PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO · e mestrandos, do Laboratório de Psicologia...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO CONSELHO DE ENSINO E PESQUISA (CEPE) COMISSÃO DE PESQUISA RELATÓRIO FINAL AVALIAÇÃO DO REPERTÓRIO INICIAL DE CRIANÇAS/ADOLESCENTES COM DESENVOLVIMENTO ATÍPICO: ANÁLISE DE DOIS TESTES COM ESSA FINALIDADE SUBPROJETO 3: ANÁLISE COMPARATIVA DOS DOIS PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO DO REPERTÓRIO INICIAL PESQUISADORA: Juliana Palma de Godoi ORIENTADORA: Paula Suzana Gioia ABRIL 2006

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

CONSELHO DE ENSINO E PESQUISA (CEPE)

COMISSÃO DE PESQUISA

RELATÓRIO FINAL

AVALIAÇÃO DO REPERTÓRIO INICIAL DE CRIANÇAS/ADOLESCENTES COM

DESENVOLVIMENTO ATÍPICO: ANÁLISE DE DOIS TESTES COM ESSA

FINALIDADE

SUBPROJETO 3: ANÁLISE COMPARATIVA DOS DOIS PROCEDIMENTOS DE

AVALIAÇÃO DO REPERTÓRIO INICIAL

PESQUISADORA: Juliana Palma de Godoi

ORIENTADORA: Paula Suzana Gioia

ABRIL

2006

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1ª parte - Relatório das Atividades Desenvolvidas

No projeto de pesquisa proposto em agosto de 2004, apresentou-se como

objetivos: a) analisar os resultados obtidos na aplicação de dois instrumentos de

avaliação de repertório inicial (ABLA – Assessment of Basic Learning Abillities; e o

currículo do NECC – New England Center for Children), b) avaliar sua eficiência

na identificação de desempenhos já instalados e a serem treinados em crianças e

adolescentes com desenvolvimento atípico e c) comparar os dois testes entre si.

Isto significa que o presente subprojeto pretendeu avaliar os dois

instrumentos indicadores de desempenhos discriminativos adquiridos e a serem

adquiridos comparativamente, isto é, um em relação ao outro, quanto à sua

eficiência (precisão, rapidez, facilidade) na identificação desses repertórios.

Cumprindo as exigências do CEPE, segue-se o relato do trabalho

desenvolvido de março de 2005 a março de 2006 para dar conta dos objetivos

acima mencionados.

a) Atividades desenvolvidas nos 12 meses de trabalho:

Participação em reuniões semanais com duração de duas horas. Faziam parte

da reunião: uma das professoras orientadoras, uma ex-aluna (Mestre) que

trabalha com crianças com desenvolvimento atípico na Santa Casa, as três

pesquisadoras responsáveis por cada subprojeto desta pesquisa e um aluno

de 5º ano cuja pesquisa para o trabalho de conclusão de curso (TCC) diz

respeito à avaliação de repertório discriminativo de crianças autistas. Estas

reuniões duravam 2 horas e consistiam em discussões sobre revisão de

literatura, construção do material de coleta de dados, procedimentos de coleta,

primeiros resultados, etc. Nesse sentido, as reuniões semanais foram

fundamentais para a produção do trabalho.

Leitura de textos selecionados pelas professoras orientadoras para a revisão

bibliográfica. Estas leituras eram realizadas anteriormente à realização da

reunião e o texto a ser lido era diferente para cada uma das pesquisadoras.

Elaboração de fichamentos dos textos lidos, ou seja, as pesquisadoras

selecionavam as informações mais importantes do texto lido, para depois

sistematizá-las em um material escrito para apresentação no grupo, nas

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reuniões semanais e, após estas apresentações, as informações do texto eram

discutidas e podiam ou não contribuir com a pesquisa. Essa atividade de

apresentação e fichamento para os outros membros garantiu que as

pesquisadoras se empenhassem mais na leitura, uma vez que era necessário

que os colegas, que não haviam lido o mesmo material, pudessem

compreendê-lo. Esta forma de revisar a literatura proporcionou ao grupo mais

agilidade e economia de tempo. Os novos textos lidos foram incluídos na

introdução original do trabalho.

Construção do material para a coleta de dados (material de avaliação e folhas

de registros exigidos pelos dois testes ABLA e NECC). Esta construção exigia

muitas tarefas diferentes, o que fez com que o grupo dedicasse muito tempo e

esforço nessa atividade. O trabalho foi feito em conjunto, cada pesquisadora

construiu uma parte do material, com a supervisão das professoras e da ex-

aluna (Mestre) que participava do grupo. A construção do material dos testes

proporcionou às pesquisadoras maior conhecimento acerca de seus processos

de avaliação de repertório discriminativo, dado que, para construir o material,

era preciso entender detalhadamente o funcionamento e procedimento das

avaliações (como eram aplicadas, quais seus objetivos, sua validade, etc).

Treinos da aplicação dos testes (role playing). Esses treinos eram realizados

durante as reuniões, envolvendo alguém que já tivesse aplicado o teste. Nos

treinos utilizávamos a técnica de role playing, ou seja, uma pessoa que já havia

aplicado o teste (inicialmente o aluno que conduzia o TCC) fazia o papel do

sujeito/participante e outro pesquisador que nunca havia aplicado o teste em

questão, agia como se estivesse aplicando o teste. Com estas dramatizações

era possível identificar dificuldades, compreender todos os passos e os

detalhes da aplicação, desde a instrução ao participante, o que fazer no acerto,

no erro, o timing exigido, como registrar os dados, etc. Durante os treinos

também discutíamos aspectos práticos da aplicação dos testes muito

relevantes para seus resultados, destas discussões surgiam decisões acerca

de possíveis mudanças nos procedimentos de coleta de dados.

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Coleta dos dados, ou seja, aplicação dos testes em 6 sujeitos; em cinco a

aplicação dos dois testes (ABLA e NECC) e em um apenas o ABLA.

Observação de outra pesquisadora na aplicação, com o objetivo de testar a

fidedignidade dos registros, bem como auxiliar na aplicação e/ou aprender

melhor sobre os procedimentos de avaliação. Esta observadora externa à

avaliação estava, neste sentido, sendo treinada a aplicar o teste, fazendo o

teste de fidedignidade e, ainda, era quem executava o pós-teste, que deveria

ser feito por um avaliador diferente do primeiro (exigência do NECC).

Desenvolvimento do relatório parcial enviado ao CEPE em agosto de 2005.

Neste relatório foram organizados e já parcialmente analisados os primeiros

resultados obtidos com as aplicações dos testes, bem como foi revista a

introdução com a inclusão de novos textos lidos. O relatório parcial também

apresentou alterações no método de coleta de dados, que se foram fazendo

necessárias no decorrer do processo.

Análise dos resultados: construção e descrição de gráficos, discussão dos

resultados e levantamento de questões, críticas e conclusões acerca da

comparação entre os dois testes.

Construção de um painel e de uma apresentação em data show para levar a

pesquisa parcial a congressos e encontros. Este trabalho consistiu na

execução de resumos para enviar aos congressos, planejamento e execução

de um painel, construção de gráficos e organização dos dados para serem

apresentados.

Execução do relatório final individual da pesquisa. Este trabalho exigiu que

todo o projeto e seu andamento fossem revistos, houve modificações na

introdução com a inclusão de novos textos, alterações no método e

complementação dos resultados com novos dados coletados no segundo

semestre de 2005.

b) Atividades acadêmico-culturais:

Apresentação da pesquisa parcialmente desenvolvida no XIV Encontro

Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental, que se deu de 25 a

5

28 de agosto de 2005 em Campinas - SP. A presente pesquisa foi apresentada

em forma de painel no dia 27 de agosto de 2005, contendo introdução, método

e primeiros resultados.

Apresentação da pesquisa parcialmente desenvolvida na IV Jornada de

Análise do Comportamento da Universidade Federal de São Carlos, nos

dias 17 e 18 de setembro de 2005 em São Carlos - SP. Foi apresentado um

painel contendo introdução, método e os primeiros resultados coletados e já

analisados.

Apresentação oral da pesquisa parcialmente desenvolvida no X LABEX

(Apresentação dos trabalhos desenvolvidos em 2005 pelos alunos, graduandos

e mestrandos, do Laboratório de Psicologia Experimental da PUC-SP), nos

dias 5 e 6 de dezembro de 2005 em São Paulo - SP. A pesquisa foi

apresentada, no dia 5 de dezembro de 2005, de forma oral com os dados

mostrados em data show. As alunas foram questionadas pelos professores e

alunos da platéia e receberam sugestões e críticas que contribuíram para a

continuidade do trabalho.

c) Sistemática adotada pela orientadora:

A orientação foi feita semanalmente, nas reuniões, por meio de instruções

acerca do que e como fazer em relação à elaboração do material a ser usado na

avaliação e no registro dos dados.

A orientação também foi feita, durante as reuniões, com relação a:

escolha e discussão dos textos de revisão de literatura;

aspectos teóricos e práticos da avaliação dos repertórios envolvidos

nos testes;

discussão e análise dos resultados obtidos na coleta de dados;

alterações que, após algumas aplicações, se fizeram necessárias

tanto no procedimento de coleta de dados quanto no próprio material

da coleta. Nas reuniões apresentávamos os resultados obtidos e

juntos tomávamos decisões acerca de mudanças na aplicação dos

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testes em decorrência de particularidades dos sujeitos ou de

problemas nas avaliações.

construção de material para apresentação do trabalho nos

congressos e encontros;

execução e correção dos relatórios parcial e final.

d) Objetivos alcançados:

De acordo com o cronograma do projeto de pesquisa, realizamos

integralmente todas as atividades previstas para os doze meses de trabalho:

revisão da literatura pertinente e sua inclusão na introdução original do projeto de

pesquisa, elaboração do método de coleta de dados e suas modificações

necessárias, construção do material dos testes, coleta de todos os dados,

construção e descrição de gráficos com os resultados, análise dos resultados,

elaboração do texto para a discussão final, apresentação do trabalho para a

comunidade científica e execução dos relatórios parciais e finais.

e) Dificuldades encontradas e estratégias usadas para superá-las:

Encontramos dificuldades em relação ao material e procedimento de

avaliação dos testes, principalmente do teste proposto pelo NECC (New England

Center for Children), pois a pesquisa que estamos utilizando como base para a

aplicação deste teste (Johnson e colaboradoras, 2000) não é esclarecedora, isto

é, não descreve detalhadamente o material e o procedimento de avaliação

utilizados. Isto significa que precisamos criar um material para a avaliação dos

objetivos propostos, o que tornou esta atividade mais longa do que previmos,

atrasando a coleta.

Além disso, surgiram dificuldades relacionadas às particularidades dos

sujeitos, como, por exemplo, falta de motivação para a execução das tarefas

propostas. Estas dificuldades foram superadas após várias discussões em grupo,

que resultaram em modificações no material de coleta de dados, bem como nos

procedimentos de avaliação.

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f) Alterações feitas no trabalho original:

As alterações feitas no trabalho original limitaram-se ao método. Foram

elas:

Inicialmente pensamos em trabalhar com 5 participantes com desenvolvimento

atípico inscritas por seus pais em uma clínica que se propõe a desenvolver,

para cada criança, um programa educacional fundamentado na análise do

comportamento. Desta clínica participaram da coleta apenas duas crianças,

pois decidimos atender também um adolescente autista de um programa de

inclusão em uma escola pública* e três crianças atendidas no ambulatório da

Santa Casa de São Paulo**. Como a aplicação de um dos testes é

extremamente longa, já que envolve também o treino das habilidades não

apresentadas pelos participantes, não conseguimos aumentar o número de

participantes. A inclusão de uns significa a exclusão de outros. Os novos

sujeitos da pesquisa passaram pelos mesmos critérios de escolha de

participantes proposto no projeto de pesquisa, tendo o contato com as

instituições sido feito previamente e nossa proposta de trabalho aceita por

ambas.

Algumas alterações foram feitas no procedimento de avaliação proposto pelo

NECC devido a grande quantidade de erros que a avaliação estava gerando

em um dos participantes. Decidimos elaborar tarefas mais simples antes da

realização de algumas consideradas muito difíceis. Como a presente pesquisa

visava analisar os dois tipos de testes, estas alterações farão parte dos

resultados e estão descritas abaixo no Relatório Científico.

Modificamos a seqüência de aplicação dos testes. No projeto original foi

proposto que duas crianças iniciariam a avaliação do repertório inicial com o

teste ABLA e duas com o teste utilizado no NECC, e a quinta criança faria

parte de um teste e parte de outro. Durante a coleta de dados percebemos que

* A escola pública possui uma sala para atendimento de alunos com “necessidades especiais”, no entanto, a

professora responsável pela sala não teve qualquer tipo de formação para esse atendimento. A observação e

discussão do que fazemos tem-lhe ajudado a desenvolver atividades e formas de lidar com outras crianças. ** A Santa Casa possui um ambulatório de atendimento a crianças com desenvolvimento atípico e aceitou

nossa proposta de avaliação de repertório discriminativo, o que possibilitou que entrássemos em contato com

outro tipo de clientela e outra forma de atendimento.

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seria mais adequado aplicarmos os dois testes em todas as crianças para

compararmos os resultados e os aspectos práticos da aplicação. Nesse

sentido, os participantes, com exceção de uma criança, passaram

primeiramente pelo teste ABLA e em seguida pela avaliação do NECC. Apenas

uma criança foi avaliada somente com o ABLA, pois condições pessoais

impossibilitaram sua avaliação com o currículo do NECC. A aplicação dos dois

testes nos participantes se tornou necessária também porque à medida que

coletávamos dados percebemos que os testes avaliam repertórios diferentes, o

que está explicado mais detalhadamente no Relatório Científico.

2ª parte - Relatório Científico:

a) Resumo da pesquisa:

A proposta educacional skinneriana visa o ensino de acordo com o desempenho

de cada aprendiz. Testes de avaliação de repertório inicial podem orientar o

planejamento de atividades individuais. O presente estudo avalia dois testes:

ABLA (Avaliação de Habilidades Básicas de Aprendizagem) e o criado pelo NECC

(New England Center for Children). Ambos oferecem subsídios para o

planejamento de futuros treinos/intervenções educacionais com crianças e

adolescentes com desenvolvimento atípico (Johnson e colaboradores, 2000 e

Guilhardi, 2003). O ABLA contém discriminações básicas em tarefas simples. Já o

NECC consiste num currículo de ensino completo e detalhado (discriminações

simples à equivalência de estímulos) que avalia e ensina as habilidades. Este

estudo pretendeu analisar comparativamente os testes. Participaram seis

crianças: um aluno de uma escola pública, dois clientes de uma clínica psicológica

particular e três pacientes do ambulatório da Santa Casa de São Paulo. Os

resultados comparativos entre os testes indicam que: a)nenhuma das tarefas

propostas por um se sobrepõe as do outro; b)a aplicação do ABLA é rápida e sem

interrupção, além de ser de fácil treino para outros profissionais; c)o currículo

testado e ensinado no material do NECC permite a programação, para o ambiente

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escolar, da manutenção de habilidades adquiridas e de novas tarefas, além disso,

por ser material impresso adequa-se melhor à situação acadêmica; d)são mais

confiáveis os resultados de avaliação do NECC do que do ABLA enquanto

preditores de desempenhos que envolvem controle condicional de estímulos. Foi

encontrado 100% de concordância entre os observadores em 75 tentativas.

b) Introdução:

De acordo com Skinner (1983), entre as incompreensões que cercam o

behaviorismo radical encontra-se a que alega que a abordagem desconsidera a

singularidade humana, ou seja, entende-se que o homem não é um ser

absolutamente único, dono de um repertório comportamental só seu. Assim como

menciona essa e outras críticas dirigidas ao behaviorismo radical, Skinner (1959)

também afirma considerá-las todas falsas, já que, segundo ele, “a singularidade

do indivíduo é incontestável na visão cientifica” (p.17). Para o autor não é possível

deixar de lado a individualidade se estamos falando de histórias de reforçamento

operante, ou seja, histórias que produzem a pessoa.

Uma pessoa não é um agente que origine; é um lugar, um ponto em que múltiplas condições genéticas e ambientais se reúnem num efeito conjunto. Como tal, ela permanece indiscutivelmente única. Ninguém mais (a menos que possua um gêmeo idêntico) possui sua dotação genética e, sem exceção, ninguém mais tem sua história pessoal. Daí se segue que ninguém mais se comportará precisamente da mesma maneira. (Skinner, 1993, p.145-146)

Um outro caminho para atestarmos a preocupação skinneriana com a

singularidade está na forma de produção de conhecimento, ou seja, na análise

experimental do comportamento e sua defesa de o sujeito ser seu próprio controle

- a metodologia do caso único. Aqui as médias estatísticas nada nos revelam em

termos do comportamento de um indivíduo e, dessa forma, não nos ajudam a

prever e controlar seu comportamento.

Na proposta educacional skinneriana também observamos a preocupação

em considerar cada indivíduo como singular, uma vez que o sucesso do ensino

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depende do planejamento de contingências que permitam ao aluno caminhar no

seu próprio ritmo, em função do que sabe e do que ainda precisa aprender.

Ao nos referirmos à preocupação com a singularidade, simultaneamente

mencionamos aspectos fundamentais da obra skinneriana: a educação e a

pesquisa. Segundo Guilhardi (2004), Skinner, além de ter inovado a metodologia

de pesquisa ao enfatizar os comportamento dos organismos individuais, também

salientou o caráter transformador da educação por meio da qual seria possível

aprimorar o desenvolvimento humano. Para Skinner (1972) educação e cultura se

entrelaçam na medida em que uma contribui para o sucesso da outra, ou como

afirma o autor, “idealmente, um sistema de educação deve maximizar as

oportunidades que a cultura tem não só de lidar com seus problemas, mas de

aumentar firmemente sua capacidade de faze-lo” (p. 222).

Entendemos que uma das formas de aprender a lidar com os problemas

humanos é pesquisando, produzindo conhecimento sobre nossos problemas

humanos e consideramos que um de nossos problemas é contribuir para que

crianças/adolescentes com desenvolvimento atípico sejam eficientemente

atendidos a fim de que aprendam comportamentos importantes para sua vida

cotidiana, ou como diria Skinner (1987, p. 42) “ajudar a quem não pode ajudar a si

mesmo fortalece uma cultura”.

A análise do comportamento tem se mostrado eficiente no atendimento de

crianças com repertório atípico. De acordo com Guilhardi (2003), desde o início da

década de 60, vários pesquisadores vêm relatando intervenções bem sucedidas

baseadas na Análise Aplicada do Comportamento junto a crianças com

desenvolvimento atípico.

Um exemplo desse tipo de trabalho foi realizado por Bagaiollo e Guilhardi

(2002). O estudo consistiu numa intervenção com uma criança autista de 7 anos

de idade. O programa conteve os seguintes passos pré-estabelecidos e

compatíveis com o repertório inicial da criança: 1) definição das classes de

respostas a serem instaladas/mantidas ou minimizadas; 2) observar e registrar os

dados obtidos durante toda a intervenção; 3) estabelecer uma linha de base; 4)

estabelecer metas a serem cumpridas; 5) escolher os procedimentos mais

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adequados ao caso particular e individual; 6) programar a generalização 7)

avaliação constante do programa a partir dos dados coletados.

Tais passos foram ocorrendo simultaneamente no decorrer da intervenção.

A preocupação com a rigidez e sistematização do processo era consistente com o

caráter científico das pesquisas em análise do comportamento, dado que,

segundo as autoras o trabalho científico é mais eficaz e confiável.

Os resultados mostraram que as respostas inadequadas diminuíram muito

num período de, apenas, 10 meses de trabalho, caindo para menos da metade

das respostas emitidas na linha de base. Quanto à instalação de um repertório

apropriado, a quantidade de tentativas necessárias para que fosse atingido o

critério de aprendizagem foi diminuindo muito no decorrer do programa. Com o

tempo, a criança passou a aprender as novas atividades já na linha de base. Isto

mostra que aprendeu a aprender.

Esta pesquisa indica que o rigor científico é melhor tanto para a produção

de conhecimento quanto para o próprio sujeito da intervenção e sua família -

quanto mais rígido o controle e o procedimento da intervenção mais as pessoas

envolvidas confiam nele e maior é sua eficácia. Também Goulart e Assis (2002)

compartilham dessa visão. Para os autores as pesquisas aplicadas satisfazem de

forma mais imediata as necessidades do indivíduo e as expectativas de seus

familiares, pois conseguem aproximar o ambiente terapêutico do ambiente natural

do sujeito e, com isso, atingem maior generalização de habilidades úteis à

convivência social do autista. Para esses autores a mudança do comportamento

só se dá efetivamente sob uma intervenção cientificamente estruturada, intensiva,

sistematizada e organizada. O cuidado no controle experimental é de suma

importância para a avaliação dos efeitos das variáveis manipuladas, bem como,

dos efeitos da intervenção sobre o repertório do sujeito.

Uma outra conclusão que tem advindo das pesquisas sobre intervenção em

Análise Experimental do Comportamento com sujeitos com desenvolvimento

atípico é que o resultado é melhor quanto mais precoce for o diagnóstico e o início

da aplicação dos programas de intervenção.

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Segundo Goulart e Assis (2002), o quadro apresentado por esses trabalhos

é animador, uma vez que “a pesquisa na análise do comportamento tem

contribuído para a identificação e compreensão das variáveis que afetam o

repertório de indivíduos autistas” (p.151).

Para essa conclusão os autores se apoiaram em uma análise sobre os

trabalhos em análise do comportamento com autistas publicados nos últimos 15

anos que avaliavam o repertório comportamental dessa população com a

finalidade de instalação de novas habilidades. Segundo eles, existem poucos

trabalhos buscando estabelecer comportamentos novos e adequados, a maioria

busca, apenas, eliminar os comportamentos inadequados.

Ainda segundo os mesmos autores, o aumento das pesquisas nesta área

tem contribuído com técnicas de diagnóstico.

Considerando a singularidade de cada criança, podemos afirmar que um

dos pontos importantes da proposta educacional a ser implementada deve partir,

portanto, de um diagnóstico individual ou, melhor dizendo, da avaliação do

repertório inicial para que se possa planejar uma intervenção voltada para cada

criança em particular. Assim, podemos dizer que resultados de pesquisas com

crianças com desenvolvimento atípico que investigam técnicas ou testes de

avaliação do repertório inicial tornam-se uma importante contribuição.

As intervenções devem partir do ensino de unidades de comportamento

reduzidas e mensuráveis, para, então, construir o comportamento complexo.

Um exemplo de pesquisa com essa finalidade foi conduzida por Guilhardi

(2003). A autora trabalhou com o teste ABLA (Avaliação de Habilidades Básicas

de Aprendizagem). Seu objetivo era investigar se os resultados no teste poderiam

predizer o desempenho de quatro crianças com desenvolvimento típico e 10 com

desenvolvimento atípico em outras tarefas que envolvam o mesmo tipo de controle

de estímulos.

O teste ABLA foi construído por Kerr, Meyerson e Flora (1977) e tem sido

utilizado para a identificação de habilidades básicas de indivíduos caracterizados

como tendo retardo mental moderado e severo.

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O ABLA é composto por seis tarefas: imitação simples; discriminação de

posição; discriminação visual; discriminação de escolha de acordo com o modelo;

discriminação auditiva e discriminação auditiva-visual (Anexo 1). A aplicação do

teste é feita com a intenção de averiguar a facilidade com que a criança

aprenderia seis tipos de discriminações, organizadas de forma hierárquica. Com o

teste, segundo seus autores, pode-se prever o desempenho dos indivíduos em

outras tarefas que exigem o mesmo tipo de habilidade, assim, se o indivíduo no

teste responde corretamente às tarefas de discriminação auditivo-visual ele

deveria responder também corretamente a tarefas que exigem esse tipo de

discriminação em situações do seu cotidiano.

O trabalho de Guilhardi (2003) pretendeu averiguar as relações entre o

desempenho no ABLA e o desempenho em um treino de discriminações

condicionais e em testes de equivalência. Embora o teste já tivesse se mostrado

um bom preditor em tarefas de treino acadêmicas e vocacionais, a autora

pretendia averiguar a possibilidade de estender a sua previsibilidade a tarefas de

treino de discriminações condicionais arbitrárias e formação de classes de

estímulos equivalentes, o que facilitaria o planejamento do treino de habilidades

das crianças avaliadas.

Os participantes da pesquisa de Guilhardi (2003) foram 10 crianças com

desenvolvimento atípico (autismo, paralisia cerebral, síndromes congênitas, etc) e

quatro crianças com desenvolvimento típico. Os participantes com

desenvolvimento atípico foram selecionados a partir do desempenho no teste

ABLA, de tal forma que havia duas crianças em cada nível de desempenho (duas

no nível 1, duas no nível 2, duas no nível 3, duas no nível 4 e duas no nível 6). As

crianças com desenvolvimento típico também foram selecionadas a partir do

desempenho no ABLA, uma no nível 1, uma no nível 3, um no nível 4 e um no

nível 6. As crianças foram distribuídas em três grupos:

Controle: 5 participantes com desenvolvimento atípico, cada um em um nível do

ABLA;

Experimental atípico: 5 participantes com desenvolvimento atípico, cada um em

um nível do ABLA;

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Experimental típico: os 4 participantes com desenvolvimento típico (nível 1, 3, 4

e 6 no ABLA).

Os resultados mostraram que, em parte, o ABLA pôde prever o

desempenho dos participantes nos treinos de discriminação condicional e no teste

de formação de classes de estímulos equivalentes, caso o participante tenha tido

desempenho no nível 6, isto é, os participantes que tiveram desempenho nos

níveis 1, 2 ou 3 tiveram desempenhos piores. Segundo a autora,

mesmo que o ABLA não possa ser usado como um preditor completamente confiável do desempenho futuro em treinos/testes que envolvem controle condicional de estímulos (...), ainda assim o teste pode ser muito útil, uma vez que os profissionais poderiam tomar os resultados como um indicador de possíveis dimensões ´salientes´ de estímulos para um indivíduo particular e poderiam, então, prepararem-se para tal possibilidade com procedimentos de ensino mais refinados e individualizados e com uma análise mais detalhada de quais são os controles de estímulos que as contingências em vigor em um treino podem estar mantendo ... (Guilhardi, 2003, p. 206)

Na mesma direção proposta por Guilhardi (2003) encontra-se o trabalho de

Johnson e colaboradoras (2000). De acordo com as autoras, nos últimos 20 anos

tem se desenvolvido uma rica tecnologia para o estabelecimento de

discriminações simples e condicional, uma vez que esses processos

comportamentais estão envolvidos em praticamente todas as habilidades

humanas. No entanto, foram feitos poucos estudos com procedimentos de

discriminação condicional e equivalência de estímulos em ambientes do cotidiano,

isto é, fora das situações dos laboratórios de aprendizagem. De acordo com as

autoras, a literatura, embora vasta, ainda não foi traduzida em um programa

instrucional a ser usado em situações aplicadas, o que, para elas, significa uma

distância entre a pesquisa experimental e a prática, especialmente em se tratando

de crianças com desenvolvimento atípico. Um grande número de aprendizes com

autismo, retardo mental e outras inabilidades se beneficiariam substancialmente

se houvesse interventores que utilizassem uma tecnologia baseada na pesquisa

de controle de estímulos.

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A proposta de Johnson e colaboradoras (2000) consiste em transformar o

conhecimento produzido pela pesquisa básica em um currículo que inclui

procedimentos de avaliação, de treino discriminativo simples até o

desenvolvimento de repertório baseado em classes de estímulos equivalentes.

O currículo (Anexo 2) proposto pelas autoras tem sido utilizado em uma

instituição americana que atende crianças/adolescentes com desenvolvimento

atípico – New England Center for Children - NECC. Para implementar tal currículo

Johnson e colaboradoras (2000) utilizam os procedimentos de discriminações

simples e condicionais que foram identificados na literatura como efetivos no

ensino de crianças com dificuldades severas de aprendizagem.

Esse currículo é formado por oito níveis em ordem hierárquica: de

desempenhos mais simples (discriminação visual simultânea) ao mais complexos

(desenvolvimento de classes de equivalência de quatro termos). As autoras

denominam cada tipo de desempenho como um nível curricular que se subdivide

em subníveis definidos pelo arranjo de estímulos ou pelo tipo de estímulo

envolvido.

Além do desempenho discriminativo, o currículo propõe a avaliação e treino

de “comportamento de sessão”, ou seja, uma série de comportamentos

indispensáveis para a execução das tarefas curriculares, tais como: sentar-se

adequadamente, olhar para o aparato com os estímulos, esperar entre as

tentativas, não iniciar comportamentos de estereotipia (Anexo 3). Assim há uma

lista de comportamentos de sessão que devem ser emitidos para que se possa

aplicar o teste e identificar precisamente a falha como decorrente da ausência de

repertório discriminativo para executar a tarefa correspondente ao nível curricular

testado.

Os testes iniciais do currículo desenvolvido por Johnson e colaboradoras

(2000) prevêem que a criança comece no nível 1 (discriminação simples) ou no

nível 4 (matching de identidade). Esses desempenhos são pré-testados; se

ocorrerem 8 entre 9 respostas corretas, a avaliação prossegue nos níveis mais

complexos. Nessa proposta a criança é inicialmente pré-testada no nível 4

(matching condicional de identidade); se o critério não for alcançado, avalia-se a

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criança a partir do nível 1 e assim sucessivamente até que não atinja o critério de

acerto de um determinado nível. O resultado da avaliação inicial indica onde deve

ser iniciado o treino para cada uma das crianças.

Da mesma forma que o teste ABLA, antes de iniciar o treino das tarefas

curriculares do NECC, há a avaliação do repertório de entrada. Isso significa que o

atendimento curricular no NECC de uma criança/adolescente com

desenvolvimento atípico é determinado pelo resultado dessa avaliação preliminar.

Mais uma vez constata-se a importância do respeito ao repertório de cada

criança para a efetividade do trabalho educacional.

Como já foi dito, o currículo do NECC não visa apenas à avaliação de

habilidades discriminativas, se propõe também a ensinar tais habilidades às

crianças que não atingirem o critério de acertos para passarem de um

determinado nível. Para este treino o currículo do NECC utiliza o ensino

programado Matching to Sample ou Escolha de acordo com o Modelo.

Muitas pesquisas em análise do comportamento têm mostrado a eficiência

do ensino programado e baseado em unidades mínimas de comportamento,

principalmente com crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico.

Dube, McDonald, McIlvane e Mackay (1991) comprovaram a eficiência do

uso de CRMTS (Constructed Response Matching to Sample) para ensinar dois

jovens com retardo mental a soletrarem palavras. O ensino foi feito através de um

computador de ensino programado, onde aparecia como estímulo modelo uma

palavra escrita, e 10 letras como estímulo comparação. O sujeito deveria

selecionar as letras que formavam a palavra modelo. Foi feito um fading para

ensinar os participantes a escolherem as letras corretas (a letra correta piscava), e

outro fading para ensinar a selecionarem primeiro as letras da esquerda e depois

as da direta (diferente tonalidade da letra a ser escolhida primeiro). Também foi

feito um treino de emparelhamento arbitrário da palavra escrita com a figura e a da

palavra falada com a palavra escrita. As palavras aprendidas eram adicionadas a

uma linha de base cumulativa e novas palavras para serem treinadas eram

identificadas nas avaliações.

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Os resultados do estudo mostraram que o procedimento de CRMTS foi

eficiente no ensino de soletrar palavras e que houve uma generalização desta

habilidade aprendida, os indivíduos soletraram pelo menos uma palavra não

treinada. Foi comprovada também a transferência do controle de estímulos da

palavra (emparelhamento de identidade) para a figura (emparelhamento

arbitrário). Ainda houve um treino para a transferência da habilidade de “escrever”

por meio da seleção de letras na tela do computador para a escrita pelo teclado do

computador.

Os autores apontam algumas limitações do estudo e necessidades de mais

pesquisas na área. Entre estas limitações estão a superseletividade de estímulos

e o controle de estímulos restrito. São necessárias mais pesquisas que avaliem a

eficiência do programa de CRMTS para ensino em uma sala de aula.

Este e outros estudos reforçam as vantagens da instrução programada, ou

seja, há a garantia do reforço imediato; é possível que os procedimentos de fading

e as revisões sejam precisamente graduais e progressivos; permite a linha de

base cumulativa e individualizada; além de dar mais tempo ao professor para

planejar o ensino, já que este é automatizado.

Outro procedimento consideravelmente utilizado e estudado para o ensino

de habilidades e ensino acadêmico é o de aprendizagem sem erros. Ao discutir o

problema do erro na aprendizagem, Touchette (1984) afirma que o erro pode

ocasionar, por parte do aprendiz, apatia, mau humor, agressão e auto-agressão.

Portanto, o erro não é desejado quando se trata de procedimento de ensino.

Em estudo realizado pelo autor, a transferência de controle de estímulos

utilizando procedimento de atraso de dicas se mostrou eficaz para que fosse

possível a aprendizagem sem erros. A dica, uma vez controlando o

comportamento desejado, preveniria o aparecimento de comportamento não

desejado.

Ao utilizar a dica, o experimentador deve levar em conta que esta se trata

de um estímulo extrínseco à tarefa e que, portanto, a transferência no controle de

estímulos por ela exercido deve ser feita de modo a manter o aprendiz

respondendo mesmo depois de sua remoção.

18

No estudo, Touchette (1984) examinou como as diferentes formas de

reforçamento poderiam influenciar na transferência do controle de estímulos da

dica para o estímulo intrínseco à tarefa, ou seja, se o programa de reforçamento

poderia ou não influenciar a probabilidade de erros, levando-se em conta a

densidade do reforço e a latência de seu aparecimento após a resposta, e se os

efeitos dessas diferenças seriam importantes principalmente tratando-se de

indivíduos severamente retardados.

Foram participantes três estudantes severamente retardados, todos com

habilidade de (pelo menos) seguir instruções verbais simples. Discriminações

visuais foram ensinadas.

Antes de cada condição de treino, os estímulos eram apresentados aos

estudantes, para certificar-se de que as discriminações ainda não haviam sido

aprendidas (pré-teste). Nos treinos, havia três “condições” de reforçamento. Na

condição a, respostas corretas tanto antes quanto após a dica eram reforçadas em

CRF. Na condição b, respostas corretas antes da dica eram reforçadas em CRF e

respostas corretas após a dica eram reforçadas em FR3. Na condição c, respostas

corretas antes da dica eram reforçadas em FR3 e respostas corretas após a dica

eram reforçadas em CRF.

A variação entre as condições foi insuficiente para revelar alguma relação

entre a resposta e a contingência de reforçamento em efeito. Mesmo assim, o

autor defende que quando o esquema de reforçamento é o mesmo para ambas as

respostas (antes e depois da dica), o estudante não fica esperando para receber o

reforço, ou seja, responde antes da dica. Portanto, o atraso da dica é encorajador

da transferência do controle de estímulos.

Um estudo bastante considerado nas pesquisas da área do controle de

estímulos é o de Sidman (1994), que trabalhou com um jovem com microcefalia e

retardo severo. Após o treino, o jovem emparelhava de forma correta figura e

palavras faladas (emparelhamento arbitrário) e nomeava as figuras. O jovem não

emparelhava figuras com palavras escritas, assim como não nomeava as palavras

escritas. Vinte conjuntos de figuras, palavras faladas e palavras escritas foram

19

trabalhados nesse experimento. Os resultados mostraram que o jovem atingiu o

critério de aprendizagem para os vinte conjuntos, sendo capaz de fazer

corretamente os emparelhamentos e, sem treino, emparelhar figuras como modelo

a palavras impressas como comparação e emparelhar palavras impressas como

modelo a figuras como comparação, além de nomear palavras impressas. Com

esse estudo, Sidman propôs o paradigma da equivalência, onde se pode

entender o que foi denominado de leitura compreensiva. Esse trabalho nos mostra

que o emparelhamento arbitrário é um pré-requisito para o aprendizado de leitura

com compreensão. O sexto nível do material do NECC exige esse tipo de

discriminação e, assim sendo, as crianças que não atingirem critério de

aprendizagem nesse nível, não teriam sucesso no aprendizado de leitura,

necessitando aprender a fazer emparelhamento arbitrário.

Entendendo que testes precisos de avaliação do repertório do aprendiz são

um guia seguro para o planejamento de ensino, isto é, que podem conduzir e

orientar o professor no planejamento de atividades individuais para

crianças/adolescentes com desenvolvimento atípico, a presente pesquisa

pretendeu avaliar os dois testes acima descritos enquanto procedimentos de

avaliação de repertório de entrada para o planejamento de futuros

treinos/intervenções educacionais.

Nossa pesquisa pretendeu apoiar-se no trabalho de Guilhardi (2003) e no

trabalho de Johnson e colaboradoras (2000) quanto à utilização dos respectivos

testes de avaliação de desempenhos discriminativos, visando a) identificar o

repertório inicial para futuras intervenções e b) produzir uma análise da eficiência

de ambos os testes na avaliação inicial de repertórios discriminativos.

Pesquisas sob o enfoque da análise do comportamento junto a

crianças/adolescentes com desenvolvimento atípico, especialmente autistas, têm

sido desenvolvidas nos últimos anos no laboratório de Psicologia Experimental por

Cabrera (2001), Fazzio (2002), e Guilhardi (2003) e o resultado desses trabalhos

tem dirigido, cada vez mais, a preocupação em produzir novos conhecimentos que

possam ser revertidos em criação, análise e aperfeiçoamento de programas de

intervenção com crianças/adolescentes com esse perfil. Da mesma forma,

20

entendemos que os resultados das pesquisas que estamos propondo nesse

momento poderão ser vistos como subsídios importantes para o desenvolvimento

de futuras pesquisas que envolvam os programas de intervenção com essa

população.

O projeto proposto

Pretendeu-se analisar os resultados obtidos em ambos os instrumentos,

compará-los e avaliar sua eficiência na identificação de desempenhos já

instalados e a serem treinados em crianças/adolescentes com desenvolvimento

atípico. Foi, portanto, objetivo desta pesquisa analisar cada um dos dois testes em

si, como instrumentos indicadores de desempenhos discriminativos adquiridos e a

serem adquiridos, como também avaliá-los comparativamente, isto é, um em

relação ao outro, quanto à sua eficiência (precisão, rapidez, facilidade) na

identificação desses repertórios.

Considerando a extensão dos aspectos envolvidos na avaliação de testes

que avaliam repertórios discriminativos, o presente projeto foi dividido em 3

subprojetos, cada um atendendo claramente a um objetivo específico:

Subprojeto 1 – A utilização do teste ABLA na caracterização do repertório

inicial

O objetivo deste subprojeto foi caracterizar, por meio do ABLA, o repertório

inicial de crianças com desenvolvimento atípico.

Subprojeto 2 – A utilização da avaliação do NECC na caracterização do

repertório inicial

O objetivo deste subprojeto foi caracterizar, por meio do teste utilizado no

NECC, o repertório inicial de crianças com desenvolvimento atípico.

21

Subprojeto 3 – Análise comparativa dos dois procedimentos de avaliação do

repertório inicial

O objetivo deste subprojeto foi comparar os dois testes de caracterização

do repertório inicial de crianças com desenvolvimento atípico quanto sua facilidade

de aplicação, adequação das tarefas, complexidade crescente e precisão dos

resultados.

c) Método:

1. Características dos participantes que passaram pela avaliação

Tabela 1

participante idade sexo instituição Testes aplicados

R. 15 masculino Escola pública ABLA e NECC

F. 4 masculino Clínica

particular

ABLA e NECC

Lu. 5 masculino Clínica

particular

ABLA

C. 9 masculino Santa Casa ABLA e NECC

La. 9 feminino Santa Casa ABLA e NECC

J.V. 5 masculino Santa Casa ABLA e NECC

2. Escolha de itens que devem servir como reforçadores:

Antes do início da avaliação, cada criança foi testada quanto à preferência

de estímulos que foram, posteriormente, utilizados para conseqüênciar as

respostas corretas. Utilizamos o mesmo procedimento utilizado por Guilhardi

(2003) e o registro das respostas foi feito em uma folha de registro específica

(Anexo 4).

O teste de preferência de estímulos constou das seguintes etapas:

1. entrevista com algum membro da família para indicação de itens preferidos

da criança;

22

2. seleção de 7 itens (brinquedos, objetos ou comestíveis);

3. colocação dos itens sobre a mesa de trabalho e a instrução para a criança

escolher um deles ( a criança poderia tocar e/ou comer o item);

4. troca da posição dos itens restantes (os itens não foram repostos) e a

mesma instrução para escolher um. O procedimento prosseguia até que o

participante deixasse de escolher algum item em até 15 segundos, a partir

da instrução. Considerava-se a ordem de escolha como a ordem de

“preferência” e usaram-se os itens preferidos para reforçar as respostas

corretas nas avaliações dos dois testes simultaneamente com palavras

“bom”, “certo”, reconhecidas pela criança e indicadas pelos pais.

3. Aplicação do ABLA:

O experimentador:

a) Colocava os objetos de testagem sobre a mesa diante do participante;

b) Oferecia uma tentativa de demonstração da tarefa e dizia “Quando eu

disser onde é que isso vai, isso vai aqui”. O pesquisador completava, ele

mesmo, a tarefa: por exemplo, pegava o objeto de testagem e o

colocava na caixa vermelha. A única exceção era a tarefa de nível 6 na

qual, antes dessa instrução, o experimentador verbalizava também

“caixa vermelha” ou “lata amarela”.

c) Oferecia uma oportunidade de resposta independente;

d) Registrava as respostas emitidas nas tentativas de resposta

independente (Anexo 5).

Conseqüências para acerto e erro no teste ABLA

Todas as respostas corretas foram consequenciadas com elogio e com um

dos três itens preferidos em esquema de CRF. Se o participante errava nas

tentativas de resposta independente, o pesquisador realizava o procedimento de

correção que consistia na apresentação consecutiva de uma tentativa de

demonstração (modelação), uma tentativa com ajuda física e uma tentativa

independente. O procedimento de correção era realizado uma única vez. Se o

23

participante não respondesse corretamente atingia-se o critério de reprovação e

interrompia-se o teste.

Quadro 1 - Algumas características de cada tarefa do ABLA

níveis 1 2 3 4 6

recipientes e posição sobre a mesa

só caixa ou só lata posição fixa

Duas latas Posição fixa

Caixa e lata Posição aleatória

Caixa e lata posição aleatória

Caixa e lata posição aleatória

Objeto de testagem lego lego Lego

Cubo ou cilindro aleatoriamente apresentados

lego

Instrução verbal “Onde é que vai isto?”

“caixa vermelha” ou “lata amarela”

Resposta correta

Colocar o lego no recipiente apresentado

Colocar o lego no recipiente da esquerda, independente da posição

Colocar o lego na caixa independente da posição

Colocar o cubo na caixa e o cilindro na lata

Colocar o lego no recipiente apresentado na instrução

Fonte Guilhardi (2003 p. 49)

4. Aplicação do teste do NECC:

Os participantes podiam iniciar o treino tanto no nível 1 como no nível 4 do

currículo, a depender dos resultados da avaliação do repertório inicial pelo teste

ABLA. Com 5 participantes a avaliação pelo NECC iniciou-se no nível 4, já que

estes tiveram bom desempenho no teste ABLA. Apenas um participante começou

a avaliação do NECC pelo nível 1, tendo em vista seu fraco desempenho no teste

ABLA (ver explicação detalhada nos Resultados).

Cada sessão de teste iniciava-se com 3 tentativas de demonstração nas

quais o pesquisador apresentava o conjunto de estímulos e imediatamente

24

apontava o estímulo correto. As respostas nessas tentativas não eram incluídas

na pontuação total da sessão. Seguia-se, então 9 tentativas de teste nas quais o

pesquisador apresentava o conjunto de estímulos e esperava de 3 a 5 segundos

para que o participante respondesse. Todas as respostas corretas eram seguidas

por elogio e um item de preferência. As respostas incorretas ou ausência de

repostas no prazo limite eram seguidas pela retirada de material e retirada de

contato visual por 5 segundos.

Se o participante não respondesse ou respondesse com erro o pesquisador

reapresentava os estímulos e fornecia auxílio primeiro gestual e depois físico para

que o participante respondesse corretamente. O participante deveria atingir o

critério de realizar com independência 8 entre 9 tentativas e a sessão se

encerrava naquele nível se não o atingisse esse critério.

Registro das respostas no teste do NECC

Os pesquisadores registraram as respostas em todas as tentativas em folhas

especialmente preparadas. A variável sob observação foi o número de respostas

corretas realizadas independentemente em cada sessão de 9 tentativas.

d) Resultados:

1) ABLA

O teste ABLA foi aplicado em todos os sujeitos. Os gráficos abaixo mostram

o desempenho de cada participante na avaliação feita com este teste.

25

F.

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

0 5 10 15 20 25 30 35 40

1.Imitação

2.Discriminação de

Posição

3.Discriminação

Visual

4.Escolha de

Acordo com o

Modelo

6.Discriminação

Auditivo Visual

Figura 1. Desempenho do participante F. no teste ABLA. F. foi classificado no Nível 6 (Discriminação auditivo-visual). O

gráfico mostra que o participante acertou todas as tentativas nos níveis 1, 2, 4 e 6. Apenas no nível 3 F. precisou de 10

tentativas para atingir o critério (8 acertos consecutivos), pois errou na 2ª tentativa.

ABLA

C.

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

0 5 10 15 20 25 30 35 40

1.Imitação

2.Discriminação dePosição

3.DiscriminaçãoVisual

4.Escolha deAcordo com o

Modelo

6.DiscriminaçãoAuditivo Visual

Figura 3. Desempenho do participante C. no teste ABLA. C. foi classificado no nível 6 (discriminação auditivo-visual)

deste teste. Como mostra o gráfico, C. acertou todas as tentativas em todos os níveis do teste, isto é, passou em todos

os níveis com apenas 8 tentativas.

ABLA

26

R.

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

1.Imitação

2.Discriminação dePosição

3.DiscriminaçãoVisual

4.Escolha deAcordo com o

Modelo

6.DiscriminaçãoAuditivo Visual

Figura 5. Desempenho do participante R. no teste ABLA. A figura mostra o número de tentativas que foram necessárias

para que o participante atingisse o critério de aprovação em cada nível. R. apresentou 1 erro em cada um dos níveis 2, 3

e 4, sendo estes respectivamente nas tentativas 2, 6 e 2. Nos níveis 1 e 6, o sujeito acertou todas as tentativas.

ABLA

La.

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 65

1.Imitação

2.Discriminação dePosição

3.Discriminação

Visual

4.Escolha deAcordo com o

Modelo

6.DiscriminaçãoAuditivo Visual

Figura 7. Desempenho da participante La. no teste ABLA. No primeiro nível, a participante não apresentou erros. No nível 2, 5 erros aconteceram, não consecutivos, nas tentativas 1, 3, 5, 7 e 19. No nível 3, os erros aconteceram nas

tentativas 2, 4 e 7, e a participante atingiu o número de acertos para conclusão do nível. No nível 4, porém, o critério

para não aprovação foi atingido, com 8 erros não consecutivos, sendo esses nas tentativas 1, 2, 4, 5 (dois erros), 8 (dois erros) e 10, e o nível 6 não chegou a ser aplicado. Desta forma, La. ficou classificada no nível 3 do teste ABLA.

ABLA

27

J. V.

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50

1.Imitação

2.Discriminação de

Posição

3.Discriminação

Visual

4.Escolha de

Acordo com o

Modelo

6.Discriminação

Auditivo Visual

Figura 9. Desempenho do participante J.V. na aplicação do teste ABLA. J.V. cometeu um erro no primeiro nível e 100%

de acerto nos níveis 2, 3 e 4. No último nível, J.V. cometeu 8 erros e, portanto, não atingiu o critério de aprovação nesse

nível.

ABLA

Lu.ABLA

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55

1.Imitação

2.Discriminação dePosição

3.DiscriminaçãoVisual

4.Escolha deAcordo com o

Modelo

6.DiscriminaçãoAuditivo Visual

Figura 11. Desempenho do participante Lu. No teste ABLA. A figura mostra que o critério para aprovação no teste ABLA

não foi atingido pelo participante Lu. Nos níveis 1, 2, 3 e 4, Lu. atingiu critério para passar de nível sem nenhum erro,

totalizando 8 tentativas para cada um deles. Já no nível 6, o critério de oito tentativas corretas consecutivas não foi

alcançado, e Lu. não concluiu o nível. Apresentando 8 erros (que não precisam ser consecutivos), o teste foi encerrado

e o participante ficou classificado no nível 4 deste teste.

Podemos observar nos gráficos que todos os participantes tiveram 100% de

acertos no nível 1, apenas dois deles obtiveram erros no nível 2, metade deles

teve 100% de acertos no nível 3, quatro tiveram 100% de acertos no nível 4, e

28

metade dos participantes atingiu o critério de aprendizagem no último nível do

ABLA.

A participante La. passou por duas aplicações do teste. Na primeira vez, o

teste foi realizado com o material originalmente proposto, ou seja, ao invés de

duas latas amarelas serem usadas no nível 2, usou-se uma lata amarela e uma

caixa vermelha. La. não atingiu o critério de aprendizagem nesse nível, ficando,

portanto, no nível 1 do ABLA. Uma segunda aplicação foi feita, dessa vez com o

material proposto em Guilhardi (2003). A participante ficou no nível 3 do ABLA

nessa nova aplicação (ver gráfico). Isso nos mostra que, realmente, o material

original proposto não é adequado para o nível 2, já que não avalia a discriminação

que se propõe a avaliar (discriminação de posição).

2) NECC

A avaliação do currículo do NECC foi aplicada em apenas 5 participantes.

Com o participante Lu. esta avaliação não foi possível devido a problemas

referentes ao seu tratamento na clínica particular. Os gráficos abaixo mostram o

desempenho de cada participante na avaliação feita com o currículo proposto pelo

NECC.

F.NECC

Figura 2. Desempenho do participante F. na avaliação feita com o currículo do NECC. O teste começou no nível 4 e F. foi

classificado no Nível 5 (Matching de identidade condicional generalizado). O gráfico mostra que no nível 4 o participante não

obteve nenhum erro em ambos os grupos de estímulos. No nível 5 ocorreu apenas 1 erro na 8ª tentativa do subnível 5d (letras)

com o conjunto 2 de estímulos (letras minúsculas – b, d, p), por isso foram necessárias 17 tentativas para que o participante

passasse deste subnível. No nível 6 F. acertou todas as tentativas com os estímulos: objetos/figuras; números/quantidades; fotos/figuras; e figuras/objetos, com os demais estímulos (figuras/palavras escritas e palavras escritas/figuras), F. atingiu o

critério para parar o teste ao errar 3 vezes.

0

20

40

60

80

100

120

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 280 300

Nível 4

Nível 5

Nível 6

Grupo 2

Grupo 1

4a

4a

4b

4b

5a

5b

5c

5d

5e

29

C.NECC

Figura 4. Desempenho do participante C. na avaliação pelo currículo do NECC. (A avaliação ainda não foi concluída, não

sabemos a classificação do sujeito). O teste começou no nível 4. O gráfico mostra que neste nível C. acertou todas as

tentativas em ambos os grupos de estímulos. (Do nível 5 só foram aplicados o 5a e 5b até agora). Nos subníveis 5a conjuntos

1 e 2 de estímulos (objetos) e 5b conjuntos 1 e 2 de estímulos (fotos) C. também acertou todas as tentativas.

0

20

40

60

80

100

120

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 280 300

Nível 4

Nível 5

Nível 6

Grupo 2

Grupo 1

4a

4a

4b

4b

5a

5b

R.NECC

Figura 6. Desempenho do participante R. na avaliação feita com o currículo do NECC. A figura mostra que no nível 4 grupo 1 o

participante teve apenas 1 erro, no subnível 4a, na segunda tentativa. No grupo 2 de estímulos, o participante atingiu o critério

de erros para encerrar o teste. Como R. faz parte de uma pesquisa de TCC em que trabalha-se o currículo do NECC também

para treino, prosseguiu-se com a aplicação, sendo treinado com ele este subnível em que não atingira o critério para sucesso,

passando então para o nível 5. No nível 5, R. apresentou erros no subnível 5d – conjunto 2 (tentativas 3 e 4), atingindo novamente o critério para parar a avaliação. Treinando-se mais uma vez, o sujeito foi avaliado também no nível 6. Neste nível,

atingiu critério para finalizar o teste no segundo grupo testado (objeto-foto).

0

20

40

60

80

100

120

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 280 300

Nível 4

Nível 5

Nível 6

Grupo 2

Grupo 1

4a

4a

4b

4b

5a

5b

5c

5d

5e

30

La.NECC

Figura 8. Desempenho da participante La. nos níveis 4 e 5 do currículo do NECC. La. obteve 100% de acerto em todos os subníveis do nível 4. Esse foi o primeiro nível do teste aplicado. No nível 5, nos primeiros quatro subníveis aplicados, La. obteve

100% de acerto. La. atingiu o critério para o teste ser finalizado no quinto subnível (5c – conjunto 1: números em algarismos). A aplicação do nível 5 foi continuada, mas o subnível 5c – conjunto 2: números em algarismos não foi aplicado. La. obteve 100% de acerto nos outros subníveis, exceto no subnível 5d (letras minúsculas – conjunto 2).

0

20

40

60

80

100

120

0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 280 300

Nível 4

Nível 5

Nível 6

Grupo 2

Grupo 1

4a

4a

4b

4b

5a

5b

5c

5d

5e

J.V.NECC

0

2

4

6

8

10

12

14

0 2 4 6 8 10 12 14

Nível 1

Nível 2

Figura 10. Desempenho do participante J.V. na segunda aplicação (não atingiu o critério de aprovação do nível 4 na

primeira aplicação) do currículo do NECC. J.V. obteve 100% de acerto no nível 1 e atingiu o critério para encerramento do

teste após 2 erros no nível 2.

31

e) Discussão:

Observou-se que os níveis trabalhados no ABLA não poderiam ser

substituídos por nenhum nível do material do NECC por se tratarem de preditores

diferentes.

A facilidade com que o material do ABLA é construído, o seu baixo custo e

o fácil manejo (aprende-se rapidamente a manuseá-lo de forma adequada, pois as

folhas de registro têm linguagem clara e são auto-explicativas), nos possibilita

dizer que o teste poderia ser realizado rapidamente e em larga escala, mesmo em

um local em que os recursos financeiros sejam escassos.

Por outro lado, o ABLA não pareceu um bom preditor para desempenhos

que envolvam controle condicional de estímulos se comparado ao teste

desenvolvido pelo NECC.

De acordo com os resultados obtidos pelas aplicações do currículo do

NECC, pôde-se concluir que tal currículo tem uma complexidade que faz com que

ele não seja apenas um bom instrumento de avaliação de repertório inicial, mas

também um material utilizável para treinos discriminativos.

Suas tarefas não apenas avaliam o que o aprendiz faz e o que não faz

discriminativamente, mas servem ainda para ensinar comportamentos não

presentes em seu repertório. Esta proposta de treino, além de predição de

repertório, faz com que este material se torne importante e muito útil numa

intervenção comportamental em desenvolvimento atípico. Já o ABLA não foi

programado para ser utilizado no treino de habilidades, mas somente para avalia-

las.

A aplicação do currículo do NECC demanda do sujeito muitas respostas por

nível de dificuldade, sendo um material menos prático que o ABLA neste sentido.

Sua construção também é complexa, e o experimentador deve planejar sua

execução em várias sessões diferentes, de acordo com o desempenho de cada

sujeito.

O material do currículo do NECC (folhas impressas) também indica sua

adequação para treinos acadêmicos, o que ultrapassa apenas a predileção de

tarefas a serem propostas.

32

Justamente devido a este aspecto específico do currículo, houve algumas

adequações que fizemos para o presente estudo em relação a sua forma de

aplicação. Para melhor atingir o objetivo de analisar comparativamente o

currículo do NECC com o teste ABLA, tivemos que alterar o procedimento que

era proposto no estudo utilizado para nossa replicação. Mesmo assim,

consideramos não ser este um fator que invalidasse a comparação entre os dois,

já que ambos possuem tarefas que partem de desempenhos simples e vão

hierarquicamente aumentando sua complexidade.

A mudança que foi feita na aplicação do NECC se refere à avaliação do

repertório, e não ao treino proposto. No estudo que estamos replicando, a

proposta era que se fizesse um procedimento chamado de “treino remedial” no

caso do sujeito não passar de um nível para outro. O procedimento constituiría-se

em voltar a um nível abaixo e treiná-lo, para prosseguir com o currículo. Como

nossa proposta era avaliar a eficácia do NECC como preditor de repertório

comportamental e não como material para treino de habilidades, não utilizamos

esse procedimento, fazendo apenas a aplicação das tarefas e parando no nível

em que o aprendiz não atingia o critério de aprovação. Além disso, as crianças

que participaram de nossa pesquisa recebem atendimento de profissionais que

aguardam nossa avaliação para desenvolverem o treino necessário.

Retomando o estudo de Sidman (1994) com a equivalência, podemos dizer

que o material do NECC serviria como um bom treinamento para aquisição de

leitura por parte dos sujeitos. De acordo com ele, para a leitura compreensiva o

sujeito deveria emparelhar corretamente estímulos arbitrários. O Nível 6 do

currículo do NECC (matching arbitrário) que compreende este controle de

estímulos, serviria para tal propósito. Desta forma, ao não conseguirem atingir o

critério para passar do nível 6, os sujeitos demonstraram não ter em seu repertório

as habilidades que envolvem leitura (palavras escritas), o que condiz com o dado

real passado pelos terapeutas dos mesmos (todos os sujeitos da pesquisa eram

atendidos por algum terapeuta Analista do Comportamento).

33

Portanto, poderia ser proposto o treino com o material do NECC, pois a

avaliação previu que tal habilidade não faz parte do repertório dos sujeitos (mais

uma vez, o caráter preditor do currículo se mostra eficaz).

f) Considerações Finais

Diante dos resultados obtidos na presente pesquisa e da discussão feita

acerca do que se estudou em cada um dos subprojetos propostos, acreditamos

ser relevante que se dê prosseguimento no estudo de currículos como estes, já

que sua utilidade se afirma e seu desenvolvimento na área ainda é escasso.

O que seria importante, de acordo com os resultados que obtivemos, é que

se fizesse, a partir de comparações entre mais instrumentos, uma proposta de um

novo currículo, que se adequasse ao público de crianças/adolescentes com

desenvolvimento atípico, levando-se em conta o que cada um deles apresenta em

termos de tarefas adequadas para o objetivo em questão. Uma seleção de tarefas,

materiais e procedimentos poderia resultar num currículo complexo, facilmente

aplicável e acessível ao profissional da área.

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