Paula Ângela Coelho Promovendo um processo de construção ... · vi palavras-chave Intervenção...
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Universidade de Aveiro2007
Departamento de Cincias da Educao
Paula ngela Coelho Henriques dos Santos
Promovendo um processo de construo de uma cultura de Interveno Precoce
ii
Universidade de Aveiro2007
Departamento de Cincias da Educao
Paula ngela Coelho Henriques dos Santos
Promovendo um processo de construo de uma cultura de Interveno Precoce
Tese apresentada Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de Doutor em Cincias da Educao, realizada sob a orientao cientfica da Professora Doutora Maria Gabriela Correia de Castro Portugal, Professora Associada do Departamento de Cincias da Educao da Universidade de Aveiro
iii
Dedico este trabalho minha querida filha, Maria Margarida.
iv
o jri
presidente Reitora da Universidade de Aveiro
Prof. Doutor Jos Pereira da Costa Tavares
Prof. Doutor Jorge Adelino Rodrigues da Costa
Prof. Doutora Maria Gabriela Correia de Castro Portugal
Prof. Doutor Joaquim Eduardo Nunes S
Prof. Doutora Ana Maria da Silva Pereira Henriques Serrano
Prof. Doutora Maria do Cu Neves Roldo
Prof. Doutora Rosa Lcia de Almeida Leite Castro Madeira
v
agradecimentos Ao meu marido e minha filha, pelo apoio, pela inspirao, por
simplesmente estarem comigo.
Aos meus pais, ao meu irmo, Ilda e Maria Beatriz, por todo o apoio.
Professora Gabriela Portugal, a sublime, que nos fortalece para
crescermos como rvores para o alto!
s minhas colegas de jornada da Equipa de Coordenao e de Superviso
de Interveno Precoce (IP) de Aveiro, pelo apoio, partilha,
companheirismo, expertise, entusiasmo, amor e viso em IP.
Aos profissionais de IP de Aveiro, pela aceitao, disponibilidade,
competncias e precioso feedback.
Maribel Miranda, pela excelncia do seu profissionalismo e
companheirismo, que transformaram a tarefa de anlise e tratamento dos
dados em momentos de implicao, aprendizagem e bem-estar.
s minhas queridas amigas Ana Paula Aveleira e Isabel Lopes, pela fora
que encontro na nossa indizvel amizade!
s pessoas do Centro de Infncia Arte e Qualidade, muito em especial
Ivone Bastos e Maria Joo Filipe, pela excelncia do seu profissionalismo
e pessoalidade na nossa parceria, na educao e cuidados Maria
Margarida.
As pessoas da IP de Coimbra PIIP e ANIP -, a comunidade que me
apresentou a IP, e com quem tanto cresci e aprendi!
A todas as pessoas do Departamento de Cincias da Educao da
Universidade de Aveiro e da Unidade de Investigao Construo do
Conhecimento Pedaggico nos Sistemas de Formao, pelo bem-estar que
me fazem sentir, sempre, e pelo apoio imenso que me deram ao longo
deste percurso.
A todos os contextos em que trabalhei e vivi, em especial ao Centro de
rea Educativa de Coimbra, onde muito trabalhei e me realizei, numa
maravilhosa equipa, inserida num contexto desafiador e suportivo, forte e
fortalecedor.
A todas as crianas e famlias com quem tive o privilgio de me relacionar:
pelas oportunidades de enriquecimento pessoal e profissional; pela
inspirao que todas foram para mim.
vi
palavras-chave Interveno Precoce, empowerment, capacitao, cultura, transversalidade, superviso, liderana.
resumo O presente trabalho prope-se apresentar o estudo de investigao-aco desenvolvido na estrutura de Interveno Precoce (IP) de Aveiro (DC 891/99) entre 2002 e 2005. Compreende informao que enquadra e fundamenta a aco realizada, a descrio da prpria interveno, os produtos/instrumentos de trabalho em IP da resultantes com especial referncia para o Perfil de Competncias de Superviso em IP -, e dados de avaliao gerados pelos profissionais de IP de Aveiro. A colaborao directa de reconhecidos(as) especialistas em IP enriqueceu o processo e legitimou os dados.
vii
keywords Early Intervention, empowerment, enabling, culture, transversality, supervision, leadership.
abstract This work intends to present the action research study developed in the context of the Early Intervention (EI) Structure of Aveiro (DC 891/99) from 2002 to 2005. It includes some rationale, underlying and framing decision-making and actions, the description of the intervention itself, the data/EI working instruments built with a special reference for the EI Supervision Competencies Profile -, and the evaluation data generated by the Aveiro EI professionals. The collaboration of recognized EI experts during the study, enriched the process and legitimated the data.
ix
NDICE DE CONTEDOS
Introduo 1
1. mbito e justificao do trabalho 3
2. Plano da tese e opes para enquadramento terico 7
I PARTE ENQUADRAMENTO TERICO 9
Captulo 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana 11
1. 1 - Parmetros para a compreenso do desenvolvimento humano (DH) 13
1.1.1 - O DH fruto de uma interaco dinmica e contnua entre biologia e experincia13
1.1.2 - Os cuidados e relaes precoces tm um impacto decisivo e duradoiro na forma como as pessoas se desenvolvem, na sua capacidade para aprender, na sua capacidade para regular as prprias emoes 14
1.1.2.1 - O beb: um comunicador nato 16
1.1.2.2 Comunicao e vinculao 17
1.1.2.3 - Relao de Vinculao: esteio da Vida 17
1.1.2.4 - Competncias para a aprendizagem: como a criana constri a sua fortaleza interna 19
1.1.2.5 - Um aprendiz competente 22
1.1.2.6 - Atributos Heart-Start 28
1.1.2.7 - A abordagem RIE (Resources for Infant Educarers) 30
1.1.3 - O crebro humano tem uma notvel plasticidade, mas o factor tempo crucial 32
1.1.4 - O DH tem a ver com a contnua interaco entre fontes de vulnerabilidade ou risco e fontes de resilincia ou proteco 37
1.1.5 - Prevenir e intervir precocemente crucial 43
1.2 - A famlia e o desenvolvimento humano 45
1.2.1 - A famlia-sistema 49
1.2.2 - O ciclo de vida da famlia: necessidades e recursos 51
1.2.3 - Papis na Famlia e Relaes 52
x
1.2.4 - Famlia e mudana maior 53
1.2.4.1 Quando nasce uma criana com deficincia 54
1.2.5 - Famlia e padres de interaco 60
Concluso do captulo 1 65
Captulo 2 - Polticas e prticas de interveno na infncia: o caso da Interveno Precoce 67
2.1 - Conceito e fundamentos de Interveno Precoce (IP), e sua pr-histria em Portugal 69
2.2 - O desenvolvimento de polticas educativas para a infncia e a Interveno Precoce 79
2.3 - O Despacho Conjunto 891/99, de 19 de Outubro 83
2.4 - Estrutura de Interveno Precoce (DC 891/99) de Aveiro: a nossa realidade 87
2.4.1 - Interveno Precoce em Aveiro: um modelo assente em transversalidade 90
2.4.2 - Componentes bsicas do modelo 91
2.4.2.1 - IP: a estrutura 91
2.4.2.2 - IP: a abordagem 92
2.4.2.3 - IP: o perfil do profissional (EID) 94
Concluso do captulo 2 - IP: construindo transversalidade entre estrutura, abordagem e perfil profissional 96
Captulo 3 Profisso: profissional de Interveno Precoce 99
3.1 - A profissionalidade em IP 102
3.1.1 - Caracterizadores da profisso profissional de IP 105
3.1.1.1 - Funo 105
3.1.1.2 Saber 105
3.1.1.3 - Poder 107
3.1.1.4 - Reflexividade 107
3.2 - O profissional de IP reflexivo e a investigao em IP 108
3.2.1 - O valor do porteflio na construo de competncias em IP 110
3.3 A Coordenao em IP 116
3.3.1 - Organizaes e liderana 117
3.3.2 - Perspectivas de liderana 118
xi
3.3.3 - Concepo cultural de liderana 120
3.3.3.1 - Promovendo a coeso nas organizaes 124
3.3.3.2 - Dinmicas de construo de cultura 129
3.3.3.3 - Apoiando o processo de construo da transdisciplina IP 134
3.3.3.4 - Socializao na cultura de IP 136
3.3.3.5 - Reunies de trabalho e comunicao nos diferentes grupos em IP 137
3.3.3.6 - Eficcia e motivao dos profissionais de IP 139
3.3.3.7 - Produtividade 141
3.3.3.8 - Questes de adaptao externa e de integrao interna (do grupo) 144
3.3.3.9 - O papel da ECD/IP 152
3.3.3.10 - Liderana e formao, evoluo, transformao e destruio da cultura 153
3.3.4 Liderana ambgua ou dispersa 157
3.3.5 - Liderana reflexiva ou organizaes baseadas na relao 158
3.4 - Formao e superviso em IP 162
3.4.1 - Formao 163
3.4.2 - Superviso 164
3.4.2.1 - Cenrios de superviso em IP 166
3.4.2.2 - Da superviso s prticas reflexivas experienciais 175
Estudos de casos e discusses em grupo 176
Auto-anlise / auto-avaliao 176
3.5 - O papel dos dinamizadores das Equipas de Interveno Directa (EIDs) de IP/Aveiro 180
3.6 - A Interveno Directa 181
3.6.1 - Parmetros de auto-avaliao do desempenho em IP/EID 182
3.6.2 - Modelo de Interveno Precoce e Suporte Famlia Integrado e Baseado na Evidncia 186
3.7 Relaes de suporte e poder 188
3.7.1 - Corresponsabilizao 189
3.7.2 - Empowerment colectivo: um modelo de relaes interpessoais em IP para o sculo XXI 190
Concluso do captulo 3 194
II Parte Investigao-aco na Estrutura de Interveno Precoce de Aveiro 197
xii
Captulo 4 - O estudo 199
4.1 - Caracterizao da estrutura de Interveno Precoce de Aveiro 206
4.1.1 - O universo em que nos movemos 206
4.1.1.2 - Dados de Estrutura das EIDs 2001 a 2005 206
4.1.2 - O conjunto de profissionais de IP de Aveiro: qual a identidade deste grupo? 221
4.1.2.1 - A Equipa de Coordenao Distrital de IP/Aveiro 222
4.1.2.2 - As Supervisoras de IP/Aveiro 223
4.1.2.3 - Os profissionais das EIDs/IP/Aveiro 225
4.2 Orientao terica e metodologias de investigao 227
4.2.1 A investigao-ao 228
4.2.2 Metodologia para a construo do Perfil de Competncias de Superviso em IP232
4.2.2.1 - A entrevista 234
4.2.2.2 - A Anlise de Contedo 234
4.2.2.3 - A Grounded Theory 236
4.2.2.4 - Da matria-prima ao material, at ao objecto/conceito 237
4.3 O processo de investigao(-aco) 237
4.3.1 As componentes do processo 239
4.3.2 As dinmicas e instrumentos criados 251
4.4 As dinmicas que crimos 252
4.4.1 - Outros instrumentos que construmos para suporte aco 256
Concluso do captulo 4 - Dinmica actual da IP em Aveiro 258
Captulo 5 - Os dados gerados 260
5.1 O Perfil de Competncias de Superviso em Interveno Precoce um instrumento de suporte prtica supervisiva em IP 262
5.1.1 Da matria-prima ao material, e deste ao objecto conceptual 264
5.2 - A avaliao dos profissionais das Equipas de Interveno Directa 276
5.2.1 - Dados resultantes de auto-avaliao nas dimenses de estimulao, sensibilidade e promoo da autonomia, de 2002-03 a 2004-05 276
5.2.2 - Dados de auto e hetero avaliao: o profissional de IP / a EID na interface com... famlias, comunidades, pares, equipa de superviso e equipa de coordenao distrital 282
xiii
5.2.3 - Avaliao das aces de formao (opinio dos formandos) 289
5.2.3.1 - Conferncias e Workshops em IP, Fevereiro 2001: 290
5.2.3.2 - Avaliao Formao Inicial IP (2002-03) 291
5.2.3.3 Plano Individualizado de Apoio Famlia (2004 e 2005) 292
5.2.3.4 Crescer: do nascimento aios trs anos (2003 e 2005) 293
5.3 - A avaliao pelas Supervisoras 296
5.3.1 O processo supervisivo 296
5.3.2 O processo e os produtos das entrevistas 317
5.4 - Dados das Reunies Inter - Equipas de Interveno Directa de Julho de 2005 e de Julho de 2006 321
Concluso e hipteses de trabalho: um projecto a terminar... uma enriquecida resposta comunitria 324
Nota final 330
Referncias bibliogrficas e normativos legais 334
Anexos 350
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Parmetros para a compreenso do desenvolvimento humano ...............................13
Tabela 2 Categorias e indicadores envolvidos nos processos de aprendizagem da criana..24
Tabela 3 - Hierarquia das necessidades humanas segundo Maslow ........................................26
Tabela 4 Atributos Heart Start ...............................................................................................29
Tabela 5 Dimenses da abordagem RIE................................................................................31
Tabela 6 Factores associados resilincia durante os primeiros anos do desenvolvimento
humano ......................................................................................................................................39
Tabela 7 - Dimenses de construo de resilincia na criana.................................................41
Tabela 8 Qualidades da criana resiliente. ............................................................................42
xiv
Tabela 9 O Ciclo de Vida da Famlia. ................................................................................... 51
Tabela 10 Recursos/foras (mais) crticos nas famlias em perodos de stress..................... 52
Tabela 11 Sentimentos e aces da famlia da criana com deficincia e intervenes
profissionais contingentes ......................................................................................................... 57
Tabela 12 Evoluo da IP...................................................................................................... 75
Tabela 13 Organograma: estrutura de Interveno Precoce em Portugal, seg. DC 891/99, 19-
10, e Protocolo para IP/Aveiro, 1998. ....................................................................................... 89
Tabela 14 - Componentes da transversalidade entre IP e EDEX ............................................. 96
Tabela 15 Transversalidade entre estrutura, abordagem e perfil profissional em IP/Aveiro.98
Tabela 16 Nveis estruturais da IP....................................................................................... 102
Tabela 17 Componentes do processo de desenvolvimento profissional em IP................... 103
Tabela 18 - Esquema de organizao (possvel) de um porteflio de Equipa de Interveno
Directa de IP............................................................................................................................ 115
Tabela 19 Principais propriedades das concepes de liderana mecanicista, cultural e
ambgua ou dispersa ................................................................................................................ 119
Tabela 20 Tipos de liderana segundo a concepo ou viso cultural ................................ 121
Tabela 21 - Nveis de cultura e suas interaces.................................................................... 123
Tabela 22 - Processo de transformao cognitiva em IP........................................................ 128
Tabela 23 - Factores a considerar na anlise do sentido de eficcia, motivao e empenho dos
profissionais de IP ................................................................................................................... 141
Tabela 24 - O ciclo de reproduo cultural ........................................................................... 143
Tabela 25 - O ciclo de reproduo material .......................................................................... 143
Tabela 26 - Os problemas de adaptao externa e sobrevivncia do grupo........................... 145
Tabela 27 - Os problemas de integrao interna .................................................................... 146
Tabela 28 - Estdios da evoluo dos grupos......................................................................... 151
Tabela 29 Mecanismos primrios para imbuir valores e crenas na vida quotidiana do grupo
................................................................................................................................................. 152
Tabela 30 - Mecanismos secundrios para imbuir valores e crenas na vida quotidiana do
grupo........................................................................................................................................ 153
Tabela 31 - Funo da liderana na evoluo da cultura e da organizao............................ 155
xv
Tabela 32 - Funo da liderana na evoluo da cultura e da organizao ...........................156
Tabela 33 Caractersticas das organizaes baseadas na relao. .......................................159
Tabela 34 - Liderana Reflexiva: Instrumento de Auto-Avaliao........................................160
Tabela 35 Dimenses do perfil profissional experiencial em IP identificando objectivos de
interveno...............................................................................................................................178
Tabela 36 - Dimenses do perfil profissional experiencial em IP avaliando o
desenvolvimento da criana ....................................................................................................179
Tabela 37 Corresponsabilizao: Campos, elementos-chave e tpicos. ............................190
Tabela 38 Evoluo das relaes / do tipo de empowerment nas relaes entre famlias e
profissionais.............................................................................................................................192
Tabela 39 Traos de abordagens contrastantes na conceptualizao e implementao de
Interveno Precoce.................................................................................................................194
Tabela 40 - Orientaes estratgicas na resoluo de problemas...........................................203
Tabela 41 - Profissionais das EIDs de 2001 a 2005..............................................................206
Tabela 42 - Dados de Estrutura das EIDs 2002/2003 ...........................................................206
Tabela 43 - Dados de Estrutura das EIDs 2003/2004. ..........................................................211
Tabela 44 - Dados de Estrutura das EIDs 2004/2005 ...........................................................215
Tabela 45 Crianas/famlias e concelhos apoiados, e n de profissionais que trabalharam em
IP nos anos de referncia. ........................................................................................................220
Tabela 46 Tipos de risco / diagnstico das crianas apoiadas nos anos de referncia. .......220
Tabela 47 Disciplina de origem dos profissionais de IP nos anos de referncia.................221
Tabela 48 - Os Direitos das Famlias......................................................................................224
Tabela 49 Componentes do processo de investigao-aco desenvolvido na estrutura de
Interveno Precoce de Aveiro (Despacho Conjunto 891/99 e Protocolo para IP/Aveiro, 1998),
entre Janeiro de 2001 e Outubro de 2005. ...............................................................................239
Tabela 50 Componente 1 do processo de investigao-aco (): A identificao do
problema. .................................................................................................................................240
Tabela 51 - Componente 2 do processo de investigao-aco (): Os objectivos..............241
Tabela 52 - Componente 3 do processo de investigao-aco (): As questes de
investigao. ............................................................................................................................242
xvi
Tabela 53 - Componente 4 do processo de investigao-aco (): A seleco de
tpicos/eixos de aco. ............................................................................................................ 242
Tabela 54 - Componente 5 do processo de investigao-aco (): A abordagem adoptada.
................................................................................................................................................. 243
Tabela 55 - Hierarquia das necessidades humanas o individuo no grupo........................... 246
Tabela 56 Vectores de influncia no desempenho das investigadoras na ECD/IP/Aveiro .248
Tabela 57 - Componente 6 do processo de investigao-aco (): O plano de aco........ 249
Tabela 58 - Componente 7 do processo de investigao-aco (): (Deciso sobre) os dados
para aferio da aco. ............................................................................................................ 250
Tabela 59 - Componente 8 do processo de investigao-aco (): (Decises sobre) a anlise
e a interpretao dos dados...................................................................................................... 250
Tabela 60 -: Esquema de organizao de porteflio de EID/IP ............................................. 258
Tabela 61 Rede de reunies de trabalho em IP/Aveiro, 2006-07....................................... 259
Tabela 62 reas, categorias e sub-categorias extradas das entrevistas s
Supervisoras/IP/Aveiro. .......................................................................................................... 265
Tabela 63 Questo orientadora da entrevista s supervisoras. ............................................ 266
Tabela 64 Exemplo (1) de extraco de sub-categoria/material e de competncia/objecto
conceptual a partir de enunciados das supervisoras/matria-prima. ....................................... 266
Tabela 65 - Exemplo (2) de extraco de sub-categoria/material e de competncias/objecto
conceptual a partir de enunciado de supervisora/matria-prima. ............................................ 267
Tabela 66 - Exemplo (3) de extraco de sub-categoria/material e de competncias/objecto
conceptual a partir de enunciados das supervisoras/matria-prima. ....................................... 268
Tabela 67 - Exemplo (4) de extraco de sub-categoria/material e de competncia/objecto
conceptual a partir de enunciado de supervisora/matria-prima. ............................................ 269
Tabela 68 Regras de ouro para Superviso em IP enunciadas pelas supervisoras durante a
entrevista ................................................................................................................................. 275
Tabela 69 - Dificuldades e foras na aco das EIDs na interface com as famlias/crianas,
em 2004-05.............................................................................................................................. 282
Tabela 70 - Dificuldades e foras na aco das EIDs na interface com as comunidades, em
2004-05.................................................................................................................................... 284
xvii
Tabela 71 - Dificuldades e foras na aco das EIDs na interface com os pares, em 2004-05.
.................................................................................................................................................285
Tabela 72 - Dificuldades e foras na aco das EIDs na interface com a superviso, em 2004-
05. ............................................................................................................................................286
Tabela 73 - Dificuldades e foras na aco das EIDs na interface com a equipa de
coordenao, em 2004-05........................................................................................................287
Tabela 74 Avaliao das Conferncias e Workshops em IP (Fevereiro 2001), pelos
formandos. ...............................................................................................................................290
Tabela 75 Avaliao da Aco de Formao Inicial em IP (2002-03). pelos formandos. ..291
Tabela 76 Avaliao das aces de formao sobre Plano Individualizado de Apoio
Famlia (2004 e 2005), pelos formandos. ................................................................................292
Tabela 77 Avaliao da Aco de Formao Crescer: do nascimento aios trs anos
(Setembro de 2003), pelos formandos.....................................................................................293
Tabela 78 - Avaliao da Aco de Formao Crescer: do nascimento aios trs anos (Maio
de 2005), pelos formandos. .....................................................................................................295
Tabela 79 - Relatrio de avaliao do trabalho desenvolvido pela Equipa de Superviso de
IP/Aveiro, ao longo do ano lectivo de 2004-05.......................................................................298
Tabela 80 Avaliao do processo de entrevista s supervisoras de IP/Aveiro, pelas prprias.
.................................................................................................................................................317
Lista de Grficos
Grfico 1 - Dados de auto-avaliao das EIDs na dimenso estimulao, ao longo dos trs
anos do estudo. ........................................................................................................................278
Grfico 2 - Dados de auto-avaliao das EIDs na dimenso sensibilidade, ao longo dos trs
anos do estudo. ........................................................................................................................280
Grfico 3 - Dados de auto-avaliao das EIDs na dimenso (promoo da) autonomia (das
famlias), ao longo dos trs anos do estudo. ............................................................................281
xviii
Grfico 4 Pontuao geral do processo de entrevista s supervisoras de IP/Aveiro, pelas
prprias.................................................................................................................................... 317
Lista de Ilustraes
Ilustrao 1- Dimenses de organizao da fortaleza interna da criana............................... 20
Ilustrao 2 - Emergncia do sentido de Self. ......................................................................... 21
Ilustrao 3 Competncias para a aprendizagem.................................................................. 25
Ilustrao 4 Modelo representativo das influncias directas e indirectas e factores
intrafamiliares no bem-estar da famlia e dos pais, nos estilos parentais e no desenvolvimento
e comportamento da criana...................................................................................................... 48
Ilustrao 5 O sistema familiar e a criana com NE............................................................. 59
Ilustrao 6 Eixos estruturais da profissionalidade em IP. ................................................. 104
Ilustrao 7 Indivduo, cultura e comunidade..................................................................... 130
Ilustrao 8 Uma abordagem sistemtica a programas de formao.................................. 163
Ilustrao 9 Componentes essenciais do modelo para Interveno Precoce e Suporte
Famlia Integrado e Baseado na Evidncia. ........................................................................... 187
Ilustrao 10 As trs componentes de ajuda eficaz ............................................................ 189
Ilustrao 11 Continuum de empowerment em relaes de apoio entre profissionais (de IP)
e famlias. ................................................................................................................................ 191
Ilustrao 12 A cadeia de empowerment colectivo............................................................. 195
Ilustrao 13 Cronologia ante-processo de Investigao-Aco........................................ 252
Ilustrao 14 - Cronologia do processo de Investigao-Aco............................................ 253
Ilustrao 15 - Cronologia do processo de Investigao-Aco (em detalhe)....................... 253
Ilustrao 16 - Passos para resoluo de problemas:............................................................. 327
Introduo
O ser humano v-se como um ser independente, isolado do mundo, ()
como se fosse uma iluso de ptica ().
O nosso trabalho tem de ser libertarmo-nos dessa priso e envolvermo-nos
com o maravilhoso universo de todos os seres vivos, e a Natureza.
Albert Einstein
Introduo
3
1. mbito e justificao do trabalho
As circunstncias que exigem Interveno Precoce (IP) so passveis de ocorrer em algum
momento na vida de qualquer um de ns envolvidos na tarefa de criar e educar crianas
pequeninas. Cremos no poder da IP para mudar essas circunstncias na medida em que as
famlias o desejarem e as crianas o necessitarem, criando comunidades e famlias inclusivas,
capazes de se transformarem para poderem prover proteco e nutrio psicossocial de todos
os seus membros.
Aveiro, Novembro 1998. Representantes da Universidade de Aveiro, do Hospital Infante D.
Pedro e dos servios distritais dos Ministrios da Educao, Segurana Social e Sade de
Aveiro, designadamente, Centro de rea Educativa (CAE), Centro Distrital de Segurana
Social (CDSS), e Sub-Regio de Sade, assinavam um protocolo garantindo os recursos e
dinmicas necessrios criao de uma estrutura baseada na comunidade e em articulao de
servios, que permitisse oferecer s comunidades do distrito de Aveiro correspondentes aos
doze concelhos da rea de influncia do CAE de Aveiro, um recurso: Interveno Precoce
(IP) (Anexo 1 - Protocolo para Interveno Precoce em Aveiro).
Lisboa, 19 de Outubro de 1999. Era publicado o Despacho Conjunto n 891/99. Uma equipa
de trabalho composta por representantes dos Ministrios da Educao, Segurana Social e
Sade estabeleceu procedimentos e funes a observar nos diversos nveis estruturais de IP em
Portugal (Anexo 2 - Despacho Conjunto n 891/99, de 19-10).
Estavam lanadas as condies de base para a situao que actualmente temos, e que constitui
a estrutura de IP nos concelhos de gueda, Albergaria-a-Velha, Anadia, Aveiro, Estarreja,
lhavo, Mealhada, Murtosa, Oliveira do bairro, Ovar, Sever do Vouga e Vagos. Pode
caracterizar-se formalmente como: promoo de uma abordagem centrada na famlia,
focalizada nas relaes, baseada nas foras, ecolgica e reflexiva (Wollenburg, 2000),
desenvolvida por profissionais de IP estimulantes, sensveis e promotores da autonomia das
famlias (Laevers et. al., 1997; Laevers, 2000; Portugal e Santos, 2003a, 2003b).
Os profissionais de IP so tcnicos que tm a Educao de Infncia, o Servio Social, a
Psicologia, a Medicina ou a Enfermagem como disciplina profissional de origem, que exercem
em simultneo com a IP, e que pertencem a diferentes servios comunitrios que tm um
Introduo
4
interesse em comum: a promoo do desenvolvimento e bem-estar das crianas de zero a trs
anos em risco1 de atraso grave de desenvolvimento. -lhes proposto que, no contexto de IP,
partilhem os respectivos saberes na anlise e discusso das situaes em que so chamados a
intervir na procura da melhor forma de apoiar o processo de capacitao e empowerment das
famlias, nas suas iniciativas para promover e apoiar o desenvolvimento e bem-estar das suas
crianas.
Mas entre esses momentos decisivos e a actualidade, percorremos um longo e enriquecedor
percurso; em que este estudo assume um importante papel. disso que trata este relatrio
tese.
Neste documento, procura-se relatar um processo vivido no contexto da estrutura de
Interveno Precoce (IP) de Aveiro (IP/Aveiro): a partir da anlise dos relatrios finais de
actividades dos profissionais a intervir no terreno, que fizemos ainda na qualidade de
colaboradoras com a Equipa de Coordenao Distrital (ECD/IP/Aveiro), no final do ano
lectivo de 1999/2000, e da observao directa e reflexiva de situaes diversas (por exemplo,
quando participmos como formadoras nos Cursos de Formao Inicial em IP, no incio dos
anos lectivos de 1999-2000 e de 2000/01), tornou-se para ns clara a necessidade de intervir
na estrutura no sentido de alterar as circunstncias de coordenao, acompanhamento e
suporte aos profissionais, no pressuposto de que uma melhoria nesses nveis, resultaria em
aumento de qualidade na interveno no terreno, i.e., na tarefa de promoo de circunstncias
promotoras de desenvolvimento e bem estar das crianas de zero a trs anos em risco de atraso
de desenvolvimento nos doze concelhos da rea de abrangncia da estrutura.
1 Risco: caracterstica de uma situao ou aco que pode gerar dois ou mais resultados, desconhecendo-se
partida o resultado que ocorrer em concreto, e em que pelo menos uma das possibilidades indesejada (Covello
& Merkhofer, 1993: 2).
Neste caso, falamos de situaes de risco devido a factores estabelecidos (condio de deficincia), a factores
de ordem biolgica (ex.: alguns problemas metablicos, prematuridade, etc.), ou a factores envolvimentais (ex.:
pais com deficincia mental, contextos de grave distrbio emocional, algumas condies de pobreza, etc).
Introduo
5
Na verdade, a anlise conjugada das foras e das limitaes apontadas pelos profissionais
[anexo 3], levou-nos a concluir pela urgncia de mudana na estrutura de IP/Aveiro. Como
exemplo, podemos ver as reflexes de uma profissional em 1999/00, por nos parecerem
significativas e representativas de um sentir colectivo, ou pelo menos partilhado por muitos:
Embora a famlia considere estar bastante satisfeita com o trabalho realizado (), eu no
tenho uma opinio to positiva.
verdade que alguns dos objectivos foram atingidos e o efeito da interveno foi positivo.
Mas relativamente ao que considero mais importante - a famlia desenvolver capacidades para
melhorar a sua prpria vida -, estou pouco satisfeita com o resultado da minha interveno,
apesar de ter conscincia de este ser um dos aspectos mais difceis de atingir e que demoram
mais tempo. Alm das minhas prprias dificuldades em saber como orientar a minha
interveno nesse sentido, considero que existe pouco suporte e ajuda, sobretudo a nvel da
formao e acompanhamento.
Penso que a razo de ser da IP e do meu trabalho aumentar e acrescentar o que de bom se
passa no contexto familiar, ou seja, aumentar as capacidades das famlias para irem ao
encontro das suas necessidades e das necessidades das suas crianas, e no tomar conta das
crianas, pois passamos l muito pouco tempo.
A falta de recursos materiais e a pouca sensibilizao da comunidade e dos servios para este
tipo de trabalho, so tambm factores fortemente impeditivos do sucesso da interveno.
Penso que s poderemos caminhar no sentido verdadeiro da IP, investindo em trs vertentes:
Reunies frequentes e com todos os elementos que intervm nos casos de forma directa;
Formao e sensibilizao de todos os elementos que trabalham na IP e, muito
especialmente, da Equipa de Superviso. As reunies desta equipa com os outros tcnicos
que trabalham directamente com os casos, devem ser frequentes;
Recursos financeiros e materiais prprios, que possibilitem o recurso rpido para fazer face
a situaes urgentes (Relatrio Final de Actividades da Equipa de Interveno Precoce de
XXX, cit. Relatrio de Actividades de Equipa de Coordenao Distrital de Interveno
Precoce de Aveiro, 1999-00).
Ento, considerou-se vital investir em dinmicas promotoras de mais elevados nveis de
qualidade em IP, sendo que, uma dinmica de superviso e acompanhamento ao trabalho das
equipas, suportiva, atenta e respeitadora, e garante dos direitos das crianas e famlias, se
Introduo
6
constituiria como elemento-chave da interveno. Mas outras dimenses se tornaram cruciais
neste trabalho:
Dinamizao e mediao da aco das Equipas de Interveno Directa (EIDs);
Promoo de formao especfica interveno em IP;
Criao de instrumentos e mecanismos de avaliao dos processos e produtos em IP;
Produo de conhecimento em IP (comunicaes e publicaes).
Da conjugao de duas condies o facto de podermos dedicar a esta rea, os esforos e
recursos inerentes a um processo de doutoramento, e o estatuto de, com Gabriela Portugal,
sermos representantes da Universidade de Aveiro na Equipa de Coordenao Distrital de
IP/Aveiro - resultou uma situao que pode considerar-se de privilgio: a primeira permitiu-
nos o acesso a recursos materiais e humanos (incluindo o nosso prprio tempo dedicado ao
estudo emprico) disponibilizados pela Universidade de Aveiro (que, fazendo jus sua
orientao de instituio interventora e em constante dilogo com a comunidade envolvente,
respondeu positivamente a todos os pedidos de colaborao e apoio que fizemos); a segunda,
possibilitou-nos integrar uma excelente equipa de trabalho (a Equipa de Coordenao Distrital
de IP de Aveiro, constituda anualmente por cinco a seis pessoas, representando o Centro
Distrital de Segurana Social, o Centro de rea Educativa, a Sub-Regio de Sade, o Hospital
Infante D. Pedro e a Universidade de Aveiro), que activamente se envolveu na reflexo e
implementao deste projecto. Com a criao da Equipa de Superviso, constituda por
elementos por ns designados pelo perfil de elevada qualidade evidenciado (segundo o critrio
proximidade entre competncias demonstradas em prtica de IP, e modelo eleito para IP),
pudemos dispor de um contexto de reflexo e interveno que se revelou extremamente
enriquecedor para o evoluir dos trabalhos.
O documento aqui apresentado resultado do ciclo de observao/escuta, anlise, reflexo, ao
longo do processo de identificao de necessidades e prioridades, estratgias e recursos,
implementao, avaliao e reformulao desenvolvido desde 1999 (de modo sistemtico,
desde 2002) e que pretendemos nunca dar por acabado (embora o trmino formal para efeitos
deste relatrio tese se reporte a Outubro de 2005).
A especificidade da IP torna imprescindvel uma estrutura de coordenao, superviso e
suporte aos profissionais a intervir no terreno; uma equipa atenta aos indicadores disponveis
Introduo
7
nas atitudes, nos discursos, nas dinmicas presentes ao nvel dos profissionais nas Equipas de
Interveno Directa (EIDs), nas comunidades, no seio do prprio grupo da ECD e da Equipa
de Superviso; uma equipa capaz de viabilizar recursos, gerar dinmicas de mediao da
interveno no terreno, mas tambm accionar mecanismos de avaliao de processos e
produtos, e torn-los consequentes ao nvel das prticas, objectivando sempre a aproximao a
nveis superiores de qualidade.
2. Plano da tese e opes para enquadramento terico
O produto que aqui propomos, apresenta uma forma de organizao que pode talvez
considerar-se pouco ortodoxa; parece-nos, contudo, que deste modo se facilitar a
estruturao da informao e, portanto, a compreenso de um projecto de investigao-aco
de facto vivido com muita intensidade.
Numa primeira parte, procurmos caracterizar, do ponto de vista conceptual e estrutural, o
contexto em que o estudo foi desenvolvido. No primeiro captulo, apresentamos fundamentos
para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento e bem-estar da criana. No
segundo, sumariamos aqueles que se nos afiguram como principais precursores do actual
modelo de IP, ao nvel de estruturas de atendimento das populaes e da legislao; traam-se
tambm os principais traos organizacionais e conceptuais do modelo de IP que estamos a
construir em Aveiro. Equacionam-se no terceiro captulo, os principais elementos que
consideramos relevantes a uma definio de profissionalidade em IP, nos seus diversos nveis
estruturais.
Numa segunda parte, dedicada ao estudo que desenvolvemos, explanamos no quarto captulo,
os fundamentos metodolgicos das nossas opes nesta dinmica de investigao-aco. No
quinto captulo, podem encontrar-se dados de estrutura/caracterizao, de opinio/avaliao, e
os que correspondem a instrumentos criados no decurso do estudo, designadamente, o Perfil
de Competncias de Superviso em IP (que construmos a partir da realizao de entrevistas s
supervisoras de IP de Aveiro, e da conjugao do seu saber assim revelado, com o da
investigadora principal, ela prpria profissional e supervisora de IP noutro distrito do pas
durante cerca de dez anos), ou os Parmetros de Auto e Hetero Avaliao do Desempenho em
IP/Aveiro. A anlise e discusso destes dados integra igualmente este captulo.
Introduo
8
Em concluso, traamos novas vias de aco/investigao, a nosso ver fecundas, assegurando
abertura do sistema IP/Aveiro mudana, aos sinais do exterior, em dilogo com outras
estruturas e pessoas que, em Portugal e noutros pases, partilham de preocupaes e
convices prximas das nossas, garantindo as imprescindveis dinmicas de adequao s
actuais necessidades dos utentes e dos profissionais da estrutura. Apresentam-se ainda alguns
dados que nos revelam a actualidade (Fevereiro de 2007) na estrutura de IP/Aveiro.
I PARTE ENQUADRAMENTO TERICO
Captulo 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
Entendendo Infncia enquanto conceito dinmico, dependendo em larga medida do contexto
em que definido e da premissa filosfica em que se baseia, no uma caracterstica natural ou
universal dos grupos humanos, mas uma componente estrutural e cultural especfica de muitas
sociedades (James & Prout, cit. Abbott & Langston, 2005: 2), reconhecendo o direito de
liberdade e construo individualizada do ser/criana no perodo da vida que tambm se
designa de Infncia - importa equacionar as circunstncias que podem promover ou dificultar
os processos de desenvolvimento e bem-estar humanos durante as primeiras idades,
desafiando as competncias de interveno individuais e colectivas, formais e informais;
garantindo a criao dos recursos de que famlias e comunidades necessitam para apoiar
robustamente o desenvolvimento das suas crianas.
Baseando-nos nos parmetros ou conceitos nucleares para o desenvolvimento humano
propostos por Shonkoff e Philips (2000: 22-32), abordaremos alguns contedos centrais
quando se procura a compreenso do processo de desenvolvimento humano.
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
13
1. 1 - Parmetros para a compreenso do desenvolvimento humano (DH)
O conhecimento gerado por uma cincia desenvolvimental transdisciplinar, a avaliao de
programas de interveno e a experincia profissional permitiram equacionar os seguintes
parmetros para a compreenso do desenvolvimento humano:
Tabela 1 - Parmetros para a compreenso do desenvolvimento humano (adap. Shonkoff & Phillips, 2000: 22-32).
Parmetros para a compreenso do Desenvolvimento Humano (Shonkoff e Phillips, 2000)
O DH fruto de uma interaco dinmica e contnua entre biologia e experincia
Os cuidados precoces tm um impacto decisivo e duradoiro na forma como as pessoas se desenvolvem, na sua capacidade para aprender, na sua
capacidade para regular as prprias emoes
O crebro humano tem uma notvel plasticidade, mas o factor tempo crucial
O DH tem a ver com a contnua interaco entre fontes de vulnerabilidade ou de risco e fontes de resilincia ou de proteco
Prevenir e intervir precocemente crucial
1.1.1 - O DH fruto de uma interaco dinmica e contnua entre biologia e experincia
Virtualmente, todos os investigadores contemporneos concordam que o desenvolvimento das
crianas um processo altamente complexo, influenciado pelo jogo entre natureza e nutrio
(nature vs. nurture). Nutrio no sentido em que os mltiplos contextos em que as crianas
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
14
so criadas, que incluem a sua casa, a famlia extensa, os contextos de Educao de Infncia
(formais ou amas), comunidade e sociedade, cada um dos quais imbudo dos valores, crenas e
prticas de uma dada cultura, so a fonte de alimento que a criana precisa para crescer e se
desenvolver em toda a plenitude do humano. A natureza da criana, a sua bagagem biolgica,
profundamente afectada pela especificidade que esses contextos assumirem, em todas as
dimenses, na sua vida em particular. Por sua vez, como a criana , do ponto de vista
biolgico, num dado momento, influencia o modo como responde s experincias que lhe so
proporcionadas nos ambientes em que decorre a sua vida. Em termos simples, as crianas
afectam os seus contextos de vida, ao mesmo tempo que eles as esto a afectar; trata-se de
uma dinmica de reciprocidade e mtua transformao inevitveis. Para alm disso, no h
duas crianas iguais que partilhem o mesmo ambiente, e nenhum ambiente experienciado
exactamente do mesmo modo por duas crianas diferentes. Duas crianas vivendo na mesma
casa, na mesma famlia, influenciam-se mutuamente e so afectadas pelos outros membros da
famlia em modos que se tornam nicos para cada uma delas. Se uma criana activa e
agressiva e a outra passiva e submissa, cada uma ir elicitar diferentes respostas dos seus
pais - e cada uma ser influenciada diferenciadamente pelo comportamento da outra.
No que respeita ao desenvolvimento cerebral, sabemos hoje que uma parte do sistema
emocional nos chega atravs da evoluo, sendo transmitida pelo genoma; outra parte
transmitida pela aculturao. No fludo da evoluo e da transmisso genmica, a sintonizao
das emoes manifestaes de carcter homeosttico (Damsio, 2005: 118) - resulta da
aco dos pais, da escola, da sociedade, inseridos numa cultura especfica (Damsio, 2005:
112).
1.1.2 - Os cuidados e relaes precoces tm um impacto decisivo e duradoiro na forma como as pessoas se desenvolvem, na sua capacidade para aprender, na sua capacidade para regular as prprias emoes
() a relao precoce permite ao beb, na relao com a me, () compreender o seu
interior para no ficar s, atravs da leitura que faz a partir dos olhos da me. A relao de
uma criana perante o tamanho da realidade mediada pelo tamanho dos pais, que contm a
sua omnipotncia infantil, permitindo-lhe ser do tamanho que . () talvez cada criana pea
aos seus pais que estejam vivos (como dizia Winnicott), que sejam fortes e estejam juntos no
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
15
seu interior. O mundo visto do colo dos pais v-se de cima para baixo, fica mais
compreensvel, e permite a uma criana () ser pequenina ao p dos pais (S, 1993: 43-44).
As relaes humanas, e os efeitos das relaes nas relaes, so os blocos de construo de
um desenvolvimento saudvel. Desde o momento da concepo at morte, relaes
afectuosas e ntimas so os mediadores fundamentais de uma adaptao humana bem
sucedida. Acredita-se que aquelas que se criam nos primeiros anos diferem de relaes mais
tardias na medida em que so as primeiras, e como tal, fundacionais: constituem uma estrutura
bsica no seio da qual evolui todo o desenvolvimento significativo; na verdade, muitos dos
sistemas reguladores que so essenciais sobrevivncia e organizao emocional do beb
desde os primeiros momentos de vida, requerem a ateno consistente dos prestadores de
cuidados. O crescimento da auto-regulao uma pedra-de-toque no desenvolvimento na
primeira infncia, que abrange todas as dimenses. A regulao uma propriedade
fundamental de todos os organismos vivos. Inclui as prprias regulaes fisiolgicas e
comportamentais que sustm a vida (por exemplo, a manuteno da temperatura do corpo e a
converso da comida em energia), bem como aquelas que influenciam comportamentos
complexos (como a capacidade de prestar ateno, expressar sentimentos ou controlar
impulsos). Os processos reguladores modulam uma larga variedade de funes que mantm o
organismo em nveis adaptativos. A operao simultnea destes mltiplos sistemas em
diferentes nveis de organizao um trao essencial do desenvolvimento humano. Os traos
essenciais de relaes saudveis, promotoras de crescimento e desenvolvimento na primeira
infncia, esto bem expressos nos conceitos de contingncia e reciprocidade. Quer isto dizer
que, quando crianas pequenas e os seus prestadores de cuidados esto sintonizados uns com
os outros, e quando os prestadores de cuidados so capazes de ler as pistas emocionais das
crianas e responder s suas necessidades num perodo de tempo adequado, as suas
interaces tendem a ser bem sucedidas, e a relao tem probabilidade de apoiar um
desenvolvimento saudvel em mltiplos domnios, incluindo comunicao, cognio,
competncia scio-emocional, e compreenso moral (Brazelton et. al.; Emde; Stern; cit
Shonkoff & Phillips, 2000: 27-28).
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
16
1.1.2.1 - O beb: um comunicador nato
A comunicao um processo multidimensional e sofisticado, crucial para o que significa ser
humano. Acredita-se agora que o ser humano se inicia nos processos comunicativos mesmo
antes do nascimento, quando ainda no tero, com a me, se envolve numa primeira, duradoura
e poderosa relao (Karmiloff & Karmiloff-Smith, cit. Barron & Holmes, 2005: 19).
Vygotsky, como Bruner, citados por Barron e Holmes (2005: 20), clarificaram a importncia
da comunicao e linguagem desde os primeiros tempos de vida do ser humano, como meio de
garantir a satisfao das necessidades (fisiolgicas, de afecto, de contacto fsico, de
envolvncia em ambientes positivos, plenos de sons, cheiros, toques, ritmos harmoniosos e
estimulantes, a um tempo apaziguadores e desafiadores, encorajando a criana a explorar o
mundo envolvente), e para organizar o pensamento. Tambm defenderam a natureza
essencialmente social de toda a aprendizagem: aprender ocorre no fludo do que significar para
o indivduo interagir com outro/s; essa experincia de cariz social vai enformar a perspectiva
que gradualmente constri do seu prprio lugar e poder no mundo relacional, das coisas, dos
eventos, fsico
Desde o nascimento, os bebs preferem a face humana (Brazelton, 1990, Brazelton & Cramer,
1993, Brazelton, 1984), e pouco depois evidenciam tambm preferir a voz humana a outros
sons, e em particular, vozes familiares a vozes no familiares (Murray & Andrews, cit. Barron
& Holmes, 2005: 20). Estas preferncias e os modos atraentes e absolutamente envolventes
como os bebs as demonstram (gestos, expresses, movimentos, choros e silncios, gemidos e
arrulhares), so cruciais para a construo da sua pessoalidade e conhecimento, pois
provocam nos adultos-alvo um estado de enamoramento, disponibilidade, responsividade
(quase) incondicionais, que se transformam no meio ideal para que a vida, o desenvolvimento
humano e a aprendizagem ocorram. Beb e adulto/s prximo/s, e outras crianas da famlia,
que interage/m e mutuamente se responde/m, gradualmente afinando as respectivas elicitao
e responsividade, encontram o seu modo sintonizado, tornam-se mutuamente significativos,
nicos, insubstituveis, e a respectiva viso do mundo afectada pela relao especfica que
juntos experienciam; e que por sua vez afectada por toda a circunstncia, da mais nfima
mais exuberante, da mais directa mais distante, em que ocorre a relao; ainda, o tempo, a
constelao temporal em que os infinitos e inmeros momentos que compem uma relao
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
17
ocorrem, e o modo como se conjugam com os contedos inter e intra pessoais, uma varivel
que ajuda a compreender que no existam dois percursos relacionais (e, portanto, duas vidas)
semelhantes; a unicidade uma das caractersticas da Vida.
1.1.2.2 Comunicao e vinculao
Na relao de vinculao, como em qualquer outra, alis, o fulcro a comunicao, com o
prprio e com o outro:
Quanto mais coerente for a nossa comunicao com algum em quem confiamos, mais capazes
seremos de nos apoiar nela para nos compreendermos (). Por outro lado, quanto mais
adequadamente processarmos internamente as nossas experincias, mais capazes seremos de
comunic-las a outro de forma que ele possa compreender. A questo no s saber se nos
sentimos livres para comunicar as nossas emoes abertamente, mas tambm se conhecemos
os nossos sentimentos e o que est a provoc-los. A palavra-chave segurana. Sem
segurana que o Outro compreenda e responda de modo apoiante, a comunicao est
bloqueada, com o correspondente bloqueio na comunicao interna (Bowlby, cit. Soares,
1996b: 45).
Tambm Daniel Stern (cit. Goleman, 1997: 137) se debruou sobre o sincronismo entre me e
filho como experincia que permite criana construir previsibilidade face qualidade de
relaes que pode esperar da vida. De facto, todas as trocas entre pais e filhos tm uma
legendagem emocional, e com base nas repeties dessas mensagens ao longo dos anos que
a criana constri o ncleo das suas perspectivas e capacidades emocionais. So essas
experincias que do criana as lies emocionais bsicas a respeito do seu grau de
segurana no mundo, de quo eficaz tem o direito de se sentir e da medida em que pode contar
com os outros. Erik Erikson (cit. Greenhalgh, 1994: 25), formula a questo em termos de a
criana sentir uma confiana bsica e essa ser a sua fortaleza, a partir da qual sair para
explorar o mundo, dando e recebendo - ou uma desconfiana bsica
1.1.2.3 - Relao de Vinculao: esteio da Vida
Nascemos de relao, encontramos nutriente em relao e somos educados em relao
(Cottone, 1988: 363).
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
18
Distrbios desenvolvimentais ou comportamentais em bebs ou crianas pequenas esto
frequentemente enraizados em perturbaes da relao precoce (Ainsworth, Bowlby, Sameroff
& Emde, cit. Shonkoff & Phillips, 2000: 28). Dada a estreita dependncia dos bebs dos
cuidados dos adultos, difcil considerar os seus problemas independentemente das relaes
que com eles protagonizam (op. cit.: 28). Winnicott (cit. Portugal, 1995: 55) com a sua clebre
frase theres no such thing as a baby, ilustra bem esta ideia.
A formao dos circuitos neuronais directamente afectada pelo modo como os pais,
familiares ou outros cuidadores se relacionam e respondem criana, e como medeiam a
relao da criana com o ambiente. Em particular a capacidade da criana controlar as suas
emoes, parece estar muito relacionada com os sistemas biolgicos que foram modelados
pelas experincias relacionais mais precoces. No h uma forma nica ou correcta de
desenvolver esta capacidade, pois cuidados calorosos e responsivos podem tomar vrias
formas. Os neurocientistas consideram que uma vinculao forte e segura com pelo menos um
cuidador nutriente tem uma funo biologicamente protectora, ajudando a criana a lidar com
as situaes stressantes da vida diria. Ainda, quando a criana tem oportunidade de
experienciar vinculaes selectivas com vrios adultos que assim se transformam, aos seus
olhos emocionais, em figuras significativas, de algum modo amostras da diversidade humana
que ela vai poder encontrar ao longo da vida, pode desenvolver um modelo interno de
segurana acerca do mundo, um sentido de bem-estar emocional e resilincia psicolgica que
permanece ao longo do ciclo de vida (Siegel, cit. Portugal, 2002).
A experincia de situaes de stress parece induzir a produo de hormonas (cortisol) que
afectam o crebro, tornando-o mais vulnervel a processos que destroem os neurnios e
reduzem o nmero de sinapses em decisivos centros cerebrais. E no ser por acaso que as
crianas que cronicamente convivem com elevados nveis de tenso, frustrao ou ansiedade,
consequentemente segregando nveis mais elevados de cortisol, parecem apresentar mais
atrasos desenvolvimentais do que as outras crianas. Mas, bebs que recebem cuidados
sensveis e nutrientes no seu primeiro ano de vida, parecem no produzir tanto cortisol perante
pequenas situaes de stress como as outras crianas, e mais rpida e eficazmente eliminam
essa resposta biolgica. Alis, muitos autores tambm tm demonstrado que bebs que
recebem cuidados responsivos e calorosos tendem a mostrar mais capacidades de resilincia
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
19
ou de superao de dificuldades em fases posteriores da sua vida (Egeland, Jacobvitz &
Sroufe, cit. Portugal, 1998). Assim, embora certas interaces posteriores possam facilitar o
desenvolvimento e a aprendizagem da criana, os efeitos das interaces precoces podem ser
profundos e duradoiros. Quando uma criana, nos primeiros anos de vida, emocional e
cognitivamente negligenciada, funes mediadas pelo crebro, de cariz cognitivo ou socio-
emocional, como empatia, capacidade de relao e controlo de emoes, parecem ser
afectadas, resultando, por exemplo, em ansiedade, depresso, dificuldade em desenvolver
relaes positivas com os outros, ou dificuldade em aprender na escola.
Antnio Damsio (2005: 111-121) formula algumas asseres resultantes de investigao
desenvolvida nos ltimos anos, na rea das neurocincias, que clarificam o papel da emoo
enquanto fenmeno necessrio ao funcionamento do ser vivo adulto, mas em especial ao
desenvolvimento normal do beb, da criana e do jovem adulto:
A emoo e o sentimento so cruciais construo do self, indispensveis conscincia
(um dos instrumentos da construo do desenvolvimento humano individual);
A emoo dirige a ateno bsica, logo, indispensvel para a aprendizagem e para o
desenvolvimento cognitivo;
A emoo est subjacente a grande parte do raciocnio, da deciso e da capacidade
criadora;
A emoo e o sentimento esto por trs do desenvolvimento de competncias sociais que
incluem a tica.
1.1.2.4 - Competncias para a aprendizagem: como a criana constri a sua fortaleza interna
bom ser (por dentro) criana para sempre. Ter a viso na ponta dos dedos, ver os
intestinos das coisas, e perguntar porqu?. bom aprender com prazer e a brincar.
Aprender as cincias ou aprender as qualidades humanas (mesmo as mais misteriosas)
brincando com os conhecimentos (). bom crescer com os ps na Terra e com a cabea
na Lua, com projectos e com sonhos, sensveis e sensatos () (S, 2006: 18-19).
O beb torna-se consciente, e confiante em si mesmo e na sua competncia para estabelecer
relaes, em interaco com outros e com o mundo sua volta (Vygotsky, cit. Barron e
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
20
Holmes, 2005: 16). Este processo, complexo, desenvolve-se em quatro dimenses que se
cruzam e complementam: (1) Mim, Eu prprio/a e Eu; (2) Sendo Reconhecido e Afirmado; (3)
Desenvolvendo Auto-Segurana; (4) Desenvolvendo um Sentido de Pertena (ao ecossistema).
Ilustrao 1- Dimenses de organizao da fortaleza interna da criana (adap. Vygotsky, cit. Barron & Holmes, 2005: 16).
Desenvolvendoum
Sentido de Pertena
Desenvolvendo Auto-Segurana
Mim, Eu prprio/a e Eu
Sendo Reconhecidoe Afirmado
A fortaleza interna da criana assim organizada, constri-se atravs de mltiplas vias,
mediadas e facilitadas por adultos atentos, no contexto de uma relao segura [Perde-se o
gosto de crescer quando se no o faz para algum ou por alguma coisa que faa sentido
dentro de ns (S, 1993: 56)]
Quando no so asseguradas oportunidades para que a criana experiencie um tal contexto
relacional, o desenvolvimento emocional pode estar comprometido, em risco e, com ele, a
disponibilidade interna para a aprendizagem. Numa perspectiva ecolgica e processual, a
disponibilidade para a aprendizagem depende do sentido que o aprendiz atribui s suas
experincias de interaco - actuais e passadas com indivduos, grupos, famlia, amigos,
instituies (no caso dos bebs, a frequncia de creche e respectiva qualidade so variveis
muito importantes); naturalmente, as dimenses de cariz social, poltico, cultural e econmico
do meio envolvente mais vasto, influenciam a qualidade das interaces experienciadas face-
a-face. O modo como cada um trata essas experincias, depende em parte do modo como elas
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
21
reflectem e confirmam o seu mundo interno (ou experincia intra pessoal): h uma relao
dinmica entre o modo como nos relacionamos com outros (experincia inter pessoal), e a
nossa experincia intra pessoal (Greenhalgh, 1994: 11); e tambm essa a dinmica que est
na base do desenvolvimento de um sentimento de pertena ao ecossistema por ele, sentimos
que o que se passa nossa volta nos diz respeito, que a nossa aco individual faz diferena
para o bem comum. A ilustrao 2, adaptada de Barron e Holmes (2005: 17), e Greenhalgh
(1994: 12), representa este enquadramento da construo do sentido de Self:
Ilustrao 2 - Emergncia do sentido de Self.
Em suma, a interaco tem um poderoso efeito sobre o desenvolvimento (Greenhalgh, 1994:
12); as crianas aprendem acerca do (seu) mundo e da sua cultura atravs de interaces com
adultos significativos e outras crianas (Barron e Holmes, 2005: 24). Quando preciso apoiar
algumas crianas protagonistas de histrias relacionais pouco nutrientes do seu sentido de Self,
objectivando infirmar a sua aprendizagem acerca do mundo portanto, provocar nas suas
circunstncias de vida, das mais prximas s mais vastas, uma mudana que se traduza em
oportunidades de interaces mais positivas, capazes de constituir fundao para um sentido
de Self forte, seguro, competente -, dizamos, quando preciso intervir para melhorar as
experincias relacionais de algumas crianas, preciso promover a nossa compreenso de
processo [pensar processualmente significa atendermos ao impacto da interaco
(Greenhalgh, 1994: 11), e aplicarmos o resultado dessa (nossa) aprendizagem nos contextos
relacionais que a envolvem].
Ambiente social, cultural, poltico e econmico alargado
Ambiente formal (creche, JI,) que a criana frequenta nos primeiros anos
Experincia presente e passada Experincia inter e intra pessoal
Experincia de famlia, cultura, amigos
Ponto onde emerge o sentido holstico de Self
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
22
Adoptar uma perspectiva processual da interaco, exige que reconheamos que:
As condies humanas nunca so estticas, mas mudam em relao com factores do
ambiente externo e do mundo interno dos indivduos;
A nossa experincia de interaco afecta-nos tanto consciente como inconscientemente;
A nossa experincia de relao afecta as nossas competncias para ultrapassarmos as
dificuldades, para estarmos em contacto com os outros e o ambiente, e para mostrarmos o
nosso potencial;
O trabalho (de interveno processual) realiza-se atravs de um processo de intervenes
um conjunto articulado e coerente de aces a vrios nveis, focando os diversos
contextos, directa ou indirectamente relevantes experincia emocional da criana;
O modo como algo feito pode ter tanto ou mais impacto do que o que feito
(Greenhalgh, 1994: 12-13).
Estas premissas, aplicadas em simultneo, devero ser visveis em cada trao do processo de
interveno, procurando garantir uma abordagem processual, ecolgica, holstica e
individualizada.
1.1.2.5 - Um aprendiz competente
Como se desenvolvem os bebs que apelidamos de aprendizes competentes? Os dados de
investigao so claros: a qualidade da relao estabelecida com adultos significativos,
particularmente os pais, tem uma influncia extraordinria na sua competncia emocional e
sucesso escolar. As interaces precoces entre pais e bebs afectam profundamente o seu
desenvolvimento psicolgico e neurolgico, com impactos significativos no desenvolvimento
de competncias cruciais prontido da criana para ser bem sucedida na escola e, enquanto
adolescente, activamente exercer a sua cidadania.
Ross Thompson (2005: 389) enfatiza o papel dos contextos naturais da criana no seu
processo de aprendizagem:
Quando observamos bebs e crianas nas primeiras idades em contexto natural (como o
domiclio, a casa de vizinhos, ou outros familiares), e crianas mais velhas em contexto formal
de aprendizagem, designadamente, escolas, a diferena notria. A aprendizagem em
contexto natural contnua, includa na experincia quotidiana. A intensidade e alta
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
23
motivao ao nvel da experincia (interna)2 da criana, com elevados nveis de implicao3
caracterizam a aprendizagem nestas idades. em contextos de educao informal, mediados
por adultos e crianas mais velhas (irmos, primos, vizinhos), que a criana explora todo o
seu mundo envolvente, todas as oportunidades de aprendizagem que encontra: estimulantes,
geradoras de curiosidade e da alegria da descoberta, no cadinho das suas competncias em
desenvolvimento, das oportunidades de compreenso e domnio do meio envolvente e das
dimenses de ordem social, emocional e moral.
Os responsveis por contextos educativos formais que se questionam sobre como tocar e
responder adequadamente ao mpeto exploratrio da criana, ao observarem-na em aco nos
seus contextos naturais, encontraro decerto pistas fecundas, material para responder a
questes como: O que provoca a curiosidade da criana e mobiliza as suas competncias
actuais?; Como se comporta o adulto e as outras crianas que a assistem nos seus
processos de aprendizagem do dia-a-dia?; Que tipo de materiais parecem estimular a
criana?; Que tipo de organizao espao, tempo, regras parece favorecer mais os
processos de aprendizagem da criana?.
Ser importante elencar alguns dos indicadores que revelam bons processos e competncias de
aprendizagem na criana:
2
Experincia define-se como um processo interno, que ocorre em cada momento da nossa vida, e integra a
totalidade do nosso ser, tornando-se base dos fenmenos psicolgicos e da personalidade. um processo que
engendra significaes concretas fisicamente sentidas, que formam a matria de base dos fenmenos
psicolgicos e da personalidade (Gendlin, cit. Laevers & Van Sanden, 1997: 12).
Diz respeito ao que se passa em Si, no momento em que se est em contacto com alguma coisa ou com algum
[...], numa situao particular [...], resulta do exerccio dos nossos sentidos, inteligncia e sistema afectivo em
cada momento da nossa vida (op.cit.: 12). 3 Implicao uma dimenso da actividade humana que pode reconhecer-se por concentrao e persistncia,
motivao, fascnio e envolvimento, abertura a estmulos e intensidade de experincia, tanto ao nvel sensorial
como cognitivo; significados de palavras e ideias sentidos forte e profundamente, e uma profunda satisfao e
forte fluxo de energia ao nvel fsico e espiritual (Laevers, 2000: 24).
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
24
Tabela 2 Categorias e indicadores envolvidos nos processos de aprendizagem da criana (adap. Thompson, 2005: 387-388).
APRENDIZAGEM CATEGORIA INDICADORES
Inclui Emoes da criana Curiosidade face ao mundo Entusiasmo / excitao com novas descobertas Responde aos prprios sucessos e insucessos com uma
atitude de busca de compreenso com o objectivo de ultrapassar as dificuldades na prxima tentativa
Incorpora Auto-conscincia da criana
Confiana nas prprias capacidades para enfrentar edominar novos desafios
Motivao para investir o esforo necessrio ao sucesso Orientao de domnio face s situaes, numa crena de
que vai aprender coisas interessantes
construda sobre
Des de capacidades de auto-regulao
Auto controlo cognitivo Concentrao da mente e da ateno em novos desafios Auto gesto dos comportamentos necessria cooperao
nas tarefas de aprendizagem focalizar ateno, pensamento e aco nas tarefas de resoluo de problemas que lhe so propostas
, intensamente Actividade social (partilha com outros, que resulta em novos insights)
Cooperar com o professor e com os pares em tarefas de aprendizagem
Seguir instrues e pedir clarificao e orientao quando as direces no so claras
Responder apropriadamente, em pensamento e na aco, em situao de desacordo com outros
Envolve Cognio (des de skills de pensamento e raciocnio)
Conhecimento que as crianas requerem para funcionar de modo competente enquanto adultos
Competncias para usar as suas mentes de modo produtivo
Barron e Holmes (2005: 22) propem uma equao de competncias para a aprendizagem,
fortemente conectadas e interdependentes, principalmente pelo modo como todas pressupem
uma criana aprendiz que explora, experimenta e interage quando procura, atravs de vias
diversas, aprender sobre o mundo sua volta: (1) fazendo conexes, (2) sendo imaginativo/a,
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
25
(3) sendo criativo e (4) representando simbolicamente a realidade, interna e externa. A
ilustrao 3 representa esta ideia:
Ilustrao 3 Competncias para a aprendizagem (Barron & Holmes, 2005: 22)
Sendoimaginativo/a
Representando simbolicamente
a realidade, interna e externa
SendoCriativo
Fazendoconexes
Aprendizes competentes sintonizam finamente com o mundo envolvente, e desenvolvem
competncias no sentido de assegurar que as suas necessidades de desenvolvimento so
satisfeitas. Maslow (cit. Greenhalgh, 1994: 25-27) hierarquiza esse conjunto de necessidades:
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
26
Tabela 3 - Hierarquia das necessidades humanas segundo Maslow (cit. Greenhalgh, 1994: 25-27).
- Necessidades de
auto-actualizao. Realizao pessoal
. Desenvolver talentos
. Ganhar reconhecimento e respeito
. Beneficiar outros
- Necessidades de auto-estima
- Necessidades
sociais / de filiao /
de pertena
- Necessidades fisiolgicas
- Necessidades de segurana
. Comida
. Abrigo
. Calor/conforto
. Dormir
. Segurana
. Previsibilidade
. Segurana contra perigo ou ameaas
. Amizade/Companheirismo
. Identidade de grupo
. Auto-expresso
. Ser compreendido
. Preocupar-se (com outros)
. Respeito prprio
. Confiana em si prprio
. Autonomia
. Conhecer os prprios talentos
En
volvim
ento
em rela
es interp
essoais p
ositivas, em
pticas,
con
ting
entes, su
po
rtivas...
O autor sugere que apenas quando as necessidades de um determinado ponto da hierarquia
tiverem sido satisfeitas, se poder progredir desenvolvendo competncias para satisfazer as
necessidades de um nvel mais elevado. O potencial humano ser optimizado se s pessoas
forem proporcionadas oportunidades de desenvolver as competncias inerentes ao topo da
hierarquia. O fulcro do processo de desenvolvimento, o alimento para a mudana evolutiva,
situa-se precisamente ao nvel do envolvimento em relaes interpessoais positivas, fecundas,
capazes de confirmar o sentido de valor do ser humano.
Assim, se receberem apoio contingente e apropriado de adultos (sensveis e responsivos) e
outras crianas (que os ajudaro a encontrar sentido para as suas experincias), as crianas
aprendizes usufruiro o mximo de um ambiente rico em materiais e equipamento
interessantes, que apelem aos sentidos e encorajem o movimento; se dispuserem de tempo
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
27
suficiente e forem encorajadas a fazer escolhas, podero tornar-se capazes de aprender as
coisas que quiserem aprender (Barron & Holmes, 2005: 22). Precisam, ainda, de
oportunidades de comunicar, partilhar e representar as suas aprendizagens por uma
diversidade de meios, incluindo a imaginao, respostas criativas e actividades inscritoras
(desenho, pintura, escrita). Os bebs e as crianas pequenas, naturalmente curiosos, tm um
desejo profundamente enraizado de interpretar e compreender o mundo que os rodeia;
comeam a aprender sobre ele e a conhec-lo, quando se envolvem e implicam com prazer e
fascnio em exploraes sensoriais e fsicas; nas crianas mais novas, estas exploraes so
ldicas, mas tambm (ou precisamente por isso) profundamente significativas, estabelecendo
forte significncia entre aco fsica e desenvolvimento cerebral; as competncias perceptivas
do beb e o seu crebro predispem-no para encontrar sentido sobre o mundo envolvente
(Shore, cit. Barron & Holmes, 2005: 23). Nesta concepo, emerge uma relao profunda
entre experincia e o modo como o crebro formado. medida que o beb explora o mundo
atravs da viso, do tacto, do gosto, do cheiro e do movimento, os contedos resultantes dessa
explorao afectam os padres j elaborados no crebro. Atravs de repetidas experincias
com pessoas, objectos e materiais, as crianas comeam a formar imagens mentais que
representam as lies que atravs delas constroem. Essas imagens mentais vo ser a referncia
para novas imagens, resultantes de outras experincias e interaces, que nas anteriores vo
encaixar (Barron e Holmes, 2005: 23); num processo de classificao, a criana-beb
descobre nas coisas os atributos relevantes, conecta contedos anteriores com actuais,
atribuindo sentidos/significados, gradualmente complexificando e alargando o seu
conhecimento (Ross & Spalding, 1994: 120).
As perspectivas de Maslow e Erikson (cit. Greenhalgh, 1994: 25-27), assumem crucial
importncia no entendimento que se procura relativamente construo que uma criana faz
da sua prpria experincia. Quando Erikson prope uma noo de tarefas desenvolvimentais,
comea com o conceito de necessidade de resolver o conflito entre confiana bsica e
desconfiana: as crianas precisam de desenvolver um sentimento de segurana emocional e
confiar em outros para que o desenvolvimento e a aprendizagem aconteam. Se no nos forem
proporcionadas oportunidades para estabelecermos constructos pessoais que possam alimentar
formas de significado e identidade, encontraremos pouco significado na aprendizagem, e
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
28
resistir-lhe-emos; a promoo dessas oportunidades uma parte crucial do papel do
educador/professor.
1.1.2.6 - Atributos Heart-Start
nas primeiras semanas e meses de vida, que as crianas tentam pela primeira vez
compreender e controlar o mundo que as rodeia, sendo estes seus esforos encorajados ou no;
pela primeira vez, as crianas focalizam-se e concentram-se numa determinada actividade,
sendo isso possvel, ou no; concluem pela primeira vez que o mundo tem uma organizao e
previsvel, ou no; aprendem pela primeira vez que os que a rodeiam so essencialmente
confiveis e disponveis, ou no... nestes primeiros anos que as fundaes para as
aprendizagens posteriores tm lugar, alicerando os chamados atributos Heart Start (Zero to
Three, cit. Portugal, 2002).
Quais as caractersticas essenciais s aprendizagens na escola? Em ambientes estveis e de
apoio, em princpio, qualquer beb saudvel desenvolve os atributos Heart Start quase
automaticamente. Os bebs saudveis so curiosos, com vontade e capacidade de aprender
desde o princpio. Qualquer pessoa que observe um beb tentando agarrar um objecto ou
enfiar um objecto grande dentro de um pequeno, levar uma colher boca, comer ou andar,
percebe que a criana procura no apenas compreender o que a circunda, mas tambm
dominar, isto , ser capaz de fazer coisas com o que a rodeia: ser competente. Este mpeto
desenvolvimental, embora intrnseco e natural na criana, requer encorajamento e apoio por
parte do adulto. A criana que consegue pr-se de p e saudada e admirada pelo adulto
desenvolver uma atitude acerca de si prpria, acerca da importncia da curiosidade e
persistncia, bastante diferente da que desenvolver outra criana cujo desempenho seja
ignorado, ou a quem gritam para que esteja sentada ou a dormir.
O papel dos adultos, pais ou educadores, no o de forar o desenvolvimento, mas garantir
que as experincias e rotinas dirias da criana se transformem em oportunidades de
fortalecimento da sua segurana interna, de uma confiana inabalvel no seu valor intrnseco,
crucial na escola e ao longo da vida. Os atributos Heart-Start constituem o equipamento
bsico da criana para as aprendizagens escolares e podem resumir-se do seguinte modo:
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
29
Tabela 4 Atributos Heart Start (Zero to Three, 1992).
1. Confiana
2. Curiosidade
3. Intencionalidade
4. Auto-controlo
5. Estabelecimento de relaes
6. Capacidade de comunicar
7. Cooperao
Atributos Heart-Start(Zero to Three, 1992)
Confiana diz respeito a um sentimento de domnio sobre o prprio corpo, comportamento
e mundo; sentimento de que, nas diferentes actividades, as probabilidades de sucesso so
maiores que as de insucesso, e que os adultos podem ajudar.
Curiosidade sentimento de que descobrir coisas positivo e gera prazer.
Intencionalidade o desejo e capacidade de ter um efeito ou impacto nas coisas e de actuar
nesse sentido com persistncia. Claramente, est em relao com um sentimento de
competncia, de eficcia.
Auto controlo a capacidade de modular e controlar os comportamentos, de formas
adequadas idade.
Estabelecimento de relaes capacidade de ligao a outros, baseada no sentimento de se
ser compreendido e de compreender os outros.
Capacidade de comunicar o desejo e capacidade de partilhar ideias e sentimentos com
outros; relaciona-se com um sentimento de confiana e de prazer na relao com os outros.
Cooperao a capacidade de conjugar as nossas prprias necessidades com as de outros
numa actividade de grupo.
Como desenvolvem as crianas estas caractersticas fundacionais que lhes permitem bem-estar
e um bom desenvolvimento? As investigaes no campo da neurobiologia, do comportamento
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
30
e das cincias sociais conduziram a importantes avanos na compreenso das condies que
influenciam o modo como as crianas se desenvolvem (Shonkoff & Phillips, 2000, 2001;
Fenichel, 2001) , salientando-se:
A importncia das primeiras experincias de vida e a aco inseparvel e altamente
interactiva entre gentica e ambiente, sobre o desenvolvimento cerebral e comportamental;
O papel central das primeiras experincias de vida enquanto fonte de suporte/adaptao ou
de risco/disfuno;
As poderosas capacidades, emoes complexas e competncias sociais bsicas que se
desenvolvem nos primeiros anos de vida;
A potencialidade de promover condies facilitadoras do desenvolvimento, atravs de
intervenes planeadas;
O facto de a maioria das intervenes (bem sucedidas) no sentido de transformar as
circunstncias em que ocorre o desenvolvimento e aprendizagem das crianas, procurar
apoiar e facilitar a relao precoce, ajudando a criana e a figura materna a lidar com a
individualidade da criana.
1.1.2.7 - A abordagem RIE (Resources for Infant Educarers)
Originalmente em Budapeste, Hungria, na Rua Loczy, no Instituto Nacional Metodolgico
para os Cuidados e Educao de Bebs (muitas vezes chamado simplesmente de Instituto
Loczy e, mais tarde, de Instituto Pikler, em honra de Emmi Pikler, mdica pediatra que nesse
contexto concebeu e concretizou um modo inovador de cuidar e educar bebs e crianas
pequenas), e actualmente divulgado e implementado em muitos pases e diferentes
continentes, incluindo os Estados Unidos da Amrica (onde Magda Gerber fundou uma
comunidade Pikler em Los Angeles, na Califrnia), o Educaring um modo de educar e
cuidar de bebs e crianas pequenas que consideramos pertinente relevar neste trabalho, pela
sua elevada consistncia face ao conhecimento actual nas reas relevantes ao desenvolvimento
do ser humano. No quadro seguinte, ilustramos as principais dimenses do RIE (Resources for
Infant Educarers, i.e., Recursos para Educadores-Prestadores de Cuidados a Bebs), como as
suas autoras designam o conjunto de princpios que consubstanciam a abordagem que
advogam.
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
31
Tabela 5 Dimenses da abordagem RIE (adap. Gerber, 2002: 1-4)
RESPEITO pela CRIANA:
a BASE da abordagem RIE
UMA CRIANA AUTNTICA:
O OBJECTIVO da abordagem RIE
OS
ME
IOS
DA
A
BO
RD
AG
EM
R
IE
Confiana nas competncias
da criana
Observao sensvel
Construindo um ambiente
seguro, previsvel e desafiador
Promovendo a implicao da criana
Provendo tempo para brincadeira
ininterrupta e liberdade
para explorar
Consistncia
EDUCARING: a secure beginning
A abordagem RIE, estabelecendo como finalidade a construo de uma criana autntica no
sentido em que permanece em contacto consigo mesma, expressando nas interaces com o
ecossistema, de forma ntegra, a sua realidade interna -, estabelece como base uma atitude de
respeito pela criana atitude que ser inequivocamente demonstrada em toda e qualquer
interaco com o beb/criana, oferecendo-lhe mltiplas oportunidades de confirmar o seu
valor pessoal (Gerber, 2002: 1). Postula como princpios ou meios de interveno para
alcanar a finalidade eleita: (1) a confiana nas competncias da criana, que no apenas ser
sentida pelo adulto, mas ser demonstrada, numa construo atitudinal reflectida,
desenvolvida em contexto de formao/superviso contnua; (2) uma observao sensvel,
emptica, da criana em aco, sendo os contedos dessa observao usados na reflexo e
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
32
construo da interveno; (3) a promoo da implicao da criana significa um
investimento em fornecer criana oportunidades de aco desafiadoras, estimulantes,
apelando s suas competncias mximas actuais, com potencialidade para provocar o fascnio
inerente aprendizagem de nvel profundo; (4) a construo de um ambiente rico em matrias,
dinmicas, todas as componentes necessrias oferta de tais oportunidades de aco; (5)
garantir que a criana dispor do tempo que desejar para brincar e explorar livremente as
situaes em que estiver envolvida e que no momento merecerem a sua ateno e implicao;
(6) oferecer criana bons motivos para confiar no adulto, uma base segura a partir da qual
poder organizar-se, por dispor de contedos relacionais consistentes, robustos, bem
conjugados no sentido da resposta s suas necessidades. Estas so, em traos muito gerais, as
principais dimenses deste modelo, pleno de potencialidades quando procuramos apoiar o
desenvolvimento do beb e da criana pequena, e a formao de profissionais para intervir
nessa rea esta ltima, uma dimenso central na concretizao da abordagem RIE.
1.1.3 - O crebro humano tem uma notvel plasticidade, mas o factor tempo crucial
Sabemos hoje que o crebro, o mais imaturo rgo do ser humano quando nasce, continua a
crescer e a desenvolver-se aps o nascimento: pesa ento cerca de 25% do que pesar na
adultez do indivduo; nos dois primeiros anos, cresce como quando estava no tero; no final
do segundo ano, pesar j cerca de 90% do peso do exemplar adulto (Karr-Morse, 2005: 302).
O crebro composto de muitas reas, responsveis por funes especficas, como identificar
o que vemos, ouvimos ou sentimos, avaliar se estamos em perigo, ou processar linguagem.
Cada uma destas reas compreende milhes de clulas, os neurnios, que entre si trocam
mensagens atravs de mltiplas sinapses, de modo coordenado, por isso potencialmente
gerador de significados. Sendo um rgo dinmico, interactivo, que requer estimulao do
meio que envolve a criana para completar o seu desenvolvimento, o crebro est desenhado
para requerer o uso que a criana, no seu meio envolvente, puder experienciar; o seu
crescimento e desenvolvimento dependem, portanto, da especificidade do ambiente em que se
encontrar.
Cap. 1 - Fundamentos para intervir precocemente na promoo do desenvolvimento da criana
33
Na maioria das regies cerebrais, no se formam novos neurnios aps o nascimento; o
desenvolvimento cerebral consiste no estabelecimento e complexificao da rede de conexes
neuronais. Aos 8 meses, um beb pode ter mais de 1000 trilies de sinapses! Ao longo da vida,
o desenvolvimento cerebral prossegue mantendo as sinapses a que dado uso, e criando
novas, consoante as oportunidades de explorar e experienciar situaes e relaes, que s
crianas/pessoas so oferecidas; quanto s sinapses no usadas, atravs de um processo que se
designa de poda, so eliminadas.
A investigao mostra que, tal como as protenas, os minerais, as gorduras e as vitaminas,
tambm as interaces com pessoas significativas na vida da criana, e com determinados
objectos, so nutrientes vitais para o crebro em crescimento e desenvolvimento; ainda:
diferentes experincias relacionais podem determinar que o crebro se desenvolva de
diferentes modos (plasticidade cerebral) (Karr-Morse, 2005: 302).
A gentica prev a blueprint4 para o desenvolvimento cerebral, mas necessr