Pobreza e Exclusao Social e Educação
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educao e Humanidades
Faculdade de Educao
Antonia Valbenia Aurlio Rosa
Pobreza e Educao: um estudo terico-epistemolgico sobre a produo
do conhecimento no perodo de 2000 a 2010
Rio de Janeiro
2012
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Antonia Valbenia Aurlio Rosa
Pobreza e Educao: um estudo terico-epistemolgico sobre a produo do
conhecimento no perodo de 2000 a 2010
Dissertao apresentada, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Educao, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. rea de concentrao: Educao.
Orientadora: Profa. Dra. Carmen Lcia Guimares de Mattos
Rio de Janeiro
2012
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CATALOGAO NA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
Autorizo, apenas para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta dissertao. ___________________________________ _______________ Assinatura Data
R788 Rosa, Antonia Valbenia Aurlio. Pobreza e Educao : um estudo terico-epistemolgico sobre a produo do conhecimento no perodo de 2000 a 2010 / Antonia Valbenia Aurlio Rosa. 2012. 169 f. Orientadora: Carmen Lcia Guimares de Mattos. Dissertao (Mestrado) Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Faculdade de Educao. 1.Pobreza Teses. 2. Democratizao da educao Teses. 3. Desenvolvimento econmico Efeito da educao Teses. 4. Educao
Aspectos Sociais. 5. Literatura cientfica. 6. Publicaes cientficas. I. Mattos, Carmen Lcia Guimares de. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Educao. III. Ttulo.
es CDU 37.014.53
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Antonia Valbenia Aurlio Rosa
Pobreza e Educao: um estudo terico-epistemolgico sobre a produo do conhecimento no perodo de 2000 a 2010
Dissertao apresentada, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Educao, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. rea de concentrao: Educao.
Aprovada em 05 de Setembro de 2012. Banca Examinadora:
_____________________________________________ Prof. Dr. Carmen Lcia Guimares de Mattos (Orientadora) Faculdade de Educao da UERJ
_____________________________________________ Profo. Dro. Luiz Antonio Gomes Senna Faculdade de Educao da UERJ
_____________________________________________ Prof. Dr. Paula Almeida de Castro Universidade Estadual da Paraba UEPB _____________________________________________ Prof. Dr. Sandra Cordeiro de Melo Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ
Rio de Janeiro
2012
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DEDICATRIA
Aos meus pais, Jos Augusto Rosa (in memoriam) e Liduna Aurlio do Nascimento Rosa, por acreditarem na educao. Ao meu marido, Miguel Neto, pelo incentivo.
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AGRADECIMENTOS
A Deus pela proteo.
minha orientadora, Profa. Dra Carmen Lcia Guimares de Mattos, por acreditar no
meu trabalho, pelo apoio e confiana.
Aos professores do Programa de Ps-graduao em Educao ProPEd, pela
contribuio acadmica ao longo do curso de Mestrado.
minha famlia pelo constante apoio, carinho e dedicao.
Ao meu marido, presente e ausente, por compreender, acreditar e apoiar.
equipe netEDU pelo acolhimento e contribuies acadmicas, em especial, Paula
Castro, Suziane Vasconcellos, Tatiana Fagundes, Daiane Costa, Flvia Mesquita e Juliana
Oliveira.
A todos que de alguma forma contriburam para a construo deste estudo.
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RESUMO
ROSA, Antonia Valbenia Aurlio. Pobreza e Educao: um estudo terico-epistemolgico sobre a produo do conhecimento no perodo de 2000 a 2010. 169 f. Dissertao (Mestrado em Educao) Faculdade de Educao, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
A relao entre a pobreza e a educao objeto de estudo desta dissertao. A
abordagem metodolgica foi a reviso bibliogrfica de conceitos e aspectos tericos e epistemolgicos. O estudo desenvolveu-se a partir do acesso a teses, dissertaes e artigos cientficos da literatura nacional, produzidos no perodo de 2000 a 2010, que compuseram o corpus de dados que foram analisados com o auxlio de mapas conceituais e do software Atlas.ti. O objetivo deste estudo foi investigar, analisar e categorizar a relao entre a pobreza e a educao a partir de produes acadmicas que discutiram as temticas e sua relao. O estudo apresenta uma anlise sobre a Pobreza: processos sociais e a Educao: desigualdade e excluso. Dentre os autores que contriburam para a fundamentao terica e epistemolgica do estudo destaca-se Castel (2005; 2008; 2010) Paugam (2003, 2004), Bourdieu e Champagne (2001), Dubet (2001; 2003; 2004). Esta dissertao est composta da seguinte forma: Introduo, com a escolha da temtica, as motivaes e justificativas; captulo I, Excluso pela pobreza face educao, que busca compreender os processos de excluso escolar a partir da relao pobreza e educao; captulo II, Abordagem terico metodolgica, no qual apresenta a metodologia da pesquisa e o desenvolvimento do estudo; captulo III, Pobreza e Educao Resultado das anlises dos artigos cientficos, teses e dissertaes do perodo de 2000 a 2010, em que apresenta os resultados com base nas tematizaes que surgiram da anlise dos dados e, por fim, Consideraes finais com os principais resultados do estudo. Neste sentido, produzir um estudo sobre a relao entre a pobreza e a educao contribuiu para analisar a escolarizao do aluno que vive em situao socioeconmica desfavorecida.
Palavras-chave: Pobreza. Educao. Excluso. Produo do conhecimento.
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ABSTRACT
The relationship between poverty and education is the object of study of this dissertation. The methodological approach was a literature review of the theoretical and epistemological concepts. The study evolved from access to theses, dissertations and papers of national literature produced in the period from 2000 to 2010, who formed the corpus of data were analyzed with the aid of conceptual maps and software Atlas.ti. The aim of this study was to investigate, analyze and categorize the relationship between poverty and education from academic productions that discussed the themes and their relationship. Therefore, the study presents an analysis of poverty: social processes and Education: inequality and exclusion. Among the authors who contributed to the theoretical study stands Castel (2005; 2008; 2010) Paugam (2003; 2004), Bourdieu and Champagne (2001), Dubet (2001; 2003; 2004). This dissertation is composed as follows: Introduction, with the choice of the theme, the motivations and justifications; Chapter I, face exclusion from poverty to education, which seeks to understand the exclusion processes from school about poverty and education; Chapter II theoretical methodological approach, which presents the methodology of the research and development of the study, chapter III, Poverty and Education - Results of the analysis of scientific papers, theses and dissertations from 2000 to 2010, which shows the results based on subjects that emerged from the data analysis and, finally, the final considerations with the main results of the study. In this sense, produce a study about the relation between poverty and education contributed to analize the students schoolarization who lives in disadvantaged socioeconomic. Keywords: Poverty. Education. Exclusion. Knowledges Production.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BIRD Banco Internacional de Reconstruo Desenvolvimento
BPC Benefcio de Proteo Continuada
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CRH Centro de Recursos Humanos
ECA Estatuto da Criana e Adolescente
FCC Fundao Carlos Chagas
FGV Fundao Getlio Vargas
FIOCRUZ Fundao Oswaldo Cruz
FMI Fundo Monetrio Internacional
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
INED Instituto Nacional de Estudos Demogrficos
INSEE Instituto Nacional de Estatstica e de Estudos Econmicos
IUPERJ Instituto universitrio de Pesquisas do Rio de Janeiro
netEDU Ncleo de Etnografia em Educao
PBF Programa de Bolsa Famlia
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PIB Produto Interno Bruto
PNADs Pesquisas Nacionais por Amostras de Domiclios
PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
ProPEd Programa de Ps-Graduao em Educao
PUC-RJ Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro
PUC-RS Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul
PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
RAE Revista de Administrao de Empresas
SAEB Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica
SciELO Scientific Eletronic Library Online
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFF Universidade Federal Fluminense
UFMA Universidade Federal do Maranho
UFMG Universidade de Minas Gerais
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
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UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UNAMA Universidade da Amaznia
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNICEF Fundao das Naes Unidas para a Infncia
USP Universidade de So Paulo
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SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................. 11
1 EXCLUSO PELA POBREZA FACE EDUCAO .............................. 19
1.1 Excludos pela Pobreza ..................................................................................... 21
1.2 Ser pobre no Brasil: famlia, renda e programas assistencialistas................ 28
1.3 A excluso vai escola: da sociedade ao sistema de escolarizao ............... 35
2 A ABORDAGEM TERICO-METODOLGICA ..................................... 49
2.1 Procedimentos de coleta de dados e o processo de anlise ............................ 50
2.1.1 Mapa conceitual: um novo olhar sobre a produo do conhecimento ............... 52
2.1.2 A anlise das teses, dissertaes e demais produes acerca do objeto: pobreza e educao ..........................................................................................................
54
2.2 A tematizao de dados ................................................................................... 60
3 POBREZA E EDUCAO RESULTADO DAS ANLISES DOS ARTIGOS CIENTFICOS, TESES E DISSERTAES DO PERODO DE 2000 A 2010 .................................................................................................
64
3.1 Pobreza: processos sociais ............................................................................... 65
3.2 Educao: Desigualdades e Excluso .............................................................. 89
4 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................... 104
REFERNCIAS ................................................................................................ 107
APNDICE A - Teses e Dissertaes.............................................................. 119
APNDICE B - Artigos Cientficos ................................................................. 134
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INTRODUO
A relao entre Pobreza e Educao o objeto de estudo desta pesquisa que
resultou na dissertao com o ttulo Pobreza e Educao: um estudo terico-
epistemolgico sobre a produo do conhecimento no perodo de 2000 a 2010. A
opo metodolgica da pesquisa foi a abordagem terica e de anlise conceitual,
sobre pobreza e educao para explicar a relao entre estes com a escolaridade do
aluno de classes populares.
Pobreza e Educao fazem parte da experincia vivenciada como um dos
resultados do deslocamento entre a rea rural e urbana, em destaque, na regio Serto
do Estado do Cear, sendo parte do cotidiano do aluno e de sua famlia que residem
nesta regio. Uma das marcas que caracteriza esta relao a profunda desigualdade,
econmica, social, cultural e educacional que delimita esses espaos. Marcas estas,
tambm, vivenciadas pela pesquisadora desse trabalho de Mestrado.
A situao geogrfica permite caracteriz-la pelo bioma caatinga, extenses de
terras semiridas atingidas pela seca, distino entre os espaos rurais e urbanos, entre
estes, o das pequenas cidades, assentadas nas atividades agrrias sem expressividade
econmica. Local que desenvolveu um tipo particular de atividade, relaes de poder
monopolizado dos proprietrios de terras, combinado com as lavouras de subsistncia,
disperso espacial em relao ao interior do Estado e uma organizao familiar que
conserva em seus traos a cultura popular e religiosidade. A representao
sociocultural desta regio se d pela socializao familiar, convvio entre pares,
relaes de trabalho e escola. Qualquer que seja a forma de representao desta regio
ela marcada pela forte integrao do indivduo sociedade, particularmente, esta a
fora, ao mesmo tempo, a fragilidade desta regio.
Assim, os sertes se fizeram, com a fora de trabalho de baixa remunerao,
subemprego, desemprego, onde parte das famlias vive da ajuda financeira, dos que
emigraram para as reas mais desenvolvidas situadas nas Regies Sul e Sudeste, em
busca de trabalho para o sustento de suas famlias, os indicadores sociais demonstram
baixa escolaridade, o IBGE (2000-2010) indica analfabetismo em 3,4% da populao
brasileira entre 25 a 59 anos. Este cenrio contribui para o que se conhece como a
indstria da seca (RIBEIRO, 2010, p. 349) que em resumo justifica inmeros
projetos polticos de tentativa de fixao do nordestino em sua regio e explorao da
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mo-de-obra dos que se deslocam para os grandes centros em busca de melhores
condies de trabalho e vida. O que ocorre como resultado desta indstria que a
cada perodo de estiagem, os programas sociais se intensificam para a melhoria das
condies de vida precrias ampliando ainda mais a explorao econmica.
A situao aqui descrita um recorte da forma de vida das pessoas e de
caractersticas de um local marcado por diferenas. Ao considerar como ocorreu a
organizao nessa sociedade, pode-se afirmar que as disparidades existentes nas
vrias reas ocupadas resultante do processo histrico, econmico e social,
possibilitando assim, uma entendimento sobre a formao da sociedade brasileira. No
entanto, a sociedade e a cultura brasileira tm em seu processo de formao a
explorao e a diferenciao cultural estabelecida, atravs de uma relao voltada
para interesses econmicos, formando assim, estratos sociais.
Considerando a formao tnica, cultural e econmica da sociedade brasileira,
nas vrias fases da economia, observou-se como explicada a necessidade da
educao escolar. A escolarizao no era uma condio para o trabalho, aos poucos
essa integrao das populaes educao foi se constituindo como uma condio
para ocupao nas frentes de trabalho, ocasionando mudanas nas formas de vida dos
trabalhadores, em relao ao lugar que ocupam, bem como no entendimento ao acesso
dos direitos sociais. No curso desse movimento, foram se acentuando as
desigualdades, manifestadas nas mais diversas formas: econmica, cultural e social o
que provocou um distanciamento entre as pessoas.
A condio de vida das famlias que residem em reas degradadas como a
descrita acima ou em reas povoadas em periferias urbanas, prope algumas reflexes
sobre as possibilidades de gerao de renda, bem como o acesso a escolarizao.
Algumas explicaes podem ser encontradas a partir do entendimento da oposio
entre classes sociais, em que a escolaridade e a renda apresentam discrepncias.
Como justificado acima a partir da motivao inicial de natureza pessoal para o
desenvolvimento desta dissertao surgem as primeiras indagaes tericas sobre a
relao entre Pobreza e Educao e sua interface com a escolarizao de alunos, no
somente do Estado do Cear, como tambm de outras regies onde a pobreza uma
marca social dos alunos do Brasil. Deste modo, buscou-se entender como os estudos
sobre Pobreza e Educao podem explicar as diferenas educacionais entre os alunos
pobres, que, frequentemente, so associados tambm ao fracasso escolar e excluso
scio-educacional.
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Ao avanar nos estudos sobre este pressuposto, ampliou-se a reflexo em
torno da questo ao verificar-se a existncia de limites e possibilidades que envolvem
esta questo na medida em que a escolarizao da criana e jovens pobres se d de
forma diferenciada das demais faixas da sociedade e que sua permanncia na escola
no necessariamente possibilita a melhoria das condies de vida, visto que sua
passagem por esta escola marcada tambm pela pobreza do tipo de ensino e
aprendizagem nela promovida e que resulta na reproduo dos mesmos mecanismos
scio-estruturais da sociedade.
Sobre os temas, estudos desenvolvidos pelo Ncleo de Etnografia em
Educao (netEDU), o relatrio Fracasso escolar: Gnero e pobreza (2008-2010),
correlacionou fracasso escolar s categorias gnero, pobreza, violncia, juventude,
polticas pblicas, sade, entre outras. As categorias foram selecionadas e agrupadas
considerando a frequncia em que aparecem no texto e a seguir, pelo significado dado
as mesmas durante o estudo, atravs da anlise indutiva de 2.017 (dois mil e
dezessete) textos cientficos. Segundo Mattos, Castro (2010), a pobreza est em 3
lugar com uma participao 13, 10% (p. 34), da recorrncia dos temas identificados.
No estudo, a pobreza no est associada somente a baixa renda das famlias, a fome e
a misria, a locais degradados como as periferias dos centros urbanos, e, ainda a
locais que sofrem com fenmenos naturais como a seca no serto cearense, no
entanto, agregam-se fatores associados s desigualdades de condies bsicas, ligadas
s famlias desta classe nas escolas da rede pblica. Em relao ao desempenho na
escola, o estudo apontou descontinuidades de polticas educacionais, os processos de
avaliao na escola, a origem familiar dos pais e o processo migratrio entre as
regies Nordeste e Sudeste, o vnculo com o emprego ou a ausncia, o local de
moradia, entre outras (MATTOS; CASTRO, 2010).
Os estudos de Mattos (2009; 1995) sobre a construo do fracasso escolar
indicam que os estudantes que fracassam na escola, em sua maioria, pertencem a
segmentos mais degradados como nos grandes centros urbanos. Algumas explicaes
para esse fenmeno, apontam diversos culpados, entre eles: aluno, famlia e escola,
podendo contribuir para os processos de excluso escolar. A partir desses dados, a
motivao do estudo, quando se pergunta sobre quem este aluno?, foi a questo
que direcionou o olhar no incio do estudo, voltado para o aluno que vive
vulnerabilidades: no acesso escola em funo da condio da famlia e ao contexto
que habita como a violncia, as situaes do cotidiano que o afastam da escola, as
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marcas que o identificam como aluno pobre, consequentemente, o estigma em relao
aprendizagem.
Ao correlacionar fracasso escolar pobreza, uma incluso, de alguma forma a
condio de vida das famlias pobres est presente na escola brasileira, nos ltimos
anos, mais intensamente, atravs de medidas redistributiva de combate pobreza. As
desigualdades muitas vezes levam o afastamento das pessoas de baixa renda ao acesso
s necessidades bsicas, passando a ter uma relao de assistncia com segmentos do
governo atravs das polticas sociais, que neste tipo de relao, direito e benefcio se
confundem, dentro de uma sociedade de desiguais. As famlias assistidas, atravs de
programas redistributivos de renda, tiveram experincias de marginalidade social, e
tm sido atradas a participarem de programas de insero social de combate
pobreza, entre eles, os que esto em foco na escola.
Diante de tais consideraes, delineou-se o projeto de pesquisa para o Curso
de Mestrado, Programa de Ps-graduao em Educao (ProPEd), vinculado Linha
de Pesquisa: Educao Inclusiva e Processos Educacionais, Projeto: Gnero e
Pobreza: Prtica, Polticas e Teorias Educacionais Imagens de Escola, orientado
pela Profa. Dra. Carmen Lcia Guimares de Mattos. Assim, para justificar a escolha
do tema de estudo buscou-se discutir as relaes entre pobreza e educao para a
compreenso dos processos de excluso escolar.
Sobre a pesquisa
A natureza da pesquisa terico conceitual, a partir produo cientfica
nacional, onde buscou-se na literatura quais as explicaes sobre o desempenho
escolar do aluno em situao de pobreza. A pesquisa inclui artigos cientficos,
dissertaes e teses que foram levantados durante a execuo do estudo, de acordo
com as necessidades em aprofundar os conceitos, teorias e de outras explicaes que
pudessem contribuir para conceito de pobreza no Brasil e a relao com a
escolaridade do aluno.
No primeiro momento da pesquisa buscou-se o levantamento dos dados em
programas de ps-graduao em educao, delimitado pelas categorias pobreza e
educao, entretanto, entendeu-se que a relao entre eles ocorre atravs das
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desigualdades, entre tais como a educacional, excluso e programas sociais voltados
para o atendimento das famlias de baixa renda. Neste sentido, a busca foi
redirecionada atravs destas palavras que entrelaam as principais.
A literatura na rea de Educao indica que o pas vem apresentando
disparidades econmicas e sociais sofrendo perdas salariais e instabilidades, iniciada
de forma mais acentuada nos anos de 1990, a partir do contexto de polticas de cunho
Neoliberal, quando neste perodo o governo priorizou a estabilidade econmica e a
credibilidade no cenrio internacional. Para isso, foi necessria uma recesso nos
gastos pblicos, gerando consequncias em vrios mbitos, o que tem contribudo
para o crescimento do mercado informal e das precrias condies de vida. Diante
desta realidade, o Estado foi intervindo junto s famlias de baixa renda por meio de
polticas pblicas, algumas explicaes podem ser encontradas na literatura, atravs
de vrios estudos, entre eles: Camargo (2004), Ug (2004), Souza (2004), Pochmann
(2004), Lavinas (2003; 2006), Ivo (2004). Os estudos apontam um conceito de
pobreza baseado na mensurao de renda mnima para o sustento familiar, e ainda,
associado a medidas de proteo social, para estas famlias. Assim, as polticas sociais
assumem papis na redistribuio de renda e de carter compensatrio de
enfrentamento da pobreza, tendo pouco impacto na superao das desigualdades
sociais.
As polticas pblicas e programas assistenciais tm sido implantados nos
nveis Federal, Estadual e Municipal, a partir de indicadores educacionais que visam a
correo do fluxo escolar e acesso escola, por meio de benefcio atribudos s
famlias e atravs de programas compensatrios. O atendimento volta-se para o aluno
que, historicamente excludo do processo de ensino formal, inserido na escola a
partir das diretrizes de reduo das desigualdades sociais e melhoria na aprendizagem.
Tais iniciativas demonstram a vinculao de polticas sociais focalizadas com a
realidade da escola pblica, assim, a necessidade de compreender na perspectiva dos
mecanismos sociais que produzem as desigualdades educacionais, quem o aluno
desta escola? a questo que aproxima os temas pobreza e educao, atravs dos
fatores eleitos para indicar a condio de renda das famlias e estabelecer a sua
relao com programas de proteo social, uma vez identificados e inseridos no
sistema de assistncia, estes so acompanhados, tendo como condicionalidade a
matrcula e permanncia do aluno na escola.
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Assim, a relao entre pobreza e educao afirmada na poltica brasileira
atravs de diversos programas assistenciais e compensatrios, como os de
transferncias de renda mnima vinculados escola, que teve incio com o Programa
Bolsa Escola em mbito federal, conforme os estudos de: Draibe (2003), Freitas
(2007), Vaitsman (2009), Bichir (2010). Algumas evidncias quantitativa apontavam
a abrangncia do Programa Federal em 2001 e a penetrao dele nos muncipios
5.469 (cinco mil, quatrocentos e sessenta e nove), em contrapartida, a obrigatoriedade
de frequncia escola, provendo a garantia da escolaridade bsica s crianas e
adolescentes em idade escolar atingindo um dos principais objetivos no tocante
educao (MATTOS, 2009).
Os ltimos mandatos dos governos federais tm-se voltados para programas
sociais e de atendimentos s populaes menos favorecidas, de forma que, a
unificao de programas j criados, priorizou o Bolsa Famlia, pautada na superao
da fome e pobreza vinculada escola (FREITAS, 2007). Com isso, destina-se um
valor em dinheiro ao atendimento de famlias em situao de extrema pobreza,
variando conforme a composio familiar, considerando a faixa etria dos membros
da famlia entre crianas, adultos e idosos. Os gastos familiares variam em funo da
necessidade de ateno aos membros de cada famlia, como no caso da sade e escola
onde as polticas pblicas tm sido associadas aos direitos sociais. Assim, neste
modelo de polticas de proteo social, a ateno focalizada em populaes-alvo,
considerando as vulnerabilidades, tais como: sade, educao, assistncia social e
alimentao.
Neste momento, faz-se necessrio compreender o que corresponde ao
benefcio e associao ao direito, quando entende-se por benefcio o que se construiu
no campo do direito assegurando ao cidado, podendo-se citar como exemplo, a
aposentadoria por idade ou adquirida por tempo de servio, ainda outras formas de
auxlios garantido por tempo determinado. Algumas iniciativas no mbito da
assistncia social se faz presente, reconhecendo-se portanto, uma perda da sociedade
em relao aos direitos adquiridos e em exercerem a cidadania quando so
introduzidos mecanismos de dependncia em relao s redes de proteo, ou ainda
de relao de troca, usada por polticas focalizadas na pobreza, como o caso do
bolsa famlia e a permanncia do aluno na escola. Alm disso, a assistncia social
parece estar presente em quase todos os setores, partilhando tambm com as polticas
de educao, buscando minimizar questes sociais.
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Segundo Souza (2004, p. 24), considerando a heterogeneidade do Brasil, h
diferentes definies de pobreza, ao analisar a pobreza como insuficincia de renda,
em todo o pas estima-se que cerca de 10% dos domiclios vivem em condies de
indigncia e cerca de 30% deles so pobres. No mesmo estudo, as diferenas
tambm aparecem entre os Estados das Regies, dentro destes entre as reas rurais e
urbanas indigncia e pobreza variam consideravelmente entre as regies urbanas e
rurais e entre os Estados [...], o Norte e Nordeste apresentam maiores incidncias de
indigncia e pobreza em relao ao Sul e Sudeste (SOUZA, 2004, p. 24).
A disparidade regional tambm foi observada nos estudos de Diniz (2009),
apontando que h arbitrariedade nas escolhas das dimenses de pobreza e nos
investimentos, quando utilizada a mdia dos resultados para os Estados. Desta
forma, quando so comparados todos os Estados de uma Regio sem considerar as
particularidades de cada Estado, podendo estes, apresentarem situaes de
empregabilidade, renda, educao e outros indicativos, variando entre indicadores
apontando melhorias ou no. Assim, a partir desses indicadores regionais, as Regies
Norte e Nordeste aparecem como aqueles que apresentam as maiores dificuldades no
cumprimento de metas, entre elas as relativas ao ensino bsico. Nesse contexto, a
anlise dos programas tanto na academia, quanto em outros rgos, apontam para o
baixo ndice de desempenho escolar dos alunos, conforme tm demostrado os dados
obtidos atravs de avaliaes realizadas por instituies nacionais e internacionais,
levando a indagar-se: quem o aluno deste pas? Foi esta pergunta que impulsionou a
se estudar sobre as condies de vida do aluno em situao de pobreza e de que forma
sua realidade social interfere no desempenho escolar.
Os aspectos utilizados como indicativo de pobreza apontam diferenas no
acesso aos recursos materiais e tambm limitaes, por no serem consideradas outras
variveis. No entanto, as relaes entre escola e a populao de baixa renda no
entendida na perspectiva de direito adquirido e na obrigatoriedade do Estado, mas
como benefcio atribudo as famlias, ocasionando desigualdades no sistema de ensino
e entre as classes sociais. Considerando o contexto social da criana pobre, esta fica
numa situao de vulnerabilidade em relao a distncia entre os aspectos culturais
adquiridos na famlia e aqueles disseminados pela cultura escolar, bem como a outras
funes atribudas escola em relao aos problemas sociais. A escola, como espao
de igualdade e oportunidade, para a diminuio das desigualdades sociais, na
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perspectiva dos programas sociais vista com condicionalidade estabelecendo a ideia
da diferena.
Partiu-se ento para a anlise sobre a educao, na tentativa de compreender o
desempenho escolar do aluno em condio de pobreza. A literatura estudada aponta
desigualdades educacionais (FREITAS, 2002; 2007; GENTILI, 2009; DUBET, 2001;
2003; 2004), envolve ainda, a compreenso das medidas adotadas para insero do
aluno na escola, e argumentaes sobre a aprendizagem e resultados escolares.
Considerando o contexto cultural, os autores discutem os processos que conduzem o
aluno ao fracasso, e excluso social, atravs de prticas articuladas entre a poltica e
o sistema de ensino.
Assim, no se trata da excluso em relao ao acesso escola, no entanto, a
literatura discute os processos sociais e suas interseces com as desigualdades
educacionais de crianas e jovens que pertencem a uma famlia de baixa renda. As
diferentes origens familiares e de classe foi um dos argumentos encontrados para
justificar o capital cultural e alertar para os mecanismos que asseguram a reproduo
atravs da escola, muitas vezes contribuindo para a sua excluso. Alves e
colaboradores (2007), discutem a relao entre origem social e risco de repetncia,
nos resultados educacionais apontam para as diferenas entre gnero e cor sinalizando
algumas variveis para as desigualdades no Brasil.
Pelo exposto, esta dissertao foi composta com a seguinte estrutura
Introduo, delineando a escolha temtica, a motivao e a justificativa para o
desenvolvimento do trabalho; captulo I, versa sobre Pobreza e Excluso visando
compreender a relao entre essas temticas e a escolarizao dos alunos; captulo II,
descreve a metodologia da pesquisa, desenvolvimento do estudo, as formas de acesso
e os instrumentos de coleta e anlise dos dados; captulo III, so apresentados os
resultados a partir das temticas e subtemticas que emergiram dos dados; nas
Consideraes finais, apresentam-se os principais resultados e apontam-se algumas
limitaes e potenciais para prosseguimento dos estudos sobre o tema. Ao final
elencaram-se dois apndices construdos para o desenvolvimento do estudo: A) com a
lista de referenciais das teses e dissertaes seguido dos seus mapas conceituais e B) a
lista de referenciais dos artigos cientficos e mapas conceituais, o objetivo do
apndice contribuir para a ampliao e continuao de trabalhos posteriores sobre o
mesmo tema facilitando aos pesquisadores acessar a lgica formal utilizada para as
anlises de contedo realizadas para esta dissertao.
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1 EXCLUSO, POBREZA E EDUCAO
Pobreza e Educao como objeto de estudo se insere no mbito da produo
de conhecimento relativo excluso e a seus processos. Ela uma condio que faz
parte da existncia de muitos sujeitos sociais e que os encaminha a um
contingenciamento marginal diante da sociedade. Portanto, para se estudar a relao
entre pobreza e educao, faz-se necessrio, inicialmente, discutir o conceito de
pobreza relacionado excluso. E a partir desse enfoque que foi delineado o
primeiro captulo desta dissertao.
O conceito de excluso formulado por Castel (2005; 2008; 2010) em seus
estudos ser tomado nesta dissertao como principal base terica para a sustentao
das anlises e discusses sobre a pobreza. De acordo com o autor, diferentes formas
de desigualdades sociais levam o sujeito condio de excludo e uma delas est
relacionada situao de pobreza. Esta pode deslocar este sujeito para uma situao
de vulnerabilidade social (CASTEL, 2008, p. 27), em que ele e sua famlia passam a
depender da proteo do Estado como forma de existncia e sobrevivncia.
Na viso de Castel (2008; 2010) as polticas de renda mnima associadas
condio de dependncia do Estado, caracteriza-se como uma forma de
discriminao, pois as famlias, assistidas ou protegidas por programas de renda
mnima, vivem em condies de degradao social, visto que eles vivem em locais e
condies de habitao imprprias e insalubres, seus filhos geralmente fracassam na
escola e os pais no trabalho.
Segundo o autor, pode-se considerar que para as famlias assistidas pelo
Estado, as polticas de proteo e assistncia social, quando dissociadas de uma
proposta governamental para a insero do indivduo no mercado real de trabalho,
isto , um trabalho que tenha como caracterstica a estabilidade e a segurana,
apresentam riscos como a desagregao social. Tal situao fortalece ainda mais as
polticas assistenciais, criando assim um ciclo vicioso entre a ausncia de trabalho e
busca por proteo social.
A teorizao descrita por Castel (2005; 2008; 2010) foi revista na teoria de
Paugam (2004) sobre a nova pobreza e reformulada recentemente levando em conta
a crise socioeconmica na Frana, a partir de 2008, assim como em outros pases, em
especial da Europa. O autor entende, ao formular sua teoria, que a pobreza um dos
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processos de desqualificao social que tem como um dos eixos principais o trabalho.
Para ele a excluso ocasionada por rupturas nas redes de proteo social, e essas
rupturas passam a atuar de forma mais intensa em momento de crise, criando uma
relao de dependncia das famlias em relao aos programas sociais de proteo e
assistncia ao indivduo.
Por outro lado, Paugam (2003) sustenta que a escolarizao atua como parte
do processo para a integrao social dos pobres e assistidos sociais. Seus
argumentos apontam para a escolarizao como possibilidade de os pobres ocuparem
atividades de trabalho mais qualificadas de modo a contribuir para a melhoria das
suas condies de vida e de suas famlias. Desse modo, eles podem, at mesmo,
promover a superao das adversidades e das vulnerabilidades que provm da
pobreza.
No entanto, os dados obtidos nos estudos desta dissertao mostram que a
escolarizao, por si s, no se caracteriza como uma fonte de promoo da igualdade
social. No caso do Brasil, importante o esforo intelectual na busca por
compreender a realidade do aluno pobre, sua condio social e seus contextos de vida
para melhor promover a educao para os mesmos, como veremos no Captulo 3
dedicado s anlises desta pesquisa.
Considerando ento as particularidades que envolvem a relao entre pobreza,
excluso e escola em nosso pas, buscou-se nos estudos de Dubet (2001; 2003; 2004)
algumas argumentaes sobre esta relao.
Dubet (2001; 2003; 2004), em suas pesquisas, explora a noo de
desigualdade associada excluso. Ele explica que a escola representa uma das faces
dessas desigualdades. Em sua opinio, as diferenas entre os sujeitos da escolarizao
tm sido acentuadas devido ao reconhecimento dessas diferenas pela escola que, em
sua maioria, promove uma cultura distanciada da cultura do aluno e que no
corresponde cultura da maioria de seu alunado. Em decorrncia disso, o
desempenho escolar baixo e a excluso um fato frequente nessas escolas.
Os estudos desenvolvidos pela equipe do Ncleo de Etnografia em Educao
(netEDU), desde os anos de 1980, j associavam a pobreza e a excluso aos maus
resultados da escolarizao de alunos pobres no Brasil. Um dos eixos mais frequentes
das anlises desses estudos repousam sobre os aspectos relacionados ao fracasso
escolar. Esses aspectos, em sua maioria negativos, informam que na percepo dos
participantes (alunos, professores e gestores escolares) a famlia e os alunos pobres
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so os sujeitos do fracasso. Entre as justificativas mais frequentes para o fracasso dos
alunos elencam-se fatores como: capital cultural; local de moradia; violncia; situao
financeira e de emprego dos pais; instabilidade familiar, distrbios scio-
neurolgicos, dentre outros, os quais esta equipe vem criticando ao longo de duas
dcadas como sendo fatores importantes, mas no nicos para o fracasso, que
entendido como resultado de um conjunto mais amplo de aspectos estruturais
endgenos da sociedade brasileira.
A Pobreza foi eleita como uma das faces da excluso a ser discutida nesta
dissertao cujo foco a educao do aluno pobre e seu processo de escolarizao.
Portanto, na seo que se segue explorar-se- aspectos da excluso mediados pela
pobreza que se estende educao procurando identificar aspectos tericos e
conceituais desses termos e seus usos para que se possa dar suporte s anlises a
serem apresentadas no captulo Pobreza e Educao resultados das anlises dos
artigos cientficos, teses e dissertaes do perodo de 2000 a 2010.
1.1 Excludos pela Pobreza
O termo excluso vem sendo utilizado nos estudos acadmicos, de modo
geral, para explicar processos sociais que acentuam diferenas entre indivduos,
excluindo-os da sua participao ativa como cidados. Estas diferenas so mais
evidentes para o grupo daqueles que se inscrevem na condio de vida precria e que
sofrem forte discriminao devido a alguns fatores, tais como: origem tnica e
cultural, condio de renda, de sade, de moradia e de dependncia das polticas de
proteo social. Essas pessoas diferenciam-se de outras numa mesma estrutura social
pelas seguintes condies: estabilidade ou instabilidade social e empregatcia,
dependncia ou independncia total ou parcial de servios de proteo e assistncia
social, dentre outros fatores que conduzem o indivduo por meios prprios ao
exerccio da cidadania.
Neste contexto, compreende-se que um indivduo est em situao de excluso
quando sua situao de vida o resultado de acmulos perversos e perceptveis a que
submetido, de modo a se confrontar com condies de precariedade. um indivduo
que reside em reas de risco, em condies degradantes de subordinao e
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dependncia de outrem, com empregos incertos ou desempregado, podendo estar a
caminho da marginalidade e da criminalidade devido a esta precariedade.
Castel (2010; 2008; 2005) entende por excluso um fenmeno que, na
contemporaneidade, se d devido s mudanas nas relaes empregatcias. Essas
mudanas, especialmente ocorridas no final do sculo XX e incio desse sculo,
acentuam as formas de desigualdade social pela forma dinmica como o emprego e o
desemprego tm flutuado neste perodo. Embora o autor refira-se situao da Frana
e a este contexto de vida e de emprego, seu trabalho tem sido amplamente aplicado ao
Brasil, na medida em que na ltima dcada os vnculos de trabalho tm tomado uma
direo na contramo do sculo passado. Isto , a maioria das pessoas encontram-se
no momento em situao de emprego que se costuma chamar de trabalho por conta
prpria. Esta parece ser uma formula mgica resultante da modernidade que sinaliza,
embora de modo equivocado, uma sada da instabilidade empregatcia e do
desemprego para uma condio de autonomia que aos olhos do antigo trabalhador
de carteira assinada parece ser um progresso em relao aos vnculos sociais de
relao empregador-empregado. Este modelo de relao de trabalho dos exemplos
mais citados para caracterizar as mudanas ocorridas no mercado de trabalho no
Brasil de hoje. Ao mesmo tempo, para os indivduos que no conseguem entrar nessa
nova modalidade empregatcia e nem permanecer na formulao antiga de carteira
assinada, recriou-se ou importou-se modelos de seguridade e assistncia social
baseados em programas de curta durao. Como resultado desta nova forma de
emprego, criam-se novas formas de pobreza e de risco social, e portanto, de excluso
e desigualdade.
Diante da heterogeneidade de usos e significados para a excluso, Castel,
(2008) explica que o termo amplo e que vem se impondo pouco a pouco para definir
as modalidades de misria do mundo. O autor refere-se a caractersticas dos prprios
sujeitos excludos, que em suas palavras so: desempregados de longa durao, jovens
da periferia, indivduos sem domiclio, dentre outros (CASTEL, 2008, p. 21).
Neste sentido, o termo excluso pode ser entendido como processos que levam
a situaes de degradao e vulnerabilidades sociais. Para o autor, o uso indistinto do
termo pode ocultar uma questo social maior, como o rtulo de qualificao
negativa (CASTEL, 2008, p.21) sem, contudo, explicar em que consiste esta
qualificao ou essa negatividade, sem ainda haver a preocupao de entender de
onde partem essas rotulaes. Uma vez que o termo aplicado a uma variedade de
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situaes e que descreve processos, estados e situaes de vida, trajetrias diferentes
de sujeitos distintos numa mesma sociedade, sua aplicao pode ter tambm
significado desigual. Isto tomar-se o termo excluso ou incluso de forma
descontextualizada para explicar do mesmo modo processos de vulnerabilidade e de
excluso diferentes,
[...] o primeiro realiza a supresso completa da comunidade, seja sob forma de expulso, como no caso dos judeus ou dos mouros espanhis, e tambm de diferentes categorias de banidos, seja pela condenao morte dos herticos, criminosos e sediciosos. O genocdio representar a forma ltima dessa poltica de excluso por irradicao total. Um outro conjunto, de prticas de excluso consiste em construir espaos fechados e isolados da comunidade no seio da comunidade: guetos, dispensrio para leprosos, asilos para loucos, prises para criminosos. Enfim, uma terceira modalidade essencial de excluso: certas categorias da populao se veem obrigadas a um status que lhe permita coexistir na sociedade, mas com a privao de certos direitos e da participao em certas atividades sociais (CASTEL, 2008, p. 42-43).
Castel (2008, p. 27) distingue, metaforicamente, zonas da vida social nas
quais os sujeitos integrados tornam-se vulnerveis, particularmente em razo da
precarizao das relaes de trabalho. Para ele, as vulnerabilidades oscilam de modo
diferenciado, embora elas sejam consideradas, de modo geral, como excluso.
As zonas da vida em sociedade esto caracterizadas, principalmente, pela
ausncia de trabalho e pelo isolamento social. O autor argumenta que a no rigidez ou
a flexibilidade nas reas de convivncia social fazem com que as pessoas sejam
transferidas de uma rea para outra, dependendo das condies de vida. Ou seja, ora
encontram-se na zona de integrao, ora de desfiliao. De acordo com Castel (2010,
p. 50-51),
A desfiliao tal como a entendo, , num primeiro sentido uma ruptura desse tipo em relao s redes de integrao primria; um primeiro desatrelamento com respeito s regulaes dadas a partir do encaixe na famlia, na linhagem, no sistema de interdependncia fundadas sobre o pertencimento comunitrio. H risco de desfiliao quando o conjunto das relaes de proximidade que um indivduo mantm a partir de sua inscrio territorial, que tambm sua inscrio familiar e social, insuficiente para reproduzir sua existncia e para assegurar sua proteo.
A zona de desfiliao para Castel (2010) entendida como a ruptura das
relaes do indivduo com as redes primrias de integrao, estas so
interdependentes das redes de pertencimento comunitrio. Segundo o autor, existe o
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risco de se entrar na zona de desfiliao quanto o conjunto das relaes de
proximidade que um indivduo mantm insuficiente para mant-lo na zona de
integrao, exigindo que este se mova para uma zona de proteo.
Castel (2010) argumenta que o desatrelamento ou o encaixe regulados pela
convivncia familiar, asseguram as trocas sociais necessrias garantia da integrao
do indivduo para que este no se desloque para as zonas de vulnerabilidade e de
desfiliao. Da a importncia dada a famlia no processo de socializao primria.
Pois, o abandono, a rejeio ou perda da famlia, resulta para o indivduo na alterao
das redes de manuteno do tecido social que sustentam o seu pertencimento ao grupo
social de forma integrada.
Ao entrar na zona de vulnerabilidade e desfiliao, o indivduo e sua famlia
passam a ser facilmente reconhecidos pela sociedade, pela situao de vida que
evidenciam: a famlia, a escola e o trabalho, por exemplo, so os vnculos mais
evidentes da excluso ou no de um indivduo e so tambm as redes e vnculos de
acesso integrao.
Castel (2010, p. 532) afirma que existem conexes e densidades nas relaes
sociais que qualificam as diferentes zonas de mobilidade, so elas: zona de
integrao, zona de vulnerabilidade, zona de assistncia, zona de excluso e zona de
desfiliao. Alerta o autor que essas correlaes no so mecnicas, dado que existe a
prevalncia de uma sobre a outra em certo momento da vida social de cada um,
resultando ora na manuteno, ora na fragilidade do processo de integrao.
Castel (2008) afirma no ser fcil, conciliar, de um lado, as exigncias da
competitividade e da concorrncia e, de outro, a manuteno de um mnimo de
proteo e de garantias para que a conquista de uns no seja paga pela anulao de
outro (p. 30). Ele refere-se aos grupos de in e out, onde a condio dos que esto em
out, depende sempre da condio dos que esto in, para controlar essa relao antes
que se chegue a rupturas que representam a excluso.
Dada esta diferenciao social, entre aqueles que esto inseridos ou integrados
na sociedade por meio das relaes familiares, de trabalho e de participao poltica
ativa e outros que dependem das redes de proteo social e de insero social, as
politicas assistenciais tomam fora e fabricam populaes marginalizadas.
O papel das polticas de integrao e incluso o de fazer com que os sujeitos
no se sintam em condio inferior e margem da vida social, para Castel (2008) isto
corresponde s polticas de discriminao negativas que evidenciam as condies de
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vida de parte das pessoas caracterizadas como de baixa renda e a dependncias aos
programas de proteo social. No entanto, essas formas de incluso e de ajuda
precria tornam mais evidentes as diferenas e desigualdades sociais.
Segundo Castel (2008), embora inseridos em programas de proteo social, a
maioria dos indivduos permanecem onde esto, sem mudana de zona social. As
polticas sociais focalizam e delimitam locais de atuao ou atividades de reparao
que no permitem a mudana e a ascenso dos seus protegidos. Castel explica que
caracterizando populaes-alvo precisamente a partir de seu dficit, estas
caractersticas se cristalizam tornando cada vez mais numerosa a populao
pertencente a este regime especial, por exemplo: invlidos, deficientes, idosos,
economicamente frgeis, crianas em dificuldades, famlias monoparentais,
desempregados, dentre outros (CASTEL, 2008, p. 33).
Assim, os grupos de pessoas alcanadas pelas polticas e programas de
proteo e assistncia se originam de vrias faixas etrias e de situaes diversas, para
alm das populaes-alvo originais em que foram identificadas no incio da sua
insero na zona de vulnerabilidade. Sobre essa nova populao que migra para a
zona e proteo social, Castel afirma que eles enfrentam dificuldades de integrao
cada vez mais profundas como o desemprego de longa durao, a falta de
escolarizao qualificada, a dificuldade na busca de novos empregos e novas formas
de insero social.
Sobre a escolaridade dos jovens, Castel (2008) declara que a escola acolhe
sem distino todos os alunos e a expulso destes ocorrem quando a escola no
consegue integr-los ampliando as desigualdades entre eles. As anlises do autor
apontam que a etnia dos jovens, no caso da imigrao francesa, funciona como um
dos aspectos desfavorveis para a melhoria da escolarizao, agravando num
momento posterior o acesso ao mercado de trabalho, seja pela baixa escolaridade,
pela ocupao em atividades desqualificadas e provisrias ou pela baixa remunerao
que os aguarda no mercado de trabalho.
Sobre a Escola, Dubet (2003), explica que a relao entre a excluso e escola
caracterizada, de um lado, por uma grande distncia, entre escola e produo, de
outro, por uma forte adequao da oferta escolar do sistema das classes sociais
(p.31). Assim, duas posies ideolgicas pontuam o debate sobre a excluso e a
escola. Uma na qual o desemprego e a precariedade dos jovens resultado da
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inadequao entre a formao escolar e as habilidades necessrias a aquisio do
emprego; e outra, na qual a excluso resultado das relaes de produo.
Essa dupla retrica que acusa ora o servio pblico, ora o mercado tambm uma maneira de no tocar num problema relativamente complexo e clssico: os elos das relaes de produo, definidas pela produo de riquezas, e as relaes de reproduo, nas quais a escola distribui escalonamentos e oportunidades (DUBET, 2003, p. 31).
A citao acima deixa evidente a relao estrutural entre as redes sociais
individuais de pertencimento e a rede globalizada de aes originrias das instituies
mais amplas da sociedade permitindo afirmar que a excluso e a pobreza, muitas
vezes, com faces individuais, esto entrelaadas a uma estrutura social mais ampla
que as determina e as mantm.
Neste contexto, a escola enquanto instituio que possibilita a integrao
social pode interferir pouco na vida dos jovens excludos, pois estes, antes de tudo,
pertencem a uma estrutura maior que os circunscrevem numa teia de situaes sociais
e de contingncias liberando pouca margem para a mobilidade entre as zonas que lhes
permitem esta integrao.
O modelo de escola que se apresenta ao aluno excludo se encontra distante do
modelo necessrio adaptao do excludo cultura escolar legitimada socialmente,
os excludos se encontram enfileirados na busca pelo emprego que lhes permita a
integrao social e a vida plenamente democrtica, conforme afirma Castel, (2008, p.
49).
[o excludo] devotado ao desemprego ou a instalao na precariedade [social] geralmente comea com o abandono da escola a menos que estes jovens sem futuro na ordem do trabalho no desistam de procurar empregos to aleatrios e to pouco atrativos e no optem pelos setor da economia informal ou da delinquncia.
Nos ltimos anos, as dificuldades de integrao atravs do trabalho, criaram
um processo que levou a excluso de muitas pessoas pela sua prpria condio e que
hoje necessitam de ateno, no corresponde, portanto, a grupo de pessoas com
problemas de invalidez, deficincia, entre outros, mas que, tornaram-se invlidas
pela conjuntura: a transformao recente da regra do jogo social e econmico que
as marginalizou (CASTEL, 2008, p. 35). De acordo com o autor, a nova regra de
uma mesma poltica econmica e social, uma vez que, exigncias da competitividade
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e concorrncia, reduo de oportunidades e de emprego contriburam no agravamento
desta situao. De acordo com esta compreenso, ao enfrentamento da insero das
novas populaes correspondem medidas de outra ordem na conjuntura econmica e
social.
Repensar a anlise da proteo social exige um olhar para a sociedade que tem
o salrio como medida, criando uma hierarquizao entre alto e baixo quanto s
diferenas de renda. No entanto, h na sociedade direitos de proteo como os
adquiridos em relao ao trabalho, e outras medidas redistributivas para os
considerados pobres, necessitando de clareza quanto s funes atribudas ao Estado e
o direito dos cidados, talvez, um dos motivos da tolerncia face as desigualdades.
Uma implicao dessa mudana no regime de proteo tem duas razes: a primeira,
no reconhecimento das populaes mais pobres significando a ausncia da insero
social em funo das situaes de pobreza; a segunda, atribuio de medidas de
proteo significando privao e estigmatizao (CASTEL, 2005).
Portanto, as intervenes do Estado tem se transformado, marcando a
passagem de polticas desenvolvidas em nome da integrao para polticas conduzidas
em nome da insero (CASTEL, 2010). Para Castel (2010), as polticas de integrao
desenvolvem diretrizes voltadas para o acesso aos servios pblicos e educao, tendo
como possvel desdobramento a reduo das desigualdades sociais e diviso de
oportunidades. As polticas de insero podem ser compreendidas como um conjunto
de medidas voltadas para grupos de pessoas ou reas especficas, por apresentarem
situaes degradadas, assim,
[...] obedecem uma lgica de discriminao positiva: definem com preciso a clientela e as zonas singulares do espao social e desenvolvem estratgias especficas para elas [...]. De fato, sofrem um dficit de integrao, como os habitantes de bairros deserdados, os alunos que fracassaram na escola, as famlias mal socializadas, os jovens mal empregados ou no empregveis os que esto desempregados h muito tempo. (CASTEL, 2010, p. 538).
No Brasil, polticas de proteo social tm feito parte do cotidiano de muitas
famlias associadas classe menos favorecida da sociedade, como exemplo, atravs
dos programas redistributivos de renda mnima para os mais pobres. Contudo a
situao de pobreza no est associada somente baixa renda das famlias, mas s
condies de moradia, a fome, a misria, portanto, privao de direitos, atravs de
uma relao de assistncia entre os sujeitos e os programas que visam medidas de
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reparao. Nesse sentido, as discusses apontadas por Castel se inserem na
perspectiva das anlises da realidade brasileira por contribuir para a compreenso dos
problemas sociais tensionado com as formas precrias de incluso social. Insere-se
ainda na discusso sobre o papel da famlia, do emprego e da escola como instituies
que, afetadas pela pobreza, modificam as redes de interaes sociais e inviabilizam a
escolarizao da criana e do jovem pobre no Brasil.
1.2 Ser pobre no Brasil: famlia, renda e programas assistencialistas
Paugam (2003; 2004; 2010) estudou a nova pobreza como uma formulao
conceitual que se reveste de uma condio social desvalorizada e estigmatizada,
explicada a partir da desqualificao social que caracteriza o movimento de expulso
dos sujeitos para fora das relaes do mercado de trabalho, atravs de um processo
multidimensional, dinmico e evolutivo da pobreza e sua relao com a assistncia
social. A contribuio terica no entendimento da pobreza no Brasil, se d a partir da
introduo do modelo neoliberal que tem adotado polticas de proteo social
apontando para um nmero significativo de pessoas consideradas como pobres e, por
isso, vinculadas a programas sociais.
Paugam (2003), em uma pesquisa realizada na Frana, no final do sculo XX,
identifica as trajetrias sociais como um dos aspectos que contribui para condio de
aparecimento dos sujeitos marginalizados. Os sujeitos da pesquisa eram originrios de
um meio social desfavorecido. Do total de quinze entrevistados, sete deles foram
separados dos pais biolgicos quando crianas e alojados em famlias acolhedoras.
Alguns dos fatores que os caracterizavam a todos eram: meio social desfavorecido,
ruptura familiar e violncia domstica. A ausncia das relaes familiares fez com
que muitos deles tivessem dificuldades, o que contribuiu para que se tornassem
usurios de drogas e alcolatras, aumentando o sentimento de desvalorizao em
relao integrao social e ao trabalho.
Muitas vezes, as condies sociais em que vivem consequncia direta ou
indireta de um passado familiar transmitido de gerao em gerao, de uma
identidade aviltante e dificuldade de insero social, o que os torna sujeitos
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marginalizados. Paugam (2003, p. 178) considera, ainda, como marginalizados
aqueles que:
no conseguem, em sua maioria, encontrar um equilbrio e se organizar para resistir reprovao social. Cansados das dificuldades materiais e morais de sua situao alguns tentam renegar esse modo de vida, que consideram inseguro, instvel e, ao mesmo tempo, aviltante.
Para o autor, as trajetrias de vida dos sujeitos levam a situaes diversas, em
alguns casos, marginalidade, isto , sujeitos mal integrados socialmente e sem
qualificao profissional, que vivem margem da sociedade e em busca de melhores
condies de vida. Assim, a mudana de trabalho, do local de moradia, perda de
referncias familiares, falta de qualificao profissional, incapacidade de encontrar
equilbrio na vida, de aceitar normas de emprego, vivncia s margens do dinamismo
social, so caractersticas inerentes aos sujeitos que podem vir a se tornarem
marginalizados.
O autor separa a marginalidade em dois tipos de experincias: a
marginalidade renegada e a marginalidade organizada. A primeira revela tentativas de
integrao social dos que sofrem pela situao de desequilbrio, sendo possvel prever
as condies necessrias para a insero; a segunda, refere-se construo simblica
de adaptao individual em relao aos conflitos e fracassos vivenciados, por
exemplo, em relao ao lugar de morada. Alm disso, de acordo Paugam (2003, p.
197):
Enquanto os marginais do primeiro tipo no aceitam ou no mais aceitam a ausncia de status e de poder, desejando se desfazer totalmente do estigma que os aflige, os do segundo tipo negociam a desqualificao social recriando um conjunto de normas num ambiente muito desvalorizado. Essa duas experincias permitem compreender as aspiraes dos indivduos que ocupam os ltimos degraus da hierarquizao social e o sentido que atribuem sua existncia.
Em quase todos os espaos habitados, no difcil perceber casas e barracos
que representam dificuldades materiais, para os que passam pela experincia da
marginalidade organizada sentem a necessidade de dar um sentido sua vida e de se
identificar com valores (PAUGAM , 2003, p. 191). Neste caso, a moradia representa
um valor fora da lgica do consumo. No entanto, se encaixa na forma de vida e de
trabalho que conseguem realizar, considerando tambm, a temporalidade para
determinadas atividades.
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30
Alm da constatao da marginalidade que configura os processos sociais, o
autor refere-se ao conceito de desqualificao social como: o movimento de
expulso gradativa, para fora do mercado de trabalho, de camadas cada vez mais
numerosas da populao e as experincias vividas na relao de assistncia,
ocorridas durante as fases desse processo (PAUGAM, 2004, p. 68). Neste processo
esto envolvidos sentimentos de pertena a uma classe e dependncia em relao aos
servios sociais. A partir do momento em que recebem a assistncia, passam a
participar do grupo caracterizado pela pobreza. Simmel (apud PAUGAM, 2004 p.
69), ajuda no entendimento do conceito de pobreza, com maior clareza, ao afirmar
que: [...] os pobres enquanto categoria social, no so os indivduos que sofrem de carncias ou privaes especficas mas os que recebem assistncia ou os que deveriam receb-la segundo as normas sociais. Nesse sentido, a pobreza no pode ser definida a partir de critrios quantitativos, mas a partir de reaes sociais provocadas por circunstncias especficas.
O autor introduz o conceito de pobreza como uma categoria para alm dos
aspectos quantitativos a que remete o termo, seguindo de adjetivos como misria e
necessidade, mas pela incluso em programas assistenciais e suas relaes com a
sociedade, que inclui e exclui atravs das relaes econmicas e do ponto de vista
social. O autor explica, ainda, que a desqualificao social uma das possveis
formas de relao entre a populao identificada como pobre e a sociedade, a partir de
alguns elementos que permitem definir essa relao, so eles: estigmatizao,
assistncia, excluso, as relaes com os servios sociais e as condies histrico-
sociais.
A condio social de pobreza leva a alguns estigmas como a desvalorizao
em relao ao lugar que ocupa na sociedade, alm da constatao de que a
estigmatizao aprofunda um sentimento de humilhao. Assim, atravs da relao de
assistncia, os pobres so integrados sociedade mesmo ocupando uma posio
desvalorizada. Para a situao dessas populaes, Paugam (2004), afirma que o
conceito de desqualificao social permite uma anlise mais profunda, que no
sinnimo de excluso: no uma forma de excluso relativa, mas sobretudo, de
relaes de interdependncia entre as partes constitutivas do conjunto da estrutura
social (PAUGAM, 2004, p. 70). O conceito utilizado pelo autor, possibilita uma
compreenso de todo o processo que conduz a ocupao s margens da sociedade.
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Para os que vivem o processo de desqualificao social, os elementos que os
constituem depende dos modos de resistncia em relao a assistncia, j que alguns
agrupamentos de pessoas que residem em reas degradadas, individual ou
coletivamente, desaprovam a dependncia da assistncia para manter ou resgatar a sua
legitimidade cultural. A relao com a assistncia apresenta-se de maneira
heterognea, pois assim como as populaes, atravs da classificao dos grupos os
servios de assistncia criam formas diversas de interveno.
Em estudos sobre a comparao entre as formas das pobreza nas sociedades
contemporneas, o ltimo elemento para a compreenso da desqualificao social
explicado na perspectiva histrico-social. De acordo com Paugam (2004), alguns
fatores esclarecem o crescimento da assistncia nestas sociedades, so eles:
o nvel de desenvolvimento econmico associado a uma forte degradao do mercado; a grande fragilidade dos vnculos sociais, em particular no que se refere sociabilidade familiar e s redes de auxlio privado; um estado social que assegura maioria um elevado nvel de vida, cujos modos de interveno junto s populaes desfavorecidas revelam-se contudo, inadaptadas (PAUGAM, 2004, p. 71).
As aes de assistncia denunciam as situaes de pobreza, o crescimento das
populaes que dependem de servios sociais e a diversificao de categorias de
pobres. No entanto, preciso considerar nesta relao, os que foram excludos para
fora das relaes do mercado entre aqueles que apresentam trajetrias diferentes e que
ainda mantm situaes instveis. A desqualificao social, portanto, uma relao
de interdependncia entre os pobres e o resto da sociedade, que gera uma angstia
coletiva, j que um nmero crescente de indivduos considerado como pertencente
categoria de pobres ou de excludos(PAUGAM, 2004, p. 71).
Buscando estabelecer relaes sobre a excluso social e a pobreza, talvez seja
possvel afirmar que Castel privilegia a dimenso social atravs de um processo onde
as polticas pblicas tm sido atuantes em decorrentes das mudanas econmicas.
Para Paugam o foco de ateno no est na pobreza em si, mas a partir da
desqualificao como um processo de dimenso histrico-social e trajetrias de vida
diferentes, a assistncia uma das relaes estabelecidas entre os que so
considerados pobres e a sociedade em que vivem.
Na discusso at aqui, o uso do termo excluso est presente nos argumentos
dos dois autores, ainda que Paugam (2004) no explicite no texto, porm discute a
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desqualificao social, onde levanta a questo da excluso para uma parte da
populao identificada como pobre, encaminhando o entendimento para o campo das
polticas sociais em sua relao com a assistncia social. Castel (2010) recorta em sua
anlise a questo social para os processos da excluso e proteo social. Assim, as
formas precrias de vida, que marcam a existncia dos chamados excludos, na
compreenso de Castel, contribui para o entendimento do conceito de pobreza em
Paugam, que tambm traz a perspectiva econmica e social.
Para estes autores, a relao com a assistncia social parece naturalizar a
situao de pobreza diante da ao do Estado ao agrupar algumas categorias que tm
em comum as famlias de baixa renda, crianas com dificuldades escolares e pessoas
idosas. Na realidade brasileira, alguns programas assistenciais tm sido a marca dos
governos federais desde a dcada de 1990, esta uma das formas de desigualdade que
tem permitido a distino entre os sujeitos e o lugar que ocupam na sociedade.
Ribeiro (2010) esclarece que a formao histrica e cultural da sociedade
brasileira tem contribudo para a formao de estratos sociais. A pertena dos grupos
sociais a estratos sociais representado pelo rendimento, cujo valor tem como base
nacional o salrio mnimo que a renda caracterstica da maior parte da populao
marginalizada e excluda socialmente.
O autor identifica estratos sociais diferenciados, em que os dominantes,
atravs da organizao econmica, impem s classes intermedirias e subalternas
variados empregos. Para alm dos que ocupam posies em relao a um emprego
estvel e trabalhadores especializados, concentra-se a grande parte dos oprimidos,
marginalizados, entre eles de etnias negros e mulatos e que residem nas reas mais
perifricas das grandes cidades: os empregados de limpeza, as empregadas
domsticas, os boias-frias e com baixa escolaridade.
As classes subalternas so formadas pelos que esto integrados regularmente na vida social, no sistema produtivo e no corpo de consumidores, geralmente sindicalizados. Seu pendor mais para defender o que j tem e obter mais, do que transformar a sociedade. O quarto estrato, formado pelas classes oprimidas, o dos excludos da vida social que lutam por ingressar no sistema de produo e pelo acesso ao mercado (RIBEIRO, 2010, p. 210)
As condies sociais so, portanto, resultante de um processo de formao
social e que tem ocasionado o distanciamento entre as classes, formando aglomerados
de populaes de baixa renda que se constituram a partir da descendncia indgena e
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africana, e onde se encontram os mais excludos. Por fim, para o autor estas so
formas de desigualdades que ocorrem de forma acentuada considerando tambm o
desenvolvimento histrico do Brasil.
O agravamento das condies de vida das populaes tem sido associada, em
alguns pases, com a entrada de capital estrangeiro e a partir das organizaes de
trabalho que caracterizam os pases que adotam polticas neoliberais. Nesse contexto,
numa sociedade de pressupostos neoliberais, tais polticas consistem na reduo do
papel do Estado e na flexibilizao dos mercados. Tais medidas tem ocasionado uma
instabilidade econmica em vrios setores, afetando principalmente a ocupao das
pessoas no mercado de trabalho. Assim, o conceito de pobreza, que tem sido adotado
por organismos internacionais nas ltimas duas dcadas (UG, 2004), aparece
vinculado a varivel de renda e das condies de acesso a bens materiais, sendo
possvel, a partir dessa categorizao, a identificao e quantificao para a adoo de
polticas de proteo social. nessa relao entre a assistncia do Estado atravs de
polticas redistributivas de renda e direitos sociais que pode ser identificada uma
contradio quanto ao seu pressuposto ideolgico. Para as classes populares esta
relao tem se dado de maneira desigual.
Os processos sociais produzem efeito de marginalizao evidenciando limites
quanto aos direitos sociais. Gentili (2009) explica que vrias tendncias caracterizam
a histria da educao na Amrica Latina, marcada por um processo de excluso
educacional atravs das instituies de ensino, assim, o autor recorre noo de
direito, bem como a sua negao, envolvido em todo o processo de segregao dentro
e fora da escola, ao afirmar que os pobres viram suas oportunidades educacionais se
dilurem em um arsenal de dispositivos e argumentaes mediante os quais se
justifica sua baixa ou nula presena nos mbitos educacionais (GENTILI, 2009, p.
1061), ainda de acordo com o autor,
[...] a probabilidade de que os meninos e as meninas com menos de 5 anos terminem seus estudos primrios em 2015 igual ou superior a 95% na Argentina, Chile, Colmbia, Equador, Mxico, Panam, Peru e Uruguai, e se situa entre 90% e 95% no Brasil, Costa Rica e Venezuela (UNICEF, 2006, p. 44, apud GENTILI, 2009, p. 1061).
Para Gentili, em pases como os da Amrica Latina a incidncia de pobreza
maior entre a populao mais jovem, quando comparada ao restante da populao,
podendo condicionar as oportunidades de vida e os direitos da populao menor de
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dezoito ano, pois desde a primeira infncia at a adolescncia, as condies de
pobreza e indigncia interferem de maneira intensa nas oportunidades educacionais
dos mais pobres (2009, p. 1066).
Mas do que a crtica ao sistema de ensino, Gentili identifica alguns fatores que
contribuem para a universalizao sem direito, apontando-a como excluso
includente:
Trs dos fatores que contribuem para produzir a universalizao sem direitos e a expanso condicionada dos sistemas educacionais latino-americanos so: a) a combinao e articulao de condies de pobreza e desigualdade vividas por um significativo nmero de pessoas em nossas sociedades; b) o desenvolvimento fragmentado dos sistemas escolares e os enormes diferenciais de oportunidades que as escolas oferecem; c) a promoo de uma cultura poltica sobre os direitos humanos e particularmente sobre o direito educao marcada por uma concepo privatista e economicista, que longe de ampliar restringe as fronteiras desse direito s oportunidades de acesso e permanncia do mercado de trabalho (GENTILI, 2009, p. 1064).
Os indicadores de pobreza, misria e fome da populao associada
precarizao nas relaes de trabalho, como j citado, pode interferir no acesso s
instituies educacionais. Outro aspecto observado em pases latinos o ingresso
prematuro no mercado de trabalho e entre as meninas, a maternidade precoce
(UNICEF, 2008b, apud GENTILI, 2009). A pobreza no corresponde apenas a uma
problemtica da populao mais jovem, mas, tambm entre as populaes de origem
indgenas e africanas, em pases como o Brasil, os nveis de pobreza e indigncia da
populao indgena ou afro-latina, chegam em alguns casos a duplicar em relao aos
nveis de pobreza e indigncia entre a populao no indgena ou negra (GENTILI,
2009, p. 1066).
Desde o incio deste captulo, o quadro terico delineado apontou para
excluso e pobreza como processos relacionados condio de desigualdades sociais.
A importncia da discusso na sociedade brasileira resulta das condies histricas e
das mudanas que surgiram quanto a questo social, no entanto, os processos de
excluso so produzidos a partir de um controle em relao ao trabalho, mas que tem
ultrapassado a esfera do trabalho para outras esferas, como a educao produzindo
processos sociais excludentes. A educao como um direito funda-se nas sociedades
capitalistas de forma desigual, retomando a expresso de Gentili quando refere-se a
excluso includente, esse movimento cria novos processos de escolarizao para as
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classes mais pobres. Aqui retoma-se a questo inicial sobre a excluso, agora
voltando-se para a educao.
1.3 A excluso vai escola: da sociedade ao sistema de escolarizao
A pobreza um dos desdobramentos das relaes sociais e histricas, que na
sociedade brasileira marca a oposio entre os indivduos baseadas nas desigualdades
sociais e econmicas que em alguns pases assemelha-se a diviso de classe. No
Brasil essa diviso no parece ser to ntida, a ponto de se ter criado recentemente
uma nova classe mdia (NERI, 2001), que, na realidade, caracteriza as pessoas que
migraram da misria absoluta para uma faixa menos pobre. Na atualidade, o
significado de excluso social, como um conjunto de processos que se estabelecem no
campo social, assemelha-se tambm a esta oposio de classes sociais. Para a
compreenso dessas relaes sociais pode-se citar que os conceitos de desqualificao
social (PAUGAM, 2004) e de excluso social (CASTEL, 2008) contriburam para a
compreenso das relaes de desigualdades. Nessas relaes, inclui-se a escola no
conjunto das explicaes sobre as desigualdades, principalmente, com a expanso de
oportunidades e a entrada das camadas populares na escola a partir das ltimas
dcadas.
No campo terico, esta dissertao busca a compreenso da excluso
educacional e como esta tem se manifestado atravs das relaes escolares, criando
acessos e sadas no interior da escola. Assim, a discusso que orienta esta parte do
trabalho remete ao conceito de excluso da escola e de excluso na escola,
identificado a partir dos estudos de alguns autores, tais como: Ferraro (1999) in
Ribeiro (2006), Dubet (2001; 2003; 2004), Bourdieu e Champagne (2001).
De acordo com Ferraro (1999), o conceito de excluso da escola e de excluso
na escola se faz necessrio para identificar fenmenos de no-acesso, evaso,
reprovao e repetncia de crianas das camadas populares (FERRARO,1999, apud
RIBEIRO, 2006, p. 158). No contexto da sociedade brasileira, como em outros pases,
a partir de avaliaes, reconheceu-se serem inaceitveis as desigualdades sociais entre
as pessoas de diferentes grupos e baixos rendimentos educacionais, assim foram
traados objetivos e metas para avanar nos indicadores educacionais nos prximos
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anos. Entre algumas medidas, pode-se citar a reestruturao da escola quanto
universalizao do ensino, atravs da expanso do acesso escola e a avaliao da
aprendizagem do aluno. Essa reordenao tem sido acompanhada desde o final da
dcada de 1990. Diante do quadro atual da poltica educacional, indicadores como a
distoro srie-idade, evaso e fracasso escolar passaram a ser repensadas.
Na anlise de Freitas (2007), o conceito de excluso refere-se s polticas de
equidade, que foram criadas para a incluso das camadas populares na escola. E ao
faz-lo, coloca em discusso a qualidade da educao para as classes populares,
atravs do conceito de eliminao adiada, que foi utilizado para identificar uma das
formas de excluso no interior da escola, assim, o conceito referia-se permanncia
dos alunos dessas camadas na escola durante algum tempo, postergando a sua
eliminao da escola e realizando-a em outro momento mais oportuno (FREITAS,
2007, p. 972).
De acordo com o autor, as polticas educacionais atravs da universalizao do
ensino amplia as vagas escolares possibilitando o ingresso do aluno na escola, entre
algumas medidas adotadas retoma-se o significado das polticas de insero social
citadas por Paugam (2003) e Castel (2008), j discutidas inicialmente. Assim, a
excluso como um processo social, dentro do contexto da escola se manifesta em
desigualdades de aprendizagens e consequentemente, resultam na excluso escolar,
uma vez que a cultura da escola difere da origem social do aluno. Esta afirmao
parte da compreenso do Brasil como um pas com ampla diversidade sociocultural e
neste contexto est inserida a escola que reflete as demandas eminentes da sociedade,
portanto, reproduzidas no espao de sala de aula.
A anlise de Bourdieu e Champagne (2001), tambm refere-se excluso da
escola, atravs do conceito de excluso branda, que se assemelha ao conceito de
eliminao adiada. Para estes autores, a escola incluiu precariamente alunos de classes
antes excludas dos processos de escolarizao, mas atravs da legitimao seletiva
criaram-se formas de excluso, tambm nos espaos escolares, justificada pelo
fracasso escolar, repetncia e abandono escolar. Assim, afirma:
Os alunos ou estudantes provenientes das famlias mais desprovidas culturalmente tm todas as chances de obter, ao fim de uma longa escolaridade, muitas vezes paga com pesados sacrifcios, um diploma desvalorizado; e, se fracassam, o que segue sendo seu destino mais provvel, so votados a uma excluso, sem dvida, mais estigmatizante e mais total do que era no passado: mais estigmatizante, na medida em que,
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aparentemente, tiveram sua chance [...] Assim, a instituio escolar tende a ser considerada cada vez mais, tanto pelas famlias quanto pelos prprios alunos, como um engodo, fonte de uma imensa decepo coletiva: essa espcie de terra prometida, semelhante ao horizonte, que recua na medida em que se avana em sua direo (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 2001, p.221).
Deste modo, os excludos no interior correspondem, na atualidade, a
compreenso de que o aluno est no interior da escola, pois dela faz parte, ento
excludo de outros segmentos sociais, como o caso do trabalho. Neste sentido, est
imbricada a qualidade do ensino, provido e desprovido culturalmente, sem fazer
parte ou mesmo acreditar na escola.
Portanto, em outras situaes educacionais a excluso da escola poderia
referir-se ao no acesso. Autores como Bourdieu e Champagne (2001) mostram como
a excluso se d no acesso a escola, atravs da eliminao que acontece em espaos
escolares, uma vez que a possibilidade de o aluno seguir uma trajetria regular na
escolarizao, depende, entre outros fatores, de um capital cultural diferente das
camadas sociais no dominantes. Esta nova forma de excluso cria critrios seletivos
de matrcula, polticas assistenciais vinculadas escola legitimada a partir de uma
ideologia que responsabiliza o aluno.
Dubet (2001; 2003), analisando o contexto escolar, afirma que a educao no
mais um bem raro, no entanto tornou-se mais hierarquizado, quando se pensa na
garantia de matrcula na escola e na aprendizagem do aluno. A partir do contexto
social e escolar da Frana do final do sculo XIX, o autor apresenta questes
relacionadas ao desemprego dos jovens, que resulta da falta de adequao entre
formao e emprego. Os argumentos aos poucos foram se modificando e a excluso
social dos jovens no ocorre apenas nas relaes de trabalho, mas tambm, na
insero escolar. Dubet (2003), explica como a escola vai se estruturando e que o
dualismo escolar resulta das diversas clientelas no interior da escola, para este
entendimento, a escola parece ser justa e neutra, no entanto, as injustias sociais
que so diretamente a causa das desigualdades escolares (DUBET, 2003, p. 32)
Em relao s desigualdades sociais Dubet (2001) apresenta duas posies:
uma relacionada s escalas e registros, e a outra como um conjunto de processos
sociais e de mecanismos individuais e coletivos. Para o autor, a segunda perspectiva
mostra a dupla natureza das desigualdades, entre as quais algumas se reduzem,
enquanto outras crescem. essa a relao que se estabelece em uma sociedade onde
direito de igualdade e oportunidade aparecem de forma oposta entre as classes sociais.
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Assim, a desigualdade vai sendo explicada a partir das relaes econmicas e da
estrutura de classe, das desigualdades tnicas e educacionais e entre faixas etrias,
como uma demonstrao de desigualdades injustas. O autor afirma ainda que, no se
pode ignorar as determinaes das desigualdades sociais, pois:
tudo muda na escola democrtica de massa que se empenha, e no s formalmente, em oferecer condies iguais de oportunidades. Os alunos j no so selecionados na entrada do sistema escolar, mas, sim, durante os estudos, em funo unicamente do seu desempenho (DUBET, 2001, p. 16).
Ainda de acordo com Dubet (2001), as desigualdades vo se acentuando em
vrias reas de ocupao, seja em relao educao ou ao trabalho, mas quando a
educao responsabiliza os prprios alunos pela o sucesso ou insucesso na escola
pode ser um princpio da legitimao da desigualdades, onde a prova da dominao
das desigualdades injustas primeiramente vivida como uma manifestao de
desprezo, de reduo da pessoa em seu papel e ao olhar do outro (DUBET, 2001, p.
17). O autor se refere a um sentimento que para os alunos dos bairros desfavorecidos,
esbarram na contradio entre igualdade e desigualdade; quando os valores
individuais so colocados prova, por exemplo, em relao ao insucesso na escola,
outras estratgias so criadas como a retirada e violncia (DUBET, 2001, p. 17).
Tais sentimentos resultam na remoo ou negociao como parte de um jogo no
ambiente escolar e que os mantm integrados a um grupo; uma estratgia utilizada
pelos alunos para o rompimento so os atos de violncia e ameaas entre eles e aos
professores como uma forma de inverso do jogo e no serem culpados por fracassos.
Esse dualismo escolar e o recrutamento das diversas clientelas permitem ou
no o acesso as diversas formas de ensino. O papel da escola na excluso escolar
implica isolar de maneira terica e abstrata, os mecanismos e os fatores pelos quais a
escola acrescenta, alia fatores de desigualdade escolar e de excluso que
ultrapassam a simples reproduo das desigualdades sociais (DUBET, 2003, p. 35).
A escola, portanto, opera as grandes divises e as desigualdades sociais, ocasionando
a seletividade escolar, onde um dos aspectos de diferenciao o percurso construdo
e a trajetria escolar dos sujeitos, os alunos com dificuldades so orientados para
trajetrias escolares mais ou menos desvalorizadas no interior de uma hierarquia
(DUBET, 2003, p. 36), cuja estratgia aprofunda as desigualdades e acentuam a
excluso escolar.
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Assim, diante da realidade do contexto escolar e do aluno de camadas mais
populares na escola, as pesquisas e estudos em sociologia da reproduo foram
substitudos pelos problemas sociais na escola e na anlise dos mecanismos internos,
tratando-se como um problema construdo tanto pela realidade quanto pelas respostas
polticas sociais. O problema das escolas e dos alunos difceis se imps, em poucos
anos, como o ponto no qual se focaliza o conjunto de problemas sociais: periferias,
desemprego, imigrao, delinquncia, violncia, abandono escolar (DUBET, 2003,
p. 37).
Para os atores sociais, h diferentes linguagens, o aluno de classe social
desfavorecida foi substitudo por aluno difcil e com dificuldades, assim, nesse
contexto que, pela primeira vez polticas de discriminao positivas so esboadas
com a configurao das Zonas de Educao Prioritrias (DUBET, 2003, p. 37).
Essas zonas correspondem s periferias urbanas, nas quais se concentram populaes-
alvo das polticas de insero social e com caractersticas de excluso. Assim, alguns
autores colocam em evidncia a distncia entre desigualdades educacionais e sociais,
ao explicarem as diferenas entre empregos qualificados e o acesso a diplomas, que
embora sejam relaes independentes, alteram as relaes de produo e encaminham
os menos qualificados a outras trajetrias aumentando oportunidades de desemprego e
precariedade em relao aos vnculos de trabalho (DUBET, 2003).
Ainda em relao diviso de classes na escola, Dubet (2004) alerta para a
discriminao, pois a escola participa de vrios mecanismos: escolas pblicas e
privadas, escolas fracas e fortes, que afastam da lgica da igualdade, e introduzem
mecanismos de polticas de discriminao positiva que evitam a concentrao de
grupos de alunos idnticos, como os pobres e com dificuldades educacionais. Assim,
tal poltica no corresponde apenas a entrada do aluno na escola, mas no espao da
sala de aula, atravs de um acesso ao conhecimento que favorea a sua prpria
excluso, em que o sistema justo ou menos injusto, no o que reduz as
desigualdades entre os melhores e os mais fracos, mas o que garante aquisies e
competncias vistas como elementares para os alunos menos bons e menos
favorecidos (DUBET, 2004, p. 547).
O autor afirma ainda que, a segmentao do mercado de trabalho no se
opera apenas em funo das necessidades econmicas, ela ativa e exacerba
diferenciaes sociais em funo do sexo, idade, do capital escolar da origem tnica
(DUBET, 2001, p. 9). Algumas mudanas podem ser identificadas em relao s
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desigualdades econmicas, a populao ativa no mercado de trabalho se feminizou,
embora reconheam-se diferenas entre os salrios de homens e mulheres e tambm
na ocupao dos setores de emprego demonstrando domnios sexualmente marcados.
As desigualdades etrias tambm sofreram mudanas a partir das polticas de insero
ao emprego e das formas de distribuio de renda. Para os jovens, a realidade o
desemprego, perodos longos de incertezas e precariedades antes do emprego estvel,
quando comparado aos adultos. As desigualdades tnicas convivem com a
segregao, quanto formao de bairros mais degradados socialmente,
estigmatizados, formando assim, as zonas de exlio (DUBET, 2001).
Lahire (2003), ao discutir desigualdades a partir do contexto histrico da
educao afirma que, as teorias estruturalistas e funcionalistas da reproduo,
utilizavam uma viso macrossociolgica para entender as desigualdades promovidas
pela escola,
basicamente, lanavam mo dos mtodos estatsticos, tentavam dar conta das desigualdades sociais perante a escola em funo da posio das famlias dos alunos nas relaes de produo econmica (Baudelot; Establet, 1971) ou na estrutura de distribuio do capital cultural (Bourdieu; Passeron, 1970) (LAHIRE, 2003, p. 984).