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Temtica Livre Artigo original
DOI 10.5752/P.2175-5841.2012v10n28p1435
Horizonte, Belo Horizonte, v. 10, n. 28, p. 1435-1457, out./dez. 2012 ISSN 2175-5841 1435
Dilema epistemolgico do Ensino Religioso e formao docente1 Epistemological Dilemma of Religious Education and teacher training
Wilian Ramos Marcos
Resumo
A proposta deste artigo abordar a temtica do ensino religioso sob a perspectiva do dilema
epistemolgico, tendo por escopo identificar uma possvel contribuio formao docente por meio da
rea de conhecimento referente s Cincias da Religio. Nesse sentido, procurou-se traar um caminho
que comea pela apresentao do dilema epistemolgico do ensino religioso, sob a tica da relao
histrica, no Brasil, entre Estado e Religio, destacando as categorias pblico e privado. Feito isso, passa-
se a uma abordagem de modelos tericos da disciplina, enquanto categorias de anlise, que servem de
referncia de estudo e compreenso da temtica. Nesse ponto, destacam-se os modelos catequtico,
teolgico e das Cincias da Religio. Ao final desse percurso, procurou-se estabelecer a relao entre
modelo das Cincias da Religio, pluralismo religioso e pequenas aproximaes questo da formao
docente, tendo como referncia dados que dizem respeito, sobretudo, presena do ensino religioso em
Minas Gerais.
Palavras-chave: Ensino Religioso. Dilema epistemolgico. Cincias da Religio. Formao docente.
Abstract This article addresses the issue of Religious Education from the perspective of epistemological dilemma
and seeks to identify contributions to the teaching training through the formation of Religious Sciences.
The text traces a path that presents the religious dilemma of Religious Teaching from the perspective of
the historical relationship, in Brazil, between State and Religion, highlighting the categories of public and
private. The text also discusses the theoretical models of the discipline `Religious Education`, as analytical
categories that serve as a reference point of study and reference of such discipline. In sum, the present
study highlights the Catechetical and the Theological models of `Sciences of Religion`, religious pluralism,
and teacher formation, taking as reference the data concerning the presence of `Religious Education in
the State of Minas Gerais, Brazil.
Keywords: Religious Education. Epistemological dilemma. Religion Sciences. Teacher training.
Artigo recebido em 21 de julho de 2012 e aprovado em 30 de outubro de 2012. 1 Este artigo apresenta parte de resultados de estudo realizado pelo autor no Curso de Mestrado em Cincias da Religio da PUC -
Minas. Maiores informaes em texto completo podem ser encontradas no seguinte endereo: http://www.sistemas.pucminas.br/BDP/SilverStream/Pages/pg_ConsItem.html. Acesso em 21 de julho de 2012. Mestre em Cincias da Religio pela PUC-Minas, graduado em Filsofia pelo UNILESTEMG, professor da Faculdade Presidente Antnio Carlos de Itabira e da Rede Municipal de Itabira. Brasil. E-mail: [email protected]
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Wilian Ramos Marcos
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Introduo
O ensino religioso (ER) est presente no contexto educacional brasileiro
desde os tempos da Colnia. Segundo os Parmetros Curriculares Nacionais do
Ensino Religioso (PCNERs), no perodo de 1500 a 1800 foi entendido como ensino
da religio oficial, isto , enquanto elemento eclesial na escola, como se fosse uma
extenso, uma parte da Igreja Catlica presente no meio escolar. Nessa condio, o
ER foi entendido como catequese eclesial (PCNERs, 1997).
A partir da implantao da Repblica (1889), o ER passou a ser questionado,
tendo como pano de fundo as discusses que giram em torno da separao entre
Igreja e Estado. Esses questionamentos propiciaram o surgimento de esforos no
sentido de conceber o ER no mais como catequese eclesial. Entretanto, o mesmo
continuou sendo pensado em referncia a alguma confisso religiosa, da
resultando a denominao de modelo confessional. Em 1961, com a primeira Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN), a Lei n. 4.024, ocorreu a
homologao desse modelo (OLIVEIRA et al., 2007).
Atualmente, existem esforos no sentido de construir uma proposta de ER
diferente do modelo confessional. Nessa perspectiva, podem-se destacar duas
linhas significativas. Uma a proposta do ER como educao da religiosidade.
Esta, por sua vez, entendida como dimenso fundamental do ser humano. Um
representante dessa linha Wolfgang Gruen, que compreende a religiosidade como
a atitude de abertura dinmica realizada pelo ser humano e direcionada ao sentido
radical de sua existncia. Outra proposta a que procura fundamentar o ER no
modelo das Cincias da Religio, baseando-se na argumentao de que os estudos
realizados nesse campo constituem-se como rea de conhecimento que pode
sustentar o ER como disciplina escolar.
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1 Dilema epistemolgico do ensino religioso
Tomando como ponto de partida a incluso do ensino religioso nos textos
constitucionais e tambm na legislao educacional, possvel lanar um olhar
sobre a disciplina a partir do enfoque da relao entre Estado e religies, de modo
particular, a partir do perodo republicano, no qual o Estado brasileiro passou a ser
compreendido em carter laico. As vozes defensoras do Estado laico, de maneira
geral, entendem que o ensino religioso corresponderia a uma concesso, ou mesmo
ingerncia religiosa, em questes de laicidade.
A esse respeito, Vaidergon (2008)2 qualifica a disciplina como herana do
que chama de autoritarismo religioso, fazendo referncia, sobretudo, no
aceitao imediata da separao com o Estado por parte da Igreja Catlica3,
passando pela imposio da Educao Moral e Cvica durante a ditadura militar de
1964 e culminando com a [...] concorrncia religiosa nas escolas pblicas em pleno
regime democrtico (VAIDERGON, 2008, p. 407). Em sntese, o posicionamento
desse autor pode ser entendido da seguinte maneira:
A tradio autoritria persiste no ensino religioso. Por mais que se queira atualizar, renovar e descaracterizar sua gnese, permanece o intento das religies de influir na sociedade civil e nos poderes da Repblica, atravs da educao. A f, que na promessa iluminista, deveria se manter no mbito privado, cada vez mais, no mundo e no Brasil, se torna fator de poltica pblica, por vezes combatendo a razo e o conhecimento cientfico e legitimando aes antidemocrticas tal como na poca da ditadura. (VAIDERGON, 2008, p. 410-411).
Na Constituio Federal de 1988, a religio constitui direito individual,
segundo o artigo 5, VI, ou seja, assunto de mbito privado. A educao, por sua
vez, segundo o artigo 6 da mesma Carta Magna, constitui-se como direito social,
em outras palavras, situada no mbito pblico. O ensino religioso, por meio do
2 Doutor em Educao e professor do Departamento de Cincias da Educao e do Programa de Ps-Graduao em Educao Escolar,
da Faculdade de Cincias e Letras da Universidade Estadual Paulista (UMESP, Araraquara). 3 Segundo Vaidergon (2008, p. 407): Depois do Imprio, onde o padroado estabeleceu o vnculo entre o poder monrquico e o
catolicismo como religio oficial, a Repblica, mesmo estando constitucionalmente separada da Igreja, desta sempre sofreu, de forma mais ou menos explcita, a presso ideolgica pelo comando de coraes e mentes de seus cidados.
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artigo 210, 1, foi assegurado nas escolas pblicas em carter facultativo. Dessa
forma, segundo Pauly (2004), a Constituio:
[...] situa o ensino religioso no espao, ao mesmo tempo pblico (escola) e privado (liberdade de conscincia). Essa localizao ambgua implica dilema epistemolgico. A LDBEN tenta super-lo pela: a) proibio do proselitismo; b) freqncia optativa; c) no-integralizao da carga horria da disciplina nas 800 horas; e) concesso do direito audio pelo sistema de ensino de entidade civil representativa das igrejas. (PAULY,
2009).
O entendimento de que o Ensino Religioso configura presena ambgua do
privado em ambiente pblico decorre da compreenso da disciplina em estreita
ligao com as religies. O carter facultativo, bem como o posicionamento da
LDBEN (Lei n. 9.394/1996) ao conferir aos sistemas de ensino a competncia de
estabelecimento dos contedos do ensino religioso e a tarefa de definio da
qualificao e admisso de professores, podem ser entendidos como reflexo dessa
posio ambgua da disciplina. No se pode deixar de destacar, tambm, como
reflexo dessa ambiguidade, que o Ministrio da Educao e Cultura ainda no
assumiu a tarefa de estabelecer qual seria a habilitao desse professor em mbito
nacional.
Para preservar a liberdade de crena, que se configura como aspecto
privado, a legislao assegura o carter facultativo. Nesse caminho, quando a
legislao deixa a cargo dos sistemas de ensino a definio de contedos e
estabelece que essa tarefa se realize por meio da audio de entidade civil
constituda por representantes religiosos, fica claro que h a compreenso de que
se procura preservar e respeitar as particularidades regionais religiosas. A questo
central que se coloca a compreenso do ensino religioso ligado s tradies
religiosas, implicando, assim, o dilema epistemolgico. Isso se d medida que a
epistemologia do ensino religioso diz respeito a aspectos tericos e metodolgicos,
fazendo referncia a uma rea de conhecimento especfica que tem a religio como
objeto de estudo.
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O dilema epistemolgico est presente medida que o ensino religioso busca
fundamentar-se em um conhecimento sobre o religioso que tem suas fontes nas
tradies religiosas. Entretanto, importante ressaltar que a atividade de ensino
se d a partir de contedos a serem difundidos, contedos que podem vir do senso
comum, de tradies religiosas ou do acmulo das pesquisas cientficas, no caso
das cincias (PASSOS, 2007, p. 27).
Passos (2007), na perspectiva curricular, esclarece que se pode fazer uma
distino entre o ensino que reproduz e o ensino que produz conhecimento. As
tradies religiosas se situam na primeira condio citada. Isso devido s suas
caractersticas de repassar s geraes, de forma espontnea ou sistemtica, suas
tradies por meio da catequese, isto , sua preocupao fundamental objetiva a
reproduo da doutrina confessional. Com relao escola, muito embora no
exclua o primeiro tipo de ensino, isto , aquele que reproduz, situa-se
primordialmente no segundo, ou seja, no ensino que produz conhecimento e
pretende transmitir e discutir os resultados e processos de produo das cincias
com os educandos. Dessa forma, Passos (2007, p. 28) esclarece que:
O ER escolar, exatamente por ser escolar, justifica-se como componente curricular enquanto expresso de uma abordagem cientfica. O processo de ensino-aprendizagem pode e deve decodificar valores e tradies, porm, dentro de um discurso regrado por fundamentos tericos e regras metodolgicas, ou seja, dentro de uma dinmica lgica enraizada nas cincias. (PASSOS, 2007, p.28).
Ainda segundo Passos (2007, p. 28), pode-se constatar que h [...] carncia
histrica de uma base epistemolgica para o ER, que permanece, quase sempre,
vinculado s tradies religiosas e termina por reproduzi-la nos currculos
escolares. Os esforos que vm sendo empreendidos no sentido de conceber o
ensino religioso como rea de conhecimento, desvinculado do carter confessional,
foram desconsiderados no momento em que houve a promulgao do Acordo
Brasil-Santa S e a consequente recorrncia da confessionalidade para o ensino
religioso. Mais uma vez, fica claro que h dificuldade de pensar a disciplina
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desvinculada das tradies religiosas, sobretudo por parte dos legisladores, o que
torna no muito fcil a superao do dilema epistemolgico da disciplina.
2 Trs modelos de ensino religioso
Feita a apresentao, em linhas gerais, do dilema epistemolgico do ensino
religioso, neste tpico, a abordagem ser realizada a partir da tica de trs modelos,
a saber: modelo catequtico, modelo teolgico e modelo das Cincias da Religio.
Essa escolha se deve ao fato de que ela permite uma abordagem com maior alcance
sobre a disciplina a partir da perspectiva epistemolgica. A opo por trs modelos
foi apresentada por Passos (2007), em obra na qual argumenta em favor do modelo
das Cincias da Religio como aquele que melhor responde aos desafios
apresentados ao ensino religioso. Os desafios se colocam em funo do lastro
histrico de disputa poltica que envolve a disciplina, ou mesmo em funo da
compreenso dela como rea de conhecimento e, principalmente, considerando o
dilema epistemolgico, ainda no resolvido. Soares (2009, p. 314), ao refletir
acerca da opo por trs modelos, esclarece melhor as razes dessa escolha, como
se pode perceber a seguir:
Por que esses trs modelos e no outros? Passos opta por uma viso diacrnica do ER no Brasil, que vai do longo perodo histrico em que ensinar religio equivalia a iniciar o aluno nos mistrios cristos (e, principalmente, na tradio catlica) at a situao contempornea, que concilia desconfiana contra as instituies e atrao por novas espiritualidades. Por essa razo, nosso autor prefere dispor os trs modelos numa certa seqncia cronolgica. (SOARES, 2009, p. 314).
O enfoque diacrnico possibilita uma viso mais ampla acerca da disciplina
em suas grandes linhas, sobretudo considerando-a a partir de um olhar mais
abrangente, que procura localizar a passagem da vinculao do ensino religioso s
tradies religiosas por meio da tica teolgica at a iniciao de processo
emancipatrio da disciplina, ocorrido a partir do estabelecimento de sua rea de
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conhecimento, este, por sua vez, realizada por meio da Resoluo n. 2/1998. Ainda
a respeito do enfoque dado disciplina sob a perspectiva de abertura para alm do
mbito teolgico, pode-se dizer que:
A partir de 1997, com a reviso do artigo 33 da LDB, estabeleceu-se nova concepo para o Ensino Religioso. Seu foco deixou de ser teolgico para assumir um perfil pedaggico de re-leitura das questes religiosas da sociedade, baseado na compreenso de rea de conhecimento e orientado pelos Parmetros Curriculares Nacionais. (OLIVEIRA et al., 2007, p. 58).
Partindo da ideia de que a compreenso do ensino religioso como rea de
conhecimento proporcionou a releitura da disciplina, deixando a perspectiva
teolgica, convm ressaltar que, por uma questo de rigor no uso dos termos, seria
melhor no tratar o ensino religioso como rea de conhecimento autnoma em
paridade com, por exemplo, a Sociologia, as Cincias Jurdicas ou a Matemtica
(SOARES, 2009, p. 313). No seria interessante essa paridade, sobretudo, porque:
Infelizmente, ainda no termos clareza nos setores envolvidos com o tema do Ensino Religioso MEC, profissionais da educao, lideranas religiosas, autoridades polticas e porta-vozes da opinio pblica sobre qual deva ser a justa relao entre o tipo de conhecimento adquirido sobre a experincia religiosa da humanidade e os procedimentos pedaggicos
para apresent-la a nossos jovens cidados. (SOARES, 2009, p. 313).
A falta de clareza aponta a necessidade de buscar um aprofundamento maior
acerca do ensino religioso, sobretudo do ponto de vista epistemolgico. Nesse
sentido, a abordagem a partir dos modelos pode contribuir muito para que se
avance na discusso.
importante destacar que, do ponto de vista geogrfico, h no territrio
nacional experincias diversificadas de ensino religioso. Experincias que se
consolidaram levando em conta a expresso de jogos de fora locais, bem como a
atuao de agentes especializados, da Passos (2007, p. 52) esclarece que:
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Os modelos que estabelecem as prticas do ER podem esconder em sua singularidade a realidade plural dessas prticas com suas peculiaridades localizadas no tempo e no espao, marcadas sempre por traos tendenciais, mas tambm por misturas de elementos. Os modelos aqui apresentados captam as propenses predominantes nas prticas de ER, com base no critrio de fundamentao epistemolgica. (PASSOS, 2007, p. 52).
O modelo catequtico o mais antigo e relaciona-se aos contextos histricos
nos quais a religio, sobretudo o catolicismo, gozava de hegemonia na sociedade
brasileira. A esse respeito importante citar os perodos Colonial e Imperial, nos
quais ainda havia a unio entre Estado e Igreja Catlica sob o regime de padroado.
Nesses perodos, o modelo catequtico no encontrou grandes problemas para se
manter em funo do fato de quase coincidir a opo religiosa pela tradio
hegemnica e a cidadania. Esse modelo representa a educao da f, ou seja, a
aprendizagem centrada no aspecto da transmisso de contedo pela via da
experincia de f. Com o advento da modernidade e da reforma protestante nesse
processo e a consequente intolerncia religiosa, o modelo catequtico adquiriu
caractersticas apologticas do catolicismo de maneira que [...] a catequese era
vista como instruo, como uma prtica escolar voltada para a formao das ideias
corretas, em oposio s ideias falsas (PASSOS, 2007, p. 56-57).
Apesar de o modelo catequtico situar-se historicamente nos perodos
colonial e imperial, e, tambm, de as orientaes catequticas fazerem distino
entre a educao da f e o ensino religioso, sua prtica persiste ainda hoje4, seja
implcita ou explicitamente, sob o patrocnio de diversas igrejas e pela prpria
Igreja Catlica. O que fere o esprito laico do Estado brasileiro e esconde intenes
proselitistas.
No Brasil, tanto a excluso do ER das escolas com a implantao da Repblica e a Constituio de 1891, quanto sua incluso nas diversas Constituies, a partir da dcada de 1930, fizeram que ele ficasse ligado intimamente com a confessionalidade. (PASSOS, 2007, p. 57).
4 A respeito da persistncia do modelo catequtico, importante citar o emblemtico caso do estado do Rio de Janeiro no qual ele se
apresenta implcito no modelo confessional adotado. Para uma melhor compreenso da problemtica gerada por esse modelo, importante consultar Cavaliere (2007).
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Essa ligao implcita do modelo catequtico com o confessional pode ser
percebida na persistncia em matria legislativa do carter facultativo do ensino
religioso, bem como na continuidade entre as comunidades religiosas e escolas, por
meio da produo, no interior destas ltimas, de espaos para a formao religiosa
(PASSOS, 2007, p. 57). Essa modalidade de ensino religioso, devido sua
caracterstica de reproduzir mtodos e ao pedaggica de confisses religiosas, s
poderia continuar existindo no meio escolar em contexto de separao Igreja-
Estado por meio de acordos entre esses poderes. Nesse sentido, convm ressaltar o
Acordo Brasil-Santa S e a recorrncia da confessionalidade para o ensino
religioso, encontrada na redao do artigo 11 da concordata do Brasil com a Santa
S5.
O modelo teolgico utilizado por Passos (2007) pode ser entendido como
uma concepo de ensino religioso que busca fundamentao para alm da
confessionalidade estrita. Nesse sentido, supera o modelo catequtico, pois procura
uma justificativa mais universal de religio, a partir do princpio da existncia de
uma dimenso antropolgica religiosa do ser humano a ser educado. O modelo
teolgico procura oferecer um discurso religioso e pedaggico em dilogo com as
diversas confisses religiosas. Esse modelo moderno esteve presente nas escolas a
partir do Conclio Vaticano II e recebe dele suas orientaes principais, assim como
das chamadas teologias modernas (PASSOS, 2007, p. 61). Enquanto modelo que
se situa em uma perspectiva diacrnica, inclui os modelos j citados confessional,
ecumnico, interconfessional ou pluralista levando-se em conta que so
diretamente influenciados, em termos epistemolgicos, a partir das reflexes
teolgicas modernas em suas expresses ecumnicas e de dilogo inter-religioso.
Nesse sentido:
5 Em 11 de fevereiro de 2010, o Presidente da Repblica, Luis Incio Lula da Silva, promulgou o acordo, publicado no Dirio Oficial da
Unio como Decreto n. 7.107, em 12 de fevereiro de 2010.
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A teologia no configura, necessariamente, contedos confessionais nas programaes de ER, mas age, sobretudo, como um pressuposto que sustenta a convico dos agentes e a prpria motivao da ao; a misso de educar afirmada como um valor sustentado por uma viso transcendente do ser humano. (PASSOS, 2007, p.61).
Essa caracterstica do modelo teolgico permite que ele se nutra de um
dilogo maior entre as igrejas crists chegando at mesmo a
[...] contemplar uma viso pluralista que inclua religies no-crists. Mas continua sendo uma catequese mais sutil, pois ainda est sob a responsabilidade de lideranas religiosas que, em ltima instncia, tm poder de deciso e veto sobre os contedos a serem ministrados nas aulas. Justamente por essa dependncia de certos interesses religiosos, ainda
que bem mais diludos, no nos parece ser o modelo ideal para o ER nas escolas pblicas. (SOARES, 2009, p. 315).
Considerando objees ao modelo teolgico, interessante citar Pauly
(2009), que argumenta contra a fundamentao do ensino religioso em uma
antropologia religiosa. Suas objees se do no sentido de questionar a existncia
de tal antropologia. Para justificar sua posio, parte do princpio de que, na
teologia acadmica, existem concepes antropolgicas divergentes, o que, do
ponto de vista epistemolgico, seria pouco razovel para a disciplina (PAULY,
2009, p. 179). Alm disso, h outros problemas que o modelo teolgico enfrenta.
Dentre eles, pode-se citar o fato de haver o questionamento acerca da necessidade
de uma formao religiosa para a cidadania. Em outras palavras, o problema em
questo poderia ser entendido da seguinte maneira:
A justificativa de que o ensino religioso um componente curricular porque integra a formao para a cidadania falsa. A suposio de que uma pessoa religiosa seja melhor, igual ou pior cidad em razo de sua crena, caracteriza clara discriminao. (PAULY, 2009, p. 174).
Existem, tambm, questionamentos acerca do modelo teolgico que, a partir
da perspectiva do dilema epistemolgico da disciplina, envolvem a questo da
formao dos professores de ensino religioso. Esses aspectos sero retomados mais
adiante, por ora, procura-se abordar a concepo de ensino religioso adotada pelo
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estado de Minas Gerais para, na sequncia, proceder-se apresentao do modelo
das Cincias da Religio.
O modelo de ensino religioso adotado em Minas Gerais possui razes nas
reflexes pioneiras de Wolfgang Gruen, que, na dcada de 1970, procedendo em
um esforo de superao da confessionalidade na disciplina e no intuito de
compreend-la como elemento integrante, de fato, do meio escolar, prope o
ensino religioso baseado na religiosidade. Nesse sentido:
religiosidade a atitude dinmica de abertura do homem ao sentido fundamental da sua existncia, seja qual for o modo como percebido este
sentido. No se trata apenas de uma atitude entre muitas: quando presente, a religiosidade est na raiz da vida humana na sua totalidade. (GRUEN, 1997, p. 75).
Segundo Silva (2007, p. 60), a proposta de Gruen recebe influncias de
autores do campo teolgico como Metz, Max Scheler e Troeltsch. No entanto, a
fundamentao para o que compreende por religiosidade encontra suas bases no
pensamento de Paul Tillich, que entende a religiosidade como dimenso mais
profunda de todas as funes da vida humana, isto , da totalidade da vida humana
(SILVA, 2007, p. 60). Essa observao de Silva (2007) pode ser percebida
claramente no seguinte trecho: A religiosidade no uma atitude entre muitas: ela
a raiz do conjunto das dimenses da vida da pessoa; medida que as integra, a
religiosidade d coerncia a um projeto de vida (GRUEN, 2004, p. 413).
A proposta de Gruen (2004) situa-se no modelo teolgico medida que
busca suas fundamentaes em representantes da teologia moderna. A
religiosidade, mesmo no fazendo referncia a uma confisso especfica, pressupe
uma complementaridade de beneficiamentos mtuos entre ensino religioso e
catequese. Em outras palavras, situa-se, ainda, na perspectiva teolgica. Nesse
sentido, importante destacar que:
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O ER beneficia a Catequese. D-lhe forte embasamento em termos de convivncia na diversidade; abertura macroecumnica; elaborao de sistema de valores e sentido da vida, e disposio para superar a injustia social; construo da paz. Fornece estmulos para purificar o mbito religioso de patologias nada infrequentes: radicalismos, ritualismo enfadonho, ou vistoso mas estril; contra-faces do sagrado, com intenes supostamente imexveis. (GRUEN, 2004, p. 420).
Dantas (2004) esclarece que a Secretaria de Estado da Educao de Minas
Gerais iniciou, em 1994, processo de implantao de um novo projeto pedaggico
por meio da reviso e atualizao dos currculos das disciplinas; nesse sentido,
estabeleceu diretrizes prprias para o ensino religioso. Nesse processo, foram
contemplados referenciais tericos que buscaram enfatizar:
reviso e amadurecimento do projeto de vida pessoal do aluno; o desenvolvimento da sua religiosidade; o reconhecimento e valorizao do pluralismo filosfico e religioso; e o incentivo participao efetiva na construo da sociedade, atravs da reflexo tica e prtica cidad.
(DANTAS, 2004, p. 115).
Esse autor, ao refletir sobre os modelos de ensino religioso, prope o inter-
religioso ou pluralista, no sentido de apresent-lo como possibilidade de superao
dos impasses surgidos nos modelos anteriores. Na compreenso de Dantas (2004),
isso seria possvel devido s caractersticas do modelo proposto que conseguiria
abranger as mais variadas modalidades de religiosidade, filosofias de vida,
incluindo o agnosticismo e o atesmo. Ele argumenta, ainda, que esse modelo
dialoga com a Antropologia Cultural, a Psicologia da Religio, a Fenomenologia da
Religio e a Sociologia da Religio, a partir das categorias antropolgicas de
transcendncia e alteridade. Nesse sentido, este modelo tem o mrito de superar
uma viso unirreligiosa e pautar-se pelo dilogo entre as confisses religiosas
presentes nas escolas (PASSOS, 2007, p. 64).
O modelo pluralista identifica-se com a proposta do Departamento
Arquidiocesano de Ensino Religioso (Daer), que organizou em Belo Horizonte o
curso de Filosofia e Metodologia da Educao Religiosa como iniciativa de
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capacitao e formao permanente de professores de ensino religioso da rede
pblica estadual, com atuao na Regio Metropolitana da capital mineira.
Essa proposta, ao procurar dialogar com disciplinas como a Psicologia da
Religio, Fenomenologia da Religio e Sociologia da Religio, j aponta uma
abertura do ensino religioso s Cincias da Religio. No entanto, ao utilizar as
categorias transcendncia e alteridade no consegue sair do enfoque teolgico e,
consequentemente, no resolve o problema epistemolgico da disciplina. Para
compreender melhor a vinculao do modelo pluralista proposto por Dantas
(2004) ao plano teolgico, convm observar que o modelo teolgico sustenta-se na
ideia da educao da religiosidade como um valor antropolgico, sendo que a
dimenso transcendente marca o ser humano na sua profundidade,
independentemente de sua confisso explcita de f (PASSOS, 2007, p. 64). Nessa
perspectiva que se coloca como posicionamento interessante a proposta de Passos
(2007) do modelo das Cincias da Religio.
Com o intuito de romper com os modelos catequtico e confessional, o das
Cincias da Religio se coloca a partir de uma postura que procura dar autonomia
epistemolgica ao ensino religioso. importante destacar que a proposta do
modelo das Cincias da Religio encontra-se em fase embrionria, muito embora,
segundo Passos (2007, p. 62), j em 1995, Wolfgang Gruen, em sua obra O ensino
religioso nas escolas, tenha sinalizado as Cincias da Religio como base
epistemolgica para o ensino religioso.
Outros momentos significativos de reflexo, em torno da aproximao das
Cincias da Religio com o ensino religioso, e a possibilidade de afirmao de uma
epistemologia decorrente desse dilogo, so, primeiramente, a realizao do IX
Seminrio de Capacitao Docente, promovido pelo Frum Nacional Permanente
do Ensino Religioso, na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP),
entre os dias 3 e 4 de outubro de 2006, que, contando com apoio logstico do
regional paulista da Sociedade de Teologia e Cincias da Religio (Soter-SP) props
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como tema de seus trabalhos a aproximao entre a pesquisa das Cincias da
Religio e a transposio didtica de seus resultados no ensino religioso. Como
resultado desse evento, foi publicada em 2007 a obra Ensino religioso e formao
docente: Cincias da Religio e ensino religioso em dilogo. No mesmo ano, Joo
Dcio Passos publicou Ensino religioso: construo de uma proposta. Nessa obra,
Passos (2007) apresenta os trs modelos de ensino religioso catequtico,
confessional e teolgico e prope o modelo das Cincias da Religio. Vale
destacar que, anteriormente, esse autor havia participado dos trabalhos do IX
Seminrio Nacional de Capacitao Docente para o ensino religioso, onde
apresentara elementos acerca da temtica do modelo Cincias da Religio como
base epistemolgica do ensino religioso.
Trata-se de um modelo mais ideal, pouco explicitado, embora embutido em muitas recomendaes mais atuais de fundamentao desse ensino, como no caso da proposta do Fonaper. Em suma, consiste em tirar as decorrncias legais, tericas e pedaggicas da afirmao do ER como rea
de conhecimento. (PASSOS, 2007, p. 65).
No modelo confessional h o pressuposto poltico de que o cidado teria
direito de obter apoio do Estado para uma educao religiosa. Em contraposio,
pode-se dizer que o modelo das Cincias da Religio prope o reconhecimento
tanto da religiosidade quanto da religio como dados antropolgicos e
socioculturais a ser abordados no conjunto das demais reas de conhecimento por
razes cognitivas e pedaggicas (PASSOS, 2007). Trata-se de uma proposta de
deslocamento da fundamentao do ensino religioso do campo teolgico
(confessional) para o campo acadmico, este ltimo, aqui entendido a partir da
tica das reas de conhecimento. Nessa perspectiva, fazendo relao com a
religiosidade, mesmo que pensada como inerente ao ser humano, o modelo das
Cincias da Religio no a toma como uma dimenso a ser aprimorada pelo ensino
religioso, bem como no postula a dimenso religiosa como fundamento ltimo dos
valores aos quais se direcionam a educao.
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O pressuposto bsico do modelo proposto por Passos (2007) o de que as
Cincias da Religio podem oferecer [...] base terica e metodolgica para a
abordagem da dimenso religiosa em seus diversos aspectos e manifestaes,
articulando-a de forma integrada com a discusso sobre a educao (PASSOS,
2007, p. 65). O autor aponta o fato de que os desafios enfrentados pelo ensino
religioso tm relao direta com o estado dos Estudos da Religio ou das Cincias
da Religio no pas. Isso significa afirmar que, sem uma base epistemolgica, no
h o que ensinar em termos de rea de conhecimento.
A discusso acerca da epistemologia do ensino religioso faz referncia ao
mbito de sua rea de conhecimento. Dessa forma, convm ressaltar que:
[...] as reas de conhecimento para serem reconhecidas como tais devem possuir consistncia prpria, ou seja, terem objetos, metodologias e teorias que acumuladas componham um conjunto coerente e consistente
que normalmente adquire o status de cincia. prprio da cincia elucidar algum mbito da realidade e ser capaz de comunicar o caminho dessa elucidao e seus resultados. As escolas, desde os seus primrdios, tm a tarefa de introduzir os sujeitos nesse caminho, mostrando-lhes os resultados do conhecimento e ensinando-lhes a trilhar o mesmo caminho na direo da autonomia intelectual sempre maior. (SENA, 2006, p. 24-25).
Nesse sentido, muito embora o modelo das Cincias da Religio [...] seja o
que menos saiu do papel, tem flego para dar um passo frente dos dois
anteriores, na medida em que garante ao ER autonomia epistemolgica e
pedaggica (SOARES, 2009, p. 315). Essa autonomia se localiza em trs mbitos,
isto , na comunidade cientfica, nos sistemas de ensino e na prpria escola
(PASSOS, 2007, p. 64). O diferencial prtico que o ensino religioso, baseado no
modelo das Cincias da Religio, pode oferecer se d na medida em que pode
proporcionar ao educando comparaes contrastantes entre sistemas de referncia.
Dito de outra forma, possibilitaria ao educando a percepo de que, independente
da diversificao cultural e religiosa, o ser humano no pode viver sem sistemas de
referncia, ao mesmo tempo que possibilita compreender que nenhum desses
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sistemas possui legitimidade para reivindicar validade absoluta sobre os demais
(SENA, 2006, p. 58-59).
Em comparao com os modelos catequtico e confessional, pode-se dizer
que trabalham, a partir do princpio de liberdade religiosa, com a ideia de que o
Estado deveria apoiar o direito do cidado de obter uma formao religiosa que se
conciliasse com a f que professa (SOARES, 2009, p. 316). O modelo das Cincias
da Religio, por sua vez, sem negar que religiosidade e religio sejam dados
antropolgicos e socioculturais, passveis de ser ensinados, parte do princpio de
que o conhecimento da religio contribui com a formao completa do cidado, ao
mesmo tempo que faz parte da educao geral, no entanto, desde que esteja sob a
responsabilidade no das autoridades religiosas, mas dos sistemas de ensino e
submetendo-se s mesmas exigncias das demais reas de conhecimento que
compem os currculos escolares (PASSOS, 2007, p. 65). Em outras palavras, pode-
se dizer que:
A educao geral, fundada em conhecimentos cientficos e em valores, assume o dado religioso como um elemento comum s demais reas que compem os currculos e como um dado histrico-cultural fundamental para as finalidades ticas inerentes ao educacional. Portanto, esse modelo no afirma o ensino da religio como uma atividade
cientificamente neutra, mas, com clara intencionalidade educativa, postula a importncia do conhecimento da religio para a vida tica e social dos educandos. As religies particulares so transcendidas, na procura por uma viso ampla capaz de abarcar as diversidades e, ao mesmo tempo, captar a singularidade que caracteriza o fenmeno enquanto tal. (PASSOS, 2007, p. 65-66).
O grande desafio colocado ao modelo das Cincias da Religio diz respeito
transposio didtica de seus resultados e a necessidade de avanar nas discusses
para que ganhe corpo e possa ser viabilizado, sobretudo na formao docente, uma
vez que, segundo Passos (2007), a proposio das Cincias da Religio, como base
epistemolgica para o ensino religioso, corresponderia de melhor maneira ao valor
terico, social, poltico e pedaggico do estudo da religio para formao do
cidado (PASSOS, 2007, p. 67).
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Para que se tenha efetivao desse modelo, o primeiro passo diz respeito ao
reconhecimento de cursos de licenciatura em Cincias da Religio. Esse o
caminho para que se possa passar das Cincias da Religio, enquanto rea de
conhecimento, e a partir do acmulo e experincias j realizadas em mbito de ps-
graduao, para o ensino religioso. Posio que se pode perceber no trecho a
seguir:
Passar das Cincias da Religio, como rea de conhecimento com seus resultados j postos, para o ER um caminho de construo desafiante e fecundo, em muitos aspectos ainda por se fazer. H que se ressaltar que esse o desafio comum das licenciaturas: o de traduzir para o ensino aquilo que contedo obtido das pesquisas em determinada rea de conhecimento. (PASSOS, 2007, p. 126).
A traduo dos resultados de pesquisas da rea das Cincias da Religio,
operacionalizada por meio das licenciaturas, forneceria contedo disciplina sob a
tica cientfica. Seria um ganho para a disciplina, medida que se deslocaria a
responsabilidade e competncia do ensino religioso das confisses religiosas para o
Estado e comunidade cientfica, isto , o tratamento dado ao fenmeno religioso
no se fundamentaria em confisses religiosas. As Cincias da Religio no tomam
o estudo sobre a religio a partir do dado da f. Esse deslocamento corresponde
melhor ao carter laico da escola pblica. H que se ressaltar tambm o fato de esse
deslocamento proporcionar abertura para que se estabelea uma licenciatura
especfica para a docncia em ensino religioso. A esse respeito, a disciplina teria
muitos ganhos, uma vez que, no havendo a definio de uma formao especfica
para a disciplina, verifica-se que o professor possui, em muitos casos, formao
variada. Essa diversificao na formao dificulta a discusso e o estabelecimento
de objetivos, mtodos e linguagem apropriados ao ensino religioso.
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3 Desafios do pluralismo religioso formao docente
A formao de professores na histria da Educao brasileira, de modo
geral, passou por altos e baixos. A partir da dcada de 1990, em funo do
atendimento s orientaes internacionais, foi-se intensificando no Brasil uma
srie de aes polticas e reformas educacionais, o que, por sua vez, refletiu-se, nas
instncias federal, estadual e municipal, em esforos no sentido de buscar definir e
concretizar polticas pblicas para a formao de professores. Dentre elas, pode-se
citar a educao distncia e o protagonismo do prprio professor enquanto
sujeito de sua educao continuada (OLIVEIRA; RISKE-KOCH; WICKERT, 2008,
p. 62-66). Convm ressaltar que a formao dos professores insere-se em uma
condio epistemolgica social e complexa. A formao do professor
multidisciplinar, complexa, incompleta, articulada ao contexto social mais amplo,
na inter-relao com o outro (OLIVEIRA; RISKE-KOCH; WICKERT, 2008, p. 68).
Tomando como base essas caractersticas, pode-se dizer que a formao dos
professores de ensino religioso tambm se enquadra na mesma perspectiva, no
obstante partir da compreenso de que a disciplina ainda conta com complicadores
de ordem poltica, legal e epistemolgica6 relativos laicidade do Estado e
presena do religioso em espao pblico no Brasil. Partindo do pressuposto de que
a formao dos professores se articula ao contexto social, o ensino religioso tem
diante de si a perspectiva da diversidade cultural e religiosa verificada na sociedade
brasileira atual. Nesse sentido, convm ressaltar que:
O pluralismo religioso colocado como um direito expresso na primeira Constituio e um ideal manifesto pelas associaes interconfessionais.
Nem todos os grupos religiosos, entretanto, possuem o mesmo poder de intervir na definio de contedos e estratgias da disciplina do Ensino Religioso, hoje constitudo como elemento curricular. Portanto, faz-se necessria a discusso de uma perspectiva do pluralismo religioso, para
6 Do ponto de vista poltico, a referncia o jogo de foras que se opera em torno da disciplina a partir da implantao da Repblica e
as estratgias, sobretudo catlicas, para a manuteno do ensino religioso na escola pblica. Do ponto de vista da legislao, a disciplina ocupa lugar ambguo por ser obrigatria para a escola e facultativa para o aluno. Com relao epistemologia, a r eferncia o dilema da presena privada em espao pblico, bem representada pela perspectiva do modelo teolgico.
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balizar esta disciplina e discutir, inicialmente, a capacidade de acolher a diversidade religiosa que compe o campo religioso brasileiro (JUNQUEIRA; ALVES, 2003, p. 10).
O primeiro passo para que o ensino religioso tenha condies de enfrentar o
desafio de acolher a diversidade que compe o campo religioso brasileiro j foi
dado. Refere-se ampliao da disciplina enquanto rea de conhecimento. No
entanto, ao mesmo tempo que o ensino religioso tem diante de si a possibilidade de
emancipao, h, ainda, complicadores. A esse respeito, pode-se citar a
obrigatoriedade, dada pela redao do artigo 33 da LDBEN (Lei n. 9.394/96), de
que os sistemas de ensino ouam entidade civil com representao religiosa. H,
tambm, segundo Oliveira et al. (2007), dificuldades dos prprios professores,
como se pode perceber a seguir:
Outro possvel agente determinante na demora de efetivao das mudanas talvez seja o posicionamento de professores que ainda no conseguem estabelecer necessria distncia entre sua formao inicial de base confessional e a elaborao de uma viso plural e inclusiva do componente curricular de Ensino Religioso (OLIVEIRA et al., 2007, p. 59).
Essa situao ocorre em mbito nacional e pode ser percebida, tambm,
quando se volta o olhar para Minas Gerais. Nesse sentido, de maneira mais
especfica, fazendo referncia ao universo que compreende a escola pblica
estadual da regio metropolitana de Belo Horizonte, pode-se citar que:
O professor de Ensino Religioso deveria falar a partir do aluno, de suas possibilidades e necessidades; ao contrrio do representante da instituio religiosa, que fala a partir de princpios teolgicos e de um projeto de evangelizao. A linguagem catequtica mais comum em escolas
particulares confessionais, mas ainda muito utilizada por docentes de escolas pblicas, o que refora as acusaes de que o Ensino Religioso subjuga e domestica por ser o brao estendido das igrejas crists dentro da escola (DANTAS, 2004, p. 121).
Essa situao permite a compreenso de que ocorre com o ensino religioso
um distanciamento entre os avanos tericos e a prtica docente. Esse quadro
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sugere deficincias na formao dos professores, que depende de uma base
epistemolgica, e esta, por sua vez, compreende aspectos tericos e metodolgicos
ainda no suficientemente desenvolvidos.
Consideraes finais
guisa de concluso, pode-se dizer que o modelo das Cincias da Religio,
atualmente, aquele que responde com mais ganhos prtica do ensino religioso,
mesmo ainda se encontrando em estado embrionrio. O Estado laico, mesmo que
em seu territrio haja diversidade religiosa, no assume propriamente
caractersticas religiosas, isto , possibilita a liberdade religiosa e de crena, muito
embora no assuma nenhuma delas como uma religio oficial. medida que o
ensino religioso foi pensado como estando ligado s confisses religiosas e mantido
nos estabelecimentos oficiais de ensino pblico configurou a presena do privado
(religioso) em mbito pblico (laico), instaurando o dilema epistemolgico e
gerando uma srie de polmicas em torno do ER.
Alm das vozes que se colocam contra esse lugar ambguo do ensino
religioso em defesa da laicidade do Estado, h, tambm, problemas do ponto de
vista epistemolgico. O ensino religioso, medida que concebido como estando
ligado s tradies religiosas, busca nelas o conhecimento religioso para sua
prtica, isso sem falar no problema da formao dos professores, tendo em vista a
diversidade de tradies religiosas e, atualmente, de movimentos religiosos no
Brasil no necessariamente estruturados sob a lgica j h muito estabelecida nas
confisses religiosas7.
Enfim, pode-se dizer que o modelo das Cincias da Religio seria aquele que
responderia com mais ganhos prtica do ensino religioso e atenderia de maneira
interessante ao dilema epistemolgico desse componente curricular. Isto , a
7 Para maiores informaes, cf. Antoniazzi (2004).
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adoo do modelo das Cincias da Religio corresponderia secularizao do
ensino religioso e favoreceria-o tanto do ponto de vista da autonomia
epistemolgica quanto auxiliando, medida que a integre ao ambiente escolar,
superando o estigma de corpo estranho.
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