Políticas Educacionais do Ensino a Distância no Brasil

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Políticas Educacionais do Ensino a Distância no Brasil Nathalia Sautchuk Patrício Escola Politécnica – Universidade de São Paulo (USP) São Paulo – SP – Brasil [email protected] Abstract. This paper investigates the role of educational policies in the expantion of spots offered in the distance learning in recent years in Brazil. Initially, it presents educational policies for distance learning. After, it presents a statistics compilation on distance learning. Finally, we discuss causes and consequences for this expantion. Resumo. Este artigo investiga o papel das políticas educacionais na expansão do número de vagas oferecidas na modalidade de ensino a distância nos últimos anos no Brasil. Inicialmente, apresenta-se as políticas educacionais para o ensino a distância, para depois mostrar uma compilação de estatísticas referentes ao ensino a distância. Por fim, discute-se os motivos e as consequências dessa expansão. 1. Introdução Nos últimos anos tem-se observado uma proliferação vertiginosa dos cursos utilizando a metodologia a distância, com especial detaque ao ensino superior. Esse aumento indiscriminado na oferta de vagas em cursos a distância tem suscitado diversos debates sobre a efetividade dessa estratégia de ensino-aprendizagem, bem como os efeitos a longo prazo para o país. Esse cenário observado no Brasil se deve em grande parte pelas políticas educacionais adotadas no país (ou mesmo pela falta destas). Pretende-se nesse artigo investigar a cerca dessas políticas e como permitiram a construção dessa realidade preocupante. A seção 2 desse artigo apresenta as políticas educacionais que afetam o ensino a distância no Brasil, sejam elas específicas da área ou não. Já a seção 3 se destina a mostrar uma compilação de estatísticas referentes ao ensino a distância no Brasil. A seção 4 apresenta uma breve discussão sobre como as políticas tem influenciado a área do ensino a distância no país. 2. Políticas para o Ensino a Distância no Brasil A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei n. 9394, de 1996 foi a precussora do desenvolvimento do Ensino a Distância no Brasil. Segundo Giolo (2008), o artigo 80 da LDB desencadeou o processo de oferta de cursos a distância, uma vez que proporciona o incentivo do poder público para a área, espaço amplo de atuação (em todos os níveis de ensino) e tratamento privilegiado na utilização dos canais de radiodifusão.

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Políticas Educacionais do Ensino a Distância no Brasil

Nathalia Sautchuk Patrício

Escola Politécnica – Universidade de São Paulo (USP)São Paulo – SP – [email protected]

Abstract. This paper investigates the role of educational policies in the expantion of spots offered in the distance learning in recent years in Brazil. Initially, it presents educational policies for distance learning. After, it presents a statistics compilation on distance learning. Finally, we discuss causes and consequences for this expantion.

Resumo. Este artigo investiga o papel das políticas educacionais na expansão do número de vagas oferecidas na modalidade de ensino a distância nos últimos anos no Brasil. Inicialmente, apresenta-se as políticas educacionais para o ensino a distância, para depois mostrar uma compilação de estatísticas referentes ao ensino a distância. Por fim, discute-se os motivos e as consequências dessa expansão.

1. Introdução

Nos últimos anos tem-se observado uma proliferação vertiginosa dos cursos utilizando a metodologia a distância, com especial detaque ao ensino superior. Esse aumento indiscriminado na oferta de vagas em cursos a distância tem suscitado diversos debates sobre a efetividade dessa estratégia de ensino-aprendizagem, bem como os efeitos a longo prazo para o país.

Esse cenário observado no Brasil se deve em grande parte pelas políticas educacionais adotadas no país (ou mesmo pela falta destas). Pretende-se nesse artigo investigar a cerca dessas políticas e como permitiram a construção dessa realidade preocupante.

A seção 2 desse artigo apresenta as políticas educacionais que afetam o ensino a distância no Brasil, sejam elas específicas da área ou não. Já a seção 3 se destina a mostrar uma compilação de estatísticas referentes ao ensino a distância no Brasil. A seção 4 apresenta uma breve discussão sobre como as políticas tem influenciado a área do ensino a distância no país.

2. Políticas para o Ensino a Distância no Brasil

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), Lei n. 9394, de 1996 foi a precussora do desenvolvimento do Ensino a Distância no Brasil. Segundo Giolo (2008), o artigo 80 da LDB desencadeou o processo de oferta de cursos a distância, uma vez que proporciona o incentivo do poder público para a área, espaço amplo de atuação (em todos os níveis de ensino) e tratamento privilegiado na utilização dos canais de radiodifusão.

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Posteriormente, em fevereiro de 1998, foi publicado o Decreto n. 2494 com o objetivo de regulamentar o artigo 80 da LDB. Esse decreto é curto e um tanto confuso, tanto que, em abril do mesmo ano, foi publicado outro decreto (Decreto n. 2561) para corrigir dois artigos do decreto anterior. Essencialmente, os decretos estabeleceram os seguintes itens:

• Os cursos a distância possuem flexibilidade de requisitos para admissão, horários e duração, obedecendo, quando for o caso, às diretrizes curriculares nacionais;

• As instituições, para oferecerem cursos a distância, necessitam de credenciamento especial do MEC;

• Os credenciamentos e autorizações possuem prazo de 5 anos;

• É possível a transferência e o aproveitamento de créditos dos alunos de cursos presenciais para cursos a distância e vice-versa, ficando a cargo da instituição o aceite;

• Os diplomas e certificados obtidos em cursos a distância têm validade nacional;

• As avaliações para diplomação devem ser realizadas por meio de exames presenciais, sob a responsabilidade da instituição credenciada e

• Os sistemas estaduais e municipais podem regular a oferta de cursos a distância destinados ao ensino fundamental de jovens e adultos, ao ensino médio e ao ensino profissional de nível técnico.

Em 2001, o MEC publica a Portaria 2253 que autoriza a oferta de até 20% da carga horária dos cursos presenciais de graduação em cursos a distância. Em dezembro de 2004 é baixada a Portaria 4059 que substituiu a Portaria 2253. Segundo Segenreich (2006), as principais modificações introduzidas nessa portaria foram:

• Na primeira portaria, as disciplinas podiam utilizar o método não presencial, enquanto na segunda foi definido claramente a modalidade semipresencial;

• Pela portaria de 2001, as instituições deveriam oferecer as disciplinas, obrigatoriamente, nas duas modalidades de ensino para o aluno escolher; na portaria de 2004, esta obrigação desaparece e

• Em 2001, somente as universidades podiam criar disciplinas a distância mediante comunicação ao MEC; os demais tipos de instituições eram obrigados a pedir autorização prévia. Esta distinção desaparece na portaria de 2004, permanecendo a necessidade de comunicação, para todos os tipos de instituições de ensino superior.

Em 2005, o Decreto n. 5622 foi publicado e posteriormente, em 2007, o Decreto n. 6303 o complementou. Esses novos decretos revogaram os dois anteriores (Decreto n. 2494 e 2561), apesar de incorporarem diversas partes destes. Eles regulam o artigo 80 da LDB de uma forma mais concreta e detalhada. Segundo Giolo (2008), os principais aspectos desses novos decretos são:

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• A quantidade de atividades presenciais obrigatórias foi ampliada, incluindo, além das avaliações, os estágios obrigatórios, a defesa dos trabalhos de conclusão de cursos e atividades de laboratório e devem ser realizados na sede da instituição ou nos pólos credenciados;

• Os cursos a distância só devem ser praticados como complementação de estudos ou em situações emergencias quando se referir à educação básica;

• A duração dos cursos a distância deve ser a mesma dos cursos presenciais;

• Os exames presenciais devem ser elaborados pela própria instituição credenciada e prevalecem sobre as outras formas de avaliação;

• Todos os acordos de cooperação devem ser submetidos ao órgão regulador do respectivo sistema de ensino;

• Instituições de pesquisa científica e tecnológica, públicas ou privadas, podem ser credenciadas para ofertarem cursos de pós-graduação (lato e stricto sensu) e de tecnologia;

• O sistema federal fica responsável pelo credenciamento de instituições dos outros sistemas (estadual ou municipal) que desejarem ofertar cursos de educação a distância de nível superior e de educação básica quando sua abrangência ultrapassar o âmbito geográfico do respectivo sistema. As autorizações, reconhecimentos e renovação de reconhecimento dos cursos devem tramitar apenas no âmbito dos respectivos sistemas de educação;

• A Lei do SINAES (n. 10.861/2004) aplica-se integralmente à educação a distância;

• As prerrogativas da autonomia das universidades e centros universitários são asseguradas também quanto se trata de instituições que oferecem cursos a distância e

• Será dada publicidade, tanto pelos sistemas de ensino quanto pelas instituições, dos atos regulatórios referentes às IES e seus cursos.

Segenreich (2009) ressalta que o Decreto 5622 também trouxe outra contribuição definindo o que são pólos de educação a distância. Segundo o artigo 12 desse decreto, item X, alínea c): “pólos de educação a distância, entendidos como unidades operativas, no País e no exterior, que poderão ser organizados em conjunto com outras instituições, para a execução descentralizada de funções pedagógico-administrativas do curso, quando for o caso”.

Porém, definir o que são os pólos de educação a distância não foi suficiente para garantir a qualidade da infra-estrutura e dos recursos humanos dos mesmos. Por isso, o MEC colocou como requisito para a avaliação dos cursos de graduação a distância, na Portaria Normativa n. 1, de janeiro de 2007, que as instituições que oferecem educação a distância forneçam informação sobre a quantidade e o endereço de pólos de atendimento presencial em funcionamento. Além disso, nessas instituições, o cálculo da taxa de avaliação deve considerar as comissões necessárias para a verificação in loco de cada pólo instalado.

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Essa portaria foi complementada pelo Decreto 6303. Segundo Segenreich (2009), ele “introduz modificações na própria definição de pólo: passou a chamá-lo de pólo de apoio presencial (enfatizando a preferência pelo modelo de curso semipresencial), com mais ênfase na sua função pedagógica e na infra-estrutura necessária para cumprir atividades presenciais obrigatórias por lei (avaliação, estágios, atividades de laboratório, atendimento aos estudantes), incluindo a presença de tutores”.

Quanto a avaliação in loco nos pólos de apoio presencial, a portaria No. 10 do MEC, de julho de 2009, deixa claro que poderá ser adotada a visita de avaliação in loco por amostragem, se a instituição de educação superior tiver obtido avaliação satisfatória, expressa no conceito da avaliação institucional externa e no Índice Geral de Cursos, de acordo com as seguintes proporções:

• até 5 pólos: a avaliação in loco será realizada em 1 pólo, à escolha da Secretaria de Educação a Distância (SEED);

• de 5 a 20 pólos: a avaliação in loco será realizada em 2 pólos, um deles à escolha da SEED e o segundo definido por sorteio;

• mais de 20 pólos: a avaliação in loco será realizada em 10% dos pólos, um deles à escolha da SEED e os demais definidos por sorteio.

Em maio de 2006, foi publicado o Decreto No. 5773 que estabelece as competências da SEED. Posteriormente, a redação de alguns itens foram alterados pelo Decreto no 6303, de 2007. Basicamente, a SEED possui as seguintes atribuições:

• instruir e emitir parecer nos processos de credenciamento e recredenciamento de instituições especificamente para a oferta de educação superior a distância;

• instruir e decidir os processos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos superiores a distância;

• propor ao Conselho Nacional de Educação, juntamente com a Secretaria de Educação Superior e a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, diretrizes para a elaboração dos instrumentos de avaliação para credenciamento de instituições especificamente para oferta de educação superior a distância. A elaboração dos instrumentos de avaliação são de responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP);

• estabelecer diretrizes, juntamente com a Secretaria de Educação Superior e a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, para a elaboração dos instrumentos de avaliação para autorização de cursos superiores a distância, sendo a elaboração desses instrumentos de responsabilidade do INEP e

• exercer a supervisão dos cursos de graduação e seqüenciais a distância.

A portaria normativa No. 2, de janeiro de 2007, abre a possibilidade de que as instituições de pesquisa científica e tecnológica credenciadas para a oferta de cursos de pós-graduação lato sensu pudessem requerer credenciamento específico para EAD. Além disso, também dispõe sobre o credenciamento de instituições para oferta de cursos e programas de mestrado e doutorado na modalidade a distância, sujeitando esse assunto à competência normativa da CAPES e à expedição de ato autorizativo específico.

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Segenreich (2006) ressalta que a CAPES tem feito um grande esforço para frear o reconhecimento de cursos à distância de mestrado e doutorado realizados em universidades estrangeiras, uma vez que faltam critérios de referência para avaliar esses cursos. Porém, quando a questão são os cursos de especialização, a situação está mais complicada devido as parcerias que vêm sendo firmadas entre universidades brasileiras e estrangeiras para cursos de especialização, como é o caso de muitos cursos de Master Business in Administration (MBA).

Uma última política necessita ser aqui ressaltada. O Decreto n. 5800 , de julho de 2006, institui oficialmente o sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), estabelecendo seus principais objetivos e modelo de execução, destacando-se, em seu sétimo artigo, a prerrogativa do MEC de implantar, acompanhar, supervisionar e avaliar os cursos do Sistema . A UAB não é uma instituição de ensino e sim um sistema no qual diversas instituições públicas podem aderir para oferecer cursos superiores a distância em pólos de apoio presencial .

3. Estatísticas do Ensino a Distância no Brasil

De acordo com o Censo da Educação Superior realizado em 2008 pelo INEP, 115 instituições ofereceram cursos de graduação a distância, 18 IES a mais em relação ao ano de 2007. É possível observar na tabela 1 que, em 2007, havia 408 cursos e, em 2008, existiam 647 cursos. Ou seja, foram criados 239 novos cursos a distância, representando um aumento de 58,6% no período.

Quanto ao número de vagas oferecidas em 2008 houve um aumento de 10,3%, ou seja, foram ofertadas 158.419 vagas a mais. O crescimento no número de vagas da educação a distância deu prosseguimento a um aumento que se observa desde 2003, sendo que nesse período registrou se uma variação de mais de 70 vezes o número‐ de vagas ofertadas. Outro aspecto interessante é a razão entre inscritos e vagas. Em 2007, foram registrados 0,35 candidatos para cada vaga, enquanto em 2008, essa relação foi de 0,41.

Tabela 1: Evolução do Número de IES, Cursos, Vagas e Inscritos na Educação a Distância

Na tabela 2, pode-se notar que o total de ingressantes apresentou um aumento de 42,2% em 2008 em relação ao ano anterior. O total de matrículas, em 2008, chegou ao número de 727.961 matrículas, quase o dobro do número de matrículas em relação ao ano de 2007.

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Segundo o INEP (2009), em 2008, o número de matrículas em cursos a distância representou 14,3% do total das matrículas dos cursos de graduação, incluindo os presenciais, enquanto que, no ano de 2007, esse percentual esteve em torno dos 7%.

A quantidade de concluintes em cursos a distância também apresentou um aumento de 135% em relação ao ano de 2007.

Tabela 2: Evolução do Número de Ingressos, Matrículas e Concluintes na Educação a Distância

Como se pode ver na tabela 3, o maior número de cursos a distância se concentra em cursos de licenciatura, representando 53,2% do total de cursos oferecidos. Também é importante notar a prevalência da rede privada no oferecimento de cursos a distância, com 56,6% do total em 2008.

Os cursos tecnológicos são oferecidos predominantemente pela rede privada, representando 85,1% do total de cursos desse tipo. Já no caso dos cursos de licenciatura há uma predominância da rede pública, com 57,3% do total de cursos em 2008.

Tabela 3: Número de cursos de educação a distância, por grau acadêmico, segundo a Categoria Administrativa

No quesito número de ingressos em cursos de educação a distância, há um predomínio da rede privada, como se observa na tabela 4, com 57,4% do número de ingressos nessa rede em 2008. Também nota-se que a maioria dos ingressos na rede privada são em cursos de licenciatura (38,2% do total dessa rede).

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A rede privada possui 63,1% do total de ingressos em cursos de educação a distância em licenciatura. No caso dos cursos tecnológicos há uma maior predominância ainda da rede privada, possuindo 78,5% do número de ingressos nesses cursos. Já quando se fala em cursos de bacharelado nota-se o predomínio da rede pública no número de ingressos, com 58,3% do total de ingressos nesse tipo de curso.

Tabela 4: Número de ingressos em cursos de educação a distância, por grau acadêmico, segundo a Categoria Administrativa

A tabela 5 trata do número de matrículas em cursos de educação a distância em 2008. Como se pode observar, 61,7% do total do número de matrículas acontecem na rede privada. A maioria das matrículas nessa rede são em cursos de licenciatura (53,4% do total de matrículas na rede privada).

Há uma grande predominância da rede privada quando o assunto é o número de matrículas em cursos de licenciatura e em cursos tecnológicos. Do total de matrículas em licenciatura, 70,2% ocorre na rede privada. Já no caso de cursos tecnológicos há uma maior abrangência ainda da rede privada, com 82,2% do total de matrículas desse tipo de curso. No caso dos cursos de bacharelado há uma predominância do número de matrículas na rede pública. Do total de matrículas em cursos de bacharelado a distância, 60,7% ocorre na rede pública.

Tabela 5: Número de Matrículas em cursos de educação a distância, por grau acadêmico, segundo a Categoria Administrativa

Apesar das instituições privadas serem responsáveis pela grande maioria das vagas oferecidas em cursos a distância (85,0% do total de vagas oferecidas), há um equilíbrio entre número de instituições das redes pública e privada que oferecem esses cursos (59 instituições são públicas e 56 privadas).

Quanto ao número de concluintes, pode-se observar na tabela 6 que 88,3% destes concluem o curso na rede privada.

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A tabela 6 também apresenta 3 indicadores: Cursos/Instituição, Candidatos/Vaga e Matrículas/Docente em exercício. Na rede privada, cada instituição oferece em média mais cursos do que na rede pública (6,5 cursos na rede privada contra 4,8 na pública). Enquanto as instituições da rede pública possuem em média 1,2 candidatos por vaga disputando os cursos a distância, a rede privada apresenta apenas 0,4 candidato por vaga.

Segundo o que se observa na tabela 6, em média, há 1 docente em exercício a cada 2,3 matrículas. Essa proporção é levemente maior para as instituições na rede pública (2,5 matrículas para cada um docente) do que na rede privada (2,1 matrículas para cada docente). Porém, deve-se ressaltar aqui que o número de docentes em exercício leva conta tanto aqueles atuantes em cursos a distância quanto aqueles dedicados ao ensino presencial. Logo, não há como saber a real proporção de matrículas por docentes em exercício em cursos a distância.

Tabela 6: Estatísticas Básicas e Indicadores da Educação Superior, Graduação a distância, por Categoria Administrativa

4. Reflexões sobre as políticas educacionais voltadas ao ensino a distância

Quando pensa-se nas políticas educacionais voltadas ao ensino a distância, não se pode esquecer do contexto histórico em que foram desenvolvidas.

Segundo Dourado (2002), “nos anos 90, especialmente na gestão de Fernando Henrique Cardoso, as políticas públicas são reorientadas por meio, entre outros processos, da reforma de Estado que (...) engendra alterações substantivas nos padrões de intervenção estatal, redirecionando mecanismos e formas de gestão e, conseqüentemente, as políticas públicas e, particularmente, as políticas educacionais em sintonia com os organismos multilaterais. Tais ações na arena educacional expressam-se no processo que resultou na aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394/96)”.

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Sendo assim, deve-se entender a LDB como fruto de sua época, portanto, com influências de políticas neoliberais e dos organismos internacionais, destacando o Banco Mundial, assim como afirma Dourado (2002): “Das orientações gerais do Banco Mundial é possível depreender a prescrição de políticas educacionais que induzem as reformas concernentes ao ideário neoliberal, cuja ótica de racionalização do campo educativo deveria acompanhar a lógica do campo econômico, sobretudo, a partir da adoção de programas de ajuste estrutural”.

Dentro desse contexto histórico, a LDB é tida como o marco inicial no desenvolvimento do ensino a distância. O artigo 80 dela diz “O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância...”, o que dá a entender que a educação a distância se desenvolveria por meio de iniciativas do poder público ou iniciativas muito próximas dele. Segenreich (2009) afirma que, no período inicial da implantação da LDB, era realmente preponderante a presença de universidades públicas entre as instituições credenciadas pelo MEC para o oferecimento de ensino a distância.

Porém, segundo Giolo (2008), a partir dos anos 2000, houve uma arrancada das instituições privadas no oferecimento de cursos a distância e o poder público foi atropelado na implantação da educação a distância nos termos definidos pela LDB.

Ainda segundo Giolo (2008), o Decreto n. 2494 de 1998 abriu explicitamente o campo do ensino a distância para a iniciativa privada, mas não lhe conferiu direção ou, ao menos, limites precisos.

Enquanto se aguardava uma nova regulamentação para a área, o número de instituições credenciadas para ensino a distância cresceu 350% e os cursos de graduação a distância cresceram 310%, segundo estudo de Segenreich (2006). É importante registrar ainda que, mais precisamente em 2004, a oferta de vagas passou a ser, nesses cursos, predominantemente situada no setor privado.

Uma regulamentação mais específica para o campo só viria com a publicação do Decreto n. 5622 de 2005. A esse Decreto, em 2007, seguiram-se a Portaria Normativa n. 2, novos instrumentos de avaliação para credenciamento de institutos de ensino superior e pólos e de autorização de cursos de graduação a distância, homologados pelas portarias n. 1047, n. 1050 e n. 1051 e, finalmente, o Decreto n. 6303. Tudo isso para organizar o setor e impedir, com uma série de novas exigências, que a livre concorrência acabasse por desvirtuar o sentido da educação a distância .

Por fim, Segenreich (2009) diz que é necessário que a abundância de atos normativos aprovados seja contrabalançada pela disponibilização de documentos e estatísticas que permitam acompanhar e avaliar a implantação das políticas educacionais voltadas pra o ensino a distância.

Dourado (2008) completa dizendo que é necessário também romper com a dicotomia entre ensino presencial e ensino a distância que tem contribuído para posições extremas de exaltação algumas vezes do ensino presencial, outras do ensino a distância. Por isso, necessita-se garantir um projeto pedagógico que permita uma sólida formação teórico-prática, professores com formação stricto sensu, condições adequadas de oferta, de laboratórios e bibliotecas, material didático em cursos presenciais e a distância. Em especial os cursos a distância devem ainda garantir estrutura adequada de acompanhamento, por meio de encontros presenciais regulares, além de outros meios envolvendo as tecnologias de informação e comunicação.

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5. Considerações Finais

A partir da LDB, de 1996, o campo do ensino a distância vem se desenvolvendo no país, principalmente após os anos 2000. Houve um crescimento bastante acelerado, especialmente a partir do momento em que a iniciativa privada viu a área como uma excelente possibilidade de expandir e diversificar seus negócios. Porém, esse aumento no oferecimento de vagas em cursos a distância ocorreu de forma desorganizada e comprometendo a qualidade dos mesmos.

O arcabouço jurídico voltado para o ensino a distância foi desenvolvido de forma tardia, após já ter havido uma grande expansão na área sem qualquer regulamentação. Juntamente com isso, há ainda uma falta de dados disponibilizados sobre esse tipo de ensino, o que dificulta a mensuração dos resultados obtidos até o momento com a implantação das políticas educacionais voltadas ao ensino a distância.

Por fim, ainda há muitos mitos envolvendo o ensino a distância e sua possível impossibilidade de formar pessoas tão competentes e capazes profissionalmente que o ensino presencial. Porém, as respostas definitivas a essas questões só serão possíveis uma vez que tenhámos mais estudos na área e mais dados disponíveis para análise.

Referências

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Decreto n. 5622, de 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o art. 80 da Lei n. 9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 2005.

Decreto n. 5773, de 9 de maio de 2006. Dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e seqüenciais no sistema federal de ensino. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 mai. 2006.

Decreto n. 5800, de 8 de junho de 2006. Dispõe sobre o Sistema Universidade Aberta do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/Decreto/D5800.htm>.

Decreto n. 6303, de 12 de dezembro de 2007. Altera dispositivos dos Decretos n. 5622, de 19 de dezembro de 2005, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e n. 5773, de 9 de maio de 2006, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação de instituições de educação superior e cursos superiores de graduação e seqüenciais no sistema federal de ensino. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 dez. 2007

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Portaria n. 10, de 2 de julho de 2009. Fixa critérios para dispensa de avaliação in loco e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF 3 jul. 2009. Seção 1, p.17.

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