PADRÃO PLÁSTICO TOM - eba.ufrj.br · mesmo e único elemento, o preto, sobre o padrão ou campo...

11
PADRÃO PLÁSTICO TOM. Os princípios de dinâmica de um padrão tonal são muito parecidos com o que vimos em relação aos da linha. Ao colocarmos algumas pinceladas de preto sobre um campo, eles articu- lam uma relação independente, uma ação compositiva separada dos ritmos estabelecidos pelas linhas e formas. No caso abaixo, os pretos são a exceção, ie. a ação, sobre um cinza padrão. Notem que módulos de preto, assim isolados, têm um con- torno e, logo, tom e linha trabalham juntos. Isto quer dizer que, além de uma dinâmica tonal determinada pelos pretos, temos também uma dinâmica de formas, deter- minada pela linha de contorno do preto. A rigor um melhor exemplo de autonomia é o caso apresen- tado ao lado, onde os pretos criam uma ação compositiva, enquanto as linhas, áreas e formas estão quietas por estarem neutralizadas em um padrão. Se acrescentamos mais pretos, a relação direta entre eles começa a adquirir menos peso até que os ritmos criados se dissolvem em um padrão (abaixo).

Transcript of PADRÃO PLÁSTICO TOM - eba.ufrj.br · mesmo e único elemento, o preto, sobre o padrão ou campo...

PADRÃO PLÁSTICO TOM.

Os princípios de dinâmica de um padrão tonal são muito parecidos com o que vimos em

relação aos da linha. Ao colocarmos algumas pinceladas de preto sobre um campo, eles articu-

lam uma relação independente, uma ação compositiva separada dos ritmos estabelecidos pelas

linhas e formas. No caso abaixo, os pretos são a exceção, ie. a ação, sobre um cinza padrão.

Notem que módulos de preto, assim isolados, têm um con-

torno e, logo, tom e linha trabalham juntos.

Isto quer dizer que, além de uma dinâmica tonal determinada

pelos pretos, temos também uma dinâmica de formas, deter-

minada pela linha de contorno do preto.

A rigor um melhor exemplo de autonomia é o caso apresen-

tado ao lado, onde os pretos criam uma ação compositiva,

enquanto as linhas, áreas e formas estão quietas por estarem

neutralizadas em um padrão.

Se acrescentamos mais pretos, a relação direta entre eles começa a adquirir menos peso

até que os ritmos criados se dissolvem em um padrão (abaixo).

25

Padrão Plástico na pintura de Paisagem

No caso do elemento plástico tom, entretanto, as possibilidades

se ampliam, pois podemos obter ritmos alternados de branco e

preto, isto claro, no caso de trabalharmos sobre um padrão cinza

médio como no caso ao lado.

Entra em jogo também uma propriedade do elemento plástico

tom. O ponto de maior peso tonal é onde o preto e o branco se

encontram. Quanto maior o contraste de valor tonal, mais peso

tem o local. Note, por exemplo, que o branco tem um peso maior

quando colocado ao lado dos pretos.

Como exemplo bastante ob-

jetivo da articulação de mó-

dulos tonais, escolhi mais

um quadro de Cézanne.

26

O tom

A escolha não foi casual. Este é

um quadro resolvido mais na cor

que no tom. Isso significa que

predomina nele, tonalmente fa-

lando, o cinza médio. O que faci-

lita a visualização dos módulos

tonais. Se retirarmos as cores,

ficamos assim:

O ritmo de pretos tem certa objetividade. Provavelmente buscando, a princípio, uma

triangulação, que foi logo dissolvida no contexto (padrão, vazio) para fugir de uma estrutura

esquemática previsível.

27

Padrão Plástico na pintura de Paisagem

Os brancos, por sua vez, como são

“deixados” (Cézanne trabalha neste caso sobre fundo

branco), estão espalhados por toda a composição. São

uma espécie de vibração de luminosidade proveniente

do fundo.

É, portanto, difícil afirmar que foram articulados deli-

beradamente, criando determinado ritmo. Entretanto,

encontramos locais onde ele provavelmente foi manti-

do intacto para se obter pontos de peso tonal através do

contraste com os tons de cor mais escuros.

Montando tudo junto....

Ao olhar apressado, poderia passar despercebido que não estamos a tentar desenvolver

uma simples análise da composição, onde o comum, o melhor método, é tentar apreender o que

a imagem tem como característica mais evidente, onde se buscam as ações deliberadas, as in-

tenções compositivas do pintor.

Na análise do campo, pelo contrário, se impõe ver o que na imagem permanece escon-

dido, por baixo, como base e fundo sobre o qual se estabelecem as ações. Devemos compreen-

der a questão com clareza. O que é o padrão de um determinado quadro que observamos? E ain-

da, tem ele um padrão? Um neutro? Um vazio em termos de claro-escuro? Estas são as pergun-

28

O tom

tas que devem sempre permanecer presentes nesta fase de em nosso estudo. Se assim pergunta-

mos, percebemos que a ação dos tons escuros e claros, na tela anterior, é uma exceção e, neste

sentido, de modo algum constitui um padrão. Preto e branco, por serem reduzidos, são elemen-

tos ativos dentro de um contexto, isto é, de um padrão formado por cinzas médios.

Em verdade, pensando rigorosamente, nosso vazio na pintura anterior é reduzido. Li-

nhas, tons e cores têm ação no campo plástico do quadro. O que mais se aproximaria de um pa-

drão neutro nesta tela são as pinceladas em módulos, que se espalham por todo o campo.

Foi em vão que desenvolvemos esta análise? Em parte sim. Mas ela nos faz ver, em

outra tela de Cézanne (abaixo), uma ação muito mais neutra em termos tonais.

Nesta tela, os tons escuros e claros se espalham pela composição numa proximidade

muito maior de um padrão neutro. Poderíamos perseguir alguns sentidos compositivos princi-

pais, mas isso seria uma mera especulação, tal como ocorre quando estamos diante da própria

natureza, onde podemos encontrar o que bem procurarmos. Esta composição é mais próxima de

um padrão tonal e linear do que a que vimos antes. Neste sentido, a cor tem uma função muito

mais autônoma e exclusiva. É ela, a cor, que cria a ação, notadamente uma tensão de cores

complementares entre o laranja e o azul.

Belo exemplo da possibilidade que temos de neutralizar diversos elementos plásticos

para ativar vivamente a ação de um elemento plástico em particular.

29

Padrão Plástico na pintura de Paisagem

O modo como Cézanne cria ritmos tonais com pequenas pinceladas de cor (a cor

conduzindo em si um valor de claro-escuro), em muito se assemelha ao que vimos em re-

lação aos triângulos. Pequenos módulos de um determinado tom, vão criando um cami-

nho, sobre o fundo de um estado dado. Mas, vimos também, que podemos alcançar um

padrão subdividindo o todo gradativamente.

Os dois fundamentos do campo plástico — o todo e as partes — atuam aqui da

mesma maneira que em relação à linha. Podemos espalhar pequenos módulos tonais pelo

campo, partes soltas, que estabelecem uma relação de identidade ou contraste, harmonia

ou tensão, um ritmo, tal como vimos em relação às linhas, ou dividir o campo em grandes

áreas, subdivisões do todo, que gradativamente acabam por criar um padrão. Repetindo o

exemplo linear anterior, onde dividimos o campo em grandes áreas, teríamos a seguinte

seqüência:

30

O tom

Há aqui uma diferença fundamental. As áreas não são iguais, seus tons são

diferentes. Na última figura da seqüência, quando tudo se transforma em um padrão,

vemos que tal diferença estabelece relações de afinidade e contraste. Os tons escuros

estabelecem uma relação entre si, assim como os tons claros. O padrão resultante, é

muito parecido com o padrão formado pelo processo dos módulos, visto anteriormen-

te.

Mas, a meio caminho, os dois processos são

bem diferentes.

No exemplo anterior, tínhamos a imagem ao

lado:

No caso de um processo tonal inicia-

do por grandes áreas, que ora estudamos, a

meio caminho, temos algo bem diferente. O

preto, por exemplo, não se relaciona com ne-

nhum outro tom. Ele se mantém isolado e au-

tônomo e, por isso, também mais estático e

pesado. Mas, em meio a um contexto de tons isolados e autônomos como estes, senti-

mos uma dinâmica, uma passagem de tom a tom, que une e cria uma ação compositi-

va do primeiro plano escuro, ao último mais claro. Trata-se realmente de uma dinâmi-

ca de outra ordem, onde o preto e o branco funcionam como extremos de uma grada-

ção de cinzas.

Pensando em nossa questão, na relação entre ação compositiva e padrão neu-

tro e inativo, podemos afirmar que nas imagens acima não há padrão neutro, nenhum

“fundo de um estado dado”. Tudo é ação compositiva. Mas, no exemplo da direita,

tanto o branco como o preto, mesmo participando de uma ação, pois são os extremos

de uma dinâmica tonal, mantêm sua estabilidade e autonomia, permanecendo em si

mesmos estáticos. Dois processos de formação diferentes que nos encaminham para

questões completamente distintas.

31

Padrão Plástico na pintura de Paisagem

Os quadros de Van Gogh e Monet, que

vimos aqui, são deste segundo tipo. Ve-

jamos:

Em seu todo, o quadro de Van Gogh se

divide em duas áreas principais de cinza.

Uma mais escura na base e outra mais

clara no céu. Sobre estas áreas, existe

mais uma de branco, que funciona como

sol, e outra de pretos (a rigor, tons mais

escuros, e não pretos), configurando o

semeador. Não há nenhum padrão tonal,

tudo flui dinamicamente, sendo o branco

e o preto pontos extremos e de peso.

Mas, se observarmos um outro quadro de

Van Gogh, deliberadamente exposto a-

qui em preto e branco, tudo muda. A

princípio, percebemos a mesma divisão

do campo em grandes áreas tonais de

cinza, uma mais escura na base, e outra

mais clara no céu. Sobre a área da base,

encontramos uma dinâmica muito ani-

mada de pretos, isto é, uma ação compo-

sitiva. Os brancos, as luzes, do mesmo

modo, se espalham céu afora. A dinâmi-

ca dos brancos e pretos se apresenta mui-

to mais ativa que no primeiro caso.

Mas, se eles se espalharem em demasia,

acabamos criando um padrão, como no

caso da terceira obra, também de Van

Gogh, onde encontramos um padrão to-

nal muito mais íntegro e coeso, sem uma

divisão do campo em grandes áreas.

32

O tom

A seqüência ao lado é um belo exemplo da importância do que estamos a analisar. No

primeiro quadro, tonalmente mais “minimalista”, os claros e escuros, devido a seu isolamento,

têm mais peso, mas são também mais estáticos e sem ação. No segundo, a meio caminho de um

padrão cerrado, temos uma ação mais vigorosa dos pretos e brancos e, por isso, uma diminuição

do peso de cada tom — posto que preto compete com preto, branco com branco e cinza com

cinza. Por fim, no terceiro quadro, um padrão onde os tons acabam por constituir um novo

“fundo de um estado dado”.

Dizendo isso, nos sentimos confortáveis, esclarecidos. Mas, perdemos algo que justa-

mente diferencia a questão do padrão tonal do visto em relação a linha.

Se, por exemplo, temos um só preto e um só branco em uma composição, como grosso

modo na primeira pintura de Van Gogh, isso significa que não temos ritmo, que não imprimi-

mos nenhuma ação compositiva efetiva? Negativo, pois podemos ter uma ação de outra ordem,

relacionada as mudanças de tom a tom, e não a sua repetição. Penso na questão fundamental, ou

antes, de fundo, de princípios. Não devemos confundir o ritmo de elementos semelhantes como

a dinâmica tonal. Preto se relaciona com preto, mas triângulo também se relaciona com triângu-

lo, cabeça com cabeça, cor com cor, etc.

Módulos de preto sobre um campo, acabam inevitavelmente por criar um ritmo, um

caminho, uma ação compositiva (figura.1). Do mesmo modo, “uma” mancha de preto pode for-

mar uma dinâmica, por exemplo, sinuosa, que atravesse o campo plástico (fig.2). Apesar dos

espíritos da mancha e dos módulos serem bem diferentes, fundamentalmente são ações de um

mesmo e único elemento, o preto, sobre o padrão ou campo plástico.

1 2

33

Padrão Plástico na pintura de Paisagem

Algo fundamentalmente diferente ocorre quando criamos uma dinâmica especifica-

mente tonal (figs.3 e 4). Nela a ação é criada através de elementos (escala de cinzas) diferentes.

É a mudança gradativa que cria a dinâmica e não a repetição de um mesmo elemento.

Será que estamos a especular ao vasculhar coisas tão fundamentais, tão fugazes e vela-

das? Não creio. Retiramos daí uma sensibilidade mais apurada para observar o que foi feito, e

horizontes mais vastos para nossa imaginação de pintores.

Vejamos, por exemplo, o quadro de

Monet.

Tonalmente ele é muito parecido com

o do semeador de Van Gogh.

Na metade inferior do campo, um cin-

za escuro; na superior, um claro. So-

bre o cinza escuro o personagem prin-

cipal em termos tonais — um grupo

de três arvores escuras. Sobre o cinza

claro do céu, ao invés de um sol, al-

guns contornos nas nuvens. Mas, em Monet, estes quatro tons não estão tão isolados. Existem

diversas árvores localizadas tonalmente entre o cinza do terreno e os tons mais escuros das três

árvores do grupo. Do mesmo modo, as luzes que contornam as nuvens não estão isoladas. En-

contramos uma luminosidade mais marcante na linha do horizonte, que funciona como um tom

intermediário entre a luz mais forte e o cinza claro do céu. De modo que Van Gogh dá saltos

mais marcantes entre os tons, enquanto Monet explora mais a escala dos cinzas.

Mas, que relações têm estas observações com nosso estudo de um padrão tonal?

Vimos que as passagens da escala tonal, estabelecem uma dinâmica ativa, e assim ne-

gam o padrão. Um padrão tonal só é possível de ser obtido, repetindo-se os mesmos tons por

diversas áreas do quadro. Isso surge mais naturalmente quando trabalhamos em módulos, e não

em grandes áreas.

3 4

34

O tom

Ao trabalhamos um quadro no qual a divisão em áreas é determinante, só podemos nos

aproximar de um padrão, subdividindo as áreas com tons já utilizados anteriormente. No exem-

plo abaixo espalhamos o preto pelo campo.

Assim, o preto, enquanto tom, participa de duas ações. Uma determinada pela escala

de cinzas, tom a tom, e a outra, determinada por ele mesmo, resultado de sua repetição. O e-

xemplo anterior ilustra tal afirmação na medida em que os pretos criam um padrão neutro, mas

permanecem participando como o extremo da dinâmica tonal.

Costumo conceituar esta diferença de caráter da ação, nomeando uma de ritmo, e outra

de dinâmica. Sendo o ritmo usualmente compreendido como um som que se repete, no tempo, a

intervalos regulares, ele se presta a nomear a repetição de um mesmo elemento sobre o campo

plástico — funciona tal como a batida de um tambor. A dinâmica, por sua vez, caracteriza mais

apropriadamente a graduação em níveis de luminosidade dos tons, assim como as passagens

gradativas de cor a cor que encontramos no círculo cromático. A dinâmica tem um caráter mais

fluido, onde os elementos que dela participam se misturam, transformando-se gradativamente e

conduzindo o olhar de um para o outro — funciona como o som de um violino.

Assim, no exemplo anterior, o preto, em si mesmo, cria um ritmo neutro e sem ação,

mas permanece participando ativamente como um dos pontos extremos da dinâmica tonal.

Isto, a rigor, é o que acontece. Compreender isso é perceber, na imagem, esta dupla

possibilidade. Aproveitar criativamente este recurso plástico só é possível a partir daí.