Primeiras conclusões sobre o levante que mudou o Brasil e nossas tarefas políticas
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Coordenação nacional do MES-PSOL:
Primeiras conclusões sobre o levante que mudou o Brasil e nossas
tarefas políticas
1) Vivemos duas semanas de um grande levante juvenil e popular no qual o povo
mostrou sua força. Tivemos mobilizações em quase todas as cidades do país. Os
números foram impressionantes. Na segunda-feira, 17 de Junho, mais de 150 mil
pessoas marcharam em São Paulo, pela redução da tarifa e contra a repressão policial.
Na quinta seguinte, dia 20, a imprensa falou em quase dois milhões de pessoas, com
epicentro no Rio de Janeiro, com mais de 700 mil presentes (algumas fontes sérias
falam em mais de 1 milhão). Na semana seguinte, apesar de manifestações menores,
ainda tivemos 120 mil pessoas em Belo Horizonte, 70 mil em Fortaleza, bem como
dezena de milhares em várias capitais. As cidades do interior em todo o país não
quiseram ficar de fora. Vários setores populares se somaram ao movimento: passeatas
na Zona Leste e Sul de São Paulo, na Região de Guarulhos e ABC, nas caminhadas
na Rocinha, Maré e Vidigal, no Rio de Janeiro. Este acontecimento histórico altera de
modo qualitativo a situação política nacional, produzindo uma mudança de
consciência de massas e colocando o ascenso das lutas sociais e políticas no centro da
situação nacional. O “povo unido, jamais será vencido!”, deixou de ser uma palavra
de ordem da vanguarda e virou uma conclusão evidente. Estamos mais fortes e
confiantes para os próximos embates. Este é o grande saldo positivo do movimento.
2) Tal acontecimento foi superior ao Fora Collor e lembra a explosão de energia
dos anos 60. Foi uma mobilização que se insurgiu contra o conjunto da velha política,
das instituições desgastadas do regime, contra a “partidocracia”. Foi uma rebelião
contra as altas tarifas e os péssimos serviços voltados para a maioria do povo
brasileiro. Uma demonstração do esgotamento do modelo “lulista”, onde apesar do
aquecimento do mercado, da contenção relativa do desemprego, não houve nenhuma
mudança estrutural na vida dos trabalhadores das grandes cidades. A contradição
principal entre o modelo de acumulação, baseado nos investimentos públicos
beneficiando grandes empreiteiras e consórcios de “logística” explodiu em dois temas
centrais: o transporte e os gastos com a Copa. Tal contradição pode ser possível pela
lógica excludente deste “modelo de cidade”, onde o tema do transporte galvanizou, a
partir da intervenção de parcelas da juventude, a insatisfação de todo o povo.
3) O país entrou na rota dos indignados, marca de países como Grécia, Espanha,
Portugal, Turquia, Egito e Tunísia, para citar alguns centros da luta de classes
mundial. O Brasil passou a integrar a vanguarda do ascenso, dando um novo patamar
de lutas para a América Latina e dificultando sobremaneira a estabilidade dos planos
capitalistas no continente. A entrada do “gigante desperto” vai reorganizar
globalmente a situação internacional. O povo egípcio segue sua revolução: no dia 30
de Junho, cerca de 15 milhões de pessoas saíram às ruas para pedir o fim do governo
e exigir novas eleições. Portugal viveu na semana passada uma contundente greve
geral. O fato do Brasil ter cumprido um papel de freio às mobilizações continentais
na última década mostra o tamanho da mudança. O mesmo país que imprimiu uma
lógica subimperalista, do ponto vista econômico e político, agora cumpre um papel
diferenciado na cabeça de milhões, especialmente na América Latina e nos países de
língua portuguesa.
4) A entrada do Brasil na onda mundial de ocupação das ruas e protestos é um
marco conclusivo do aprofundamento das mudanças desse novo período histórico
aberto com a crise econômica mundial. Do mesmo modo que aconteceu na Turquia -
um país com relativa estabilidade econômica e níveis de desemprego bastante
inferiores aos da Europa - o Brasil dá claras demonstrações da falência da política de
que a economia mundial poderia se escorar por um período consistente no suposto
novo desenvolvimento dos novos países industrializados. Os levantes turco e
brasileiro tiveram a explosividade e combatividade tão grandes porque enfrentaram
diretamente os principais projetos capitalistas para seus países, expressos nos
processos de reestruturação urbana contra seus povos e suas juventudes há muito
carentes de direitos e de democracia real. Não por acaso a luta contra a corrupção
apareceu de maneira protagonista e espontânea em todas as grandes manifestações do
mês de junho combinada às lutas urbanas contra a tragédia dos transportes públicos e
as obras da Copa e das Olimpíadas. Quanto maior a necessidade das empreiteiras,
construtoras, bancos e grandes corporações de valorizar seu capital, maior é o poder
da FIFA, do COI e de outros organismos multilaterais de passarem por cima de
direitos e legislações vigentes, amparados de maneira segura pelos sistema político
corrupto brasileiro. A ligação entre a situação concreta da vida dos trabalhadores nas
cidades com saúde, educação, transportes e moradia em situação dramática e as
benesses asseguradas pelo sistema corrupto expresso nos grandes empreendimentos
imobiliários, esportivos e urbanos é direta e evidente para o povo.
5) As conquistas que foram arrancadas mostram que ocorreu uma mudança muito
clara na relação de forças entre as classes, uma mudança a favor dos trabalhadores e
da juventude. Em poucos dias foram reduzidas tarifas de centenas de cidades e na
maioria das capitais, a PEC 37 caiu, a corrupção foi considerada crime hediondo e o
passe livre foi prometido até por Renan, e parcialmente será adotado no Rio Grande
do Sul e Goiás. Ao mesmo tempo o governo fala em reforma da política, primeiro
falando de constituinte (recuando em 24 horas por pressão da burguesia e da oposição
de direita) e depois de plebiscito. Daqui para frente muitas lutas vão pipocar pelo
país. A greve geral do dia 11, embora tenha sido convocada para descomprimir e
controlar melhor o movimento de massas, será um momento importante, tendo em
vista que, mesmo tendo as direções burocráticas à frente, permitirá a entrada em cena
do movimento operário de modo organizado. Nas fábricas, nos bairros populares, nas
escolas e universidades veremos o grande desenvolvimento da consciência política
provocado por este tsunami político. Consciência da força da luta e da necessidade de
organização. O PSOL tem que mostrar a sua utilidade e capacidade para ajudar a
organizar a indignação. Se o fizer, vai se diferenciar e ganhar a confiança do melhor
da vanguarda lutadora.
6) O PT como partido chefe de um projeto burguês de conciliação de classes foi
um dos principais alvos da indignação das massas. Por isso não se podia ver nenhuma
bandeira deste partido nem suas figuras nas marchas e manifestações. É claro que
todo este processo tem mostrado um avanço enorme da consciência do povo
brasileiro e de sua juventude, mais instruída, mais conectada com o que ocorre no
mundo e sem o peso nas costas representado pela traição do PT. É o levante desta
juventude que provoca um golpe irreparável para este partido e que coloca o governo
Dilma contra as cordas. O PT como principal estabilizador da política burguesa do
país recebeu um golpe irreversível. A oposição burguesa não pode tampouco
capitalizar. Suas propostas também se chocavam com as demandas progressistas do
movimento de massas. Dilma caiu vertiginosamente nas pesquisas de opinião. Sua
avaliação caiu em 27 pontos. O conjunto dos governantes saiu desgastado:
despencaram Alckmin, Paes, Cabral e Haddad. Esse desgaste vai ser multiplicado em
todas as esferas do poder, nos Estados e nos municípios.
7) A violência contra os que lutam é o último recurso para manter o status quo
quando os mecanismos “democráticos” falham, isto é, quando o povo deixa de
acreditar no que as classes dominantes querem que ele acredite. A utilização de
caveirões e blindados nas ruas de Belo Horizonte, Fortaleza e Rio de Janeiro prova
como as forças da ordem atacam o povo quando mobilizado. Intensificar a luta pela
desmilitarização das polícias é necessário. Preparar-se para os enfrentamentos
também. Os saques prejudicaram o movimento, pois incutiram medo em uma parte
do povo. Há que compreender o fenômeno. Eles são resultado do sistema podre que
combatemos, que produz jovens marginalizados, que nada tem a perder e que
convivem com a violência policial cotidianamente, vivenciando as chacinas -como a
mais recente na Favela da Maré- e as incursões bélicas da polícia que invade casas e
humilha cidadãos, sempre protegida pela impunidade.
8) O verdadeiro vandalismo ocorre diariamente na política. Somente vândalos
entregam quase 50% do orçamento do país para pagar juros da dívida pública ou
bilhões para empreiteiras executarem obras da Copa, super faturadas e de interesse
futuro totalmente duvidoso. Foi contra o vandalismo político, perpetrado pelos
agentes públicos, que o povo se levantou. A rejeição às bandeiras dos partidos nas
manifestações foi maximizada pela mídia, mas era real. Não é um fenômeno
brasileiro. Foi assim na Espanha, Portugal, Grécia e na Primavera árabe. A
representação política tradicional ruiu. O papel do PT no governo e a cooptação de
grande parte dos movimentos sociais está na raiz deste sentimento. Isso não significa
que a maioria defenda o fim dos partidos ou um a ditadura. Esses são uma ínfima
minoria. Ao contrário, a luta foi também por mais democracia, por instituições que
tenham conexão com o povo.
9) A ideia de que a direita estava por trás das manifestações demonstra o
desespero do PT diante da sua própria falência enquanto instrumento de mobilização:
A direita está dentro e apóia o governo Dilma ( Delfim, Maluf, Sarney, Calheiros,
Collor, etc.), Haddad e Alckmin se uniram para defender a repressão contra as
mobilizações em SP, os militares estão felizes com Dilma que lhes assegurou
manutenção da anistia, os banqueiros e empreiteiros nunca lucraram tanto... Então
onde estaria a direita golpista? O que se viu na rua foi o inverso: o povo, a partir da
juventude colocou uma série de pautas progressistas e reivindicatórias. O levante,
embora com demandas diversas ( todas progressistas), teve um pano de fundo
objetivamente anticapitalista. Eclodiu por uma combinação de elementos, cujo
estopim foi o desastre de um transporte público caro, sucateado e sem investimentos,
mas foi muito além. O fato de que tal processo de massas tenha coincidido com a
copa das confederações não foi à toa: representou o cansaço do povo com a
manipulação e com a opção da burguesia para investir em obras sem interesse social
– com aportes de recursos públicos – enquanto a saúde e a educação públicas estão
deterioradas. No terreno dos costumes, a defesa da liberdade sexual, expressa na luta
contra o projeto de Cura Gay e no Fora Feliciano ampliou o caráter democrático e
avançado do conjunto da pauta.
10) A dinâmica da economia é de estagnação, aumento da inflação e do
desemprego, como reconhece até mesmo o Banco Central. A tendência é que as
contradições atuais aumentem e que a classe trabalhadora intensifique suas ações e
sua organização independente. Quando teremos uma próxima revolta é imprevisível,
assim como foi imprevisível esta. Mas o PSOL deve escolher de modo claro seu lado,
que não pode ser outro que não o lado do povo e da juventude, estimulando sua
organização, bem como a construção de um programa que reúna as demandas do
atual levante e indique um caminho de enfrentamento contra os banqueiros, os
grandes empresários e os seus governos. O fato é que os conflitos vão se multiplicar.
Seja pela via do corte de estradas, por paralisações e greves setoriais, ocupações. O
que vai primar no ascenso será a multiplicação das lutas.
11) Infelizmente as direções tradicionais da classe trabalhadora no terreno do
movimento sindical são pró-governistas e burocráticas. Estiveram contra o levante
atual e tentarão controlar o ascenso que se abriu. Ao mesmo tempo, para que tenham
alguma capacidade de controle exigirão algo em troca, já que terão mais peso na
relação com o governo, cuja dependência destas direções aumentou. Assim, até
mesmo estas direções terão que oferecer alguma resistência quando os projetos de
ajuste forem executados pelos governantes. O chamado à paralisação nacional de 11
de julho é prova disso. Para que possam controlar algo precisam tomar alguma
iniciativa de luta. De nossa parte é hora de apostar na construção de novas direções
assim como os jovens, que estão trabalhando para construir alternativas sociais e
políticas, como expressam o Movimento Passe Livre e o Coletivo Juntos, além de
outras organizações juvenis e populares. A construção de uma nova direção e a
organização dos trabalhadores e do movimento juvenil e popular passa pelo debate de
programa e a luta pelas demandas dos movimentos (passe livre, auditoria nas obras
da copa, fim da repressão com desmilitarização das PMs), além de bandeiras
econômicas e sociais como a defesa dos salários, taxação sobre as grandes fortunas,
suspensão do pagamento da dívida pública e auditoria, e também a defesa das lutas
camponesas, indígenas e pelos direitos civis, contra a homofobia e contra o
machismo.
12) O repúdio às direções tradicionais expressa também uma dificuldade: ainda não
existe nenhum direção com autoridade suficiente para ajudar a centralizar uma linha
política e organizativa ao conjunto do movimento. Algumas experiências
embrionárias como o Bloco de Lutas em Porto Alegre, os Comitês da Copa em BH e
as plenárias de movimentos sociais no Rio, mostram que coordenações de
movimentos sociais são passos importantes, porém incipientes. O problema
organizativo é fundamental para o movimento. Vão seguir mais e mais lutas. A
paralisação dos caminhoneiros, a greve de rodoviários em capitais como Manaus e
Recife já apontam para esse caminho. Ao mesmo tempo o movimento deve ir
fortalecendo suas próprias instituições, construindo seu sistema de representação,
fortalecendo os partidos que reivindiquem o levante de junho e continuem fiéis a ele.
13) Independentemente que do ponto de vista eleitoral seja improvável a expressão
clara da consciência e dos interesses do movimento de massas, até mesmo neste
terreno os partidos tradicionais devem ter prejuízos graves. Tal processo compromete
o que parecia provável: a reeleição de Dilma. Talvez ela não venha nem mesmo a ser
candidata e o PT tenha que apelar para a volta Lula. O PSDB e seu candidato Aécio
não têm condições de capitalizar porque seu caráter burguês é ainda mais evidente do
que os interesses burgueses defendidos pelo petismo. No terreno eleitoral Marina se
fortalece para surfar na onda das redes anti-partido, mas seu compromisso com a
burguesia e com os setores atrasados da Igreja Evangélica não lhe permite ser uma
autentica porta voz da revolta. Nosso partido é uma representação ainda parcial e
insuficiente mas, mesmo com suas limitações, representa muitas das questões
pautadas pelas ruas. Outra tendência que marca a situação é o provável crescimento
dos votos nulos e brancos, como expressão da crise da partidocracia tradicional.
Neste quadro, o PSOL pode crescer no terreno eleitoral e mais ainda no terreno da
organização da luta do povo e da juventude. Isso também está relacionado com o
caráter do movimento de massas que eclodiu. Um dos estopins desta rebelião
nacional foi acesso em Porto Alegre, pela juventude em luta e pelo PSOL, cuja
bancada na Câmara dos Vereadores entrou com ação cautelar na Justiça contra o
aumento das tarifas e venceu, vitória que animou o movimento em SP, a partir do
qual o processo se nacionalizou e se massificou.
14) O governo Dilma ruiu junto com sua proposta de constituinte, que durou
menos de 24 horas. A resposta que o governo deu às ruas não tocou nos problemas
centrais que o povo questionou. O plebiscito da reforma política será uma farsa
democrática. Mudar o sistema eleitoral não mudará a política. É preciso reorganizar o
país através de uma Assembléia Popular Constituinte, exclusiva, com plenos
poderes e com deputados que possam ser eleitos sem partido, em uma eleição sem
interferência do poder econômico.
15) Uma reforma política real teria que interferir no cerne do que tem feito da
política uma carreira e um grande negócio. Alguns exemplos: salários dos políticos
iguais aos dos professores; corte de de cargos de confiança; nada de privilégios como
carros oficiais, aposentadorias especiais; igualdade no tempo de propaganda política,
o fim da venda do tempo de TV através das coligações; fim do financiamento das
campanhas pelas empresas privadas; fim da compra de votos através da contratação
de cabos eleitorais pagos; limite de número de mandatos parlamentares; fim da
reeleição para o Executivo e revogabilidade dos mandatos.
16) A luta contra a corrupção é uma bandeira que deve ser disputada pela esquerda.
O fervor das ruas contra a PEC 37 foi extremamente positivo. Tanto é assim que foi
Plinio de Arruda Sampaio, como que encabeçou a luta para que incluir este parágrafo
na Constituição. A lei aprovada que trata corrupção como crime hediondo é de autoria
original de Babá. Como afirmou Safatle numa palestra na USP: a esquerda não pode
abandonar a luta contra a corrupção, gostaria de ver, metaforicamente, o último
mensaleiro enforcado nas tripas do primeiro tucano, empreiteiro,etc.
17) Também não basta uma reforma política. É preciso mexer no funcionamento da
economia do país, que está amarrada aos interesses do grande capital financeiro. É
preciso medidas concretas que garantam que os recursos públicos sejam utilizados
para melhorar a saúde, educação e o transporte público. Taxar as grandes fortunas,
como foi proposto por Luciana Genro quando deputada federal, e diminuir os
impostos da classe trabalhadora são parte disso. Isso deve ser articulado com a luta
pela anulação da Reforma da Previdência, uma pauta que deve ser recolocada na
agenda, a partir da nova relação de forças aberta. Ainda como parte do programa:
Auditoria da dívida pública e das obras da Copa. Nada de empréstimos do BNDES
para grandes empreiteiras. Fim das privatizações e terceirizações e fortalecimento do
Estado para prestar serviços públicos de qualidade.
18) Para construirmos uma saída política pela esquerda, o fundamental é
avançarmos na disputa da sociedade, forjando nossa militância, escutando as vozes
das ruas e organizando em todos os terrenos a disputa pela construção de uma
alternativa dos trabalhadores, do povo pobre, camponeses,dos sem terra e dos
indígenas, uma alternativa que tenha entre seus protagonistas decisivos esta
combativa juventude que tomou as ruas e mudou o Brasil.
Coordenação Nacional do Movimento Esquerda Socialista (MES) - PSOL
02 de Julho de 2013