poder normativo CONAMA

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Rev. Jur., Brasília, v. 10, n. 90, Ed. Esp., p.01-11, abr./maio, 2008 www.planalto.gov.br/revistajuridica

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O poder normativo do CONAMA

Luiz Fernando Villares1

Sumário: 1. Introdução - 2. Direito como prática social - 3. Pensando o direito - 4.

Pressupostos jurídicos, políticos e de existência - 5. Conclusão - Referências

1. Introdução

Das sociedades antigas à contemporânea todas possuíram algum sistema de normas

que regiam as atividades humanas para conservação dos recursos naturais. Sistemas que

procuravam garantir a continuidade das relações humanas de apropriação dos recursos

naturais.

Os diversos sistemas normativos refletem as possibilidades e necessidades de cada

coletividade, ou seja, são complexos de acordo com a complexidade das questões

colocadas à sua resolução (restando claro que não se deve confundir complexidade com

evolução).

O mesmo argumento é apresentado, sob outro ponto de vista, quando DASGUPTA et

al2 concluem que países pobres cuja economia é centrada na agricultura focam a proteção

legal na conservação dos recursos naturais, enquanto países urbanizados e industrializados

centram suas legislações em questões mais complexas, como o combate à poluição da água

e do ar. Enfim, a complexidade das relações de produção econômica de uma sociedade

ditam, em regra, a complexidade dos sistemas sociais de conservação dos recursos

naturais.

1 Consultor Jurídico do Ministério do Meio Ambiente. Mestre em Ciências Ambientais pelo PROCAM/USP e professor de Direito Ambiental. 2 DASGUPTA, Susmita; WHEELER, David; MODY, Ashoka. Environmental regulation and development: a cross-country empirical analysis. 1999. (World Bank Policy Research Working Paper n. 1448)

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A sociedade contemporânea (urbana, industrial – inclusive na forma de produção

agrícola – e capitalista) exige um constante aperfeiçoar de técnicas produtivas que

assegurem a continuidade das bases de produção econômica.

A evolução da técnica na direção de um novo sistema produtivo tem dois principais

motores, criar novas necessidades a fim de seduzir os consumidores e diminuir o impacto

ambiental. Duas razões que ora se excluem, ora se confundem.

Contudo, adotar um sistema produtivo menos degradante, em detrimento de outro

com maior impacto ambiental, é possível com o avançar da técnica e da ciência, não

primordialmente pelo respeito transcendental à natureza, e sim para continuidade intrínseca

da atividade humana.

Sendo o novo sistema produtivo possível tecnicamente, é necessária uma pactuação

social entre diversos atores com a finalidade de garantir sua adoção. Nas atividades mais

perceptíveis aos cidadãos/consumidores, a nova forma de produção pode ser utilizada como

trunfo para quem a adota, no entanto, as atividades com maior impacto ambiental,

notadamente as indústrias de matérias-primas e infra-estrutura, que não têm uma relação

direta com o consumidor final, requerem um nivelamento concorrencial entre os diversos

produtores.

Essa pactuação por um novo modelo de produção pode ser realizada através de

inúmeros instrumentos, mas é evidente que o instrumento preferido para organizar a

sociedade contemporânea é o direito.

Dentro de suas diversas divisões temáticas (com valor apenas didático), cabe ao

Direito Ambiental a justa regulação entre as relações dos homens na apropriação da

natureza. No entanto, há uma constante tensão entre apropriação e conservação dos

recursos naturais, pois a quantidade e forma de sua apropriação é o verdadeiro limite ao

compromisso pela manutenção das bases produtivas.

O próprio Direito Ambiental carrega consigo a tensão de manter as bases produtivas

da sociedade, ao mesmo tempo que caminha ameaçado pela necessidade de alterá-las. Ou

seja, manter as coisas como elas são quando possíveis e desejadas, encarregando de

transformá-las se possível e necessário. Nos diz Cristiane DERANI3 que as normas de

proteção ao meio ambiente não trazem mudanças radicais na relação homem natureza,

contendo em sua maioria prescrições de caráter quantitativo.

3 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 77.

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Definidos os limites da ação e os seus objetivos, há necessidade de entender o

Direito Ambiental como sistema jurídico.

As crises ecológicas e a evolução do pensamento jurídico talvez sejam os fatores que

despertaram a atenção para que o Direito Ambiental fosse destacado como disciplina no

final do século XX. Por ser fenômeno social, o direito guarda íntima ligação com o passado,

com as decisões políticas e com o desenvolvimento dos países. Há uma evidente

continuidade histórica de seus institutos e soluções, que, em menor ou maior grau,

dependendo de cada sociedade, país e da reunião de fatos históricos, representam a

manutenção das coisas como elas estão ou são instrumentos de alteração do poder

constituído, dentro das regras anteriormente estabelecidas.

No Brasil, o Direito Ambiental tem ligação umbilical com as disciplinas do Direito

Público, principalmente o Direito Administrativo. Por ser o direito ao meio ambiente um

direito coletivo e, principalmente, por exigir uma ação contundente do Estado na sua

promoção, coube, a princípio, a utilização dos instrumentos e o regramento do Direito

Administrativo para a proteção ao meio ambiente.

O patrimônio ambiental, em seus mais diferentes bens, teve sua primeira proteção

como patrimônio do Estado.

No entanto, o Direito Ambiental se desvinculou dos outros ramos, tendo em vista a

inadequação dos emprestados institutos para seus modos de ação e objetivos. Hoje possui

legislação abrangente, princípios claros, campo de atuação bem definido, conceitos próprios,

cientistas e professores a ele dedicados de forma exclusiva, publicações, congressos e

seminários são feitos sobre o tema, o que demonstra sua plena autonomia científica e

sistêmica.

Passada a já extensa, mas necessária introdução, de se esclarecer que o presente

artigo é defesa intransigente de um instrumento do Direito Ambiental brasileiro, a

regulamentação dos padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado

e essencial à sadia qualidade de vida pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente –

CONAMA.

2. Direito como prática social

Direito é prática social, mais que o texto escrito, que se torna legítimo como

instrumento de organização da sociedade num constante processo de embate e negociação.

Quanto mais participativo e democrático esse processo, maior seu grau de aceitação social.

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Não se pode resumir essa complexidade das relações sociais de produção

econômica e normativa, típica de nossa sociedade contemporânea, na idéia de um único

órgão exclusivo da competência de produzir normas, o Poder Legislativo. Essa concepção

liberal-positivista do direito foge à confrontação com realidade atual e com a própria Ciência

Política e a Ciência do Direito.

Impossível negar a necessidade de produção legislativa ao Poder Executivo4 e outros

órgãos estatais e privados, fenômeno conhecido atualmente como pluralismo jurídico.

O pressuposto de uma divisão absolutamente radical das funções políticas é herança

do liberalismo de LOCKE, que não deve ser aplicado hoje de forma acrítica. A idéia universal

de três poderes independentes e harmônicos entre si não superou o liberalismo clássico e

não permitiria ao Estado brasileiro ter novas instituições de importância como o Ministério

Público e o Tribunal de Contas da União.

Da mesma forma, o CONAMA revela empiricamente sua importância, como local

adequado à necessária pactuação, a envolver o Estado, o setor produtivo e as entidades

ambientalistas para o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental. Aliás, órgão

legiferante do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) instituído por própria

disposição do Poder Legislativo, quando foi estabelecida a Política Nacional do Meio

Ambiente pela Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981.

A competência do CONAMA é definida pelo art. 8º da Lei n. 6.938/81, com redação

dada pela lei n. 7.804/89, abrangendo as seguintes atribuições:

I - estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o

licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser

concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA; (Redação dada pela

Lei nº 7.804, de 1989)

VI - estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais de controle da

poluição por veículos automotores, aeronaves e embarcações, mediante

audiência dos Ministérios competentes;

VII - estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à

manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos

recursos ambientais, principalmente os hídricos.

4 Uma abordagem clássica sobre a superação da idéia liberal de separação dos poderes e da necessidade e verificação empírica do poder de estabelecer atos normativos pelo Poder Executivo, sobretudo, da importância das medidas provisórias ao ordenamento jurídico brasileiro é encontrada em SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007.

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Importante é chamar atenção para composição do CONAMA, pois a diversidade de

seus integrantes e o equilíbrio das representações da União, Estados, Municípios e

entidades ambientalistas, trazem coesão e legitimidade para suas decisões. Atualmente, o

Decreto n. 99.274, de 6 de junho de 1990, com alterações trazidas pelo Decreto n. 3.942, de

27 de setembro de 2001, regulamenta a constituição e funcionamento do CONAMA.

A União conta com representantes de todos os ministérios, secretarias da

Presidência da República e comandos militares. A Ministra de Estado do Meio Ambiente é

sua presidente, cabendo ao Ministério do Meio Ambiente também sua secretaria-executiva e

representação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis -

IBAMA e da Agência Nacional de Águas - ANA.

Todos os Estados da Federação possuem um representante. Oito são escolhidos

dentre os Municípios que possuam órgão ambiental estruturado e conselho de meio

ambiente com caráter deliberativo.

Vinte e um são os representantes das entidades não-governamentais de

trabalhadores e da sociedade civil. Notável é a diversificação da representação da sociedade

civil, distribuída de modo equilibrado entre entidades ambientalistas, profissionais,

científicas, empresariais e representantes de populações tradicionais.

Pode-se ver da simples análise da composição do CONAMA ou mesmo do

acompanhamento de uma de suas plenárias, que impera o equilíbrio e a negociação entre

as diversas representações. Não prevalece a representação da União ou dos Estados, que

nunca são homogêneos em sua linha de atuação, pois são diversos os interesses dos

diversos órgãos representados. Ao contrário do que se poderia imaginar, não é freqüente

que as representações da União e dos Estados votem em bloco: são diferentes as

composições na mesma medida em que diferem os interesses envolvidos nas questões

debatidas.

A legitimidade material das decisões do CONAMA reside na negociação entre os

diversos representantes, que trazem voz aos muitos interesses sociais, no momento da

produção normativa. Como já foi dito, é característica da norma ambiental, e das Resoluções

do CONAMA, o desejo e a possibilidade de mudança nos processos produtivos. Propostas

de Resoluções impossíveis de serem cumpridas pelo estado do avanço tecnológico ou por

questões econômicas são descartadas ou modificadas de plano.

Juridicamente, a legitimidade do CONAMA de legislar sobre questões ambientais foi

reconhecida pelo Poder Judiciário, através de seus órgãos máximos, o Supremo Tribunal

Federal e o Superior Tribunal de Justiça, em inúmeros julgamentos, sendo a ementa

transcrita abaixo um exemplo:

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RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE REGISTRO DE LOTEAMENTO ÀS

MARGENS DE HIDRELÉTRICA. AUTORIZAÇÃO DA MUNICIPALIDADE.

IMPUGNAÇÃO OFERECIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ÁREA DE

PROTEÇÃO AMBIENTAL. RESOLUÇÃO N. 4/85-CONAMA. INTERESSE

NACIONAL. SUPERIORIDADE DAS NORMAS FEDERAIS.

No que tange à proteção ao meio ambiente, não se pode dizer que há

predominância do interesse do Município. Pelo contrário, é escusado afirmar

que o interesse à proteção ao meio ambiente é de todos e de cada um dos

habitantes do país e, certamente, de todo o mundo.

Possui o CONAMA autorização legal para editar resoluções que visem à

proteção das reservas ecológicas, entendidas como as áreas de

preservação permanentes existentes às margens dos lagos formados por

hidrelétricas. Consistem elas normas de caráter geral, às quais devem estar

vinculadas as normas estaduais e municipais, nos termos do artigo 24,

inciso VI e §§ 1º e 4º, da Constituição Federal e do artigo 6º, incisos IV e V,

e §§ 1º e 2º, da Lei n. 6.938/81.

Uma vez concedida a autorização em desobediência às determinações

legais, tal ato é passível de anulação pelo Judiciário e pela própria

Administração Pública, porque dele não se originam direitos.

A área de 100 metros em torno dos lagos formados por hidrelétricas, por

força de lei, é considerada de preservação permanente e, como tal, caso

não esteja coberta por floresta natural ou qualquer outra forma de vegetação

natural, deve ser reflorestada, nos termos do artigo 18, caput, do Código

Florestal.

Qualquer discussão a respeito do eventual prejuízo sofrido pelos

proprietários deve ser travada em ação própria, e jamais para garantir o

registro, sob pena de irreversível dano ambiental.

Segundo as disposições da Lei 6.766/79, "não será permitido o

parcelamento do solo em áreas de preservação ecológica (...)" (art.3º, inciso

V). Recurso especial provido.

(REsp 194.617/PR, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA,

julgado em 16.04.2002, DJ 01.07.2002 p. 278)

Entretanto, por mais que seja iluminada a importância do órgão legislativo, nunca se

pode esquecer de que editar textos normativos – constitucionais, legais ou infralegais – é um

dos momentos de vivificação do direito. O CONAMA deve ser considerado apenas um órgão

que produz regulamentações sobre questões ambientais. O texto normativo produzido por

ele é uma cristalização das forças sociais e do estado da técnica no momento da aprovação

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de qualquer de suas resoluções. Publicado o texto normativo ele é apropriado pelos diversos

atores sociais (Poder Judiciário, Poder Legislativo e Executivo da União, dos Estados e dos

Municípios; setor produtivo; cidadãos; entidades ambientalistas; imprensa; partidos políticos

etc.) com suas ações de interpretação e aplicação que transformam o texto árido em norma.

Todas as pessoas e instituições constroem diariamente o direito! Desse pressuposto,

é impossível concluir, como querem os críticos, que algumas resoluções do CONAMA

nascem irremediavelmente contrárias ao direito posto, pois é a interpretação que constrói o

sentido da norma.

Se a crítica é dirigida à forma (ou à possibilidade de um órgão legiferante que não o

clássico Poder Legislativo) ela desconsidera o desenvolvimento do Direito enquanto Ciência

e a absorção de novos postulados que vão além do liberalismo clássico, bem como

desconsidera o Direito Ambiental como o ramo que exige novos conceitos e institutos para

cuidar de uma realidade complexa. A crítica ao conteúdo, analisada a insubsistência técnica-

jurídica a seguir, ignora o direito como prática social, que requer a constante construção da

norma no processo de sua aplicação e não no fetichismo do texto legal.

3. Pensando o direito

Projeto do Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento chamado Pensando o Direito é chamamento público às instituições

universitárias para realização de pesquisa sobre produção legislativa. Um dos projetos de

pesquisa escolhidos na seleção chama-se As resoluções do CONAMA e o princípio da

legalidade: a proteção ambiental à luz da segurança jurídica, da Pontifícia Universidade

Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS).

Foram pesquisadas e criticadas inúmeras resoluções do CONAMA e sua possível

confrontação com os princípios jurídicos da legalidade, da reserva legal e da segurança

jurídica.

Para a exata compreensão da questão será necessário analisar os argumentos

trazidos pelo estudo, mas não se podem perder de vista algumas premissas essenciais para

se entender o debate acadêmico sobre o Direito Ambiental. Faz-se necessário, ainda que a

cordialidade do debate acadêmico brasileiro não seja muito favorável a tanto, contextualizar

as escolas de pensamento sobre o Direito, para entender a substância dos questionamentos

da legalidade das resoluções do CONAMA.

Estudos da sociologia jurídica e história do direito dizem da forte influência do

liberalismo clássico no pensamento jurídico brasileiro. Essa herança jusfilosófica explica a

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tendência de se a considerar o Estado como restritor da liberdade individual, permitindo

apenas à reunião de nossos pares o estabelecimento de regras necessárias ao bem viver

social. Dos pensadores liberais e da Revolução Francesa surge a idéia de parlamento e de

lei escrita como único limite ao agir individual. Nada mais ultrapassado!

Doutrina que influenciou ainda mais o pensamento jurídico brasileiro foi o positivismo

jurídico. Baseado numa lógica formal, confundia o direito com o Estado, pois este fundado

em uma constituição e leis escritas, numa hierarquia científica.

O pensamento europeu superou o liberalismo e o positivismo por meio da teoria dos

direitos fundamentais, que passa a enxergar o Estado como promotor de direitos, através de

políticas públicas que superem a desigualdade. Nada mais natural que a possibilidade do

Poder Executivo legislar sobre determinados assuntos, para que as políticas por ele

escolhidas sejam executadas fielmente. Mais prática é a escola americana da Ciência

Política, que identifica o direito como processo de tomada de decisão – podendo ser

confundido com a política – e atribui aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário papéis

cooperativos e não exclusivos. Sua abordagem é próxima das ciências sociais que não

cultuam o direito como sistema completo e ahistórico.

Deixando um pouco o debate mais geral, o Direito Ambiental é disciplina

relativamente nova no direito brasileiro. Seus marcos iniciais são encontrados na década de

80 do século XX, com um avanço tímido da legislação sobre meio ambiente. Apenas no final

do século há uma maior organicidade do Direito Ambiental, com a conquista do Capítulo do

Meio Ambiente na Constituição de 1988, com o fortalecimento do CONAMA como local de

diálogo e definição de padrões, com a conferência do Rio de Janeiro de 1992 e com a

publicação de algumas legislações específicas da matéria. Correlata é a preocupação de

algumas universidades com a questão, a organização de seminários e conferências e as

diversas publicações sobre Direito Ambiental.

Apesar de disciplina nova, que surge para equacionar uma nova realidade de

problemas, há quem questione seus institutos com o paradigma de outras disciplinas

jurídicas. Costumeiramente, são os doutrinadores do Direito Civil, quando se trata de

restrições à propriedade privada, do Direito Administrativo e Constitucional, nas questões a

envolver a ação do Estado, ou do Direito Penal, em relação às sanções penais às atividades

criminosas contra o meio ambiente, que se insurgem contra os novos conceitos e institutos

do Direito Ambiental. São profissionais especialistas em Direito Ambiental, mas de

solidamente formados com os pressupostos de outros ramos do direito. Fica claro que o

projeto de pesquisa escolhido para o presente tema possui uma forte vinculação com o

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Direito Administrativo, quase que desconsiderando os últimos anos de avanço sobre as

questões ambientais pelo Direito Ambiental.

Não se quer afastar a crítica de outras disciplinas, pois necessária a

interdisciplinaridade, mas tão-somente se repudia o movimento de conformação do Direito

Ambiental às gavetas pré-concebidas de outras disciplinas e, sobretudo, da nova realidade

construída pelo direito ao conservadorismo. O Direito Ambiental tem princípios e institutos

próprios, resultado de um acúmulo de questões a serem resolvidas e da construção de outro

marco jurídico.

4. Pressupostos jurídicos, políticos e de existência

O CONAMA é órgão legiferante do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA.

Deve-se entender o SISNAMA e o CONAMA como órgãos nacionais que procuram dar

unicidade temática às competências e políticas desenvolvidas pela União, Estados e

Municípios, tanto no que se refere à Administração direta como a indireta. Não são,

SISNAMA e CONAMA, órgãos federais com ingerência nos entes federados. Como já foi

dito, sua legitimidade provém da participação ativa dos seus componentes e suas normas

são queridas e aceitas para da organicidade ao sistema. Não há hierarquia entre o

SISNAMA, CONAMA e os entes federados, mas competências e papéis diferenciados numa

lógica de integração e complementaridade.

Os sistemas nacionais (do meio ambiente, da saúde, do consumidor etc.) não se

estruturam sob os limites estreitos dos entes da Federação, mas, são fórmula de coexão

para as políticas públicas, evitando que os esforços corram em sentidos diversos ou mesmo

que paralelamente, num desperdício de recursos e iniciativas públicas.

Na prática diária todos os representantes-membros podem apresentar propostas de

resoluções nas Câmaras Técnicas e proposições, recomendações e moções diretamente ao

Plenário do CONAMA.

O receio de que os órgãos e competências previstas no SISNAMA afrontem as

competências constitucionais não se justifica. Prevalece a competência material da União,

dos Estados e Municípios de desenvolver suas ações em prol do meio ambiente. No que

tange as competências legislativas, o CONAMA deve ser considerado órgão legislativo que

produz normas unificadoras e gerais, prevalecendo a competência legislativa do Poder

Legislativo da República. Os poderes legislativos de Estados e Municípios também não são

derrogados por normas do CONAMA, permanecendo na sua competência concorrente em

matéria ambiental, nos termos da Constituição e da ampla doutrina jurídica.

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Corroborando o fato do CONAMA preservar as competências dos entes federativos,

nunca Estados e Municípios se opuseram frontalmente à competência regulamentar do

CONAMA, pois integrantes de seu Plenário e do SISNAMA, que lhes servem às suas

dificuldades de resolver problemas na gestão da questão ambiental. Sequer há uma

ausência de participação dos representantes, o que transpareceria a inadequabilidade do

instrumento, mas um acompanhamento passo a passo de suas reuniões e deliberações.

Em seu papel regulamentar o CONAMA obedece primeiro à Constituição e depois a

legislação emanada do Poder Legislativo e os princípios do Direito Ambiental. Sem dúvida

nenhuma, respeita o princípio jurídico da legalidade em suas resoluções, ainda que

estabelecendo normas gerais e impessoais, que por vezes trazem obrigações aos cidadãos.

Obrigações essas que se previstas em suas resoluções têm como paradigma toda legislação

ambiental brasileira.

Não parece lógico, política e juridicamente, que as resoluções do CONAMA sejam

consideradas menores e inferiores, hierarquicamente ou não, a ato regulamentar do Poder

Executivo. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente quis dar às resoluções do CONAMA

caráter uniformizador e integrativo, de norma geral ambiental, a vincular todo o sistema que

lhe dá suporte. Justificar a subsunção das normas do CONAMA a ato do chefe do Poder

Executivo da União ou dos Estados é também inviável politicamente, pois de um

autoritarismo atroz, tendo em vista desconsiderar de modo unilateral uma decisão tomada no

conjunto de representantes do Estado e da sociedade. Ademais, seria perder

completamente os papéis integrativos e unificadores que são a própria essência das

resoluções.

Analisar cada uma das resoluções do CONAMA foge do escopo deste artigo.

Contudo, é de se noticiar que a Consultoria Jurídica do Ministério do Meio Ambiente fez

estudo ainda não concluído que aponta em sentido diverso das conclusões do relatório

produzido para o projeto Pensando o Direito quando aponta a ilegalidade de algumas

resoluções. Ainda que não se descarte a possibilidade de uma ou outra falha ser corrigida,

conclusões e sugestões a serem encaminhadas pelo MMA à apreciação do CONAMA, as

resoluções apontadas têm amparo constitucional e legal.

5. Conclusão

A análise sobre as competências e o teor das resoluções não pode ignorar o fato que

o CONAMA é um órgão normativo previsto em Lei, reconhecido pela União, Estados e

Municípios, por todos seus Poderes, que produziu desde 1984 mais de 350 resoluções. É

exemplo exitoso, pois não se conhece decisão administrativa, judicial ou legislativa

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importante que tenha negado legitimidade ou validade formal das resoluções. Quanto aos

questionamentos materiais, as decisões judiciais são em absoluta maioria reconhecedoras

da sua legalidade e constitucionalidade.

Não há maior segurança jurídica demonstrada pelo funcionamento por 25 anos

ininterruptos de um sistema normativo pleno de legitimidade democrática, por congregar

diferentes representantes do Estado e da sociedade, sendo aceito por todos de forma

inquestionável em suas bases e princípios. Um sistema que luta pela efetividade da

Constituição da República de 1988 e pelo respeito à legislação ambiental brasileira, tendo a

gloriosa tarefa de traduzir os princípios e regras gerais na matéria ambiental em resoluções

para execução de uma Política Nacional do Meio Ambiente pela União, Estados, Municípios

e pelo conjunto da sociedade. Vida longa ao CONAMA!

Referências

DASGUPTA, Susmita; WHEELER, David; MODY, Ashoka. Environmental regulation and

development: a cross-country empirical analysis. 1999. (World Bank Policy Research

Working Paper, n. 1448).

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001.

SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São

Paulo: Malheiros, 2007.