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  • ttulo do original alemo

    dire weber os tecelesgerhart hauptmann

    traduo de

    marion fleischer

    ruth mayer duprat

    prefcio de

    erwin theodor

    capa e planejamento grfico

    hans haudershild

    Brasiliense de Blso

    srie teatro universal

    direo e organizao

    sbato magaldi

    volume 31

    reviso ortogrfica

    luciano lepera

    EDITRA BRASILlENSEbaro de ttapetininga, 93so paulo - brasil

  • GERHART HAUPTMANN: Traos Biogrficos

    Hauptmann nasceu em Ober-Salzbrunn (Silsia) a g> de no-vembro de 1862.\...Criana viva e rebelde,)manifestou desde muitocedo violento antagonismo vida escolar. Interrompendo o cursoginasial j -no terceiro ano (em 1878), procurou entusiasmar-sepeja agricultura, que foi obrigado a abandonar devido mani-festao de uma fraqueza pulmonar, de que viria ressentir-se at1904.

    Apesar dos poucos estudos sistemticamente realizados, con-segue ingressar na Escola de Artes de Breslau e, depois, obtmmatrcula nas Universidades de Jena e de Berlim. Em Jena de-dicou-se leitura de obras de Homero, Hesodo, Plutarco, JeanPaul e Byron, esboou o seu primeiro plano para a carreira dasletras e assistiu a prelees de famosos professres, como Euckene Haeckel. Aos vinte anos inicia a primeira de suas muitas via-gens pelo exterior, visitando Mlaga e Barcelona e, depois, aItlia, que vir a ser o seu refgio peridico at o incio daSegunda Guerra Mundial. Em Roma tenta, no ano de 1883, aexistncia de escultor, mas fracassa e retoma, doente, para aAlemanha. Nessas viagens, durante as quais se dedicara leiturada Utopia, de Thomas More, da Histria dos Papas, de Ranke,de parte considervel das obras de Plutarco e Hlderlin, surgiunle o hbito das leituras intensas e variadas, que muito viriama auxli-lo no futuro, principalmente devido sua assombrosamemria.

    Casa com sua- cunhada, Marie Thenemaun, em 5 de maiode 1885, -e decide instalar-se em Erkner, lugarejo nas proximi-

    V

  • dades de(Berlim.J A partir dste momento surge o autor de obrasliterrias: dramticas, lricas e picas, que at hoje no -forampublicadas na ntegra, embora se tenha" conhecimento,- graas "Edio Definitiva"" (17 volumes) de 1942 e "Edio do Cen-tenrio" (10 volumes, sete dos quais j publicados), editada apartir de 1962, dos trabalhos mais perfilados' de Hauptman

    n. A

    publicao da totalidade dos escritos, incluindo a correspondncia,elevar-se-ia a quase cinqenta volumes, e no h dvida de que,no tocante aos seus trabalhos maiosdifundidos, teve o autor razoao afirmar no prefcio ao primeiro volume da "Edio Definitiva":"Muito do contedo dessas pginas - que h bastante tempodeixaram de ser propriedade minha - tornou-se domnio doesprito do povo alemo". ioi escritor dos mais. consagrados naAlemanha, desde -o ltimo decnio do sculo dezenove e duranteas trs pocas polticas alems dos primeiros cinqenta anosdo corrente sculo: o Imprio, a Repblica de Weimar e a cha-

    mado "Terceiro Reich".Seu nome correu mundo quando, logo aps a apresentao

    de Antes do Amanhecer (28 de outubro de 1889)., acaloradosdebat~ se travaram a respeito dessas primcias dramticas. Estapea inaugurou uma fase do teatro alemo' que, de- acrdo comalguns historiadores da literatura, ainda no chegou ao fim.Hauptmann soube, alis, acompanhar as cortentes intelectuais,mantendo-se sempre em plano destaado. No se deve, portanto,aplicar-lhe o rtulo de "n;tturalista", muito embora Antes doAmanhecer e outros destacados dramas_dJL sua pena (entre osquais Os Teceles) sej;;;:I;-;;emplos especialrnent~- felizes dsseperodo. Uni poeta de sua categoria "no podia continuar sendo,por todo o tempo, um companheiro de armas dos naturalistas.No fundo nunca o foi, embora sejam dle quase tdas as obras-

    .primas dsse movimento. J sua inteno artstica distinguia-odaqueles: procurava representar o presente vivido e o conjuntode problemas especl.ficamente humanos:' (Gerhart pohl)

    VI c,

    Hauptmann foi, em vida, personalidade literria das maiscontrovertidas. Mereceu desde cedo inmeras homenagens e in-vlgares distines. Foi-lhe atribudo trs vzes o Prmio Grill-parzer da ustria (1896, 1899 e 1905); foi distinguido com ottulo de doutor "honoris causa" da Universidade de Oxford

    " ( 1905); recebeu o Prmio Nobel de Literatura (1912); mereceua mais elevada condecorao alem, o "Pour le Mrite" (1924);duas vzes recusou a sua candidatura Academia de Letras,

    "assim como recusara o convite para representar-se como candi-dato eleio presidencial da Alemanha; entre os anos de 1920e 1930 recebe uma dezena de ttulos honorficos das mais diver-sas Universidades do mundo inteiro, mas ao mesmo tempo sofrerevezes. Na poca do Imprio foi continuamente hostilizado pelacensura oficial; o prprio Imperador Guilherme II recusou-lhe aconcesso do Prmio Schiller; em 1921, quando devia ser prepa-rado um livro em oornemorao do seu sexagsimo aniversrio,muitos autores de fama recusaram-se a colaborar; Thomas Mann,que depois de sua morte o homenageou com sentidas palavras ej antes voltara a fazer-lhe justia, ironiza a sua figura na Mon-tanha _Mgica (1924), atravs da criao da personagem Peepr-korn. Seu amigo, o escritor Oskar Loerke, responsvel durante_longos anos pelas publicaes da Editra Fischer, informou certavez ter sido obrigado a aplicar cinco mil correes a uma obrade sua lavra e, reahnente, se Hauptmann chegou por vzes asurpreendentes alturas de perfeio estilstica e esboou certostrabalhos de penetrao' psicolgica insupervel, no menos ver-dade que outros produtos literrios dsse autor existem a revelarfraquezas espantosas. "As obras de Hauptmann surgiram tonumerosas e to rpidamente, cinqenta dramas e dez criaespicas" (alm dos numerosos poemas), "como se, no curso dabreve existncia humana, acossado por exigncia ntima e peloclamor do mundo em trno, t-ivesse de erigir uma construo,capaz de abrigar todos os };;tauros de nossa poca sofredora emlima ordem que ao mesmo tempo fsse arte e, alm disso, se

    VII

  • revelasse mais elevada do que qualquer arte, uma construode cujo tpo o olhar abrangesse uma Jerusalm celeste ( ... )Henschel, Rose, Kramer, Garbe - e muitas outras (personagens)_ so vtimas escolhidas pelo sofrimento, sempre prepotente, asegreg-Ias da comunidade e embelez-Ias no' momento em quese revelam irmanadas no sacrifcio." (Max Rychener)

    A obra dramtica de Hauptmann tem incio com Antes doAmanhecer (1889), que anuncia nova forma teatral, representan-do eventos determinados pela hereditariedade e a influncia domeio ambiente. A vida dos camponses, enriquecidos graas fartura carvoeira no sub-slo, apresenta caractersticas de excessose corrupo, intervindo o destino com golpes inclementes, queesmagam indistintamente os bons e os maus. A Festa de Paz'"(1889) e Os Solitrios so peas da sociedade, em que Hauptmannestuda as caractersticas psicolgicas. So dramas de desarmoniae de desproporo. A vida encarada como elemento avsso aopleno desenvolvimento do invidduo, e a fra psquica, qualpretende recorrer para corrigir falhas da existncia, prova serimpotente. O Colega Crampton (1892) e a Pele de Castor (1893)ilustram a tcnic' da dramaturgia naturalista, aplicada comdia,

    , enquanto Flo1"an Geyer (1895) o nico grande drama histricoda poca, na Alemanha. Seu heri a massa e, sob ste .aspecto,se assemelha a Os Teceles (1891, em verso dialetal e 1892 emlinguagem corrente), que constituram o mais notvel xito deHauptmann, analisado no prefcio que acompanha o presentevolume. O Carroceiro Henschel. (1898) e Rase Bernd (1903)so peas dedcadas ao desenvolvimento de caracteres. Os herisapresentam-se anti-heroicamente, sendo Henschel dominado intei-ramente pela segunda espsa, que vem a ser responsvel porseu suicdio, enquanto Rase, joguete de paixes desenfreadas econtraditrias, torna-se vtima de indivduo corrupto, assassinandoo filho ilegtimo, e, em seguida, cometendo suicdio. Em ambasas peas, tal como em Os Teceles, avulta o problema do sofri-mento. Percebe-se sempre a indagao indireta, a respeito do

    VIII

    responsvel por sse sofrimento, mas a resposta, satisfatria deixade ser dada, e 'nem mesmo apresentado um conslo, capaz demitigar o desespro reinante.

    Outras peas do mesmo perodo manifestam tendncias novasdo pensamento e da obra de Hauptmann, acentuando-se as feiesespeculativas e revelando-se traos msticos. Tem incio a pro-cura do "drama primitivo". O conflito dramtico interpretadocomo um embate vital imanente, caracterstico de qualquer estgioda existncia humana. A primeira obra dentro do .conjunto dessas.novas idias A Ascenso de [oaninha (1893), em que o realismonaturalista vem ligado a traos fantsticos, confundindo o sofri-mento da criana com sonhos que sublimam acontecimentos vi-vidos. O Sino Submerso (1896) interpreta problemas persona-lssimos do autor (desejo de distanciar-se da famlia e unir-selivremente amada), que aparecem envolvidos em atmosferamstica e relacionados a uma religiosidade livre, a um culto pago'do sol. Significativo o domnio da mulher,' um tema que atrairHauptmann pelos anos afora, assim ainda em seu romance "AIlha da Grande Me (1924). O drama Elga (1896), revela opoder feminino, focalizando a existncia alicerada na sensuali-dade, outro tema freqente. Tambm O Pobre Henrique (1902)exemplifica a fra feminina, conseguindo uma menina, decididaao sacrifcio da prpria vida, redimir da maldio um poderosocavaleiro. Trilhando mais decididamente o caminho do misti-cismo, escreve E Pppa dana (1905), que no pretende apre-sentao dramtica de' determinada idia, dentro de rgidos dita-mes, mas deseja impr-se pela atmosfera suscitada. A refm doimperador Carlos (1906) a dramatzao de uma lenda a res-peito de' uma pobre escrava, que consegue enfeitiar o monarcacom sua graa e vitalidade. Em A fuga de Gabriel SchlUng( 1906) o indivduo dominado pela natureza, tal como freqen-temente acontece nos contos de Hauptrnann, enquanto em Ostsutos (1910) os traos realistas voltam a predominar. Em 1907() -nitor estivera na Grcia, e o seu dirio romanceado, Primavera

    IX

  • Grega, relata as suas impresses. Os reflexos dessa viagem, acon-tecimento decisivo para Hauptmann, sero sentidos durante oresto de sua vida, adquirindo a expresso mais perfeita em sualtima obra, A Teatralogia dos tridas (1940-1944). Em pe-rodo anterior, O Arco de Ulisses (1912) atesta tal influncia,ressaltada especialmente pelo valor simblico, tal como acontecetambm com O Salvador Branco (1917) e Indipohdi (1919)que tm por cenrio o mundo mexicano, mas marcam na realidadeo limite em que se verifica o contacto do elemento humanocom o demonaco. A indagao suprema de Hauptmann, aquicomo na quase totalidade de suas peas, aquela que sua perso-nagem Miguel Kramer (1900) expressou, muito antes, na peahomnima: "Para onde somos impelidos?"

    O chamado "realismo da velhice de Hauptmann" externa-seem trs tragdias, escritas pelo sexagenrio: Herbert Engelmann(1924, completada por Zuckmayer em 1952), Dorotia Anger-liwnn (1925) e Antes do Crepsculo (1931). Trata-se de umrealismo ligado anlise psicolgica, e, em lugar da simplesapresentao de anti-heris, de misria e de desgraa, surgeagora a acusao s injustias sociais ~ corrupo. ,

    Em 1935 concluido o r~m~netf No 'turbilho da vodo,em -que d~encontram expostas as teorias de, Hauptmann sbre omundo do teatro, e descritos os motivos que-..o [evararn a tentaruma nova encenao do Hamlei . de Shakespeare, readaptando apea e, mais tarde, redao de um drama sbre a existncia.estudantil do heri shakesBeriano, Hmlet em Wttenb-urg (1935).J foi mencionada a su~ ltima obra, a Tetralogia dos .tridas,escrita durante a Segunda Guerra Mundial, em que documenta,em roupagem helnica, a impotncia do indivduo isolado peranteas fras do Mal e em que focaliza todo um mundo, dominadopor divindades noturnas. Constituiu a coroao de uma obra,cujos ttulos apenas pudemos indicar parcialmente, e na qual so-bressaram ainda poemas picos, tais como O grande Sonho (es-

    x

    crito entre 1914 e 1932, em terza-rima ), o Festival em rimasalems (1913), o Til! Eulenspiegel (1938) e outros, que aindano mereceram o devido estudo. Hauptmann cerrou os olhos a6 de julho de 1946, em um mundo que j no era o seu.

    ERWIN TI-lEODOR

    " A esta edio deveriam ter-se seguido mais 17 volumes,intento impossibilitado -pela guerra e o racionamento de papelna Alemanha.

    XI

  • INTRODUO: Erwin Theodor

    Cerhart Hauptmann, neto de pobre tecelo silesiano, planejouJa em 1888, um ano antes de seu primeiro grande triunfo (Antesdo Amanhecer), escrever um drama sbre a -histria do sofri-mento e da misria dsses pobres trabalhadores.

    Em junho de 1844 revoltaram-se os teceles, na localidadede Langenbielau, contra os ricos fabricantes que os oprimiam, eem 1891 Hauptmann, agora j dramaturgo festejado, viajou paraessa cidade, situada ao p da Serra da Coruja (Eulengebirge)para estudar o problema. Nesses anos, o nome de Hauptmannse havia tornado um smbolo da luta contra as injustia sociaise os preconceitos dos poderosos, e quando Max Baginski, redator(1'1 publicao "O Proletrio da Serra da Coruja", se apresentouno hotel "Pao Prussano" ao poeta, ficou impressionado com apersonalidade que veiu a conhecer, to diferente do retrato, quese formara em seu esprito, de dramaturgo supostamente revolu-cionrio. Assim o descreveu: "No homem de contacto fcil,socivel. Discreto, quase tmido, quieto. Sonhador ensimesmado,pesado, mas - a par disso - um observador do humano; demasia-damente humano, impossvel de ser iludido. No Goethe, antesHclderlin."

    ~Quando Hauptmann manifestou, ao hoteleiro, o seu. inte-rs se pelos teceles, foi tomado por funcionrio do govrno, enviadopara estudar a situao do lugar e, posteriormente, enviar umrelatrio a Berlim. Estranharam apenas os seus encontros como mencionado Baginski, um' "partidrio dos vermelhos", que _segundo a imprensa local e voz corrente das autoridades de Lan-gcnbielau - se ~ompraziam em exagerar a misria dos pobres,

  • para "insuflar a revoluo". Sim, em 1891 a misena dos tecelesainda no era problema superado. Cem anos haviam decorridodesde os primeiros protestos, mas ela continuava a ser um .dostemas da regio, 'embora a 'situao i no fsse to crassa quantoem meados do sculo, 'perodo abrangido pela pea aqui focali-zada. Heinrich Heine, Ferdinand Freiligrath, Hermann Pttmann,Georg Weerth e Ludwin Pfau foram alguns dos escrii:ores quehaviam tratado literriamente da revolta dos teceles de 1844,mas coube ao drama de Hauptmann dar-lhe forma to incisiva,que continua ainda hoje a comover o pblico teatral, sendo umdos dramas mais freqentemente representados do autor.

    Na poca em que percorreu a regio, que viria a ser o palcodos aconteciluentos de seu drama, leu as obras de Alfred Zimmer-mann, Wilhelm Wolff e Alexander Schneer, tdas elas ricas eminformaes sbre a revolta dos teceles, e concluiu ainda em1891 a primeira redao da pea, em sua forma dialetal. . Emmaro de 1892 apresentou-a refundida, aproximada da lingua-gem-padro alem, mas a Diviso de Censura do Departamentode Segurana pblica de Berlim, qual coube julgar a pea,proibiu imediatamente a encenao, voltando a hnpr esta decisoaps examinar, em janeiro do ano seguinte, outra edio, revista.S depois de acirrados debates foi drama liberado (em 2, de

    \ \. -outubro de 1833), tendo sido apresentado publicamente pela pri-.~ meira vez em 25 de setembro de 1894, no Deuseches Theaier,

    de Berlhu. O Imperador Guilherme II cancelou, irado "pelo tomrevolucionrio do drama", o camarote imperial naquele teatro, eas discusses prosseguiram agitadas. Entretanto no h dvidade que Gerhart Hauptmann manteve-se fielmente adstrito his-tria, refletindo-a, por vzes, mesmo em mincias. " narradore observador, mas nunca um porta-bandeiras", escreve Fritz Enders,porm lgico que, em se tratando da representao realista dosofrimento de parte da populao, o drama constituiu golpe rude,desfechado contra o otimismo cmodo da classe burguesa, repen-tinamente confrontada com uma situao to diversa daquela que

    XIV

    imaginava imperar no pas. Acresce que os acontecimentos, em-bora situados 50 anos atrs, eram sentidos como se se tivessemdesenrolado naqueles dias, j que em 1890, aps colheita espe-cialmente desastrosa, a misria dos teceles havia sido de nvofocalizada de perto pela imprensa' alem .. ~~'l!Lno r~rreuHauptmann para retratar a penria~c()ltiva (como fizera, J?Ol'exemplo, Georg Bchner em seu Woyzeck) exemplifica atravs.ga

  • no se encontravam as fras dominantes nesta regio prontas asegui-lo. :l!:ste estado de coisas pode, alis, ser provado pela pr-pria realidade constitucional. Na Prssa existia ainda a "lei elei-toral" das trs classes, mantida at 1918, de acrdocom a qualos eleitores eram divididos em trs camadas, consoante aos impostosque pagavam, podendo assim os poucos ricos eleger tantos depu-tados quanto os elementos mais numerosos da classe mdia e agrande massa dos cidados que pagavam impostos reduzdissmos.

    Cerhart Hauptmann era um autor jovem, cuja sensibilidaderegistrava, ssmogrfcamente poderamos dizer, os problemas cen-trais de sua poca. J quando menino de escola, em Breslau,perturbava-se perante a pobreza da mocidade silesiana. Comoestudante universitrio, ainda incerto quanto carreira a seguir,se ator, escultor ou escritor, havia-se ligado ao gmpo, intitulado"Os Icrios", que almejava realizar uma fundao de colonasocialista na Amrica do Norte, Por isso mesmo foi testemunhaem processo judicirio contra os socialistas, em 1887. Os acusa-dos eram os "crios", dos quais Hauptmann se desligara emtempo. le mesmo caracteriza, em sua obra autobiogrfica, oclima espiritual em que, com seus amigos, se encontrava napoca de Antes do Amanheoer: "O trao fundamental de nossavida e nossa essncia de ento era a f. Assim tnhamos f noprogresso irresistivel da humanidade. Tnhamos f na vitria dascincias naturais e, assim, no desvelamento definitivo da natureza ...Dentro em breve, acreditvamos, a auto-destruio da humanidadeatravs das guerras passaria a ser um captulo ultrapassado dahistria. Tnhamos f na vitria da fraternidade, que - entrens - j havamos quase transformado em realidade ... " E osautores, animados por sses ideais, queriam com suas obras,"correspondentes seriedade e grandeza desta poca" (IrmosHart, Duelos Criticos], criar uma literatura que realmente viriaa exercer efeitos decisivos sbre o futuro.

    XVI

    Dentre dsse espirito escreveu Hauptmann seu quinto drama,antecedido por Antes do Amanhecer, A Festa de, Paz, Os Soli-trios e Colega Crampton, tendo ste ltimo sido redigido emtempo recorde mesmo para Hauptmann, escritor de pena espan-. tosamente ligeira, pois de como ao fim no levou mais de quinzedias, nos ltimos meses d 1891, quando trabalhava j na pri-meira redao (verso dialetal) dos Teceles, nessa altura aindachamados De Waber.

    Em 20 de fevereiro de 1892, Adolph L'Arronge, diretor doTeatro Alemo de Berlim, entregou censura uma cpia da pea,em verso dialetal, e j em 3 de maro a apresentao foi proi-bida "por motivos de ordem policial". As" queixas das autoridadesdirigiam-se contra as "descries, verdadeiramente incitantes dodio de classes, do carter do fabricante, em oposio ao dosoperrios nos primeiro e quarto atos; a declamao da canodos teceles no segundo e no fim do terceiro atos, o saque dacasa de Dreissiger, no quarto ato e a descrio da revolta nosquarto e quinto atos." A polcia temia que "as' descries pode-rosas do drama... poderiam vir a tornar-se um ponto de atraopara demonstraes por aqules entre os habitantes berlinenses, da--dos a essas prticas". .

    Em 22 de dezembro de 1892 L'Arronge apresentou a verso('111 linguagem-padro, Die Webe,.; em que certos excessos haviamsido

  • petavam muitas vzes os podres constitudos, 'prtica que veioenvolver at mesmo os palcos reais, isto , os teatros oficiais, osenhor von Hinckeldey, diretor-geral da policia berlinense, acre-ditou ser do dever de sua instituio cuidar do sossgo popular"grandemente ameaado pela influnoa negativa dos dramas mo-demos". E junto s instncias superiores conseguiu vr aprovadauma "legislao policial", que vigorou at 1918, e cujo pargrafo6, alnea d, autorizava a polcia a tomar "decises para assegurara ordem e a legalidade, quando da reunio pblica de um certonmero de pessoas". Ora, ste Pargrafo foi interpretado emsentido lato e, a menos que o palco se encontrasse em sociedadesprivadas (muitas das quais fundadas para sse fim), a direo detodo e qualquer teatro tinha de entregar "Comisso de Cen-sura", previamente a qualquer estria, dois exemplares da peaa ser" representada. Entretanto cabia recurso da deciso policial.

    Foi nisto que Hauptmann se baseou, ao apresentar a suaqueixa. Mas em primeira instncia perdeu o processo, tendo adeciso da censura sido confirmada pelo tribunal regional, emrplica que somou 97 pginas. Depois o advogado de Hauptmann,Grelling, recorreu ao Tribunal Superior de Administrao daPrssa, que lhe deu ganho de causa em 2 de outubro de 1893.Com esta permisso o Teatro Alemo, .e nenhum outro, foi auto-/rizado a levar a pea, alis j apresentada em meio daquele anoem Paris, na traduo de Jean Thorel. Mas, na Alemanha, adiscusso judicial em trno da apresentao teve prosseguimento,e s em novembro de 1901 foi o drama libertado para todos ospalcos.

    Alis curioso notar que o Tribunal Superior de Admns-trao da Prssa argumentou dentro do prprio esprito da "legis-lao policial" de von Hinckeldey, pois negou que houvesse ameaa ordem e legalidade, e assim derrotou a polcia, por assimdizer, com os meios desta. Cerhart Hauptmann, quando viu vito-rioso o seu ponto de vista, fz com qlle seu advogado declarasse.que, de modo nenhum, pretendia, nos Teceles, apoiar a doutrina

    XVIII

    poltica dos social-democratas: "Tal inteno correspondera, ameu vr, a uma diminuio da arte. Ambicionei criar uma obrade arte, nada menos do que isso e espero que tal situao tenhasido plenamente compreendida por todos os entendidos em arte- a menos que se queira -entender como atentado contra a arte ofato de ter tido, como poderoso -auxiliar a formar o meu drama,aqule sentimento cristo e humano em geral, que se ser cha-mado compaixo". Esta observao de Hauptmann no teve qual-quer carter oportunista. Expressa seu ponto de vista e corres-ponde pea como tal, assim como ela vem sendo ultimamenteanalisada, agora que os eventos tratados podem ser encarados distncia, sem provocar um engajamento direto. Sabemos tam-bm que a. revoluo social no _se verificou na Alemanha im-perial, mas Hauptmann e seus Teceles tornaram-se q1tase pro-verbiais para o esprito revolucionrio, temido pelos podresoficiais. .O prprio Guilherme H, que no era um monarca toretrgrado com muitos querem fazer crr (basta lembrar as suasdisputas com Bismarck sbre -a "lei socialista"), mandou cancelaro "camarote cativo" imperial no Teatro Alemo, pelo qual pagavaquatro mil marcos anuais, argumentando com a "tendncia desmo-rnlizantc" da pea de Hauptmann. ste ato constituiu o inciodo hOltlOIO, de que participaram todos os partidrios, da mo-""repilll, VIHlllldo I\() ostracismo total de Hauptmann, Aconteceu o.ouurto, omborn () I11I perndor, em 1896, recusasse ao dramaturgoo Prmio Schillcr, pura o qual havia sido proposto, no pelos.'t'eceles, mas sim pelo drama A Ascenso ele [oaninha. Na ocasio,(:"lihcrmc II declarou: "Sei bem que Gerhart Hauptmann omuis significativo autor alemo de nossos dias, mas no lhe possoperdoar os Teceles". Mandou que o prmio,. uma instituio111'1(';111, fsse entregue a Ernst von Wildenbruch (que alis j11 ux-obcra em ocasio anterior), mas sse enviou-o - como pro"II'NIII - Fundao Schiller, "para fins filantrpicos Ou centi-""lIlt.

    XIX

  • Para encerrar esta exposio em trno da histria dos Tecelesem palcos alemes, lcito debater a indagao, por que exata-

    . mente esta pea foi perseguida com tal intensidade, j que haviadezenas de obras em que a situao social e a poltica prevale-cente eram atacadas, ironizadas e- fustigadas. Bastam os -nomesSudermann, Kretzer e Halbe para comprovar o que assim .dze-mos. Entretanto recaiu sbre Hauptmann o pso do desagradooficial. Por qu? Talvez porque a fra artstica dos Tecelesfsse' superior s outras produes e porque o teatro difundiamais largamente do que o romance ou os poemas o contedodesagradvel classe dominante, mais ainda havia outra razo.Hauptmann no era um "intelectual corrupto ou ~lepravado".No era um aptrda, no era um nilista, no era nem siquerum marxista ou um judeu, fcil de ser atacado e denunciado, maspertencia camada burguesa alem 'e, pelo lado da me, a umatradicional famlia de dignos funcionrios prussianos, de carreiramuitas vzes destacadas. Eis o porque da irritao oficial, propa-gada por todos os meios, e graas qual Hauptrnann veio a sero que realmente nunca pretendeu: o smbolo da pendente questosocial, to claramente assinalada pela pea Os Teceles.

    " " "Existem dezenas de interpretaes dste drama e no seria

    prudente acrescentar-lhes outra, se se tratasse de focalizar a obraapenas do ponto de vista da crtica literria ou examin-Ia sobaspectos estticos. Mas queremos tentar compreend-Ia aqui comoo mais importante documento sociolgico-histrico da literaturaalem dos ltimos anos do sculo passado; e assim temos de en-car-Ia sob um ngulo especial.

    J vimos que o autor se manteve - -dentro elo possvol -aclstrito verdade histrica. Demonstrou, no palco, Il silll!lo

    , Iem em um determinado momento histrico o o mundo da-queles que o atravessavam, res~ltando a atmosfera da poca, fisituao objetiva da sociedade em uma ocasio ducln ou a sun

    xx

    ou relatos. No primeiro ato,de meia pataca" que, em jor-

    ._ ., difundir a "liOrdvl histria" 'Sbre a situao dosteceles .Eksian..2.. Refere-se, assim, diretamente ao jornalistaEduardo Pelz que, sob o manto de um pseudnimo, suscitou muitoalarde com os~ artigos em que revelou a misria reinante. E,indiretamente, indica o conhecimento que se tomou da penria dos.teceles em outras partes do pas e entre membros de uma castadiferente.

    No terceiro ato surge, entre as indicaes cnicas, o "quadrode Frederico Guilherme [V", indicando assim a ligao dessa regiocom o mundo exterior e, no mesmo ato, o viajante menciona a '\situao ao dizer: "Onde quer que a gente leia o jornal, qualquerjornal, sempre se encontraram as mais terrveis histrias sbre a 1misria dos teceles ... " Ora, tratando-se de um viajante, es- ttranho no lugar, percebe-se assim a penetrao na conscinciapblica dessa questo social. Ainda no mesmo atQ.....Qmosnfor-mados_tarnhm-dasituao nos dfrentes setores populaci~;is. -Assim: "Essa gente no tem dinheiro para um barbeiro, e nopode comprar uma navalha, nem sonhando. O que tem de cres-cer, cresce. Nada podem dispender para sua aparncia." ssesslio os teceles, de que descendem tambm fabricantes ricos:"() wlho 'I'rorutrn niio crn seno pobre tecelo, e agora donodo d 11'11 I 1\""IIdONp,oprloclllc!cS o, por cima, ainda mereceu o ttulod,\ IIollI'I'~,II,"Sol! Il vlol(\ndn dsscs fabricantes, fl;ss@ como dosIIIINItH'I'lilIiS,uos qunls se ligam os camponeses, sofrem..os pobres""" d,~ lvur: "O que nos sobra, depois de pas~armos pelo Fabri-

    1'11111". ('1I0S tirado pelo senhor das terras", E: "O campons e ourlxtocrutn csto no mesmo barco, '. A gente mais parece o cernedo lima Fruta - mordido por todo mundo." O govrno, atiado11Iloscomentrios da imprensa, envia emissrios regio, para\ '"I ri1'11r qual a situao de fato; entretanto "vem um dsses ca-1'"lluI"lIsdo govrno, que antes de investigar [ sabe tudo melhor.I" '1111' se tivesse visto. D uma 'voltinha na aldeia, na altura do

    XXI

  • riacho e onde se encontram as casas melhores. Seus belos sapatosengraxados, no, quer suj-los, no. E pensa que, afinal, em tdaa aldeia o aspecto deva ser o mesmo, entra na carruagem e voltapara casa. Depois manda seu relatrio para Berlm, dizendo queno viu traos de misria." Hauptmann utiliza-se, aqui pelo me-nos, de dados a respeito de um relatrio, enviado ao govrnopouco antes da revolta, em que se afirmava que no existia "mi-sria notria". O movimento de massas vem focalizado nessamesma cena, na estalagem em Peterswaldau. Hauptmann, que jfoi chamado de "o clssico das cenas de tavernas e estalagens",retrata aqui, em uma sucesso rpida de dilogos e indicaescnicas entremeadas, os grupos e as camadas sociais, formadoresdo ambiente tpico. Uns so os' teceles, os outros pertencem aosgrupos que oprimem - conscientemente ou no - .os teceles, eno momento em que stes despertam de sua letargia e passividade,entoam a "cano de Dreissiger", dirigindo-se rua, um movi-mento de rrupo de instintos adormecidos e de libertao dosgrilhes indignos, parecendo transmitir a onda de entusiasmo erevolta a todos os espectadores ou leitores. No quarto ato surgea revoluo aberta, Cena a residncia de Dreissiger e uma 'daspersonagens, s ento introduzida, Weinhold, professor parti-cular dos filhos do rico fabricante, um rapaz que, imbudo deidealismo socialista, v-se acompanhado da indisfarvel simpatiado seu criador. Wenhold ope-se ao meio, dominado por Dres-sger, ao qual se acomodaram confortvelmente o pastor Kittelhause sua espsa. Sobrevm uma discusso entre o jovem professor eo pastor; o fabricante envolvido e expulsa Weinhold de sua casa,e - enquanto isso - como ao paralela, preparam os pobresmaltratados o seu ataque casa opulenta daquele que vem rctru-ta do como tpico opressor. A residncia totalmente dvmolldnpelos teceles e, no fim do ato, enquanto um dos Idores impro-visados dos teceles exorta seus companheiros a dirigir-se as {{I-bricas, a .fim de demolir as mquinas arrunadoras do oco, 011111,Ansorge, um dos velhos desesperados, em redor, bate \UI l('~lll

    XXII

    e revela, monologando, o seu. estado de esprito: "Quem sou?O tecelo Anton Ansorge. Enlouqueoeu, Ansorge? verdade,estou com a cabea rodando. O que faz Voc aqui? Provvel-mente o que bem lhe apetece. Afinal, onde est, Ansorge? (Baterepetidamente na testa). No estou certo da bola. No respondopor nada. No funciono direito. Vo-se embora, vo-se embora,vo-se embora, seus rebeldes! ... Se Voc me tirar a minha casinha,tiro-lhe a sua! Portanto, para diante!"

    Se, at sse ponto, a tenso e a atmosfera dramticas seintensificaram continuamente, aparece no quinto e ltimo ato oanti-clmax perfeito, embora seja exatamente aqui que se com-preende o sentido mais profundo, subjacente obra tda. Justa-

    . mente pelo fato de apresentar integrao dramtica muito pOUC0definida e no aparecer como parte orgnica da composio, fazste ato com que tda a nossa ateno se concentre na perspectivaapresentada, isto , na imagem do velho mestre-tecelo Hilse,ao qual , por assim dizer, dedicado todo sse final. De permeioao rebolio revolucionrio o mestre-tecelo focalizado, qualpoderoso rochedo, circundado pelo mar e batido pelas ondas,mtretanto imperturbvel no seu tear, a dirigir uma orao a Deus,agradecendo-lhe por sua graa e bondade. Esta orao caracte-rizlI-O desde as primeiras linhas como o nico indivduo entre a/111/.1'81/, dos II'('(llcs; o nico, cujo esprito' protesta contra a obra11'1'11\,11111111"" t1nSll'\diio quo est em pleno progresso. Parece,1'11111111111,111I11111fl'l'lgkn q\l(' oxutumcnto I-lilse venha a morrer du-11111111u VHI'!illtios soldados contrn os teceles no seu tear junto1I )1111(>10,do (.111111so recusa a sair, dizendo: "Aqui me colocou11 1'111Divino ... Aqui continuamos sentados, cumprindo o nosso.1"11I', 11('111que a neve seja tda consumda pelas chamas" .

    A f'lgura dc Hilsc, e seu papel no' drama, evidenciam, e no111'1'lIlISpelos acontecimentos, mas tambm pela prpria linguagem,'1'". l luuptrnann no se preocupou demasiado com a apresentao01, 1111111h11ngcm coesa tio mundo e dos homens em sentido natu-l,tll 111 () idioma cotidiano, com suas expresses vulgares, sua

    XXIII

  • proximidade ao baixo-calo, e as caractersticas da' linguagem ges-ticulante (anacolutos, elipses, balbucios, suspiros e gritos) per-meado aqui de intensidade pattica e elevao festiva, surpre-endendo por vzes pelas referncias, biblcas.! Aqui h muitomais do que meros aplos compaixo do pblico ou repro-duo de uma realidade, aqui sente-se a intefpretao e valori-zao do autor, e isto, partindo de uma posio situada muitoacima da verdade sociolgica. O velho Hilse o primeiro repre-sentante de uma figura que, da por diante, ser uma constantena obra de Hauptmann: o ser humano bom, retrado, muitasvzes passivo, indivduo geralmente religioso e simples, superior,pelas qualidades morais e espirituais. Assim transforma-se, por-tanto, no seu ltimo ato, a pea de fundo social e profano emuma obra carregada de mensagem espiritual. Ao mesmo tempoque inegvel o fascnio, exercido pelo naturalismo radical e acosmo viso positivista sbre o jovem Hauptmann, pode afirmar-se,por isso mesmo, que os mesmos no satisfizeram as camadas maisprofundas de sua natureza, nem os seus recnditos impulsos reli-giosos, verdade, alis, tornada mais patente quando o drama-turgo - uni ano depois dos Teceles - escreveu a Ascenso deJoaninha.

    Poderia redargur-se que tambm em outros trechos Haupt-mann no baniu tdas as influncias subjetivas do drama. evi-dente que por vzes idealizou os teceles como um grupo cole-tivo, assim por exemplo no prprio quinto ato em que a criana,que encontrou a colher de prata, recebeu dos pais a ordem paradevolve-Ia, apesar das notcias a respeito de saques organizadosdurante a rebelio, infor~es de que o autor dispunha quando daredao de sua obra. Tal idealizao, entretanto, serve na pea ape-nas para ressaltar as diferenas existentes, e com isto favorecer ainteno naturalista. Entretanto, embora Os Teceles constituao drama mais categorizado do naturalismo alemo, trata-se do um

    1 cf. Erwin Theodor Rosenthal, Recursos expressivos na evo-luo da obra dramtica de Cerhart Hauptmann, So Paulo, 1964;

    XXIV

    fenmeno isolado, pertencendo por um lado ao clima e ao esp-rito da poca em que foi redigido, e por outro, continuando aser a obra genial de um autor que sempre insistiu em manter-seafastado. de qualquer dogmatismo artstico ou poltico. Quando'ouvia a palavra idealismo pensava, segundo dizia, em "artistasdletantes,s apoiados em muletas, a viver de emprstimos" e o trrnorealismo dava-lhe a idia de "uma vaca no pasto". Naturalismoevocava-lhe a figura "de Emlio Zola, usando culos escuros", en-quanto sua tarefa, ainda consoante suas palavras, era o levantar'"de tesouros escondidos na terra, mas tendentes luz e ao sol".

    Escrevendo Os Teceles criou um drama social, provenientede profundidades mticas, e lcito lembrar aqui as palavrasmuito citadas de Hauptmann, proferidas durante a sua visita regio em que se desenrola a pea: "Slo clssico. O tear uminstrumento no qual no desdenha sentar-se. a deusa Crce." Pode.ramos dizer que, na obra de Hauptmann, o tear simboliza amisria inominvel de sres ignorantes mas trabalhadores, queforam explorados e maltratados em tdas as pocas, tendo seudrama revelado, neste exemplo, uma situao de injustia socialencontrvel em muitos campos, e contribudo para chamar a aten-o sbre- uma realidade para cuja correo colabora um nmero.cada vez maior de ndviduos, Mas enquanto ela existir, Os Te-(I(JI!'lw contlnuar sendo um drama de profundo sentido social,('IlIIIOVodlll'o 1'('lIl1stn,cuja penetrao espiritual e fra visionria',111'''"10 I1 1IIIIIPlllllllll1 1111111>6111 no futuro lugar de destaque entreIIN ti IHIlWllll'j.(OHi1V todcs os tempos,

  • A meu pai.

    OS TECELES

    Pea da dcada dos quarenta

    Bobert I-IlI'ltptmann

    dedico ste drama

    Querido pai, se lhe consagro ste drama, movem-me a issosentimentos que voc conhece e cuja anlise no se faz aqui,necessria.

    O que voc contava sbre o av, que, quando mo, pobretecelo, como os aqui retratados, ficava debruado por sbre o10111', tornou-se o cerne de minha obra, que, quer ('l

  • PERSONAGENS-\
  • o velho BaumertMe BaumertBertha BaumertEmma BaumertFrtz, filho de Emma, de 4 anos de idadeAugust BaumertO velho AnsorgeSra. BeinrichO velho HlseGottHeb HilseLuise, mulher .de GottliebMielchen, sua filha, de 6 anos de idadeReimann, teceloHeber, teceloUma tecelUm garto de 8 anos de idade r,Uma multido de teceles e tecels, jovens e velhos.

    PRIMEIRO ATO

    Os precedentes desta obra verificam-se na dcada dos qua-renta em Kaschbach, no Macio da Coruja, como tambm emPeterswaldau e em Langenbielau, no sop do Macio da Coruja.

    (Um. tumiplo aposento, pintado de cinza, nafirma de Dreissiger, em Peterswaldau. o compartimento onde os teceles tm de

    'entregar o tecido pronto. esquerda hjanelas sem cortinas, na parede do fundoumo porta 'de vidro, direita outra portade vidro, idntica amierior, pela qual te-celes, tecels e crianas entram e saemconiinuaanenie. Ao longo da parede di-reita que, como as demais, est reoestidana sua maior parte,' de prateleiras de mar'deira para tecidos, estende-se um bancosbre o qual os teceles que foram chegan-do expuseram sua mercadoria. Adiantar-rem-se e ecrdo. com a ordem de chegadae submetem sua mercadoria inspeco.O almoxarife Pieier est de p .atrs deuma grande mesa, sbre a qual o tecelocoloca a mercadoria a ser inspecionada.Utiliza-se le, durante a inspeo, de umcompasso e de uma lente. Quando le ter-mina, o tecelo coloca o tecido na balana,onde um auxiliar de eecritrio confere opso. A mercadoria recebida empurradapelo mesmo auxiliar pore. o almoxarifado.A cada vez, a importncia a ser paga dita pelo almoxarife Pfeider, em voz alta,

    32

  • ao caixa Neumamn, que est sentado a umapequena mesa. Estamos em fins de maio; .o calor sufocante. So 12 horas. Amaioria dos teceles, que, esperam resig:"nads, semelham pessoas que se achamdiante das berro da Justia, 'onde, emtorturante xpectativa, tm de tuiua dar ,uma deciso de vida ou de morte. Poroutro lado, algo de deprimente domina atodos, algo .tpico coe mendigos, que, dehumilhao em "h.'l!milhao, conscientes deque so openae toleradas, esto acostuma-dos' a esconder-se o mais possvel. Acres-cente-se a isso um trao rijo em todos osrostos, resultado de infrutfera e c-ansativareflexo. Os homens, parecidos uns comos outros, todos mirradoe, meio submissos,so na maioria pessoas pobres, de peitocavado e tossegoss;Cjos rostos apresen-tam um colorido plido-sujo: criaturas dotear, de joelhos dobrados devido a suastonae horas de trabalho. Suae mulheres, primeira vista, no tm tantos traos t-picos; tm um ar desanimado, atemorizado,desacoroado - enquanto os homens osten-tam uma gravidade um tanto forada - eamdrajosas, quando os homens usam. roupasremendadas. As mocinhas, s vzes, tmcertos encantos; neste caso destacam-se porpalidez oercea, formas delgadas, grandesolhos saltad,os e melanclicos.

    "

    CAIXA NEUMANN - (Contando dinheiro.) So-bram dezesseis moedas de prata e dois vintns.

    4

    l.a TECEL -(Trinta anos, muito magra, embolso.o dinheiro com dedos trmulos.) Deus lhe pague.NEUMANN - (Vendo a mulher parada.) Ento?Algo errado outra vez?l.a TECEL - (Comovida, implorando.) Eu preci-saria de um pequeno adiantamento.NEUNIAN - E eu precisaria de algumas centenasde taleres. Se dependesse de necessidade! (J ocupa-do em pacr a outro 'tecelo, em poucae palavras.)Sbre o 'adiantamento o Sr. Dreissiger mesmo quemresolve.l.a TECEL - Ento ser que eu podia talvez falarpessoalmente com le?PFEIFER -, (Almoxarife, ex-tecelo. O tpico nle evidente; s que le est bem marido, bem tratado,bcrbetuio; gosta tambm de tomar rap. Exclama comaspereza.) Sabe' Deus que trabalheira o Sr. Dreissiger ento teria, se le quissesse ocupar-se pessoal-mente de cada ninharia; Para isso estamos ns aqui.(Examina com o com/ptieso e com a lente.) Puxavida! Que correnteza! (Coioca um cachecol grossoao pescoo.) Feche a porta, quem entrar.a APRENDIZ - (Em voz alta, para ~Pfeifer.) como se a gente estivesse falando com a parede.PFEIFER - Pronto! - Balana! (O tecelo colocao tecido na balana.) Ainda se vocs entendessemmelhor do seu servio. Est cheio de falhas. .. nemquero ver. Um bom tecelo sabe quando passar de .\I m fio para outro. .IIi\CKER - (Chegando. um tecelo jovem, excep-rlonaimenie forte, de atitudes desemboraiulas e qua-111' 'insolentes. Pjeijer, Neumann e o aprendiz, sua1'11./ rtuia, trocam olhares que exprimem seu prvio

    5

  • PFEIFER - Isto uma raa de teceles - novalem os fios gastos com les. Jesus, no meu tempo!Meu mestre me teria descontado. Mas naquele temposer tecelo era outra coisa. Precisava-se entender doofcio. Hoje isso no mais necessrio - Reimann,10 moedas de prata.TECELO REIMANN - Bem, mas meio quilo por conta das perdas. 'PFEIFER - No tenho tempo. Pronto. O que trazvoc?TECELO HEIBER - (Mostra seu tecido. Enquam-to Pfeifer examina, aproxima-se dle e fala-lhe meia voz e diligentemente.) O senhor me desculpe,Sr. Pfeifer, eu gostaria de pedir-lhe com todo orespeito, se o senhor talvez quisesse ter a bondadee pudesse fazer-me o favor de no descontar o adian-. tamento desta vez.PFEIFER - (Medindo com O compasso e olhando,ironiza.) Vejam s! Est ficando cada vez melhor.Provvelmente a metade do fio ficou outra vez notear.TECELO HEIBER - (Continuando no seu estilo.)Eu vou me esforar para na prxima semana acertartudo. Na semana passada eu tive que trabalhar doisdias para o dono da minha terra. Alm disso minhamulher est doente l em casa ...PFEIFER - (Dando a pea para pesar.) Que tra-balho mais relaxado! (J colocando outro tecidod'iante dos olhos.) Que ourela, aqui larg, l estreita.Aqui a trama est repuxada como no sei o qu, lt'Ht folgada. E nessa polegada nem setenta fios tem.Ollacrdo.) Puxa, que vida! Toca a suar outra vezcomo uma bica.1.0 TECELO - ( meia voz.) .Parece que vaichover.O VELHO BAUMERT - (Forando a passagempela porta de vidro dir.eita. Por detrs da porto.entrevem-se os teceles que esto esperando, aper-tados uns contra os outros, como que encurralados.O velho avanou coxeando e depositou seu pacote nobanco, perto de Biicker, Senta-se ao lado do pacotee limpa o suor.) Um descanso at que ia bem.BACKER - Descanso ainda melhor que cincovintns. -O VELHO BAUMERT...:...- Cinco vintns tambm sonecessrios. Bom dia, Bcker.BACKER - B9m dia, pai Baumert, Toca a esperarsabe Deus por quanto tempo.1.0 TECELO - Isso no enteressa. Um teceloespera uma hora ou um dia. Um tecelo s umacoisa.PFEIFER - Silncio a atrs! No se consegueouvir a prpria voz.BACKER - (Baixinho.) Hoje le levantou outravez com o p esquerdo.PFEIFER - (Dirigindo-se ao tecelo que est dep sua frente.) Quantas vzes eu j disse isso avocs l Trabalho mais limpo o que preciso. Jse viu servio mais relaxado quesse? Aqui tempelotas do tamanho do meu dedo, e palha e tudoquanto sujeira.TECELO REIMANN - Bem, que os instrumen-tos tambm no correspondem.O APRENDIZ - (Pesou o tecido.) Tambm estfaltando no pso.

    6 7

  • que -no se pode. .. Ns trabalhamos o mais pos-svel, pode crer. Faz semanas que eu no prego olho, mas com certeza vai melhorar quando eu puderlivrar os meus ossos dessa fraqueza. Mas o senhortambm precisa ter um pouquinho de considerao.(lnstantemente, implorando de maneira lisonjeado-ra.) Seja bonzinho e d-me desta vez algumasmoedas.PFEIFER - (Sem se deixar perturbar.) Fiedler,onze moedas de prata.'1.a TECEL -' S algumas moedas, para que eu'possa comprar po. O campons no empresta mais.A gente tem um bando de filhos ...NEUMANN - ( meia voz e com uma seriedadecmica para o aprendiz.) Os teceles tm um filhopor ano, cada ano, cada ano, puff, puff, puff.O APRENDIZ - (Replica no mesmo tom, camiaro-lamdo a melodia. at o fim.) - cada ano, cada ano,puff, puff, puff. 'TECELO REIMANN - (No tocando no dinheiroque o Caixa lhe apresentou.) Mas ns sempre rece-bemos treze moedas e meia de prata por um tecido.PFEIFER - (Exclama.) Se no lhe agrada, Rei>mann, s6 dizer. H muitos teceles iguaizinhos avoc. Traga o pso certo e ter salrio completo.TECELO REIMANN - Se falta no pso ...PFEIFER - Traga um tecido sem falhas, assimtambm no faltar nada no salrio ..TECELO REIMANN - Que essa aqui tenha de-feitos demais, isso que no pode ser.PFEIFER - (Examinando.) Quem bem tece, no1)lldece.'l'111CELO HEIBER - (Ficou perto de Pieijer, ali /11 de novamente -cprooeitar um momento oportuno.

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    (O Tecelo Heiber repri-me as lgrimas, fica hu-milhado e desvaiido.)

    BXCKER - ( meia voz para Boncmert.) sse fu-lano ainda quer que se comprem fios para le.l.a TECEL - (Que s se havia afastado um poucoda Caixa e que, de tempos em tempos, havia olhadoem trno de si com olhar fixo, como que procurode auxlio, mas .sem sair do lugar, toma coragem ,'edirige-se novamente, imoloramdo, ao Caixa.) Poiseu daqui a pouco. .. eu nem sei, se o senhor dessavez no me der nenhum adiantamento... Jesus,Jesus.PFEIFER - (Exclama.) um tal de Jesus paral e de Jesus para c. Deixe J esus em paz. saqui que vocs se lembram dle. melhor que tomeconta de seu marido, para que a gente no o vejasempre sentado no botequim. No podemos dar,adiantamente algum. Ns precisamos prestar contas.O dinheiro tambm no nosso. Rs__que vamoster de reembols-lo depois. {Quem realmente se es-fora e entende do seu ofcio e faz seu trabalhotemendo a Deus, no precisa nunca de adiantamentoalg.u!p-=...Pronto ~.f~a._JNEUMANN - E mesmo que um tecelo de Bielau.receba seu salrio quadruplicado, le gasta tudo embebidas e ainda faz dvidas.l.a TECEL - (Em voz alta, como que apelandoao sentimento de iustio. de todos.) Eu de certo nosou preguiosa, mas no posso continuar assim. Tivedois abortos. E sse que meu marido tambm svale por meio-homem ; le estve no doutor de Zerlau,mas sse tambm no pde ajud-lo e a. .'. Obrigar

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  • Sorriu tambm. a propsito do trocadilho de Pieiier,agora aproxima-se dle e fala-lhe como da primeiravez.) Queria pedir-lhe respeitosamente, Sr. Pfeifer,se o senhor talvez no podia fazer a caridade de nodescontar desta vez o adiantamento .de cinco moedasde prata. Desde o Carnaval que minha patroa estentrevada na cama. Ela no pode me ajudar nemum pouquinho no trabalho. E eu preciso pagar umaajudante. Por isso. . . .PFEIFER ---.: (Tomando rap.) Heiber, eu no tenhos voc para atender. Os outros tambm esto es-perando a vez.TECELO REIMANN' .:- Foi assim que eu recebios fios. Eu os coloquei no tear e assim os tirei. Noposso trazer uma linha melhor que aquela que levo.PFEIFER - Se no lhe agrada, s' no 'vir maisbuscar fio nenhum. H muita gente querendo sseservio e que se contenta com qualquer coisa.NEUMANN (Para Reimann.) Voc no quer pegaro dinheiro?TECELO REIMANN - Mas de maneira algumaeu me posso dar por satisfeito.NEUMANN - (Sem maie se importar com Rei-mann.) Heber, dez moedas de prata. Desconto decinco moedas de adiantamento. Sobram cinco moe-das de prata.TECELO HEIBER - (Aproxima-se, olha para odinheiro, olha, balana a cabea como se no pudeeseacreditar' e embolsa-o devagar e pens.ativo.) MeuDeus! (Soluando.) Pois !O VELHO BAUMERT - (Encarando Heioer.) Pois, Franz! uma boa razo para um suspiro.

    10

    TECELO HEBER - (Falando com dificutdade.)Olhe, eu tenho uma filha doente l em casa. Bemque ela precisava de um remdio.O VELHO BAUMERT - O que que ela tem?TECELO HEIBER - Olhe, desde pequena que ela doente. Eu nem sei... bem, para voc eu possocontar: ela nasceu assim. Uma deficincia assim hereditria.O VELHO BAUBERT - Isso assim em tda parte.Basta ser pobre, a vem desgraa em cima de des-graa. No tem sada, no tem salvao.TECELO HEIBER - O que que voc tem anesse pano?O VELHO BAUMERT - Ns estamos lisos l emcasa. A eu resolvi mandar matar nosso cachorrinho.,No rendeu muito, tambm le estava esfomeado.Era um cachorrinho pequeno e bonitinho. Eu notive coragem de mat-lo, Me dava uma d que nemsei.PFEIFER - (Terminou. a inspeco do trabalho deBiicker e exclama.) Bcker, treze moedas e meia deprata.BACKER - Isso uma esmola miservel, no umsalrio.PFEIFER -'- Quem j foi atendido, que saia. Assima gente no se pode mexer.BACKER - (Dirigindo-se aos que esto de p porali, sem abaixar a voz.) Isso uma gorjeta miservelc nada mais. A gente que trabalhe de manh atde noite. E depois que a gente estve dezoito diasdebruado em cima do tear, noite aps noite, como1I m pano torcido, meio zonzo de tanto p e sufocandodtl calor, a a gente afinal consegue arrancar trezeIllo('dnA e meia de' prata. .

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  • PFEIFER - Aqui no se resmunga!BXCKER - E no h de ser voc que me vai man-dar calar a bca.PFEIFER - (Pe-se ,de p exlamando.) Isso oque eu quero ver (em direo porta de vidro, ex-clama para dentro do escritrio.) Sr. Dreissiger, Sr.Dreissiger, o senhor quer ter a bondade!DREISSIGER - (Vem. Homem de seus quarentaanos, gordo, asmtico. Com ar severo.) O que _ que h, Pfeifer?PFEIFER - (Zangado.) Bcker no quer calara bca.DREISSIGER - (Controla-se, vira a cabea paratrs, fixa Bticker fung(JJYl,do.)Ah, sei - Bckerl -(Dirigindo-se a Pfeifer.) sse o tal? - (Os fun-cionrios confirmam com a cabea.)BXCKER -- (Insolente.) sim, Sr. Dreissigerl(Apontando para si mesmo.) sse o tal (apontan-do para Dreissiger.) E sse o tal.' .DREISSIGER - (Indignado.) A que sse sujeitose atreve?PFEIFER - que sse ainda tem vida muitomansa! le vai levar o cntaro tantas vzes fonte,at le quebrar.BXCKER - (Com brutalidade.) seu coisinha,veja se cala a bca. Acho que em alguma lua novasua me saiu cavalgando sua vassoura e teve, porengano, parte com o demnio para sair um diaboigual a voc.DREISSIGER - (Numa exploso de ira, ber-ra.)Cale essa bca! Cale j essa bca, seno... letreme, d alguns Passos para a frente.),BXCKER...:- (Espera por eu, decidido.) Eu no sou surdo, Eq "ainda ouo bm.

    12 ,'3

    DEEISS'lGER - (Controla.-se. pergunta com umacalma aparente de homem de negciQs.) sse fulanotambm no participou?PFEIFER. - le de Bielau. sses esto em tdaparte onde haja desordem.DREISSIGER - (Tremendo.) Vou lhes dizer umacoisa: se isso me acontecer mais uma vez, se mais.uma vez passar. pela minha casa um bando assim dequase-bbados, uma corja assim de pilantras, comoontem noite - com aquela cano infame ...BXCKER - O senhor est se referindo ao "Tribunalde Sangue"?DREISSIGER - Voc bem sabe qual me refiro.Estou avisando: se eu ouvir isso mais uma vez, man-do agarrar um de vocs - palavra de honra comono estou brincando '-- e o entrego ao promotor. Ese eu descobrir quem fz essa porcaria de cano ...BXCKER - uma cano muito bonita, aquela!DREISSIGER - Mais uma palavra e eu mandochamar a polcia - na mesma hora: Eu no vacilomuito. _ Acho que ainda posso com vocs. J deiconta de gente_muito pior. ;BXCKER - Eu acredito mesmo. Um fabricante deverdade d conta de duzentos, trezentos teceles,antes que a gente perceba. A le tambm no deixanem um osso podre de sobra. Um tipo dsses temquatro estmagos como uma vaca e uma dentadurade lbo. Pois , no tem dvida nenhuma!DRESSIGER - (Dirigindo-se aos funcionrios.)No dem mais trabalho a sse fulano.BXCKER - H, morrer de fome no tear ou na sar-jeta, para mim d na mesma.U1tEISSIGER ~ Fora, fora j!

    13

  • BXCKER - (Firme.) Primeiro eu quero meu di-nheiro.DREISSIGER - O que que le tem para receber,Neumann?NEUMANN - Doze moedas de prata e cinco vintns.DREISSIGER - (Toma o dinheiro do Caixa coma maior precipitao e atira-o sbre a mesa de paga- .mento, de maneira. que algumas moedas rolam noassoalho.) Tome! - tome a! - e agora depressa- desaparea da minha frente!BXCKER - Primeiro eu quero meu dinheiro.DREISSIGER - A est seu dinheiro; e se vocno tratar de cair fora... meio-dia... Meusoperrios de tinturaria esto em hora de almo ... !BXCKER - Eu quero meu dinheiro na minha mo. aqui que eu quero meu dinheiro. (Toca a palmada mo esquerda com os dedos da direita.)DREISSIGER - (Dirigindo-se ao aprendiz.) Erga-o, Tilgner.

    (O aprendiz obedece; colo-ca o dinheiro na mo deBicker.)

    -BXCKER - Cada coisa em seu lugar. (Sem se apres-sar, guarda o dinheiro numa velha sacola.)DREISSIGER - Como ? (E como Biicker no seresolve a ir embora, impaciente.) Ser que eu pre-ciso ajudar ?

    (Por entre os teceles,apertados uns contra osoutros, comeou um movi-mento. Algum d umsuspfro longo e profundo ..

    14

    A seguir h uma queda.Todo o intersse volta-separa o ltimo aconteci-mento.) .

    DREISSIGER - O que que est acontecendo a?VRIOS TECELES E T~CELS: Foi um que caiu- Foi um menininho franzino. le est doente ouo qu?!DREISSIGER - Sim ... mas como? Caiu? (Apro-xima-se.)VELHO TECELO - Pois , est l deitado.(Abrem caminho.)

    (V -se um menino de 8anos deitado no cho comomorto.)

    DREISSIGER - Algum conhece o menino?VELHO TECELO - De nossa aldeia le no .O VELHO BAUMERT - At parece o menino dafamlia Heinrick. (Olha mais de perto.) , siml

    ustav dos Heinrich.DRl:i:ISSIGER - Onde que mora essa gente?O VELHO BAUMERT - Bem, perto de ns, l em;jma em Kaschbach, Sr. Dreissiger. le vai tocar edo dia fica trabalhando no tear. les tm nove filhoso o clcimo est a caminho.VARIOS TECELES E TECEliS: les levam umavida miservel. Chove no quarto. A mulher no temdllHIi camisinhas para: os nove garotos.() VELHOBAUMERT - (Tocando o menino.) En-1no, fl,"Hrto,o que que h com voc? Acorde, vamos!111( IIll8SIGER - Ajudem a segur-lo, vamos ergu-I" Ulna falta de juzo sem igual deixar uma criana

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  • to fraquinha fazer uma caminhada to longa. Tragaumo pouco de gua,Pfeifer LTECEL - (Que o a,judou a, pr-se de p.) Nov fazer coisas de morrer, menino!DREIGISSER - Ou conhaque, Pfeifer, conhaque melhor.

    ,,~.BACKER - (Esquecido por todos, ficou pamuio,obeercomdo. Agora" com uma, mo na, maomui da,porta" exclama em voz oliae irnico/menie.) Dem-lhealguma coisa para comer, que a le volta a si. (Sa,i.)DREISSIGER - sse sujeito ainda vai acabar mal_ Levante-o pelo brao, Neuman. - Devagar ...devagar ... assim ... assim ... vamos lev-Io minhasala. O que quer, Neumann?NEUMANN - le disse qualquer coisa, Sr. Dreis-siger! le est mexendo os lbios.DREISSIGER - O que que voc quer, garto?O MENINO -- (Num spro.) Tenho f ... fome!DREISSIGER - (Empa,lidece.) No se entende oque diz.TECEL - Eu acho que le queria dizer ...DREISSIGER - J vamos saber. Mas no atrase-mos o trabalho por isso, le pode deitar-se no meusof. Saberemos pelo mdico o que h.

    (Dreissiger, Neumamm. e a,tecel conduzem o meninopara. o escritrio. Entre osteceles inicia-se um mo-vimento, como entre criam-a de escola" quando oprofessor deixa, a, classe.Espicha,m-se e espregui-am-se, cochicham, epiosn-

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    se ora, num p, ora nou-tro, e em poucos segundosa conversa em voz aiu: eg eneraiizada. )

    O VELHO BAUMERT - , eu acho que Bcker temra.zo. -VRIOS TECELES E TECELS - ie disse qual- quer coisa. Isso no nenhuma novidade que umcaia de fome. - , principalmente se a gente pensarQ que vai ser no inverno, se isso aqui continua assimcom sses cortes de salrio. - E com as batatastambm no vai nada bem ste ano. - E no vaimudar, at que se morra.

    " O VELHO BAUMERT - O melhor de tudo fazercomo o Nentwich, a gente bota uma cordinha nopescoo e se dependura no tear. Tome uma pitada;eu estive em Neurode, meu cunhado trabalha l, nafbrica onde fazem sse rap. le me deu um pou-quinho. O que que voc traz de bom a nesse pano?VELHO TECELO - s um pouquinho de fari-nha. Sabe o moleiro Ulbrich? O carro dle ia naminha frente; tinha um saco que estava um pouco'furado. Veio mesmo a calhar, pode crer.O VELHO BAUMERT - Tem vinte e dois moinhosm P.eterwaldau, mas para ns no sobra nunca nada.V ELHO TECELO - O que no se pode perder acoragem. Sempre acontece outra vez alguma coisaque ajuda a gente a oontinuar.rl'lr~CELO HEIBER - Quando a fome chega o que'\ preciso rezar para uns catorze santos protetores,1\ HO isso ainda no der para matar a fome, entoI I(tlllte precisa botar uma pedra na bca e ficar chu-plllldo. No , Baumert?

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  • (Dreissiqer, Pfeifer eoCaixa voltam.)

    DREISSIGER - No foi nada de significativo. Omenino j est outra vez bem 'disposto. (Andandode um lado para outro, excitado e bufando.) Masainda assim foi falta de conscincia. A criana tofraquinha que qualquer vento derrub. No se podeentender como pessoas ... _como pais podem ser tosem juzo. Fazem-nd crregar quase duas dzias depeas e isso num-distnci-demlha e meia, Con-tando, ningum acredf. -EU precso estabelecer'que de modo algum recebemos mais mercadoria decrianas. (De nvo ele anda, r(l,ud, de um 'Iado paraoutro, por algum tempo.) Em todo caso, desejo mui-tssimo que isso no se repita. - Nofim, quem "apontad-cmo responsvel? 1'T~faOricantes, claro.Ns somos culpados de 'tudo -qu acontece. Se noinverno uma pobre criaturinha dessas fica prsa nneve e adormece, a vem um dsses jornalistas demeia patacae em dois dias temos a horrvel estriaem todos os jornais. O pai, os pais -que- mandamuma criana dessas ... a, sses nunca so os culpa-dos! O fabricante que culpd, fabricante o bode expiatrio. Ao tecelo se agrada sempre, maso fabricante sempre surrado: um sujeito semcorao, um sujeito perigoso, que qualquer co podemorder na perna. ste vive s mil maravilhas e temde tudo; e d aos pobres teceles um salrio de fome.=-Que um homem dsfs tambm tem preocupaese noites de insnia, que le corre um grande risco,com o qual o operrio nem sonha, que le s vzes,de tanto dividir, somar e multiplicar, calcular e cal-cular nem sabe mais onde tem a cabea, que precisa,

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    pensar e resolver cem coisas diferentes e desenvolver'sempre e sempre uma luta, por assim dizer, de vidae de morte e fazer frente concorrncia, que no hdia em que le no tenha aborrecimentos e prejuzo :sbre isto cala-se a lira do cantor. E quanto nodepende do fabricante, e quanta gente no sorve dlee quer viver s suas custas ! No, no! Vocs preci-/.lavam, s uma vez ou outra, estar na mIilha pele,vocs se fartariam logo. (Depois de alguma concen-trao.) Como se comportou aqule camarada, aqulefulano l, 0 Bcker l Pois agora le vai por a pregaraos quatro ventos, sabe l quo impiedoso eu sou;Que por qualquer ninharia, sem mais nem menos,ponho os teceles no lho da rua. Isso verdade?Eu sou to impiedoso ?'~MUITAS VOZES - No, Sr. Dreissiger!DREISSIGER - Bem, isso o que eu tambm acho.E no entanto ficam sses malandros andando por ae cantando canes ordinrias contra ns, fabrican-tes, querem falar de fome e sobra-lhes tanto que atpodem consumir cachaa aos litros. Seria bom seles uma vez metessem o nariz noutro lugar e vissemcomo vivem os teceles de linho. sses, sim, podemqueixar-se. da vida. Mas vocs, a, so teceles queainda levam uma vida que lhes d motivo para agra-decer a Deus em silncio. E eu pergunto aos velhosteceles, esforados e capazes, que aqui esto: ope-rrio meu que faz seu trabalho direito, no ganhaento o suficiente para viver?MUITSSIMAS VOZES - Sim, Sr. Dreissiger !I)lf8ISSIGER - Bem, esto vendo? - Um sujeito1'01\10 o Bcker claro que no. Mas eu vou dar uml'III1HOlho, brequem sse rapaz. Se eu me enfezar,111'11 \I ma vez. A eu fecho o negcio e vocs vejam

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  • como se arranj amo A vocs podem ir procurar tra-balho. r;om o honrado Backer garanto que no.l,a TECEL _ (aproximo'u-se de preissiger, limpaa poeira do seu palet com humildade rastejante.),o senhor se sujou um pouquinho, Sr. Dreissiger.DREISSIGER - Os negcios vo muito mal, vocssabem disso. Em Vez-de ~ter 'lucros, per- dinheiro,:Se, apesar de tudo isso, eu me esfor_Q..para que meusbeceles sempre tenham trabalho, espero que isso,seja pelo menos re~id.9J mercadoria est ljogada, so milhares de peas ~~ eu po sei ainda seconseguirei vend-Ia alg-um dia. - Bem, eu ouvidizer que muitos teceles dasvIZinhanas esto com-pletamente sem trabalho e j que ... bem, Pfeiferpode explicar-Ihes o resto. - Trata-se do seguinte:para que os senhores vejam a boa vontade ... ~-ralmente eu no posso distribuir esmolas, minha for-tuna no d paratnto, mSPosso;aEecerto- grau:dar aos desempregados a oprtunidade de gannar pelomenos alguma coisa. Que eu com isso corro um imen-so risco, isso comigo. - Eu penso assim: bemmelhor que uma criatura ganhe o po de cada diacom seu suor do que tenha que passar fme. Notenho razo? ---- - -MUITAS VZES - Sim. sim~:O:r:.eissiger!DREISSIGER - Eu estou, pois, disposto a darocupao a mais duzentos teceles. Sob que circuns-tncias, explicar-Ihes- Pfeifer. (le quer ir.)l,a TECEL - (Corta-lhe o caminho, falaatabalhoOrdamente, implorando e incisivamente.) Caro Sr.Dreissiger, eu queria lhe pedir muito especialmente,se o senhor talvez. .. pois eu tive dois abortos.DREISSIGER - (Apressado.) Fale com Pf~ifer,b~~asenhora,j me atrasei demais. (Afasta-se.)

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    TECELO REIMANN - (ImpedJindo tambm asada de Dreissiger, e1n tom de queixume e censura.)Sr. Dreissiger, preciso realmente apresentar umaqueixa. O senhor Pfeifer me. .. pois sempre recebidoze moedas e meia por meu trabalho ... ,DREISSIGER - (Interrompe-o.) A est o encar-,regado. Dirijam-se a le; a pessoa ind-icada.--TECELO HEIEER =- CDetm Dre"issiger.)' Pre-zado Sr. Dreissiger. (Gaguejando e desordenada-mente.) Desejava pedir humildemente se talvez mepudesse. .. se o Sr. Pfeifer pudesse talvez... pu-desse talvez ...DRESSIGER - O,gue que voc quer, afinal?TECELO HEIBER - O adiantamento que, na l-tima vez, quero dizer, uma vez que ...DREISSIGER - Bem, no estou entendendo nada.TECELO HEIDER - Estava em dificuldade, por-que ...DREISSIGER - Isso, com Pfeifer, isso comPfeifer. Realmente no posso. Acertem isso comPfeifer. (Esc,pa pamo escritrio. ~Os supicantesentreolham-se, desvalidos. Um aps outro, recuamsuspirando. )PFEIFER - (Reiniciando a inspeco dos tecidos.)Ento Arma, o que traz voc?O VELHO BAUMERT - Qual ento o preo do te-!ido, Sr. Pfeifer?PFEIFER - Dez moedas de prata,cada um.O VELHO BAUMERT - Como vai indo bem!

    (Movimentao por entreos tecetes, cochichos eresmungos.)

    O PANO CAI21

  • (,

    SEGUNDO ATO

    (A saleia do caseiro Wilhelm Ansorge emKoschbacn, na Serra da Coruja. * Em umaposento estreito que, do cho arruinadoat o teto de vtgas, coberto de fuligemnegra, no tinha seis ps e ouur, estosentados: duas mae, Emma e BerthBaumert, diante de teares - Me Bau-mert, uma. velha alquebrada, sbre um bom-quinho junto cama, urna dobadoura suafrente - seu filho August, d vinte anosde idade, dbil mental, tronco e cabea pe-quenos, extremidades leno, semelhantess de uma aranha, sentado em um bom-quinho, igualmente ocupado em enrolaro fio. A luz fraca e rsea do crepsculopenetra por duas pequenas janelas da pa-rede esquerda, parcialmente reoestidae depapel e forradas de palha. A luz crepus-cular cai sbre os loiros cabelos sltos das-mae, sbre seus ombros nus e esqulidos,sbre suas nucas magras e cerceas, sbreas pregas das blusas de pano grosso que,alm de uma eainlu curta, feita do maisduro linho, constituem as suas vestes. O

    " Ilego montanhosa da Silsa. (N do T.)

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  • " ME BAUMERT - (Com voz queixosa e camsada,quando as mas param de fiar e se curvam sbreo tecido.) J precisam fazer ns outra vez!?

    e EMM.A - (A mais velha aemas, de vinte e doisanos de idade. Atando fios rompidos.) Pudera, comsse tipo de fio! .

    \ BERTHA - De quinze anos de idade.) uma tra-balheira com sses fios.EMMA - Por que ser que le no vem? Pois lej saiu s nove.ME BAUMERT - Pois , pois ! Por que serque le no vlta, meninas?BERTHA - No precisa ficar com mdo, Me!ME BAUMERT - Ah, sempre sse mdo l

    (Emma continua a fiar.)

    suave e clido colorido ilumina o rosto, opescoo e o peito da anci: um rosto, cn-sumido at os ossos, com rugas e enaelhoem uma p-ele exangue, com olhos fundos,inflmados e lacrimejantes devido poeira, fuma.a e ao trabalho. sob luz artificial,um longo pescoo com um papo, cheio derugas e tendes, um peito flcido, envolvidoem panos e trapos deecoloruioe.i

    Tambm uma parte' da parede di-reita, guarnecida de fogo, banquinho, leitoe diversas imagens santas vivamente colo-ridas, ainda atingidapel(J; luz. Trapos en-coraram-se pendurados por cima do fogopara secar, aire do fogo amontoam-seapetrechos velhos e sem valor.' Sbre obanco junto ao fogo, encontrem-se algu-mas panelas velhas e utenslios de cozinha;cascas de batata torram em cima de papel._ Das vigas pendem madeixas de fios esarilhos. Ao lado dos teares cestinhos comfusos. Na parede do fundo h uma porto.baixa, sem fechadura. Ao seu lado, pertode vrios cestos danificados, foj encostadoum feixe de vime. - O barulho dos teares,o estrondo rtmico da armao que faz es-tremecer o cho e as paredes, o arrastar eabocanhar da Iamadeira que desliza. rpi-damente de um lado para outro, ecoam peloaposento. Nestes rudos imiscui-se o somprofu11Jdoe constante das dobadouras, se'-melhante o eumbido de enormes zanges.)

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    BERTHA - Espere um pouco, Emma!EMMA - O que foi?BER THA - Pensei que vinha algum.EMMA - Deve ser o Ansorge que vem para casa.

    FRITZ - (Um garto descalo e maltrapilho, dequatro anos' de idade, entra chorando.) Me, estoucom fome.EMMA - Espere, Fritz, espere um pouquinho ! Oav vem logo.: le vai trazer po e uns gros decaf. 'FRITZ - Estou com tanta fome, mezinha!EMMA - Mas estou dizendo. No seja bobinho.le vem logo. le vai trazer um po bem bonito ecaf. - noite a me pega as cascas de batatas, asentrega ao campons, e em troca le me vai dar umaboa tigela de leite para o meu menino.F RITZ - Onde que o av foi?

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  • EMMA - le foi ver o fabricante, Fritz, para en-tregar uma madeixa de fios.FRITZ - O fabricante?EMMA - Sim, sim, Fritz! O Dreissiger l em bai-xo, em Peterswaldau.FRITZ. - L le ganha po?EMMA - Sim, sim, le d o dinheiro, e com o di-nheiro le pode comprar po.FRITZ - le d muito dinheiro ao av?EMMA - (Impaciente.) , pare com sse falatrio,menino. (Continua a fiar, Bertha tambm. Logo emseguida ambas param novamente.)BERTHA - V, August, v perguntar ao Ansorge,se le no quer iluminar a sala. (August se afasta,acompanhado de Fritz.)ME BAUMERT - (Com mdo crescente, pueril,quase choramingando.) Crianas, crianas, onde que fica ste homem?!BERTHA - Ora, talvezle tenha ido ver o Hauff.MKE BAUMERT - (Chora.) Espero que no tenhaido num botequim!EMMA - No chore, me! O nosso pai no disso.ME BAUMERT - (Fora de si, acossada por umaonda de temores.) Agora, agora ... agora me digam,como que vai ser agora ? Se le agora. .. quandole vier para casa. .. Se le ti ver gasto o dinheiroem bebida e no trouxer nada para casa? No temosmais nenhuma pitada de sal, nenhum pedao de po,estamos precisando de uma p de carvo ...BERTHA - Deixe estar, me! temos luar. Ns va-mos no mato. Levamos August e buscamos uns gra-vetos.ME BAUMERT - , para que vocs sejam apanha-dos pelo guarda-florestal!

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    :; ANSbRGE - (Um velho tecelo, de gigantesca esta-tura, que precisa curvar-se para poder entrar no apo-sento, mete cabea e tronco pela porta. Cabelos ebarba descuidados.) O que querem?BERTHA - Queremos que o senhor ilumine a sala!ANSORGE - (Em voz baixa, como se estivesse naoreeena de um doente.) Mas ainda est claro.ME BAUMERT ~ S falta voc tambm nos dei-xar no escuro.ANSORGE - Tambm preciso me virar. (Reti-ra-se.)

    BERTHA - A voc v como le po-duro.EMMA - Ento vamos ter que ficar sentados aqui,at quele resolva.

    11 SRA. HEINRICH - (Entra. Uma mulher grvida,detrin'fa-ano-s. Seu rosto cansado expressa angus-tiante preocupao e tenso amedrontada.) Boa noitea. todos.ME BAUMERT - Bem, Sra. Heinrich, o que nostraz?SRA. HEINRICH - (Claudicando.) Estou com umcaco de vidro no p.BERTHA - Ento venha c} sente-se. Vou ver seconsigo tir-lo,

    (A Sra. Heinrich senta-se.Berthaajoelha-se suafrente e pe-se a cuidar desua sola, do p.)

    ME BAUMERT - Como vo as coisas em casa,R ra. Heinrich?HltA. HEINRICH - (Explode desesperada,.) Juroquo logo no agento mais.

    Q

  • (Luta em vo contra umatorrente de lgrimas. Ago-ra chora silenciosamente.)

    ME BAUMER T - Para ns,' Sra. Heinrich, seria .melhor se o bom Deus tivesse misericrdi e nos le-vasse dsse mundo.SRA. HEINRICH - Fora de si, exclama solundo.)Meus pobres filhos vo morrer de fome! (Solua egeme.) No sei mais o que fazer. Posso fazer oque quiser, correr at no agentar mais. Sinto-memais morta que viva, e nada se modifica. Nove bcasfamintas, como que vou dar-lhes o que comer? Deonde tirar, afinal? Ontem noite tinha um pedacinhode po, no dava nem para os dois menores. A quemdeveria d-lo, ento? Todos gritavam: mezinha, paramim, mezinha, para mim. .. Ah no! E isso agora,enquanto ainda posso me manter em p. Como que vai ser quando tiver que ficar deitada? As poucasbatatas que tnhamos, .as guas levaram. Nada temospara morder; nada para engulir.BERTHA - (Retirou o pedao de vidro e lavou aferida.) Vamos pr uma atadura; (Dirigindo-se aEmma.) V procurar uma!ME BAUMERT -'- Ns estamos na mesma situa-o, Sra Heirinch.SRA. HEINRICH - Pelo menos a senhora aindatem as mas. Tem um marido que pode trabalhar,mas o meu baqueou novamente na semana pa.ssada.A doena o sacudiu outra vez de tal maneira, que euno sabia o que fazer de mdo. E depois de Umataque dsses, le me fica outra vez oito dias decama.M.4.E BAUMERT - O meu tambm j no valenada. Tambm est comeando a baquear. Tem dres

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    no peito e nas costas. E estamos sem um tosto. Sele no trouxer uns centavos hoje, tambm no seicomo .que vai ser.EMMA - Pode acreditar, Sra. Heinrich. Estamosno fim tambm. O pai teve de levar Arni. Precisa-mos abat-lo para ter outra vez alguma coisa no'estmago.SRA. HEINRICH - Vocs no teriam nenhum pu-nhado de farinha sobrando?ME BAUMERT - Ah, nem isso Sra. Heinrich;no temos mais nem um gro de sal.SRA. HEINRICH - Bem, ento no sei! (Levanta-se, pra, pensativa.) Ento no sei mesmo! - Entono sei o que fazer. (Gritando furiosa e angustiada.)Eu j me daria por satisfeita se tivesse comida paraporcos! Mas no posso voltar para casa com as mosvazias. Isso no pode ser. Que Deus me perdoe.No sei mais o que fazer. (Claudicando, e sem apoia;ra sola do p ferido, afasta-se rpidamente.)ME BAUMERT - (Adverte em. voz alta.)" Sra.Heinrch, Sra. Heinrich! No v: fazer uma bobagem!BERTHA - Ela no vai fazer nada, No v acre-ditar nisso.EMMA - Ela assim mesmo. (Senta-se novamentediante do teor e fia duramte alguns segundos.)

    (Agust ilumina com umavela de sebo o caminho deseu pai, o velho Baumert,que se arrasta com um pa-cote de linha.)

    M f..l~ BAUMERT - , Jesus, Jesus, homem, onde/'i('OII tanto tempo?

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  • VELHO BAUMERT - Bem, no precisa morder.Deixa-me tomar flego. Seria melhor ir ver quemest me acompanhando. "

    MORITZ JGER - (Entra curvado pela porta.Um reservista forte, de estatura mediana, faces ru-b-ras, a boina de nuseardo sbre a cabea, roupas esapatos intactos, uma camisa limpa, sem colarinho.Uma vez no aposento, toma posico de sentido esada momeiro. milita-r. Tom enrgico.) Boa noite,Tia Baumert l .ME BAUMERT - O que, o que! Voltou para casa?Ainda no nos esqueceu? Ento sente. Venha, sen-te-se.EMMA _ (Limpando umui cadeira de madeira coma saia e empun"ando-a para perto de Jdger.) Boanoite, Moritz! Ento voc quer dar uma espiada,para ver como vivem OR pobres?JGER _ Agora diga-me, Emma! Eu no queriaacreditar. Ento voc tem um menino, que logo po-der ser soldado. De onde que o arranjou?BERTHA - (Que recebe do pai os poucos alimentos.trazidos, coloca carne em uma frig~deira e a leva aoforno, enquanto August acende e fogo.) Conhece otecelo Finger, no ?ME BAUMERT - le morava aqui conosco. Que-ria casar, mas j estava doente dos pulmes. Bemque preveni a menina. Mas, voc acha que ela medeu ouvidos? Agora le j morreu e ningum selembradle, e ela que procure criar o menino. Masagora diga, Moritz, como tem sido a sua vida?VELHO BAUMERT - Fique quieta, me, para leno falta o po; le d risada de.todos ns; usa rou-pas como um prncipe, tem um relgio de prata, eainda por cima traz dez tleres em dinheiro.

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    JGER - (Plantado orgulhosamente no aposento,no rosto um sorriso fanfarro de maroto finrio.)No posso me queixar. No passei mal na caserna.VELHO BAUMERT - le foi ordenana do capitode cavalaria. Oua, le fala como gente fina.JGER - Acostumei-me tanto a falar elegantemente,que no sei mais falar de outro jeito. ~ME BAUMERT - No me diga! Um maroto, en-to, e conseguiu ficar rico. Pois voc nunca serviupara nada; voc no conseguia ficar cinco minutosseguidos no tear. Sempre vadiava; colocar armadilhaspara os pssaros, era disso que voc gostava. E no verdade?JGER - verdade. tia Baumert. E no pegavas pintarroxos, andorinhas tambm.EMMA - No adiantava ns dizermos: andorinhasso venenosas. /JXGER ---.:.Isso no me importava. E como vocstm passado. tia Baumert? .ME BAUMERT - Jesus, muito mal nos lt-mos quatro anos. Veja, acontece que tenho reuma-tismo. D uma olhada nos meus dedos. No sei setive uma anoplexia ou' coisa pa-recida. Estou passan-do to mal! No consizo mexer um nico membro.Ninvum pode fazer idia das dres que sinto.VELHO BAUMERT - Ela est passando muitomal. No vai agentar muito tempo.BERTHA :..-- De manh a vestimos, noite a des-pimos. Precisamos dar-lhe a comida na bca, comose fsse uma criana. .ME BAUMERT - (Sempre com voz queixosa erh orosa.v Tenho de ser serv-ida continuamente. Soumais do que uma doente. Sou tambm um fardo.Como j ~o rezei a Deus para que me levasse.

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  • Jesus, Jesus, a minha vida uma tristeza. Poiseu nem sei... as pessoas poderiam pensar... masdesde criana estou acostumada a trabalhar. Semprepude dar conta de tudo, e agora, de repente (procura,debalde, levantar) no vai, no vai mais. Tenhoum bom marido e bons filhos, mas ser obrigada aassistir a tudo isso .. , Veja o aspecto das meninas!Daqui a pouco no tm mais uma gta de sangue nasveias. Esto plidas como lenis. E uma lutaconstante, sempre pisando os pedais, quer as meni-nas queiram ou no. Que vida levam. Durante todoo ano no saem do banquinho. E nem ao menos umasroupas puderam comprar, com as quais pudessem secobrir e sair sem precisar envergonhar-se, com asquais pudessem ir igreja para buscar um poucode conslo. Parecem condenadas morte, essas m-as de quinze e vinte anos. "-BERTHA - (Junto ao fogo.) Est saindo um poucode fumaa outra vez. .VELHO BAUMERT - A, veja a fumaa. Ento,ser que alguma coisa pode mudar? O fogo logoestar desmoronando. Precisamos deix-I o desmo-ronar, e precisamos engulir a fuligem. Tossimos. todos, um mais que o outro. Tossimos. tossimos; ese sufocamos, tambm ningum vai se incomodar .J..GER - Mas isso cabe a Ansorge, le deveria con-sert-lo.BERTHA _ Pois sim, acredite nisso. J assim leresmunga o suficiente.ME BAUMERT - le acha que j estamos ocupan-do muito lugar nessa casa.VELHO BAUMERT - E se nos queixarmos, lenos despeja. J faz quase meio ano le no v oaluguel. -

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    ME BAUMERT - um solteiro, bem quelpoderia ser tratvel.VELHO BAUMERT ~ le tambm no possui nada,me, le tambm est passando por maus bocados,embora no faa alarde de sua misria.ME BAUMERT - Mas le tem a casa.VELHO BAUMERT - Qual me, o que est dizen-do. Nesta casa nem uma lascazinha lhe pertence.JXGER - (Sentou-se e tirou um pequeno cachimbocom belas borlas de um blso, uma garrafa de aguar-dente de outro.) Isso no pode continuar assim. Fi-quei abismado com o que vi por aqui. Os cachorrosnas cidades vivem melhor do que vocs.VELHO BAUMERT - (Fervoroso.) No ver-dade, no verdade? Voc tambm viu!? E se agente abre a bca, dizem simplesmente que os temposso difceis.ANSORGE -' (Entra, um potinho de barro comsopa em uma mo, na outra um csto semi-tranado.)Bem-vindo, Moritz! Ento voc voltou?JXGER - Como vai," pai Ansorge.ANSORGE - (Levando o potinho ao forno.) Agorame diga como possvel: voc est quase parecendoum conde.VELHO BAUMERT - Mostre uma vez o seu lindorelgio. le trouxe um terno nvo e dez taleres emdinheiro.ANSORGE - (Meneando a cabea.) Sim, bem, bem- no , no.EMMA - (Erwhendo um saquinho comas cascas deliatata.) Bem, vou levar as cascas. Talvez d paraIIIIIH tigela de leite desnatado. (Aiaeto-se.) .rI XWDR - (Enquanto todos o observam com ateno(I II'I)()co.) Bem, ento ouam; quantas vzes vocs

    33 '

  • no me amolaram. Vo lhe ensinar, diziam sempre,espere s, quando voc estiver no servio militar.Bem, agora vejam como passei bem l. Depois demeio ano fui promovido a segundo sargento. A genteprecisa ser dcil, isso o principal. Limpei as botasdo primeiro-sargento; almofacei o seu cavalo, busqueia sua cerveja. Eu era esperto como uma doninha.E estava sempre atento: os meus apetrechos, minhanossa, tinham de estar sempre brilhando. Eu era oprimeiro na estrebaria, o primeiro na revista, o pri-meiro na sela; e quando era hora de ataque - emmarcha! com mil diabos, filho da me, Santo Deus!E como eu prestava ateno! que eu dizia a mimmesmo: no adianta, aqui voc precisa agentar otranco; e assim fazia um esfro, e a coisa ia: assimchegou um dia em que o capito de cavalaria disse,disse diante de todo o esquadro, que eu era um nus-sardo exemplar. (Silncio. le acende o cahimbo.)ANSORGE _ (Meneando a cabea.) Ento voctve sorte?! Sim, bem, bem - no no! (Senta-seno cho, ao lado das varas de vime, e continua, atecer o csto que segura entre as pernas.)VELHO BAUMERT - Esperemos que nos tenhatrazido a sua boa estrla. --E agora voc vai quererque tomemos um trago j untos, no ? 'JGER _ claro, pai Baumert, e quando tiveracabado, mando vir mais. (Joga uma moeda sbrea mesa.)ANSORGE _ (Com um sorriso idiota e eS1Jantado.), minha nossa, como estamoS. .. ganhamos um as-sado, aguardente na mesa (bebe de uma garr'afa) sua sade, Moritz! Sim, bem, bem - no , no!(Agora a garrafa de aguardente passa de uma, mo

    para outra.)

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    VELHO _ BAUMERT - Ser que no poderamoster sempre um pedacinho de assado, em vez de nover carne durante anos? - Mas no; precisamos es-perar at que aparea um cozinho, como ste qua-tro semanas atrs: e isso no acontece com muitafreqncia.ANSORGE - Voc mandou abater Ami?VELHO BAUMERT - Antes que le morresse defome ...ANSOGE - Sim, bem, bem - no , no.ME BAUMERT - E era um cozinho to boni-tinho e atencioso.JGER - Vocs por aqui ainda gostam tanto deassado de cachorro?VELHO BAUMERT - Jesus, Jesus, se tivssemoso suficiente.ME BAUMERT - Bem, bem, e um pedacinho as-sim de carne veio bem a calhar.VELHO BAUMERT -'-- Perdeu o gsto por tal prato,Moritz? Bem, ento fique aqui conosco, que o gstovai voltar.ANSORGE - Sim, bem, bem - no , no, e aindapor cima um de bom paladar, o cheirinho est umadelcia. .VELHO BAUMERT - (Erguendo o nariz.) Parecea mais pura canela, diria eu.ANSORGE - Agora nos diga uma vez sua opinio,Moritz. Voc que sabe como se passam as coisasno mundo. Ser que a situao dos teceles vai mu-dar algum dia?,JAGER - Seria de esperar, devras.ANSORGE - Aqui em cima no se pode nem viver11(\1\1 morrer. Estamos passando muito mal, podeIIc'l'oditar. A gente se defende como pode. Mas por

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  • ---fim termina desistindo. A misria nos deixa semteto sbre a cabea e sem cho sob os ps. Antiga-mente, quando ainda podamos trabalhar no tear,ia-se vivendo mais ou menos. Mas agora j faz maisde ano que no encontro o menor trabalho. Fazendocstos mal consigo me manter. Trano sses cstosat altas horas da noite, e quando caio na cama, commuito custo consegui ganhar uma moeda de prata eseis vintns. Voc instrudo, acha que seja poss-vel viver com sse aumento de preos? Trs taleresl se vo em impostos sbre a. casa, um em impostossbre o terreno, trs taleres em juros da casa. Aotodo, ganho catorze taleres. Sobram sete para mim,que precisam dar o ano todo. Com sse dinheiropreciso comprar comida, lenha, roupa, calado, fazerconsertos, de uma moradia a gente tambm tem ne-cessidade e no sei do que mais. - de admirarque no se possam pagar as dvidas?VELHO BAUMERT - Algum devia ir a Berlm eapresentar a nossa situao ao rei.JAGER - Isso tambm no adiantaria muito, paiBaumert. A coisa j foi comentada muitas vzesnos jornais. Mas os ricos, les deturpam e torcem osfatos de tal maneira. .. aqules enganam at o maispiedoso cristo.VELHO BAUMERT - (Meneando a cabea.) Noentendo como les l em Berlim so to tapados.ANSORGE - Diga, Moritz, ser que isso possvel?No existe nenhuma lei? Afinal, se a gente, mesmose matando e esfolando as mos, no consegue pagaras dvidas, ento o campons tem o direito de meexpulsar de minha casa? Acontece que se trata deum campons, e le quer ver o dinheiro. Mas euno sei o que que vai acontecer. - Se eu tiver36

    que sair desta Casa. " (Sufocado pelas lgrim.as.)Nasci aqui, aqui o meu pai trabalhou no tear, du-rante mais de quarenta anos. Quantas vzes le nodisse me: me, quando eu morrer, no deixa quete tomem esta casa. Essa casa foi conquistada pormim, dizia sempre. Aqui cada prego representa umanoite de viglia, cada viga um ano de po sco. A agente devia pensar que. . . .JAGER - les no poupam nada, les so capazesde tudo.ANSORGE - Sim, bem, bem! no , no! Mas sechegar a sse ponto, preferia que me carregassemem vez de eu, velho Como estou, ter que sair com asminhas prprias pernas. O que morrer! Meu paitambm morreu contente. S no fim le ficou comum pouquinho de mdo. Mas quando me deitei aolado dle, le se acalmou outra vez. - Pensar quenaquela poca eu era um meninote de treze anos.Estava com sono, e assim adormeci, ao lado do doente- afinal, no sabia como fazer - e quando acor.dei, le j estava frio.ME BAUMERT - (Aps uma pausa.) Abra oforno, Bertha, e sirva a sopa a Ansorge.BER THA - Coma, Pai Ansorge!ANSORGE - (Comendo por entre lgrimas.) Sim,bem, bem! No , no!

    (O velho Baumert comeoua comer a carne da frigi-deira.)

    IIME BAUMERT - Mas pai, pai, ser que voc no

    podo ter um pouco de pacincia? Deixe Bertha pr/I IIIC'Ha direito,

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  • VELHO BAUMERT - (Mastigando.) H dois anoscomunguei pela ltima vez. Logo depois vendi o ternoda missa. Do dinheiro compramos um pedacinho decarne de porco. Desde ento no mais comi carne,hoje a primeira vez.JXGER - Ns no precisamos de carne, os fabri-cantes a comem por ns. les esto mergulhadosna banha at aqui. Quem no acreditar s precisadescer at Bielau e Peterswaldau. A se vem coisasespantosas: um palcio de fabricante atrs do outro.Sempre um palcio atrs do outro. Com vidraasreluzentes, torrezinhas e grades de ferro. Qual, lningum sente nada dos tempos difceis. L podemdar-se ao luxo de comer assados e doces, de andar emcarroas e carruagens, de ter governantes e no seio que mais. So arrogantes. Nem sabem o que fazercom tanta riqueza e arrogncia.ANSORGE -- Nos velhos tempos era diferente. Aos fabricantes deixavam os teceles viver tambm.Hoje fazem tudo sozinhos. Mas eu digo, a razo detudo isso que a classe privilegiada j no acreditanem em Deus nem no Diabo. Ignoram mandamentose castigos. Assim nos roubam o' ltimo bocado depo e reduzem a pouca comida que temos, onde po-dem. dessas pessoas que vem tda a infelicidade.Se os fabricantes fssem homens de corao, tambmns no estaramos passando por tempos to ter-rveis.JXGER - Prestem ateno, vou ler uma coisa bo-nita para vocs. (Tira algumas flhas de 1Japel doblso.) Venha August, d uma corrida at o bar doScholz e busque mais uma garrafa. Que isso, Au-gust, est constantemente dando risada.

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    ME BAUMERT - No sei o que h com o menino,le sempre est 'bem. Sempre est rindo a bandeirasdespregadas, acontea o que acontecer. Bem, ande,ande! (August sai com a garrafa vazia.) No mesmo, velho, voc sabe apreciar o que bom!VELHO BAUMERT - (Mastigandcr, cheio de nimo,excitado pela comida e bebida.) Moritz, voc dosnossos. Sabe ler e escrever. Voc conhece a situaodos teceles. Voc tem pena dessa pobre gente queganha a vida tecendo. Voc devia encarregar-se dedefender a nossa causa.JGER - Se fsse s isso. Se dependesse de mim;bem que gostaria de ensinar essa corja de fabricantes.No me importaria. Sou um sujeito cordato, masse me enfezo, pego o Dreissiger com um punho, oDietrich com o outro e fao as cabeas dles esta-larem at sair fogo de seus olhos. - Se conseguis-semos nos manter unidos, poderamos impor a nossavontade aos fabricantes... A no precisaramosnem de rei nem de govrno, a poderamos dizersimplesmente: queremos isso e aquilo outro, quere--mos dsse jeito e no de outro, e daqui a pouco ascoisas andariam de maneira diferente por aqui.- Seles vi rem que Lemos peito, logo estaro encolhendoo rabo. Conheo sses beatos! So uns covardes.M [tj BAUMERT - Daqui a pouco ter de ser assimmesmo. Olhe que no sou pessoa m. Sempre fuia primeira a dizer: os ricos tambm precisam existir.Mas se continuar assim ...JXGER - Por mim, o diabo que carregue todos, essaraa bem que o mereceria.IlERTHA - Onde est o pai? (O velho BaumertI i1111 a-se afastado silenciosamente.).

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  • ME BAUMER T - No fao idia de onde poderiaestar. .BERTHA - Ser que porque le no est maisacostumado a comer carne?ME BAUMERT - (Fora de si, chorando.) Avocs vem, a vocs vem ! Nem reter a comida leno pode. Aqule pouquinho de comida decente, levai cuspir tudo outra vez.VELHO BAUMERT - (Retorna, chorando deraiva.) No, no! Daqui a pouco estou no fim.Daqui a pouco me tero liquidado! Se uma vez agente consegue arrumar comida nem se consegueret-Ia no estmago. (Senta-se chorando no bancodiante do fogo.)JXGER (Subitamente excitado, fantico.) E pensarque pertinho daqui h gente, comissrios de polcia,parasitas, que durante o ano todo no sabem fazeroutra coisa a no ser vagabundar. les afirmam queos teceles poderiam viver decentemente, se no fs-sem to preguiosos.ANSORGE - sses no so sres humanos. Somonstros, isso sim.. JXGER - Deixe estar, le levou uma lio. Eu eo Bcker ruivo, ns lha ensinamos, e antes de irembora ainda cantamos as palavras do Tribunal deSangue!ANSORGE - Jesus, Jesus, a cano?JXGER - Sim, sim, aqui a tenho.ANSORGE - Ela se chama, eu acho, a Cano deDreissiger, ou coisa parecida.JXGER - Deixem-me l-Ia para vocs.ME BAUMERT - Quem que inventou a cano?JXGER - Ningum sabe. Mas agora ouam. (L,soletrando qual menino qe escola, acentuando mal,

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    mas com emoo inconfundvel. Tudo est expresso:.deseepro, dr, fria, dio, ee de vingana.)

    , Neste lugar existe um tribunal,muito pior que o secreto.Onde no h pronunciamento de sentenaPara tirar a vida rpidamente.Aqui se martiriza o ser humano. 1aqui fica a sua cmara de torturas, Iaqui suspiros inmeros so contados '

    i-como testemunhas da misria.

    VELHO BAUMERT - (Arrebatado pelas palavrasda cano.. profundamente comovido, por diversasvzes mal resistiu tentao de interromper Jtier.Aaoro. no se contm; balbuciando, entre risos e l-grimas, dirige-se espsa.) Aqui se .encontra ac-mara de torturas. Quem escreveu isso, me, diz averdade. Voc pode testemunh-Io... Como quefoi? Aqui os suspiros. .. como? aqui les so con-tados. , '.JXGER - Como testemunhas da misria.VELHO BAUMERT - Voc bem sabe como suspi-rumos um. dia aps o outro, noite e dia.rJjWI~I{ - (Continua a ler, enquanto Ansorge, semI,()('(w uo trabalho, projusuiaanente aturdido, perma ..?/O('() ourotuio no seu banco; Me Baumert e Bertha(:nx'u,gam os olhos cont1,nuamente.)

    Os senhores Dreissiger so os algozes,Os esbirros so seus criados,Cada um dles esfola o prximo,sem procurar disfarar seus instintos.

  • -Todos vs, patifes, filhos do diabo ...VELHO BAUMERT - (Batendo .oe ps com raivatrmula.) Sim, filhos do diabo!JXGER - (L.)

    !". ...,"

    . n~

  • ..: 06:. 0." ~;-;-....(A sala de comer em Mittelkretscham,

    perto de Peterswaldau. Um salo de g1'an-des dimenses, cujo teto, cortado por vigasde madeira, sustentado por uma colunacentral, circundada por uma mesa. di-reita da coluna, na parede trazeira, a portade entrar, apenas parcialmente encoberta .Atravs dela enxerga-se um cmodo bas-tante grande, em que se encontram barrise objetos necessrios fabricao de cer-veja. Dentro da solo, de comer, direitada porta, no canto, v-se o balco, ondeso servidas as bebidas: uma parede deseparao, de madeira, na' altura de umhomem, com gavetas para utenslios delia'r; al,?'s'um armrio de parede, conien-({O, alinhaclas, fileiras de garrafas de aguar-dente; entre a' parede divisria e o arm-rio de bebidas ~~mpequeno lugar para ohospedeiro. Diante do balco de bebidasuma mesa, coberta com toalha colorida.V-se, acima dela, um belo lustre e, espa-lhadas, alumae cadeiras de vime. Bemprximo, na parede direita, leva umaporta - com a inscrio "seleta de vinho"- ao recanto mais elegante da casa. Ainda

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    .f~"""~:

  • mais frente, direita, 'fica o velho re-lgio de caixa alta, de tique-toque bemperceptvel. esquerda da porta de en-trada, na parede de trs, avista-se umamesa com garrafas e copos e, mais atrs,no canto, o fogo azulejado. Na parede esquerda encontram-se trs janelas peque-nas, por cima de um banco comprido, ediante' dle, na posio das janelas, trsgrandes mesas de madeira, cujas cabecei-ras estreitas se defrontam com parede.Ao longo das mesas, bancos com encostos,nas' cabeceiras uma cadeira de madeira. Agrande sala. caiada de azul, vem-se nasparedes cartazes, quadros e folhetos colo-ridos e, um. pouco abaixo, o quadro deFreerico Guilherme IV.

    Scholz Welzel, um homem colossal,bonacheiro, de mais de cinqenta amos,est atrs do bolco, fazendo correra cer-veja do barril e enchendo um copo. Asenhora Welzel passa roupa, junto ao fo-go. uma mulher bem proporcionada,vestida com limpeza e simplicidade, demenos de trinta-e-cincoanos. Anna Welzel,ma bonita de dezesseie anos, com espln-didos cabelos ruivos, est sentada mesacoberta com a toalha, oestido; discretamen-te, a trabalhar num bordado. Durante uminstante interrompe o trabalho e presta

    .caieno a U1n coral fnebre, comuulo porescolares, que - de longe - se faz ouvir.a mestre Wiegand, carpinteiro, est sen-tado mesma: mesa, em sua rowpo.de ira-

    balho, e, sua frente, um copo de cervejabtiuar. Percebe-se tratar-se de um ho-mem que sabe como fazer para atingir ameta almejada; esperto, rpido e dispede uma energia que desconhece qualquerconsiderao por outros. Um viajante,sentado na mesa circular, mastiga comafinco a sua carne moda. de estciuramdia, bem nutrido, de uma gordura ba-lofa, com disposio para a alegria, vivoe atrevido. Veste-,se de acrdo com a moda.Seus pertences de viagem, pasta, mala de-amostras, guarda-chuva, sobretudo e co-berta esto ao uulo dle, sbre cadeiras.

    WELZEL - (Levando ao viajante um copo de cer-veja, diz de lado para Wiegand.) O diabo pareceestar