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1 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA INDÍGENAS E QUILOMBOLAS PROJETOS “MAPA DA POBREZA RURAL” E “POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO RURAL” Danielli Jatobá Agosto de 2015

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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA INDÍGENAS E QUILOMBOLAS

PROJETOS “MAPA DA POBREZA RURAL”

E “POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO RURAL”

Danielli Jatobá

Agosto de 2015

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ÍNDICE

SumárioAPRESENTAÇÃO ................................................................................................... 3

OS SUJEITOS COLETIVOS DE DIREITO .................................................................. 4

Os Povos Indígenas .............................................................................................. 5

As Comunidades Quilombolas ........................................................................... 12

MAPA DA POBREZA ENTRE INDÍGENAS E QUILOMBOLAS ................................... 16

ACESSO ÀS POLITICAS PÚBLICAS E SOCIAIS ...................................................... 28

Programa Bolsa Família ..................................................................................... 28

Programa Brasil Quilombola .............................................................................. 30

Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas .......... 32

Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais ..................................... 34

A Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural ............................. 35

Programa de Aquisição de Alimentos ................................................................ 42

CONCLUSÃO ...................................................................................................... 46

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 49

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APRESENTAÇÃO

O presente estudo apresenta uma reflexão introdutória sobre as políticas públicas dirigidas às

comunidades indígenas e quilombolas, com ênfase nas regiões norte e nordeste do Brasil. Serão

apresentados dados quantitativos disponíveis sobre as condições de vida dessas populações,

precedido de uma breve contextualização que sugira ao leitor o quadro de complexidade e

diversidade que as caracteriza.

Buscar-se-á, sempre que possível, desagregar as estatísticas disponíveis ou enfatizar as informações

que se refiram aos indígenas e quilombolas que vivem nas regiões norte e nordeste, visto se tratar de

um estudo que é parte de um projeto maior que objetiva esse enfoque.

Serão priorizadas informações que qualifiquem o mapa da pobreza rural entre povos indígenas e

quilombolas e, também, as políticas públicas de desenvolvimento rural a eles dirigida. Há uma

lacuna de informações sólidas sobre os grupos objeto desse trabalho, pois há poucas bases de dados

e estatísticas que permitam a desagregação e comparação. A maior parte dos estudos existentes a

eles relacionados são de natureza qualitativa e de difícil sistematização no escopo e tempo previsto

no documento de referência da contratação. No entanto, o conhecimento prévio da bibliografia

referente a esses grupos sociais está presente na linha argumentativa que se utilizou.

O texto é uma tentativa incipiente de relacionar as realidades indígenas e quilombolas tendo como

pano de fundo o conceito de pobreza e as políticas públicas. Por mais que esses grupos sejam vistos

atualmente como parte de um coletivo maior de “povos e comunidades tradicionais” para fins de

elaboração e implementação de políticas públicas, suas realidades, cultura e projetos históricos

variam consideravelmente. Em suma, elas são comparáveis não por uma coincidência de suas

qualidades intrínsecas, mas pelo lugar que ocupam na interpelação do Estado e, também, por

oposição a um modelo absolutamente maximizador de lucros e de exploração dos recursos naturais.

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OS SUJEITOS COLETIVOS DE DIREITO

Há dois modos de compreender cultura e identidade. Um é considerar a identidade e cultura como

coisas, em que a qualidade da primeira é ser idêntica a um modelo ou essência, e a cultura como um

conjunto de itens, regras e valores previamente dados. A outra forma é compreender a identidade

como sendo a percepção de uma continuidade, de um processo e de uma memória – caso em que a

cultura não é vista como um conjunto de traços, mas como a possibilidade de gerá-los.

Os quilombolas e indígenas são coletividades cuja força está na constante possibilidade de gerar

cultura e pertencimento identitário. Elas buscam tecer os fios da própria história em meio a um

colonialismo que não cessa de interpelá-los. Primeiramente, as investidas coloniais de expropriação

dos territórios ocupados e de conversão dos nativos da América e da Diáspora Africana em mão de

obra para a acumulação capitalista. Atualmente, o colonialismo interno protagonizado por setores

para os quais os indígenas e quilombolas não passam de entraves ao desenvolvimento

compreendido como acumulação de lucros incessantes e transformação da natureza. A investida

atual é a de expropriação dos territórios ou, ao menos, da riqueza dos seus solos, matas, rios e

subsolos. E, também, de transformar a alteridade civilizatória que eles representam em corpos

dóceis de trabalhadores e consumidores.

Encontramos no país inúmeras situações de pressão fundiária sobre grupos subalternizados. Essa

pressão torna-se mais aguda com a expansão das fronteiras econômicas e de desenvolvimento

predatório em áreas ocupadas por pequenos produtores rurais, comunidades tradicionais,

pesqueiras, quilombolas, indígenas, extrativistas e outras que não fazem parte da engrenagem

capitalista de produção para o mercado.

O presente trabalho pretende reunir informações sobre as populações indígenas e quilombolas a

partir de um eixo de análise que é uma caracterização de suas realidades em diálogo com a noção de

pobreza rural e com o acesso a políticas públicas dirigidas ao desenvolvimento rural.

A seguir, uma breve apresentação de suas características demográficas e de distribuição pelo

território nacional. A intenção desta parte introdutória é trazer uma compreensão sobre a

complexidade e a diversidade das realidades que caracterizam essas comunidades. Nas partes

seguintes apresentaremos uma aproximação da questão da pobreza entre essas populações e sobre o

acesso às políticas públicas, em especial as que promovem a rede de proteção social e o

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5 desenvolvimento rural por meio da assistência técnica, fomento e comercialização de produtos

agrícolas e extrativistas.

Os Povos Indígenas

Os povos indígenas que vivem no Brasil se caracterizam por uma enorme diversidade. Há os poucos

povos que se mantêm afastados da sociedade nacional e uma grande maioria de sociedades que há

muito estão em contato contínuo com não-indígenas. Muitos estão articulados em organizações

políticas que se relacionam com instâncias do Estado, organizações indigenistas, ambientalistas e

sociedade em geral.

No contexto posterior às mobilizações pela inclusão dos direitos indígenas na Constituição Federal

de 1988, Carneiro da Cunha escreve: “Na realidade toda a questão indígena está eivada de

reificações. No século XVI, os índios eram ou bons selvagens para uso na filosofia moral europeia,

ou abomináveis antropófagos para uso na colônia. No século XIX, eram, quando extintos, os

símbolos nobres do Brasil independente e, quando de carne e osso, os ferozes obstáculos à

penetração que convinha precisamente extinguir. Hoje, eles são seja os puros paladinos da natureza

seja os inimigos internos, instrumentos da cobiça internacional sobre a Amazônia” (1994: 123).

Poderíamos acrescentar que hoje, no século XXI, os indígenas estão no imaginário nacional como

guardiões da natureza intocada com uma cultura essencializada – e, portanto, a-histórica – ou como

entraves ao desenvolvimento que devem ser inseridos no mundo dos direitos como pobres e

destituídos.

Os indígenas no Brasil passaram por vários diagnósticos de desaparecimento. Alcançaram o seu

nadir demográfico em meados do século passado e, desde então, apresentam um processo de

crescimento populacional acima da média nacional ou regional. São povos em recuperação e em

negociação de sua existência com a sociedade nacional que os abriga.

O crescimento demográfico apresentado pelos indígenas nas três últimas décadas tem algumas

causas principais. Primeiramente, é sabido que o primeiro contato das populações nativas com não-

índios causa uma mortandade drástica por causa da barreira imunológica desfavorável1. Populações

desapareceram nos primeiros séculos da invasão europeia, especialmente nos contrafortes da costa

atlântica e nas calhas dos grandes rios amazônicos alcançados ainda no século XVI. Uma

1As mortes não se deviam apenas às doenças propriamente ditas, mas ao caos social que se instaurava quando, em virtude da doença, não havia quem garantisse o sustento da coletividade, caso em que muitos registros indicam que parte das mortes deu-se por fome e sede (Carneiro da Cunha, 1992; Pacheco de Oliveira, 2011 e muitos outros).

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6 movimentação migratória intensa se sucedeu com a interiorização de algumas populações e

ocupação dos interflúvios. Para muitos povos indígenas que se mantiveram distantes das áreas de

expansão dos ciclos econômicos, esses “primeiros contatos” ocorreram em meados do século XX,

quando seus territórios foram cortados por grandes empreendimentos para a passagem de linhas de

transmissão de telégrafos e de estradas como a Belém-Brasília e a Transamazônica, que visavam a

ocupação do interior do país com empreendimentos diversos de exploração econômica e

colonização. Muitos povos indígenas numerosos do Brasil central, da Amazônia meridional e da

fronteira norte brasileira foram contatados e “pacificados” – para usar a categoria oficial – entre as

décadas de 50 e 70, caso dos Xavante, Kayapó, Yanomami, Suruí e tantos outros. Hoje, apesar da

imunização estar abaixo da média nacional, as vacinas chegaram às aldeias e dados do Ministério da

Saúde indicam uma realização de 74,9% do esquema vacinal completo de crianças de até 07

anos (SESAI, 2015). São povos em recuperação e tem como estratégia adensar a sua população

pelo aumento da natalidade.

Outra razão para o crescimento demográfico está relacionado ao aumento da autoidentificação

como indígena e aos processos conhecidos na literatura antropológica como de ressurgimento

étnico. São processos sócio-históricos em que grupos indígenas que recobriram suas identidades

com outras referências regionais – como a categoria “caboclo”, por exemplo – passam a reivindicar

discursivamente sua identidade com a exposição de sua memória e alteridade. Este é um processo

que deve ser considerado quando tratamos do acesso às políticas públicas, pois essas são dirigidas

às etnias reconhecidas pelo Estado e aos territórios que estão em alguma das etapas do processo de

regularização fundiária.

A comparação dos ritmos de crescimento para as categorias cor/raça entre os últimos censos

demográficos – de 1991/2000 e 2000/2010 – demonstra que houve um aumento substancial das

autodeclarações indígenas: no período de 1991 a 2000, a taxa média de crescimento anual da

população não-indígena no Brasil foi de 1,6% e da população autodeclarada indígena, de 10,8%;

para o segundo período, a taxa de crescimento manteve-se a mesma para as duas populações, sendo

que se considerarmos a situação do domicílio, a população rural indígena cresceu a uma taxa de

3,7%, enquanto a população rural de não-indígena cresceu a uma taxa de 0,7% (IBGE, Censo

Demográfico 1991/2010).

A tabela abaixo apresenta a distribuição da população indígena pelos municípios brasileiros.

Interessante notar que apenas 20% dos municípios não possuem indígenas entre seus residentes. Os

dados apontam duas características dessas populações. Primeiramente, a aparente dispersão da

população autodeclarada indígena, ao mesmo tempo em que a maior parte dos territórios que estão

de posse efetiva dos povos indígenas (e não de invasores), estão concentrados em áreas de

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7 colonização mais recente, especialmente na Amazônia Legal. São, também, comunidades pouco

numerosas e com baixa concentração demográfica. Apenas cinco dentre os quase duzentos povos

indígenas brasileiros, ultrapassam o número de 20 mil membros. São sociedades de pequena escala.

Tabela 1 – Distribuição de classes da população indígena por municípios

Número de Municípios, segundo as classes de população indígena do municípioBrasil - Total

2010Total 5565 100%

0 a 24 2937 52,8%

25 a 49 485 8,7%

50 a 99 329 5,9%

100 a 249 298 5,4%

250 a 499 148 2,7%

500 a 999 113 2,0%

1000 a 1499 50 0,9%

1500 a 2999 52 0,9%

3000 a 4999 31 0,6%

5000 a 9999 32 0,6%

10000 a 14999 4 0,1%

15000 ou mais 1 0,0%

Não tem indígena 1085 19,5%

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010

Com relação às diferenças regionais, quase 80% da população dos autodeclarados indígenas se

concentra nas regiões norte, nordeste e centro-oeste. Essas apresentaram crescimento deste

segmento populacional nas últimas décadas, enquanto as Regiões Sul e Sudeste tiveram perdas

relativas de 11,6% e 39,2%, respectivamente, entre 1991 e 2010. A distribuição entre as regiões

demonstra que a maior parte da população indígena brasileira se concentra nas regiões norte e

nordeste.

Tabela 2 – Participação da população indígena por grandes regiões

Regiões Participação relativa da população residente autodeclaradaindígena, por situação do domicílio

Total (%) Rural (%) Urbana (%)

Norte 37,4 48,6 19,5

Nordeste 25,5 20,4 33,7

Sudeste 12,0 3,7 25,1

Sul 9,2 8,1 10,8

Centro-Oeste 16,0 19,1 10,9

100 100 100

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010

O censo demográfico de 2010 aplicou uma nova metodologia para captação da população indígena

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8 inserindo a pergunta “você se considera indígena?” em Terras Indígenas, além da pergunta sobre

cor/raça. O censo se aprimorou, ainda, com a identificação do pertencimento étnico e da língua

indígena falada. A seguir, a distribuição pelas Unidades da Federação das Regiões Norte e Nordeste

em ordem decrescente.

Tabela 3 – População indígena por Unidade da Federação

POPULAÇÃO AUTODECLARADA INDÍGENA NO CENSO IBGE DE 2010 POR UF

Região Norte 305.873

Amazonas 168.680

Roraima 49.637

Pará 39.081

Acre 15.921

Tocantins 13.131

Rondônia 12.015

Amapá 7.048

Região Nordeste 208.691

Bahia 56.381

Pernambuco 53.284

Maranhão 35.272

Ceará 19.336

Paraíba 19.149

Alagoas 14.509

Sergipe 5.219

Piauí 2.944

Rio Grande do Norte 2.597

Fonte IBGE, Censo Demográfico 2010

Além do IBGE, uma fonte considerada bastante fidedigna para planejamento das políticas públicas

dirigidas aos povos indígenas são os levantamentos dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas

(DSEI), cuja capilaridade permite identificar dados demográficos, assim como de mortalidade e

morbidade. No entanto, os dados do setor saúde se restringem aos indígenas que vivem em aldeias.

Como são dados de atendimento, tem o viés de excluir indígenas que não vivem junto às suas

comunidades ou que vivem em localidades não reconhecidas pelo Estado. No entanto, são dados

populacionais adequados para o planejamento de políticas focadas nas necessidades dos sujeitos

coletivos de direito.

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Tabela 4 – População indígena, dados IBGE e SESAI

POPULAÇÃO INDÍGENA

Censo 2010 IBGE(Autoidentificação)

SESAI 2014(Indígenas que vivem em aldeias)

Rural Urbana

502.783 315.180

817.963 666.277

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 e Relatório de Gestão exercício 2014 da SESAI

A demanda das instâncias de representação dos povos indígenas é, via de regra, pela federalização

das questões que os afetam. É fácil compreender esse sentido que eles absorveram e retornam na

forma de reivindicação. Os movimentos de despossessão dos modos de vida e dos territórios que

ocupam aconteceram de acordo com os fluxos e refluxos dos ciclos econômicos em que houve uma

política centralizada que determinava a forma preponderante como eram tratados. Seja a

escravização nos moldes bandeirantistas, a política dos aldeamentos jesuíticos, os diretórios de

índios do período pombalino, ou o integracionismo que buscava “inseri-los como trabalhadores

nacionais” que marcou o século XX, trataram-se de ações coordenadas na relação com o “negro da

terra”, como foram designados os autóctones nos primeiros tempos do período colonial.

A demanda por federalização vem, ainda, da consideração de que o antagonista mais imediato é o

poder político e social local, aquele com o qual se compete pelo uso dos recursos e do território.

Essa demanda do movimento indígena foi, em vários momentos, de encontro a municipalização das

políticas públicas.

Um exemplo é o caso da educação básica, responsabilidade de estados e municípios, que segue o

propugnado na legislação sobre educação escolar indígena cujas diretrizes são propostas por uma

coordenação localizada na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e

Inclusão (SECADI) na estrutura do Ministério da Educação (MEC). Quando se criou a SECADI, os

professores e professoras da Comissão Nacional de Professores Indígenas (CNPI) consideraram

uma perda o modelo municipalizado conjugado com a gestão federal pela Secretaria que reúne a

educação escolar indígena, a educação do sistema prisional, a educação de jovens e adultos, e a

política de não-discriminação em função da identidade de gênero ou da orientação sexual. O

governo argumentava pela transversalização e municipalização da política, os (as) indígenas

queriam uma instância com atribuição exclusiva para dar conta da educação escolar indígena a

quem eles pudessem se dirigir. Identificavam que a pulverização da responsabilidade dificultaria a

participação e o controle social2.

2 Referência a reunião da CNPI em que foi apresentada a criação da SECADI/MEC em janeiro de 2004.

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10 O mesmo se passou com a saúde e a tentativa da representação indígena de construir, em conjunto

com os Governo Federal e por meio das Conferências, um modelo de assistência coordenado no

nível federal da gestão.

O atendimento à saúde indígena foi, no decorrer do século XX, delegado às missões religiosas e ao

órgão gestor da política indigenista (SPI e, posteriormente, FUNAI). Em 19993, o Ministério da

Saúde assume a atenção integral à saúde dos Povos Indígenas organizada em Distritos Sanitários

Especiais Indígenas (os DSEI), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Inicialmente sua

gestão ficou por conta da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), órgão executivo do Ministério

da Saúde (MS) responsável pelo saneamento básico e por formular e implementar ações de

promoção e proteção à saúde relacionadas ao Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde

Ambiental. A FUNASA incorporou os profissionais e equipamentos de saúde da FUNAI, sobretudo

as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (formadas por Agentes Indígenas de Saúde,

médicos, odontólogos, enfermeiros e auxiliares ou técnicos de enfermagem), a organização da

gestão das unidades básicas de saúde e da rede de acesso a unidades de referência para média e alta

complexidade na estrutura hierarquizada do SUS, e as unidades urbanas de apoio aos pacientes

referenciados das Casas de Apoio a Saúde Indígena.

Em 2010, esta atribuição é repassada para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI)4,

unidade integrante da estrutura do MS que atualmente coordena a Política Nacional de Atenção à

Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI). Segundo o Relatório de Gestão do exercício de 2014, “a

SESAI conta com uma estrutura administrativa composta pelo Departamento de Atenção à Saúde

Indígena, o Departamento de Saneamento de Edificações de Saúde Indígena, o Departamento de

Gestão da Saúde Indígena e 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI)5. Há, ainda, o

controle social exercido por meio dos Conselhos Locais de Saúde Indígena (CLSI), pelos Conselhos

Distritais de Saúde Indígena (CONDISI) e pelo Fórum de Presidentes de Conselhos Distritais de

Saúde Indígena (FPCONDISI). O controle social é considerado estratégico pelas representações

indígenas e há demandas pelo aperfeiçoamento dos mecanismos de participação para que

considerem dimensões relacionadas à tradução cultural – e não apenas linguística – envolvidas na

etiologia das doenças e na terapêutica. Nas aldeias, a escolha dos conselheiros e conselheiras, assim

como dos professores e professoras, é a escolha dos (as) protagonistas do diálogo intercultural.

3Lei nº 9.836, de 23 de setembro de 1999

4Lei 12.314, de 19 de agosto de 2010, e Decreto nº 7.336, de 19 de outubro de 2010, com revogações até a edição do Decreto nº 8.065, de 07 de agosto de 2013.

5 A organização dos DSEI conta com 68 Casas de Saúde do Índio (CASAI) sediadas nas cidades de referência e, aproximadamente, 365 Polos Base e 966 Postos de Saúde nas aldeias (SESAI, 2015).

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11 Apresentados usualmente como “lideranças” que servirão de porta-vozes das demandas da

comunidade6.

A pauta mais importante para os povos e organizações indígenas é, certamente, o direito ao

território, fundamental para a continuidade das coletividades e dos seus projetos históricos. O

direito ao território está propugnado na CFB de 1988, que substituiu o modelo da tutela e do

assistencialismo por um modelo em que a pluralidade étnica é um direito que o Estado deve

proteger. E garantiu aos povos indígenas o direito originário, logicamente anterior a qualquer outro.

Os direitos à autodeterminação, à autonomia e a viver conforme seus modos e tradição está em

nossa Constituição e em instrumentos jurídicos internacionais que o Brasil é signatário, como a

Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho de 1989 - ratificada pelo decreto n º 5051

de 19 de abril de 2004 – e a Declaração das Nações Indígenas sobre os Direitos dos Povos

Indígenas, de 2007.

Tabela 5 – Terras Indígenas, extensão e situação jurídica

Situação Jurídica Número de Terras Indígenas Extensão (hectares)

Em identificação 120 8.004

Em identificação e com restrição de uso a não-índios

6 1.079.412

Total 126 1.087.416

Identificada 36 2.682.820

Declarada 65 4.009.758

Reservada 27 117.182

Homologada 21 2.316.212

Reservada ou Homologada com Registro no CRI e/ou SPU

422 103.385.889

Total 470 105.819.283

Total Geral 697 (100%) 113.599.277 (100%)

Fonte: Instituto Socioambiental (ISA), última atualização em 21/07/2015

6 No fim de 2014, o governo federal anunciou uma nova mudança na execução da saúde indígena com a proposta de criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI) que firmará um contrato de gestão com a SESAI. A notícia surpreendeu o movimento indígena e indigenista e está sendo interpretada pelo Ministério Público Federal como abdicação, por parte do executivo federal, de sua obrigação constitucional referente a assistência à saúde. (Conforme nota do Ministério Público Federal, 2015).

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12 As Comunidades Quilombolas

Há uma parte da realidade agrária brasileira que ficou por muito tempo invisível às ações de

governo. São comunidades que regulam o acesso à terra ou aos bens de produção pelo idioma do

parentesco e que são vistos como afrodescendentes ou predominantemente negros. Essas

comunidades rurais pontuam o território brasileiro desde o período colonial e representam um

segmento do campesinato, caracterizado, dentre outras coisas, por uso de terra comunal, produção

para autoconsumo e comercialização de excedentes. A distribuição dessas comunidades pelo

território nacional e sua formação está vinculada às alterações econômicas, sociais e políticas

regionais. Foram alvo da repressão pelo sistema colonial e, ulteriormente, de interesses relacionados

à necessidade de mão de obra e à expansão das fronteiras econômicas (Jatobá, 2003).

Encontramos na historiografia e em documentos oficiais, incontáveis referências às comunidades

formadas por descendentes de africanos que viviam à margem do sistema escravocrata, com

localização marcada por isolamento relativo e capacidade de consenso e organização. Os quilombos

seriam a negação dos mecanismos coercitivos de disciplina do trabalho e do sistema monocultor

agrário-exportador. Mesmo em período posterior à Abolição e à Independência, há referência a

comunidades negras com variados graus de intercâmbio com a sociedade abrangente, mas que se

constituíram, sob o signo da resistência, como sistemas sociais autônomos ou, conceitualmente,

como grupos étnicos7.

Esse segmento étnico do campesinato está, junto com os povos indígenas, na linha de frente de

muitos conflitos fundiários em curso. Os povos indígenas têm o direito originário como atributo – e

o direito ao território depende desse somado ao de tradicionalidade da ocupação. Para os quilombos

a mesma categoria de tradicionalidade está na hermenêutica jurídica, agregada, no caso, à

profundidade histórica e pertença étnica. Em comum com os povos indígenas, está a prioridade da

pauta de garantia de permanência no território que viabilizada a continuidade da comunidade e de

seu modo de vida.

Um breve histórico da nossa legislação fundiária revela a raiz dos conflitos pela sua face

marcadamente expropriadora. As terras brasileiras pertenciam à Coroa Portuguesa até que a

Constituição Imperial Brasileira de 1824 assegurasse o direito à propriedade. Até então, aqueles que

haviam recebido doações de sesmarias pelos donatários das capitanias mediante pagamento de

sesma. Como não havia forma prevista em lei para aquisição de terras, para obtê-las dever-se-ia

ocupá-las. Neste contexto, estratégias coordenadas entre Igreja, poder secular e frentes de

7 O sentido de grupo étnico para a Antropologia é de organizações sociais que se identificam e são identificados como um grupo com fronteiras de pertencimento definidas (Frederick Barth, 1998).

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13 colonização, foram adotadas para retirar a posse das populações autóctones. A terra não era

mercadoria, visto não estar passível de compra e venda. Após a extinção do regime sesmarial em

1822, a aristocracia rural começa a elaborar uma legislação para disciplinar a propriedade da terra e

o trabalho rural. É instituída a Lei de Terras em 1850, que dispõe sobre as terras devolutas do

Império e estabelece que a instituição da propriedade, a legitimação da posse em terras cultivadas e

com moradia e a regularização dos “campos de uso commum”, só poderiam ser efetivadas mediante

compra ou pagamento de taxas. Autoriza, também, o governo a fundar colônias de trabalhadores

livres nacionais ou estrangeiros onde lhe conviesse. A propriedade deixa de estar vinculada ao

trabalho na terra para ser bem de mercado, podendo ser comercializada. Cria-se, então, um

empecilho às pequenas propriedades de terra (Martins, 1996).

Um século depois da Lei de Terras, o Estado utilizava duas categorias para pensar a estrutura

agrária brasileira: estabelecimento, do censo agropecuário do IBGE; e imóvel rural, das estatísticas

cadastrais do INCRA, com finalidade tributária. Estes conceitos contemplavam ocupação

individualizada no primeiro caso, ou apropriações que se baseiem na noção de unidade de produção,

independente da dominialidade, no caso do segundo conceito. No entanto, há realidades que não são

passíveis de enquadramento nessas categorias. Não se enquadram nas modalidades de propriedade

previstas na legislação (privada, condominial, sociedade anônima e sociedade limitada e

cooperativa) e nem são unidades de produção agropecuária. Os conceitos foram alvo de crítica pela

inaplicabilidade a diversas situações. A partir da pressão de instâncias da mobilização camponesa, o

INCRA criou a categoria de ocupações especiais em 1985 para contemplar as chamadas terras de

uso comum que “compreendem, pois, uma constelação de situações de apropriação de recursos

naturais (solos, hídricos e florestais), utilizados segundo uma diversidade de formas e com inúmeras

combinações diferenciadas entre uso e propriedade e entre o caráter privado e comum, perpassados

por fatores étnicos, de parentesco e sucessão, por fatores históricos, por elementos identitários

peculiares e por critérios político-organizativos e econômicos, consoante prática e representações

próprias.” (Almeida, 2002: 45). Na nova categoria fundiária ocupações especiais, enquadravam-se

as denominadas e categorizadas terras de preto, terras de santo, mocambos, quilombos e outras que

designem uso comum da terra.

As diferentes estratégias de autonomia desenvolvidas por essas comunidades – do isolamento

geográfico à constituição de limites étnicos de grupos articulados às economias regionais – são

fundamentais para compreendê-las em sua diversidade. Marcadas por conflitos locais e pela

invisibilidade oficial, emergem na arena pública reivindicando diretos relacionados à manutenção

de seus modos de vida e de seus territórios. Suas representações8, em articulação com os

movimentos sociais negros urbanos que se fortalecem e se unificam nos anos 70 e 80, conseguem8Em especial a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ)

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14 garantir a inclusão na CFB de 1988 de um dispositivo que garante a posse dos territórios. Com essa

norma constitucional abriu-se a possibilidade de que grupos étnicos de população

predominantemente negra, que vivem em área rural, se mobilizassem para dirigir-se ao Estado pelo

discurso da diferença, configurando-se como momento fundante de uma rotina de políticas públicas

específicas.

A partir da necessidade de cumprimento do disposto na CFB e de muitas idas e vindas na

compreensão sobre quem seriam os sujeitos de direito, uma regulamentação surge com a publicação

em 2003 de Decreto que tratou do direito das comunidades quilombolas à regularização fundiária, à

reprodução física e cultural e a um plano de etnodesenvolvimento que considere suas

especificidades9.

Atribuições foram definidas em normativas variadas e, com a maior permeabilidade do governo

federal e sensibilidade dos seus gestores à participação social e à redução das desigualdades,

conquistas na forma de programas e projetos chegaram às comunidades quilombolas. Com destaque

o Programa Brasil Quilombola, no âmbito do qual os dados que citamos a seguir foram produzidos.

A certificação das comunidades quilombolas é o primeiro passo para a regularização fundiária e

para o reconhecimento da identidade da comunidade como remanescente de quilombo. A emissão

do certificado é de responsabilidade da Fundação Cultural Palmares, vinculada ao Ministério da

Cultura (FCP/MinC), que tem a atribuição de realizar e articular ações de preservação, proteção e

promoção do patrimônio cultural das comunidades remanescentes de quilombos10.

9Decreto nº 4887 de 20 de novembro de 2003

10A certificação das comunidades quilombolas emitida pela FCP é o documento que reconhece a comunidade como remanescente de quilombos, processo este que ocorre após a autoatribuição pela comunidade, conforme Decreto nº 4887 de 20 de novembro de 2003 e Portaria FCP nº 98 de 26 de novembro de 2007. A titulação é o processo que confereà comunidade a propriedade da terra que habita. Ela foi emitida pela FCP e atualmente é emitida pelo INCRA e pelos Institutos de Terra dos estados.

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15

Tabela 6 – Comunidades Quilombolas Certificadas nas Regiões Norte e Nordeste

NÚMERO DE COMUNIDADES QUILOMBOLAS CERTIFICADAS POR GRANDE REGIÃO E UF

Região Norte 297

Pará 214

Tocantins 37

Amapá 33

Rondônia 7

Amazonas 6

Acre 0

Roraima 0

Região Nordeste 1.485

Bahia 614

Maranhão 477

Pernambuco 128

Piauí 73

Alagoas 66

Ceará 42

Paraíba 36

Sergipe 27

Rio Grande do Norte 22

Fonte: Sistema de Monitoramento das Políticas de Promoção da Igualdade Racial SEPPIR/PR, em dezembro de 2014

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16 MAPA DA POBREZA ENTRE INDÍGENAS E QUILOMBOLAS

No âmbito do projeto ao qual o presente estudo está vinculado, há a demanda por uma análise do

mapa da pobreza entre indígenas e quilombolas. Dois problemas estão postos para tal objetivo.

Primeiramente, tratam-se de sociedades e comunidades de pequena escala e as pesquisas nacionais

que se debruçam sobre o tema não possibilitam o recorte das comunidades indígenas e quilombolas.

As melhores fontes disponíveis para ambos os grupos são os estudos qualitativos. E, no caso dos

indígenas, mesmo esses estudos qualitativos são de difícil formulação de tipologias. Há grandes

blocos formados por sociedades que estão na costa atlântica e que tem sua sobrevivência em uma

combinação de usos de remanescentes de Mata Atlântica, pequenos cultivos de baixo impacto e

fontes marítimas. Há outro bloco relacionado ao Cerrado e a área de transição com a Amazônia

onde encontramos povos marcadamente caçadores e canoeiros. Há, ainda, os grupos que mantém

uma relação específica com a floresta tropical e dela retiram todos os produtos necessários à sua

subsistência material e espiritual. Mesmo no caso desses últimos, há os que desenvolveram

complexos sistemas agrícolas como os sistemas do Rio Negro, noroeste amazônico, e outros que

vivem nas áreas de várzea e cheia dos grandes rios com uma sazonalidade migratória, de ocupação

e de produção de víveres.

Está claro que as formas usuais de mensuração da pobreza – seja na forma de indicadores mais

conservadores ou os que levam em consideração múltiplas dimensões – é incapaz de medir a

plenitude das vulnerabilidades e privações que afetam os povos indígenas. Isto porque todos os

esforços de parametrização baseiam-se em carências dadas por modos de vida padronizados de

acesso a bens e serviços. O pobre é uma parte do “Nós” acometida pela desigualdade. Logo, as

ações dirigidas e o percurso proposto é o de tornarem-se um “Nós” com igualdade de acesso e

oportunidade. Não há espaço para o Outro nessa lógica.

No levantamento preliminar realizado para o presente estudo, percebemos que há um roteiro

comum nos bons diagnósticos de pobreza rural que incluem os povos e comunidades tradicionais:

todos começam com uma ressalva sobre a inadequação dos instrumentos de medida e das categorias

de acesso pesquisadas, passam por uma moção de apoio à luta pelos territórios e seguem tratando

do que eles não possuem como moradia adequada, renda adequada, acesso a bens e serviços

considerados adequados. Tudo em uma unidade familiar de padrão hegemônico.

Essa forma de mensuração da pobreza coloca imediatamente a quase totalidade dos indígenas como

pobres. É assim que se tem operado nas políticas públicas nacionais e na rede de proteção social: a

família é indígena, então está em situação de vulnerabilidade e pobreza. Não negamos que há

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17 sentido nesse pressuposto. Mas se dirigirmos a pergunta sobre pobreza aos povos indígenas,

algumas respostas surpreendem.

Pesquisa de fôlego contratada pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (SAGI/MDS), realizada por uma equipe de

antropólogos em sete povos indígenas de diferentes regiões brasileiras, contemplava o uso de

metodologia etnográfica para a resposta de roteiro elaborado com questões das áreas de assistência

social, segurança alimentar e do Bolsa Família. O roteiro continha a pergunta “você se considera

pobre? ” A pesquisa foi realizada nas Terras Indígenas Alto Rio Negro (AM), Porquinhos (MA),

Barra Velha (BA), Takuaraty/Yvykuarusu (MS), Dourados (MS), Parabubure (MT) e Jaraguá (SP)11.

Com exceção dos Guarani e Kaiowá – que passam por uma verdadeira tragédia humanitária,

dependem de cestas básicas de alimentos, vivem confinados em reservas lotadas ou acampados nas

margens das estradas mirando fazendas insalubres exportadoras de commodities que ocupam seu

território tradicional – os demais não responderam a essa pergunta como imaginávamos.

As respostas variaram bastante e indicaram que a pergunta direta fazia pouco sentido. A resposta

preponderante foi negativa e a justificativa era algo próximo a “ser pobre é não ter o que comer, não

ter casa e viver sozinho sem parentes”. Para o caso da pesquisa da Terra Indígena localizada na

periferia de São Paulo (a menor Terra Indígena do Brasil), localizada em um espaço favelizado

totalmente ocupado pelas residências, sem saneamento básico, em casas de madeira ou barro e com

mínimas possibilidades de inserção no mercado de trabalho, a resposta negativa surpreendia. A

explicação que se seguia à resposta apontava, por contraste, o pobre como a população em situação

de rua cujo abandono muito os impressionava. Em outra Terra Indígena localizada na Amazônia

Legal, a resposta aproximada era a de que não tinham dinheiro quando iam à cidade e lá eram

pobres. E traçavam paralelos com o não-índio que também carece quando está na aldeia. O

pesquisador nos apresentou a explicação que ouviu dos indígenas em sua própria língua: eles devem

alimentar e cuidar do branco/não-índio quando ele vem à aldeia, pois sabem que ele não consegue

produzir o próprio alimento e nem cozinhar, mas quando vão à cidade os não-índios pedem dinheiro

em troca de comida, mesmo sabendo que eles não produzem dinheiro. Então, no caso, o pobre é o

que não está adaptado, o estrangeiro.

Ressalto que essas colocações não são ingênuas, mas carregam uma filosofia própria das sociedades

que não são produtoras de mercadoria ou da acumulação, as “sociedades da afluência” no dizer de

Marshall Sahlins (1976) ou da “economia cósmica do compartilhamento” de Tim Ingold (2000):

11Os pesquisadores responsáveis são, respectivamente: Adriana Atilha, Bruno Nogueira Guimarães, Joceny Pinheiro, Lydie Oiara Bonilla, Spensy Pimentel, Othilia Maria de Carvalho e Danielli Jatobá França. A síntese dos resultados e recomendações ao poder público foi responsabilidade do Ricardo Verdum. A pesquisa não está disponível para divulgação. Nós pesquisadores acordamos não divulgar os resultados concretos da pesquisa enquanto o MDS organiza adevolutiva às comunidades e busca sanar os problemas encontrados.

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18 uma economia de pouca necessidade diante da fartura, em que os recursos não são vistos como

escassos como para a economia clássica.

Entre os ameríndios, há uma noção comum a vários povos que é a noção de “Bem Viver” que se

tenta traduzir para o mundo dos direitos nos países andinos e nas iniciativas do novo

constitucionalismo latinoamericano. É uma noção que põe em relevo a percepção de que uma vida

boa só é possível quando a pessoa se faz a partir de um compósito de relações sociais (com outras

pessoas, com a natureza, com o sobrenatural). Na falta dessas relações, a pessoa se faz incompleta.

Trata-se de uma noção muito complexa e com implicações que estão além do escopo do presente

trabalho. No entanto, é importante ressaltá-la para imaginarmos que o “Bem Viver” (Sumak Kawsay

dos Quechua, Teko Porã dos Guarani) pode estar na possibilidade de manter um projeto coletivo de

povo, seja pela possibilidade de viver entre parentes, em um território considerado adequado (com

matas e água) e, a depender do povo, com suas práticas religiosas ou xamânicas. Levando em

consideração esta demanda, um indicador de pobreza para indígenas deveria conter a posse efetiva

sobre o território e a vivacidade de suas formas de organização sociocultural e política e,

fundamental, de sua autodeterminação. Negativamente, poderíamos mensurar pobreza a partir da

insegurança alimentar, da ausência de um território que lhes possibilite viver segundo sua cultura

(considerada na sua dimensão histórica), e da existência de conflitos socioambientais pela

competição por recursos.

Grande parte das populações indígenas estão sujeitas a expropriação ou ao estresse de competir com

frentes de exploração que agem à margem da legalidade como a extração madeireira e garimpeira.

Convivem, também, com grandes projetos e empreendimentos que, capitaneados pelo governo

federal, retiram o Estado do papel de protetor dos seus direitos.

As reflexões acima também se aplicam, em grande parte, ao mundo das comunidades quilombolas.

Porém, matizadas conforme a diversidade de situações em que vivem os quilombos. O importante,

no caso deles, é reforçar a importância da autonomia produtiva que viabilizou sua existência –

afinal, são comunidades formadas por negros e negras que abdicaram do lugar subalterno que lhes

era reservado em uma sociedade tão profundamente marcada pela escravidão e se constituíram

grupos e comunidades. Se fizeram étnicos.

Podemos argumentar, ainda, em outra direção se quisermos compreender concepções diversas

daquela da “história única” do universalismo epistêmico e da subjetividade que se vê universal.

Entre os ameríndios é comum a classificação dos protagonistas em contato no contexto nacional

multiétnico de três maneiras, independente da língua utilizada: uma palavra que designa a si

mesmo, outra que designa outros indígenas, e outra para o não-índio. Há uma expressão que designa

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19 o povo do falante, que frequentemente é a categoria na respectiva língua que designa o “nós”,

“gente”, “humanidade” – mantida nas traduções para o português como o etnônimo do povo. Há

palavras que designam outros povos indígenas que podem ter uma referência de nome próprio ou

genérico de uma região, um hábito ou um sinal diacrítico (por exemplo, na respectiva língua, os

“cara preta” em referência a um dado uso do jenipapo, “os que vivem no Rio tal” formado por um

modificador agregado a toponímia, “o povo do desenho” com relação a um grafismo marcante, “o

povo da borduna”, referência a outro sinal de distinção cultural, “o povo da canoa”, para aqueles

reconhecidos como especialistas na fabricação da canoa e etc). Esses são referidos em português

como “parentes”, aquele que não é um “nós”, mas é um autóctone.

Esses nomes, dados por contraste com um atributo próprio do falante, são frequentemente os

primeiros com que vários povos nativos entraram na historiografia ou em documentos oficiais. Há,

ainda, um terceiro na classificação que é o vocábulo que se traduz como “branco”, o “não-índio”.

Esse é descrito como “o povo da mercadoria”, identificação nativa do nosso fetichismo; ou, ainda,

como o avaro; ou aquele de quem se afastaram os ancestrais em um tempo mítico por conta do

excesso (de belicosidade, de procriação insustentável ou outro). O branco, na filosofia indígena, é o

que se especializou na produção de bens. Em contraposição, o índio é o que se especializou em

outras atividades. Esse esboço de tipificação peca obviamente pela generalização. Mas compreender

minimamente tal filosofia é importante para um diálogo simétrico com os indígenas.

Para completar a incomensurabilidade, relataríamos o hábito que muitas sociedades têm de destruir

definitivamente tudo o que pertenceu a um falecido. Não são, de fato, povos que primam pela

acumulação de bens. A tecnologia por eles desenvolvida tem mais relação com manter o que se

necessita à mão do que em estoques, vide a diversidade de frutos das florestas tropicais

compreendida atualmente como resultado, também, de ações antrópicas.

Devemos considerar o exposto como um pano de fundo que envolve tradição e cosmologia, mas

não significa que todo e qualquer indígena que está hoje no Brasil mantém um projeto para si e para

o seu coletivo nessa perspectiva ideal (ou desse tipo ideal). Há um desejo e fascínio pelo que vem

de fora, há fragilidades relacionadas a conflitos internos que surgem com o contato intensivo, e há o

prestígio que vem da posse dos objetos estrangeiros (a apropriada antropofagia). O importante,

contudo, é que mesmo quando se deseja o que vem de fora na forma de projetos e entrada de

recursos, esses serão apropriados por um esquema valorativo interno.

Há, em toda parte, negociação com esse mundo que os interpela. E há, também, iniciativas de

estruturação produtiva e de desenvolvimento de projetos compatíveis com o fortalecimento das

coletividades. Vários exemplos estão em curso na Amazônia, como o dos Ashaninka da Terra

Indígena Kampa, que aprovaram um projeto de proteção da floresta junto ao BNDES que conta

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20 também com um componente de produção agroflorestal.

Há povos que desenvolvem projetos de venda de artesanato, de manejo florestal, de venda e

beneficiamento de produção extrativistas da Amazônia. Os projetos de maior sustentabilidade são

os relacionados ao profundo conhecimento do meio ambiente que eles possuem. Ao menos para a

maioria que conseguiu, a duras penas, manter uma relativa coesão e mecanismos próprios de

transmissão de conhecimentos.

Diante do exposto, é explícita a inadequação dos indicadores existentes para mensurar pobreza entre

grupos étnicos que não estão inseridos completamente na organização de papéis e status

hegemônica de nossa sociedade. A própria existência de indicadores cujas variáveis são ter ou não

banheiro interno à residência ou o quão permanente são os elementos construtivos da mesma

(mesmo que insustentáveis e não adequados ao clima), é motivado pela colonialidade que nos

forma.

O lugar ocupado pela renda individualizada (por pessoa ou por unidade familiar) faz um sentido

relativo a depender da situação. Mesmo assim, considerada a enorme variedade de situações a que

estão submetidos os povos indígenas e as comunidades quilombolas, podemos pensar em graus de

vulnerabilidade que são diretamente proporcionais a possibilidade de manter um modo de vida

conforme princípios entendidos como dignos.

Dentre os dados comumente utilizados para tratar de pobreza entre indígenas, seleciono aqueles

cuja ausência de fato os vulnerabiliza, são eles: o acesso à renda, esse onipresente mediador

contemporâneo; a segurança alimentar e nutricional, pois pelo próprio modo de vida e

indisponibilidade de estoques, eles são mais sensíveis a alterações drásticas na disponibilidade de

alimentos; e os conflitos para a posse efetiva dos territórios.

São poucas as fontes de dados disponíveis sobre pobreza entre indígenas e quilombolas, seja qual

for o conceito usado. Os dados mais consistentes sobre a situação socioeconômica de indígenas e

quilombolas é fornecido pelo Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. O

Cadúnico conta com 1,32 milhão de famílias identificadas como Grupos Populacionais Tradicionais

e Específicos (GPTEs). Esses grupos passaram a ser classificados por cadastramento diferenciado

em 2011. A tabela abaixo apresenta as categorias classificadas como GPTEs e o número absoluto de

famílias cadastradas até junho 201412.

12Publicação intitulada “Diversidade no Cadastro Único – Respeitar e Incluir”, Brasil, Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, 2014.

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21

Tabela 7 – Grupos Populacionais Tradicionais e Específicos no Cadúnico.GRUPOS POPULACIONAIS TRADICIONAIS

E ESPECÍFICOSNÚMERO DE FAMÍLIAS CADASTRADAS

Famílias de Agricultores 702.219Famílias Indígenas 124.082Famílias Quilombolas 114.368Famílias de pescadores 88.151Famílias Assentadas 85.520Famílias Ribeirinhas 5.355Famílias de Catadores 38.315Famílias Acampadas 27.367Famílias em Situação de Rua 26.716Família Extrativista 23.662Famílias de Preso 7.467Famílias Atingidas 5.300Famílias de Comunidades de Terreiro 3.736Famílias Beneficiárias do NCF 3.603Famílias Ciganas 2.831Total GPTEs 1.267.642

Fonte CadÚnico, dados de junho disponibilizados em dezembro de 2014

A intenção da apresentação da tabela acima é demonstrar o esforço feito pelo Governo Federal de

mapeamento da vulnerabilidade social para fins de focalização das políticas sociais. O CadÚnico é

um sistema de registro dinâmico e muito sensível às mudanças por causa da necessidade de

atualização constante de informações por parte das famílias.

Dados de Cadúnico de abril de 2015 registram 139.318 famílias indígenas, das quais 40% estão em

estados da Região Norte e 27% distribuídas em estados da Região Nordeste. Do total nacional de

famílias cadastradas, 74% estão em situação de extrema pobreza (com renda per capita até R$

77,00) e quase 12% em situação de pobreza (com renda per capita entre R$ 77,01 e R$ 154,00).

Três em cada quatro famílias indígenas alcançadas pelo CadUnico recebem Bolsa Família13.

Na Região Norte, encontramos, em números absolutos, 56.755 famílias indígenas cadastradas.

Dessas, 79% estão em situação de extrema pobreza e 9,5%, na de pobreza, segundo critérios de

renda per capita. Com relação às Unidades da Federação, o maior número de famílias indígenas

cadastradas se encontra no Amazonas (25.992), com 80% delas em situações de extrema pobreza. O

Acre possui o maior número proporcional de famílias em situação de extrema pobreza (89%) e o

Amapá, a menor proporção (51%). Contudo, devemos considerar as limitações de cobertura do

cadastramento. O Pará, UF de grande presença indígena, tem um número baixo de famílias

cadastradas se compararmos com os demais estados da Região Norte.

Na Região Nordeste, há 37.848 famílias indígenas no CadÚnico, 73% estão em situação de extrema

13Família, esse conceito aparentemente autoevidente, não é coincidente para todos os povos indígenas. Para o PBF ele se define como: “unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros” (Lei nº 10.836 de 9 de janeiro de 2004).

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22 pobreza e 11% na de pobreza. O maior número de famílias indígenas cadastradas é encontrado nos

estados de Pernambuco, seguidos da Bahia e Maranhão. No entanto é no Maranhão que

encontramos a maior proporção de famílias em situação de extrema pobreza (83%), seguido de

Pernambuco (76%).

Tabela 8 – Famílias indígenas no Cadúnico e no PBF nas Regiões Norte e Nordeste e por UF

Brasil, Regiões e Unidades daFederação

Familiasindígenas

cadastradas

Familiasindígenas

atualizadas

Familiasindígenas

beneficiáriaspelo PBF

Nº defamílias

indígenas emextremapobreza

Nº defamílias

indígenas empobreza

Brasil 139,318 110,900 105,429 103,182 16,173

Região Norte 56,755 48,321 46,601 44,930 5,378

Rondônia 2,123 1,614 1,622 1,658 278

Acre 3,467 3,133 3,071 3,079 207

Amazonas 32,343 28,627 27,132 25,992 2,634

Roraima 9,945 7,640 7,768 7,473 1,023

Pará 5,081 4,054 3,970 4,012 629

Amapá 1,038 870 776 533 358

Tocantins 2,758 2,383 2,262 2,183 249

Região Nordeste 37,848 28,757 27,346 27,721 4,173

Maranhão 6,244 4,522 4,667 5,220 534

Piauí 305 33 41 152 69

Ceará 4,123 3,238 2,876 2,495 606

Rio Grande do Norte 269 166 130 155 56

Paraíba 4,398 3,421 3,352 3,165 562

Pernambuco 11,298 9,208 8,624 8,599 962

Alagoas 2,930 2,472 2,313 2,200 289

Sergipe 328 130 136 173 57

Bahia 7,953 5,567 5,207 5,562 1,038

Fonte Cadúnico/SENARC/MDS. Situação de extrema pobreza: renda per capita inferior ou igual a R$ 77,00. Pobreza:

renda per capita entre R$ 77,01 e R$ 154,00

O Cadúnico continha, em abril de 2015, 124.355 famílias quilombolas em seus registros. A

distribuição entre as grandes regiões se inverte comparada a presença indígena. Das famílias

cadastradas, 11% está na Região Norte, enquanto 70% se encontram nos estados do Nordeste. Essa

diferença está diretamente relacionada, por um lado, a grande presença de populações africanas

escravizadas que movimentaram a economia da região; e, por outro lado, indica o genocídio de

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23 proporções gigantescas promovido contra os povos indígenas do Nordeste, ponto de chegada dos

invasores europeus. Estima-se que uma população de dois milhões de nativos vivia no que hoje

chamamos Região Nordeste em 1500. Especula-se que a população nativa do Brasil foi reduzida à

sua terça parte antes de 165014.

Do total de famílias quilombolas do CadÚnico, 72% estão em situação dose extrema pobreza (com

renda per capita até R$ 77,00) e 9% em situação de pobreza (com renda per capita entre R$ 77,01 e

R$ 154,00).

Na Região Nordeste são 86.522 famílias quilombolas, dos quais 84% estão em situação de pobreza

ou de extrema pobreza segundo o critério renda per capita. Com relação às Unidades da Federação,

o maior número de famílias cadastradas está em Pernambuco, Bahia e Maranhão, coincidindo com a

proporção de população negra na população brasileira como um todo. Na região Norte, o estado

com maior presença de quilombos é o Pará, sendo, também, onde vivem a maior parte das famílias

cadastradas da região norte (84%), seguido pelo Amapá.

Tabela 9 – Famílias quilombolas no Cadúnico e no PBF nas Regiões Norte e Nordeste e por UF

Brasil, Regiões e Unidades daFederação

Famíliasquilombolascadastradas

Famíliasquilombolasatualizadas

Famíliasquilombolasbeneficiárias

pelo PBF

No. defamílias

quilombolasem extrema

pobreza

No. de famíliasquilombolas em

pobreza

Brasil 124.355 107.139 96.071 89.702 11.348

Região Norte 14,467 12,428 11,444 10,790 1,461

Rondônia 157 145 120 107 25

Acre 9 9 9 9 0

Amazonas 225 196 187 176 22

Roraima 2 2 0 1 0

Pará 12,131 10,387 9,922 9,496 1,119

Amapá 532 470 324 299 77

Tocantins 1,411 1,219 882 702 218

Região Nordeste 86,522 75,584 69,642 66,884 6,153

Maranhão 29,475 25,533 24,381 24,616 1,335

Piauí 4,004 3,465 3,332 3,233 162

Ceará 1,451 1,274 1,041 875 165 Rio Grande do Norte

1,476 1,345 1,131 937 180

Paraíba 2,835 2,564 2,253 2,172 195

Pernambuco 6,308 5,654 5,159 4,732 499

Alagoas 4,456 3,888 3,487 3,234 440

Sergipe 3,490 2,770 2,635 2,458 393

Bahia 33,027 29,091 26,223 24,627 2,784

Fonte Cadúnico/SENARC/MDS. Situação de extrema pobreza: renda per capita inferior ou igual a R$ 77,00. Pobreza:

renda per capita entre R$ 77,01 e R$ 154,00

14Para maiores informações, ver Carneiro da Cunha (1992) e Reis e Gomes (1996)

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Pesquisas sobre Segurança Alimentar e Nutricional são importantes levantamentos sobre as

condições socioeconômicas de indígenas e quilombolas. O Mapa da Fome entre os Povos Indígenas

no Brasil, apesar de antigo para o fim desse trabalho, foi pioneiro na discussão sobre o tema entre

povos indígenas. Em 1994, os dados levantados afirmaram que em pelo menos 198 terras indígenas

(34.31% das TI), a fome atingia quantitativa e qualitativamente proporções variadas da população.

O painel de especialistas que analisou os dados, explicava: “A título de esclarecimento, por

segurança alimentar entendemos aqui a capacidade de uma sociedade ou grupo social de fazer

frente à demanda alimentar do conjunto de sua população, de forma suficiente, estável, autônoma,

sustentável e equitativa. Logo, por fome, estamos falando aqui especificamente da incapacidade ou

impossibilidade de uma sociedade ou grupo social de fazer frente satisfatoriamente a suas demandas

alimentares (incluindo água), comprometendo sua sobrevivência social e física, presente e futura”

(Verdun et al, 1995: 27).

O Inquérito Nutricional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, realizado pela FUNASA em

2008-2009 teve por objetivo caracterizar o estado nutricional de mulheres entre 14 e 49 anos de

idade e crianças menores de cinco, com base em uma amostra probabilística representativa da

população indígena residente em aldeias das várias regiões brasileiras. Foram visitadas 113 aldeias

com entrevista e levantamento em entrevistadas 6.692 mulheres e 6.128 crianças. O inquérito revela

que 26% das crianças menores de 5 anos têm déficit de estatura por idade, proporção ainda maior na

região norte do país (41%). Revela, ainda, uma prevalência de anemia em criança indígena da

ordem de 51,2%, com a Região Norte apresentando a frequência mais alta, 66,4%. Em contraste, a

prevalência de anemia na criança brasileira não indígena foi de 20,9%, segundo a Pesquisa Nacional

de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher de 2006, também produzida pelo Ministério da

Saúde. O Inquérito Nacional evidenciou elevadas prevalências de hospitalização por condições

sensíveis à atenção básica nos 12 meses que antecederam as entrevistas no campo por diarreia

(37%) e infecção respiratória aguda (47%). (Coimbra Jr, 2014)

O Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional Indígena (SISVAN)15 foi instituído nos Distritos

Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) com o objetivo de monitorar e acompanhar o estado

nutricional da crianças indígenas menores de 05 anos e gestantes, além de obter informações

referentes ao aleitamento materno e recebimento de benefícios sociais. O acompanhamento é feito

mensalmente pelas Equipes Multidisciplinares da Saúde Indígena com a distribuição de balanças,

realização de Oficinas de Alimentação e Nutrição da Saúde Indígena e suplementação de Vitamina

A. No ano de 2011, 47.011 crianças menores de 05 anos foram acompanhadas, o equivalente a

15 Portaria nº 984, de 06 de julho de 2006

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25 63,8% de cobertura (SESAI, 2012)16.

A taxa de mortalidade infantil entre a população indígena diminuiu significativamente nas últimas

décadas, assim como aconteceu no Brasil como um todo. Mas continua em patamares ainda

elevados se comparados com dados da população em geral. Os dados sobre a evolução da cobertura

do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) apontam para uma cobertura do estado

nutricional de crianças abaixo de cinco anos pelos DSEI de 60% da população total. Entre as

famílias beneficiárias do Bolsa Família, a cobertura chega a 85%. Tal dado indica subregistro do

sistema, mas é uma fonte disponível de monitoramento.

Além do aumento da taxa de cobertura, temos uma diminuição da taxa de mortalidade infantil

significativa entre indígenas, saindo de 75 (por 1000 mil nascidos vivos) em 2000, para uma taxa de

42/1000 em 2010 (FUNASA, 2010). Sobre o estado nutricional, dados de 2013 apontam para um

considerável déficit de peso em crianças de menos de 5 (cinco) anos.

Tabela 10 – Estado nutricional de Crianças Indígenas

ESTADO NUTRICIONAL DE CRIANÇAS INDÍGENAS MENORES DE 5 ANOS EM 2012

Adequado 67,31%

Risco Nutricional 15,88%

Baixo Peso 11,16%

Risco de sobrepeso 2,79%

Muito baixo peso 2,83%

Fonte: SESAI/MS, 2013

O MDS contratou pesquisa para verificar o desenho, a gestão, a implementação e os fluxos de

acompanhamento das condicionalidades de saúde associadas ao Programa Bolsa Família (PBF) para

Povos Indígenas, em 2013. Foram incluídos para compor a amostra os seguintes DSEI e respectivos

municípios: Alto Rio Negro (São Gabriel da Cachoeira e Barcelos); Bahia (Salvador e Porto

Seguro); Maranhão (São Luís e Grajaú); Mato Grosso do Sul (Campo Grande e Dourados); Litoral

Sul (Curitiba e São Paulo) e Xavante (Barra do Garças e Campinápolis)17. Nela se afirma que “em

nenhum dos municípios estudados existia retorno dos dados de saúde dos beneficiários do PBF às

equipes de saúde para que se faça um efetivo acompanhamento nutricional junto às crianças e

16 “Nos últimos anos, foram notificados 125 casos de Beribéri no Brasil, sendo 100 em Roraima (casos em indígenas), 14 no Maranhão e 11 em Tocantins” (CAISAN/MDS, 2014: 83)

17A pesquisa foi executada por Neida Cortes Pinheiro (coord.) e Sara Berardi. Teve como fonte, basicamente, entrevistas feitas com 50 atores considerados chaves: gestores municipais do PBF, coordenadores do PBF nas Secretarias Municipais de Saúde e representantes do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena dos seis Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI).

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26 gestantes” (NC PINHEIRO, 2013: 158). Tal relato indica, a partir de pesquisas qualitativa, a

possível inconsistência dos dados do SISVAN.

A Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS (SESAN/MDS), realizou um

diagnóstico sobre a situação de vulnerabilidade entre famílias indígenas e quilombolas a partir do

cruzamento entre os dados do CadÚnico e os dados do SIVAN e classificou os municípios em um

ranking a partir de um indicador de vulnerabilidade multivariado. Como a metodologia não foi

oficialmente validada e nem está pública ainda, optamos por não apresentá-lo no presente texto.

Mas a tendência apontada é a de maior concentração dos municípios com maior vulnerabilidade nas

regiões norte e nordeste.

A Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI/MDS), realizou pesquisa sobre segurança

alimentar e nutricional nas 169 Comunidades Quilombolas Tituladas entre 1995 e 200918.

Importante ressaltar que se trata de recorte da realidade das quase 3.000 (três mil) comunidades

encontradas em etapas diversas do processo de reconhecimento territorial. Ao mesmo tempo, a

pesquisa tem o valor de apontar a realidade de uma parte do segmento por meio de levantamento

aprofundado e censitário. A condução do trabalho ficou a cargo do Instituto DataUFF que realizou

levantamento de campo em parceria com outras instituições de ensino. Apresentaremos os dados

mais relevantes para o objetivo de discutir o Mapa da Pobreza Rural para o segmento das

comunidades quilombolas.

Quando o parâmetro é ‘se o adulto pertencente a uma família de alguma das comunidades

quilombolas ficou o dia inteiro sem comer ou fez só uma refeição no dia porque não tinha comida

em casa’, mais da metade da população pesquisada tem características de insegurança alimentar

(55,6%). Dentre as regiões em que encontramos quilombos titulados, o Baixo Amazonas apresenta a

pior situação, com 86,3% dos respondentes nesta situação. O quadro ainda é mais grave se levarmos

em conta as respostas a mesma pergunta dirigidas a se alguma criança ou adolescente passou pela

mesma situação. No caso, a resposta positiva foi da ordem de 79% (Sardinha et al, 2014).

No conjunto das comunidades pesquisadas, 2,4% das crianças apresentaram déficit de estatura que

reflete desnutrição crônica. Entre as comunidades do Semiárido, a incidência chega a 5,9%. O Peso

Baixo ao Nascer (PBN abaixo de 2500 gramas) é um indicador de morbidade materna desfavorável

ao desenvolvimento do bebê. O estudo encontrou uma média de 9,8% de BPN nas comunidades

estudadas e 13,3% considerando só as comunidades do Norte Maranhense (a média nacional é de

8,5%, informam os mesmos autores).

Se considerarmos os dados a partir da Escala Brasileira de Medida Domiciliar de Insegurança18“Pesquisa de Avaliação da situação de segurança alimentar e nutricional em comunidades quilombolas tituladas”, disponível em base de dados da SAGI e no Caderno de Estudos e Debates nº 20.

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27 Alimentar (EBIA), o acesso aos alimentos é deficiente entre famílias quilombolas das comunidades

tituladas, tanto do ponto de vista da qualidade dos itens que compõem a dieta quanto das

quantidades que seriam adequadas ao atendimento de suas necessidades biológicas, segundo a

Segall-Correa (2014). A insuficiência de alimentos, representada pela Insegurança Alimentar

Moderada (IM) ou Grave (IG), era experimentada por mais de 2/3 dos domicílios. A convivência

com a fome estava presente, com alguma frequência, em mais de 40% dos domicílios. Abaixo,

tabela com a distribuição percentual das condições de segurança alimentar e níveis de insegurança

alimentar por número absoluto e percentual dos domicílios.

Tabela 11 – Distribuição percentual da Segurança Alimentar em Comunidades Quilombolas TituladasClassificação Número de domicílios Percentual de domicílios

S.A 1277 14,4I.L 1557 17,6I.M 1785 20,2I.G 4227 47,8Total 8846 100,0

Fonte: Segall-Correa (2014)

A pesquisa aponta para uma situação de extrema vulnerabilidade nos quilombos titulados entre

1995 e 2009 e evidencia que a garantia de acesso ao território não é necessariamente blindagem

para mazelas sociais como a desnutrição e a pobreza. Sugere, portanto, a necessidade de políticas

intersetoriais. A coordenação e integração das ações é o objetivo do Programa Brasil Quilombola

que apresentamos a seguir.

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28 ACESSO ÀS POLITICAS PÚBLICAS E SOCIAIS

Programa Bolsa Família

Criado no final de 2003, o Programa Bolsa Família (PBF)19 integra o Plano Brasil Sem Miséria,

conjunto de ações do governo federal que objetiva o combate à fome e à pobreza extrema por meio

da transferência de renda e atendimento a condicionalidades estabelecidas nas áreas de saúde e

educação dos beneficiários. O MDS está encarregado da gestão federal do PBF através de sua

Secretaria Nacional de Renda e Cidadania (SENARC) e, também, de realizar estudos sobre seus

efeitos por meio da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI). O PBF está assentado

sobre o tripé "transferência de renda", "condicionalidades" e "programas complementares", estes

acessíveis através do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico).

Através da ação conjunta dos três eixos citados, espera-se capacitar os beneficiários e suas famílias

para superar, de forma sustentável e continuada, a miséria e a fome.

O programa possui vários tipos de benefícios que são utilizados para compor a parcela mensal.

Esses benefícios são calculados a partir de informações sobre renda mensal per capita, número e

idade dos membros da família e existência de gestantes. São benefícios que integram o PBF:

benefício básico direcionado a famílias extremamente pobres; benefício variável de 0 a 15 anos

concedido a famílias que tenham crianças e adolescentes; benefício varável à gestante concedido a

famílias que tenha gestantes; benefício varável nutriz (lactantes) concedido a famílias que tenha

crianças de 0 a 6 meses; benefício variado vinculado ao adolescente, concedido a famílias que

tenham até dois adolescentes entre 16 e 17 anos; benefício de superação da extrema pobreza,

voltado a famílias extremamente pobres como forma de garantir que superem o limite de renda da

extrema pobreza.

O PBF prevê o cumprimento de condicionalidades por parte das famílias nas áreas de saúde e

educação que tem o efeito, também, de comprometer o poder público com a oferta dos serviços

públicos de saúde, educação e assistência social. Na área de saúde, as famílias beneficiárias devem

acompanhar o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças menores de 7

anos. As mulheres adultas devem fazer acompanhamento e, se gestantes ou nutrizes (lactantes),

realizar pré-natal e acompanhamento nutricional. Na educação, todas as crianças e adolescentes

entre 6 e 15 anos devem estar devidamente matriculados e com frequência escolar mensal mínima

de 85% da carga horária, enquanto para os adolescentes de 16 e 17 anos, a frequência exigida é de

70%. A participação social do PBF está prevista por meio de um conselho formalmente constituído

19Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004.

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29 no ato de adesão do município, a Instância de Controle Social (ICS). Espera-se que a ICS tenha em

sua composição os representantes do governo local e, no mínimo, metade dos seus membros

indicados por entidades da comunidade.

Pesquisa sobre a percepção e o impacto do PBF em sete povos indígenas dos estados do Mato

Grosso do Sul, Mato Grosso, São Paulo, Bahia, Maranhão e Amazonas, indicaram uma série de

problemas em várias etapas do cadastramento até o uso do benefício.

Primeiramente, com relação ao cadastramento, muitas indígenas não possuem o documentação de

registro civil. Possuem apenas o RANI, o Registro Administrativo de Nascimento Indígena emitido

pela FUNAI. Constatou-se que as instâncias locais da Assistência se recusam a aceitá-lo, mesmo

que haja uma normativa do MDS autorizando seu uso para os indígenas. Há, ainda, uma alta

frequência de inconsistência na documentação de indígenas que os impede de acessar o BF.

Outra questão importante que tem surgido nos monitoramentos do PBF é a atualização do sistema

do “aviamento”, um tipo de patronato que se organizou na Amazônia descrito exaustivamente na

bibliografia como uma espécie de escravidão por dívida a qual foram submetidos os seringueiros

que trabalhavam na extração de látex para fabricação de borracha por corporações internacionais.

Esses trabalhadores eram, basicamente, migrantes vindos da Região Nordeste e indígenas da

Amazônia que passaram pelas chamadas “correrias” para captura de mão de obra e desocupação

violenta dos territórios para implantação das “colocações” dos seringais, cujo auge foi entre 1890 e

1950. O aviamento e o patronato foram identificados em outras frentes de exploração econômica

como de extração do caucho, das “drogas do sertão” (remédios), de couro animal e demais produtos

florestais. Trata-se de uma instituição que marca profundamente a Amazônia e que foi viabilizada

pelo monopólio de acesso aos mercados e de fornecimento de mercadorias em um contexto

geográfico de grandes distâncias. O seu declínio sugeria que se tratava de um sistema perverso do

passado, mas na verdade sempre foi presente e está sendo reavivado por meio da retenção dos

cartões do Bolsa Família de beneficiários que vivem em áreas remotas ou que dependem do

transporte onerosos até a cidade para o saque do benefício. Em partes da Amazônia, o custo do

transporte para uma família ir à cidade buscar o benefício supera seu valor.

O mesmo acontece com famílias indígenas que vivem próximos a área urbana: seus cartões vão

parar nas mãos de comerciantes locais e agiotas. Essa exploração das famílias indígenas é por vezes

viabilizada pela falta de domínio do português e má-fé dos intermediários, outras vezes por acordos

que envolvem funcionários públicos, de lotéricas e fazendeiros invasores.

O PBF é, também, percebido como emancipatório para várias comunidades. Frequentemente

traduzido entre povos dos mais diversos lugares, como o “o dinheiro das crianças”. Provavelmente

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30 por sua associação com as condicionalidades de saúde e educação.

Além do PBF, outra política importante, mesmo que ainda seja de baixo impacto, é o Programa de

Apoio à Conservação Ambiental20. Sua execução é responsabilidade do Ministério do Meio

Ambiente e prevê repasses trimestrais de R$ 300,00 por um prazo de até 2 (dois) anos. É destinado

a famílias em situação de extrema pobreza que desenvolvam atividades de conservação de recursos

naturais em Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável

(federais); Projetos de Assentamento Florestal, Projetos de Desenvolvimento Sustentável ou

Projetos de Assentamento Agroextrativista instituídos pelo Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (INCRA); territórios ocupados por ribeirinhos, extrativistas, populações indígenas,

quilombolas e outras comunidades tradicionais. Até agosto de 2013, o Programa atingiu mais de 40

mil famílias que residem nas Unidades de Conservação de Uso sustentável, áreas ocupadas por

ribeirinhos e projetos de assentamento ambientalmente diferenciados de diferentes biomas. Desse

total, 2.276 são famílias de pescadores artesanais, 1.828 de agricultores familiares, 1.380 de

ribeirinhos, 723 quilombolas, 695 de extrativistas, 188 indígenas21.

A Previdência Rural e o Benefício de Prestação Continuada tem um impacto importante na

realidade do campo. Mas não são tratados no presente estudo pela ausência de dados quantitativos

de acesso desagregados pelas categorias indígenas e quilombolas, ou de estudos qualitativos que

permitam mensurar seus impactos.

Programa Brasil Quilombola

O processo de reconhecimento pelo Estado de uma comunidade quilombola passa pela sua inscrição

no Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos da Fundação Cultural

Palmares (FCP)22. Em dezembro de 2014 existiam 2.422 comunidades quilombolas certificadas,

distribuídas por 784 municípios (SMPPIR, em dezembro de 2014).

A questão do acesso à terra, vale reafirmar, é imprescindível para que os quilombolas tenham

possibilidade real de garantia da sua reprodução física, social, econômica e cultural. Segundo o

CadÚnico, 90% das famílias quilombolas cadastradas desempenham atividades agrícolas, de pesca

20Instituído pela Lei nº 12.512 de 14 de outubro de 2011

21MMA, 2014

22“O passo seguinte à certificação é a abertura de processo administrativo de regularização fundiária, com o qual a comunidade passa existir legalmente como proprietária da terra na qual se localiza e da qual tira sua subsistência. Esse processo é executado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA/MDA), em parceria com os Institutos de Terras Estaduais e Secretaria de Patrimônio da União.” (SMPPIR)

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31 artesanal ou extrativistas23. A agricultura praticada é predominantemente de subsistência. Na

pesquisa com as comunidades tituladas, apenas 25% dos entrevistados das comunidades afirmam

que vendem parte da sua produção (Arantes, 2014).

Na pesquisa citada anteriormente com as comunidades quilombolas tituladas promovida pelo MDS,

lideranças entrevistadas indicaram que a titulação teve efeitos positivos sobre o fortalecimento da

identidade e da participação política, assim como aumento do acesso a programas governamentais.

Quase metade das lideranças indicaram que houve, com a titulação, diminuição das agressões

sofridas. Contudo, 25,3% informaram não possuir livre acesso ao território e em 21% destes casos

de impedimento, a principal causa tem sido a presença de ocupantes não quilombolas (fazendeiros,

grileiros, etc.). Assim, soma-se à escassez de recursos monetários, conflitos no uso dos recursos. Há

lideranças quilombolas entre os protegidos pelo Programa de Proteção dos Defensores de Direitos

Humanos da Secretaria de Direitos Humanos (Arantes, 2014).

A regularização fundiária das comunidades quilombolas, por meio da delimitação, reconhecimento,

indenização das benfeitorias e imóveis, desintrusão e titulação dos territórios é um procedimento

complexo e que exige uma grande força de mobilização e persistência por parte das comunidades. A

grande oposição vem de segmentos sociais e partidos políticos que não se conformam com o título

coletivo e inalienável, que tem como uma das consequências, a retirada áreas do mercado

especulativo de terras24.

A Secretaria de Patrimônio da União desenvolve o “Programa Nossa Várzea: Cidadania e

Sustentabilidade na Amazônia Brasileira”, que busca garantir às comunidades ribeirinhas que vivem

em rios, ilhas, igarapés, paranás e furos da Amazônia, o reconhecimento da posse mediante Termo

de Autorização de Uso Sustentável em áreas da União como primeira etapa do procedimento de

regularização fundiária. Muitas comunidades quilombolas foram contempladas por essa política. O

projeto se iniciou no estado do Pará onde assentou 23.178 mil famílias ribeirinhas agroextrativistas

em municípios do Arquipélago do Marajó, 545 na região do Rio Xingu no Pará e 1.725 no sul do

Amazonas (SPU, 2015).

Morosidade nos processos de titulação e acesso livre ao território restringem as possibilidades das

comunidades quilombolas de desenvolvimento da sua autonomia pela geração de renda. O

Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria,

criado em 2011, promovido pelo MDA e MDS, em parceria com a SEPPIR e FCP, contemplaram,

até o momento, 160 comunidades quilombolas de 35 municípios distribuídos por oito UF e

23O Sistema de monitoramento do Plano Brasil Quilombola aponta que 73,9% das famílias cadastradas são trabalhadores extrativistas.

24Basta lembrar que foi o Partido Democratas (DEM) que propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto que regulamenta a regularização fundiária dos quilombos, julgada improcedente pelo Suprenmo Tribunal Federal.

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32 beneficiaram 8.645 famílias com elaboração de projetos produtivos e recurso de R$ 2.400,00 por

meio de Chamadas Públicas de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER). No âmbito dessa

estratégia, os agentes de extensão rural foram capacitados para trabalhar especificamente com

quilombolas.

Dados de acesso de comunidades quilombolas aos programas de apoio à produção e

comercialização, demonstram que mesmo que o desenho das políticas se considere adaptado aos

quilombos, a baixa participação indica que não está sendo suficiente para garantir a participação

que se pretende. Abaixo, tabela com dados de acesso a programas de apoio à produção e

comercialização.

Tabela 12 – Acesso a Políticas Públicas de Desenvolvimento Rural em Comunidades Quilombolas Tituladas

DOMICÍLIOS QUILOMBOLAS TITULADOS E ACESSO APROGRAMAS DE APOIO À PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO RURAL

Programa Percentual de domicílios que o acessam

Programa Nacional de Fortalecimento da AgriculturaFamiliar (Pronaf)

5,8%

Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) 1,3%

Garantia Safra 4%

Seguro da Agricultura Familiar 0,4%

Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) 0,6%

Programa de Aquisição de Alimentos Modalidade Leite (PAA-Leite)

0,2%

Fonte: Pesquisa de Avaliação da situação de segurança alimentar e nutricional em comunidades quilombolas tituladas,MDS, 2012.

Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas

As Terras Indígenas (TI) representam aproximadamente 12% do território brasileiro considerando

as várias etapas legais de reconhecimento e regularização fundiária. A maior concentração de terras

está na Amazônia Legal, onde residem quase 60% da população indígena brasileira. As TI têm

papel estratégico na conservação da biodiversidade e dos recursos naturais do país. Com ativos

territoriais e ambientais significativos, contribuem para a manutenção dos biomas brasileiros devido

aos modos de vida tradicionais e a resistência que seus habitantes interpõem em defesa dos

territórios que ocupam.

Marco institucional relevante para a política indigenista, a Política Nacional de Gestão Ambiental

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33 em Territorial de Terras Indígenas (PNGATI)25 tem “o objetivo de garantir e promover a proteção, a

recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios

indígenas, assegurando a integridade do patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e as

condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações dos povos indígenas,

respeitando sua autonomia sociocultural, nos termos da legislação vigente”. O PNGATI prevê como

ferramentas para a gestão territorial e ambiental de TI, o etnomapeamento e o etnozoneamento,

compreendidos, respectivamente, como mapeamento participativo e planejamento participativo para

identificar as áreas de relevância ambiental, sociocultural e produtiva com base nos conhecimentos

e saberes indígenas. Tem como eixos a proteção territorial, a participação indígena, a recuperação

de danos ambientais, o uso sustentável dos recursos naturais e iniciativas produtivas indígenas,

ações de proteção da propriedade intelectual e do patrimônio genético.

O PNGATI inova quando prevê que a coordenação seja exercida de forma alternada por

representações do Ministro da Justiça, do Ministério do Meio Ambiente e representação dos Povos

Indígenas. A Secretaria Executiva permanente é da FUNAI. Mas a força que diferencia essa Política

está na sua dimensão verdadeiramente participativa que expressa o protagonismo e a

autodeterminação dos povos indígenas no processo de proteção ambiental e controle territorial. Os

Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) são os instrumentos de planejamento territorial e

ambiental que implementam a política e são vistos como um processo estratégico de reflexão e

planejamento do uso sustentável dos territórios indígenas, com vistas a melhoria da qualidade de

vida e das condições plenas de reprodução física e cultural e, também, subsidiar os gestores das

políticas públicas ambientalistas e indigenista.

Os PGTA contribuem para valorizar e sistematizar o conhecimento local. Auxiliam na elaboração

discursiva necessária às demandas e reivindicações e apontam possibilidades de alternativas

econômicas e de geração de renda. A PNGATI busca compatibilizar políticas específicas de crédito,

de apoio técnico, e de formação de profissionais indígenas para trabalhos de uso sustentável da

biodiversidade – formação de agentes agroecológicos e agroflorestais. Está em curso no âmbito da

política, a formação continuada de 300 gestores indígenas e outros 300 gestores não-indígenas

capazes de implementá-la segundo princípios do diálogo intercultural e da gestão local realizada

pelos povos indígenas.

Além da formação continuada, foram produzidos no âmbito da política o etnomapeamento dos

complexos Purus, Juruá, Tefé, Oiapoque, das regiões dos povos Maku, Kanamari, Paumari, Pataxó,

Munduruku. Nesses, estão sistematizados os produtos florestais e das águas que podem ser alvo de

exploração econômica e de manejo sustentável. Também há uma metodologia acumulada nas

25Decreto nº 7.747, de 05 de junho de 2012.

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34 oficinas realizadas sobre agroecologia e potencial de desenvolvimento de atividades produtivas que

mantenham a floresta em pé. A metodologia dos estudos é, basicamente, a caracterização do uso do

espaço físico pelos moradores para compreender como se dá a distribuição dos recursos naturais

disponíveis, caracterizar ambientalmente a área de estudo e classificar o espaço em subcategorias de

ambientes para a produção de uma cartografia significativa (sobreposta a imagens de satélite e

cartas de solo e vegetação).

Trata-se de um exemplo de uma política que parte dos conhecimentos locais sobre o meio ambiente

para a formulação de iniciativas de fomento sustentáveis e aliadas das populações locais.

Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais

O Programa de fomento às atividades produtivas é executado pelo Ministério do Desenvolvimento

Agrário (MDA) e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)26.

As famílias atendidas tem acompanhamento de técnicos agrícolas para aumentar a produção, a

qualidade e o valor dos produtos. Recebem R$ 2.400,00 não reembolsáveis para investir na

implantação de um projeto produtivo construído em conjunto com os técnicos agrícolas. Há também

distribuição de insumos e sementes. A Assistência técnica e o fomento prevê projetos produtivos em

atividades voltadas à criação de pequenos animais (porcos, aves, cabras e ovelhas), bovinocultura e

horticultura.

Dos 358 mil famílias com projetos apoiados pela Assistência Técnica e Fomento do Plano Brasil

Sem Miséria, segundo informe do MDS de dezembro de 2014, encontramos a seguinte proporção

de atendimento a públicos específicos:

Tabela 13 – Famílias de Povos e Comunidades Tradicionais atendidas pelo PNATER

PÚBLICOS ESPECÍFICOS NÚMERO DE FAMÍLIAS

Quilombolas 14.000

Pescadores Artesanais 3.500

Assentados da Reforma Agrária 54.000

Extrativistas (Bolsa Verde) 39.300

Indígenas 4.500

Fonte: MDS, dezembro de 2014

26O Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais é instituído pelo artigo 9 da Lei nº 12.512 de 14 de outubro de 2011, e regulamentado pelo Decreto nº 7.664 de 16 de dezembro de 2011

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35 A Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural

A área de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ministério de Desenvolvimento Agrário

desenvolve ações dirigidas a famílias quilombolas e indígenas. Dentre as ações desenvolvidas, estão

as providências para emissão da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) para agricultores. O DAP

pode ser emitido por representantes legais de agricultores familiares, ou por organizações que

prestam serviços na área de assistência técnica e, também, pelo INCRA no caso de quilombos e pela

FUNAI, no caso de indígenas.

Uma das estratégias de inclusão de indígenas e quilombolas na PNATER27 tem sido a publicação

de Chamadas Públicas para atendimento e elaboração de projetos produtivos por unidades

familiares. Essas serão atendidas por técnicos que obedecerão uma metodologia participativa

exigida pelo contratante das entidades candidatas, e formularão projetos produtivos por unidade

familiar. Esses projetos serão apoiados com um recurso de fomento não-reembolsável no valor de

R$ 2.400,00 e serão acompanhados por técnicos especializados em assistência técnica e extensão

rural.

Os beneficiários devem ser famílias em situação de extrema pobreza e com perfil de vulnerabilidade

e risco social, em especial no que se refere à capacidade de prover necessidades básicas que lhes

garantam o direito à alimentação. Devem, também, possuir o DAP. Abaixo apresentamos um quadro

com a sistematização de todas as chamadas públicas realizadas segundo esses propósitos, as

comunidades indígenas e quilombolas selecionadas, as famílias atendidas, e os respectivos estados e

municípios. A intenção é, com essa sistematização, apontar para o escopo e abrangência da política.

Mas para que uma análise do incremento real representado pelas chamadas de ATER e pelo fomento

das atividades produtivas, dependeria de um estudo qualitativo dos casos e projetos produzidos.

27Lei 12.188, de 11 de janeiro de 2010

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Tabela 14 – Famílias Indígenas atendidas pelas chamadas públicas para ATER e Fomento às Atividades Produtivas

NÚMERO DA CHAMADA UF MUNICÍPIOS POVOS INDÍGENAS TERRAS INDÍGENASNÚMERO DE

FAMÍLIAS

CHAMADA PÚBLICASAF/ATER Nº 003/2014

AM

BORBA MUNDURUKU COATÁ-LARANJAL680

NOVO ARIPUANÃ SATERÉ-MAWÉ

MANICORÉHUMAITÁ

MURA

CUNHÃ-SAPUCAIALAGO DO LIMÃOARARYSATEMALAGO JAUARIRIO MANICORÉPINATUBAARIRAMBA

440

MANICORÉ HUMAITÁ

APURINÃTORÁDIAHUIPARINTINTIMPIRAHÃTENHARIM

TORÁDIAHUIIPIXUNANOVE DE JANEIROPIRAHÃSEPOTITENHARIM MARMELOSTENHARIM MARMELOS GLEBA BTENHARIM DO IGARAPÉ PRETOLAGO CAPANÃ

380

CHAMADA PÚBLICASAF/ATER Nº 08/2014

RRUIRAMUTÃPACARAIMANORMANDIA

MACUXIWAPICHANAINGARIKÓTAUREPANGPATAMONA

RAPOSA SERRA DO SOLSÃO MARCOS

1800

CHAMADA PÚBLICASAF/ATER Nº 09/2014

AMTABATINGASÃO PAULO DE OLIVENÇASANTO ANTÔNIO DO IÇA

TIKUNAKOKAMAKANAMARI

EWARE IUMARIAÇU

1500

CHAMADA PÚBLICASAF/ATER Nº 01/2015

CE ITAPIPOCA TREMEMBÉ TREMEMBÉ DA BARRA DO MUNDAÚ 120

SE PORTO DA FOLHA XOCÓ CAIÇARA/ILHA DE SÃO PEDRO 80

AL PALMEIRA DOS ÍNDIOSTRAIPÚ

TINGUI BOTÓXUKURU-KARIRI

ACONÃXUKURU-KARIRIMATA DA CAFURNA

500

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37

FAZENDA CANTO

BA

ABARÉBANZAÊCURAÇÁEUCLIDES DA CUNHAGLÓRIAPAULO AFONSORIBEIRA DO POMBALRODELASQUIJINGUÉTUCANOIBOTIRAMAMUQUÉM DE SÃO FRANCISCOSERRA DO RAMALHO

XUKURU-KARIRIKANTARURÉTUMBALALÁKAIMBÉKIRIRIPANKARARÉTUXÁATIKUNPANKARARÚ

QUIXADÁKANTURURÉTUMBALALÁMASSACARÁKIRIRIBREJO DO BURGOPANKARARÉIBOTIRAMABARRAVARGEM ALEGRE

700

PE

ÁGUAS BELASALAGOINHAITAÍBAPEDRAPESQUEIRAPOÇÃOVENTUROSABUÍQUEFLORESTA

IBIMIRIMPETROLÂNDIATACARATUBELÉM DO SÃO FRANCISCOMIRANDIBASALGUEIROCABROBÓCARNAUBEIRA DA PENHA

FULNI-ÔXUKURUKAMBIWÁKAPINAWÁTUXÁPAKARARÚATIKUNTRUKÁ

FULNI-ÔXUKURUXUKURU DE CIMBRESKAMBIWÁKAPINAWÁTUXÁ DE INAJÁENTRE SERRASPANKARARUATIKUNTRUKÁ

2700

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Tabela 15 – Famílias Quilombolas atendidas pelas chamadas públicas para ATER e Fomento às Atividades Produtivas

NÚMEROS DACHAMADA

UF MUNICÍPIOS COMUNIDADES QUILOMBOLASNUMERO DE

FAMÍLIAS

CHAMADA PÚBLICADPMRQ/MDA Nº 003/2011

PASANTARÉM

AREPAMÃBOM JARDIMMURUMURU

MURURUTUBANOVA VISTA DO ITUQUI

SÃO JOSÉ DO ITUQUISÃO RAIMUNDO DO ITUQUI

SARACURATININGÚ

480

PE BOM CONSELHOANGICO DE CIMAANGICO

ISABELMACACOS

480

BACAMPO FORMOSO

ALAGADIÇO DE LAJE DOS NEGROSLAJE DOS NEGROSCASA NOVA DOS AMAROSCASA NOVA DOS FERREIRASCASA NOVA DOS MARINOSBARROCASLAJE DE CIMA II

SANGRADOURO ISANGRADOURO IIPATOS IPATOS IIPATOS IIIPEDRA

BURACOSAQUINHOPOÇO DA PEDRABEBEDOUROLAGOA BRANCABORGESGAMELEIRA DO DIDA

LAJE DE CIMA IMULUGUPAQUIQUEIXO DANTASRANCHO DO PADRESÃO TOMÉ

2640

MA ALCÂNTARAMARUDÁPEPITAL

CAJUEIROMANIVAL

PAQUETIUARIO GRANDE

PERU 480

CHAMADA PÚBLICADPMRQ/MDA Nº 009/2012

ALARAPIRACA

CARRASCOPAU D'ARCO

1400

TAQUARANA

LAGOA DO COXOMAMELUCOPASSAGEM DO VIGÁRIOPOÇOS DO LUNGA

TRAIPU

MUMBAÇASÍTIO BELO HORIZONTESÍTIO TABULEIROURUÇU

BATALHA CAJÁ DOS NEGROS

PALESTINASANTA FILOMENAVILA SANTO ANTÔNIO

PÃO DE AÇUCAR CHIFRE DO BODEPOÇO DO SAL

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MONTEIRÓPOLIS PAUS DOS PRETOS

POÇO DAS TRINCHEIRAS

ALTO DO TAMANDUÁJACU/MOCÓPOVOADO JORGE

IGREJA NOVAPALMEIRA DOS NEGROSSAPÉ

PENEDOTABULEIRO DOS NEGROSOITEIRO DOS NEGROS

CHAMADA PÚBLICADPMRQ/MDA Nº 009/2012

PIACAUÃ

ANGICAL DE CIMAESCONDIDO

TANQUE DE CIMA1000

BETÂNIA DO PIAUÍ

BAIXÃOLARANJO

SILVINO

CURRAL NOVO CAETITU

PAULISTANAANGICALCHUPEIRACONTENTE

BARRO VERMELHOSÃO MARTINS

QUIEMADA NOVA

PITOMBEIRASUMIDOURO

BAIXA DA ONÇATAPUIU

SIMÕES BELMONTE DOS CUPIRAS AMPARO

PAQUETÁ DO PIAUI

CUSTANEIRAMUTAMBA

CANA BRAVA DOS AMAROS

SÃO JOSÉ DO PIAUÍ

SACO DA VÁRZEA

JACOBINA CHAPADA

SÃO JOÃO DA VARJOTA

CEPISAPOTESANGICAL

SANTA CRUZ DOPIAUÍ

LAGOA GRANDEPONTA DO MORRO

ATRÁS DA SERRACHAPADA

OEIRASQUEIRÓZCANTINHO CORRENTECANADÁ CORRENTE

ISAIAS COELHO MORRINHO QUEIRMADA GRANDE

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TERRITÓRIO FAZENDA NOVARIACHO FUNDO

SABONETE

CHAMADA PÚBLICADPMRQ/MDA Nº 009/2012

MAITAPECURU-MIRIM

BRASILINACANTAGALOFILIPABURAGIRMONGE BELO

OITEIRO DOS NOGUEIRASCONTENDASANTANA SÃO PATRÍCIOCURITIBA

JACARÉMIRIMMONTE LINDO IIMOREIRA

BACABALPOVOADO JAVIPOVOADO MATA IIVISTA ALEGRE

500

PA SANTARÉMARAPEMÃBOM JARDIMMURUMURU

MURUMURUTUBANOVA VISTA DO ITUQUI

SÃO JOSÉ DO ITUQUISÃO RAIMUNDO DO ITUQUI

SARACURATININGU

500

CHAMADA PÚBLICADPMRQ/MDA Nº 006/2014

AP

MACAPÁ

AMBÉCARMO DO MARUANUMCONCEIÇÃO DO MACACOARI

CURIAÚCURRALINHOILHA REDONDA

LAGOA DOS ÍNDIOSMEL DA PEDREIRASANTA LUZIA DO MARUANUM I

SANTO ANTONIO DO MATAPISÃO JOÃO DO MARUANUM IISÃO PEDRO DOS BOIS 200

SANTANASÃO RAIMUNDO DO PIRATIVAIGARAPÉ DO LAGO

ALTO PIRATIVA CINCO CHAGAS ENGENHO DO MATAPI

BA

MUQUÉM DO SÃO FRANCISCO

FAZENDA GRANDEBOA VISTA DO PIXAIM

JATOBÁ

1420

SITÍO DO MATO MAGAL BARRO VERMELHO

SIMÕES FILHODANDÁPITANGA DOS PALMARES

RIO DOS MACACOS

MARAGOGIPESALAMINASPORTO DA PEDRATABATINGA

GUERÉMGUARAÇUGIRAL GRANDE

BURIENSEADA DO PARAGUAÇU

QUIZANGASITIO DENDÊ

CACHOEIRA

BREJO DO ENGENHODO GUAÍBAENGENHO DA CRUZIMBIARACAIMBONGO

SANTIAGO DO IGUAPÉENGENHO DA PONTEENGENHO DA PRAIACALOLÉ

CAONGEKALEMBADENDÊSÃO FRANCISCO DO PARAGUAÇU

ENGENHO DA VITÓRIAENGENHO NOVO DO VALE DO IGUAPETABULEIRO DA VITÓRIA

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CHAMADA PÚBLICADPMRQ/MDA Nº 006/2014

PA ORIXIMINÁ

BOA VISTAAGUÁ FRIAJAUARIVARRE-VENTOACAPÚARAÇAESPÍRITO SANTO

BOA VISTA DO CUMINÁABUÍTAPAGEMSAGRADO CORAÇÃOMAE CUEBACABALSERRINHA

TERRA PRETA IIJARUACAARACUAN DE CIMAARACUAN DO MEIOARACUAN DE BAIXOJARAUCÁ-TROMBETASPANCADA

PARANA DO ABUICACHOEIRA PORTEIRAJAMARYJUQUIRIZINHOMOURAPALHALULTIMO QUILOMBO EREPECURU

2840

ÓBIDOS

SÃO JOSÉCUECÊJARAUACÁ-EREPECURUMATA

SILÊNCIOCASTANHANDUBAAPUIARAPUCU

ARIRAMBAMONDONGOIGARAPÉ-AÇU

MURATUBINHANOSSA SENHORA DASGRAÇAS (PARANÁ DE BAIXO)PERUANA

ABAETETUBA

BOM REMÉDIOCAETÊRAMAL DO PIRATUBASAMAUMA

IGARAPÉ DO SÃO JOÃOALTO ITACURUÇABAIXO ITACURUÇA

ARAPAPUJENIPAÚBAMOJU-MIRI

CAMPOPEMARIO TAUARÉ-AÇÚACARAQUI

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Programa de Aquisição de Alimentos

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)28 integra o Sistema Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional (SESAN). Criado em 2003, o Programa prevê a compra de produtos da

agricultura familiar para distribuição à população em situação de vulnerabilidade e insegurança

alimentar. Essas compras são destinadas a equipamentos públicos de alimentação, entidades

socioassistenciais e famílias em situação de vulnerabilidade social.

O programa se complexificou e, em 2012, é criada a modalidade de compras institucionais. Estas,

são compras de estados e municípios por meio de chamadas públicas para abastecer restaurantes

universitários, hospitais públicos, entidades socioassistenciais e presídios. As modalidades de

aquisição previstas pelo PAA e operacionalizadas pela CONAB são: Compra Direta da Agricultura

Familiar, a Compra com Doação Simultânea, a Formação de Estoque pela Agricultura Familiar.

Além dessas três modalidades, são operacionalizados por municípios ou estados: o PAA Leite e a

Compra Direta Local da Agricultura Familiar29.

O PAA amplia os canais de comercialização para indígenas e quilombolas. Produtos agroecológicos

ou orgânicos podem ter 30% a mais no preço do que o equivalente produto convencional. Traz,

ainda, outro potencial para as comunidades indígenas e quilombolas com o Plano Nacional de

Promoção das Cadeias de Produtos de Sociobiodiversidade (PNPSB)30, coordenado pelo MMA,

MDS, MDA, CONAB. O plano busca valorizar produtos que tenham uso sustentável da

biodiversidade pelos povos e comunidades tradicionais. No âmbito do PNPSB, foram firmadas

parcerias com órgãos estaduais e organizações da sociedade civil para inserção de produtos

agroextrativistas em mercados institucionais e no mercado diferenciado. No mercado institucional

destaca-se a inserção de produtos do extrativismo no PAA e no PNAE.

28Instituído pela Lei nº 10.696, de 2 de julho de 2003 e regulamentado pelo Decreto nº 7.775 de 4 de julho de 2012

29Além do objetivo de comercialização e distribuição de alimentos, meta do PAA, a modalidade “Compra Direta da Agricultura Familiar”, com recursos do MDS, tem o objetivo de sustentar preços. Já a modalidade “Apoio à Formação de Estoque pela Agricultura Familiar”, com recursos MDA, visa apoiar financeiramente a constituição de estoques de alimentos por organizações fornecedoras para posterior comercialização e devolução de recursos ao Poder Público. (Brasil, CONAB, 2015)

30Portaria nº 239, de 21 de junho de 2009

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Fonte: SESAN/MDS

Contudo, se considerarmos os agricultores e as organizações quilombolas e indígenas na base de

dados que acompanha o PAA, o PAAData, observamos uma grande irregularidade na participação

com alta rotatividade entre os nomes dos agricultores e das organizações. Tal observação sugere

descontinuidade nos benefícios decorrentes dessa modalidade de comercialização.

Além disso, se compararmos a participação proporcional entre os vários grupos classificados –

agricultor familiar, agroextrativista, assentado, atingido por barragem, comunidade indígena

/indígena, pescador artesanal, quilombola e trabalhador sem-terra – constamos que a fatia

representada pelos indígenas e quilombolas é pequena, mantendo-se em 1, 2 ou 3% do total

comercializado via programa. As tabelas a seguir sistematizam as informações disponíveis para os

anos de 2011, 2012, 2013 e 2014 pelo sistema de acompanhamento do Programa.

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Tabela 16 - PARTIPAÇÃO DE INDÍGENAS E QUILOMBOLAS NO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA)2011

MODALIDADES PAA INDÍGENAS QUILOMBOLAS

NÚMEROABSOLUTO

UF NÚMEROABSOLUTO

UF

PAA CONAB

MDS

POR CATEGORIA DE AGRICULTOR

483 RO AM RR PA PEBA SP PR SC MS

1021 PA MA PI CE PB, PEAL SE BA SP GO

POR CATEGORIA DE ORGANIZAÇÃO

9 --- 21 ---

MDA

POR CATEGORIA DE AGRICULTOR

250 RO AM RR PR 3 RS

POR CATEGORIA DE ORGANIZAÇÃO

4 --- 0 ---

PAAMUNICIPAL

POR CONVÊNIO 0 --- --- --- ---

POR TERMO DE ADESÃO 0 --- --- --- ---

PAAESTADUAL

POR CONVÊNIO 0 --- --- --- ---

POR TERMO DE ADESÃO 0 --- --- --- ---

PAA LEITE 0 --- --- --- ---

Fonte PAA Data /SAGI /MDS. Elaboração própria.

Tabela 17 - PARTIPAÇÃO DE INDÍGENAS E QUILOMBOLAS NO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA)2012

MODALIDADES PAA INDÍGENAS QUILOMBOLAS

NÚMEROABSOLUTO

UF NÚMEROABSOLUTO

UF

PAA CONAB

MDS

POR CATEGORIA DE AGRICULTOR

420 RR PA TO PI CE 1620 PA MA BA MG ES SP GOPR SC MS MT GO

POR CATEGORIA DE ORGANIZAÇÃO

8 37

MDA

POR CATEGORIA DE AGRICULTOR

334 RO AM RR PA PR 32 AL MT

POR CATEGORIA DE ORGANIZAÇÃO

6

PAA MUNICIPAL

POR CONVÊNIO 58 CE MG PE 101 AP BA CE MA MS PE SP

POR TERMO DE ADESÃO

PAAESTADUAL

POR CONVÊNIO 251 AL AP PE 11 AL PE

POR TERMO DE ADESÃO 0 --- 0 ---

PAA LEITE 1 MG 0 ---

Fonte: PAA Data /SAGI /MDS. Elaborado própria.

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Tabela 18 - PARTIPAÇÃO DE INDÍGENAS E QUILOMBOLAS NO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA)2013

MODALIDADES PAA INDÍGENAS QUILOMBOLAS

NÚMEROABSOLUTO

UF NÚMEROABSOLUTO

UF

PAA CONAB

MDS

POR CATEGORIA DE AGRICULTOR

219 RO RR ES PR MSMT

430 MA PB AL BA MG PR RSMS MT GO

POR CATEGORIA DE ORGANIZAÇÃO

4 --- 8 ---

MDA

POR CATEGORIA DE AGRICULTOR

0 --- 0 ---

POR CATEGORIA DE ORGANIZAÇÃO

0 --- 0 ---

PAAMUNICIPAL

POR CONVÊNIO 41 CE MG PE 21 CE MA

POR TERMO DE ADESÃO 66 CE BA 74 PA CE AL BA

PAAESTADUAL

POR CONVÊNIO 196 AL PE PR RR 30 PE PR TO

POR TERMO DE ADESÃO 0 --- 11 PA

PAA LEITE 1 PB 1 MG

Fonte PAA Data /SAGI /MDS. Elaborado pela autora.

Tabela 19 - PARTIPAÇÃO DE INDÍGENAS E QUILOMBOLAS NO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA)2014

MODALIDADES PAA INDÍGENAS QUILOMBOLAS

NÚMEROABSOLUTO

UF NÚMEROABSOLUTO

UF

PAA CONAB

MDS POR CATEGORIA DE AGRICULTOR

192 AM AL BA 1130 PB PE AL BA ES SP GO

POR CATEGORIA DE ORGANIZAÇÃO

5 20

MDA POR CATEGORIA DE AGRICULTOR

143 RO AM PA 1 BA

POR CATEGORIA DE ORGANIZAÇÃO

5 --- 20 ---

PAAMUNICIPAL

POR CONVÊNIO 0 --- 0 ---

POR TERMO DE ADESÃO 91 CE BA 91 PA CE BA RS

PAAESTADUAL

POR CONVÊNIO 5 PR 18 PR

POR TERMO DE ADESÃO 16 PE 31 PA TO

PAA LEITE 1 475

Fonte PAA Data /SAGI /MDS. Elaborado pela autora.

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CONCLUSÃO

O presente estudo foi um esforço de sistematização de dados sobre condições de vida e

pobreza entre indígenas e quilombolas, acompanhado de apresentação sobre o acesso às

políticas públicas de desenvolvimento rural e combate à pobreza. O propósito foi colocar em

diálogo ambas as reflexões e informações para indicar o quadro de vulnerabilidade social que

as caracteriza.

A primeira coisa a se ressaltar é a ausência de estatísticas sobre o universo pesquisado que

deem conta das perguntas que motivaram o presente documento. Os levantamentos e dados

demográficos não se referem ao universo de indígenas e quilombolas e precisamos recorrer a

fontes cujas informações se concentram em parcelas da população ou das comunidades. O

apoio fundamental para suprir essa carência são as informações qualitativas que possuímos

por meio de monografias e etnografias e que serviram para direcionar a seleção de

informações que subsidiaram a linha interpretativa.

A conclusão principal do presente estudo é que há vulnerabilidade social, mas que os dados e

políticas com foco nestes segmentos desenvolvidas nos últimos anos pecam pelo centralismo

de seus desenhos, em detrimento de uma construção de fato participativa com os indígenas e

quilombolas. Segmentos populacionais invisíveis às ações de governo passaram a fazer parte

das políticas sociais e das políticas públicas de desenvolvimento rural, mas a unidade

focalizada ainda é muito abrangente para garantir a efetividade em contextos locais. Não há

dúvida sobre os ganhos da institucionalização da Política para Povos e Comunidades

Tradicionais. No entanto, mesmo que a diversidade de situações que a categoria “tradicional”

recobre acene para o contraste de projetos coletivos diversos do pensamento maximizador

típico de parcelas produtivas guiadas pelo mercado e pela geração de empregos, as políticas

são redesenhos e adaptações de baixo impacto.

O mais interessante deste canal permanente de diálogo dos Povos e Comunidades

Tradicionais com o Estado é a participação social em si mesma, ou seja, a existência das

Conferências, dos encontros das Instâncias de Controle Social, dos assentos nos Conselhos e

da rede de alianças derivadas. Mas quando olhamos dados de execução como os expressos no

presente texto, verificamos que a dimensão e o escopo das políticas de promoção de

desenvolvimento rural, de comercialização e de fomento da produção, são pouco ambiciosas.

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A exceção é o acesso às políticas sociais de transferência direta de renda. Aproximadamente

105.000 famílias indígenas recebem o Bolsa Família, número significativo que se aproxima

de um terço das famílias recenseadas. 95.000 famílias quilombolas recebem o benefício,

número menos significativo para o universo de famílias quilombolas, mas que não é de forma

alguma insignificante. Mas o que significa o aumento do número de famílias indígenas como

beneficiários de programas dirigidos a superação da extrema pobreza? Aponta para um

aumento da rede de proteção social ou para o crescimento da vulnerabilidade e da pressão

expropriadora dos territórios? Só estudos qualitativos podem fornecer uma resposta.

Já as políticas de desenvolvimento rural apostam no aumento da produtividade a partir do

oferecimento da assistência técnica. É surpreendente que populações reconhecidas como

profundas conhecedoras dos recursos do meio ambiente em que vivem, recebam como

fomento a Assistência Técnica de empresas contratadas por Chamadas Públicas com técnicos

formados nos bancos escolares. É possível que haja um diagnóstico participativo das

necessidades e que o diálogo intercultural encaminhe o processo. Mas, para concluirmos uma

avaliação ou um monitoramento nessa direção, é necessário analisar de forma qualitativa os

produtos dos projetos produzidos para receber o recurso do fomento às atividades produtivas

por meio da extensão rural. No entanto, os projetos construídos não estão disponíveis para

consulta, a maior parte ainda está em andamento e tal análise supera muito a dimensão do

presente ensaio.

A comercialização da produção agrícola das comunidades indígenas e quilombolas nos

programas de compras públicas é pífia, ficando entre 1 a 3% do montante de recurso aplicado

entre 2011 e 2014 (dados PAA). É claro que podemos ter famílias e comunidades

quilombolas e indígenas inseridas em mercados regionais com a comercialização de seus

excedentes agrícolas ou de produção extrativa. Contudo, mais uma vez, a verificação dessa

participação e potencial só serão possíveis em estudos de recorte regional e com metodologia

de levantamento direto de dados primários.

Uma surpresa vem da ausência de políticas cujo desenho contemple o enorme conhecimento

dos povos da floresta sobre como viver com tecnologias de baixo impacto sustentáveis e que

se utilizem do acúmulo de informações sobre a diversidade biológica, genética, de

germoplasma e outras. Os programas e projetos que existem como as cadeias produtivas da

biodiversidade ou a prestação de serviços ambientais são, ainda, cartas de intenção sem

impacto significativo. Falta sociobiodiversidade nas políticas dirigidas aos povos indígenas e

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comunidades quilombolas.

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