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Penteia meu fiapo de lã: Criação e Questionamentos de Gênero nas HQ’s1
Lais Gabrielle de Lima Rabelo / Faculdade Estácio de Belém IESAM
RESUMO
Penteia meu fiapo de lã é uma coletânea de história em quadrinho online (disponível em
http://Penteia.com), semestralmente atualizada, em processo de expansão voltada para temas
do cotidiano pós-moderno, envolvendo sobretudo questões de gênero. Utilizando quadrinhos
de forma crítica e convidativa às discussões ao longo de seus capítulos, faz o público exercer
habilidades interpretativas visuais e verbais, seguida a proposta de Eisner (1985) para a
definição desta mídia. Nesta modalidade, as possibilidades de extensão para monitores e
dispositivos móveis reinventa os quadrinhos, conforme McCloud (2006), propondo às leitoras
e leitores maior interatividade e contato com estas discussões. O trabalho também questiona as
representações do feminino, uma vez que, ao longo de sua trajetória histórica, as HQ’s
refletiram a imagem da mulher na sociedade. Representações estas, criadas geralmente por
homens e para homens ainda que frequentes, estas sutis imposições, certamente têm grande
peso simbólico, as quais são questionadas e reapresentadas nos vários capítulos do Penteia meu
fiapo de lã.
O projeto experimental Penteia meu fiapo de lã protagoniza três bonecas de pano,
apresentando tabus sociais ao gênero e reflexões do padrão familiar heteronormativo. A
Primeira personagem a ser apresentada é a boneca de Maria Valentina, que problematiza
diversos assuntos de forma lúdica, a respeito de uma menina de 12 anos em sua brincadeira de
boneca. Medos e indagações impostas ao feminino finalizam o volume um desta saga dando
abertura aos dilemas mais complexos nos dois volumes posteriores. Nestes, são apresentados
os pais de Maria Valentina, a saber, Regininha e Antônio Amorosa, respectivamente uma mãe
preconceituosa e um pai que se revela homossexual, passando posteriormente a “performar a
feminilidade”, no conceito de Butler (2010), apresentando-se como Drag Queen. Com capítulos
a serem lidos de forma breve e simples, o projeto conta com análises sócio semióticas dos
desenhos e críticas do discurso em determinadas falas das personagens. Isto enriquece os
conteúdos a serem debatidos entre o público, o que amplia a representatividade da temática, no
mercado das mídias.
1 Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os dias 25 e 27 de outubro de 2016, Belém/PA
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Como resultados alcançados até o momento, destaca-se que nos últimos meses, o Penteia
meu fiapo de lã tem participado de encontros de leituras em bibliotecas públicas e mesas
redondas de discussão acadêmica, além de exposições. É digna de nota a receptividade positiva,
deste projeto, por crianças, jovens e profissionais de comunicação. Isto aponta para a
importância das produções independentes, na literatura pós-moderna, as quais servem de base
à inserção do combate à discriminação entre gêneros, raça, e pensamentos filosóficos, em
antítese da dignidade e a negação do pluralismo. Este trabalho milita no sentido de dar
concretude aos direitos preconizados pelos dispositivos contidos no art. 1º, III e art. 3º, IV,
ambos da Constituição Federal.
Palavras-chave: Quadrinhos , Gênero , Mídias
Introdução
O presente trabalho enfoca a narrativa e a imagética, de quadrinhos experimentais que
compõem um volume, que se encontra disponível no site Penteia.com. As narrativas e imagens
têm a função precípua de questionar papéis de gênero e representatividade, sobretudo através
de três personagens femininas.
Nesta oportunidade cabe uma breve síntese, com o intuito de explicar o que são os quadrinhos,
bem como o “papel” sinóptico, da representatividade feminina nesta mídia, que “in casu”
questiona as vestimentas, o cotidiano intrínseco e a representatividade e significação do
universo da mulher.
Como suporte filosófico, abordamos todas essas interativas e complexas questões, sob a
âncora do hiper modernismo. Este Termo foi cunhado por Lipovetsky (2004), em cujo termo
hiper conceitua a exacerbação de valores ainda presentes no pós moderno, como a liberdade e
igualdade, os quais contribuem para uma situação de mudanças constantes, dentro da sociedade.
Este mesmo autor refletiu sobre a história da mulher, em seu livro ‘A terceira Mulher’, no qual
tem como parâmetros, a primeira mulher submissa, a segunda mulher-objeto e a terceira mulher
descrita com que “Ela não era mais do que aquilo que o homem pretendia que ela fosse.”
(LIPOVETSKY, 2000 ; pg. 232)
Assim, de acordo com Lipovetsky (op. cit.; pag. 14):
“No próprio coração da hiper modernidade, reorganiza-se a diferença das
posições de gênero. É apenas quando se esvaziam de sentido existencial e se
chocam de frente com os princípios de soberania individual que os códigos
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ancestrais do feminino se eclipsam. Em outras situações, as funções e papéis
antigos se perpetuam, combinando-se de maneira inédita com os papéis
modernos”
O mesmo conceito aplica-se aos questionamentos de gênero, discutidos nas mídias, moda e
projetos de educação do governo. Como exemplo cita-se Sylvia Cavasin, coordenadora da Rede
de Gênero e Educação em Sexualidade (Reges), na sua entrevista sobre a importância de
discutir gênero nas escolas (CAVASIN, 2015).
"A escola é um campo fértil para identificação das questões que
envolvem a opressão, os preconceitos, a homofobia, o sexismo, o
racismo e outras iniquidades”.
De acordo com as manifestações de receptividade do nosso público de período escolar, em
certas ocasiões crianças de 10 a 12 anos e adolescentes até 15 anos, o quadrinho Penteia meu
fiapo de lã representou uma porta de entrada para discussões outras, independentes das
“amarras” curriculares formais. Estas declarações espontâneas, sobretudo, do público estudantil
dos Ensinos Médio e Fundamental, nos fazem refletir seriamente, sobre a importância destas
temáticas de gênero e representatividade, nas mídias de massa, na inclusão social e no combate
ao preconceito.
Histórias em quadrinhos, como o próprio nome diz, é conteúdo criado de forma a provocar
o público, a exercer as suas habilidades interpretativas visuais e verbais, como nos apontou
Eisner (1985) em seu livro “A arte sequencial”. Neste trabalho, o autor supra, definiu
pioneiramente a criadores, desenhistas e roteiristas de quadrinhos, as técnicas a serem utilizadas
nas HQ’S.
O progresso acadêmico e técnico-científico em uma discussão relativamente atual, com o
auxílio de novas mídias, requer tempo para aceitação do grande público. Afinal, interagir com
uma obra, que é prenhe de enunciados da cultura popular, ainda entendidos pelo “status quo”,
como grande tabu do “nosso tempo”, a exemplo da menstruação, assédio infantil e as novas
definições de família, significa mexer em temas, mazelas e feridas culturais, que ainda estão
longe da cicatrização. Como fundamento da percepção obtida em nossa caminha, acerca do uso
social crítico dos veículos de mídia, e a expectativa do horizonte de seus resultados, cita-se
Xavier (2005; p. 28) e seu livro "Storytelling, histórias que deixam marcas". Este o autor nos
leciona que:
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“Histórias são poderosas, desconstruir as ideias consistentemente
implementadas leva tempo”.
Considerações Fundamentais Acerca dos Quadrinhos
Neste Item será apresentado um conjunto de considerações, entendidas como fundamentais,
para que se possa avançar na avaliação crítica e na cognição que se pretende divulgar, com o
conteúdo dos quadrinhos.
Antes de tudo, precisamos entender o que são os quadrinhos.
Neste projeto, o conteúdo a ser apresentado baseia-se nas definições fundamentais, do que
se entende por “Arte Sequencial” e suas técnicas. Segundo Eisner (1982, p. 18) a função
principal da arte dos quadrinhos é comunicar uma ideia e/ou histórias, por meio de palavras e
figuras.
Há certa discussão, entre autores relacionados aos quadrinhos, quanto ao surgimento deste
veículo. Na nossa avaliação, o melhor posicionamento, que sintetiza a maioria dos
entendimentos estudados como referência deste trabalho, é aquele proposto por Waldomiro
Vergueiro (2014; p. 6), qual seja a síntese:
"De certa forma pode-se dizer que as histórias em quadrinhos vão ao
encontro das necessidades do ser humano, na medida em que utilizam
fartamente um elemento de comunicação que esteve presente na
história da humanidade desde os primórdios: A imagem gráfica”
Uma questão de extrema importância, que merece profunda reflexão, é a ênfase na
organização e disposição, planejada, sequencial ou não dos quadrinhos. Outra consideração de
muito significado é a necessidade ou não da fusão perfeita, entre as palavras e as imagens.
Tais preocupações acerca dos usos da imagem e dos textos, para os quadrinhos, podem ser
determinantes para o modo e o sucesso da leitura. Neste contexto, segundo McCloud (2008, p.
12)
“O fluxo da leitura pode prosseguir ininterrupto (...) melhorar o fluxo
pode ajudar o público a entrar no mundo de sua história”.
Estas “preocupações” acerca dos fundamentos apresentados supra, sempre nortearam este
trabalho, no que concerne às construções midiáticas, imagéticas e críticas, de cada quadrinho,
encadeados contextualmente, de acordo com as proposições de Eisner (op. cit.), para as
questões de criação sequencial. A todo tempo perseguiu-se o fomento de interesse e, de certa
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forma o relevo dos significados sociológicos, de modo a não produzir lacunas ou quebras
cognitivas, favorecendo assim, o fluxo sobre o qual nos lecionou McCloud (op.cit.), e que
certamente lastrearam tecnicamente, a boa aceitação do público, até então.
Tais fundamentos são subjacentes ao Primeiro Capítulo “Tamanho PP”. Neste, a
personagem principal - Maria Valentina - narra a situação do seu primeiro sutiã. No trato com
esta peça do vestuário, que é ícone da representação feminina moderna, surgem indagações
críticas, acerca da necessidade do uso do item, bem como do porquê de sua utilização? Uma
vez que se nem “corpo” de mulher ela tem.
Impulsionada por uma breve pressão das colegas de escola sobre a definição de que peitos
define uma mulher. Ridicularizada por utilizar meias para aumento dos seus seios, as leitoras e
Leitores são induzidos por meio de ilustrações criando um fluxo de leitura na página 4, visto
na Figura 1, para a próxima folha (Página 5) na qual explica, a representatividade das bonecas
na história, “brincando” com o reflexo do real, Figura 2.
Os discursos são auxiliados também pelos balões das falas. Apenas as imagens ou narrativas,
feitas pela própria personagem central de cada volume, são marcadas por retângulos na parte
superior ou lateral dos quadros.
Na abordagem das falas houve a influência de Cirne (1970), através de seu livro “A Explosão
Criativa dos Quadrinhos”. Segundo o autor:
Figura 1 Figura 2
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“O balão pode, igualmente, ultrapassar a sua realidade específica,
tornando-se um elemento estrutural, abandonando as palavras dos
personagens para ir contornar o próprio quadro “Ou seja , usar a
imagem do quadro pode ser tão informativo como um balão. “uma
instigante visualização espacial do som, assim como também o é a
onomatopéia. Criador de um novo espaço gráfico, [o balão]
redimensiona o quadro” (CIRNE, 1970, p.16).
No Capítulo 3 ”Amiga , te conheço” há um exemplo de utilização de onomatopeia como
recurso. Isto significa um avanço comunicativo, uma tentativa de alargamento de fronteiras e
de interações de linguagem, para além de balões. Este uso se deu para descrever uma situação,
em que as personagens se encontram. Houve a inserção de um quadro na diagonal para o
público acompanhar a história. Como exemplo, apresentamos a mostra da figura 3, referente a
página 3, do capítulo citado.
Um dos pontos fulcrais, sobre o qual também repousa, o desenrolar da saga de Maria
Valentina, seus amigos e conhecidos, é o discurso claro e direto, sobre o que se passa entorno
das bonecas. Se tentássemos usar um dos jargões da cultura jovem brasileira moderna, seria o
termo “papo reto”.
Estas opções princípio lógicas sobre HQ’s influenciam em todo o aspecto visual e linguístico
da obra. Em alguns momentos são prezados muito mais o conteúdo, do que aspectos detalhados
Figura 3
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ou realísticos, como os encontrados na maioria das Comics, como as clássicas personagens da
Marvel ou DC. Estas indústrias têm em suas estórias, o apelo visual de personagens ou heroínas
voltadas aos interesses e gostos do público jovem masculino.
Assim, o que se espera estar evidente a esta altura, é que a imagem da “mulher” para a mídia
proposta neste trabalho ganha novas indagações, a partir da reformulação de papéis de gênero.
Questionamentos de gênero
Diante do conteúdo discutido até aqui, consideramos penteia meu fiapo de lã uma das obras
pioneiras na Região Amazônica, que busca registrar, discutir e entender, as diversas
manifestações culturais e midiáticas sobre gênero. Penteia meu fiapo de lã inclui estes debates,
em meio a um setor de criação, cuja existência é marcada de uma destacada maioria de homens,
como observado no documentário “VHQ – Uma breve história dos quadrinhos paraenses”
(SOUZA, 2015). Neste documentário há o resgate, da história pouco documentada dos amantes
das HQ’s, acerca da criação da gibiteca, ponto de encontro dos quadrinistas de Belém. Adriana
Abreu, quadrinista é a única representante do time das mulheres no vídeo. Assim como Adriana,
há Samantha Ranny com sua página “Erva de Gata”, na qual encontra-se uma linguagem
direcionada às questões feministas.
Cabe ressaltar, acerca da representação feminina, na área de criação da mídia de massa dos
quadrinhos, a afirmação de Barcellos (2000), em seu artigo “O feminino nas histórias em
quadrinhos. Parte I: A mulher pelos olhos dos homens”:
“Dos cenários aos enredos, passando pelos personagens, tudo nas
histórias em quadrinhos pode ser visto como uma apropriação
imaginativa de conceitos, valores e elementos que foram, são ou
podem vir a ser aceitos como reais” (BARCELLOS, 2000).
A autora em comento realça a importância de se questionar a mensagem que será
apresentada aos leitores e leitoras, a relatividade das personagens femininas em relação às
personagens principais, suas personalidades e vestimentas. Para esta pesquisadora, tudo tem
um porque, e uma mensagem para aqueles a quem se destinam as ideias centrais.
No caso do Penteia, existe a intenção objetiva de mostrar existem problemas de gênero, os
quais são estabelecidos pela simples definição do sexo. Como fundamento para esta
asseveração, apresentamos aquilo que resume Butler (2010), uma pensadora de referência
nesta área da filosofia:
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“O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição
cultural de significado num sexo previamente dado, (...) tem de
designar também o aparato mesmo de produção mediante o qual os
próprios sexos são estabelecidos” (BUTLER, 2010; p. 25).
Como podemos observar lendo os quadrinhos descritos neste trabalho, todas as personagens
principais são bonecas (Figura 4), do gênero feminino, por certo preconceito da mãe de Maria
Valentina. Esta personifica a postura tradicional, esta mesma que se deseja questionar, acerca
dos objetos “de menino” e aqueles “de menina”. Embora estes conceitos calcados na moral
estabelecida, não constituam obstáculos do ambiento do entorno, para o desenrolar das histórias
imaginativas da menina Maria, estes conceitos tradicionais dão ensejo a diversas situações que
conduzem a reflexão e questionamento por parte da “dona” das bonecas.
Figura 4
A situação descrita é exemplificada na Figura 5, na página 05, do Capítulo 5, “Maria
Valentina não sabe o que ela é”.
Figura 5
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Nos desenhos e falas, de Penteia meu fiapo de lã, visa busca-se refletir sobre enunciados dos
papéis de gênero, cujo conceito para Scott (1994 ;12) significa,
“(...) saber a respeito das diferenças sexuais. Uso saber, seguindo
Michel Foucault, com o significado de compreensão produzida pelas
culturas e sociedades sobre as relações humanas, no caso, relações
entre homens e mulheres. Tal saber não é absoluto ou verdadeiro,
mas sempre relativo. (...) O saber não se relaciona apenas a ideias,
mas a instituições e estruturas, práticas cotidianas e rituais
específicos, já que todos constituem relações sociais. O saber é um
modo de ordenar o mundo e, como tal, não antecede a organização
social, mas é inseparável dela.”
Além das personagens serem totalmente inspiradas no real, a reflexão entre as entrelinhas,
as linhas tortas e desenhos manuais com edições finais, convida para o campo acadêmico,
escolar e social sobre o uso das novas mídias para um tema complexo, digno de uma vertente
do campo da antropologia.
A Brincadeira inspirada no Real
Neste item serão apresentadas as descrições das bonecas, que personificam a protagonista e
demais personagens da Saga de Maria Valentina. As descrições seguirão a ordem estabelecida
das bonecas que compõem as personagens da Saga de Maria Valentina , de acordo com a Figura
6 e, se darão da direita para a esquerda.
Figura 6
10
As bonecas foram adquiridas pela autora deste trabalho, em meados de 2015, na Feira de
Caruaru, localizada a 130 Km da Cidade de Recife, Capital do Estado de Pernambuco.
Na Região Nordeste do Brasil estas bonecas, popularmente possuem o nome de bruxinhas.
Elas são produtos dos costumes históricos, uma vez que, em um passado não muito distante, as
mães costuravam retalhos de tecidos, criando bonecas de diversos tamanhos e cores, para
presentear as suas filhas (TUREK, 2010).As bonecas físicas do Penteia meu fiapo de lã têm
características sortidas, e foram feitas manualmente por uma artista desconhecida. Elas medem
em torno de 5 centímetros e, possuem cabelos feitos de lã desfiado. A única exceção trata-se de
Miriam, que é uma boneca russa materializada em madeira.
1. Miriam (Figura 7)
É a melhor amiga de Maria Valentina. Trata-se de uma tradicional boneca
russa, com o nome original Kurotz, loira e de pele branca. A Primeira crítica,
com qual é percebida esta personagem, encontra-se no capítulo 4: Amiga, te
conheço (Volume 1). Nesta parte da narrativa, a Miriam, na vida real da Maria
Valentina, tem cabelo crespo, deixando subentender que ela é negra.
Figura 8
A expressão cabelo ruim é um auto rejeição do cabelo pela personagem, figura 8, na
realidade, e a representante na brincadeira de Maria.
O objetivo, nesta altura da narrativa do quadrinho, foi a proposição de uma reflexão, que
contribuísse para um enfrentamento da cultura preconceituosa, da beleza eurocêntrica. A
opinião acerca do cabelo bom e do cabelo ruim, não raras vezes, é eivada de conteúdo da
endogenia racista. A tradução dessa expectativa é, por muitos, o posicionamento negativo, com
relação ao cabelo afro.
Figura 7
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Assim, uma outra possibilidade de realidade, fundamentada em visão crítica, é apresentada
através do quadrinho, mediante a comparação do cabelo crespo entre os fiapos de lã.
Na história, Maria Valentina reage contestando a expressão “Cabelo Ruim”, utilizada pela
amiga, ao tempo em que revela que se sente deslumbrada pela forma de seus fios, sentindo-se
realizada com os mesmos. Esse confronto, no mundo das opiniões, justifica a escolha de uma
boneca, com cabelos crespos e cheios, para protagonizar Maria, uma vez que, no “mundo real”,
a personagem principal da saga possui o cabelo liso e longo.
A Segunda crítica a ser analisada é a escassez de bonecas Afro. Este aspecto pode ser
verificado, pela fala exibida na figura 9. Em resumo, o que se perseguiu aqui, é que a
personagem Miriam conferisse ênfase, a uma pauta dedicada as representações e enunciados
culturais, referentes à afro descendência.
2. Maria Valentina (Figura 10)
Protagonista do volume um da Saga e, elo entre as apresentações das
estórias posteriores. Maria Valentina é entre as bonecas, a menor e com saia
de poá. Personagem que inicia as discursões, sobre imposições a um corpo
que se encontra transitando, para outro que se atribui a “mulher”. Neste
episódio nos deparamos com a indagação do Capítulo 1: Tamanho PP, no que
se refere ao primeiro sutiã. Que simbolicamente traduz uma passagem da
infância para a adolescência, visto no trecho da figura 11.
Figura 10
Figura 9
12
Figura 11
Aqui vale a menção a possibilidade da crítica, que um instrumento como o Quadrinho, pode
patrocinar. O episódio “Tamanho PP” é exatamente o oposto, em todos os sentidos, a mídia
aplicada e cognição proposta, no celebrado vídeo da W Brasil de 1987, cujo cliente foi a
Valisere, cujo título é “O Primeiro Sutien a Gente Nunca Esqueçe” (ALEXANDRE, 2012).
Uma comparação entre os dois, é aqui estimulada, para que se constatem as diferenças radicais,
entre o mesmo tema, com personagens até mesmo muito parecidas.
Correlacionando a imagem e o texto podemos justificar a finalidade do sutiã, para o corpo
de uma menina que não necessariamente precisa, mas que a imposição de gênero define suas
vestimentas. Aqui cabe a reflexão de Simone de Beauvior (apud BUTLER, 2010; p. 194),
mediante a transcrição de sua icônica frase: “Não se Nasce Mulher, torna-se mulher”, fato este
que se dá, através da interpretação dos significados culturais do corpo sexuado e gênero.
3. Regininha ( figura 12)
Personagem que ingressa na saga, a partir do Segundo Volume. Nesta
ocasião, Maria Valentina convida a sua mãe, para entrar em sua brincadeira,
e com isso revela mais sobre sua história e as justificativas de seus atos.
Regininha é retratada inicialmente, como uma mãe rigorosa, desde sua
primeira aparição, no capítulo 2: Menarca. Na oportunidade, demonstrou
estar aparentemente constrangida, por ter que explicar acerca da
menstruação, exemplo do trecho retirado na figura 13.
Figura 12
13
Figura 13
4. Antônio ( Figura 14 )
Antônio é o Pai de Maria Valentina. Ele é representado por uma
boneca colorida, que é a sua versão Drag Queen, Chamada Tônia
L’amour .
No Volume três há todo um discurso, no qual se apresentam os
dilemas, de se revelar homossexual depois de casado, além dos
preconceitos de uma sociedade homofóbica e machista, do seu ambiente
de trabalho.
Conclusão
As seguintes conclusões obtidas neste trabalho desde a estreia do quadrinho, em setembro
de 2015 , até final do primeiro semestre de 2016.
As discussões de gênero acerca da receptividade dos leitores e leitoras tem sido muito
bem engajada. Desde comentários e compartilhamentos no Facebook, visualizações e
comentários no site até em encontros fornecidos em locais públicos para leitura e
discursão dos capítulos e volumes posteriores.
Especificamente, do público juvenil de 10 a 16 anos em relação ás diferentes famílias
e equidade de gênero. A reprodutibilidade do diferencial desta HQ entra em conflito
com o público adulto- idoso, que rejeitam questionamentos de gênero entre novas e
tradicionais mídias.
Figura 14
14
Quanto aos encontros sugeridos pela autora para debates em livrarias e bibliotecas
públicas, a aparição dos leitores e leitores ainda se encontra escassa, mas com
diversificação de faixa etária, gênero, cargo ocupado e orientação sexual, cujo o
principal objetivo que transcende a barreira virtual, a se juntar em prol deste projeto é
de intrínseca humanização e representatividade nas produções de entretenimento.
De acordo com a consulta pública de Pacto Nacional Universitário pela promoção do
respeito à Diversidade e da Cultura de Paz e Direitos Humanos , promovido pelo
Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH) , no qual tem como
objetivo ,o desenvolvimento e a implementação da Educação em Direitos Humanos no
âmbito da Educação Superior, buscando, assim, superar a violência, preconceito e
discriminação no ambiente acadêmico. Trabalhos com mídias independentes retratando
de temas referentes à pluralidade e direitos individuais podem se encaixar
perfeitamente neste âmbito. Penteia meu fiapo de lã inicia-se com simplicidade , mas
com impulso que é consideravelmente notável se tratando de conteúdo reflexivo.
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