. O tema
articulado pelos membros da família dá significado à existência deles e é por meio
desse significado que eles podem experienciar um suporte durante a psicoterapia.
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Perls, Hefferline e Goodman (1997) colocam a importância de se fazer uma
psicoterapia para completar experiências inacabadas, de modo a torná-las inteiras.
No plano familiar, isso significa a capacidade dos membros do sistema em trazer
para o presente, acontecimentos inacabados ou confusos, sentimentos, energia e
expressividade.
Assim, o senso de completude de cada membro da família é coroado com o
contato pleno. Contato esse que permite contemplar a totalidade e possibilita que as
pessoas se soltem e caminhem para um próximo contato vivo. Ou seja, o contato com
experiências inacabadas presentes no campo de uma família possibilita o processo de
awareness, abrindo caminho para a percepção de novas possibilidades, e com isso, o
campo pode reconfigurar-se (Perls, Hefferline & Goodman, 1997).
A morte de um dos membros constitui um momento de desequilíbrio do
sistema e interrupção de seu fluxo. Diante disso, cabe, muitas vezes, à psicoterapia o
trabalho de auxiliar o sistema familiar a completar suas gestalten, retomando o fluxo
fluido, saudável e funcional (Zinker, 2001).
O conceito de campo da abordagem gestáltica, possibilita compreender que
nenhum membro é o único responsável pela história da família, pois ela ocorre e
deve ser compreendida no campo. Cada parte do campo interage com as outras de tal
maneira que não existe uma relação de causalidade linear, ou seja, as influências são
sempre mútuas. Logo, o processo é descrito por meio das relações, da comunicação e
da maneira como a família se organiza e funciona (Zinker, 2001).
Assim, a tarefa dos terapeutas, afirma Zinker (2001), é ajudar a família a
perceber como e onde se interrompem mutuamente e onde e quanto se auto-
interrompem, o que favorece o processo de awareness de cada pessoa em particular e
awareness da família enquanto organismo.
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Na terapia, a capacidade e competência da família como um todo é revista, o
suporte necessário para a awareness é oferecido e, por conseguinte a mudança
acontece (Zinker, 2001). Com esse suporte é possível que a família tenha a
possibilidade de refletir, experimentar e estabelecer um novo tipo de contato com a
sua realidade individual e familiar.
Trabalhar com o sistema familiar em psicoterapia e alcançar uma mudança
terapêutica dentro desse sistema é uma tarefa complexa e desafiadora. Isso se torna
mais verdadeiro quando a família está lidando com acontecimentos traumáticos da
vida, como a perda de um ente querido (Zinker, 2001).
Pesquisa qualitativa
Holanda (2001) afirma que a pesquisa qualitativa é capaz de expor várias
características peculiares à natureza humana. Nesse sentido, Moreira (2002) afirma
que o ser humano difere de qualquer outro objeto de estudo devido a sua capacidade
interpretativa e interativa, e cabe ao pesquisador envolvido em um estudo de tal
natureza, observar as experiências humanas, sendo sensível o suficiente para
compreender entidades que possuem interpretação própria das experiências que
vivem. Na pesquisa qualitativa o processo possui prioridade, sendo que o foco é
voltado para a percepção do sujeito e que a ênfase dada pelo estudo é na
subjetividade.
No presente trabalho faz-se uso da pesquisa qualitativa como forma de acessar
a experiência dos participantes e atingir os objetivos desta investigação com sujeitos
humanos. O método de pesquisa utilizado é o fenomenológico.
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Método fenomenológico
Segundo Amatuzzi (1996) a pesquisa fenomenológica é um dos muitos
formatos que uma pesquisa qualitativa pode ter. O autor assevera que esse modelo de
pesquisa “designa o estudo do vivido, ou da experiência imediata pré-reflexiva,
visando descrever seu significado; ou qualquer estudo que tome o vivido como pista
ou método. Em suma, é a pesquisa que lida com o significado da vivência” (p.5).
O método fenomenológico visa entender os acontecimentos por meio do
clareamento do fenômeno. Para isso, um dos recursos que pode ser utilizado pelo
pesquisador fenomenológico é a entrevista aberta, a qual possibilita que o
pesquisador investigue a experiência vivida pelo sujeito e o sentido que esta
apresenta para ele (Amatuzzi, 2001).
Moreira (2004) enfatiza que o método fenomenológico baseia-se no
pressuposto metodológico de que o sujeito entrevistado é quem possui a verdadeira
sabedoria de sua própria vivência. Desse modo, o pesquisador deve procurar
aprender sobre o assunto que deseja estudar com quem já o vivenciou: o sujeito da
pesquisa.
De acordo com Holanda (2001), a pesquisa fenomenológica objetiva a
compreensão da dimensão do vivido humano, e para isso, necessita de um método
que descreva e analise o processo e seja coerente com a complexidade do objeto em
estudo. O método de pesquisa qualitativa fenomenológica elaborada por Giorgi
(1985) preenche tais requisitos, pois trabalha com dados empíricos, os quais podem
ser obtidos por meio de sessões, depoimentos e entrevistas abertas. Este é o método
fenomenológico empregado no presente artigo.
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Método de Giorgi
O método de pesquisa fenomenológica de Amedeo Giorgi (1985) propõe uma
maneira de se analisar os dados coletados com o sujeito desenvolvendo-se em quatro
etapas. Em primeiro lugar, após a transcrição da entrevista realizada com o
participante do estudo, o pesquisador deve ler novamente a entrevista a fim de obter
um sentido geral do material colhido. Na segunda etapa, o pesquisador precisa
resumir o que foi lido respeitando as palavras, termos e linguagem do entrevistado. O
terceiro passo consiste na elaboração de uma síntese, a qual é elaborada a partir de
uma linguagem psicológica e visa uma discriminação das unidades significativas
mais reveladoras do fenômeno pesquisado. E, por último, efetua-se a descrição
sintetizada de todas as unidades significativas manifestadas pelo sujeito,
categorizando-as.
Holanda (2002) afirma que as unidades de significado não existem isoladas,
mas sim em relação ao ponto de vista adotado pelo pesquisador. A realidade
psicológica não se encontra pronta, ela necessita ser estabelecida pelo psicólogo.
Sendo importante advertir que o mundo habitual possui mais riqueza e complexidade
do que a perspectiva psicológica, sendo que vários pesquisadores podem analisar de
diferentes maneiras o mesmo conjunto de dados.
Método
Procedimento
O interesse em investigar o auxílio da psicoterapia na reconfiguração familiar
após a perda de um dos membros da família surgiu a partir do momento em que uma
das pesquisadoras apresentou em sala de aula a transcrição de uma sessão com uma
de suas pacientes que havia perdido a mãe há pouco mais de um ano e que
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apresentava dificuldades em relacionar-se com a sua família após esse fato. Com
isso, a pesquisadora levou a proposta à sua paciente de realizar sessões de
psicoterapia com a sua família a fim de auxiliá-los. Tanto a cliente como os demais
membros da família aceitaram a proposta.
Primeiramente, foram realizadas seis sessões de psicoterapia familiar, as quais
foram gravadas, transcritas e supervisionadas. Ao iniciar a psicoterapia de família,
primeiramente esclareceu-se aos participantes o objetivo, o procedimento e o teor do
trabalho, após lerem a Carta Convite (Anexo 1) e concordarem em participar do
estudo, os participantes assinaram o Termo de Consentimento (Anexo 2).
Posteriormente a realização das seis sessões de psicoterapia com a família, foi
aplicada uma entrevista aberta em cada um dos participantes, individualmente, em
apenas um encontro, utilizando sempre o mesmo setting terapêutico. Para uma coleta
mais fidedigna dos dados foram empregados dois gravadores, um mecânico e um
digital. A entrevista aberta apresentou as seguintes questões norteadoras: (1) Como
foi a vivência com o membro perdido? (2) Quais as experiências vividas com o luto?
(positivas e negativas) (3) Como a família tem se reorganizado após a morte desse
membro? (4) Como a psicoterapia familiar tem auxiliado?
Durante a entrevista, o entrevistado tinha a liberdade de relatar suas
experiências em relação ao tema abordado da maneira que quisesse, sendo que as
pesquisadoras questionavam algo que não estivesse claro, sempre atentando para se
guiar pelas questões norteadoras. As pesquisadoras procuraram adotar uma postura
fenomenológica de escuta atentiva, suspensão de conhecimentos a priori, hipóteses,
teorias e julgamentos, a fim de permitir que o fenômeno estudado viesse à tona.
Ao término de cada entrevista, as pesquisadoras adotaram a postura de indagar
aos entrevistados se havia mais alguma coisa que eles gostariam de falar. Esse
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comportamento objetivou deixar os entrevistados livres para acrescentarem qualquer
coisa que julgassem importante ser dita e que não havia sido abordada durante a
entrevista.
Após a transcrição na íntegra das entrevistas (Anexos 3, 4 e 5), cada uma delas
foi analisada. Tal análise foi baseada no método fenomenológico de Giorgi (1985) e
encontra-se em anexo (Anexos 6, 7 e 8). Mediante a análise das entrevistas, foi
possível observar aspectos comuns às experiências de todos os membros
entrevistados da família, sendo que suas falas apresentam várias semelhanças,
coerências e concordâncias entre si.
Segue a descrição da história da família em estudo e de cada membro que
participou da pesquisa. Esta descrição é feita com base nas sessões de psicoterapia e
na análise da entrevista de cada um. É importante ressaltar que os nomes utilizados
foram modificados a fim de resguardar a identidade dos participantes.
Descrição da história da família
Sonia, a mãe da família, teve câncer e ficou em tratamento durante três anos,
faleceu há dois. Segundo os relatos dos demais membros da família, era quem
mediava às relações dentro da estrutura familiar e quem tomava as decisões pela
família. Quando Sonia era viva, a família tentou fazer terapia familiar durante um
tempo, porém, relatam que não deu certo.
Após a morte de Sonia, sua mãe, que morou durante um tempo com a família,
voltou para seu estado natal. Recentemente, a filha mais velha da família, Kelem,
mudou-se para outro estado devido a seu trabalho. Kelem chegou a participar de
todas as sessões de psicoterapia familiar, e fazia, concomitantemente, terapia
individual na abordagem transpessoal. Porém, na época em que as entrevistas foram
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aplicadas ela já havia se mudado. De acordo com o relato dos outros três membros da
família, foi ela quem assumiu o papel que cabia à mãe após a sua morte.
Participantes
Elias
A entrevista com o participante Elias aconteceu no dia 31 de janeiro de 2009
com a duração de 30 minutos.
Elias tem 52 anos, é pai de três filhos e viúvo há quase dois anos. Está
desempregado atualmente. Fez terapia individual na abordagem transpessoal por
pouco tempo, e quando deu início à psicoterapia de família na abordagem gestáltica
já havia parado há muito tempo. Descreve a sua vivência com Sonia como instável,
porém, percebe uma melhora muito grande na relação, nos últimos anos. Ele se
encontra em processo de luto não elaborado devido à morte da esposa.
Após esse fato, Elias se sentiu desanimado e com falta de vontade, porém, se
deparou também com a maior responsabilidade pela família. Apesar disso, aponta
também experiências positivas, como a reconfiguração do relacionamento com os
filhos. Percebe o quanto isso não era possível antigamente devido à presença de sua
esposa, pois ela exercia esse papel por ele. Reconhece o auxílio da psicoterapia
familiar nessa reconfiguração.
Mariana
Mariana foi entrevistada no dia 03 de fevereiro de 2009. Sua entrevista teve
duração de 30 minutos, aproximadamente.
Mariana, é a irmã do meio, tem 25 anos e é estudante de jornalismo. Foi por
intermédio dela que a terapia familiar e a posterior pesquisa aconteceram. Ela faz
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psicoterapia individual na abordagem gestáltica com uma das pesquisadoras. Relata
como sua vida era melhor quando a mãe era viva, pois tinha a sensação de ser
cuidada, e após a sua morte, precisou adquirir maiores responsabilidades e mais
independência, perdendo o cuidado e o carinho maternal. Percebe sua estrutura
familiar confusa e desorganizada, sem uma definição clara de papéis, e demonstra
baixa expectativa em relação ao seu pai. Com a mudança da irmã para outra cidade,
diz sentir muito sua falta.
Relata uma reconfiguração no relacionamento e no diálogo e um aumento da
convivência com o pai e os irmãos proveniente da perda da mãe e do auxílio da
psicoterapia. Processo que não era possível anteriormente devido à mediação feita
por essa na relação entre os membros da família.
Valdir
A entrevista com Valdir foi realizada no dia 03 de fevereiro de 2009, com
duração de 45 minutos.
Valdir é o caçula da família, tem 21 anos e é estudante do curso de artes
cênicas. Fez psicoterapia na abordagem transpessoal durante um bom período de
tempo, porém, já havia parado quando deu início às sessões de psicoterapia familiar.
Tinha uma relação muito próxima da mãe e se emociona muito ao falar dela. Após a
sua morte, apresentou dificuldades em conviver com a família, sobretudo, com o pai.
Julga muito difícil para a sua família se reorganizar diante desse acontecimento.
Atualmente, observa uma maior aproximação com o pai e também com as irmãs, fato
o qual não ocorria antes, pois a mãe o bastava. Encontra-se em processo de luto não
elaborado e avalia a mudança da irmã mais velha com uma nova perda.
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Valdir não acha tão importante expressar seus sentimentos e envolver-se com
assuntos familiares como os demais membros da família. Porém, relata como a
psicoterapia familiar o auxiliou a reconhecer a importância atribuída pela família a
esse comportamento e a expressão de sentimentos. Hoje, já consegue expressar mais
seus sentimentos e dar mais atenção a esses assuntos. Percebe o auxílio da
psicoterapia familiar também em questões individuais e em relação ao auto-
conhecimento.
Resultados e discussão
De acordo com a teoria de campo (Lewin, 1973) e a teoria organísmica
(Goldstein, 1995), uma mudança que ocorre em uma parte de um todo, seja esse todo
chamado de campo ou organismo, altera não só a parte que sofreu tal mudança, como
as demais partes desse todo, modificando assim o seu funcionamento total. Na
família estudada, pôde-se observar que a morte da mãe/esposa alterou não só cada
membro desta família individualmente, mas também a estrutura familiar como um
todo.
O todo que sofre modificações necessita se reestruturar de acordo com o seu
novo ambiente, fazendo uso do ajustamento criativo (Goldstein, 1995). Assim, a
família enlutada também apresentou essa necessidade de se reconfigurar de acordo
com a sua nova realidade: perda da mãe/esposa. Porém, inicialmente, seu
ajustamento foi disfuncional, pois essa família pensou que poderia continuar
funcionando como antes, quando a mãe/esposa era viva.
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Pra falar a verdade, assim, eu tento esquecer que minha mãe morreu! Eu
tento esquecer que ela... Eu disfarço, sabe? A morte da minha mãe a todo o
momento. (Valdirfilho)
A vida pra mim está como um vácuo. Eu penso nela, a minha vida é ela,
sem ela pra mim a vida não tem muito sentido. Eu moro ainda no mesmo
apartamento que morava com ela. (Eliaspai)
A esse tipo de comportamento Tobin (1977) dá o nome de reação de
persistência e Perls (1977), Frazão (1997) e Zinker (2001), nomeiam de cristalização
e auto-regulação disfuncional. Parkes (1998) explica que quando uma pessoa morre,
inicialmente, os enlutados podem continuar agindo como se essa ainda estivesse
viva, o que pode provocar uma enorme sensação de vazio. De acordo com Goldstein
(1995), se esse comportamento persiste, ele é considerado disfuncional, ou seja,
inadequado à nova realidade do organismo, causando um choque que afeta o
indivíduo e o seu meio.
Os relatos a seguir dizem respeito à percepção dos membros entrevistados
quanto à influência da mãe nas relações familiares e às expectativas frustradas em
relação ao pai após a morte da mãe.
Eu acho também que ela era muito controladora, que ela manipulava a
gente, muito! Sabe? Muito forte e tal. (Valdir/filho)
Eu admiro meu pai, eu gosto demais do meu pai. Mas, sinto muita raiva
dele em muitos momentos, sabe? Porque eu acho ele muito fraco, eu acho
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ele infantil e tal. Acho ele bobo, irresponsável e eu não esperava isso de um
pai. Eu queria algo que me desse segurança, sabe? (Valdir/filho)
A não ser pelo fato também de ter aprendido a conviver mais com as outras
pessoas da minha família, porque até então a gente vivia mais assim com a
ligação da minha mãe no meio, né? (Mariana/filha)
Ai é difícil, porque meu pai não tem papel de pai. E então, isso dificulta um
pouco. (Mariana/filha)
O instinto de proteção da minha esposa mediava à relação pai e filhos, e
isso é uma coisa que eu acho que era ruim, porque o que acontece é que
existem coisas que eles acham que eu sou e eu não sou e existem coisas que
eu tenho e que eles não conhecem. (Elias/pai)
Considerando-se os relatos da família de que a mãe/esposa era quem
manipulava, controlava e mediava as relações familiares, observou-se que após a sua
morte, a convivência entre os membros, principalmente entre pai e filhos ficou muito
difícil, pois eles não tinham uma boa comunicação, e os filhos esperavam da figura
paterna, e ao mesmo tempo relataram baixa expectativa e decepção em relação à ele,
que exercesse um papel que nunca exerceu, devido à grande interferência da mãe.
De acordo com Parkes (1998), ante da perda de um membro da família depara-
se com a perda dos papéis que eram exercidos por esse. Diante disso, quatro são as
possibilidades: esses papéis podem não ser mais exercidos por ninguém; outros
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membros da família assumem esses papéis; uma pessoa de fora do sistema familiar
passa a exercer esses papéis; ou o sistema familiar pode acabar falindo.
Nesta família em particular, verificou-se que os filhos relatam uma dificuldade,
indefinição e desorganização em relação aos papéis na estrutura familiar após a
morte da mãe, visto que percebem que o pai não exerce o papel que esperavam dele.
Dizem que no início, a irmã mais velha tentou assumir esses papéis, mas que isso não
foi bom nem para ela nem para a família. E depois que ela se mudou, os papéis
ficaram mais indefinidos e confusos do que já estavam.
Porque meio que a Kelem foi assumindo o papel da minha mãe assim de
organização, cuidando da casa e tal. As coisas giravam um pouco em torno
dela. Ela deliberava as coisas como a minha mãe fazia antes. E aí era chato
pra ela. E era chato pra gente, claro! Mas quando ela foi embora agora pra
Manaus, agora realmente a gente ta sem mãe, sabe? Mesmo! A Mariana não
assumiu esse papel, meu pai também não, eu muito menos. Então, assim, ta
uma coisa até mais democrática, sabe? (Valdir/filho)
Não acho que já está organizado, não. Ainda mais agora com a saída da
Kelem. Tá estranho, assim. O conceito de família vai mudando. (Mariana/
filha)
É porque aí, era mais fácil de você definir o papel de cada um, quem deve
fazer o que. E aí depois que minha mãe morreu o papel teve que ser
dividido e era um papel muito grande, e ninguém faz isso. (Mariana/filha)
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Por isso que eu digo que estou complemente perdido. Isso em todos os
sentidos, no sentido de vida, de sentimento, de profissional, tudo. Quero ir
embora daqui, tenho outros planos. Penso que tenho que começar uma vida
nova. E às vezes tenho a impressão que estou como aqueles jovens que
acabam de sair de faculdade e pensam: “E agora? Que que eu faço?”
(Elias/pai)
Essa desorganização familiar e dificuldade de se reorganizar relatada pelos
membros da família também pode ser justificada pelo fato de que o sistema familiar
era estruturado de um modo não funcional mesmo anteriormente à morte da
mãe/esposa. A mãe mediava e manipulava as relações, segundo relato dos
entrevistados, o que dificultou uma relação verdadeira e uma boa comunicação entre
os demais membros da família.
Carter e Mcgoldrick (1995) explicam que o fluxo de ansiedade vertical em uma
família implica em padrões de relacionamentos que são transmitidos de geração para
geração, e podem ser comparados a uma mão que maneja as pessoas e seus
relacionamentos. Sonia, a mãe/esposa da família em estudo passou seus padrões de
relacionamento para os filhos, e os ensinou também para o marido, que acabou por
aceitá-los. Mesmo após a sua morte esse padrão de comunicação familiar, em que a
comunicação entre os membros era mediada por uma pessoa da família, vigorou por
um tempo. No caso, a filha mais velha assumiu o papel exercido anteriormente pela
mãe. Tal fato acabou por tornar a convivência mais difícil do que antes, e a dinâmica
familiar mais disfuncional do que já era.
Carter e Mcgoldrick (1995) acrescentam que diante de um estresse no eixo
horizontal, mesmo que muito pequeno, se o eixo vertical já apresentar um estresse
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intenso, pode ocorrer um grande rompimento no sistema familiar. Neste sistema
familiar, percebeu-se um estresse já existente no eixo vertical anterior à perda da
mãe/esposa, que se dava nas relações. A morte deste membro, um estresse que pode
ser considerado de grande dimensão no eixo horizontal, juntamente com o estresse
que já vigorava no eixo vertical, desencadeou nesse rompimento. O rompimento
pode ser representado pela dificuldade nas relações e comunicação entre os
membros, na dificuldade de redefinição dos papéis, e na desorganização e
dificuldade de reconfiguração da estrutura familiar.
Apesar de toda essa dificuldade, atualmente a família tem mostrado que já
consegue se relacionar de forma diferente e constituir uma rede de comunicação
entre o pai e os filhos e dos filhos entre si. Eis um ponto que pode ser considerado
positivo ante a perda da mãe/esposa, além de indicar uma nova configuração entre os
membros, a qual não fora experimentada anteriormente. Nesse sentido, eles
percebem que houve uma reconfiguração nos relacionamentos do sistema familiar e
que hoje possuem uma maior aproximação e convivência entre si.
É assim... Eu acho que até na minha relação com todos. Com os três assim.
E eu tentar demonstrar mais afeto, mais preocupação, mais carinho.
(Valdir/filho, em relação ao auxílio da psicoterapia de família).
E, eu tenho me tornado um pouco mais depende de outras pessoas, sabe?
Emocionalmente, assim. Que, às vezes assim, antes, ela me bastava.
(Valdir/filho)
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A não ser pelo fato também de ter aprendido a conviver mais com as outras
pessoas da minha família, porque até então a gente vivia mais assim com a
ligação da minha mãe no meio, né? Então, isso foi bom! (Mariana/filha)
Melhorou muito porque nós éramos muito afastados. Quando minha esposa
estava viva percebo que era “teoricamente bom”, porque o que acontecia na
realidade é que ela mediava tudo, as dificuldades e tal. E hoje eu percebo
que, sem ela, a nossa relação é verdadeira. A gente se fala mais e eu nunca
tive esse sentimento com eles. (Elias/pai)
Em relação à psicoterapia de família, pôde-se perceber que o andamento do
processo psicoterapêutico pôde ser mais fácil e fluido devido ao fato de que os
membros da família já haviam feito ou faziam terapia individual e de já terem feito
também durante um tempo terapia familiar. Sendo assim, os membros já
apresentavam, mesmo que em menor grau, uma certa consciência de seu
funcionamento enquanto família, e sempre concordavam entre si em relação às suas
percepções. Com o decorrer do processo psicoterapêutico foi possível observar, por
meio das entrevistas, uma maior ampliação da consciência de todos os membros do
sistema familiar.
Todos os três participantes do estudo reconhecem que a psicoterapia de família
os auxiliou perante a situação de perda do ente querido e de luto. Segundo eles, além
de terem obtido auxílio em questões da família como um todo, também tiveram
auxilio em questões individuais. A família foi unânime quanto à assistência da
psicoterapia familiar na reconfiguração das relações familiares, na ampliação da
-
32
consciência, bem como no fato de que puderam experimentar novas formas de
comunicação.
Usando a idéia de Hycner e Jacobs (1997) de que muitas vezes o problema
pode ser a resposta, pode-se considerar que o problema da morte da mãe foi a
resposta para um problema que persistia por anos, que era o de relacionamento
familiar. Como a família conseguiu perceber isso, juntamente com o auxílio da
psicoterapia familiar, ela pôde re-significar a morte do ente querido, que apesar de
difícil e dolorosa, passou a trazer em seu bojo também uma conotação positiva, a de
aproximação.
Considerações finais
Para finalizar, é importante ressaltar que existem poucas referências
bibliográficas que abordem o processo de luto tanto individual como familiar sob o
enfoque da abordagem gestáltica. Há uma escassez de embasamentos teóricos em
relação a este tema que auxiliem o gestalt-terapeuta a lidar e atender no ambiente
psicoterapêutico indivíduos e famílias que passaram pela perda de um ente querido e
encontram-se em processo de luto, fato comum à vida de todos e ao mesmo tempo
tão singular para cada indivíduo que passa por ele.
Assim sendo, faz-se necessário um maior número de pesquisas e estudos de
caso os quais relatem como proceder em relação a tal tema nesta abordagem
especificamente. Para que dessa forma, seja enfocado não apenas o processo
individual de luto, mas também o processo pelo qual passa toda a estrutura familiar
diante do mesmo. Posto que o luto influência não só os membros da família em sua
unicidade, mas também o sistema familiar como um todo.
-
33
Na presente pesquisa pode-se perceber que há uma literatura relativamente
vasta em relação ao luto individual em outras abordagens que não a gestáltica.
Porém, quando se busca algo em relação à família como um todo, esse tipo de
literatura é realmente escassa em todas as abordagens da psicologia. Sendo que para
a realização do presente estudo foi necessário utilizar-se de outras abordagens e de
teorias distintas dentro da Gestalt-terapia, e correlacioná-las, para que fosse possível
encontrar um sentido de acordo com os pressupostos gestálticos para esse processo
de luto e reconfiguração familiar.
Apesar de o processo de luto ser diferente e único para cada indivíduo ou
família, conclui-se ao final deste estudo que o mais importante é tentar dar suporte a
família no que for possível, estar ao seu lado, compreender e respeitar o seu tempo
enquanto família e individualmente de processo de luto, e auxiliar na ampliação da
consciência.
Porém, apesar de todas essas posturas do gestalt-terapeuta colocadas acima, o
que fica de mais satisfatório ao final do processo psicoterapêutico realizado com essa
família em especial, é a capacidade de transformar algo triste, doloroso, que causa
sentimentos de sofrimento, saudade, falta e privação em algo que também pode ter
conseqüências positivas, como um novo e verdadeiro relacionamento entre pai, filhos
e irmãos.
Por fim, ressalta-se a importância do diálogo, entre abordagens distintas,
como o realizado nesta pesquisa, pois as ciências humanas e sociais lidam com dados
da realidade humana de extrema complexidade, como é o caso do fenômeno do luto.
Assim, sugere-se novos estudos em que se possa traçar possibilidades de articulações
teórica-prática, que venham suprir a carência da literatura atual. Este estudo trata-se
um tijolo em uma construção que por hora se inicia.
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34
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37
Anexos
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38
Anexo 1
Goiânia, 01 de novembro de 2008.
CONVITE
Caros clientes,
Estamos iniciando a coleta de dados para um trabalho de finalização do curso de
Especialização em Gestalt-terapia realizado pelo Instituto de Treinamento e Pesquisa
em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT). Neste trabalho, pretende-se investigar o
Processo psicoterapêutico e reconfiguração familiar em enlutados: um estudo
fenomenológico Assim, o procedimento consiste em realizar alguns atendimentos
com a família, bem como entrevistas para se trabalhar com os mesmos conteúdos
acerca do tema. Esses atendimentos serão realizados no local de conveniência do
colaborador. O horário dos atendimentos será agendado previamente.
Cabe ressaltar que os nomes dos participantes não serão divulgados e que todos
os atendimentos serão gravados. Temos a intenção inicial de realizar todos os
atendimentos, com a família reunida. Entretanto, em alguns momentos específicos,
pode ser necessário realizar o atendimento com partes da família.
Solicitamos às pessoas que estão participando do estudo que caso queiram entrar
em contato conosco podem utilizar os telefones (62) 32940212 ou 81333351, para
que possamos marcar dias e horários.
Agradecemos desde já a atenção.
Atenciosamente,
Cynthia Quinan Fleury
Psicóloga CRP 09/4930
Cristiane Batista Silva
Psicóloga CRP 09/4724
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Anexo 2
CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DAS PESSOAS DA FAMÍLIA
COMO SUJEITOS
Eu,___________________________________, RG №________________
CPF №__________________,
Eu,___________________________________, RG №________________
CPF №__________________,
Eu,___________________________________, RG №________________
CPF №__________________,
Eu,___________________________________, RG №________________
CPF №__________________, concordo em participar do estudo Processo
psicoterapêutico e reconfiguração familiar em enlutados: um estudo
fenomenológico. Fui devidamente informado e esclarecido pelas pesquisadoras
Cristiane Batista Silva e Cynthia Quinan Fleury acerca do estudo, os procedimentos
nele envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes de minha
participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer
momento, sem que isso me leve a qualquer penalidade ou interrupção de meu
acompanhamento/assistência/tratamento.
Local e data_________________________________________________________
Nome do sujeito ou responsável:_________________________________________
Nome do sujeito ou responsável:_________________________________________
Nome do sujeito ou responsável:_________________________________________
Nome do sujeito ou responsável:_________________________________________
Assinatura do sujeito ou responsável:_____________________________________
Assinatura do sujeito ou responsável:_____________________________________
Assinatura do sujeito ou responsável:_____________________________________
Assinatura do sujeito ou responsável:_____________________________________
Presenciamos a solicitação de consentimento, esclarecimentos sobre o estudo e
aceitação do sujeito em participar.
Testemunhas (não ligadas à equipe de pesquisadores):
Nome:_______________________________
Assinatura:____________________________
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Anexo 3
Transcrição da Entrevista - Participante Elias (Pai)
P: Como era a vida com a sua esposa?
S: A minha vida com ela foi cheia de fases. Nos últimos dois anos foi muito mais
forte. A gente ficou mais amigos. A vida da gente é uma série de situações de altos e
baixos como em um eletro encefalograma, mas nos últimos quatro, principalmente,
ficamos mais ligados, mais preocupados um com o outro. E a morte dela foi algo
muito forte pra mim. Pra mim tem sido muito difícil. Estávamos na nossa melhor
fase. E eu estou assim, extremamente abalado ainda.
P: E quais experiências você está vivendo com a morte da sua esposa?
S: Eu ainda estou de luto. Eu não tenho interesse, em outra mulher ou situação de
amor, em nada disso! Mas preciso cuidar dos meus filhos e das minhas coisas.
P: Então, essas são as experiências que você está vivendo com esse luto?
S: Não vivi experiência nenhuma. A vida pra mim está como um vácuo. Eu penso
nela, a minha vida é ela, sem ela pra mim a vida não tem muito sentido. Eu moro
ainda no mesmo apartamento que morava com ela. E tá complicado pra mim. Eu não
tenho ânimo pra fazer absolutamente nada. Fim de semana, por exemplo, eu não saio
de casa nem pra ir à padaria no domingo pra comprar pão, entendeu? Essas coisas me
preocupam, porque eu preciso achar um jeito de me movimentar, mas ao mesmo
tempo eu não tenho vontade. Eu não consigo sair de casa, eu não tenho vontade de
nada. Parece uma coisa assim tipo preguiça mesmo! Sabe, sair com um amigo, um
conhecido, é algo que não tenho vontade. Mas também eu não tenho uma atividade,
não tenho amigos, meus amigos são todos casais, é uma situação difícil. Eu estou
com dificuldades ainda nesse sentido.
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P: Então essas são experiências negativas que você está vivendo. Você consegue
perceber alguma experiência positiva com a morte de sua esposa?
S: A aproximação dos meus filhos. Obrigatoriamente eu precisei me inteirar mais. O
instinto de proteção da minha esposa mediava à relação pai e filhos, e isso é uma
coisa que eu acho que era ruim, porque o que acontece é que existem coisas que eles
acham que eu sou e eu não sou e existem coisas que eu tenho e que eles não
conhecem. Mas um ponto positivo é que hoje nosso relacionamento está melhor,
estamos mais próximos. Eu me preocupo mais com eles.
P: Como você percebe que vocês estão se reorganizando enquanto família diante da
morte de sua esposa?
S: Não estou fazendo nada. Eu estou completamente perdido. Antes éramos seis
pessoas na minha casa e hoje somos apenas três. Então, primeiro foi a morte da
minha esposa, depois a minha sogra que morava conosco foi embora, mudou de
cidade, e agora por último a Kelem que mudou também. E eu sou muito dependente
dessas mulheres, no sentido de, o modo de vida delas, como elas conduziam as
coisas. E eu não sei criar o meu próprio modo. Por isso que eu digo que estou
complemente perdido. Isso em todos os sentidos, no sentido de vida, de sentimento,
de profissional, tudo. Quero ir embora daqui, tenho outros planos. Penso que tenho
que começar uma vida nova. E às vezes tenho a impressão que estou como aqueles
jovens que acabam de sair de faculdade e pensam: “E agora? Que que eu faço?” Só
que ao mesmo tempo, eu percebo que eu não tenho muito tempo, penso que no
máximo tenho uns vinte anos. E é uma ambivalência de: tenho pressa, mas não
tenho; quero fazer, mas não quero. Uma preguiça emocional. Nunca pensei em ficar
tão perdido como estou agora. Percebo que estou fazendo algo sim, mas que não é o
suficiente.
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P: Então, você percebe que ainda está desorganizado?
S: Sim. É na verdade, uma desordenação de sentimentos. Fico tentando me manter
seguro por eles, mas é complicado. Melhorou muito porque nós éramos muito
afastados. Quando minha esposa estava viva percebo que era “teoricamente bom”,
porque o que acontecia na realidade é que ela mediava tudo, as dificuldades e tal. E
hoje eu percebo que, sem ela, a nossa relação é verdadeira. A gente se fala mais e eu
nunca tive esse sentimento com eles. Hoje eu não os vejo mais como crianças e
percebo que eles têm um nível tão bom quanto eu.
P: As sessões que vocês têm feito aqui, você percebe que têm ajudado?
S: Ajudou muito!
P: Em que você percebe que ajudou?
S: Principalmente com todas essas percepções que eu estou falando, sobretudo em
relação aos meus filhos. Penso que da outra vez quando fizemos terapia também,
ainda quando minha esposa estava viva, faltava muita maturidade para meus filhos e
pra mim também. Sem contar que a mãe mediava o tempo todo. E isso é errado!
Como agora não temos mais ela, parece que fluiu melhor, que foi mais verdadeiro! E
o contrato que fizemos logo no início de não comentar lá fora o que era feito na
terapia ajudou demais. Porque eu percebo que a palavra não transmite a pureza. E
por isso, que foi bom combinarmos de não comentar nada lá fora e sim expressar a
mudança através de atitudes. E é assim, que nós estamos buscando melhorar, pelas
atitudes e não ficar falando, ficar só na palavra. E funcionou! Tanto que a gente
continua vindo aqui.
P: Tem mais alguma coisa que você gostaria de acrescentar, que você acredita que
seja importante?
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S: Gostaria só de dizer que essas reuniões me ajudam muito com meus filhos. Me
ajuda a me equilibrar, a encontrar o meu equilíbrio. Sabe, hoje não existe nada de
material, financeiro que me interesse ter, ou alcançar. Eu gostaria mesmo é de ter
uma vida nova! Uma vez trabalhamos aqui sobre responsabilidade e eu e me filhos
até discordamos muito nesse sentido. Eles pensam uma coisa ao meu respeito e eu
penso outra, mas foi bom discutirmos sobre isso. Mas o que eu quero dizer é que eu
pude perceber que eu tenho responsabilidade sim, mas que eu sempre fiz as coisas
em função de alguém ou de alguma coisa ou situação. E hoje eu percebo que eu
preciso fazer algo em função de mim.
P: E hoje você percebe que tem feito alguma coisa em função de alguém?
S: Sim. Hoje eu vivo em função dos meus filhos. Sentimento, harmonia, dinheiro,
tudo em função do nosso relacionamento. Não estou fazendo nada que eu gostaria de
fazer, mas tenho medo de dar esse grito de liberdade. Eu gostaria mesmo é que eles
fossem mais independentes, corressem mais atrás. E percebo que eles não sentem
isso, porque tem tudo que precisam em casa. A Mariana, por exemplo, têm vinte e
cinco anos eu com essa idade já trabalhava e tinha dois filhos. Tá certo, ela estuda,
faz faculdade, trabalha num emprego que mal dá pro transporte dela, ganhando uns
500 reais. O Valdir estuda também, faz os biquinhos dele, ganha uns trocados, mas
eu não vejo neles aquela coisa de correr atrás pra conseguir coisa melhor e isso por
quê? Porque tem quem banca as coisas dentro de casa, porque todo o dinheiro que eu
ganho eu coloco em casa! E eu penso: Será que eu tenho que tirar isso deles pra que
eles possam correr atrás? Agora durante as férias, os dois de folga sem trabalhar e
não fizeram nada. Só acordando tarde, assistindo televisão, saindo todos os dias. Por
quê? Tem aquela historia da vaquinha provedora conhecem né? E a vaquinha sou eu.
E eu preciso dar esse grito, não só pela questão financeira. E ai, eu fico perdido! Sem
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saber o que fazer! Será que é isso mesmo que eu tenho que fazer? Tenho medo de
soltá-los as feras lá fora. Não posso ter um filho de quarenta anos em casa
dependente, como em muitos casos que a gente vê por ai. E isso eu não quero!
P: Este é um assunto que percebo que é realmente importante pra você e que nós
podemos trabalhar se você quiser nas sessões junto com seus filhos.
P: Agora podemos finalizar? Mais alguma coisa?
S: Não, está tudo bem!
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Anexo 4
Transcrição da Entrevista – Participante Mariana
P: Mariana, nós gostaríamos que você nos dissesse como era sua vida com a sua
mãe?
S: Nossa que pergunta difícil! Ah, não sei. Era assim normal! Era uma vida como de
quem tem mãe. Rs. Não sei o que dizer.
P: E como é a vida assim de quem tem mãe?
S: Ah, não sei. Minha mãe assim ela dava atenção. Eu sentia mais assim, eu me
sentia como se eu tivesse assim, mais casa, do que hoje eu tenho, entendeu? Casa da
mãe, essas coisas. Era bom! Tinha mais atenção, eu tinha mais cuidado. Era bom,
assim. Assim, não sei explicar. Não sei explicar. Assim eu só sei explicar o que
mudou, entendeu?
P: E o que mudou?
S: Ah, mudou assim, tipo, ta mais independente, de ser assim mais por minha conta,
esperar menos assim do meu pai. Ah, essas coisas! Mais responsabilidade, essas
coisas.
P: Mariana, e dessas coisas que mudaram você consegue perceber o que foi positivo
e o que foi negativo?
S: Não, foi positivo, porque eu fiquei mais independente, mas o resto tudo eu acho
que foi negativo. A não ser pelo fato também de ter aprendido a conviver mais com
as outras pessoas da minha família, porque até então a gente vivia mais assim com a
ligação da minha mãe no meio, né? Então, isso foi bom! Já o resto nada foi bom!
P: O que você considera como o resto?
S: Ah, o resto! Menos cuidado, menos atenção, menos carinho, essas coisas, tudo
isso aí. A presença dela, né? Tudo. Isso!
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P: E assim, como você percebe que sua família tem buscado se reorganizar depois
que sua mãe morreu?
S: Ah, assim, eu acho que a gente ainda está caminhando. Não acho que já está
organizado, não. Ainda mais agora com a saída da Kelem. Ta estranho, assim. O
conceito de família vai mudando. Então. Ah, eu não sei. Acho que ainda não está
assim, ainda bem organizado, não. Ainda está muito confuso, assim.
P: Mas também não está do mesmo jeito.
S: Não, não está! E isso não é bom! Preferia do jeito que era. Porque era bom quando
a minha mãe tava viva. É porque aí, era mais fácil de você definir o papel de cada
um, quem deve fazer o que. E aí depois que minha mãe morreu o papel teve que ser
dividido e era um papel muito grande, e ninguém faz isso. Aí é difícil, porque meu
pai não tem papel de pai. E então, isso dificulta um pouco.
P: Como você percebe que estão definidos os papéis hoje na sua família?
S: Hoje? De quem mora na minha casa ou ainda junto com a Kelem?
P: De quem mora na sua casa hoje.
S: Aí, eu já não sei! Aí, eu já acho que ta uma bagunça. Eu estou me abstendo de
qualquer papel! Eu não quero! Não quero pegar papel nenhum! E, eu estou vivendo
assim. Eu não quero pegar nada, eu tento assim, fazer algumas coisas com meu pai,
mas não ta tento jeito não. Não tem papel. Porque se fosse pra eu tentar papel de
filha, eu não posso ter só papel de filha, porque eu também tenho que cuidar da casa,
porque meu pai ele não se importa, meu irmão não se importa, então ninguém se
importa, e eu me importo, então, sobra só pra mim. Então é confuso! Não tem papel.
Não existe papel definido.
P: E toda essa situação que você está colocando é com a ausência da Kelem. Você
percebe se havia alguma diferença com a presença dela?
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S: A Kelem faz total diferença! Porque a Kelem ela é muito mais assim do que eu.
Ela sabe muito mais é, conter uma casa do que eu, então ela faz muita diferença,
porque ela divide, assim. Mesmo que ela não sabe tudo, a gente divide muito bem! E
aí fica mais fácil. Agora sem a Kelem, parece que: Ah, mulher é que é a única que
fica preocupada, sabe? Porque eles não tão nem aí. Então que se dane! E aí, sobra pra
mim, porque eu não sou assim, né? Então, com a Kelem pelo menos a gente dividia
isso, com eles não tem jeito! Porque eles não se importam mesmo! Assim, com a
casa.
P: Então, você está dizendo que depois da morte da sua mãe, quando a Kelem estava
em casa, essas divisões ficavam um pouco mais fáceis. E agora que ela teve que se
mudar isso está mais difícil.
S: Ta muito mais!
P: Ficou só pra você.
S: É, não ficou porque eu não estou querendo isso não! Eu estou passando pra frente.
Então, não ficou pra mim não! Mas é o que todo mundo espera! E eu estou tentando
fazer assim, pra não ficar insuportável pra mim, né? Então, eu vou fazendo o que dá.
E eu estou tentando respeitar mais assim, ser menos invasiva com meu pai e com o
Valdir. Então, é, por exemplo, a gente ta muito apertado de grana. Pai vamo pagar
essa conta. Daí ele: Ah, não, não quero! Ok, a dívida é dele! Então ta, não quer
pagar, problema dele. Pronto, tchau! E se fosse antes eu iria ficar desesperada. Então
vai cortar, vai acabar, tudo isso! Mas é uma opção dele, o que que eu posso fazer? O
pai da família é ele. E isso ele tem estranhado, sabe? Ele reclama que eu estou muito
distante, mas não é. Eu to deixando ele tomar as decisões de pai. Eu não vou mais
ficar de cima não, igual à Kelem ficava. E acho que por ela ficar eu também ficava.
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Então, não quero! Eu faço até um certo ponto, depois não vou fazer mais não. Só
quando for na minha casa, na minha família mesmo, que eu for construir.
P: Nessa família atual você não quer assumir isso?
S: Não, não quero! Porque, eu não sei. Não, é a minha... Não é a minha escolha, ser
dona de casa.
P: E então, vocês estiveram aqui, tiveram seis sessões, participaram da terapia de
família. Você acha que ajudou?
S: Eu acho!
P: Como?
S: Ajudou muito assim, primeiro: ajudou a ter diálogo, porque a minha família
sempre foi de discutir bastante, assim. As conversas que a gente tinha aqui, direto a
gente tinha lá em casa, mas eu acho que às vezes a gente ficava assim meio que sem
encerrar, sabe? Sem concluir as coisas. Então, ajudou demais! Ajudou a entender o
que é do outro e o que é seu. Ah, não sei! A minha relação, por exemplo, com o
Valdir melhorou demais! E com todo mundo também, até com meu pai. Porque ah,
eu achava que tava tudo bem, e foi quando ele ficou reclamando de mim lá, que eu
tava chata e tal. Mas até então, eu nem sabia, pra mim tava tudo bem. Mas, acho que
melhorou sim!
P: Com todos?
S: Com todos!
P: Em que sentido?
S: Nesse mesmo de conversa! De ficar mais assim tranqüilo, eu to tentando ser muito
tranqüila, sabe? Você ta com problema, você tenta resolver, se você quiser você me
pede. Sabe? Eu não vou ficar mais indo atrás não! Eu não quero fazer o papel da
minha mãe! Então, cada um vai viver a sua vida. Então, o que meu pai fica
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reclamando é isso, porque eu quero viver minha vida, mais independente, com mais
privacidade. Sabe, assim? E aí ele reclama disso! Porque meu pai é extremamente
invasivo! Então, ele é muito curioso, muito invasivo, então ele quer o tempo inteiro
ficar caindo em cima da sua vida, saber as coisas que você faz, quer que você conte
tudo. Mas não é nem por preocupação, é por curiosidade! Pra ta sempre em cima! E
eu to evitando isso, aí ele fica reclamando que eu to muito distante. Mas eu não to!
Eu acho que talvez eu nunca esteja estado tão presente. E ele não percebe, porque ele
é muito curioso.
P: Tem mais alguma coisa que você gostaria de colocar que você considera
importante?
S: Não, não tem nada. Não me vem nada na cabeça agora.
P: E como você está se sentido nesse momento? Depois de ter tocado em todos esses
assuntos?
S: Ah, não sei. Falar da minha mãe ainda é difícil pra mim! Mas eu to bem! To
tentando lidar com isso! Aos poucos. Bem aos poucos, né? Já tem quase dois anos,
mas é assim.
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Anexo 5
Transcrição da Entrevista – Participante Valdir
P: Valdir, nós gostaríamos que primeiro você falasse um pouco de como era a sua
vida com a sua mãe. A sua convivência...
S: Ah, minha mãe... Era mãe! Lógico ela era mãe, sabe, claro pegava no pé e enchia
meu saco, essas coisas chatas. Mas eu acho que mesmo assim, a convivência sempre
foi muito tranqüila, sabe? Minha mãe ela me escutava, ela se interessava por mim e
ela percebia quando eu precisava dela, nem sempre eu precisava procurar e tal. E era
muito legal isso! Isso era muito bom nela! Ao mesmo tempo, eu acho também que
ela era muito controladora, que ela manipulava a gente, muito! Sabe? Muito forte e
tal. E uma coisa que é até mais recentemente, de uns cinco anos pra cá, eu já estava
conseguindo me libertar, me desvencilhar e tal. Mas assim, com ela, a minha relação
sempre foi muito tranqüila, com muito respeito. Minha mãe sempre respeitou muito
as minhas vontades, sabe? Ela entendia o que eu queria e o que eu não queria, e
aceitava e tal. Diferente do meu pai, assim. Tudo ela era muito contundente. Mas era
de boa assim.
P: Bom, e quais experiências que você acha que você tem vivido com a morte da sua
mãe?
S: Ah, eu acho que. Pra falar a verdade, assim, eu tento esquecer que minha mãe
morreu! Eu tento esquecer que ela... Eu disfarço, sabe? A morte da minha mãe a todo
o momento. Acho que ter tido experiências com a morte dela... Mas, é, pode ser que
sim! Pode ser que eu tenha me aproximado mais do meu pai, mas muito pouco,
assim. Tem dias que eu penso que foi um pouco mais. Hoje, por exemplo, eu to
pensando que foi pouco. E, eu tenho me tornardo um pouco mais depende de outras
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pessoas, sabe? Emocionalmente, assim. Que, às vezes assim, antes, ela me bastava.
Hoje eu procuro mais a Kelem, recentemente eu tenho procurado muito mais a
Mariana também. E, mais é isso, só assim. Não sei se tive experiências assim com a
falta dela.
P: Você consegue distinguir, Valdir, entre (é claro que a morte da sua mãe foi ruim, e
houve muitas coisas negativas), mas consegue perceber pontos negativos, mas
também positivos?
S: A única coisa que eu vejo é ela ter parado de sofrer! Porque era a coisa que mais
incomodava a nós. Não mais. Queria que ela tivesse aqui comigo agora.
P: Então, de positivo esse é o único que você consegue perceber. E de negativo, tem
mais alguma coisa que você gostaria de colocar além do que você já falou?
S: Acho que é falta, é saber que minha esposa não vai conhecer minha mãe, meus
filhos não vão ter avó. Essas coisas todas, assim. (Se emociona)
P: Parece que falar da sua mãe te deixa emocionado.
S: É. A falta da minha mãe me deixa emocionado, sempre.
P: O que você sente?
S: Parece que falta ar até. Eu não sei explicar. Não sei! Doe demais! (chora). Doe
demais aqui! Doe muito! Doe pensar que não vou mais conversar com ela, acho que
é isso mesmo! (chora).
P: Como que você acha que sua família tem conseguido se reorganizar depois que
sua mãe morreu?
S: Num primeiro momento, tava muito complicado