Poemas - Walt Whitman

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Poemas de Walt Whitman

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  • Poemas de Walt Whitman

  • Voc, leitor

    Voc, leitor, que pulsa de vida e orgulho e amor,

    assim como eu:

    para voc, por isso, os cantos que aqui seguem!

  • Uma mulher espera por mim

    Uma mulher espera por mim, nela tudo se contm, no falta nada, No entanto faltaria tudo se lhe faltasse o sexo ou a humidade do homem certo.

    Tudo se contm no sexo, corpos, almas,

    Significados, provas, purezas, delicadezas, proclamaes, efeitos, Ordens, canes, higidez, orgulho, o mistrio materno, o leite seminal,

    As esperanas todas, bens, outorgas, todas as paixes, belezas, amores,

    os deleites da terra,

    Todos os governos, juizes, deuses, o cortejo de pessoas da terra, Tudo se contm no sexo como partes de si e justificaes de si.

    Sem pejo o homem de quem gosto sabe e confessa as delicias do sexo,

    Sem pejo a mulher de quem eu gosto sabe e confessa as do sexo dela. Pois eu me afasto das mulheres insensveis,

    Para ficar com a que espera por mim, e com as mulheres de sangue

    quente que me satisfazem, Eu vejo que elas me compreendem e no me repudiam,

    Vejo que so dignas de mim e eu serei delas o marido vigoroso.

    Essas mulheres no so em nada inferiores a mim,

    Tm o rosto tisnado pelo brilho dos sis e pelo sopro dos ventos, H na carne delas, antigas e divinas, agilidade, fora,

    Elas sabem nadar, remar, montar, lutar, atirar, correr, bater,

    recuar, avanar, resistir, defender-se sozinhas, So supremas por direito prprio - so calmas, lmpidas, donas de si mesmas.

    Puxo vocs para junto de mim, mulheres,

    No as posso deixar ir. vou lhes fazer bem

    Existo para vocs e vocs para mim, no apenas para o nosso bem, mas para o bem dos outros,

    Envoltos em voc dormem grandes heris e bardos,

    Eles se recusam a acordar pelo toque de outro homem que no eu. Sou eu, mulheres, abro o meu caminho,

    Sou severo, custico, indissuadvel, mas amo vocs,

    No as machuco mais que o necessrio a vocs mesmas, Derramo a substncia geradora de filhos e filhas dignos destes

    Estados, assedio com msculo pausado e rude,

    Me firmo eficazmente, no dou ouvido a rogos,

    No ouso retirar-me sem depositar o que h de muito acumulei dentro de mim. Atravs de vocs eu dreno os rios enclausurados de mim mesmo

    Em vocs concentro mil anos de futuro,

    Em vocs fao enxerto dos to amados por mim e pela Amrica, As gotas que em vocs destilo faro medrar moas atlticas e ardentes, novos

    artistas, msicos, cantores,

    As crianas que em vocs procrio vo procriar, por sua vez, outras crianas, Exigirei, dos meus dispndios amorosos, homens e mulheres perfeitos,

    Eles iro se interpenetrar, espero, como eu e voc agora nos interpenetramos,

    Contarei com os frutos dos generosos aguaceiros deles como conto

    com os frutos dos aguaceiros que ora entorno. Vou ficar espera das ternas colheitas do nascimento, vida, morte, imortalidade

    Que to amorosamente planto agora.

  • Uma folha s mos dadas

    Uma folha s mos dadas! Vocs, pessoas jovens

    ou da idade avanada;

    vocs que passam pelo Mississipi ou pelo afluentes e alagados

    do Mississipi;

    vocs, amorveis barqueiros e mecnicos;

    vocs, difceis; vocs, gmeos; vocs

    de todas as procisses que se movem

    ao longo das ruas - entre vocs eu quero me infiltrar

    at ver que passou a ser comum

    andarem de mos dadas!

  • Um poema

    Isto o toque de milhares de cornetas, o choro das flautas e o bater dos ferrinhos.

    Eu no toco uma marcha s para os vitoriosos... toco grandes marchas para os conquistados e derrotados.

    J ouviram dizer, foi bom ter ganho o dia? Tambm digo,

    bom perder... perdem-se batalhas com o mesmo esprito com que se ganham.

    Ouo tambores triunfantes, aos mortos... Abandono-me msica alegre que se toca em sua honra,

    Vivas, em honra dos que falharam, e queles cujos vasos

    de guerra caram nos mares, e aos que se afundaram eles prprios,

    E a todos os generais que perderam combates, e a todos

    os heris vindouros, e ao sem nmero de heris iguais

    aos grandes heris conhecidos.

  • Sou o poeta do corpo

    Sou o poeta do Corpo e sou o poeta da Alma, As aventuras do Cu esto em mim e as penas do Inferno esto em mim,

    As primeiras enxerto e reforo em mim mesmo, as ltimas traduzo para uma nova

    lngua.

    Sou o poeta da mulher e do homem.

    E digo que to grande ser mulher como ser homem.

    E digo que no h nada maior que a me dos homens.

    Canto o canto do crescimento ou do orgulho,

    J baixamos bastante a cabea, j imploramos, Provo que a medida apenas desenvolvimento.

    J excedeste o resto? s o Presidente? uma ninharia, eles excedero isso e muito mais.

    Eu sou o que caminha entre a crescente e terna noite,

    Convoco a terra e o mar meio abraado pela noite.

    Aperta-me, noite, no teu peito nu - aperta-me, noite magntica e abundante!

    Noite silenciosa e sonolenta - louca e nua noite de Vero!

    Sorri, oh voluptuosa terra fresca!

    Terra das rvores adormecidas e cintilantes!

    Terra do sol-posto - terra das montanhas cobertas de nvoa!

    Terra do fluir vtreo da lua cheia e azul! Terra de luz e sombra derramadas sobre a mar do rio!

    Terra de lmpidas nuvens plidas resplandecendo para mim!

    Terra de braos arrebatados ao longe - rica terra de macieiras em flor! Sorri, que a vem o teu amante.

    Prdiga, deste-me amor - e assim te dou amor! Oh, indizvel e apaixonado amor.

  • Quero fazer os poemas das coisas materiais

    Quero fazer os poemas das coisas materiais, pois imagino que esses ho de ser

    os poemas mais espirituais.

    E farei os poemas do meu corpo E do que h de mortal.

    Pois acredito que eles me traro

    Os poemas da alma e da imortalidade. E raa humana eu digo: - No seja curiosa a respeito de Deus,

    pois eu sou curioso sobre todas as coisas

    e no sou curioso a respeito de Deus. No h palavra capaz de dizer

    Quanto eu me sinto em paz

    Perante Deus e a morte. Escuto e vejo Deus em todos os objetos,

    Embora de Deus mesmo eu no entenda

    Nem um pouquinho... Ora, quem acha que um milagre alguma coisa demais? Por mim, de nada sei que no sejam milagres...

    Cada momento de luz ou de treva

    para mim um milagre, Milagre cada polegada cbida de espao,

    Cada metro quadrado de superfcie

    Da terra est cheio de milagres

    E cada pedao do seu interior Est apinhado de milagres.

    O mar para mim um milagre sem fim:

    Os peixes nadando, as pedras, O movimento das ondas,

    Os navios que vo com homens dentro

    - existiro milagres mais estranhos?

  • Quando em teu colo deitei a cabea

    Quando em teu colo deitei a cabea, meu camarada, a confisso que fiz eu reafirmo,

    o que eu te disse e a cu aberto

    eu reafirmo: sei bem que sou inquieto e deixo os outros tambm assim,

    eu sei que minhas palavras so armas

    carregadas de perigo e de morte,

    pois eu enfrento a paz e a segurana e as leis mais enraizadas

    para as desenraizar,

    e por me haverem todos rejeitado mais resoluto sou

    do que jamais poderia chegar a ser

    se todos me aceitassem, eu no respeito e nunca respeitei

    experincia, convenincia,

    nem maiorias, nem o ridculo,

    e a ameaa do que chamam de inferno para mim nada , ou muito pouco,

    meu camarada querido: eu confesso

    que o incitei a ir em frente comigo e que ainda o incito sem a mnima ideia

    de qual venha a ser o nosso destino

    ou se vamos sair vitoriosos

    ou totalmente sufocados e vencidos.

  • Precursores

    Como so eles colocados sobre a terra (surgindo a intervalos),

    como so caros e terrveis para o mundo,

    como eles se habituam a si mesmos assim como aos demais

    - que paradoxo chega a parecer

    o tempo deles -

    como as pessoas respondem a eles ainda que os no conheam,

    como algo de intransigente persiste

    na sorte deles em todos os tempos, como todos os tempos

    escolhem mal as coisas

    com que os adular e os recompensar, e como o mesmo preo inexorvel

    h de ser pago ainda

    pela mesma grandeza encomendada.

  • Poetas de amanh

    Poetas de amanh: arautos, msicos, cantores de amanh !

    No dia de eu me justificar

    E dizer ao que vim; Mas vocs, de uma nova gerao,

    Atltica, telrica, nativa,

    Maior que qualquer outra conhecida antes

    - levantem-se: pois tm de me justificar!

    Eu mesmo fao apenas escrever

    Uma ou duas palavras Indicando o futuro;

    Fao tocar a roda para frente

    Apenas um momento E volto para a sombra

    Correndo

    Eu sou um homem que, vagando A esmo, sem de todo parar,

    Casualmente passa a vista por vocs

    E logo desvia o rosto, Deixando assim por conta de vocs

    Conceitu-lo e aprov-lo,

    A esperar de vocs

    As coisas mais importantes.

  • Para um estranho

    Estranho que passas! Tu no sabes com que nsia eu te fito, Tu deves ser aquele que eu andava procurando, ou aquela

    que eu andava procurando

    (isso vem a mim como num sonho)

    Com certeza eu j gozei em algum ponto do mundo uma vida

    de alegria contigo,

    Tu me diz que j nos cruzamos ombro a ombro, fluidos, ternos,

    castos, em plena maturao.

    Tu cresceste comigo, foste um rapaz comigo ou uma moa comigo,

    Eu j comi e dormi contigo; teu corpo, desde ento no pertence somente a si, assim como o meu no ficou pertencendo

    mais somente a mim.

    Quando passamos um pelo outro, tu me ds o prazer de teus Olhos, do seu rosto, da tua carne e eu te retribuo com o prazer

    do meu peito, das minhas mos, da minha barba.

    Eu no quero falar contigo, eu gosto de pensar em ti quando

    estou sentado sozinho, ou acordado noite sozinho.

    Eu te esperarei, no tenho duvida alguma de que vou te encontrar ainda.

    E terei cuidado dessa vez para que no te per

  • O prprio ser eu canto

    O prprio ser eu canto: Canto a pessoa em si, em separado

    _ embora use a palavra Democracia

    e a expresso Massa.

    Eu canto o Corpo

    Da cabea aos ps:

    Nem s o crebro Nem s a fisionomia

    Tem valor para a Musa

    _ digo que a forma completa muito mais valiosa,

    e tanto a Fmea quanto o Macho

    eu canto.

    A vida plena de paixo,

    Fora e pulsam,

    Preparada para as aces mais livres Com suas leis divinas

    _O Homem Moderno

    eu canto.

    Ouo dizer que contra mim foi alegado

    Ouo dizer que contra mim foi alegado que eu procurava destruir instituies,

    mas em verdade eu nada tenho contra

    nem a favor das instituies - que tenho eu afinal a ver com elas

    ou com a destruio delas?

    Tudo o que eu quero fundar em Mannahattan em toda e qualquer cidade

    destes Estados, litorneos ou do interior,

    e pelos campos e bosques,

    e em qualquer barco de quilha pequena ou grande singrando quaisquer guas,

    sem edifcios ou regras ou fiadores

    ou qualquer tipo de argumentao, a formidvel instituio

    do amor entre camaradas.

  • Neste momento terno e pensativo

    Neste momento terno e pensativo Aqui sentado a ss

    Sinto que existem noutras terras outros homens

    Ternos e pensativos, Sinto que posso dar uma espiada

    Por cima e avist-los

    Na Frana, Espanha, Itlia e Alemanha

    Ou mais longe ainda No Japo, China ou Rssia,

    Falando outros dialetos,

    E sinto que se me fosse possvel Conhecer esses homens

    Eu poderia bem ligar-me a eles

    Como acontece com homens de minha terra, Ah e sei que poderamos

    Ser irmos ou amantes

    E que com eles eu estaria feliz.

  • No me fecham as portas

    No me fechem as portas, orgulhosas bibliotecas, pois justamente o que estava faltando

    em suas prateleiras apinhadas,

    o que venho trazer - mal acabando de sair da guerra,

    um livro que escrevi:

    pelas palavras do meu livro, nada;

    pelas intenes, tudo! Um livro margem,

    sem nada a ver com os restantes,

    e que no pode ser sentido s com o intelecto.

    Vocs, porm, com seus silncios latentes,

    a cada pgina ho de estremecer maravilhadas.

  • Momentos ao natural

    Momentos ao natural, quando vocs vm a mim...

    Ah, esto a agora, agora dem-me

    somente alegrias libidinosas, dem-me o charco das paixes, a vida

    lbrica e bruta,

    eu hoje vou desposar as noivas da Natureza,

    e hoje noite tambm, estou com aqueles que acreditam

    em prazeres largados,

    eu compartilho as orgias de meia-noite dos jovens, dano com os danarinos

    e bebo com os que gostam de beber,

    ecos ressoam com os nossos nomes feios, pego um baixote para meu mais caro amigo,

    deve ser um analfabeto, um marginal,

    bronco, deve ser um dos condenados

    por outros por alguma coisa feita; eu no vou mais representar - por que haveria

    de me exilar de entre meus companheiros?

    criaturas enjeitadas, eu pelo menos no vou enjeit-las:

    venho correndo para o meio de vocs,

    e para vocs eu hei de ser mais

    que qualquer dos restantes.

  • Minha voz sai

    Minha voz sai em busca do meus olhos no conseguem alcanar, Com uma virada da lngua aambarco mundos e volumes de mundos.

    O discurso gmeo de minha viso... inconstante para poder se medir. Est sempre me provocando,

    Diz com sarcasmo, Walt, voc j compreende o suficiente... por que ento

    No bota tudo para fora?

    Ora, vamos, no vou ser atormentado... voc concebe articulaes demais.

    O dito e o escrito no provam quem sou,

    Traga a plena prova e todo o resto em meu rosto, Com meus lbios calados confundo o maior dos cpticos.

  • Feito Ado de manh cedo

    Feito Ado de manh cedo deixando o seu abrigo a caminhar

    refeito pelo sono

    - olhem por onde eu passo, escutem minha voz, cheguem mais perto,

    toquem em mim, encostem

    as palmas de suas mos em meu corpo

    quando eu passar: no precisam ter medo do meu corpo.

  • Epitfio

    Eu parto com o ar - sacudo minha neve branca ao sol que foge Desfao minha carne em redemoinhos de espuma,

    Entrego-me ao p para crescer nas ervas que amo;

    Se queres ver-me novamente, procura-me sob teus ps. Dificilmente sabers quem sou ou o que significo;

    No obstante serei para ti boa sade

    E filtrarei e comporei teu sangue.

    E se no conseguires encontrar-me, no desanimes; O que no est numa parte esta noutra

    Em algum lugar estarei a tua espera.

  • Enquanto eu lia o livro

    Enquanto eu lia o livro, a famosa biografia: - Ento isso (eu me perguntava)

    o que o autor chama

    a vida de um homem? E assim que algum,

    quando morto e ausente eu estiver,

    ir escrever sobre a minha vida?

    (Como se algum realmente soubesse de minha vida um nada,

    quando at eu, eu mesmo, tantas vezes

    sinto que pouco sei ou nada sei da verdadeira vida que a minha:

    somente uns poucos traos

    apagados, uns dados espalhados e uns desvios, que eu busco

    para uso prprio, marcando o caminho

    daqui afora.)

  • Em meio multido

    Em meio multido de homens e mulheres dou com algum a chamar por mim

    por meio de sinais secretos e divinos:

    de ningum mais toma conhecimento - pai, marido, mulher, irmo ou filho,

    no tem parente mais chegado que eu -

    h alguns que fazem confuso,

    mas esse no, esse a me conhece.

    Ah amante e perfeito semelhante, eu bem sabia que voc me encontraria

    com to dbeis disfarces,

    e quando eu o encontrei percebi que tambm eu o reconhecia

    pelo mesmo em voc.

  • E quanto a ti, Morte

    E quanto a ti, Morte, e a ti, amargo abrao da mortalidade, intil tentarem alarmar-me.

    A parteira acorre ao seu trabalho sem demora, Vejo a mo pressionado, recebendo, sustendo,

    reclino-me nos umbrais das delicadas portas flexveis,

    E observo a sada, e observo o alvio e a libertao.

    E quanto a ti, Cadver, penso que s bom adubo mas isso no me ofende,

    Aspiro o doce perfume das rosas brancas crescendo,

    Toco as folhas como lbios, toco o peito lustroso dos meles. E quanto a ti, Vida, reconheo que s o resduo de muitas mortes,

    (No duvido que eu prprio j morri mil vezes).

    Escuto o vosso murmrio, estrelas do Cu,

    sis, erva dos tmulos, perptuas transferncias e promoes,

    Se no dizeis nada que poderei eu dizer?

    Do turvo charco na floresta do Outono,

    da lua que desce os precipcios do crepsculo sussurrante,

    Ca, centelhas do dia e do acaso, ca sobre as hastes negras que apodrecem no estrume,

    Ca sobre o lamento incoerente dos ossos secos.

    Levanto-me da lua, levanto-me da noite, Percebo que a luz dbil o reflexo do meio-dia,

    E desemboco no que firme e central desde o rebento grande ou pequeno.

  • Com voc

    Desconhecido, se voc vier passando e der comigo e me quiser falar

    - por que no h de falar comigo?

    E eu, por que tambm no haveria de falar com voc?

  • Certa vez numa cidade

    Certa vez eu passei por uma cidade bem populosa,

    guardando no meu crebro impresses

    para futuro emprego, com suas mostras, sua arquitetura,

    costumes, tradies,

    embora dessa cidade eu agora

    me lembre apenas de uma mulher que encontrei ao acaso

    e me deteve por amor de mim

    e juntos estivemos dia por dia e mais noite por noite

    - posso afirmar que s me lembro mesmo

    dessa mulher que se apegou a mim apaixonadamente,

    de quanta vez andamos, nos amamos,

    de novo nos deixamos,

    de novo ela a pegar-me pela mo, e eu sem precisar ir:

    vejo-a bem perto a meu lado

    de tristes lbios trmulos calados.

  • Canto da estrada aberta

    1. A p e de corao leve

    eu enveredo pela estrada aberta,

    saudvel, livre, o mundo minha frente, minha frente o longo atalho pardo

    levando-me aonde eu queira.

    Daqui em diante no peo mais boa-sorte, boa-sorte sou eu.

    Daqui em diante no lamento mais,

    no transfiro, no careo de nada; nada de queixas atrs das portas,

    de bibliotecas, de tristonhas crticas;

    forte e contente vou eu pela estrada aberta.

    A terra quanto basta:

    eu no quero as constelaes mais perto nem um pouquinho, sei que se acham muito bem

    onde se acham, sei que so suficientes

    para os que esto em relao com elas.

    (Carrego ainda aqui

    os meus antigos fardos de delcias,

    carrego - mulheres e homens - carregos-os comigo por onde eu vou,

    confesso que impossvel para mim

    ficar sem eles: deles estou recheado e em troca eu os recheio.)

  • Canto da estrada real - 01

    A p, alegre, sigo pela estrada real, Saudvel e livre, o mundo diante de mim,

    O amplo caminho da terra morena minha frente me conduz aonde me agrada.

    Daqui por diante no interrogarei o destino, eu mesmo serei o destino. Darei um fim s queixas de quartos cerrados, de bibliotecas de crticas

    plangentes,

    Forte e contente, sigo pela estrada real.

    A terra, e isto basta. No desejo que as constelaes estivessem mais prximas,

    Sei que elas esto muito bem onde esto,

    ( At aqui trago minha antiga e venturosa carga. Levo-os, homens e mulheres, levo-os comigo aonde quer que eu v.

    Juro que me impossvel deles me desfazer,

    Eu deles me impregnei, em troca quero impregn-los).

  • Canto da estrada real - 15

    Vamos! O caminho est aberto nossa frente! Ele seguro, eu j experimentei, meus ps j o provocam cuidadosamente: que

    nada te retenha!

    Que as folhas fiquem abertas sobre a mesa, e os livros sem abrir em seu armrio! Que os instrumentos permaneam nas oficinas! Que o dinheiro permanea sem ser

    ganho!

    Que repouse a escola! No importam os brados dos mestres!

    Que o pregador pregue em sua ctedra! Que arrazoe o advogado no tribunal, e o juiz exponha a lei.

    Camarada, d-me tua mo!

    Eu te dou meu afeto mais precioso que o dinheiro, eu te dou a mim mesmo em vez de prdicas e de leis.

    Queres dar-te a mim? Queres seguir comigo?

    Seguiremos juntos, um ao lado do outro, enquanto durarem nossas vidas!

  • Canto da estrada real - 05

    A partir desta hora, ordeno a mim mesmo: liberta-te dos limites e das linhas imaginrias,

    Irei aonde eu quiser, senhor total e absoluto de mim mesmo,

    Escutarei os outros, examinarei atentamente o que dizem, Deter-me-ei, aceitarei, meditarei,

    E mansamente, mas com vontade indomvel, hei de me esquivar aos compromissos que

    me queiram aprisionar.

    Aspiro grandes golfadas de espao. O leste e o oeste me pertencem, o norte e o sul me pertencem

    Sou maior e melhor do que eu pensava

    Eu no sabia que em mim continha tantas coisas boas. Tudo me parece admirvel.

    Posso sem cessar repetir aos homens e mulheres. Vs me fizestes tanto bem que eu

    desejaria outro tanto devolver-vos. Quero ao largo dos caminhos absorver foras novas para mim e para vs.

    Eu me dispersarei entre os homens e as mulheres do meu caminho,

    Espargirei uma alegria e uma nudez nova entre eles,

    Se algum me repelir, no me perturbarei, Quem me aceitar, ele ou ela, por mim ser bendito e me abenoar.

  • s vezes com a pessoa a quem amo

    s vezes com a pessoa a quem amo Fico cheio de raiva

    Por medo de estar s eu dando amor

    Sem ser retribudo; Agora eu penso que no pode haver amor

    Sem retribuio, que a paga certa

    De uma forma ou de outra.

    (Amei certa pessoa ardentemente e meu amor no foi correspondido,

    mas foi da que tirei estes cantos.)

  • Ao comear meus estudos

    Ao comear meus estudos, me agradou tanto o passo inicial,

    a simples conscientizao dos factos,

    as formas, o poder de movimento, o mais pequeno insecto ou animal,

    os sentidos, o dom de ver, o amor

    - o passo inicial, torno a dizer,

    me assustou tanto, e me agradou tanto,

    que no foi fcil para mim passar

    e no foi fcil seguir adiante, pois eu teria querido ficar ali

    flanando o tempo todo,

    cantando aquilo em cnticos extasiados.

  • Animais

    Penso que poderia desviar-me e viver com os animais, so to plcidos e retrados,

    Paro e fico a olh-los, longa, longamente.

    Eles no se angustiam nem se lamentam por motivo de sua condio, No ficam acordados nas trevas chorando por seus pecados,

    No me aborrecem discutindo suas obrigaes para com Deus,

    Nenhum se ajoelha ante o outro, nem ante o de sua espcie que viveu h milhares

    de anos, Nenhum respeitvel ou infeliz sobre a terra inteira

  • A voc

    Seja voc quem for, receio que voc esteja

    trilhando as trilhas das iluses:

    receio que essas supostas realidades venham a derreter-se de baixo dos seus ps

    e suas mos

    mesmo agora os seus traos, alegrias,

    conversa, casa, negcios, costumes, maneiras, preocupaes, loucuras, crimes,

    dissipam-se a afastar-se de voc,

    e diante de mim surge voc em corpo e alma verdadeiros,

    parte das tarefas, do comrcio, lojas,

    trabalho, fazendas, roupas, a casa, comprar, vender, comer, beber, sofrer, morrer.

  • A uma prostituta respeitosa

    Tranquilize-se, fique vontade comigo - eu sou Walt Whitman,

    generoso e saudvel como a Natureza!

    Antes que o sol a rejeite, eu no a rejeitarei;

    antes que as guas se neguem

    a rebrilhar para voc

    ou as folhagens a sussurrar por voc, minhas palavras no se negaro

    a rebrilhar e a sussurrar por voc.

  • A um historiador

    Voc, que fala de coisas passadas, tem explorado s o lado de fora,

    as superfcies das raas,

    a vida como ela se deixa ver, tratando o ser humano

    como uma criatura de polticos,

    agregados, governantes e sacerdotes...

    Eu, habitante dos Alleghanies, tratando-o como ele de fato

    em seus plenos direitos,

    tomando o pulso da vida que raramente se deixa entrever

    (o grande orgulho do homem consigo mesmo):

    cantor da Personalidade, rascunhando o que ainda est por vir

    - o que eu projeto a histria do futuro.

  • Canto a mim mesmo

    1. Celebro a mim mesmo

    e canto a mim mesmo:

    e o que eu assumo, vocs devem assumir, pois cada tomo que a mim pertence

    tambm a vocs pertence.

    Folgo e convido minha alma, deito-me e folgo vontade

    vendo no estio uma lana

    de capim.

    Minha lngua, cada tomo

    do meu sangue, se forma deste cho, deste ar:

    nascido aqui, de pais aqui nascidos

    de pais quanto a isso iguais

    e os pais deles tambm, eu,

    agora com trinta e sete anos,

    em plena sade vou contando no parar

    at morte.

    Crenas e escolas em estado latente, por enquanto afastadas um pouquinho,

    quanto para elas basta,

    porm no esquecidas,

    ao bem e ao mal dou guarida

    e em qualquer circunstncia me permito falar

    - natureza sem confronto

    com a energia original.

    5.

    Creio em voc, minha alma:

    o outro que sou no deve rebaixar-se a voc,

    nem voc deve rebaixar-se

    ao outro.

    Folgue comigo na grama,

    afrouxe o n da garganta,

    nem palavras nem msica nem rimas estou querendo,

    nem costume nem lio,

    por melhor que seja: eu gosto do acalanto

    do murmrio valvar da tua voz.

    Lembro como uma vez nos espichamos numa certa manh de vero transparente,

  • como foraste a cabea nos meus quadris

    e me rasgaste a camisa no osso do peito

    e enfiaste a lngua em meu corao nu e foste assim at tocar-me a barba

    e foste assim at tocar-me os ps.

    Docemente cresceu e se espalhou

    em torno a mim a paz-sabedoria

    alm de todo argumento da terra,

    e eu sei que a mo de Deus promessa da minha,

    e eu sei que o esprito de Deus

    irmo do meu, e que todos os homens j nascidos

    so tambm meus irmos

    - e as mulheres, irms e amantes minhas -

    e que o esteio da criao o amor

    e ilimitadas so as folhas secas

    ou cadas nos campos, e as formigas castanhas

    nos buraquinhos por debaixo delas,

    e as cicatrizes dos lquens nos moures tortos da cerca,

    pilhas de pedras, flores

    silvestres, musgo e espinhos.

    7.

    Teria algum julgado

    uma sorte - nascer? Apresso-me a informar,

    a ele ou ela,

    que igual sorte - morrer, e isso eu sei.

    Eu passo a morte com os agonizantes

    e o nascimento com os bebs lavados e no me sinto contido

    entre o chapu e os sapatos.

    Manuseio objetos de formas variadas, nem dois iguais e todos eles bons:

    a boa terra e as boas estrelas

    e o bom de tudo o que vai por elas.

    No sou uma terra

    nem funo de terra alguma,

    sou o colega e companheiro de pessoas to imortais e inesgotveis todas elas

    quanto eu prprio (no sabem

    o quanto tm de imortais, mas eu sei).

    Cada espcie por si e para si;

    a mim o macho e a fmea,

    a mim os que j foram rapazolas e amam mulheres,

  • a mim o homem que tem seu orgulho

    e sabe como di ser desconsiderado, a mim a namorada e a virgem velha,

    as mes e as mes de mes,

    a mim os lbios que j deram riso e a mim os olhos que j deram lgrima,

    crianas e criadores de crianas.

    Descubram-se! Vocs para mim no so culpados

    nem maus nem descartveis:

    eu vejo atravs da roupa de l ou de algodo, se sim ou se no,

    e fico em volta, interessado, teimoso,

    e eu no posso ser mandado embora.

    11.

    Vinte e oito moos tomando banho na praia,

    vinte e oito moos e todos to amigveis; vinte e oito anos de uma vida de mulher

    e todos to solitrios.

    Ela a dona da bonita casa

    na subida da encosta,

    e bem vestida e simptica ela se esconde

    por trs das venezianas da janela.

    Qual o moo de que ela gosta mais?

    Ah o mais caseiro de todos para ela o mais bonito.

    Aonde que vai assim, senhora? Estou s vendo: vejo voc se espalhando naquelas guas,

    ainda que fique a dentro do quarto

    parada feito um pau.

    Danando e rindo vem pela linha da praia

    o banhista nmero vinte e nove;

    os outros no a viram, mas ela bem que os viu e os adorou.

    As barbas dos moos resplandeciam de gotas d'gua,

    e a lhes carem das compridas cabeleiras

    pequenos fios d'gua

    lhes escorriam pelos corpos todos.

    Uma invisvel mo

    tambm passava pelos corpos deles, descendo trmula das frontes aos quadris.

    Os moos nadam de costas,

    claras barrigas ao sol, sem indagarem quem estende a mo para eles:

  • no sabem eles quem enche o peito e desiste,

    as sobrancelhas curvadas e vacilantes,

    nem lhes ocorre que estejam salgando algum com a gua que respingam.

    17. Estes so realmente pensamentos

    de todo homem em qualquer tempo e lugar,

    no so originais meus;

    e se no so de vocs tanto quanto meus no querem dizer nada

    ou quase nada;

    e se no so a pergunta e a resposta pergunta,

    no significam nada;

    e se eles no se colocam tio perto quo distantes parecem, no valem nada.

    Esta a relva que cresce

    onde quer que haja terra e haja gua, este o ar comum

    que banha o globo.

    Eu rufo e bato o tambor pelos mortos

    e sopro nas minhas embocaduras

    o que de mais alto e mais jubiloso

    posso por eles.

    Vivas queles que levaram a pior!

    E queles cujos navios de guerra afundaram no mar!

    E a todos os generais

    das estratgias perdidas, que foram todos heris!

    E ao sem-nmero dos heris desconhecidos,

    equivalentes aos heris maiores

    que se conhecem!

    18.

    Com msica forte eu venho, com minhas cometas e meus tambores:

    no toco hinos

    s para os vencedores consagrados, toco hinos tambm

    para as pessoas batidas e assassinadas.

    Vocs j ouviram dizer que ganhar o dia bom?

    Pois eu digo que bom tambm perder:

    batalhas so perdidas com o mesmo esprito

    com que so ganhas.

    Eu rufo e bato o tambor pelos mortos e sopro nas minhas embocaduras

  • o que de mais alto e mais jubiloso

    posso por eles.

    Vivas queles que levaram a pior! E queles cujos navios de guerra

    afundaram no mar!

    E a todos os generais das estratgias perdidas,

    que foram todos heris!

    E ao sem-nmero dos heris desconhecidos,

    equivalentes aos heris maiores que se conhecem!

    20. Quem que vai por a

    aflito, mstico, nu?

    Como que eu tiro energia da carne de boi que como?

    O que um homem, enfim?

    O que que eu sou? O que que vocs so?

    Tudo o que eu digo que meu, vocs podem dizer que de vocs:

    de outro modo, escutar-me

    seria perder tempo.

    No ando pelo mundo a lastimar

    o que o mundo lastima em demasia:

    que os meses sejam de vcuo e o cho seja de lama

    e podrido.

    A gemer e acovardar-se,

    cheio de ps para invlidos,

    o conformismo pode ficar bem

    para os de quarta categoria; eu ponho o meu chapu como bem quero,

    dentro ou fora de portas.

    Por que iria eu rezar?

    Por que haveria eu de me curvar

    e fazer rapaps?

    Tendo at os estratos perquirido,

    analisado at um fio de cabelo,

    consultado doutores e feito os clculos apropriados,

    eu no encontro gordura mais doce

    do que a inserida em meus prprios ossos.

    Em toda pessoa eu vejo a mim mesmo,

    nem mais nem menos um gro de mostarda,

    e o bem ou mal que falo de mim mesmo falo dela tambm.

  • Sei que sou slido e so,

    para mim num permanente fluir

    convergem os objetos do universo; todos esto escritos para mim

    e eu tenho de saber o que significa

    o que est escrito.

    Sei que sou imortal,

    sei que esta minha rbita no pode

    ser traada pelo compasso de um carpinteiro qualquer.

    Sei que no passarei

    assim que nem verruga de criana

    que noite se remove

    com um alfinete flambado.

    Eu sei que sou majestoso,

    no vou tirar a paz do meu esprito

    para mostrar quanto vale ou para ser compreendido:

    tenho visto que as leis elementares

    jamais pedem desculpas. (Eu reconheo que, afinal de contas,

    no levo meu orgulho

    alm do nvel a que elevo minha casa.)

    Existo como sou,

    isso o que basta:

    se ningum mais no mundo toma conhecimento,

    eu me sento contente;

    e se cada um e todos tomam conhecimento,

    eu contente me sento.

    Existe um mundo que toma conhecimento,

    e este o maior para mim:

    o mundo de mim mesmo. Se a mim mesmo eu chegar hoje,

    daqui a dez mil ou dez milhes de anos,

    posso alcan-lo agora bem-disposto ou posso bem-disposto esperar mais.

    O lugar de meus ps

    est lavrado e ajustado em granito: rio-me do que dizem ser dissoluo

    - conheo bem a amplitude do tempo.

    21.

    Eu sou o poeta do Corpo

    e sou o poeta da Alma,

    as delcias do cu

  • esto em mim

    e os horrores do inferno

    esto em mim - o primeiro eu enxerto

    e amplio ao meu redor,

    o segundo eu traduzo em nova lngua.

    Eu sou o poeta da mulher

    tanto quanto o do homem e digo que tanta grandeza existe

    no ser mulher

    quanta no ser homem, e digo que no h nada maior

    do que uma me de homens,

    Canto o cntico da expanso e orgulho:

    j temos tido o bastante

    em esquivanas e splicas,

    eu mostro que tamanho nada mais que desenvolvimento.

    Voc j passou os outros, j chegou a Presidente?

    pouco: at a ho de chegar

    e iro ainda mais longe.

    Eu sou aquele que vai com a noite

    tenra e crescente,

    e invoco a terra e o mar que a noite leva pela metade.

    Aperte mais, noite de peito nu! Aperte mais, noite nutriz magntica!

    Noite dos ventos do sul,

    noite das poucas estrelas grandes!

    Noite silenciosa que me acena - alucinada noite nua de vero!

    Sorria, terra cheia de volpia, de hlito frio!

    Terra das rvores lquidas e dormentes! Terra em que o sol se pe longe,

    terra dos montes cobertos de nvoa!

    Terra do vtreo gotejar da lua cheia

    apenas tinta de azul! Terra do brilho e do sombrio encontro

    nas enchentes do rio!

    Terra do cinza lmpido das nuvens, por meu gosto mais claras e brilhantes!

    Terra que faz a curva bem distante,

    rica terra de macicirais em flor!

    Sorria: o seu amante vem chegando!

  • Prdiga, amor voc tem dado a mim:

    o que eu dou a voc, por tanto, amor

    - indizvel e apaixonado amor!

    23.

    Interminvel desdobrar das palavras dos tempos!

    A minha uma palavra bem moderna:

    a palavra Massa.

    Uma palavra de f que jamais se altera,

    aqui ou daqui em diante

    sempre a mesma, o Tempo aceito cem por cento.

    S ela sem defeito, s ela envolve e completa tudo:

    surpreendente maravilha mstica

    sozinha completa tudo.

    Aceito a Realidade

    e no ouso question-la,

    impregnao de materialismo do principio ao fim.

    Viva a cincia positiva!

    Viva a experincia exata!

    Tomem a planta da pedra

    junto com cedro e ramos de lils: aqui est o lexicgrafo, aqui est

    o qumico, aqui est

    o que dos velhos pergaminhos fez uma gramtica,

    aqui marujos que levaram seu navio

    por mares perigosos e desconhecidos,

    aqui est o gelogo, aqui est o que maneja o bisturi, e aqui

    um matemtico.

    Cavalheiros, vocs

    tm sempre as honras iniciais!

    As coisas que vocs fazem so teis, embora eu nelas no more:

    atravs delas eu apenas entro

    num terreno em que moro.

    Minhas palavras

    so menos indicadoras

    de propriedades reconhecidas e mais indicadoras

    da vida no expressa,

    da liberdade e do extravasamento,

    pouco levando em conta neutralidades e castraes,

  • e favorecem homens e mulheres

    totalmente equipados

    e fazem ressoar o gongo da revolta e fazem ponto com os fugitivos,

    com aqueles que tramam e conspiram.

    27.

    Ser de uma forma qualquer

    - o que isso?

    (Giramos e giramos, todos ns, e sempre voltamos ao mesmo ponto.)

    Se nada houvesse mais evoludo,

    a ostra em sua calosa concha deveria bastar.

    No tenho calosa a concha: tenho instantneos condutores

    por mim todo,

    esteja eu parado ou em movimento,

    e eles apreendem todas as coisas e sem dano as conduzem

    atravs do meu ser.

    Eu simplesmente me animo e tateio,

    sinto com os dedos e fico feliz:

    tocar com a minha a pessoa de outrem

    quase o mximo a que eu posso resistir.

    30. Esto todas as verdades

    espera em todas as coisas:

    no apressam o prprio nascimento nem a ele se opem,

    no carecem do frceps do obstetra,

    e para mim a menos significante

    grande como todas. (Que pode haver de maior ou menor

    que um toque?)

    Sermes e lgicas jamais convencem,

    o peso da noite cala bem mais

    fundo em minha alma. (S o que se prova

    a qualquer homem ou mulher,

    que ;

    s o que ningum pode negar, que .)

    Um minuto e uma gota de mim tranqilizam meu crebro:

    eu acredito que torres de barro

    podem vir a ser lmpadas e amantes,

    que um manual de manuais a carne

  • de um homem ou mulher,

    e que num pice ou numa flor

    est o sentimento de um pelo outro, e ho de ramificar-se ao infinito

    a comear da

    at que essa lio venha a ser de todos, e um e todos nos possam deleitar

    e ns a eles.

    34. Agora eu conto

    o que eu soube no Texas

    em minha juventude (no vou contar a tomada de lamo,

    no escapou ningum para contar

    a tomada de lamo, aqueles cento e cinqenta esto mudos

    ainda em lamo):

    esta a histria do assassinato

    a sangue frio de quatrocentos e vinte homens moos.

    Em retirada tomaram a formao de um quadrado vazio

    com as bagagens como parapeitos,

    novecentas as vidas do inimigo

    que agora os sitiava, nove vezes o que tinham em nmero

    e o preo foi cobrado adiantado,

    o coronel deles fora ferido e a munio havia terminado,

    negociaram capitulao com honra,

    papel timbrado e assinado, entregaram as armas e marcharam

    prisioneiros de guerra.

    Eram o orgulho da raa dos rangers, inigualveis em montaria,

    rifles, canes, repastos, galanteios,

    enormes, turbulentos, generosos,

    amveis e orgulhosos,

    barbudos, peles tostadas de sol,

    trajados moda descontrada

    dos caadores,

    nenhum contava mais de trinta anos.

    No segundo domingo de manh

    foram levados em grupos e massacrados:

    era uma linda manh de vero,

    a faina comeou ai pelas cinco e meia

    e s oito estava tudo terminado.

  • Nenhum se quis sujeitar

    ordem de ajoelhar,

    alguns tentaram inutilmente correr feito uns alucinados,

    alguns ficaram inabalveis em p,

    alguns poucos tombaram de uma vez com tiros na fronte ou no corao,

    os mutilados e desfigurados

    ainda cavando o cho,

    vivos e mortos estirados juntos onde eram vistos pelos recm-vindos,

    uns meio mortos tentavam sair de rastos

    e eram ento despachados a golpes de baionetas ou esmagados a coronhas de espingardas,

    um jovem com no mais de dezessete anos

    agarrou-se ao algoz at virem dois outros afroux-lo

    e ficaram os trs todos rasgados

    e cobertos do sangue do rapaz.

    s onze horas em ponto

    comeou a incinerao dos corpos.

    Eis a a histria do assassinato dos quatrocentos e vinte homens moos.

    44.

    Est na hora de eu falar de mim, vamos ficar de p!

    O que conhecido, eu deixo de lado: chamo todos os homens e mulheres

    para a frente comigo

    rumo ao Desconhecido.

    Marca a hora, o relgio;

    mas o que que marca a eternidade?

    Temos esgotado assim trilhes de veres e invernos,

    trilhes h mais pela frente

    e trilhes frente deles.

    Beros nos tm trazido

    riqueza e variedade; riqueza e variedade

    mais beros ho de trazer.

    No digo eu que um maior e outro menor: o que preenche bem seu tempo e seu lugar

    igual a qualquer outro.

    Ter-se- mostrado enciumada ou assassina

    a raa humana, em relao a ti,

    meu irmo, minha irm?

    Por ti lamento: no se mostra enciumada ou assassina em relao a mim,

  • todos tm sido cordiais comigo,

    no fao conta de lamentaes

    - que iria eu fazer com lamentaes?

    Eu sou um vrtice de coisas feitas

    e um cercado de coisas por fazer. Meus ps batem num topo

    do topo das escadas,

    feixes de idades em cada degrau

    e feixes maiores entre os degraus,

    embaixo tudo devidamente galgado

    e eu a subir e a subir sempre mais.

    Aurora aps aurora atrs de mim

    os fantasmas se curvam, l longe eu vejo o grande Nada inicial,

    sei que j estive l

    e eu aguardava sempre, sem ser visto,

    entre a bruma letrgica a dormir, e usei bem do meu tempo

    e nenhum mal me fez o ftido carbono.

    Por muito tempo eu estive enrolado,

    por muito e muito.

    Imensas haviam sido as preparaes de mim,

    confiantes e amigveis

    os braos que me amparavam.

    Ciclos fizeram navegar meu bero,

    remando e remando sempre como animados barqueiros:

    para me darem lugar,

    estrelas desviavam-se nas rbitas

    enviando influncias a espiarem o que haveria de ficar comigo.

    Antes de eu ser parido por minha me,

    geraes me indicavam o caminho:

    meu feto jamais foi entorpecido, coisa nenhuma era capaz de cobri-lo.

    Por ele a nebulosa sustentava-se em rbita,

    os longos cirros lentos amontoavam-se para aninh-lo,

    plantas enormes davam-lhe o sustento,

    surios gigantes nas bocas o transportavam e o pousavam com todos os cuidados.

    Todas as foras foram prontamente usadas

    para me completarem e me deleitarem: neste ponto que eu me levanto agora

  • com minha alma robusta.

    48. Tenho dito que a alma

    no mais do que o corpo

    e tenho dito que o corpo no mais do que a alma,

    e que nada, nem Deus,

    para ningum mais

    do que a prpria pessoa, e quem anda duzentas jardas

    sem vontade

    anda seguindo o prprio funeral vestindo a prpria mortalha,

    e que eu como vocs

    sem um tosto no bolso posso comprar

    o que o mundo tem de melhor,

    e dar uma vista d'olhos

    ou mostrar uma vagem no seu galho confunde o aprendizado

    de todos os tempos,

    e no existe emprego ou desemprego em que um homem no possa ser heri,

    e coisa nenhuma h de ser to mole

    que no sirva de cubo s rodas do universo,

    e a qualquer homem ou mulher eu digo: - Deixem que se levantem as almas de vocs

    tranqilas e bem postas

    ante um milho de sis!

    E raa humana eu digo:

    - No seja curiosa a respeito de Deus, pois eu sou curioso sobre todas as coisas

    e no sou curioso a respeito de Deus.

    (No h palavra capaz de dizer

    quanto eu me sinto em paz perante Deus e a morte.)

    Escuto e vejo a Deus em todos os objetos, embora de Deus mesmo eu no entenda

    nem um pouquinho,

    assim como tambm eu no entendo que possa algum ser mais maravilhoso

    do que eu.

    Por que haveria eu de querer ver a Deus melhor que neste dia?

    Eu vejo algo de Deus em cada uma das vinte e quatro horas

    e em cada instante de cada uma delas,

    nos rostos dos homens e das mulheres

    eu vejo a Deus e no meu prprio rosto em cada espelho,

  • acho cartas de Deus cadas pela rua

    e todas assinadas com o nome de Deus,

    e eu as deixo onde esto, sei muito bem que aonde quer que eu v

    outras me ho de chegar pontualmente

    sempre e por todo o sempre.

    52.

    O gavio malhado cai-me em cima

    e me acusa e reclama da minha parolagem e do meu

    andar toa.

    Tambm no sou nem um pouquinho acomodado

    tambm no sou fcil de traduzir,

    fao tinir meu dialeto brbaro sobre os telhados do mundo.

    O ltimo passo do dia

    demora por minha causa, puxa a imagem de mim depois das outras

    e fiel como as outras no inspito das sombras,

    e me arrasta para o vapor e a treva.

    Eu parto que nem ar,

    sacudo os cabelos brancos ao sol

    que se est indo embora, derramo em remoinhos minha carne

    e deixo-a flutuando em pontas rendilhadas

    Eu me planto no cho para crescer

    com a relva que eu amo:

    quando vocs de novo me quiserem, s me procurarem

    debaixo das solas dos seus sapatos.

    Dificilmente sabero quem sou ou o que eu quero dizer,

    mas mesmo assim eu hei de ser para vocs

    boa sade, dando ao sangue de vocs pureza e energia.

    Se logo de sada no me acharem, mantenham a coragem:

    se me perderem num lugar, procurem

    achar-me noutro:

    em algum ponto eu hei de estar parado espera de vocs.

  • A sombra imagem minha

    A sombra imagem minha que para c e para l

    vai procurando um jeito de viver

    atravs da conversa, da barganha - quantas vezes eu dou por mim parado

    a ver por onde ela passa,

    quantas vezes indago e ponho em dvida

    que quilo seja realmente eu; mas entre os meus amantes

    e no cantarolar destas canes,

    ah, eu no duvido jamais que aquilo seja realmente eu.

  • Quem quer que seja voc a segurar agora a minha mo

    Quem quer que seja voc a segurar agora a minha mo, sem uma coisa tudo ser intil,

    dou-lhe um honesto aviso antes que voc me tente mais,

    no sou o que voc sups, mas muito diferente.

    Quem aquele que deseja se tornar meu seguidor?

    Quem se apresentaria como candidato s minhas afeies?

    O caminho suspeito, o resultado incerto, talvez destrutivo,

    voc teria de desistir de tudo o mais, eu sozinho haveria de ser seu estandarte nico e exclusivo,

    seu noviciado seria pois longo e exaustivo, toda a teoria passada da sua vida e toda a conformidade com as vidas ao seu redor teriam de ser

    abandonadas,

    assim me deixe agora antes que se complique mais, tire a mo dos meus ombros, me largue e siga o seu prprio caminho.

    Ou ento furtivamente em alguma floresta, para tentar apenas,

    ou atrs de uma rocha ao ar livre (pois em nenhum quarto coberto de nenhuma casa eu imerso, nem em companhia,

    e nas bibliotecas permaneo como quem mudo, ou parvo, ou no nascido, ou morto),

    mas muito possivelmente com voc numa colina alta, primeiro vigiando por milhas em volta para que ningum se aproxime sem avisar,

    ou possivelmente com voc a velejar no mar, ou numa praia do mar ou numa ilha sossegada,

    aqui eu permito que voc coloque seus lbios sobre os meus,

    com o beijo prolongado do camarada ou o beijo do recm-casado, pois sou o recm-casado e sou o camarada.

    Ou, se voc quiser, metendo-me entre suas roupas, onde poderei sentir os soluos do seu corao ou repousar sobre o seu quadril,

    carregue-me quando for atravs das terras e dos mares;

    pois apenas tocar voc assim o bastante, o melhor, e tocando voc assim eu adormeceria em silncio e seria carregado eternamente.

    Mas examinando estas folhas voc se arrisca,

    pois a estas folhas e a mim voc no entender, elas o iludiro no princpio e mais ainda depois, eu certamente o iludirei,

    mesmo quando voc pensar que me apanhou de modo inquestionvel, cuidado!,

    voc logo ver que lhe escapei.

    Pois no pelo que coloquei neste livro que o escrevi,

    nem pela leitura dele que voc o ganhar, nem so esses que me admiram e me elogiam com jactncia aqueles que me conhecem melhor,

    nem so os candidatos ao meu amor (a no ser no mximo alguns poucos) os que sairo

    vitoriosos,

    nem meus poemas faro apenas bem, eles tambm faro mal, talvez at mais, pois tudo intil sem aquilo que voc poder suspeitar em muitas ocasies sem compreender,

    aquilo que sugeri;

    assim me deixe e siga o seu prprio caminho.

  • Eis o que cantando na primavera

    Eis o que cantando na primavera eu colho para os amantes (pois quem seno eu entenderia amantes e toda a sua mgoa e alegria?

    e quem seno eu seria o poeta dos camaradas?),

    colhendo atravesso o jardim do mundo, mas logo passo pelos portes, ora margem do lago, ora me adentrando um pouco, sem temer a umidade,

    ora junto cerca de moures onde as pedras ali jogadas, provenientes dos campos, se

    acumularam

    (flores silvestres e parras e ervas brotam em meio s pedras e as cobrem parcialmente, por tudo isso eu passo),

    longe, longe na mata, ou perambulando tarde no vero, antes de me perguntar para onde vou,

    solitrio, sentindo o cheio da terra, parando aqui e ali no silncio, sozinho eu pensara: mas logo uma tropa se rene ao meu redor,

    alguns caminham ao meu lado e alguns atrs, e alguns me tomam pelo brao ou pelos ombros,

    eles os espritos dos amigos queridos, mortos ou vivos se ajuntam mais, uma grande multido, e eu no meio,

    colhendo, distribuindo, cantando, l eu caminho ao lado deles,

    pegando como lembrana uma coisinha aqui e ali, jogando para quem estiver perto,

    aqui, um lrio, com um ramo de pinheiro, aqui, do meu bolso, um pouco de musgo que retirei de um carvalho que se vergava para o solo

    na Flrida,

    aqui, folhas de louro e cravina, um punhado de slvia, e aqui o que eu retiro da gua, passeando margem do lago,

    (oh, foi aqui que eu vi por ltimo aquele que me ama ternamente e que retorna para jamais se

    separar de mim,

    e este, este ser para sempre o sinal dos camaradas, esta raiz de clamo ser, troquem-no uns com os outros, jovens, e nunca o devolvam!),

    e galhinhos de bordo, e um monte de laranjeiras silvestres e castanhas,

    e ramos de groselha e o cheiro das ameixas e o cedro aromtico, tudo isso eu, cercado por uma multido de espritos,

    vagueando, aponto ou toco quando passo, ou jogo a esmo a partir de mim,

    indicando para cada um o que ele ter, dando alguma coisa a cada um; mas o que retirei da gua margem do lago, isso eu reservo

    e o hei de dar, mas somente queles que amam como eu mesmo sou capaz de amar.

  • Quando ouvi ao final do dia

    Quando ouvi ao final do dia que meu nome fora recebido com aplausos no capitlio, mesmo assim no foi uma noite feliz a que se seguiu;

    e, antes, quando eu farreava, ou quando meus planos se realizavam, ainda assim eu no me

    alegrava, mas no dia em que, me levantei da cama ao amanhecer, em perfeita sade, refeito, cantando,

    respirando o hlito maduro do outono,

    quando vi a lua cheia empalidecer no oeste e desaparecer na luz da manh,

    quando andei sozinho pela praia e, despido, me banhei, rindo com as guas geladas, e vi o sol nascer,

    e quando pensei que meu querido amigo, meu amante, j estava a caminho, a sim eu era feliz,

    a sim o respirar me pareceu mais doce, e durante todo o dia o alimento me nutriu melhor, e o lindo dia transcorreu perfeito,

    e veio o seguinte com igual alegria, e no terceiro, ao anoitecer, chegou meu amigo,

    e naquela noite, quando tudo estava quieto, ouvi as guas fluindo lenta e continuamente ao longo da costa,

    ouvi o murmrio suave do lquido e das areias, como se se dirigissem a mim num sussurro, a me

    felicitar,

    pois quem eu mais amava dormia ao meu lado sob o mesmo teto na noite fria, na quietude do luar de outono sua face se inclinava para mim,

    e o brao descansava suavemente sobre meu peito e naquela noite eu estava feliz.

  • A terrvel dvida das aparncias

    Da terrvel dvida das aparncias, da incerteza afinal de que possamos estar iludidos,

    de que talvez a confiana e a esperana no sejam afinal seno especulaes,

    de que talvez a identidade para alm do tmulo seja apenas uma linda fbula, de que talvez as coisas que observo, os animais, plantas, homens, colinas, guas brilhantes a

    fluir,

    o cu do dia e da noite, cores, densidades, formas, talvez tudo seja (como sem dvida ) apenas

    aparies, e a coisa real ainda esteja por conhecer (quo frequentemente se desligam de si mesmas como se para me confundir e zombar de mim!

    quo frequentemente penso que no sei nem homem nenhum sabe nada a respeito delas),

    talvez me parecendo aquilo que so (como sem dvida parecem) no meu presente ponto de vista e podendo revelar-se depois (como naturalmente poderiam) como no sendo nada daquilo que

    parecem, ou nada enfim, a partir de pontos de vista totalmente diferentes;

    para mim essas e outras questes semelhantes so de algum modo respondidas pelos meus

    amantes, meus queridos amigos,

    quando aquele que eu amo viaja comigo ou se senta segurando longamente minha mo,

    quando o ar sutil, o impalpvel, o sentido que as palavras e a razo no detm, nos cercam e nos perpassam,

    ento me sinto invadir por uma sabedoria indizvel, inaudita, e fico em silncio, e no me falta

    mais nada, no posso resolver a questo das aparncias ou a da identidade para alm do tmulo,

    mas caminho ou me sento, indiferente, e estou satisfeito;

    ele, a segurar minha mo, me satisfez completamente.

  • Uma saudao de natal

    (De uma constelao do Norte para uma do Sul, 1889-1890)

    Bem-vindo, irmo brasileiro teu amplo lugar est pronto; uma mo amorosa um sorriso do norte um pronto e caloroso aceno, cheio de sol! (Deixa o futuro cuidar de si, onde revele seus problemas e empecilhos;

    nossos, nossos o anseio presente, a meta democrtica, a aceitao e a f);

    hoje, para ti se estende o nosso brao, se volta a nossa cabea para ti se volta o nosso olho expectante, tu livre de embaraos, tu, que s claro, refulgente! Tu, aprendendo bem

    a lio verdadeira da luz de uma nao em pleno cu

    (brilhando mais do que a Cruz, mais do que a Coroa), as alturas de ser esplndida humanidade!

    Nota: Um dos ltimos poemas de Whitman, supem-se que

    a homenagem a nosso pas se deve a emancipao dos

    escravos.

  • Uma hora para a loucura e a alegria

    Uma hora para a loucura e a alegria! furiosos! Oh, no me confinem! (O que isto que me liberta assim nas tempestades?

    Que significam meus gritos em meio aos relmpagos e aos ventos rugidores?)

    Oh, beber os delrios msticos mais fundamente que qualquer outro homem!

    dolncias selvagens e ternas! (Recomendo-as a vocs, minhas crianas,

    Dou-as a vocs, como razes, noivo e noiva!)

    Oh, me entregar a vocs, quem quer que sejam vocs, e vocs se entregarem a mim, num

    desafio ao mundo!

    Oh, retornar ao Paraso! acanhados e femininos! Oh, puxar vocs para mim, e plantar em vocs pela primeira vez os lbios de um homem

    decidido.

    Oh, o quebra-cabea, o n de trs voltas, o poo fundo e escuro tudo isso a se desatar e a se iluminar!

    Oh, precipitar-me onde finalmente haver espao e ar o bastante!

    Ser absolvido de laos e convenes prvias, eu dos meus e vocs dos seus! Encontrar uma nova relao desinteressada com o que h de melhor na Natureza! Tirar da boca a mordaa!

    Ter hoje ou todos os dias o sentimento de que sou suficiente como sou!

    Oh, qualquer coisa ainda no experimentada! Qualquer coisa em transe!

    Escapar totalmente aos grilhes e ncoras dos outros!

    Libertar-me! Amar livremente! Arremeter perigosa e imprudentemente! Cortejar a destruio com zombarias e convites!

    Ascender, galgar os cus do amor que foi indicado para mim!

    Subir at l com minha alma inebriada! Perder-me, se preciso for!

    Alimentar o resto da vida com uma hora de completude e liberdade!

    Com uma hora breve de loucura e alegria.

  • Vida

    Sempre a indesencorajada alma do homem resoluta indo luta.

    (Os contingentes anteriores falharam?

    Pois mandaremos novos contingentes e outros mais novos.)

    Sempre o cerrado mistrio

    de todas as idades deste mundo

    antigas ou recentes; sempre os vidos olhos, hurras, palmas

    de boas-vindas, o ruidoso aplauso;

    sempre a alma insatisfeita, curiosa e por fim no convencida,

    lutando hoje como sempre,

    batalhando como sempre.

  • Milagres

    Ora, quem acha que um milagre alguma coisa de especial? Por mim, de nada sei que no sejam milagres:

    ou ande eu pelas ruas de Manhattan,

    ou erga a vista sobre os telhados na direco do cu,

    ou pise com os ps descalos

    bem na franja das guas pela praia,

    ou fale durante o dia com uma pessoa a quem amo, ou v de noite para a cama com uma pessoa a quem

    /amo,

    ou mesa tome assento para jantar com os outros, ou olhe os desconhecidos na carruagem

    de frente para mim,

    ou siga as abelhas atarefadas junto colmeia antes do meio-dia de vero

    ou animais pastando na campina

    ou passarinhos ou a maravilha dos insectos no ar,

    ou a maravilha de um pr-de-sol ou das estrelas cintilando to quietas e brilhantes,

    ou o estranho contorno delicado e leve

    da lua nova na primavera, essas e outras coisas, uma e todas

    para mim so milagres, umas ligadas s outras

    ainda que cada uma bem distinta e no seu prprio lugar.

    Cada momento de luz ou de treva para mim um milagre,

    milagre cada polegada cbica de espao,

    cada metro quadrado da superfcie da terra por milagre se estende, cada p

    do interior est apinhado de milagres.

    O mar para mim um milagre sem fim: os peixes nadando, as pedras,

    o movimento das ondas,

    os navios que vo com homens dentro existiro milagres mais estranhos?

  • Das Pessoas que Atingem Posies Elevadas

    Das pessoas que atingem posies elevadas, cerimnias, riqueza, erudio, e similares:

    para mim tudo isso a que chegam tais pessoas

    afunda diante delas a no ser quando acrescenta um resultado qualquer para seus corpos e almas de modo que elas muitas vezes me parecem

    desajeitadas e nuas, e para mim

    uma est sempre zombando das outras e a zombar dele mesmo ou dela mesma,

    e o cerne da vida de cada qual

    (a que se d o nome de felicidade) est cheio de ptrido excremento de larvas,

    e para mim muitas vezes esses homens e mulheres

    passam sem testemunhar as verdades da vida e andam correndo atrs de coisas falsas,

    e para mim so muitas vezes pessoas

    que pautam as suas vidas por um hbito

    que a elas foi imposto, e nada mais, e para mim gente triste muitas vezes,

    gente afobada, estremunhados sonmbulos

    tacteando no escuro.

  • Pensamentos

    Da propriedade como se algum apto a possuir coisas no pudesse

    entrar na posse delas vontade

    e incorpor-las, a ele ou a ela; da vista pressupe um olhar para trs, atravessando o caos em formao

    a imaginar a evoluo, a plenitude, a vida

    a que se chega na jornada agora (eu porm vejo a estrada continuando,

    e a jornada sempre a continuar);

    do que uma vez faltava sobre a terra e que a seu tempo foi propiciado

    e do que ainda est por ser propiciado, pois tudo o que eu vejo e sei creio ter seu sentido mais profundo

    no que ainda est por ser propiciado.

  • Quando Analiso a Conquistada Fama

    Quando analiso a conquistada fama dos heris

    e as vitrias dos grandes generais,

    no sinto inveja desses generais nem do presidente na presidncia

    nem do rico na sua vistosa manso;

    mas quando eu ouo falar

    do entendimento fraterno entre dois amantes, de como tudo se passou com eles,

    de como juntos passaram a vida

    atravs do perigo, do dio, sem mudana por longo e longo tempo atravessando

    a juventude e a meia-idade e a velhice

    sem titubeios, de como leais e afeioados se mantiveram

    a ento que eu me ponho pensativo e saio de perto pressa

    com a mais amarga inveja.

  • Mquina Alguma de Poupar Trabalho

    Mquina alguma de poupar trabalho eu fiz, nada inventei,

    nem sou capaz de deixar para trs

    nenhum rico donativo para fundar um hospital ou uma biblioteca,

    reminiscncia alguma

    de um acto de bravura pela Amrica,

    nenhum sucesso literrio ou intelectual, nem mesmo um livro bom para as estantes

    apenas uns poucos cantos vibrando no ar eu deixo aos camaradas e amantes.

  • A Base de Toda a Metafsica

    E agora, cavalheiros, eu vos deixo uma palavra

    que fique nas vossas mentes

    e nas vossas memrias como princpio e tambm como fim

    de toda a metafsica.

    (Tal qual o professor aos estudantes ao encerrar o seu curso repleto.)

    Tendo estudado antigos e modernos, sistemas dos gregos e dos germnicos,

    tendo estudado e situado Kant,

    Fichte, Schelling e Hegel, situado a doutrina de Plato,

    e Scrates superior a Plato,

    e outros ainda superiores a Scrates

    buscando pesquisar e situar, tendo estudado bastante o divino Cristo,

    eu vejo hoje reminiscncias daqueles

    sistemas grego e germnico, deparo todas as filosofias,

    templos e dogmas cristos encontro,

    e mesmo sem chegar a Scrates eu vejo

    com absoluta clareza, e sem chegar at o divino Cristo,

    eu vejo

    o puro amor do homem por seu camarada, a atrao de um amigo pelo amigo,

    de uma mulher pelo marido e vice-versa

    quando bem conjugados, de filhos pelos pais, de uma cidade

    por outra, de uma terra

    por outra.

  • Do Inquieto Oceano da Multido

    Do inquieto oceano da multido veio a mim uma gota gentilmente

    suspirando:

    Eu te amo, h longo tempo fiz uma extensa caminhada apenas

    para te olhar, tocar-te,

    pois no podia morrer sem te olhar uma vez antes,

    com o meu temor de perder-te depois.

    Agora nos encontramos e olhamos, estamos salvos,

    retorna em paz ao oceano, meu amor, tambm sou parte do oceano, meu amor,

    no estamos assim to separados,

    olha a imensa curvatura,

    a coeso de tudo to perfeito! Quanto a mim e a ti,

    separa-nos o mar irresistvel

    levando-nos algum tempo afastados, embora no possa afastar-nos sempre:

    no fiques impaciente um breve espao e fica certa de que eu sado o ar,

    a terra e o oceano, todos os dias ao pr-do-sol

    por tua amada causa, meu amor.

    HMEN! HIMENEU!

    O hmen! O himeneu! Por que, me atormentas assim?

    Por que, me provocas s

    durante um breve momento?

    Por que que no continuas? Por que, perdes logo a fora?

    Ser porque, se durasses

    alm do breve momento, logo me matarias

    com certeza?

  • O Macho

    O macho no menos a alma, nem mais:

    ele tambm est no seu lugar,

    ele tambm todo qualidades, aco e fora,

    nele se encontra

    o fluxo do universo conhecido,

    fica-lhe bem o desdm, ficam-lhe bem os apetites e a ousadia,

    o maior entusiasmo e as mais profundas paixes

    ficam-lhe bem: o orgulho cabe a ele, orgulho de homem potncia mxima

    calmante e excelente para a alma,

    fica-lhe bem o saber e ele o aprecia sempre, tudo ele chama experincia prpria,

    qualquer que seja o terreno,

    quaisquer que sejam o mar e o vento,

    no fim aqui que ele faz a sondagem. (Onde mais lanaria ele a sonda,

    seno aqui?)

    Sagrado o corpo do homem

    como sagrado o corpo da mulher,

    sagrado no importa de quem seja. o mais humilde numa turma de operrios? um dos imigrantes de face turva

    apenas desembarcados no cais?

    So todos daqui ou de qualquer parte, da mesma forma que os bem situados,

    da mesma forma que qualquer um de vocs:

    cada qual h-de ter na procisso o lugar dele ou dela.

    (Tudo uma procisso,

    todo o universo uma procisso em movimento medido e perfeito.)

    Sabero vocs tanto, de si mesmos, que ao mais humilde chamem de ignorante?

    Consideram-se com todo direito a uma boa viso

    e a ele ou ela sem nenhum direito a uma viso? Acham ento que a matria se fez coesa

    na inconsistncia em que flutuava

    e que a crosta subiu e se fez cho

    e as guas correm e brotam as plantas para vocs, s para ele e ela, nada?

  • Esta a Forma Fmea

    Esta a forma fmea: dos ps cabea dela exala um halo divino,

    ela atrai com ardente

    e irrecusvel poder de atrao, eu me sinto sugado pelo seu respirar

    como se eu no fosse mais

    que um indefeso vapor

    e, a no ser ela e eu, tudo se pe de lado artes, letras, tempos, religies, o que na terra slido e visvel,

    e o que do cu se esperava e do inferno se temia,

    tudo termina:

    estranhos filamentos e renovos incontrolveis vm tona dela,

    e a aco correspondente

    igualmente incontrolvel;

    cabelos, peitos, quadris, curvas de pernas, displicentes mos caindo

    todas difusas, e as minhas tambm difusas,

    mar de influxo e influxo de mar, carne de amor a inturgescer de dor

    deliciosamente,

    inesgotveis jactos lmpidos de amor

    quentes e enormes, trmula gelia de amor, alucinado

    sopro e sumo em delrio;

    noite de amor de noivo certa e maciamente laborando

    no amanhecer prostrado,

    a ondular para o presto e proveitoso dia, perdida na separao do dia

    de carne doce e envolvente.

    Eis o ncleo depois vem a criana nascida de mulher,

    vem o homem nascido de mulher;

    eis o banho de origem, a emergncia do pequeno e do grande,

    e de novo a sada.

    No se envergonhem, mulheres:

    de vocs o privilgio de conterem

    os outros e darem sada aos outros

    vocs so os portes do corpo e so os portes da alma.

    A fmea contm todas as qualidades e a graa de as temperar,

    est no lugar dela e movimenta-se

    em perfeito equilbrio,

    ela todas as coisas devidamente veladas, ao mesmo tempo passiva e activa,

  • e est no mundo para dar ao mundo

    tanto filhos como filhas,

    tanto filhas como filhos. Assim como na Natureza eu vejo

    minha alma refletida,

    assim como atravs de um nevoeiro, eu vejo Uma de indizvel plenitude

    e beleza e sade,

    com a cabea inclinada e os braos

    cruzados sobre o peito a Fmea eu vejo.

  • Esto Todas as Verdades Espera em Todas as Coisas

    Esto todas as verdades espera em todas as coisas:

    no apressam o prprio nascimento

    nem a ele se opem, no carecem do frceps do obstetra,

    e para mim a menos significante

    grande como todas.

    (Que pode haver de maior ou menor que um toque?)

    Sermes e lgicas jamais convencem o peso da noite cala bem mais

    fundo em minha alma.

    (S o que se prova

    a qualquer homem ou mulher,

    que ;

    s o que ningum pode negar, que .)

    Um minuto e uma gota de mim tranquilizam o meu crebro:

    eu acredito que torres de barro

    podem vir a ser lmpadas e amantes,

    que um manual de manuais a carne de um homem ou mulher,

    e que num pice ou numa flor

    est o sentimento de um pelo outro, e ho-de ramificar-se ao infinito

    a comear da

    at que essa lio venha a ser de todos, e um e todos nos possam deleitar

    e ns a eles.

    Fonte:

    http://www.citador.pt/poemas/a/walt-whitman http://www.arquivors.com/

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