Os Significados do Design Moderno A Caminho do Século XXI - Peter Dormer -...
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I I
Colecção " DESIGN , TECNOLOGIA e GESTÃO"
•
•
Peter Dormer
•
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•
I
A caminho do século XXI
• •
Editado com o apoio do PEDIP 11
•
aNTRO PORTUGUÊS .,éOESIGN
Os significados do design moderno
•
Título Original:
The Meallillgs 01 Moderll Design
Towards tlle Twenty-Firsl Ce11lury
Peter Dormer
© 1990 Thames and Hudson Lld, Londres
Os Significados do Design Modemo
A caminho do século XX!
por Peter Donner
Copyright para a língua portuguesa
© Centro Português de Design, 1995
Tradutor: Pedro Afonso Dias •
Conse(heira Editorial: Ana Calçada
D~signer: Paula Crú Grais •
ISBN 972-9445-05:-2
• Todos os direitos reservados. E proibida a reprodução no todo ou em parte desta publicação,
seja qual foro me io ou suporte, nomeadamente os electrónicos, mecânicos (incluindo fotocópias.
gravações ou outros sistemas de regislO e recuperaçao de infonnações), sem aUlOrização prévia,
por escrito, do editor.
Impresso por Bloco Gráfico, Lda. Rua da Restauraçao, 387 4050 PORTO - Portugal, 1995
-Colecção "DESIGN, TECNOLOGIA e GESTAO"
Peter Dormer
• •
•
A caminho do século XXI
,
4
n
, INOICE
PREFÁCIO 7
1
O DESIGN E O ESTILO I 1
A relação entre estilo e engenharia
Acima e abaixo da linha Estilos agradáveis à vista Não há artesãos
autónomos?
2
NOVENTA ANOS DE DESIGN
O estilo em design desde 1900
31
O direito de escolha A economia norte-americana e o design do século XX
- Design e consumo na Europa
3 COMO DUAS GOTAS DE ÁGUA
O impacte dos novos materiais
59
Os valores do plástico A revolução da supercondutividade As limitações
da carne E o Homem criou a máquina -
4 O PANORAMA DOMÉSTICO ACTUAL
O design e o lar
A infra-estrutura incorpórea
8 1
Os instrumentos que prolongam o corpo humano A alma da máquina -
- Emoções face ao objecto Valores em mudança
I
5
DESIGN DE LUXO O luxo do design
A deificação do dinheiro
Objectos de figuração
6
Objectos paradi síacos
-VALORIZAR A PRODUÇAO MANUAL
O artesanato de atelier e significado do seu estilo
113
Feitos à mão
139
David Pye O percurso do artesão Libertação face ao mercado -~ .- ~ .. - ----- - -
Realização pessoal O estilo do artesanato Uma estética de oposição?
7
OS FUTUROS DO DESIGN
Conservação e conservadorismo 167
Publicidade e ideologia - Ouro de lei - O design e as raízes da sociedade
NOTAS 179
-ILUSTRAÇOES 183
ÍNDICE REMISSIVO 184
-
• _ .
-
----, 5
•
, PREFACIO
Porque compramos tantas coisas? Quem convence os designers a re
desenharem tudo constantemente? O consumidor, o fabricante, o publicitário?
Ou os próprios designers? Porquê e de que forma a arte, os misteres, o
artesanato e os acabamentos à mão são relevantes para o design numa cultura
de consumo industrializada?
Embora haja, como sempre, excepções à regra, subjacente ao enorme interesse
que actualmente existe pelos objectos de design está uma verdade insofi smável:
desde que lhes seja dada a oportunidade, as pessoas gostam de adquirir coisas.
O desejo de possuir coisas contribui para o êxito tanto da indústria como do
designo Haverá provavelmente razões subtis que expliquem os vários tipos de
avidez aquisitiva, mas existem também outras bastante lineares: as máquinas
de lavar roupa e outros equipamentos tornam a vida mais fáci l (e, conse
quentemente, mais agradável); outros objectos, como as cadeiras, proporcionam
conforto; e existem artefactos lúdicos, como a telefonia, a alta fidelidade, a
televisão e os brinquedos. Há ainda outras coisas algumas classificadas
como arte, outras como peças de artesanato que queremos à nossa volta
para nos emprestarem cor, variedade ou expressiv idade.
Raramente são indispensáveis à nossa sobrevivência. Mas a partir do momento
em que o aumento da população e a complexidade das nossas relações sociais
passaram a caminhar a par da evolução associada à produção da energia, da
medicina e do comércio, pode dizer-se que a nossa existência está dependente
daquilo que algumas pessoas consideram supérfluo. A moderna cultura dos
materiais é de tal modo elaborada que ficamos mutuamente interdependentes
de um conjunto complicado, gongórico e aparentemente esban jador de relações
e condições, qual miríade de insectos da floresta tropical. A sobrev ivência pura
e simples não se põe sequer como hipótese.
Aquilo que torna designers, fabricantes e objectos irresistivelmente interes
santes é o facto de estarem integrados no seio de culturas materiali stas,
procurando dar expressão a uma grande variedade de realizações culturais e
aspirações do Homem. Neste livro, dá-se ênfase ao designerenquanto estilista,
espécie de conetor de uma bolsa de ideias e valores; um intermediário entre
fabricantes, engenheiros e cientistas, por um lado, e o consumidor, por outro.
Toda a interacção pressupõe necessariamente valores partilhados. Para que
o fabricante possa ter lucros, o designer receber honorários e o consumidor
-
---~."
7
Prefácio
ver aumentada a sua auto-estima, têm de partilhar a mesma linguagem.
Tem que existir um consenso sobre o que é bom aspecto, quais os materiais
que devem ser valori zados e porquê; tem que existir uma comunhão de
opiniões sobre aquilo a que vale a pena aspirar e de que modo essas aspi
rações podem ser reforçadas através de bens materi ais. A consonância nestes
aspectos manifesta-se por convenções de gosto, classe e moda que caracte
rizam uma cultura em todos os momentos da história.
Consequentemente, a poss ibilidade de um vanguardismo no design é mais
restrita do que nas belas-artes o que é óbvio, porque, se o des ign estiver
muito avançado relativamente à compreensão das pessoas, deixará de
corresponder às suas expectati vas enquanto consumidores, perdendo-as
enquanto tal. Na actualidade, as belas-artes deixaram de valorizar a ideia de
que o vanguardismo deve ser acess ível ao grande público, pelo que a maioria
das pessoas o ignora.
Existem importantes diferenças ao nível económico entre arte e des ign; mas a
estrutura e as ambições de arti stas e designers confundem-se por vezes no
campo do des ign de luxo e do artesanato de qualidade, áreas em que a exclusi
vidade é um valor em si e em que o valor estético apenas pode ser reconhecido
pelos conhecedores. Um exemplo deste facto foi o mobiliário produzido em
8 Mi lão pelo Grupo de Memphis em princípios dos anos oitenta. O seu trabalho
não atraiu o público, mas esse não parece ter sido alguma vez o objectivo;
foram os museus que o compraram, enquanto símbolo de um fenómeno
cul tural, no que foram imitados por alguns coleccionadores ricos.
De uma maneira geral, os des igners e os fabricantes não se podem dar ao luxo
de estar muito avançados em relação aos gostos dos consumidores nem do que
os preocupa - sobretudo numa época de crescente conscienc ialização para
questões ecológicas. Mas isto não significa que o consumidor esteja na origem
de todas as influências dos designers e fabricantes. Fazem-se experiências,
avança-se uma ou outra provocação, testam-se coisas nunca pedidas nem
sequer esperadas pelo consumidor.
Para aguçar o apetite dos potenciais consumidores, o fabricante recorre aos
serviços dos especialistas na matéria, as agências de publicidade. Os publicitários
contribuem para a construção dos valores que moldam o consumismo. Os
diferentes elementos design, consumismo e construção da imagem do
consumismo através da publicidade mantêm uma relação bastante instável:
o processo é contínuo , como verter tintas de óleo sobre a água e vê-Ias misturar
-se. Umas vezes conseguimos ver em que ponto as cores se tocam; outras, é
impossível determinar a fronteira entre elas. Os mati zes gerados pelo
•
Prefócio
materialismo são potenciados pela publicidade na televisão e revistas de
grande consumo.
Todo o design envolve, aberta ou dissimuladamente, a expressão de valores.
Neste livro, analisam-se as seguintes categorias de objectos:
I Objectos de consumo duráveis: tais como secadores de cabelo, chaleiras
eléctricas e aspiradores.
2 Artesanato: cerâmica, mobiliário, têxteis ou joalharia, fe itos à mão.
3 Artefactos de design de luxo: peças que, tendo sido desenhadas por
arquitectos ou designers conceituados, exigem uma grande quantidade
de mão-de-obra especializada (aqui se incluem produtos de preço
elevado, como automóveis, relógios e serv iços de chá l.
A estrutura do livro reflecte a importância de quatro temas o contexto
económico do design e da produção, incluindo o fabrico artesanal; o papel
desempenhado pelas novas tecnologias na abertura de possibilidades aos
estilistas; a relação entre fabrico, consumo e realização pessoal; a necessidade
crescente de enquadrar o design nos valores mais elevados da sociedade
saúde e segurança, realização profissional do indivíduo e responsabilização
face ao meio ambiente. Este livro não se baseia, portanto, nas histórias e 9
percursos de designers individuais.
A nossa relação com o consumismo, neste final do século XX, é ambígua;
apesar de se reconhecer o êxito e o prazer tornados possíveis pela cultura do
consumismo, a actual espiral de excessos não pode continuar sem que haja
estruturas nacionais e internacionais para regulamentar o fabrico dos produtos
de consumo. Estamos aexercerdemasiada pressão sobre o planetaedefrontamo
-nos já com o perigo real de o envenenar. E os principais responsáveis são
sobretudo o Ocidente e o Japão; o resto do Mundo não aderiu ainda ao clube
dos consumidores.
O design e o estilo, o primeiro capítulo, define o âmbito de todo o livro e
explica a distinção entre "abaixo" e "acima da linha", que permite identificar
separadamente o design enquanto processo estilístico e enquanto produto da
engenharia.
No capítulo 2, Noventa anos de design, define-se o contexto económico geral
que esteve na raiz da modificação estilística verficada no design do século XX,
com especial ênfase na economia e na política externa dos Estados Unidos.
Considera-se frequentemente que a guerra é um motor de inovação e de
progresso do design, e há boas razões para que assim seja. O capítulo 3, Como
-
Prefócio
duas gotas de água, demonstra que muito se fez em prol do design também
em tempo de paz, através da dinâmica do próprio consumismo em larga
medida auxiliado pelas indústrias de armamento e aerospaciais, sustentadas,
como em tempo de guelTa, pelos impostos e não por políticas comerciais
baseadas no lucro. No entanto, o capítulo incide fundamentalmente na
contribuição estilística dos novos materiai s.
O panorama doméstico actual (capítulo 4) começa por analisar o des ign e o
estilo das ferramentas, passando em seguida às " pseudoferramentas". Assim,
as máquinas de lavar são consideradas "verdadeiras ferramentas", enquanto a
máquina de fotografar SLR 3S mm, com todos os seus acessórios, é conside
rada uma "pseudofelTamenta". Debate-se ainda o papel do simbolismo e
significado do estilo no produto
formas, ao longo do livro.
questões recorrentes, sob diferentes
Assim, o capítulo S, Design de luxo, detém-se no papel do simbolismo no
marketing d irigido aos ricos ou aspirantes a ricos, sa lientando a importância
do artesanato neste sector.
O trabalho dos artesãos é o tema principal do capítu lo 6, Valorizar a produção
manual. Aí se defende a tese de que o artesanato contemporâneo é uma
invenção do século XX e de que o seu significado se forja não só na sua
10 oposição ao design e à indústria, mas também pelo seu distanciamento da ética
da concorrência dos preços.
O capítulo final, Futuros do design, enuncia doi s tipos de abordagem para o
des ign: a conservação e o conservadorismo. Agora que os consumidores di s
põem de uma enorme variedade de objectos, o próximo passo no percurso
lógico do consumismo (que está a desenrolar-se perante os nossos olhos) é a
preocupação com o meio ambiente. No design, como em qualquer actividade,
há lugar para o ceptic ismo. Mas ao aproximar-se o termo do século XX temos
de acreditar no futuro se quisermos encontrar o que torna a vida tolerável
os valores inatos.
•
•
o Design e o Estilo
deste facto. Por vezes, os objectos de segunda ordem, as compras de artigos
básicos, essenciais, são tornados atraentes pelos publicitários que,
inteligentemente, chamam a atenção para a ciência que tais produtos encerram. ,
E o caso das pilhas secas e do óleo para automóveis. Por exemplo, ao tentar
fazer de uma determinada marca de óleo para motores uma compra atraente,
a agência de publicidade pode realçar o aspecto sofisticado da ciência invisível
do óleo para motor, referindo-se-Ihe como "engenharia líquida" .
O consumidor ignora, normal e compreensivelmente, o design "abaixo da
linha", até se verificar uma falha. Esta pode ocorrer devido a pelo menos uma
de três razões: conhecimento insuficiente do produto por parte do fabricante
ou designer; falta de cuidado na sua elaboração; fim da vida natural do
componente. Os critérios subjacentes ao êxito ou fracasso do design "abaixo
da linha" são, por vezes, perfeitamente identificáveis: as peças falham, as
pessoas morrem. A ordem e a natureza da responsabilidade do design ao nível
dos estratos ocultos são normalmente essenciais e podem afectar fisicamente
as vidas de pessoas e animais ou o meio ambiente.
O vaivém Challenger é um exemplo recente. Em parte por razões políticas
(o público teve de ser convencido de que teri am que gastar-se fundos públicos
no Espaço para benefício de industriais privados) e também porque alargarmos
o nosso horizonte ao sistema solar é entusiasmante e revigorante, a NASA
manteve a sua máquina publicitária permanentemente em acção, no intuito de
convencer o público de que no design "abaixo da linha" se pautou sempre por
uma grande qualidade. A tecnologia espacial dos Estados Unidos tornou-se,
ela própria, uma metáfora do que melhor havia em designo ,
E claro que o imaginário colectivo donde também o imaginário de cada um
de nós se intrigava com os elementos estilisticamente mais notórios e
visíveis, um sem-número de minúcias de que se compunha o programa
espacial - as botas dos astronautas, as mochilas e os comandos internos da
nave. Esse imaginário não foi perturbado por coisas como válvulas de
borracha, nem sequer pelos mosaicos cerâmicos de isolamento térmico que,
como telhas ao vento, se desprendiam constantemente. Quem, a não ser um
canalizador, se entusiasma com o tipo de canalização que tem em casa?
A explosão do vaivém espacial Challenger provocou, no imaginário do
consumidor ocidental, uma ruptura comparável ao afundamento do Titanic.
Ambos são exemplos do maior expoente das realizações materiais, cujo
fracasso repentino provoca no consumidor um imediato decréscimo na fé que
ele tem no design e, temporariamente, na cultura em que este está inserido.
Além disso, apesar de tais realizações serem ou terem sido encaradas como
• ----,-
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.. ----/4
o Design e o Estilo
expoentes máximos da técnica, foram logo tidas como dados adquiridos e
consideradas seguras.
A fé dos leigos é também alimentada pela construção de histórias, mitos e
metáforas contemporâneos. A exploração espacial, em particular, tem sido
acompanhada por algumas metáforas de um virtuosismo inigualável para
alimentar a nossa imaginação. Veja-se o caso de "2001, Odisseia no Espaço",
que exalta a tecnologia superior da cultura dos Estados Unidos. O filme
apresenta como "realidade" aconquistado Espaço na versão de empreendimento
sem mácula, em que os erros habituais nas empresas humanas foram erradi
cados o que correu mal no mundo de ficção de Kubrick foi a inconstância
de outra inteligência (essa não humana), nomeadamente a de HAL, o exasperante
computador inteligente que falava com uma voz de missionário mórmon. ,
E evidente que o chauvinismo nacional afecta a forma como vemos o des ign:
pensemos, por exemplo, no modo como foi noticiado no Ocidente o desastre
de Chemobyl. A explosão foi, de uma maneira geral, considerada pelos
ocidentais como um incidente tipi camente russo, porque se partia do princípio
que a tecnologia russa é sempre inferior à norte-americana ou à da Europa
Ocidental. Uma parte deste chauvinismo pode ter a ver com aspectosestilísticos:
aos olhos do Ocidente, o design russo parece produzir sempre monos de cariz
utilitário, na medida em que transparece que o design "abaixo da linha"
continua a ser primário, dando origem a objectos muito vulneráveis a falhas
gerais repentinas. O ar desengraçado e primário do design espacial russo é, em
parte, resultado de um fraco design "abaixo da linha" no domínio da
electrónica a tecnologia russa ainda não chegou ao nível de desenvolvimento ,
de microprocessadores verificado no Ocidente. E provável que se tivesse
explodido uma nave espac ial russa a fé ocidental no design e tecnologia
espaciais não sofresse o mínimo abalo. Os nossos preconceitos acerca da
superioridade da tecnologia ocidental não serão, talvez, inteiramente
justificados. Com linhas antiquadas ou não, as naves espaciais soviéticas têm
bons desempenhos.
Mas a tecnologia "abaixo da linha" exactamente porque se situa "abaixo
da linha" consegue camuflar os seus piores aspectos, entre os quais os
procedimentos menos cu idados. A ciência pode ser pura, mas, por vezes, a sua
aplicação é demasiado humana no que tem de falível. A explosão do Challenger
foi um choque, mas choque maior foi saber-se que a vu lnerabilidade da NASA
reside no grande primitivismo que, a par da maior das sofisticações, existe na
tecnologia espacial, essa tecnologia em que depositámos a nossa confiança.
Não obstante, a imagem popular, a ideia mais vulgarizada, e de alguma forma
/
•
o Design e
bem fundamentada, da natureza da ciência e da tecnologia é a de que não se
utiliza o método de "tentativa e erro" na moderna tecnologia ocidental a partir
do momento em que algo entrou em fase de produção ou quando estão emjogo
vidas humanas ou investimentos avu ltados. Pressupõe-se, por exemplo, que os
protótipos de aviões não se despenhem, mesmo se estiverem a ser sujeitos aos
primeiros testes de voo. O lançamento de equipamento dispendioso é precedido
de testes laboratori ais e simulações que recorrem a modelos informatizados .
Além de que é sempre má publicidade um av ião comercial despenhar-se,
mesmo que se trate de um protótipo.
Os leigos também são tranquilizados pela certeza de que, se um engenheiro
utili za determinada coisa, há um cientista por detrás dele que compreende
como e porquê essa coisa funciona. Esta confiança é normalmente justifi
cada, mas o método de tentativa e erro não abandonou por completo o design
"abaixo da linha". Por vezes, temos que utili zar materiais que desempenham
bem determinada função antes de sabermos porque é que o fazem.
Nos últimos trinta anos, a nossa confiança na tecnologia aumentou significati
vamente, porque se ass istiu ao amadurecimento de várias tecnologias visíveis
que alcançaram os mais elevados níveis de sofisticação e fiab ilidade. São disso
exemplo os automóveis e os aviões. Depois de uma vaga de desastres de av ião,
não se verifica um decréscimo signifi cativo de pessoas a quererem viajar.
Neste livro, far- se-ão outras referências ao design "abaixo da linha", mas va le .
a pena resumir as características da relação existente entre engenharia de
produto, estil o do produto e consumidor.
I O design "abaixo da linha" é demasiado complexo, variado e está
frequentemente envolto num mistério demasiado profundo para poder
interessar o consumidor leigo. Alguns defendem que, muitas vezes, o
design e a engenharia são intrinsecamente complicados para poderem ser
compreendidos pelos leigos : nenhum leigo conhece a fundo o Boeing 747.
2 Se o ponto I é verdadeiro, não é menos exacto que o consumidor le igo
gosta de ter como certo de que, por baixo do invólucro estilístico, tudo
está bem e/ou é produto da tecnologia de ponta.
3 A relação entre os pontos 1 e 2 é, por um lado, expressa pelo des igner
enquanto estili sta e, por outro, pelo publicitário. Tanto um como outro
trabalham para fazer crescer a ideia de insuperabilidade de um produto e
das suas qualidades intrínsecas. De uma maneira geral, as actividades que
compõem a produção de objectos são mantidas separadas do estilo do
• •
'. /5
16
o Design e o Estilo
produto. Em tellllOS comerciais, não há vantagem em recordar às pessoas
as situações desagradáveis ou as incertezas que podem minar o fabrico.
Vejamos, por exemplo, o caso dos Boe ing e das Linhas Aéreas Japonesas
(JAL). O Jumbo 747 é considerado por muita gente, incluindo eu próprio, um
avião muito seguro. Mas um dos 747 das JAL despenhou-se e as perdas em
vidas humanas foram tremendas; a causa, aparentemente, foi uma porta
-estanque mal fechada, falha que, apesar dos rigorosos controlos, não foi
detectada. Não houve, no entanto, qualquer razão e continua a não haver
para ter dúvidas quanto aos 747 em geral (as circunstâncias em que o avião da
JAL foi reparado foram excepcionais) . A companhia aérea japonesa não
dei xou de comprar av iões deste modelo e a imprensa do Japão continuou a
publicar artigos acerca de alegadas falhas em 747 posteriormente entregues.
As falhas encontradas têm sido rel ativamente pouco importantes. Na verdade,
em circunstâncias normais, estas pequenas falhas, de fácil correcção (como por
exemplo os extintores de incêndio pendurados ao contrário) não teriam
qualquer interesse noticioso, sobretudo nos casos em que a companhia aérea
efectua uma vi storia antes de pôr os aparelhos ao serviço. Só que a existência
de uma conjunção invulgarde acontecimentos provocou um interesse público ,
inusitado sobre o design "abaixo da linha" do 747. E que, para além da queda,
em 1985, do avião das linhas aéreas j aponesas, verificou-se também uma
disputa laboral com a própria JAL durante a qual , para dificultar a vida à
companhia, os empregados telefonavam para os jornais sempre que era
detectada uma falha, por mais pequena que ela fosse. A resposta daJAL, à boa
maneiranipónica, não deixou nada ao acaso: instituiu um sistema de manutenção
e verificação de acordo com o qual é destacada, para cada avião e durante a sua
vida útil, uma mesma equipa de peritos para assegurar a sua assistência.
Em 1989, após estes incidentes e uma nova queda (no Reino Unido) prota
gonizados por Boeings (não 747), as autoridades competentes dos EUA e do
Reino Unido encomendaram peritagens aos sistemas de cablagem dos novos
Boeing. Foram detectados defeitos. O que é surpreendente não é o facto em si, ,
mas que o Mundo espere que os defeitos sejam totalmente eliminados. E claro
que os fabri cantes e as empresas de serviços devem aspi rar à perfeição, mas
quer estas entidades quer nós próprios, enquanto consumidores, cometemos
erros, muito provavelmente porque acreditamos nos mitos da tecnologia e não
tanto por aq uilo que a nossa experiência colectiva e senso comum nos deve
riam ensinar. Exigir perfeição pode ser correcto e sensato; contar com ela pode
revelar -se fatal.
/
•
o Design e o Estilo
Estilos agradáveis à vista
Estilo é a linguagem visual que indica a uma cu ltura que ela se está a orientar
de forma bem sucedida, segundo padrões produtivos de trabalho, de lazer e
institucionais. Organizar os assuntos assegura não só a continuidade de uma
cultura, mas também o seu crescimento e progresso. Mesmo um instrumento
estilístico tão simples como a arrumação é, frequentemente, tanto uma declaração
de intenções visual como uma característica necessária àquilo que é arrumado
para responder a uma função. As pessoas com inseguranças relativamente ao
seu espaço no Mundo tomam-se por vezes obsessivas na arrumação um
terreno muito organizado, uma nação demasiado alTumadinha ou, simplesmente,
o acto de varrer o lixo para debaixo do tapete tranquili zam-nos, dizem-nos que
continuamos no controlo das operações.
No momento em que este livro é escri to, a filosofia estilística reinante entre os
designers e alguns fabricantes determina que se coloquem os componentes
mecânicos ou de grandes dimensões de secadores de cabelo, tel efonias,
máquinas de barbear eléctricas, aparelhagens estereofónicas, televisores e
vídeos no interior de invó lucros plásticos de contornos suaves e de cor preta,
cinzenta ou branca. A forma destas caixas é geométri ca: paralelepípedos, ----._.
cilindros e até esferas. A prevalência do estil o, sobretudo nos artigos eléctricos, 17
coincide com o seu correspondente na arquitectura.
Há elegantes antecedentes históricos das "caixas pretas", patentes desde Paul
Cézanne, pintor do século XIX (considerado um dos pais do Modernismo),
passando por Johannes Itten (um dos mais influentes professores deste sécul o
na Bauhaus) e pela Braun, fabricante alemão de e lectrodomésticos.
Ora, o Modernismo tem tido uma projecção mediática alternadamente boa e ,
má, mas sempre e sobretudo enganadora. E hoje moda troçar da tese de que "a
função detellnina a forma", a qual tinha por base que um design honesto não
pretendia disfarçar aquilo que o objecto fazia, como funcionava, ou mesmo o
material de que era feito ou como tinha sido construído. Esta filosofia de design
foi outrora considerada honesta e democrática; e, dado o contexto político do
seu período mais influente talvez de 1914 a 1930 adequava-se a uma
política soc ialista e revolucionária.
Afinal de contas, se a política era de oposição aos costumes arreigados, a
estética teria de ser, ela própria, oposição.
No entanto, "a função determina a fo rma" era apenas um estilo. O argumento
de que o design modernista ia buscar a sua base à lógica da produção em série
não era verdadeiro (ver págs. 142 e 143). Tivesse o estilo dominante dos
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dos utensílios básicos de cozjnho, riqueza que alguns designers dos nossos dias procuram incluir no seu trabalho .
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Depende de quem sõo os músculos ...
/
o Design e o Esti lo
objectos e da arquitectura produzidos pela antiga ordem estabelecida, não
socialista, sido simples e funcional, e estou convenc ido de que os designers
com inclinações socialistas ou democráticas teriam ripostado com uma actuação
que favorecesse a elaboração, a figuração e a decoração. Ou seja, podemos,
consoante a óptica, considerar qualquer dos estilos ora opressivo, ora demo
crático; tanto se pode defender o papel desempenhado pelo objecto, como o ,
facto de ele transmitir às pessoas a metáfora e a decoração. E quase um caso
de moeda ao ar.
Aquilo que continua a ser verdade é que qualquer das abordagens a formal
ou a elaborada tem uma integridade estética independente da ideologia que
a adopta. E, o que é mais, esta integridade pode ser violada. O Modernismo viu
a sua integridade violada a seguir à Segunda Guerra Mundial, sendo trans
fOltllado em brutalidade e num utilitarismo barato, de segunda ordem.
Nos finais dos anos 70, aqueles que começavam a sentir-se espartilhados
declararam que a estética da caixa preta/cilindro branco era incaracterística,
anónima e que estava excessivamente banalizada. Os electrodomésticos,
sobretudo, eram vistos como possuindo "falta de individualidade", devido aos
aspectos práticos impostos pelo sistema de fabri co com formas de
produção relativamente simples. Houve também outros fac tores que condu
ziram ao êxito da estética simples: aparelhos domésticos, como as batedeiras
ou misturadoras, os moinhos de café e as balanças, tendem a ser encarados
antes de mais como instrumentos, ferramentas, e não como ornamentos. No
entanto, alguns destes artefactos são, pela sua natureza, mais individualizados
e "expressivos" do que outros. Por exemplo, um martelo exprime a sua função
de maneira inequívoca: a de bater nas coisas; mas algumas ferramentas
modernas não dão, abertamente, ideia da sua função. Uma balança de cozinha
moderna, de linhas arrojadas, não exprime pesagem: é apenas uma pequena
espécie de estrado no qual se coloca uma tigela de plástico contendo farinha
ou manteiga, e que dá a leitura do peso através de uma pequena janela situada
na sua base, sob a forma de dígitos de cristais líquidos.
No entanto, um conjunto antiquado de pesos de cozinha exprime bem o acto
de pesar, utilizando pesos-padrão como bitola. Tem a mesma expressão que
sopesar duas coisas simultaneamente para lhes comparar o peso. Com a antiga
máquina, conhecíamos a sensação de pesar. Mas a moderna ferramenta é
provavelmente mais exacta, cómoda e higiénica
bonito objecto em si.
e, ainda por cima, um
Diz-se que o design do tipo caixa preta fez com que os consumidores se
senti ssem excluídos de um processo. Uma caixa preta evoca bruxaria. não
____ o
/9
o Design e o Estilo
revela funções. A atitude expressiva que podemos atribuir a este estilo
encontra paralelo na atitude profissional paternalista da soc iedade oc idental:
arquitectos, advogados, méd icos e outros profiss ionais fazem-nos coisas em
vez de nos envolverem no que fazem. Por outro lado, parece ser verdade que
as pessoas, na maior parte dos casos, preferem ser poupadas aos pormenores
de design "abaixo da linha" do serviço que estão a adquirir seja este uma
intervenção cirúrgica ou uma aparelhagem estereofón ica.
Actualmente, verifi ca-se uma viragem em direcção à individualidade estilística.
Pode ser uma ironia relativamente à evo lução "abaixo da linha" da sociedade
ocidental, orientada para a globalização e o corporativismo, e a publicidade
"acima da linha" que tornou a Coca-Cola, a Peps iCola, o MacDonalds ou o
American Express conhecidos de toda a gente, do Colorado a Calcutá. Entre
os designers, há uma moda tendente a convencer os fabricantes de que o
individuali smo, o marketing e o design por segmentos e o facto de servirem os
interesses de uma minoria deverá tornar-se regra. Os fabricantes interessam
-se pelas vendas por segmentos quando estas se revelam mais lucrati vas do que
as vendas em massa.
David Pye, escritor, designer e artis ta, esclarece a natureza da moda de design
... :____ no seu livro "The Nature and Aestethics of Design" (1974). A nova geração
20 cresce sujeita às "restrições, reais ou imaginadas", impostas pela geração mais
velha, sua progenitora. Inev itavelmente, o estilo da geração mais velha é ,
associado a "restrição", a " limitação". E por isso rejei tado. Mas, em breve, a
nova geração passou a progenitora da seguinte; ocorre um processo semelhante
de associação e rejeição, passando então a novíssima geração a descobrir a
qualidade da dos seus avós.
Simples . Demasiado simples, no dizer de David Pye. Mas há algo de verdadeiro
nesta observação. Além disso, e apesar de Pye não o di zer, a intensidade com
que uma geração rejeita o estilo de outra para poder defender o seu é garantia
de que esse estilo possui uma integridade própria . TellIlos como "moda" e
"estilo" são descartados de mane ira excess ivamente fác il , como se se referissem
a coisas superficiais porque efémeras . Não devemos perder de vista que a
mudança é tanto um sinal de questionamento, procura, inovação e especulação
constantes como de oportunismo.
O Modernismo tinha uma integridade de design que será redescoberta do
mesmo modo como, mil agrosamente, as pessoas estão agora a enaltecer os
sucessos alcançados pelo des ign nos trabalhos efectuados nas décadas de 1890
e 1950. Aq uilo que Pye descreve é outro aspecto do fenómeno emotivo da
saudade e da nossa propensão para olharmos para trás. O tempo, de facto, dá
"
o Design e o Estilo
às coisas uma nova perspectiva, mas há outras razões pelas quai s os designers
e os estilistas se sentem muito mais à vontade para dizer bem de um estilo que
está pelo menos uma geração para além da dos seus pais: os designers'e arti stas
ambiciosos acham mais fácil louvar as virtudes dos que se reformaram,
morreram ou estão fora de circulação, Pais e professores só muito raramente
entram nessa categoria.
Terá a rejeição do Modern ismo um componente especial que tenha estado
ausente das rejeições anteriores? Alguns observadores têm comentado a
aparente falta de humanidade do trabalho de uma das maiores figuras do
Modernismo o arquitecto, pintor e des igner Le Corbusier. Esta aparente
falta de humanidade deriva do facto do estilo de Le Corbusier não se trans
ferir facilmente de uma região do Mundo para outra e de poucos edifícios
seus possuírem conteúdo figurativo suficiente para que o gosto individual
se identifique com eles, excepção feita à ermida de Notre Dame-du-Haut.
A fa lta de humanidade da arquitectura modernista, associada à sua disseminação
(transformando cidades inteiras), provocou uma reacção popular. E as rebeliões
populares, ao cOlltr.ário das profiss ionais ou sectoriais, são muito raras em
arquitectura e em designo
Não tem havido uma corrente visível contrária à estética da caixa preta no
design de produto; à excepção de alguns designers, não parece ser sequer tema
de debate. Alguns consumidores podem ter-se cansado do estilo; outros, de
acordo com o princípio de Pye, podem tê-lo associado excess ivamente com a
sua infância. Mas, enquanto a arquitectura modernista transformou a vida de
milhões de pessoas, o mesmo não se passa com a estética da caixa preta. Na
maior parte das casas onde se pode, ou podia, encontrar aparelhagens estereo
fónicas ou televisores de caixa preta, é provável que também haja tecidos e
estofos suaves, alcatifas, mobílias de casa de jantar de estilo escandinavo ou
reproduções várias. A caixa preta vulgarizada pelo design não tinha a
omnipresença da arquitectura da caixa de vidro. Sobrestimar o domínio de
um estilo de design sobre outro é, na cu ltura capitali sta ocidental, enganador. , E verdade que a caixa preta dominava uma categoria de artigos (eléctricos) ,
mas as casas contêm uma grande variedade de objectos e, consequentemente,
uma grande variedade de estilos.
Com o aparecimento de novos materiais (ver capítu lo 3), surgiram novas
liberdades para os estilistas. Coloca-se a ênfase, por exigência do mercado, na
facilidade e transparência de utili zação, na leveza, na segurança evidente, no
conteúdo narrativo. Designers e fabricantes dispõem de microcircuitos e têm
a liberdade de utilizar dispositivos electrónicos em vez de electromecânicos.
---_., 21
••
o Design e o Estilo
o efeito desta liberdade estilística fac ultada pela ciência dos materiais na
corrente principal do design é abordado no capítulo 4. Aqui falaremos do
interessante e inovador trabal ho que emerge nos Estados Unidos, daquilo a que
podemos chamar o design "narrativo". Os arquitectos Michael Graves e
Robert Venturi tiveram uma enorme influência na criação das bases deste
estilo e, de entre os elementos da nova geração, que despontaram num
ambiente de expressividade, contam-se os profissionais f 011 Itados pela escola
Cranbrook de semântica de produto. .
O conceito de design "narrativo" merece que nos detenhamos sobre ele.
O gosto " popular" norte-americano do princípio da década de 50, tal como é
revelado pelo design doméstico desse período, tem paralelismos com a
evo lução verificada nos finai s dos anos 80 (é interessante referir que Helen
Drutt, galeri sta, coleccionadora e críti ca de arte, defende que o célebre estilo
Memphis foi um rapto intelectual do estilo dos lares norte-americanos da
década de 50).
Há uma casa em Filadélfia com uma colecção de objectos dos anos 50 que teria
deixado Andy Warhol verde de inveja. Frascos para bolachas, candeeiros,
cortinas, toalhas de mesa, aventais , relógios, cadeiras, lancheiras e conjuntos
.. de frasquinhos para especiarias têm vindo a ser reunidos por dois argutos
22 coleccionadores, numa casa situada num vu lgar bairro de construção em
banda. Todos os objectos são figurativos, coloridos, produzidos em série e
baratos. Podemos ver relógios em forma de televisor ou bule de chá, uma
telefonia em forma de vela Firestone, candeeiros com formas de animais e
bailarinas ou até a imitar a gruta de Belém. Háconjuntos de saleiroe pimenteiro
em forma de nus reclinados, em que os saleiros são nus femininos e os
pimenteiros masculinos. Todas as superfícies planas, sejam de mesas de
cozinha (com tampo de fórm ica e pernas cromadas) ou dos lados dos porta
-guardanapos de papel , são embelezadas com motivos diversos, por vezes ,
abstractos, mas mais frequentemente vegetais ou animais. E uma demonstração
constante da arte de fazer com que um objecto sugira outro.
A narrativa, por vezes muito específica uma lancheira tratada como pão
de forma , é, mais frequentemente , genérica. Muita da decoração têxtil , por
exemplo, é quase étnica, representando mexicanos, mães pretas ou outros
povos exóticos felizes. Há referências a fil mes e a personagens da televisão. O
contexto destas pequenas narrativas está inserido noutra mais lata: a da
publicidade e as substruturas sobre as quais ela assenta, do cinema e dos
fi lmes à TV e à rádio, substruturas essas que fornecem por sua vez novas
imagens a serem inclu ídas nos padrões de designo Os candeeiros da época são
Rádio em forma de velo de outoffiÓvel[EUA). Este tronsístor, oferto promocional , tem o
comando ligor/desligar e o sintonizador no
porte superior.
•
o Design e o Estilo
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fascinantes, pretexto para um trabalho de cariz utilitário, em que o exótico, o
decorativo e, não raro, o religioso, eram reunidos numa só peça. Consequen
temente, esta representava uma súmula muito geral de gosto, sonho e crença,
Não é pouco, para um candeeiro! Pessoalmente, não gosto deles e não os quero
coleccionar. Mas a sua importância enquanto ornamentos com significado em
casas de pessoas normais e inteligentes era tal que hesitaria em troçar deles.
Na história das belas-artes, os Estados Unidos podem ser famosos pelos seus
abstraccionistas dos anos 40 e 50, mas um fio condutor constante na cultura
visual mais generali zada é o gosto pelos "trocadilhos" visuais, pela figuração,
a verosimilhança e a ilusão. Quer olhemos para a cu ltura subjacente ao frasco
de bolachas tão ao gosto das classes trabalhadoras, para a grande variedade do
artesanato e das artes decorativas , para o Disney World ou para a escultura do
edifício pós-moderno da AT&T em Nova Iorque, depara-se-nos por todo o
lado uma apetência pela expressão não linear das coisas.
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o Design e o Estilo
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o design popular dos EUA designavo-se noif quando se lhe reconhecia o gosto das classes trabalhadoras (exemplos de 195 1). tv\ais larde, o atitude de narrativa plástico passou o ser respeitado; era o pós"modernismo, criado por
designers de primeiro plano como Michael Graves.
Existe uma relação entre um relógio em fOi ma de bule (Tea Time) e o atendedor
de chamadas telefónicas, da autoria de Lisa Krohn e Tucker Viemeister, que
tem a f 011 lia de um li vro. Não se trata de menosprezar o trabalho de Lisa Krohn ,
nem subestimar a sua compreensão daquilo que está a fazer. Diz ela do seu
atendedor de chamadas premiado: "Trata-se de um telefone e atendedor
integrados; o Phonebook utili za a sua aparência quer como ícone quer como
manual de instruções. Viram-se as páginas, de plástico rígido, para passar do
modo de chamadas à reprodução ou gravação de mensagens, tal como folhear
uma agenda pessoal nos faz percorrer as suas várias utilizações. De certo
modo, o Phonebook foi a cobertura de açúcar da pílula tecnológica".
Estabelecendo a comparação entre um design contemporâneo sério e aquilo
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A famoso chaleira com apito de plóstico em forma de pássaro !Ale~i, 19861.
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o Design e o Estilo
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Este protótipo de telefone/olendedor de chamados, desenhado por liso Khron e Tucker Viemeister (EUA, I 987),
serve se do imagem da agendo telefánico poro tornar o mâquino simpático. É mais um exemplo da narrativo estilístico
norte-americana.
que pomos de lado como uma manifestação do kitsch dos anos 50, veja-se o
rico filão que a procura popular de design narrativo constitui.
Abordagem diferente, mais subversiva e, finalmente, menos comercial , do
design narrativo, foi a de Daniel Weil com o seu rádio Small Door. Weil é um
judeu argentino com muita aceitação em Itália e que desenvolve em Londres
a sua actividade de designer. Small Door revela um olhar travesso sobre o gosto
britânico e o ambiente fora de moda dos seus lares. As entranhas do rádio estão
penduradas de uma plataforma de madeira as entranhas provêm do rádio
Roberts, famoso pela sua solidez, boa qualidade e design insípido. Os grandes
manípulos de plástico , com riscas tipo chupa-chupa, fazem lembrar as pequenas
confeitarias britânicas que vendem rebuçados de conteúdo duvidoso, fabricados
por pequenas firmas situadas nas profundezas da cintura industrial britânica.
O altifalante, disparatadamente colocado na extremidade de uma haste, é
coberto por um pedaço de chinlz cobrir horrores com um tecido decorativo
garrido é uma tradição enraizada na classe média-baixa de todo o mundo
ocidental. O rádio de WeiJ contém mais alusões e camuflagens do que o
atendedor de chamadas de Krohn. O objecto de Krohn é claro no seu voca
bulário, pejo que será entend ido por muitas pessoas com grande facilidade.
O rádio de Wei l é muito intrigante, algo ridículo e provoca um certo diveltimento .
•
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o ródio Smoll Ooor, de Daniel Weil (Reino Unido, 1986), é um gozo o vários níveis _ Weil, estrangeiro em Londres,
divertia-se com o carácter antiquodo do indústria ingleso _
Não há artesãos autónomos?
Grande parte do êxito alcançado pela nossa cultura deve-se ao trabalho
colectivo das pessoas, à especialização e à fragmentação coordenada do
trabalho. Nenhuma pessoa isolada poderia, por si só, alimentar a complexidade
de um design avançado. Este facto é obviamente verdade no caso de um
Boeing 747, mas não é menos verdadeiro se falarmos de componentes
relativamente pequenos e insignificantes, como a nova geração de pára
-choques que absorvem energia mecânica.
Todas as criações mais complicadas e valiosas da soc iedade moderna, quer
sejam produto de processos governamentais e administrativos de prestação de
serviços, quer sejam actividades práticas fabrico de rádios, vídeos,
automóveis ou artigos de plástico , implicam que as pessoas cooperem
objectivamente em segmentos do empreendimento. A cultura tem tudo de
cooperativo e cumulativo.
O êxito das culturas industriais produziu algumas reacções contra elas. Temos
necess idade de acreditar que ainda é possível ganhar a vida fazendo as coisas
à mão, de acordo com o nosso próprio ritmo e tendo perfeito domínio do
processo total. Os artesãos podem ser considerados pessoas que dirigem todo
o seu processo de trabalho, bem como a concepção dos seus artefactos.
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o Design e o Estilo
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fv'Iarta Rogoyska, lecedeira, trabalhando. A essência do artesanato ê o trabalho com um determinado material, o que
o artesão se dedica por completo. O designer pode dedicar-se o vórios ,
Qualquer que seja o resultado da abordagem de grupo, parece haver uma
necessidade profundamente enraizada de acreditar no valor, especificidade e
capacidade do indivíduo , Esta necessidade explica o interesse votado às
manifestações públicas de destreza manual e mental quer seja na exibição
de um virtuoso do violino ou no trabalho de um oleiro. Gostamos de ver as
pessoas fazerem coisas com habilidade.
O século XX assistiu à criação do mito do artesão e redefiniu , se é que não
reinventou, o seu papel. A natureza tanto do mito como do novo papel do
artesão é abordada no capítulo 6. Mas o grande argumento de promoção do
artesanato é a variedade do seu conteúdo narrativo, facto que é verdade tanto
para a camisa feita à mão como para o automóvel de luxo ou a peça de barro
feita à roda.
Por exemplo: o modo como encaramos os potes de barro feitos à mão tem
o Design e o Estilo
A porle superior de uma loto de Coco-Colo é perfeito. Um ferreiro do século XVIII enlusiasmor-se-ia com a sua exoctidão
e com o focto de ~r incessantemente reproduzido_
seguramente que ver com o facto do pote ser um símbolo do modo de trabalho
de alguém e do seu estilo de vida. Poderíamos dizero mesmo de um automóvel:
compre-se um automóvel e estar-se-á, num certo sentido, a comprar um
símbolo, uma representação do modo de vida de várias centenas de pessoas.
Mas uma das diferenças que distingue o objecto nascido do design e destinado
a ser fabricado em série do objecto artesanal é o facto de um tentar disfarçar
a realidade do trabalho que lhe deu origem, enquanto o outro o pretende exaltar.
Ninguém gosta de ser recordado do barulho, da cadência do trabalho por turnos
ou da monotonia da produção fabril. Um pote feito à mão, pelo contrário, pode
dar-se ao luxo de ser transparente quanto ao seu fabrico . Entre o ceramista e
o pote não há necessidade de intervenção de designers, de publicitários ou de
técnicos de relações públicas.
Ao compralIDos cerâmica doméstica feita à mão, estamos a comprar uma
----. . .. 29
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o Design e o Estilo
entrada num mundo de trabalho que as pessoas respeitam e até invejam. Um
dos valores da tecnologia do artefacto é a circunstância de utilizar uma I ingua
gem mais acessível: pode-se discorrer como foram feitos e concebidos um
pote, um cesto ou um pano. Somos capazes de entender o processo de fabrico,
mesmo que tenhamos uma completa falta de jeito de mãos. No caso dos
objectos que o design molda para a produção em série, o processo e a feitura
são um mistério para a maioria das pessoas. Não sendo designers, ver-se-iam
em apuros para explicar a génese de uma lata de Coca-Cola.
Os misteres "tradicionais" proporcionam uma representação reconfortante
num mundo cheio de perplexidade. Para tal, têm de assumir formas familiares.
A necessidade constante de formas tradicionais na cerâmica, no mobiliário ou
ainda nos objectos de ir à mesa é uma procura de familiaridade, de uma
linguagem visual com raízes. A grande força dos misteres tradicionais reside
na sua linguagem visual comum de formas e funções fami liares. Não interessa
se as pessoas de facto querem usar os bules, jarros ou taças: o que estão a
comprar é, antes de mais, um conjunto genérico de representações do tipo de
trabalho que as produziu, do modo de vida que as produz e de uma linguagem
visual facilmente entendível.
2
ANOS DE DESIGN
o esti o em design desde 1900
o design do Ocidente é como é, em larga medida, dev ido à cultura capitalista
liberal na qual se insere e a qual serve. Assim sendo, uma resenha da "história
do design" no Ocidente tem de levar em conta a ideologia subjacente à história
recente do consumismo. O design, tal como o próprio consumismo, não é uma
activ idade nem amoral nem apol ítica. ,
Neste estudo, muito é elidido, abrev iado ou condensado. E claro , no entanto,
que, até à data, o des ign tem sido alimentado por uma ideologia que assenta no
conceito de crescimento contínuo. O crescimento contínuo, enquanto conceito
económico, tem sido equacionado em termos da própria noção de liberdade.
Comprar tanto quanto possível , tão frequentemente quanto possível, é consi
derado um direito, quase uma necessidade. Eé uma atitude que tem beneficiado
o design ocidental. No entanto, uma tal interpretação do que é a liberdade pode, ,
por sua vez, tornar-se História. E este o tema da primeira metade deste capítulo.
A segunda metade contém uma breve análise das mudanças de estilo no designo
o direito de escolha
O design e os designers devem muito da sua actual projecção ao facto de
estarem inseridos numa sociedade capitalista e liberal em vez de estarem, por
exemplo, numa sociedade marxista-leninista. Nas sociedades assim designadas
(tanto quanto é possível existirem países verdadeiramente marxistas-leninistas),
tudo indica que as directivas de planeamento central praticadas nesses regimes
não estimularam o consumismo (excepto talvez como reacção à falta de bens
essenciais). E é o consumismo, muito mais do que o desenvolvimento da
indústri a pesada, que dá aos designers oportunidades "criativas". A razão é
simples: num ambiente industrial, a máq uina tem apenas que desempenhar o
seu papel; deve ser de utilização fác il e segura, mas não precisa de ter linhas
que a tornem sedutora aos olhos do consumidor ou que levem o potencial
comprador a adquiri-la. Numa economia de planeamento central não há neces
sidade de uma dúzia de tipos de máquina, quando uma só chega perfeitamente.
•
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Noventa Anos de Design
Não é preciso um estilo metafórico ou dirigido à publicidade. O planeamento
central não encoraja virtualmente qualquer espécie de sensibilidade adicional
nem quai squer elementos de design "desnecessários".
O planeamento central também cerceia, com toda a probabilidade, as inovações
tecnológicas. E um dos êxitos do liberalismo económico do Ocidente fo i o
estímulo dado à tecnologia e, poss ivelmente, às artes os artistas são mais
ou menos livres de explorar as formas que lhes dite a fantasia .
No entanto, são as próprias liberdades do Ocidente que podem limitar tanto a
eficácia como a acutilância das artes. Nos regimes autoritários, os artistas são
frequentemente algumas das principais vozes da oposição e, portanto, a arte
que desafia a visão oficial é sofregamente desejada, nem que seja por causa da ,
sua diferença. No Ocidente, ser diferente é ser nOllnal. E também duvidoso
que, quando o artista está em oposição a seja o que fo r, a sua arte tenha assunto,
além do vigor nascido da diferença. Frequentemente, a arte tem de ser
construída por uma complex idade subtil e metafórica, de fOllna a ev itar a
censura fili stina, não deixando contudo de revelar, a todos quantos têm olhos
e ouvidos, uma visão alternativa das coisas . Os filmes do russo Andrei
Tarkovsky são disso exemplo.
O consumismo de tipo ocidental não começou, evidentemente, depois da
Segunda Guerra Mundial, nem sequer neste século. Simon Schama, no seu
"Embarrassment ofthe Riches" I , transmite-nos uma imagem convincente da
Amesterdão do século XVII em plena vaga consumista, com ruas e mais ruas
de lojas atulhadas de gente e mercadorias. Mas fo i a vaga de consumo emer
gente nos EUA depois da Segunda Guerra Mundial que guindou o design e o
consumismo a níveis de verdadeiro excesso. Na base deste excesso estava o
extraordinário desempenho dos protagonistas da guerra durante o próprio
confl ito, nomeadamente os EUA .
Depois da Segunda Guerra Mundial, a obsolência integrada tomou-se uma
característica inerente à economia do Ocidente, talvez porque a experiência da
guerra tenha actuado sobre a tolerância, partilhada por des igners e fabricantes.
Dado o êxito na produção de armas, que foram em seguida destruídas, é
possível que esta atitude de "fazer e destruir" se tenha tornado uma ideia fixa
na cultura fabri l dos EUA. ,
Existia, assim, uma crença na ética do consumo em espiral. E esta a opin ião
da histori adora do design norte-americano, Kathryn B. Hiesinger, no seu
excelente ensaio introdutório a "Design Since 1945", catálogo da exposição
com o mesmo nome, reali zada no Museu de Arte de Filadélfia em 1983.
Diz ela: "A indústria americana identificava novo com bom e defendia
•
Noventa Anos de Design
a obsolênc ia planeada como um bom princípio económico: o consumidor
americano espera produtos novos e bons todos os anos. Habituou-se à expo
sição automóvel an ual .. . o nosso costume de trocar de carro todos os anos, de
comprar novos frigoríficos, asp iradores ou ferros eléctricos de três em três ou ,
de quatro em quatro anos é econom icamente saudável... E um hábito verdadei-
ramente americano, e assenta saudavelmente na nossa economia de abundância".
Grandes palavras, citadas por Hiesinger a partir de um livro chamado "Design
for Business", da autoria de J. Gordon Lippincott, publicado em 1947.
Acreditar que o novo é bom fundamentava-se numa crença nas virtudes e na
necessidade da concorrência. Não era, por si, uma crença nova, já que estava
bem enraizada no espírito empreendedor do século XIX e, nos EUA, na teoria
e prática de gestão comercial dos princípios do século XX.
A concorrência, no capitali smo liberal norte-americano, não era um laissez
-faire; tinha uma estrutura, uma organização, uma ideo logia e um designo
Todos estes elementos foram reconhecidos e sistematizados por F. A. Hayek,
economista e sociólogo de origem austríaca que publicou, em 1944, o seu
agora famoso livro "The Road to Sei/dom".
A intenção da obra era criticar o planeamento central soc ial ista, sobretudo o
marxi sta-leninista (Hayek argumentava que acabari a quase de certeza em
tirania) , e defender o liberalismo cap itali sta. Hayek tem sido, a espaços, tão
denegrido como aclamado - e foi denegrido com o epíteto de fasc ista, o que
não dei xa de ser irónico tendo em vista o ataque ao fascismo que o seu livro
constitui. O livro foi um estrondoso êxito nos Estados Unidos . Teve um
sucesso menor e mais controverso no Reino Unido, o que é compreensível se
atentarmos em que a ortodoxia política britân ica entre 1945 e 1979 tendia para
ideais socialistas e de economia de planeamento central. Além disso, o Reino
Unido, como de resto vários outros países da Europa Ocidental, tinha monta
do um esquema de segurança social que parecia então (como ainda hoje)
prestar um bom serviço à população. Por isso, os vigorosos argumentos de
Hayek contra o planeamento central ou governamental pareciam desajustados,
quando julgados à luz de um serviço de saúde nacional, planeado centralmente,
que parecia funcionar.
Não obstante, há muito de atraente no liberalismo de Hayek, porque ele fri sa
constantemente a desvantagem de co locar nas mãos de um punhado de pessoas
o poder de decidir como deve viver toda a gente. Uma análise das políticas
habitacionais em muitos países da Europa de Leste, no Reino Unido e nos
Estados Unidos pode mostrar quão desastrosa, e até tirânica, se pode revelar
a centralização da tomada de decisões.
OSDM-3
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33
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-.' -34
Noventa Anos de Design
Hayek enunciava a sua posição do seguinte modo:
1 "O liberal ismo defende o melhor uso poss ível das forças da concorrência
como meio de coordenar os esforços do Homem;
de deixar as coisas tal como estão" 2
- . . nao tem o propOSltO
2 "Numa sociedade compet iti va, o preço que temos que pagar por uma coisa,
bem como o ritmo a que podemos trocar uma coisa por outra, depende das
quantidades de outras coisas das quais, em adquirindo uma, privamos os
restantes membros da sociedade. Este preço nao é determinado pela
vontade consciente de ninguém" 3 .
O ponto 1 é extraordinariamente ev idente e existe uma grande quantidade de
provas empíricas que o sustentam: o consumismo, o design e o marketing de
bens em concorrência entre si produziram um grande leque de escolhas, que
manifestamente entusiasma, entretém e satisfaz o consumidor ocidental.
Para só falar dos automóveis, ex iste concorrência bastante entre europeus,
japoneses e norte-americanos para proporc ionar amplas possibilidades de
escolha. No entanto, mais ev idente ainda é considerarmos que a concorrência
nasce da coordenação e de que não é um salve-se quem puder. Para tudo o que
seja mais complicado de produzir do que os potes ou os cestos feitos à mão, as
pessoas têm de juntar-se para trabalhar, para projectar, para promover e para
vender. Isto explica um dos fenómenos patentes nos EUA, no Japão e na
Alemanha e que é o de grandes companhias competirem ferozmente entre si,
ao mesmo tempo que cada uma requer dos seus empregados lealdade e
empenhamento em relação à empresa com o intuito de a tornar a melhor.
Hayek tomou conhecimento da profunda investigação levada a cabo nos
EUA e, de facto, ainda antes, na Alemanha, sobre a maneira como as
pessoas podem ser encorajadas a trabalhar em conjunto de modo a competir
com outros grupos de pessoas igualmente a trabalhar em conjunto.
Podemos constatar que os norte-americanos, como os alemães, têm um talento
especial para a organização e para a racionalização. Em 1911, um norte
-americano, de seu nome. Frederick Winslow Taylor, publicou um livro
chamado "The Principies of Sciell/ific Mallagement", destinado a tornar as
forças produtivas mais eficientes, e que, visto em retrospectiva, parece ter tido
como efei to sincroni zar o ser humano com o ritmo das máquinas quer
fossem tapetes rolantes ou filas de máquinas de escrever nos escritórios. Mas
as empresas, grandes e pequenas, depressa descobriram que esta abordagem
/
Novenlo Anos de Design
atomística do trabalho, que tornava os trabalhadores componentes separa
dos de uma máquina humana, precisava de ser temperada com melhores ,
métodos de gestão. E que se constatou que o moral dos trabalhadores andava
pelas ruas da amargura, a produtividade estava a diminuir e a rotação de
pessoal aumentava quando os trabalhadores sentiam estar a ser encarados
como coisas, em vez de pessoas com as quais se podia trabalhar.
Outros sociólogos se salientaram. Um dos estudiosos das relações de trabalho
foi George Elton Mayo, um australiano que emigrara para os Estados Unidos
e que se tornou chefe do Departamento de Investigação Industrial de Harvard
em 1926. Antes de desempenhar essa função, tinha sido contratado pela
Western Electric Company de Chicago para descobrir uma solução para a
insatisfação sentida pelos trabalhadores e para a baixa produtividade. Mayo
fez experiências com trabalho à peça, períodos de descanso e refeições
quentes grátis. Conclui u tendo posteriormente feito a sua demonstração
científica pela importância das atitudes da gestão na prossecução de boas
relações laborais. Estudou, em seguida, a importância de permitir às pessoas
trabalharem em grupos naturais e fez um cuidado trabalho de investigação
sobre a psicologia de grupo e os métodos através dos quais se podia estimular
não só a produtividade mas uma produtividade de qualidade.
Um tal design "abaixo da linha" (os designers contemporâneos encaram o
design como um processo, e o design da gestão e do moral do trabalhador
enquadra-se nessa visão) é um dos factores que tem peltnitido à indústria fabril
do Ocidente alcançar a sua meta de produção de artigos de qualidade.
O trabalho de Mayo e de outros contribuiu para o êxito da ética capitalista
liberal, que visa proporcionar aos clientes uma verdadeira escolha do que
compram.
Um moral fraco sabota a qualidade: torna o melhor impossível de ser
atingido 4 Numa economia concorrencial como contraponto a uma econo
mia de planeamento central o conceito de "melhor" é, em larga medida,
definido não pelo produtor mas pelo consumidor. E, como a história da
soc iedade de consumo do pós-guerra parece indicar, o melhor é definido como
mais do que simplesmente "barato". "Melhor" indica também uma relação
qualidade-preço mais favorável, maior confiança no produto e melhor serviço.
O resultado, como se verá nos capítulos seguintes, tem sido a produção de bens
de consumo duráveis, possuidores de uma qualidadee de nívei s de desempenho
muito superiores aos requisitos normais do consumidor. As máquinas
fotográficas, os automóveis e os computadores têm desempenhos muito . . , .
superIores aos estrItamente necessarlOS.
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Noventa Anos de Design
Em sociedades não liberais, o indivíduo não é li vre de escolher o que quer,
antes tem que contentar-se com o que uma meia dúzia de planificadores
decidiu que devem ser as necessidades dos indivíduos. O resultado de tal
actuação parece ser sempre, na prática, um nivelamento por baixo em
serviço, em qualidade, em design e em variedade. O designer só entra em acção
quando os seus serv iços são requisitados para levar a melhor sobre uma oferta
da concorrência, no sentido de cativar o consumidor individual. O consumo em
espiral significa também asp irações em espiral consumo e aspirações
alimentam-se mutuamente. Não é de admirar que as autoridades dos países do
Bloco de Leste tenham escondido aos trabalhadores a existência de lojas espe-•
ciais reservadas aos membros do Partido (nas quais se vendiam géneros
ocidentais) e tivessem impedido a circulação de revistas, filmes e vídeos •
ocidentais que ilustram uma maneira de viver diferente. Censurar as aspirações
é um dos modos de evitar a censura da populaça. Aquilo que se desconhece não
se deseja.
A Segunda Guen'a Mundial, durante a qual todas as nações industriais se saí
ram bem na produção crescente de armas, foi um enorme êxito para o planea
mento norte-americano (ajudado, é claro, pela c ircunstância de ninguém ter
invadido ou bombardeado território continental dos Estados Unidos). As esta
tísticas são impressionantes: no período de 1943 a 1944, os norte-americanos
completavam um navio por dia e um avião em cada cinco minutos; entre os
aviões, contavam-se grandes bombardeiros de longo curso, como os Super
!ortress. A organização de fábricas e gabinetes para coordenar este tipo de pro
dução guindou a arte do trabalho em equipa para uma nova dimensão. Os em
pregados norte-americanos foram bombardeados com propaganda explicando
que estavam a participar na equipa que trabalhava com os "homens da frente".
Análises de tempos e movimentos decompunham todas as actividades nas suas
partes constitutivas, com a finalidade de optimizaro tempo de cada empregado.
Nesse momento da sua história, os norte-americanos provaram ser tão compe
tentes no macro como no microplaneamento. A introdução do Plano Marshall
depois da Segunda Guerra Mundial foi simultaneamente sagaz e altruísta.
Permitiu voltar a pôr de pé a Europa mais depressa do que qualquer europeu
podia imaginar em 1945. Sem a ajuda (e protecção) dos Estados Unidos, a
evolução da Europa Ocidental teria sido mais lenta e talvez tão amarga como •
a de Leste. E inegável que a América precisava de uma Europa Ocidental
forte, capaz de funcionar como tampão face à União Soviética. Não obstante,
quem como nós cresceu num Ocidente moldado pelo Presidente Truman, em
vez de num Leste da lavra do secretário-geral Estaline, tem muito por que
estar grato.
/
Noventa Anos de Design
Depois da Segunda Guerra Mundial, o conceito americano do esforço colecti
vo, consubstanciado na "Empresa", sai u reforçado. Os recém-formados
ali stavam-se na AT&T, na IBM ou na Coca-Cola como se fosse para toda a
vida. "Sejam bons para nós que a IBM será boa para vocês". A Empresa exigia
lealdade aos seus empregados como o fariam pequenas cidades-Estado e, tal
como elas, dava grande importância a uma identidade uniforme, que regesse
toda a imagem e modo de actuação da empresa. A identidade institucional
teve implicações no design da arquitectura, do mobiliário e do equipamento
de escritório, bem como na imagem gráfica e na publicidade utilizadas
pela empresa.
A historiadora de design Esther McCoy explicou, no seu ensaio" The Ratio-
na/ist Period" 5 - termo que usa para a década de 50 -, que a exactidão,
a padronização e o comando racional das máquinas eram vistos como uma -'_ 0" .' _._ .~. _ _
necessidade éticâ para o bem da humanidade. No entanto, não diz quem fazia ,
essa apreciação. E pouco provável que os trabalhadores considerassem "ética"
a racionalização dos seus empregos e vidas. Eé manifesto que nem todos assim
pensaram tomaram-se contestatários, passavam a vida a mudar de
emprego, a adoecer ou a trabalhar devagar. Daí resultou uma rápida evolução
das ciências sociais ligadas à gestão de pessoal, no intuito de dar resposta a
uma necessidade económica de resolução do conflito existente entre
permitir que o trabalhador conserve a sua auto-estima enquanto ser criativo e
autónomo e os requisitos de produção tendentes a simplificar o trabalho
através de processos atomísticos (ver também págs. 147 e 155).
Parece que nos EUA o conceito de " lealdade à empresa" fazia parte de uma
crença quase generali zada (se bem que não exactamente aceite por toda a
gente) de que a lealdade era intrínseca ao trabalho em prol do bem comum. Foi
um conceito que deu bons resultados na Alemanha e que resultou (ao que
parece) extraordinariamente bem no Japão. Já no Reino Unido, provou ser um
conceito frágil, porque os trabalhadores eram fiéis à sua classe ou sindicato ou,
embora menos frequentemente , ao seu partido político. Daí que tenha obtido
piores resultados face ao esquema organizativo do todos-por-um da concor
rência; não adoptou (certamente com algumas boas razões) a característica
mais significativa da cultura industrial moderna: a ética organizativa, que
tinha sido aperfeiçoada e era dominada pelos Estados Unidos.
As ciências de gestão e as teorias sobre a empresa não pellllaneceram
imutáveis. Os elementos mais feudais das grandes estruturas empresariais vão
sendo postos de parte, à medida que as empresas evoluem em direcção a um
sistema federal , em vez de centralizado. Decorre um intenso debate sobre o
'\ j
____ c·
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Noventa Anos de Design
modo como as empresas podem aprender a viver com a incerteza, sobre como
devem ou deveriam ser tomadas as decisões e a que nível se verificam as
tomadas de decisão mais eficazes. Parecemos estar a mover-nos sistemática e
animadamente para uma liberdade de consumo cada vez maiore para ambientes
de trabalho cada vez mais civi lizados, democráticos, interessantes e agradáveis.
O trabalhador-consumidor é, aparentemente, bem servido em todos os
aspectos pelo sistema capitalista liberal. Quem precisa de planeamento
central? Hayek é um herói, afinal.
Mas tal, como as ciências de gestão têm evoluído para uma situação em que o
modelo feudal vai dando lugar a um modelo democrático ou federal, também
o mundo exterior tem progredido. De uma maneira alarmante, a espiral de
consumo começa a parecer um vórtice. De espiral ascendente dirigida aos
prazeres materiais passou a ser uma espiral descendente em direcção à
poluição, ao desperdício e à cri se ambiental.
Além disso, há um círculo cada vez maior de gestores e políticos que começa
a aperceber-se de que a espiral de consumo tem, até ao presente, estado restrita
a uma vintena das várias centenas de países do Mundo. O que acontecerá
quando, no futuro , a ex-URSS e a China começarem a satisfazer a procura dos
seus vários milhões de consumidores? O capitalismo liberal, baseado num
planeamento central mínimo e num máximo de concorrência, toma-se cada
vez mais desconfortável quando encarado globalmente. Se os chineses imi
tarem os excessos do Ocidente, eles irão estragar ainda mais o nosso Mundo.
Enquanto o Terceiro Mundo se manteve simplesmente pobre, não corria o
ri sco de entrar na esfera das liberdades e valores do consumidor ocidental. Mas
brasileiros e chineses da Formosa, indianos e chineses continentais estão a dar •
mostras de quererem aderir às liberdades do consumismo. E exactamente na
altura em que estamos a acordar para os enormes danos que estamos a pro
vocar no meio ambiente devido à nossa ausência de planeamento central,
estão eles a começar a agredir violentamente o ambiente com o seu desejo de
usufruir de algumas das nossas liberdades.
Ironicamente, regi stam-se agora alguns pedidos dissimulados do Ocidente
liberal e capitalista (sobretudo dirigidos ao Banco Mundial), tendentes a
assegurar uma certa dose de planeamento central. E tudo indica que, para criar
um bem-estar maior, o capitalismo liberal tenha de ser moderado por uma
maior intervenção do planeamento central e que, em certa medida, as escolhas
dos consumidores tenham de se tomar mais restritas.
A cultura surgida da Segunda Guerra Mundial, e na qual o design ganhou asas,
baseia-se num misto de cooperação (do tipo descrito por Hayek) e de indivi-
/
Novenlo Anos de Design
dualismo quero o meu carro, o meu pedaço de estrada, a minha casa, a
minha I iberdade de viajar de avião e assim por diante. São liberdades positivas,
liberdades cuja negação reforça os aspectos pessimistas da vida. E, no entanto,
algumas delas terão de ser, em certa medida, limitadas se através de meca
nismos tributários ou de fixação de preços, em vez de recorrer a legislação
especial, eis o que não é ainda claro. Vejamos um exemplo muito simples.
Actualmente, 80 % das viagens são feitas pelos habitantes das vinte nações
mais ricas. O que aconteceria se os habitantes da China Continental, da ex-,
-URSS e da lndia começassem a ter dinheiro sufi ciente para viajar? Imagine-
-se o efeito sobre o meio ambiente dos seus próprios países e o de outros se mais
um bilião de pessoas começasse a deslocar-se de um lado para o outro .
Até agora, a ética da espiral consumista não tem sido posta em cheque porque
os "outros" países do Mundo são demasiado pobres para aderirem ao clube.
O consumo em espiral tem também vivido do facto de a maioria dos
consumidores não ter ainda percebido o que está a fazer. Não sabem como é
produzido aquilo que compram. A culpa não é deles. O componente compe
titivo do mundo capitalista liberal depende da exaltação das virtudes de um
produto e não da enumeração dos seus defeitos. A publicidade tem garantido
que o divórcio entre as realidades situadas "acima" e "abaixo" da linha
continue a ser completo. Quem é que quer saber da violência no matadouro
ao trincar um bife?
O planeamento central (nas formas desenvolvidas sob o marxismo-Ieninismo)
não tem constituído uma alternativa satisfatória ao capitalismo I iberaJ , porque
os países do Bloco de Leste têm estado em falta perante consumidores e
ambiente, por igual. No entanto, os últimos anos da década de 80 testemunha-
ram interessantes alterações no Ocidente - uma certa predisposição dos
países ricos para estudarem formas de planeamento central supranacional que
protejam o ambiente, mesmo que em prejuízo da li berdade de produção (e,
portanto, da do designer). A União Europeia - com comissões centralizadas
estabelecendo as normas sobre ambiente, segurança e saúde, e ainda sobre
direitos do cidadão, normas essas cuja observância é obrigatória para os
países-membros constitui uma das evoluções culturais mais interessantes
dos anos 80, abrindo caminho ao surgimento da UE como uma entidade
comercial única.
Não pretendo, no entanto, "defender" ou sequer "prever" que se verificará uma
completa centralização do planeamento. Advogar um tal passo seria, à luz
do falhanço da política económica e social da Europa de Leste e da URSS, uma
tolice. Seja como for, tendo começado com Hayek, é salutar persistir, com ele,
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Noventa Anos de Design
nos avisos relativos ao planeamento central. Diz ele: "O planeamento à escala
internacional, mais do que o de escala nacional, não pode deixar de ser
uma 'razão da força', uma imposição de alguns sobre o co\ectivo de um
determinado tipo de padrão e aplicação do que os planificadores pensam ser
adequado para os outros".
A maioria de nós, no Ocidente, estará talvez tentada a concordar, mas o comen
tário de Hayek era, na altura, inflamado e só parcialmente objectivo (não
esqueçamos que data da Segunda Guerra Mundial). A UE, por exemplo, impõe
muitas normas aos seus membros, para benefício do individualismo e dos
indivíduos dos Estados-nação que a compõem. Há casos de pessoas que, injus
tamente julgadas em tribunais britânicos, têm recorrido ao tribunal europeu,
onde lhes foi feita justiça. A expressão "razão da força" não se aplica à UE.
A UE é um exemplo interessante de cooperação, porque os seus Estados
-membros podem violar (e violam) os acordos celebrados com a UE sem
perigo de sanções militares. A UE não está, ela própria, livre de se autopenalizar
por ter sido intolerante ou até, ocasionalmente, corrupta; os seus burocratas e
políticos sabem que é do seu próprio interesse procurarem atingir políticas
justas e essencialmente liberais. O facto dos países membros poderem aban
donar a federação por sua livre iniciativa introduz de facto um componente de
40 oferta e procura na política comunitária. A união política total seria, prova
velmente, um erro. Como sempre, é necessário procurar um equilíbrio de
interesses e as federações e coligações são instrumentos úteis, apesar de
imperfeitos, para equilibrar interesses que precisam de coexistir.
Com efeito, se temos razão para temer o planeamento central por causa do
poder que confere a uns quantos, é uma realidade perene que são sempre "uns
quantos" que controlam, planeiam e exercem o poder. Numa economia de mer
cado " livre", existe uma real centralização, assente nos interesses comerciais
de um punhado de empresas dominantes em cada sector industrial. Assim, sen
do verdade que, por exemplo , as principais companhias petrolíferas competem
entre si, não é menos certo que apresentam uma frente unida contra tudo o que
pensam poder pôr em causa os seus lucros . Frequentemente, os seus interesses
entram em conflito com OutTOS interesses positivos, sobretudo os ambientais .
Claro que, como sempre, não há uma estratégia abrangente que nos possa dar
o melhor dos mundos . Só que o consumo irrestrito à escala do planeta há-de
derrotar-nos, porque a dimensão da população mundial e a dimensão das
exigências potenciais de cada indivíduo entrarão em conflito. A tirania de uma
burocracia mundial é, sem dúvida, um espectro horrível; mas, para preservar
a possibilidade de escolha e alargá-la ao resto do Mundo, parece inevitável
/
• Noventa Anos de Design
termos que descobrir uma forma de consumismo ede escolha mais responsável
e madura e gerar um novo modelo, mais subtil , de oferta e procura.
O design, que actualmente funciona como uma forma alargada de publi cidade
ou como resposta a um simples problema de procura do mercado, terá também
de amadurecer. Os aspectos éticos e ambientais relativos a onde uma coisa é
fe ita, quem a faz eem que condições, deque é feita, como será util izadaecomo
será inutili zada ou reciclada tomar-se-ão parte tão integrante do design como '
são hoje em dia o estilo e a moda. Grande parte desta evo lução, necessária para
a sensibilidade do des ign (e da produção), é tornada possível pela evolução da
opinião pública, ela própria alimentada pela informação, cuj a existência ex ige,
como Hayek apontaria, uma sociedade li vre. Nenhum sistema garante por si
só essa liberdade. Ironicamente, a Grã-Bretanha, que redescobriu a liberdade
das forças de mercado, é hoje considerada por alguns jornali stas europeus
como tendo uma imprensa que é apenas livre a 50 %. O período do pós-guerra assistiu , em alguns aspectos, a uma históri a da
liberdade através do efémero. Talvez a próx ima evolução traga a liberdade
at ravés da qualidade, por via do conservadori smo, da conservação e de uma
maior ênfase nos interesses colectivos. O design enquanto profi ssão tornar-se
-á, então, adulto, se puder contribuir para que os consumidores de todo o
Mundo dêem estímulo a estas novas aspirações colectivas (em contraponto às
ind ividuais) .
A economia norte-americana e o design do século XX
Desde 1941 que os Estados Unidos dominam o Mundo em terlflos económicos
e isso apesar do advento do Japão como superpotência. Mercê da dimensão das
suas Forças Armadas, continuam também a ser o "polícia do Globo".
Neste século, os Estados Unidos consumiram mais do que qualquer outra
nação. Paul Kennedy, hi storiador e autor de "The Rise and Fali ofthe Great
Powers" (1988), mede o crescimento daeconomia norte-americana em termos
da energia consumida. Os valores são na ordem dos milhões, calculados em
toneladas métricas de carvão ou equivalente. Ass im, em 1890, os EUA consu
miram 147 milhões de toneladas, valor que, em 1938, ascendia a 697 milhões.
Nenhum outro país igualava este consumo.
A importância do poder económico dos Estados Unidos da América, para os
Aliados ocidentais que combati am as potências do Eixo na Segunda Guerra
Mundial, foi imensa.
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Noventa Anos de Design
Paul Kennedy refere "a mudança radi cal devida ao aumento de 800 por cento
na produção de armas nos EUA entre 1941 e 1943 ... " . Constata também que
o poderio norte-americano em 1945 era artificialmente elevado porque o res
to do Mundo estava exausto ou subdesenvolvido. Nas palavras de Kennedy:
"Tal como os britânicos depois de 1815, os americanos tinham, por seu turno,
descoberto que a sua influência informal em muitas partes do Mundo se
tornava bastante mais complexa; como os britânicos, encontravam ' novas
fronteiras de insegurança' sempre que tentavam definir um limite. Era o
advento da Pax Americana" 6.
Também a Rússia, em resultado da guerra, pôde alargar a sua esfera de influên
cia de maneira significativa; mas, com Estaline, a URSS agiu de modo dife
rente dos EUA. Partes da Rússia tinham sido devastadas pela guerra e Estaline
agiu ao contrário do Presidente Truman na Europa Ocidental: subtraiu aos
países do Bloco de Leste matérias-primas, materiais de construção e maquinaria. ,
E difícil defender que tenha havido uma americanização de estilo na Europa
Ocidental. O estilo americano não domina o designo Existe um /ook declaradamente americano, muito diferente do alemão, italiano, francês ou
britânico, e constatamos que as diferenças entre os estilos nacionais evoluíram
marcadamente a partir do princípio do século XX. Na base está um gosto pelo
orgânico. E apesar da sua apoteose se ter verificado com as cadeiras "túlipa"
de Eero Saarinen (1910-1961), no princípio da década de 50, a preferência
pelas formas arredondadas e por uma espécie de gótico flamejante continua,
nos EUA, a ser endémica, na decoração de interiores, na indústria automóvel
e nos artigos para o lar. Este orgânico enriquecido, estética tipicamente norte
-americana, é também dominante em grande parte dos trabalhos produzidos
nos Estados Unidos sob a designação genérica de artesanato. A cornucópia, o
seio , a forma orgânica em geral fornecem-nos um conjunto de metáforas
visuais sobre a associação que os norte-americanos fazem do excesso
material com a liberdade.
A forma escultural orgânica e arredondada tornou-se parte do vocabulário do
design de mobiliário de meados do século XX, devido aos trabalhos de Charl es
e Ray Eames. Em 1940, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque organizou
um concurso e uma exposição intitulados "Organic Design in Home Furnishings" . O prémio foi atribuído, em 1941, a dois designers , Charles
Eames e Eero Saarinen (q ue trabalhavam juntos na Academ ia de Arte de
Cranbrook).lnfluenciados por Alvar Aalto arquitecto finlandês, pioneiro
do des ign contemporâneo de mobiliário com utilização de contraplacado, que
tinha tido direito a uma expos ição retrospectiva, em 1929, em MOMA ,
/
Noventa Anos de Design
•
Cadeira envolvente e bonqueta poro os pés, desenhados por Eero Saarinen poro o Knolllnlernotional. Assento de
pl6stico moldado, estruturo de aço, estofos de espuma. EUA, 1948. -
------".-Saarinen e Eamescomeçaram a fazer experiências, dobrando dois planos (uma 43
necess idade, se qu isermos criar um efeito de recipiente a partir de uma fo lha
ou placa plana) . Aparentemente, este efeito escultural não mereceu a apro-
vação de A alto; achava que os resultados estavam mais próximos da mol
dagem em plástico e que um tal tratamento do contraplacado, prensando-o de
modo a dar-lhe forma côncava, "violava a li nguagem das fibras da madeira".
As clássicas cadeiras de Eames eram recipientes, largos e fundos, como uma -generosa casca de ovo aberta ao meio. E o equivalente no mobiliário ao
útero materno.
O namoro dos Estados Unidos ao design escandinavo sobretudo o
sueco -, na década de 20, deixo u marcas, já que este des ign é inspirado nas
imagens de rec ipiente e de útero materno. A forma protectora, aconchegante,
é a base tanto do design como da política social da Escandinávia.
A década de 1920, que assistiu a uma série deexposiçôes itinerantes suecas nos
Estados Unidos, coincidiu com um período alto para a economia. Depois da
Primeira Grande Guerra, os EUA encontravam-se em excelente situação
finance ira. Tinham grandes reservas de ouro, eram o maior fabricante mund ial
de produtos de consumo e al imentos e tinham um grande mercado interno
para estimular a produção em série.
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Noventa Anos de Design
Paul Kennedy assinala que a procura do consumo doméstico podia absorver o
acréscimo de produtividade e que, em 1929, por exemplo, os EUA produziam
4,5 milhões de veículos (enquanto a Alemanha se ficava pelos 1 I7 000). A
grave sucessão de crises na economia americana verificadas na década de 1930
arrastou as outras economias mundiai s. Apesar disso, os nívei s de consumo
dos anos 20 e a continuação de uma procura significativa na década seguinte
contribuíram para o desenvolvimento de uma clientela de design industrial
profissional no país, estreitamente ligada às ex igências publicitárias e
- ---promocionais de fabricantes de vários tipos .
O rápido crescimento da procura, sobretudo nos EUA, de produtos como
._rádios, aspiradores e frigoríficos, deu um grande impulso à profissionalização
do design como actividade por direito próprio. O impulso veio da indústria, que
se começava a aperceber das oportunidades comerciais que podia trazer o valor
acrescentado gerado pelo estilo e também pela utilização dos próprios produtos
para promoção da empresa.
Mas não devemos esquecer-nos das estatísticas de Paul Kennedy sobre
energia, porque esta, para além de ser a base da produção, é também um bem
de consumo em si, desde que haja um número suficiente de utilizadores que
torne rendíveis os custos associados à sua geração. Adrian Forty, hi storiador
de design, tem muito a di zersobre este assunto no seu 1 ivro "Objects ofDesire"
(1986), onde descreve a posição dos produtores de electricidade. Estes
descobriram desde muito cedo que tinham que "criar" o maior número possível
de utilizadores diurnos de electricidade para que houvesse um equi líbrio entre
os picos e as baixas de consumo que habitualmente se verificavam. O equipa
mento gerador tinha que ser suficientemente potente para dar resposta às
necessidades energéticas dos picos de consumo, mas, se estes fossem muito
espaçados e de curta duração, haveria muito equipamento dispendioso parado
durante longos períodos. Foi por isso que a indústria geradora de electricidade
não perdeu tempo a encorajar o desenvolvimento (e o estilo) do maior número
possível de máquinas eléctricas.
O esti lo na indústria eléctrica tem uma história complicada, se não mesmo
contraditória:Mas os fabricantes de equipamento eléctrico foram dos primeiros
a perceber o potencial de um produto que, através do seu design, não só se •
publicitava como também promovia a própria empresa.
Um dos grandes êxitos do esti lo como forma de publicidade, e que estimulou
o crescimento do design industrial como profissão nos Estados Unidos, foi o
stream/ining. Este estilo imperou no período entre 1930 e 1945, referido pelos
hi storiadores dos EUA como a " idade do automóvel ". O carro torna-se parte
!
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Noventa Anos de Design
da casa, situação ilustrada pela integração da garagem na habitação. A influên
cia dos esti los dos automóveis noutros aspectos do design torna-se cada vez
mais forte à medida que o tempo passa. Existe um tipo de mobili árioArl Déco,
de grande projecção nos anos 30, que ficou desde então conhecido como
StreamlinedModerne. Ostreamlining era um estilo generalizado, em que cada
objecto, grande ou pequeno secretária, rádio, isqueiro, automóvel ,
locomotiva adquiria uma forma muito esguia. Há quem faça notar que o
streamlining não trouxe qualquer melhoramento aos desempenhos do
automóvel, nem aos da locomotiva; mas, como expressão de progresso, as
novas linhas eram o supra-sumo.
Electrodomésticos como os aspiradores, os frigoríficos e as máquinas de lavar
foram adoptados mais rapidamente nos Estados Unidos do que na Europa. Em
resultado, as cozinhas tornaram-se cada vez mais mecanizadas e o conceito de
cozinha planeada, utilitária e moderna implantou-se nos Estados Unidos muito
antes de o fazer em Inglaterra, em França ou até na Alemanha. Este facto foi
um estímulo adicional para a simplificação do mobiliário e acessórios, tendo
os móveis metálicos tubulares entrado nas casas através das cozinhas. Na
década de 30, os designers industriai s norte-americanos ganharam projecção;
além disso, tinham menos pruridos em servir o comércio do que os designers
quase-industriais da Bauhaus, prisioneiros da atmosfera "medieval", de uma
escola que privilegiava as ideias em detrimento das actividades comerciais.
Apesar disso, registou-se uma dissensão cultural nos EUA. Philip Johnson,
nascido em 1906, foi mentor de uma exposição polémica no M useu de Arte
Moderna de Nova Iorque em 1934, "Machine Art". No catálogo da expos ição,
Johnson distanciou-se e à exposição do "estilismo" e do streamlining,
defendendo um vocabulário mais básico, e logo mais honesto, o da linha recta
e do círculo. Uma das tensões interessantes da idade da máquina é a que se
verifica entre o designer, enquanto intelectual querendo servir as massas, e o
fabricante e publicitário, fomecedores de uma comucópia consumista. O
primeiro declara: "dê-se-lhes a verdade", os outros ripostam: "nem pensar,
façam-se mas é coisas sexy".
Um dos primeiros designers industriais da América foi Norman Bel Geddes,
que montou um atelier de design industrial em 1926. Tornou-se especialmente
famoso pelo seu descomplexado streamlining em locomotivas e, antes disso, ,
pelos seus designs dos rádios Philco. A semelhança de outros designers que
surgiram nos anos 30, como Raymond Loewy e Walter Dorwin Teague, a sua
fOI II1ação era na área da arte comercial. Consequentemente, a ideia do objecto
encerrar a sua própria publicidade era evidente. A influência dos designers
•
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Noventa Anos de Design
industriais norte-americanos começou a difundir-se. Raymond Loewe que
tinha redesenhado o exterior de uma máquina reprográfica para a Gestetner
em 1929 e depois se lançou no campo dos automóveis e com o frigorífico
Coldspot da Sears Roebuck Company abriu um gabinete em Londres.
Desde a Segunda Guerra Mundial, apesar dos designers norte-americanos se
terem afundado em publicidade, consumismo e comércio (a moda de 1980 das
metáforas visuais e pós-modernas no design de produto apenas acelerou a
noção do "produto como veículo publicitário"), persistiu uma resistência
intelectual , corajosa e constante.
O designer industrial Eniot Noyes procurou defender a tese de que, para um
bom design, o uso que se faz do objecto deve ser mais importante do que
quaisquer considerações comerciais .
Era a utilização que tornava a nova ciência da ergonomia tão atraente para os
designers norte-americanos da década de 50. Também Henry Dreyfuss, que
mais tarde se tornaria o primeiro presidente da Associação de Designers
Industriais dos Estados Unidos, defendeu a ergonomia, nas suas obras
"Designing for People" (1955) e "The Measure of Man" ( 1959). Está
actualmente a ser explorada, em universidades da Pensilvânia e do Ohio, uma
nova versão desta ciência, sob a designação genérica de Semântica do Produto
(ver págs. 110-111 e 172-173).
As tendências estilísticas fundamentai s do design norte-americano do pós
-guerra, distanciadas da ortodoxia da ética de Empresa, manifestam uma
preferência pelo orgânico, pelo literal e pelo figurativo. Num certo sentido, o •
fo sso entre a Europa e os EUA é caracterizado por uma maior aceitação, se não
mesmo apetência, dos consumidores europeus pelo design abstracto. Com
efeito, sempre que os designers europeus procuraram renovar o conteúdo
estilístico como no caso do gabinete de design Memphis, em Milão ( 1979-
-1983) houve uma tendência para tomar como modelo o design norte-
-americano. Em muito do que se tomou por radical, pós-moderno, novidade em
ornamentação ou neodecorativo no des ign europeu que fez moda nos anos 80,
sente-se a influência do design norte-americano dos anos 50 ou do actual e
pujante design proveniente do bairro italo-americano de Filadélfia .
Os plásticos laminados e os têxteis sintéticos dos EUA na década de 50, em
tons garridos e com decorações frequentemente exóticas, tinham todas as
condições para serem alvo de referências irónicas trinta anos depoi s. E, tal
como se d isse no capítulo anterior, a opção por um conteúdo de design de
linhas simples produz uma imagem mais intelectuali zada, mas ainda assim
muito literal, do novo design de produto. A maior parte do estilo em design é
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Noventa Anos de Design
resultante das exigências do mercado e da publicidade; nos EUA, tais
relações tendem a ser mais cruas e, por vezes, mais óbv ias do que na Europa.
Design e consumo na Europa
Os antecedentes económicos do design e do consumo na Europa são mais
complicados do que os dos EUA; o fac to dos países europeus terem, por duas
vezes, guerreado no solo uns dos outros pode ser visto como um factor ,
limitativo da evolução da tecnologia e do designo E opinião generalizada que
as grandes guerras são um estímulo, e não um obstáculo, para o desenvolvimento.
Mas trata-se de uma ideia não comprovada: a concorrência comercial produz
efeitos tão significativos no desenvolvimento em períodos prolongados de paz
como a rivalidade no aperfeiçoamento de armas em períodos de guerra intensa.
A fundação da UE deu origem a um mercado forte, ainda que não tenha
atingido - enquanto federação comercial - o poderio dos Estados Unidos
ou do Japão. Poderá rivalizar com ambas as potências, mas para que isso
aconteça é necessário um maior grau de união política. Tal como as coisas
estão, a UE tem muito a temer da parte do Japão, se bem que, como sempre
acontece em termos comerciai s, o medo não seja unil ateral. O arranque, em 47
1992, de um mercado único, com a supressão de todas (ou quase todas) as
barreiras alfandegárias, fortalecerá a UE como potência comercial e há quem
tema uma guerra comercial entre três superblocos a América do Norte, o
Oriente e a UE. Desde sensivelmente 19 14 a 1935, o estilo dedesign dominante
na vanguarda europeia era angular, vincado, agress ivo, mas, durante as
décadas de 20 e 30, foi contestado por vários sectores, incluindo a Ar! Déco,
em França, e o streamlining, que fazia furor nos Estados Unidos.
Aquilo a que agora chamamos, ou que pensamos intuitivamente ser, o Estilo
Moderno (modem style), sobretudo no que se refere ao mobiliário e servi ços
de mesa, tem linhas finas, depuradas e é, frequentemente, rematado a metal.
Podemos dizer que esse estilo recebeu um impul so considerável da Bauhaus,
lançada pelo arquitecto WalterGropius ( 1883- 1969)em Weimar, na Alemanha,
em 19 19; em 1925, mudou-se para Dessau e o design industrial desenvolveu
-se como di sc iplina autônoma.
A Bauhaus, no entanto, não foi a única nem provavelmente a mais
importante instituição a influenciar o est ilo do design europeu. Pense-se
na indústria, sobretudo no potentado AEG (Allgemeine Elektricitats
-Gesellschaft) , fundado em 1883 na A lemanha. Em 1907, Peter Behrens,
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Noventa Anos de Design
artista que se tornou des igner, fo i contratado pela AEG para tornar visualmente
coerente uma gama variada de produtos ferros eléctricos, aquecedores,
panelas de pressão, chaleiras, ventoinhas, etc. O design ou a tradição estilística
que estes objectos possuíam, quando Behrens aceitou o repto, baseava-se em
processos artesanais e na montagem manual, sendo, evidentemente, anteriores
à era da electricidade . Behrens dedicou-se a criardes igns que davam ex pressão
à tecnologia que tornava possível os produtos. A históri a da AEG é fasc inante
e é contada por Tilmann Buddensieg em "lndustriekultur, Peter Behrens and
the AEG "(1985). No entanto, a grande lição que a AEG colheu, com o passar
do tempo como frisou John Thackara , foi esta: "Vendo a concorrênc ia
a crescer e a sua superi oridade tecnológica a diminuir, a AEG apercebeu-se de
que, apesar de ser lógico padroni zar tampas, bases e manípulos, o impacte
desta estratégia nas vendas era desastroso. Seguiu -se um debate interno ... f indo
o qual ganhava fo rça a ideia de que ' mesmo um motor eléctrico precisa de
parecer um presente de aniversário'" 7 O resultado fo i simultaneamente
moderno (com a exaltação da máqu ina) e individuali sta (os produtos possuíam
suficiente carácter para serem reconhecidos como da AEG e não de outro
fabricante) .
Enorme influência teve também o breve desabrochar de uma vanguarda na
União Soviética onde, entre a Revolução de Outubro e o advento de
Estaline, se abriu uma fresta de liberdade, provocando uma explosão das artes
gráficas e da arquitectu ra. Em nenhum outro lugar, o moderni smo e o
abstraccionismo se encontraram mais estreita e genuinamente associados ao
radicalismo político do que nos trabalhos de Tatlin , El Liss itsky, Malev itch e
muitos outros . A Rússiadeu ao modern ismo, por pouco tempo mas com grande
vitalidade, um novo fulgor.
Mesmo os cartazes construtivistas, com as suas fOI mas abstractas e disposição
lógica, funcionavam como metáfora. A crueza tipográfica e as fOlmas rectilíneas,
frequentemente angul osas e fragmentadas, transmitiam uma sensação de
energia, de lógica e de mudança. O abstraccionismo russo abriu as janelas do
futuro: apresentou uma analogia visual de como se poderia sentir o futuro , em
vez de com o que ele se iri a parecer. A ruptura com a fi guração e a natureza era
lógica: se o que se pretendia era antecipar o sentido do futu ro, não hav ia razão
para fazê-lo com imagens do presente. O idealismo heróico dos artistas e
designers russos foi, em larga medida, aproveitado pela Bauhaus em meados
e fi nais da década de 20. Quando Estaline acabou com a vanguarda art ísti ca,
o modern ismo do Ocidente tornou-se apenas mais um estilo. Desfaleceu.
O modern ismo chiq ue surgiu mais ornamentado, mais luxuoso do que o que
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Os fronce~s André e Paul Vera eram designers de jardins que conjugaram o Natureza com o modernismo.
Neste desenho! 1920), o geometria fragmentado é reminiscenle do cubismo de Georges Broque.
tinha emanado da Bauhaus. Nos anos 20, apareceu aAn Déco - simples, ele-
gante, com formas curvas nos braços e pernas. Na década de 30, tornou-se
menos clássico e mais brutal, com os seus hexágonos, octógonos, cunhas e
cilindros. Misturou madeira, metal e vidro com folheados elaborados, parecen
do frequentemente um estilo de mobiliário de cena. A luz fragmentada
constituía outro ingrediente: em hotéis, salões de baile, cinemas e bares, a luz
reflectia-se em superfícies lacadas, metais cromados e espelhos fumados
biselados.
Durante o mesmo período , dos primeiros anos do século XX a meados dos
anos 30, a Suécia criava uma filosofia de fabri co e design que dava
primazia à consciência social, género que se tornou um poderoso meio
para exprim ir o empenho na construção de uma soc iedade mais justa. Na
Finlândia, di z-se, o design era uma forma de expressão de nacionalidade (o
país só se tornou independente em 1917). A social-democracia é um
denominador comum dos quatro principais países: surgiram governos sociais
-democratas na Dinamarca (1929), na Suéc ia ( 1932), na Noruega (1935)
e na Finlândia (1937). O pós-guerra viria a incluir neste grupo a Islândia, que
se tornou uma república em 1944.
OSDM-4
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Noventa Anos de Design
Em Estocolmo, uma exposição de decoração de interiores realizada em 1917
teve, como fio condutor, o tema da responsabi lidade social , bem patente na
importante exposição do Funcionalismo realizada na mesma cidade, em 1930.
Esta exposição ev idenciou uma éti ca do design que reunia atitudes tradicio
nais, relativamente ao artesanato e aos materiais, a princ ípios de clareza e de
modéstia. A diferença entre o design do Noroeste da Europa e o verdadeira
mente nórdico residia no estil o com preocupações humanísticas deste último.
Como foijá referido, o design escandinavo teve um grande impacte nos meios
do design norte-ameri cano: realizaram-se exposições itinerantes de design
escandinavo nos EUA a parti r dos anos 20. No entanto, a tendência orgânica
do design foi também ajudada pela evol ução de técnicas aux i I iares de produção:
a gradual introdução das formas plásticas moldadas por injecção é disso
exemplo. Por razões que se prendiam com a maneira de retirar as formas de
plástico dos seus moldes, aquelas tinham que ser alTedondadas.
Sylvia Katz explica no seu livro "Classic Plastics" (1984) que a primeira
máquina de moldagem por injecção foi patenteada na Alemanha em 1926, mas
que passaria uma década antes que ela se tornasse capaz de garantir uma
produção completamente automática. Durante os anos 30, no entanto, popula
ri zaram-se vários tipos de plástico, como explica Katz: "As casas dos anos 30
estavam cheias de copos para ovos quentes, galheteiros, appliques, batedeiras
e conjuntos de piquenique moldados por compressão em cores vistosas".
Depois da Segunda Guerra Mundial , a postura racional face ao fabrico e ao
estilo em design com uma abordagem mais "científica" do que "artística"
do estilo foi particul armente bem recebida na Alemanha Ocidental. Os
designers alemães, a par de alguns teóricos e executantes norte-americanos,
cedo compreenderam que a ergonomia tinha de ser levada muito a séri o.
O estilo enquanto ciência recebeu um impulso significativo devido às ex igências
das emergentes indústrias de aeronáutica civ il e mi litar: era fundamental (por
estritas razões de segurança) que o design dos cockpits fosse tal que piloto,
navegador e engenheiro de voo soubessem exactamente o que estavam a fazer
num ambiente cada vez mais sofisticado. A segurança dos veículos motorizados
tornou-se também um tema muito importante (que, no entanto, só em 1965
seria divulgado nos Estados Un idos através das críticas de Ralph Nader à
indústria automóvel americana, no seu livro "Unsafe AI Any Speed") e
contribuiu para consolidar a ergonomia como esqueleto do design industrial.
Hoje em dia, a ergonomia, com cada vez maiores preocupações ambientais,
é encarada como o fundamento do design industrial.
Um dos mais interessantes desenvolvi mentos do design verificados na Europa
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Noventa Anos de Design
nos anos 50 deu-se com a abertura da Hochschule für Gestaltung, em VI m, na
RFA, em 1955. Esta escola de design, projectada para suceder à Bauhaus,
introduziu , no seu programa de 1957, as di sciplinas de Matemática, Lógica e
Sociologia. Afastou ainda mais o design da arte, gerando um estilo que utiliza
constantemente a lóg ica e a racionalidade como metáfora. O seu expoente
mais notável é o designer alemão Dieter Rams. A VIm e Rams é atribu ída a
estética de caixa preta, objecto de tanta troça por parte da juventude pós
-modernista dos anos 80. Era uma estética perfeita, e a justificação intelectual
do estilo tornava-se redundante, dado o êx ito da ciência e da lóg ica em que
se fundava. Nos anos 70, com o desenvolvimento dos microchips e da ciência
da miniaturização, a necessidade de dar a máquinas e equi pamento eléctrico
formas rigorosas e puras já não era justificável só pela razão o design de
caixa preta tornou-se apenas uma das muitas opções que a tecnologia solid
state do microchip tornava possíve is. , E talvez demasiado simplista fazer uma associação imediata entre a Bauhaus
de antes da guerra, passando pela escola de VIm do pós-guerra e o actual design ,
alemão, genericamente considerado ordenado, racional e depurado. E verdade
que muito do estilo alemão ocidental tende a exprimir ordem e disciplina,
levando, inclusivamente a que, durante a décadade 80, alguns jovens designers
se tivessem revoltado contra a ortodoxia, através de um design subversivo,
de um anti-designo Regi stou-se uma erupção repentina de exposições em
galerias, mostrando designs (sobretudo em mobiliário) que se manifestavam
contra a ortodoxia de classe média da Alemanha Ocidental. Mas a ordem e
racionalismo patenteados têm prestado excelentes serviços aos fabricantes e
exportadores alemães encorajando e reafirmando a crença dos consumi
dores na qualidade e fiabilidade, bem como nos (excess ivos) desempenhos
de muitos produtos alemães, sobretudo os automóveis.
Os italianos foram dos que primeiro se aperceberam do rematado disparate que
consiste em procurar uma única estética de design, num Mundo em que a
tecnologia oferece tão grande variedade de processos e so luções. Das princi
pais nações industrializadas da Europa, a Itália era, em 1945, a mais pobre;
mas, graças à ajuda financeira dos Estados Vn idos assoc iada ao apoio político
destinado a ev itar uma tomada de poder pelos comunistas, o país começou a
desenvolver-se economicamente . A Itál ia não era e continua a não ser um país
com muitas empresas de grandes dimensões; mas há excepções como a FiaI.
Em 1957, a criação da Comunidade Económica EUI'opeia, de que a Itália fez
parte, ajudou o país a expandir-se ainda mais e, entre 1957 e 1963, registou
-se um boom económico, que teve grandes implicações no design industrial.
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CochimbJ poro fumador desenhado pelo estúdio de design Porsche, no Áustria. O design Porsche, que assento numa
excepcional qualidade de fabrico, conjugo puritanismo e hedonismo.
Os booms são cíclicos; mas no sector industrial a Itália continuou a ter êx ito,
só que de uma maneira diferente de outros países industriais. Em primeiro
lugar, a sobrevivência de muitas empresas relativamente pequenas criou uma
cultura de Flexibilidade produtiva (podemos ainda hoje descrever a Itália
como uma cultura de pequenas empresas); em segundo lugar, a concorrênc ia
regional e entre cidades faz com que possa ainda ver-se a Itália como uma
federação em vez de um Estado unitário, o que parece alimentar a pluralidade
e a contestação; em terceiro lugar, a economia paralela, ou seja o trabalho gera
dor de riqueza que escapa ao controlo do Estado (mas não das pessoas), con
tribui de modo substancial para o êxi to itali ano. Estes facto res, aliados a uma
tradição segundo a qual, ao que se di z, "os intelectuais em Itália têm sempre
beneficiado de maior prestígio e influência do que nos países anglófonos" 8,
criam um ambiente em que, tanto os designers como os seus clientes, estão
dispostos a experimentar, a inovar e a filosofar. -E fácil e errado ridicularizar o designer italiano (que, com toda a
probabilidade, recebeu fOllllação em arqu itectura), chamando-lhe fi lósofo
louco. Os designers italianos são dos mais pragmáticos. Ettore Sottsass, uma
das figuras de maior projecção entre a década de 60 e os dias de hoje, é disso
exemplo. Em 1983, subverteu por completo a questão das vantagens da
Noventa Anos de Design
Intervenção pós-moderno num dos símbolos do renascimento italiano do pós-guerra, o Fiol 500. Aqui transformado
em discoteca pelo designer italiano VincenzQ lovicoli.
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- -----' .. ' .. obsolência planeada como factor importante na vida do designer 9. Em vez de 53
dar a resposta esperada (a obsolência planeada é má para um design durável) ,
declarou : "A obsolência, para mim, é verdadeiramente o sal da vida". Só que,
nessa altura, a sua famosa confederação de designers, associados no estúdio
Memphis , acabava de alcançar a crista da onda, tendo registado três ou quatro
anos de êxito retumbante, devido aos elogios pelos seus designs loucos e
efémeros, que constituíam referência obrigatória da decoração e da novidade
no design pós-modernista dos anos 80. Se alguma coisa havia de mais indi-
cada para ilustrar uma redundância planeada era, sem dúvida, o estilo de
Memphis, com a espantosa vulgaridade, tão americana e anos 50, do laminado
de plástico.
Dos símbolos do design italiano do pós-guerra fazem parte a Vespa 10, lançada
pela primeira vez em 1946 e vendida aos milhares durante os vinte anos
seguintes, e o pequeno Fiat 500, produzido em 1957 ambos veículos
baratos, para o povo. A empresa Olivetti começou a melhorar a sua posição
através de uma série de bons designs industriais aplicados a máquinas de
escrever e de calcular, mantendo posteriormente a vantagem alcançada no
equipamento de escritórios e nos computadores.
E a Itália não parou. O Ocidente continua a procurar em Itália pistas para bom
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Noventa Anos de Design
design e o que o design italiano tem provavelmente de melhor é a capacidade
de debate e análise, são as contribuições ideológicas que lhe estão na origem.
Ao contrário da Itália, a França acompanhou os Estados Unidos, embora à
distância. Apesar de, no respeitante à industrialização, ter feito progressos
bastante rápidos após a Segunda Guerra Mundial, a França conserva ainda
aspectos antiquados no sector agrário da economia. Continua a existir um
grande número de agricultores de pequena propriedade ao contrário do que
se passa no Reino Unido, por exemplo. A França considera-se um líder cultural
da Europa, mas só a custo rivaliza com a Alemanha no aspecto económico. Nas
últimas três décadas, a França empenhou-se a fundo na investigação e desen
volvimento nos sectores do armamento, aerospacial e da energia nuclear.
Como sempre, é muito difícil avaliar quais as vantagens reai s que um sector de
defesa fortemente subs idiado pode ter na inovação do design e no
desenvolvimento económico das indústrias do consumo. O design de consumo
francês é ... muito "francês". Quando pensamos em características nacionais de
design poroposição às internacional istas vem-nos logo a França à ideia .
O estilo francês é, em muitos aspectos, diferente e, por vezes, brilhante.
O Citroen DS 19 é disso exemplo, com linhas futuri stas exprimindo o virtuo
sismo da técnica e o lado inovador do veículo; já em 1962, possuía caracterís
ticas tão avançadas como a tracção dianteira.
Como sugere Paul Kennedy, politicamente, a França tem sido extraordi
nariamente bem sucedida, garantindo uma projecção em termos de política
externa muito superior ao que o seu estatuto económico poderia fazer supor.
Os Estados Unidos podem ter ainda maior influência no Mundo devido à
dimensão da sua economia, mas a sua política externa empalidece, até quase
desaparecer, quando comparada à da França. Esta característica merece ser
focada, porque a França encara a cultura as artes, o design, a moda como
um importante meio de promoção nacional e como contributo para o reforço
da língua francesa, das ide ias francesas, dos interesses franceses face aos
Estados Unidos, à língua inglesa e à cultura anglo-americana.
Os primeiros-ministros e os presidentes franceses apoiam e são patronos
activos das artes e do design, facto gerador de um ambiente de confiança. Tal
como em Itália, toda a gente se mostra interessada na discussão de ideias
interesse partilhado por artistas, designers e industriais. Para dar só um
exemplo, em França há condições para que os funcionários públicos com
talento passem do Governo para a indústria, da indústria para as artes, das artes
para a indústria.
As críticas à soc iedade de consumo, surgidas no final dos anos 60, prosseguiram
Noventa Anos de Design
Caneta poro o dedo, desenhado por Vincenzo Jovicoli. A Itólia aindo "dó os cortos' no que toco o tornor
o design divertido.
por toda a Europa e EUA durante a década de 70, coincidindo com recessões
causadas em parte pe los súb itos aumentos do preço do petróleo no momento
em que os países produtores descobriram que podiam inverter o sentido do
jogo face ao Ocidente . Na arte, assistiu-se a uma ruptura repentina com o
imaginário pop e a uma sucessão de movimentos que exploravam materiais
antitecnológicos. Foi também nos anos 70 que se começou a fazer sentir
gradualmente a necessidade de abordar o des ign e a produção de forma inte
grada, para proteger os recursos e o ambiente.
A estratégia japonesa para penetur nos mercados europeu e norte-americano
começou a dar frutos nos anos 70. A indústri a britânica, em particular, perdia
para os japoneses a produção de motorizadas, automóveis, rádios e televisores.
O design e a qualidade de fabrico japoneses, aliados a preços baixos e à
fiabilidade de desempenhos, ass istência e prazos de entrega, encostaram à parede as antiquadas e complacentes empresas do Ocidente. Pior ainda era o
sistema de integração do design e inovação na produção, que permite aos
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Em design, os característicos nacionais são muitas vezes esfumados. Este conjunto $O leiro-pimenteiro foi desenhado
em 1987 por Martine 8ed in, que é francesa. Podemos detectar influências alemãs, suecos e japonesas no estilo, mos
não norte-americanos.
Na página 00 lodo: O design inglês é por vezes subversivo. Aqui, Georgina Godley apre5ento-nos um falo com um
design que se faz eco do símbolo lua/folo util izado por Edvord Munch, pintor cu jo tema constante foi o ciúme sexual
e Q neurose.
fabricantes japoneses lançar novos artigos a um ritmo espantoso, sistema esse
que continua a baralhar muitos ocidentais.
Paul Kennedy salienta 11 que os Aliados ganharam a guerra às potências do
Eixo devido à incapacidade destas em acompanharem o ritmo da produção
dos Aliados. O Japão está actualmente a desafiar todas as restantes econo
mias com a velocidade com que introduz no mercado a inovação tecnológica,
Contra um concorrente cujos controlo de qualidade, gama de produtos, serviço
de entregas e assistência pós-venda são tão bons, qualquer vantagem que o
Ocidente possa ter em estética de design é marginal em termos de com-
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batalha pela diferenciação do produto como parte integrante da publicidade
do produto; mas essa diferenciação só é útil se os outros elementos da equação
estiverem presentes; como mais de um fabricante de automóveis pôde constatar
nos anos 80, um veículo com bom aspecto não se vende se for propenso a
enferrujar ou se tiver uma assistência pós-venda ineficaz .
Contudo, os produtos estão a ficar nive lados "abaixo da linha" e a vantagem
do fabricante está em realizar um produto estilisticamente diferente (mas não
muito diferente). Melhor dito, muito depende do estilo do produto conseguir
transmitir a selecção de valores ideal os valores que o consumidor partilha.
O esti lo é organi zado em função da classe, profissão, aspirações e nível etário
do consumidor do grupo-alvo. Aquilo que os fabricantes exigem agora são
enormes quantidades de informação e uma das tarefas levadas a cabo no
Japão onde os fabricantes temem o crescente poder da UE é o estudo
de mercado, pormenorizando as características nacionai s do designo As
empresas japonesas de consultoria de design estão agora a implantar-se na
Europa para descobrirem quais são as características estilísticas mais importantes
para os consumidores de cada um dos países europeus.
Prevê-se que a década de noventa tenha mercados mais espec ializados, com
estilos cuidadosamente ponderados (vari ando o seu simbolismo), para atra ir
grupos de consumidores cada vez mais estudados. Os grupos de consumidores
(definidos pela idade, profissão, etc.) serão especificamente visados e descobrir
-se-á que têm mais a ver entre si pelo M undo fora do que com grupos diferentes ,. ,
no seu propno paIs.
Não parece provável que as características nacionais desapareçam, sendo
antes de acreditar que se levantem vozes a favor do regionali smo e do naciona
lismo, como resposta a um período de intemacionalismo no design o A ten
dência mais provável do design e da cu ltura no final da década de 90 será
certamente o ressurgimento de uma procura conservadora e nacionalista no
Japão, numa crescente rejeição dos modelos ocidentalizados e americanizados,
e uma maior consc iencialização e apetência por um esti lo japonês destinado a
consumidores japoneses. Poderão aparecer tendências nacionali stas noutros
lugares, incluindo no seio da UE é que a hegemonia burocrática da "União
Europeia" poderá parecer sufocante no final da década.
Devemos também contar com um reconhecimento supranacional de que o
consumo pelo consumo possa não ser a característica fundamenta l da liberdade.
A ética do consumo em espiral ver-se-á obrigada, tanto por razões naturais
como económicas, a procurar um compromisso. O design holístico deverá ter
um papel importante na redefinição do conceito de li berdade.
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COMO DUAS GOTAS DE AGUA
o impacte dos novos materiais
As novas tecnologias do final do século XX vêm estimular três alterações
culturais bem marcadas. Verifica-se a passagem de uma infra-estrutura pesada
para uma ligeira, por vezes até invisível. E regista-se ainda uma mudança mais
espantosa: a aproximação entre o que se parece com a Natureza e o que eviden
cia ter sido feito pelo Homem. Está também a dar os primeiros passos uma
terceira tendência, o abandono dos recursos não renováveis. Começam a inves
tigar-se materiais reutilizáveis, incluindo uma nova geração de plásticos na
indústria automóvel. Estas três tendências irão influenciar a natureza do design
enquanto estilo e tornar mais incisivo o debate sobre o modo como os designers
podem ajudar as pessoas a aceitar as novas tecnologias sem terem de disfarçar
o novo com uma roupagem do passado. Além disso, a ciência dos materiai s e
a tecnologia da informação apresentam-nos uma cultura em que as nossas
preferências se tornam mais complexas , menos materiais e mais espirituais, no
sentido secular. Shakespeare referiu-se-Ihe com uma metáfora perfeita: os
tempos modernos estão a tornar-se indistintos, como duas gotas de água.
Os valores do plástico
Uma caçarola de plástico contradiz a compreensão vulgar do que o plástico é
e de como se comporta: teme-se que derreta. Admitimos recipientes de cerâ
mica ou de metal empiricamente, porque sabemos que o metal é feito numa
fundição e que a cerâmica foi cozida numa estufa. Ambos os materiais
passaram o teste do fogo e são adequados para a preparação de alimentos. Mas
o plástico não. E, no entanto, a caçarola toda em plástico é viável, apesar de
não ser ainda uma necessidade.
O termo "plástico" é demasiado genérico para um designer; não é científico,
porque há plásticos diferentes que desempenham funções francamente dife-
rentes - estão agora a ser desenvolvidos plásticos de alta temperatura J para
o ambiente quente dos motores automóveis, enquanto para sacos de compras
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Telefonedanlvklrk 2 élite, desenhado por Henning Andreosen (Dinamarca). Édjfíôl imaginar um material mais indicado
do que o plástico paro um aparelho como o telefone. Em objectos cujo finalidade tem de ser evidente, não é necessório expressividade adicional.
se utilizam plásticos menos nobres. Mas para o leigo, a palavra "plástico"
transmite uma série de valores que podem estar cientificamente ultra
passados, mas que continuam a condicionar designers e fabricantes.
Através dos anos, o plástico foi entrando nas nossas vidas, como material de
substituição tem sido encarado como "fazendo as vezes" de materiais tradi
cionais, sobretudo metálicos. Os baldes de plástico substituíram os de zinco,
a canalização de plástico tomou o lugar dos tubos de cobre e, mais recente
mente, os plásticos substituíram o metal como principal material em chaleiras
e ferros de engomar.
Durante os anos 80, o plástico, sob a forma da (relativamente) nova fibra de
carbono e outros compósitos, começou a substituir algumas importantes estru
turas metálicas em aviões e automóveis. E, contudo, o plástico continua a não
ser bem-amado, permanecendo, apesar da sua omnipresença, um material
sem protagonismo ao contrário da pedra ou da madeira, do papel ou do aço.
Os consumidores podem não gostar do plástico ou nem sequer reparar nele;
mas, se fossem instados, acabariam por admitir, com toda a probabilidade, a
sua superioridade sobre outros materiais mais antigos. Um balde de plástico é
superior a um de zinco porque é mais leve, de utilização menos barulhenta e
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, Como Duos Gotas de Agua
mais duradouro, É difícil imaginar o moderno secador de cabelo noutro
material que não o plástico. O plástico tornou-se o material natural para uma
série de objectos: caixas de computador, calculadoras de bolso, rádios,
relógios, batedeiras, utensílios de cozinha e auxiliares como a película ade
rente e os sacos para alimentos.
A engenharia molecular envolvida na variedade de materiais genericamente
abrangidos pela designação "plástico" é extraordinária, mas tem menos
interesse para a maioria das pessoas inteligentes do que a engenharia visível
utili zada, por exemplo, pelo carpinteiro. A subtileza da tecnologia do plástico
situa-se sobretudo "abaixo da linha". No seu melhor, o artigo de plástico tem
um ar de engenharia cuidada e o mais distante possível do produto artesanal
que possamos imaginar. Mas, mesmo nesse caso, a forma de plástico tem um
ar inerte - não envelhece de maneira agradável e tem um toque que não é
quente nem frio. Se o polirmos podemos limpá-lo, mas não conseguiremos
aumentar-lhe o brilho polir plástico não é como tratar a superfície de
algumas pedras e madeiras; o plástico não beneficia com o polimento.
Há vários aspectos a considerar na nossa relação quotidiana, intelectual e
afectiva com os plásticos. Em primeiro lugar, a distância entre o processo de
produção de artigos de plástico e a nossa compreensão da maneira como as
coisas são feitas. Por exemplo, o leitor, pessoalmente, não pode fazer grande
coisa a um objecto de plástico não o pode voltar a moldar, esculpir-lhe a
superfície ou intervir nele. E, enquanto a maioria das pessoas faz uma ideia
ou tem algum conhecimento dado pela familiaridade do mobiliário de
madeira ou dos edifícios de pedra do que poderá ser esculpir pedra,
trabalhar madeira ou até moldar barro e cozê-lo, a imaginação dos leigos tem
grande dificuldade em brincar com o plástico.
Em segundo lugar, até o som do plástico é desinteressante: não ressoa, não
vibra é apenas um ruído seco. Os objectos de plástico são misteriosos na
sua perfeição.
Em terceiro lugar, a sensação táctil dos artigos de plástico é, geralmente,
pouco satisfatória o plástico é macio e morno ao toque e não tem o brilho
da porcelana ou do aço . No entanto, os designers de produto estão a
trabalhar se bem que raramente de forma imaginativa para aumentar
a variedade de sensações táctei s, geralmente por meio de entalhes, relevos ou
nervuras nas superfícies manuseadas pelo utilizador. Uma das estratégias mais
vulgares adoptada pelos designers que procuram conferir vida à superfície do
plástico é a de lhe dar um padrão frequentemente copiando materiais
naturais, como a madeira ou o mármore. Um truque que nem sempre funciona,
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• Como Duas Gotas de Agua
mas cujo emprego é lógico: sentimos frequentemente uma textura através do
olhar antes mesmo de lhe tocarmos (apesar da maioria dos des igners ainda não
ter enfrentado o desafio do design táctil).
Não obstante, o plástico tem-se saído bem no seu papel de material de subs
tituição, porque é possível fazer com que se pareça bastante com o material que
substitui. A maior parte das imitações são, de facto, bastante pobres, como se
o fabricante estivesse a esboçar um gesto em direcção à verosimilhança, em
vez de fazer um real esforço para a conseguir; mas, no seu melhor, o plástico
pode enganar muito bem. Existe uma variada gama de decorações de tecto
que noutros tempos teriam sido realizadas em madeira ou em gesso, mas
que são, na realidade, de plástico. A ilusão é tão bem fabricada que quase
se pode observar a porosidade do estuque.
O plástico pode assumir a aparência de outros materiais, mas não se lhe podem
dar (salvo algumas excepções e mercê de custos elevados) qualidades "rea is"
de textura, cheiro e lustro próprias da madeira ou do papel. O plástico é tão
incaracterístico que nos dá uma imagem de superficialidade e insipidez:
comida de plástico, pessoas de plástico.
Mas o plástico dos compósitos avançados tem grande cobertura na
imprensa embora ocasionalmente e por períodos curtos e entusiasma
toda a gente, mesmo os não-cienti stas. Os compósitos avançados são os
novíssimos materiais, a anos-luz do plástico do balde de cozinha.
Um material compósito é uma combinação de um ou mais materiais, ligados
entre si para aliarem as propriedades de ambos, podendo inclusivamente criar
propriedades compósi tas novas e únicas. O betão é um exemplo de compósito.
Na sua essência, os novos compós itos consistem em res inas poliméricas
misturadas com fibras de vários tipos como as de vidro ou de carbono. Cada
categoria de fibra possui as suas próprias características mecânicas. Assim, as
fibras de carbono são as mais rígidas e as de vidro as mais flexíveis. As fibras
utilizadas podem ser curtas (medindo cerca de 0,5 mm), longas (com
aproximadamente 12 mm) ou contínuas .
As características individuais dos compós itos resultam do que se passa inter
namente, porque, como refere Ezio Manzini no seu livro "A Matéria da
In venção" (1988)*, tudo depende da qualidade'das interfaces entre os compo
nentes e a matri z (por exemplo, uma resina polimérica). Há vários processos
de misturar fibras. Um dos mais eficazes é a técnica da pultrusão, em que as
fib ras são forçadas a atravessar uma câmara de resina para formarem fila
mentos de compós ito de extraord inária resistência, dependendo da natureza
das fibras utilizadas.
* Edição do Centro Português de Design, 1993.
Como Duas Gotas de Água
Os compósitos, tal como os plásticos reforçados, foram desenvolvidos duran
te as últimas três décadas devido ao facto dos governos europeus, norte
-americano e soviético terem entrado numa corrida aos armamentos; os av iões
militares tiveram de tornar-se mais rápidos e manobráveis e de passar a ter mais
"endurance". Exigia-se "baixa densidade (leveza), elevada resistência e
rigidez"2 Os militares queriam asas rígidas: a vibração das asas limita a
velocidade dos aparelhos. O professor J. E. Gordon, autor de "The New
Science ofStrong Materiais" (1976), dá-nos uma ideia clara da razão pela qual
os novos compósitos se tornaram uma área fundamental do ponto de vista
militar. O problema estava em que os materiais ex istentes utili zados na
aviação alumínio, titânio, madeira, aço e magnésio competiam num
plano mais ou menos equivalente. Uma estrutura de avião em qualquer desses
materiais acabava por ter o mesmo peso.
O coeficiente resistência-peso é vital em qualquer aeronave, mas a opção por
aviões mais rápidos ou maiores implicava necessariamente novos materiais. O
desenvolvimento de novos materiais para o design de motores aeronáuticos, no
intuito de tornar os aviões mais potentes para o seu peso, foi impulsionado
pelos fabricantes de armamento. Esta indústria, na generalidade tão esban
jadora, consegue terum design espantosamente económico em alguns dos seus
componentes. O coeficiente potência-peso dos motores de um avião F-IS é
da ordem de 8 para 1.
Um compósito reforçado com carbono, de alto desempenho, é, em tellllOS
de peso, cerca de seis vezes mais resistente que o aço. Estes com pó sitos são
muito leves (cerca de 40 % mais leves do que o alumínio); os polímeros
reforçados a fibra de vidro proporcionam isolamento eléctrico, enquanto
outros compósitos oferecem resistência química e são insensíveis às
correntes magnéticas 3.
As empresas comerciais não teriam desenvolvido estas tecnologias em toda a
sua actual diversidade, nem a uma tal velocidade. Tinha de haver um imperativo
de naturezaeconómica: forneceram-no os dinheiros públicos mobilizados pela
vontade política de investir em força no armamento.
O Dr. Neil Waterman4, perito em novos materiais, aponta dois factos a
designers , engenheiros e industriais. Em primeiro lugar, as pessoas não
resolvem inventar novos materiais à toa, pondo-os numa prateleira à espera
que alguém passe por eles e os utilize se lhe der para tanto. Os materiais são
concebidos para finalidades específicas, como por exemplo a indústria
aerospacial. Em segundo lugar, materiais estruturais novos quase nunca
estimulam se é que alguma vez o fazem o aparecimento de produtos
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, Como Duas Gotas de Agua
inteiramente novos, o que não é de admirar: a maior parte das coisas que
concebemos e construímos nunca funciona suficientemente bem, e a
investigação de materiai s tenta encontrar processos de tomar as máquinas
existentes mais duráveis e seguras.
Apesar de se ter já previsto um futuro radioso para estes materiais , e para nós
por tabela, no início da década de 80 os fabricantes começaram a preocupar
-se com algumas dificuldades técnicas. Parte da reacção contra as novas
tecnologias resulta do facto de alguns tipos de indústria estarem dirigidos para
uma laboração mais pesada e de muitos dos procedimentos produtivos serem
padronizados os plásticos são moldados, ao passo que o corpo dos aviões
e dos automóveis é rebitado, soldado e aparafusado, Além disso, pode dizer
-se que as linhas de produção são inflexíveis, essencialmente porque são
montadas para garantir um conjunto de resultados cuja qualidade pode ser
prevista ao pormenor. A produção fabril é o trabalhar a certeza (ver págs. 141
e 142). Consegui-la sai caro: é preciso tempo e dinheiro para montar as linhas
de produção, que não podem ser alteradas senão à custa de muito esforço. Até
há pouco tempo, havia ainda grandes dúvidas sobre a resistência ao impacte
dos materiais carbono-epóxicos, Na década de 70, o motor Rolls-Royce RB 211
tinha tido dificuldades com as hélices (desfaziam-se ao serem atingidas por
objectos em voo, como aves). A Rolls-Royce fa liu (renasceu e é hoje, de novo ,
um dos mais bem sucedidos construtores de motores avançados para aviões).
Em 1988, outras indústrias que se esperava adoptassem claramente os novos
materiais (como a indústria automóvel) tinham peritos que continuavam a
manifestar reservas quanto ao comportamento das novas estruturas face ao
impacte. Numa análi se pormenorizada sobre os plásticos e os automóveis 5, o
problema é apresentado nestes termos: "os sistemas metálicos absorvem a
energia do impacte, deformando-se de fonma gradual e controlada. Uma
estrutura compósita pode também reagir a uma grande quantidade de energia
estilhaçando-se, desde que o impacte seja longitudinal ou frontal. Mas os
choques podem vir de qualquer direcção embates laterais ou capotamento
dos veículos , situações em que se verifica uma tendência dos compósitos
para, ' muito simplesmente , se partirem ao meio "'.
Está a fazer -se muita investigação no campo das estruturas de aço e compósitos,
Também o alumínio, concorrente tradicional do aço, tem sido'desenvolvido
de novas maneiras para competir com os sofisticados compósitos de carbono,
boro e aramida. A Alcan desenvolveu uma estrutura de alumínio ligada por
colagem, posta à prova no Bertone X1/9, um carro de corrida. Os carros de
cOITida produtos de série limitada e, portanto, insensíveis ao preço -
Como Duas Gotas de Água
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A Alcon procurou competir com os novos compósilos de carbono, boro e aram ido, criando estruturas de alumínio unidos
por materiais adesivos. Estas novos estruturas estõo potentes no automóvel desportivo italiano Berlone X1/9.
podem adoptar tecnologias que os automóveis produzidos em grande escala
não poderão utilizar completamente até finais do sécu lo. Existe um automóvel
alemão, o Tresser-I Roadster 6, que consiste num corpo de vidro reforçado a
plástico assente sobre uma estrutura de alumínio extrudido alveolar.
As dificuldades associadas àresistência ao impacte serão ultrapassadas porque
o peso continuará a ser um factor impoltante nos aviões, automóveis, camionetas
e camiões. A nossa paixão de viajar com pouca bagagem está a forçar a
evolução a orientar-se do pesado e grande para o leve e pequeno ou para o leve
e muito potente.
Os anos 90 parecem destinados a uma crescente utilização de técnicas de
construção e de materiais avançados. Uma das evoluções mais interessantes na
Europa foi o Airbus A31O-300 ter recebido uma cauda de fibra de carbono •
reforçada com epoxy e aramida gofrada. E 20 % mais leve do que a metálica,
o que se traduz numa poupança de combustível de 2 a 3000 litros por ano.
Os compósitos são caros. Thomas H. Maugh lI, divu lgador de assuntos
científicos, explicou, num artigo do "Los Angeles Times", que o alumínio
custa entre 4 e 6 dólares EUA por quilo, enquanto o preço dos compósitos hoje
utilizados nos aviões é de 50 a 80 dólares. Mas conseguem-se algumas
poupanças reduzindo as necessidades de mão-de-obra especializada e até
eliminando trabalho. Nas palavras de Maugh: "Se uma peça complicada tiver
que ser feita em alumínio, precisa de muita mão-de-obra e provoca muito
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, Como Duos Golas de Agua
desperdício. Além disso, uma tal peça pode associar I 000 elementos diferentes,
incluindo parafusos, porcas, anilhas, rebites, etc.". Ora, a moldagem com
compósitos consegue uma redução de 75 % nas peças.
Na década de 90, é provável que a fibra aramídica, cinco vezes mais forte do
que o aço, mas mais leve, mais flexíve l e mais res istente ao fogo , venha a
impor-se. Diz-se que estará para a indústria dos anos 90 como o nylon esteve
para a dos anos 50. A aramida resulta de uma fibra de base petroquímica,
sintetizada a partir de cloro e de hidrogénio para produzir um polímero que é
di ssolvido em ácido sulfúrico e bobinado em minúsculos filamentos com a
espessura de 20 mícron. Os filamentos são então fiados ou transformados em
pasta para plástico 7
A revolução da supercondutividade
Os plásticos reforçados avançados são uma das mais recentes inovações
tecnológicas; outra causa de entusiasmo na indústri a é a superconduti vidade,
que terá grande impacte no design de computadores. A sua história começa na
electrónica, prossegue em direcção à fotónica e pode acabar na biologia.
Fazer coisas com electric idade significa construir a aparelhagem que controla
o fluxo de electrões num ci rcuito. As resistências filtram-nos, os condensadores
armazenam-nos e os comutadores alteram-lhes o caminho. As máquinas rápi
das precisam de comutadores rápidos. Os primeiros computadores precisavam
de centenas de válvulas e de grandes quantidades de material condutor, como
o cobre, As máquinas eram grandes e pesadas . E, como se sabe, a libertação
do peso e da lentidão deu-se com a adopção do si lício como material de
substitu ição do fio condutor.
O silício funciona nOllllalmente como isolador, mas, acrescentando-lhe outros
materiai s, consegue-se fazer com que os electrões se movam com mais liber
dade. Ao acto de lhe ad icionar outros ingredientes chama-se dopar ou drogar
o silício. As linhas de silício ass im modificado podem ser impressas em finas
plaq uetas de silício não dopado, formando circuitos semelhantes aos eléctricos.
E nos locais onde porções de silício com diferentes modificações se ligam
numa junção é poss ível fazer um comutador mais rápido do que um , .
mecalllco.
Daqui se partiu para o desenvolvimento dos transístores, que eram di spostos
sobre pedaços iso lados ou finas placas de silício , segundo sequências lógicas.
Associados a pequenas quantidades de outros materiais que funcionavam
, Como Duas Gotas de Agua
como resistências ou condensadores, proporcionavam uma pequena placa
de circuitos. O design de computadores pôde, assim, ser desenvolvido, já que
os computadores dependem de cadeias de comutadores muito complexas.
Outra coisa mudou também: o design deixou de se centrar em componentes
isolados, passando a ser aplicado a unidades e submontagens. A natureza de
vários produtos alterou-se imediatamente - sobretudo do ponto de vista do
consumidor. Quando um rádio transi storizado ou uma aparelhagem este
reofónica vai a arranjar, já não se põe a hipótese de que a peça defeituosa seja
trocada por outra igual, passando a substituir-se uma secção, uma submon
tagem ou mesmo o aparelho completo. Os consumidores começaram a
habituar-se à noção de que "não vale a pena mandar arranjar isto; é mais barato
comprar um novo rádio/ferro/aspirador". A sociedade do " usar e deitar fora"
teve algumas das suas raízes no design "abaixo da linha". A engenharia
modular, que está subjacente a esta noção, foi o resultado do tipo de abordagem
à produção surgido nos anos 50.
Desde então, os componentes e as submontagens não cessaram de se tomar
mais pequenos, mais potentes e mais rápidos. As "coisas", incluindo os
electrões, andam tanto mais depressa quanto menor for a resistência. Em 1911,
tinha-se descoberto que, arrefecendo alguns metais quase até ao zero absoluto,
eles se tomavam condutores quase perfeitos. Os custos da refrigeração e da
aparelhagem necessária para o efeito são enolllles, mas alguns cientistas crêem
que os supercondutores funcionando à temperatura ambiente serão uma
realidade num futuro não muito distante.
O primeiro dispositivo a ser fabricado com novos supercondutores de alta tem
peratura (o teImo "alta" é relativo) surgiu nos finai s de 1988, fruto da colabo
ração entre a Un iversidade de Birmingham, no Reino Unido, e a Imperial
Chemical Industries (ICI). Consiste numa antena de rádio de micro-ondas que
transforma, de modo absolutamente eficaz, toda a energia que recebe.
A supercondutividade util iza-se sobretudo na microelectrónica e na infOlIl.ática;
é uma das chaves para fazer com que os computadores funcionem mais
depressa. Mais espectacular ainda é o seu papel nos comboios com levitação
electromagnética os que flutuam sobre os carris e os automóveis
eléctricos. Os supercondutores desempenham também um papel importante
em centrais eléctricas, equipamento médico e satélites. A supercondutividade
é uma pedra filosofai da tecnologia.
Mas porque a velocidade é, por excelência, o fim a atingir, até os electrões são
lentos de mais, razão por que se volta a atenção também para os fotões, porta
dores de luz. Os fotões podem ser enviados através de lasers e alguns estrategas
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Como Duas Gotas de Água
são de opinião que a fotónica usurpará o lugar da electrónica em muitas áreas.
A tecnologia "abaixo da linha" ficará, pois, ai nda mais distante da capacidade
de compreensão dos leigos .
As limitações da carne
A combinação da ciência e da tecnologia alterou a nossa percepção do que são
os materiais e do que o design e a engenharia podem alcançar. Um dos
pontos mais controversos no alargamento do âmbito da ciência e do design tem
sido a passagem dos materiai s "mortos" para entes com sentir. Os bioquímicos
não têm ficado atrás dos físicos e químicos industriais na abertura de novas
perspectivas no design dos novos materiais. Os bioquímicos poderão, por
exemplo, sonhar em cultivar computadores em vez de os montar.
As potencialidades da engenharia genética poderão ter um grande impacte na
cultura do designo Se ela atingisse a sofisticação da engenharia informática e
do design de software, modificaria a nossa relação com o Mundo natural de um
modo mais abrangente, mais rápido e ainda mais profundo do que a alteração
· . já produzida pelo computador e pelo satélite nas nossas relações geográficas . .... . _---68 Há uma marcada distinção, ditada pelo bom senso e pela evidência, entre
construir coisas e cultivá-las. A relação entre o ser humano e o "mundo" que
associamos a termos como "construção" e "engenharia" é diferente da que nos
é sugerida por "cultivar" e "tratar". A engenharia genética faz conflu ir as duas
categorias; reúne dois temas distintos na evolução da cultura ocidental.
Neste caso, o ritmo é dado pelos imperativos económicos da agro-indústria e
não pela vontade política de quem tutela o aJlllamento. Há um componente
"acima da linha" e outro "abaixo da linha" no "design" de animais. Criamos
gatos pela sua beleza; criamos animais domésticos não pelas suas linhas, mas
pela sua carne. Ambas as categorias são também criadas para render dinheiro. ,
E teoricamente possível identificar e em seguida remover genes para alterar
patas e asas, permitindo assim fazer um "design" dos animais que os torne mais
efi cazes produtores de alimentos.
Há quem se perturbe com a crueldade dos modernos processos de exploração
animal, mas a maioria dos consumidores desconhece-os, porque a maior parte
do design neste campo se faz já "abaixo da linha" temos uma percepção
muito limitada do processo que transforma um ser magnífico, como um vitelo, ,
em carcaça. E provável que, com o emprego da engenharia genética, a
produção de carne venha a ser ainda mais escondida, porque a alternativa
, Como Duas Gotas de Agua
seria prejudicial para as vendas. Os desenvolvimentos actuai s neste campo
são francamente reprováveis como, por exemplo, a produção de porcos
com mais carne e menos gorda, obtida pelo Departamento de Agricultura dos
Estados Unidos a partir de animais coxos e artríticos. Um porco assim produ
zido é, de certo modo, um material compósito, já que se trata de uma criação
transgenética em que entram hormonas de crescimento humanas e porcinas.
E o Homem criou a máquina
Já em 1929 o cientista J. D. Bernal antevia uma possível síntese da física e da
genética no seu livro "The World, The FleshandThe Devi!". Bernal previu que
o corpo acabaria por ser dispensado, que os cérebros das pessoas seriam liga
dos entre si através de máquinas, eludindo a morte com esta acção colectiva.
Um tal futuro parece bizarro e repugnante; mas, se não nos parece bem inter
ferinllos na espécie humana, transformámos tudo o resto a níveis tais que
começa a esfumar-se a distinção entre "natural" e " não-natural". Isto é sobre
tudo verdade na paisagem que, em alguns países, tem sido inteiramente forjada
para satisfazer os nossos desejos .
Nos Países Baixos e em Inglaterra, por exemplo, o atenuar da distinção entre
natural e artificial foi particularmente marcante. As alterações efectuadas nos
Países Baixos desde o século XVII, procurando ganhar terreno ao mar, e em
Inglaterra, com as "Enclosure Acts" (legislação sobre baldios, da década de
1790, que pellllitia murar terrenos baldios para uso individual) , contribuíram
para a criação de uma paisagem artificial. No século XVIII, a aristocracia
inglesa alterou a paisagem para estar em sintonia com detellllinadas visões , .
utoplcas.
Apesar disso, os holandeses e os ingleses estão habituados a uma clara
distinção entre o imaginário artificial e natural no seu trabalho - têm sabido
ver a diferença existente entre um homem, uma mulher, uma criança e uma
máquina. Apesar dos instrumentos mecânicos surgidos na física newtoniana e
nas fundições do século XIX terem um paralelismo com a Natureza
podemos ver o corpo humano como um sistema de alavancas e pistões , a
discreta identidade do Homem em contraponto à máquina nunca foi objecto
de confusão. Até agora.
Em "A Matéria da Tnvenção", de Ezio Manzini, há uma pequena fotografia a ,
preto e branco de uma biela 8 E feita de material compósito de fibras orien-,
tadas. E, simultaneamente, forte e leve. Não se parece com um instrumento
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• Como Duas Gotas de Agua
mecânico do século XIX, fazendo antes lembrarum membro humano, reduzido
aos músculos, à maneira de um desenho de Vesalius, anatomista do século
XVI. O facto de podermos fazer coisas não só leves e fortes, mas também tão
à nossa imagem a ponto de serem quase inteligentes, é uma forma de feitiçaria .
Claro que sem falar de materiais compósitos e bielas musculadas
existem outros problemas relacionados com a distinção entre Homem e
máquina. Nos séculos XVIII e XIX, muitos homens, mulheres e crianças eram
postos a trabalhar como máquinas - um dado importante, porq~e o real ou
irreal, natural ou artificial, é em certa medida determinado pelo modo como o
encaramos. E o modo como olhamos para as coisas, os preconceitos que temos
em relação a elas são, ev identemente, um tema-chave para os designers que
procuram estabelecer pontes entre uma tecnologia intrigante ou ameaçadora
e uma enorme variedade de consumidores idiossincráticos.
Veja-se o caso de um braço robotizado, controlado por computador, a colocar
componentes electrónicos numa placa de circuitos; cada componente tem
uma centena de pequenos pinos que devem ser encaixados em cem peque
nos orifícios. Os orifícios e os pinos têm de ser alinhados e não faria obvia
mente sentido que o braço insistisse em esmagar, às cegas, o componente
sobre a placa; o braço está equipado com sensores que o fazem pausar, ajustar
a posição e tentar de novo passando a outra placa se, após a terceira
tentativa, continuar a haver uma fa lha na correspondência entre orifícios e
pinos. A concepção do software que contém as instruções do braço robo
tizado é, sem dúvida, um triunfo do design; mas aquilo que é espantoso, em
teIII10S emocionais, é ver o braço a fazer uma pausa e, aparentemente, a
deliberar. Estamos a olhar para uma máquina a que podemos atribuir um
vislumbre de comportamento humano.
Na nossa cultura material, as relações animal/máquina e máquina/ser humano
são reveladoras da nossa relação com o que criamos. A distinção máquina/
/Homem tem serv ido notavelmente os nossos objectivos materiais e é uma das
razões que têm apoiado a nossa tendência para despromover os animais,
equiparando-os a máquinas, passo necessário para que eles se tornem instru
mentos e não agentes. E o desenvolvimento das máquinas tem servido ainda
melhor os nossos objectivos porque, claro, as máquinas não têm sentimentos.
Não se pode violentar uma máquina a não ser em teIlllOS puramente materiais.
Mas, gradualmente, o mundo natural e hierárquico da nossa cultura material
está a mudar. As categorias estão a ser elididas por enquanto ainda não
de modo a causar uma revolução cultural profunda, mas o suficiente para
provocar algumas confusões.
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Nos relações entre pessoas e animais, o facto de maior fXlr1e dos elos entre nós e os restantes espécies estar hoje extinta , lerM1Qs poupado o uma série de prur idos éticos.
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Como Duas Gotas de Água
Seja-me permitida uma analogia, socorrendo-me do ponto de vista de Richard
Dawkins, zoólogo e autor de "The Selfish Gene" (1976) e de "The Blind
Walchmaker" (1986) 9. Segundo ele, no que respeita à relação entre pessoas
e animais, o facto da maior parte dos elos entre nós e as restantes espécies estar
hoje extinta tem-nos poupado a lima série de pruridos éticos. Diz ele que o
último antepassado comum a homens e chimpanzés desapareceu há 5 milhões
de anos. Apesar di sso, partilhamos cerca de 99 % dos nossos genes com os
ch impanzés. Dawkins conjectu ra: "Se, em várias ilhas esquecidas do M undo,
fossem descobertos sobreviventes de todos os elos entre o antepassado comum
ao homem e ao chimpanzé, quem duvida que as nossas leis e convenções
morais seriam profundamente afectadas ... ? Duas situações poderiam verificar
-se: teria de atribuir-se a todos esses seres a gama completa dos direitos
humanos (direi to de voto para chimpanzés) ou teria de se estabelecer um
complexo sistema tipo apartheid de leis discriminatórias".
A relação entre os seres humanos e a Natureza, sobretudo nas culturas cristãs,
tem ditado a separação do mundo material. Tem-nos aj udado bastante o facto
de os únicos outros seres com sentir os animais estarem suficientemente
distantes de nós para os podermos incluir numa única categoria que abrange
também o resto do Mundo. Quando nos sentimos sós, inventámos Deus.
Temos tido uma auto-identidade muito clara. Lembremo-nos de que os
cristãos fizeram Deus à imagem do Homem. Esta auto-identidade foi reforçada
pelas coisas que fizemos e criámos. Fazemos ferramentas, desenhamos orna
mentos e criamos uma civilização materi al. Mas, mesmo quando criámos as
mais sublimes esculturas de nós próprios ou de outros aspectos do Mundo,
nunca houve o perigo de ficarmos confundidos com o que tínhamos forjado.
Era para nós ainda muito clara a distinção entre o "natural" e aquilo que era
feito pelo Homem.
Hoje em dia, porém, tudo no mundo material está a cair sob a alçada do nosso
desígnio estamos a começar a fazer o redesign de criaturas e também a
conceber computadores que poderão conduzir à possibilidade de um design da
inteligência. Os elos de que fala Dawkins estão a ser construídos por nós
próprios. Com efeito, é possível que os engenheiros genéticos façam dos
chimpanzés "ferramentas" inteligentes.
O desenvolvimento de máquinas inteligentes e úteis depende da inves
tigação numa centena de áreas diferentes. Para que as máquinas se tornem
mais flexívei s no espaço de trabalho, terão de tornar-se também mais
sociáveis não deverão atropelar as pessoas nem danificar outras máquinas
dispendiosas. Tais capacidades são o mínimo que se pode ex igir a qualquer
, Como Duas Golas de Agua
máquina à qual seja permitido deambular num espaço tridimensional.
Para dar a qualquer máquina (ou pessoa) este tipo de aptidão social são
necessárias regras de comportamento; a máquina/pessoa tem que as conhecer
e ser capaz de reconhecer quais as que se aplicam a cada situação. Saber quando
se podem quebrar as regras é uma actividade sofisticada e um pouco inteligente
de mais para estar ao alcance das máquinas contemporâneas. Para se ser social
é necessário ter também um sentir físico: saber como não esbarrar nas pessoas
implica determinar-lhes a posição e avaliar a rota de colisão. Existe uma série
de sensores para o efeito, mas para que as máquinas e os seres humanos possam
tocar-se com um certo grau de "inteligência" de parte a parte, as máquinas têm
que ter "braços" ou "mãos" possuidores de uma certa agilidade "mental" . Para
dar resposta a esta necessidade de fazer máquinas com algum grau de
flexibilidade sensorial, têm-se feito muitos progressos no desenvolvimento
de "materiais inteligentes".
E, assim, as acções "mecânicas" começam a parecer-se cada vez mais com as
de carne e osso. Por exemplo, uma liga feita de níquel e titânio é capaz de
memorizar formas: dobrar-se-á, assumindo uma forma particular, ao ser- lhe
aplicada uma corrente eléctrica, regressando ao seu fOI mato original quando
a corrente é desligada 10. O que é muito útil para dedos articulados.
Há, evidentemente, vários tipos de mobilidade. Myles Harris fala da sua
surpresa I I quando, tendo feito notar ao director do Instituto Turing que grande
parte dos mais potentes computadores nem por isso tinha grande mobilidade,
este respondeu: "Claro que têm. Podem ligar o número de telefone uns dos
outros muito mais depressa do que você se pode deslocar de um lado para o
outro". Esta resposta deu que pensar a Harris, que chegou à conclusão de que
a Terra tem actualmente um novo cérebro, cujos nervos são cabos de fibra
óptica e cujas células são satélites e antenas parabólicas. Estas divagações
poderiam ser postas de parte como devaneios antropomórficos não fora o
facto de os próprios peritos informáticos falarem da sua especialidade em
termos antropomórficos.
O grau segundo o qual os académicos de disciplinas científicas ou tecno
lógicas se permitem discutir tecnologia em termos antropomórficos varia de
acordo com a atmosfera psicológica da discussão. Por exemplo, quando se
utilizam animais na investigação, a atitude normal é negar a ex istência, nos
animais, de quaisquer qualidades humanas. Assim, "não sentem dor como
nós", Hnão pensam como nós", "não podem ter prazer como nós" e "os animais
são incapazes de ter emoções como as nossas". Isto protege o experimentador
humano (o agricultor, o consumidor de produtos baseados em animais ou
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testados utilizando animais, ... ). Não há lugar a má consciência porque o sujeito
foi transformado num objecto, através da eliminação do antropomorfismo a
favor de um "mecanomorfismo" (ou seja lá o que for que encontremos para
chamar ao oposto de antropomorfismo).
Estamos, no entanto, provavelmente mais empenhados em impedir que sejam
atribuídos sentimentos humanos às máquinas. E, contudo, é tal a distância já
percorrida que as metáforas de que necessitamos na nossa linguagem para
descrever o que está a acontecer na tecnologia moderna são geradas com base
no corpo humano. E é tal a indefinição entre "natural" e "criação do Homem"
que somos obrigados a tratar o novo "cérebro" da Terra quase literalmente
como se fora outro organismo susceptível de apanhar infecções. Veja-se
o exemplo do software de computador. Um extraordinário artigo, publicado
na revista norte-americana Science, tinha por título e subtítulo o seguinte:
"A praga dos vírus informáticos Bugs de software concebidos para se
reproduzirem nos sistemas podem criar o caos; é urgente protecção para
dados militares. Haverá vacina?" O artigo fala da rede informática como de
um corpo; descreve o "vírus" de computador como se fosse um vírus real.
Declara que um vírus informático é um programa que infecta outros,
modificando-os de maneira a que incluam uma versão de si próprio. "Como os
vírus autênticos, estes são portadores de um código genético, gravado, neste
caso, em linguagem-máquina. O código indica ao sistema anfitrião para inserir
o vírus no seu sistema lógico principal. Depois de instalado, o vírus infecta
silenciosamente todos os programas que consegue alcançar". O artigo apresen
ta, com naturalidade, as nefastas consequências das doenças informáticas que
poderão levar em última análi se ao ataque dos computadores de um
país pelos de outro. Alguns meses depois deste artigo ter sido publicado, no
início de 1988, o conceito de vírus informático tinha-se tornado realidade e é
presentemente considerado um problema importante.
A infra-estrutura incorpórea
As redes informáticas, as bases de dados e os sistemas em geral proporcionam
uma nova infra-estrutura oculta, a mais recente num século que viu surgir uma
série de novos sistemas. Os primeiros foram os esgotos subterrâneos e o
caminho-de-ferro, depois a electricidade, a rádio, a televisão e os computa
dores ligados em rede.
A passagem para uma infra-estrutura ligeira, quase incorpórea, está associada
, Como Duas Gotas de Agua
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A orle do desenho industrial atingiu a sue apoteose em meados do século XIX: o celebração poético da máquina ere
o maneiro do modernismo celebrar o progresso.
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Nestas três imagens, percorremos diversos tipos de materiais e de construção. O sofá de alumínio e poliuretono, produto de alto tecnologia , desenhado por Jean Nouvel (0 0 lodo. em baixo), e a cadeira de plástico avançado de
f(orlelJ (nesta página) procuram, através do design, ultrapassar o natureza pouco simpático dos materiais de que são
compostos. A cadeira mexicano de inspiração tradicionol (00 Iodo, em cimo!, por outro Iodo, nõo é completamente
satisfatório, porque evidencio o seu método de fabrico e o suo estético anti-industrial de modo olgo excessivo.
à informatização e ao desenvolvimento de materiais leves, De facto, os efeitos
deste novo posicionamento face ao incorpóreo são já consideráveis na cultura
ocidental, A um nível relativamente generalizado, ass istimos a uma modi
ficação de atitudes, em que o leve já não implica necessariamente falta de
qualidade, Trata-se de uma alteração cultural de peso.
A cultura ocidental, em especial a europeia, fortaleceu-se país a país, século a
século, por meio de uma acumulação de massa 12, Massa e peso alcançaram a
sua apoteose, quer como realidade irrefutável quer como metáfora; nos finais
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do século XIX e princípios do XX os materiais mais importantes eram o
ferro e o aço, J. E. Gordon, no seu "The NewScience ofStrong Materiais", dá
-nos uma visão rápida do poder metafórico do metal "pesado" e da indústria
"pesada" ao fazer-nos recordar que José Dzhugashvili mudou o seu nome para
Estaline, que quer dizer "firme" ou "rígido" e está associado ao ferro. Estaline
tiranizou o seu povo de modo a fazer da URSS um império produtor de ferro
ede aço. Nikita Khrushchev , seu sucessor, ficou verdadeiramente entusiasmado,
durante a sua visita aos EUA, quando passou por Nova Jérsia a confusão
de fumo, instalações fabris, ferro e aço excitaram a sua sede de poder.
Gordon sugere que as pessoas são mais felizes a trabalhar a madeira do que o
metal e que as instalações de metalurgia pesada são lugares tradicionalmente
lúgubres, onde se aliam poder e política. "Ex iste", di z Gordon, " um real funda
mento para a tese de que o aço é uma espécie de agente de uma opressão
industrial sem rosto, o fluido vital de fábricas satânicas . As metalúrg icas
são realmente lugares insuportáveis". O desaparecimento das fundições dos
Estados Unidos e da Europa não é, seguramente, causa de desgosto: o que
aflige as pessoas é a perda de postos de trabalho e o consequente desperdício
de inteligência e aptidões o que é um assunto muito diferente.
A mensagem do metal, a metáfora do metal, não é uniforme o ouro, a prata
e o estanho têm passado e qualidade, enquanto o utilíssimo alumínio, por causa
da sua leveza, é menos dominador do que o ferro ou o aço. Mas, se segu irmos
o raciocínio de Gordon e nos debruçarmos sobre o panorama doméstico, é
interessante notarmos que, enquanto no mobiliário se aceita a madeira pesada,
o mesmo não sucede com o metal pesado excepto no jardim. Mesmo as
construções de metais leves não têm tido um grande impacto no lar, excepto
talvez na cozinha. A frieza e o carácter inerte do metal têm-no tornado menos
aceitável para o gosto doméstico do que a madeira.
O peso é associado a opressão: o passado é pesado, o futuro é leve. Mas peso
é também segurança. A relutância manifestada pelas grandes instituições,
como os bancos e as câmaras municipais, em prescindir das suas imponentes
fachadas e entradas prende-se com a necessidade de transmitir uma imagem
de confiança. Os bancos começam agora a libertar-se de alguma da sua
pompa e de certas manifestações exteriores de segurança; mas esta mudança
só é possível devido à sofisticação de cofres electrónicos, câmaras de vídeo
e alarmes inteligentes .
Página 00 lodo: Esta criaçõo de Eva Jiricno (Colecção Zeev Aram) sugere o estético do suporte de garrafas, lÕo 00
goslo de IYV:lrcel Duchomp iver capítulo 4].
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, Como Duas Gotas de Agua
Num sentido mais lato, estamos a habituar-nos à ciência do incorpóreo do
mesmo modo insidioso com que nos acostumámos à teoria da evolução ou
da ainda mais antiga Revolução Copérnica. Os rumores que nos chegam
das histórias contadas pelos físicos podem ter contribuído de algum modo para
esta situação, sobretudo agora que os escritores Saul Bellow, Ian McEwan,
Tom Stoppard e John Updike 13 começaram a estabelecer ligações entre nós
e a nova ciência, As certezas, se não foram exactamente destruídas, tornaram
-se pelo menos mais diáfanas, de contornos mais difícei s de fixar. O panorama
da física das pequenas partículas revelou-se uma vanguarda muito mais
interessante do que, por exemplo, aquela que os surrealistas apresentaram, no
princípio do século.
Na peça de Tom Stoppard "Hapgood" (1988), somos levados a pensar no
electrão não como um daqueles modelos ordenados, racionais, feitos com uma
espécie de bolas de bilhar, mas antes como borboletas esvoaçando na cúpula
de uma catedral. E os indivíduos modernos são, de algum modo, por via da
tecnologia, dos novos materiais, da antiga arte e da sua irrequietude mental e
física, como a visão que Stoppard dá do electrão: fugidios.
Esta nova "leveza" no contacto, esta mobilidade trouxe-nos prazeres tangíveis .
Um indivíduo moderno pode viajar a 100, 1000 ou 1700 km por hora no
Concorde, ouvindo Mozart e sonhando. Ou pode passear pelas ruas , ouvindo
Wagner ou música rock, Tudo isto nos é trazido pela ciência dos materiais; a
música descartável, instantânea, portátil , está sempre presente entre nós e o
Mundo. O walkman da Sony permite-nos deambular entre a arquitectura
metafísica da música, mantendo simultaneamente alguma presença física
numa actividade corpórea, como andar, guiar um carro ou moldar barro.
A facilidade de uso e a leveza da nova tecnologia são potencialmente
subversivas da ordem social, bem como da democracia. Por exemplo, é difícil
imaginar que uma sociedade moderna, e funcionando com esse símbolo da
modernidade que é a informação, negue aos seus cidadãos a posse de micro
computadores, modems, telemóveis e telecopiadores. Mas estes instrumentos
são um anátema para os países autoritários, porque são difíceis de controlar.
Tal como a obra impressa, a nova tecnologia subverte a autoridade. Por outro
lado, assistimos à utili zação das novas tecnologias por aqueles que dominam
e talvez o desenvolvimento mais questionável seja a vigilância electrónica de
prisioneiros. As consequências morais e políticas da cultura do leve tornar-se
-ão cada vez mais ricas e empolgantes à medida que o século avança,
,
4
• O PANORAMA DOMESTICO ACTUAL
o design e o ar
Do ponto de vi sta doméstico, a cultura moderna deveria parecer-se com uma
pirâmide invertida. Os inúmeros aparelhos produzidos pelas mega-indústrias
giram em torno da casa. No entanto, é provável que a maioria dos consumidores
apenas faça uma ideia reduzida do ponto até onde a nossa sociedade teve de ir
para nos proporcionar mais conforto. Alguns melhoramentos o fornecimento
de um sistema de saneamento adequado, por exemplo - devem-se a pessoas
com visão que reconheceram a necess idade imperiosa de dotar a sociedade de
infra-estruturas comuns, em prol do bem comum. Outras comodidades meno
res, como as batatas fritas em palitos prontas a ir ao fomo, provocam mais
estranheza.
Aquilo que o consumidor ignora é a di versidade dos processos necessários
para obter a tal batata frita para ir ao fomo. Se pegarlllos numa batata frita e
pensarmos de onde veio , temos uma perspectiva extraordinária. Uma simples
passagem em revista do percurso da batata, da fábrica até ao supermercado,
revela-nos o seguinte :
1 a existência de uma indústria energética para apoiar o fabricante;
2 uma indústria petroq uímica para produzir os agentes de refrigeração;
3 uma indústria de polímeros para produzir a embalagem;
4 um conjunto de designers gráficos e consultores de publicidade para ajudar
a vender o produto acabado.
E isto ignorando a fase anterior ao fabrico , durante a qual os cientistas, após
aturados esforços, descobriram como resolver o problema de produzir palitos
de batata que pudessem passar do estado de congelação para um forno quente
sem ficarem incomestívei s. A própria batata terá sido cultivada numa
estação agronómica e protegida do pulgão da batata e de outras moléstias
pelos cuidados de uma indústria agroquímica.
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o Panorama Doméstico Actual
Num certo sentido, esta perspectiva 1 é falsa: as indústrias energética, química,
petrolífera, as transportadoras e o comércio retalhista não foram criados propo
sitadamente para obter um produto tão insignificante . Pelo contrário, a sua
existência e contínuo desenvol vimento permite o constante aparecimento de
uma grande variedade de soluções cómodas, como a do nosso exemplo. No en
tanto, estes novos pequenos nadas, ao aumentarem a escolha e a liberdade do
consumidor. estão também a contribuir para a diminuição dos recursos da Ter
ra e consequente espoliação do planeta. Claro que isto não é razão para impli
carmos com as batatas fritas. Saindo da cena doméstica, temos as indústrias da
Defesa, que constituem um exemplo mais alarmante, perdulário e inconcebível.
Que o consumidor médio "inteligente" não estabeleça a ligação entre as
realidades da produção "abaixo da linha" e as comodidades domésticas
"acima da linha" não é surpreendente. O mundo do consumo tem-nos sido
vendido como simpático e criativo; o mundo da produção, mais duro,
competitivo e, em alguns aspectos, mais destrutivo, tem sido disfarçado; não
costuma sentar-se à mesa connosco.
Apesar disso, os homens que criaram as batatas fritas prontas a ir ao forno
devem tê-las levado muito a sério; as batatas fritas foram objecto de design,
foram uma realização tecnológica, a sua promoção e quota de mercado foram
motivo de satisfação ou preocupações, de promoção ou despromoção de gente.
Durante um tempo, foram o uni verso criativo das vidas de algumas pessoas;
para muitas outras, a sua produção foi o ganha-pão. Talvez seja bom não nos
determos excessivamente na procura da razão de ser de um determinado
produto; será melhor aceitar, por agora, que a produção e o consumo não têm
uma finalidade, que são um fim em si mesmos.
A razão mais positiva que podemos dar a nós próprios à laia de explicação do
aparente absurdo do nosso gigantismo e excesso tecnológicos é também a mais
óbvia: tentamos, em cada momento, moldar o Mundo para dar satisfação aos
nossos prazeres, removendo, tão completamente quanto possível, as possibili
dades do Mundo nos causar danos. Ao mesmo tempo, vamos procurando, se
não a redenção individual, pelo menos a alienação, distraindo-nos a fazer e
vender e a fazer ainda mais incessantemente, sem outro objectivo. A
proliferação exponencial da trivialidade é, provavelmente, um inevitável
subproduto da necessidade que temos de nos mantermos ocupados.
Neste capítulo, pretende-se explorar a relação entre o consumidor e os objectos
domésticos vulgares . Uma segunda parte trata especificamente da moda de
comerciali zar o design através da utilização de metáforas, em voga no final
dos anos 80.
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Instrumentos que prolongam o corpo humano
Temos em nossas casas uma variedade de instrumentos engenhosos com os
quais podemos cozer, aquecer, cortar, perfurar. O mundo material molda-se
sob os nossos dedos, nas bancadas da cozinha e da bricolagem. As ferramentas
são intellllediários entre a nossa imaginação e o mundo físico; as novas
Ferramentas são um símbolo da nossa capacidade de imaginar uma transfor
mação e em seguida actuar em função dessa imaginação.
Os dispositivos de comando à distância são particul armente divertidos,
proporcionando-nos um poder semelhante ao do mago Merlim. As portas
automáticas abrem-se à nossa frente, sem precisarmos de levantar um braço,
com o ar de quem divide águas. Há um componente de diversão na pressão de
um controlo remoto, percorrendo canais de televisão, ou piscando um olho
mágico ao automóvel para que ele tranque ou destranque as portas. Durante
um ou dois segundos, poderia sentir-se prazer em premir o botão decisivo e
ver, na televisão, o M undo a ir pelos ares.
A finalidade do comando à distância é poupar esforço fís ico e tempo. Haverá
com certeza uma razão qualquer por detrás do facto de ter sido a televisão, o
gravador de vídeo, o automóvel e a porta da garagem a serem tocados por essa
mag ia, enquanto a chaleira e o fogão e léctricos, as máquinas de lavar loiça e
roupa continuam à espera de cair nas boas graças de Merlim. Esta pequena falta
poderia explicar-se pelo facto de tai s máquinas precisarem de ser carregadas,
sendo portanto a ad ição de um comando um bónus relativamente menor, donde
de produção antieconómica (aliás, empresas como a Philips e a Sharp estão a
tentar integrar estas funções numa casa " inteligente").
E ass im, enquanto não chegarmos à conclusão de que o tempo de qualquer
mulher é tão valioso como o de qualquer homem, é pouco provável que
os dispositivos de comando à distância desperdício económico e
ecológico tenham uma presença preponderante na cozinha.
O engenho utilizado para nos pouparmos ao esforço de desligar manualmente
o televisor é um desperdício decadente de recursos, só descu lpável porque os
controlos remotos beneficiam os idosos e os deficientes (sendo que, em
qualquer caso, não é a pensar em mãos artríticas ou trémulas que eles são
desenhados).
Contudo , há muitas invenções que merecem aplauso. Esquecemo-nos frequen
temente da grande contribuição do design industrial na produção de coisas que
funcionam bem e do nível de êx ito das culturas tecnológ icas na redução do
sofrimento físico e mental associado ao trabalho árduo. O contributo do design
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o Panorama Doméstico Actual
para a eliminação do trabalho pesado é uma das suas virtudes fundamentais. , E este serviço, tanto prático como moral , que dá conteúdo e valor ao trabalho
de um designer, ou, mais exactamente, do designer que acompanha a par e
passo a tecnologia. A engenharia "abaixo da linha" e a ciência aplicada forne
cem as bases, o designer faz a ponte entre elas e o utili zador leigo, garantindo,
entre outras coisas, que o produto pode ser utilizado em segurança.
O design só pode ser avaliado globalmente através de referências ao contexto
cultural. Actualmente, os processos de design, produção e comercialização
estão orientados para o sexo do comprador potencial. Os pressupostos de
design baseados no género estão subjacentes ao panorama doméstico. E não se
trata apenas de conhecer o sexo que costuma utilizar determinado instrumento;
importa também saber qual dos dois vai às compras.
No que diz respeito à compra de utensílios para o lar, as mulheres têm mais
influência do que os homens. Continuam a ser as mulheres que fazem a maior
parte do trabalho doméstico e quase todo o que se refere às crianças. Sem falar
do facto de, para além disso, muitas delas contribuírem com pelo menos um
terço do rendimento familiar.
Antigamente, o trabalho doméstico puxava excessivamente pelo corpo.
Recordamos um comentário anónimo, cheio de eloquência e amargura, feito
em 1870: "Para a mulher, a casa é militância; para o homem, é repouso" 2 A
medida exacta desta militância pode avaliar-se pelo trabalho que o tratamento
de roupas implicava. Christina Hardyment, autora de "From Mangle to
Microwave" (1988) 3, cita as instruções dadas por uma certa Mrs. Beeton para
uma barrela "s imples". Eis um resumo:
Segunda-feira, pôr os lençóis e a roupa branca de molho em água morna
com soda. Terça-feira, logo pela manhã, acender o lume, ferver a água;
passar por água cada peça; esfregá-Ia, torcê-la. Mergulhar as peças numa
tina de água quente; ensaboar cada peça. Colocar então a roupa noutra tina
de água; esfregar e ensaboar outra vez nos locais necessários, passar por , agua e torcer.
Depois, ferver a roupa durante hora e meia com soda na tina de cobre. Em
seguida , enxaguar em água quente limpa, depois em água fria, espremer
bem e pôr a secar.
Um verdadeiro pesadelo, sobretudo se nos lembrarmos que o vestuário do
século XIX era bastante mais compl icado do que esta simples roupa branca; o
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o Panorama Doméstico Actual
pesadelo aumentava na proporção directa da complicação das outras peças,
ainda por cima feitas apenas de materi ais naturais, que são um inferno para
manter com bom aspecto.
E, em seguida, havia ainda que engomar. .. .
Os engenheiros e des igners que projectaram as máquinas de lavar e de secar
roupa, bem como a grande variedade de ferros de engomar ligeiros, têm vindo
a aliviar substancialmente o trabalho da dona de casa, em conjunto com os
químicos, os técnicos de produção fabril e os fabricantes de têxteis, que
desenvolveram fi bras sintéticas, detergentes e vestuári o simples e durável. E,
mais recentemente, os aspectos de segurança do equipamento têm registado
grandes progressos.
Mas nem todas as mulheres se regoz ij am com a sua vida doméstica, nem
reclamam mais gadgets ou artefactos di spend iosos e de utilização mais fác il.
Algumas, como Christina Hardyment, são de opinião que o tratamento de
roupas, por exemplo, não deveria sequer ter sido melhorado de modo a ocupar
um lugar menos pesado no panorama doméstico: "Se as lavandarias se
ti vessem tornado mais eficientes e baratas", o lar teria sido ali viado de um
grande fardo.
Sabemos que os cozinhas do século XIX eram lugares de trabalho árduo, mos tinham uma grande riqueza visuol no design e no estilo. liberta do sofrimento Q que estavo associado, merece hoie o preferência de muita gente.
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o Panorama Doméstico Actual
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o desenho de Stephon ie Rowe sugere o exi stência de um componente de monstruosidade nos rotinas domesticos
modernos. Menos extenuantes que antigamente, não deixam por isso de ser limitativos.
A omnipresença dos dispositivos destinados a poupar trabalho é de facto uma
bênção, comparada com a falta que faziam há um século; mas também é verda
de que o tempo gasto pelas mulheres na lide doméstica parece não ter dimi
nuído muito, Porquê? Porque aexistência de sabrinas para tapetes, aspiradores,
máquinas de lavar e uma impressionante panóplia de produtos químicos para
limpar, polir e tirar nódoas tornou o trabalho doméstico uma tarefa diária
constante, Além disso, o bombardeamento da publicidade adverte constante
mente que a segurança e saúde das crianças podem estar em perigo se não for
tudo limpo, A limpeza atingiu a dimensão de uma neurose e, como tal, propor
ciona uma sempre renovada oportunidade de mercado para os empresários,
Adrian Forty, autor de "The Objects of Desire" (1986), vai mais longe,
Segundo ele, as próprias linhas dos aparelhos domésticos pretendem levar as
mulheres a passar mais tempo do que o necessário em tarefas caseiras,
persuadindo-as de que esse tipo de trabalho é nobre, uma vez que os respecti
vos aparelhos e instrumentos são bonitos,
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o Panorama Doméstico Actual
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A fealdade pode lazer sentido. Este aparelho doméstico transmite uma mensagem de "trabalho pesado·, que procuro ser atraente tonto para homens como poro mulheres.
o design industrial retirou às tarefas domésticas a penosidade que tinham no
século passado, mas mantém-se o "pressuposto tirânico" (que nem designers
nem fabricantes acharam ser do seu interesse questi onar) de que o trabalho
doméstico continuará a ser fe ito, de graça, pela mulher, individualmente. Não
há estilo nem redesign metafórico de aparelhos que venha alterar essa situação.
O cepticismo de Forty é justificado. A comercialização de dispositivos para
poupar trabalho encerra em si um logro - design e marketing são unha com
carne. Mas basta-nos recordar a descrição de Mrs. Beeton sobre o dia da
barrela para constatar que a qualidade do trabalho doméstico melhorou
extraordinariamente para muita gente. Claro que, como diz Forty, ter máqui
nas que poupam trabalho não é a mesma coisa que ter cri ados; mas o próprio
desaparecimento desta classe é demonstrativo da extraordinária redução dos
aspectos penosos do trabalho domésti co (ver também págs. 147 a 150).
A sugestão de Hardyment de que as tarefas domésticas deveriam ser contra
tadas fora de casa apenas faria deslocar o lado penoso da questão para outras
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o Panorama Doméstico Actual
paragens: é mais do que provável que as pessoas que a desempenhassem
fossem mal pagas e constituíssem uma classe itinerante de pessoal auxiliar.
A profissionalização das tarefas domésticas pode, pois, não ser uma solução
de design tão atraente como parece; é seguramente menos atraente do que uma
situação em que as mulheres ganhem tanto como os homens, condição que
tornaria economicamente sensato que homens e mulheres partilhassem
equitativamente o trabalho desenvolvido em suas casas.
Muitas mulheres têm as suas carreiras e gastam menos tempo em tarefas
domésticas do que as que não as têm ou que não trabalham no exterior. Das
que ficam em casa para serem mães, por exemplo , há algumas que
argumentam ser a maternidade uma vocação, um fim em si mesmo: o trabalho
que está associado à situação, incluindo a I ide da casa, é considerado importante,
trazendo reali zação pessoal e constituindo também um fim em si mesmo.
Tudo depende das condições em que esta actividade é desenvolvida (ver págs.
147 a 150). De entre as condições fundamentais salienta-se a autodeter-
minação escolheu-se fazê-lo ou não se teve alternativa?
E, no entanto, os consumidores podem ser enganados independentemente de
quererem ou não fazer eles próprios as tarefas domésticas. Em geral, as pessoas
parecem preferir viver em casas com um ambiente muito diferente do da
fábrica ou escritório (apesar de o lar continuar a ser ainda, para a mulher, um
local de trabalho). O aspecto meramente funcional que caracteriza a fábrica e
o equipamento comercial não é considerado adequado para o lar.
As ferramentas da profissão de doméstica são tornadas tão femininas quanto
possível, mesmo quando isso compromete o desempenho e a qualidade do
produto. O equivalente industrial ou comercial de quase todos os aparelhos
domésticos, seja uma torradeira, um aspirador ou uma máquinadelavar, émais
potente (logo, capaz de desempenhar o seu papel mais eficaz e rapidamente)
e mais durável. Na tentativa de tomar as coisas mais leves, mais ligeiras e mais
"femininas", os aparelhos domésticos são, frequentemente, bastante delicados.
O design básico, sobretudo aquele procura obter motores mais silenciosos e
melhorar isolamentos sonoros, tem sido negligenciado. O barulho de um
aparelho doméstico aspirador ou máquina de lavar e especialmente o
triturador de lixo é muitas vezes insuportável. Estas falhas demonstram as
limitações do conhecimento dos designers masculinos, que fazem muito
menos trabalhos domésticos do que as mulheres e que, portanto, baseiam as
suas decisões de design mais na aparência do que na função que os produtos
são diariamente chamados a desempenhar; enquanto designers, escolhem a
localização dos manípulos, botões, etc ., mas nem sempre se dão ao trabalho de
o Panorama Doméstico Actual
A faca é uma ferramenta ambíguo: corto carne à mesa e no matadouro_ A tensão que lhe está subjacente é aqui
realçado pela associação do lômina com outro utensílio doméstico: o mola do roupa .
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experimentar o aparelho durante um período de tempo suficiente, pelo que são 89
negligenciados vários aspectos, incluindo o ruído. Verificam-se outras falhas
no design, algumas importantes, relativas à manutenção e limpeza dos aparelhos:
a sua reparação é frequentemente difícil (e dispendiosa) a manutenção
doméstica dos aparelhos não foi objecto de design - e dispositivos como as
batedeiras, a máquina de picar carne e os espremedores de sumos levam um
tempo impressionante a limpar (não se trata, neste caso, de um problema só de
género; os produtos "masculinos" como os berbequins são ainda um quebra
-cabeças para os "amadores").
O design em função do género está, no entanto, em alta, e está marcadamente
presente em produtos como os de higiene começando na moda (poluidora
do ambiente) de tingir o papel higiénico para o tornar mais agradável à
compradora.
Um recente exemplo europeu de design sexista é o carregador de pilhas
doméstico. Os lares modernos utilizam muitas pilhas em rádios, lanternas e,
sobretudo, nos brinquedos das crianças. Os directores de marketing consideram
-nas produtos de segunda ordem. Nos países do Noroeste da Europa, a maior
parte das pilhas são compradas por mulheres. As pilhas de usare deitar fora não
são baratas, mas as recarregáveis não são tão populares como seria de esperar.
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o Panorama Doméstico Actual
Os carregadores são máquinas fe ias: ficam bem na oficina ou na garagem mas
não na cozinha; por isso, dizem os autores dos estudos de mercado, não são
atraentes para as mulheres. Os designers responderam ao "desafio", feminizando
o carregador de pilhas, tornando-o mais fino, mais bonito e mais prático,
podendo ligar-se na cozinha a par do moinho de café e da batedeira.
Os designers tiram partido dos estudos de mercado; e os fabricantes, produ
zindo de acordo com o sexo do comprador, parecem dar ao consumidor pe lo
menos um pouco do que ele (ou ela) quer.
Em contrapartida, as ferramentas comercializadas para os homens têm um
aspecto claramente mais poderoso, militarista e dinâmico. Também neste
caso o equivalente doméstico das ferramentas raramente tem a mesma quali
dade das industriais, porque, dizem os fabricantes, têm menos uso. -E evidente que o facto de algumas ferramentas terem um ar agressivo não
resulta apenas de um estilo macho. Na maior parte das vezes, a função deter
mina a forma. Não é possível fazer-se uma serra circular, uma serra de fita ou
um berbequim completamente isentos de agressividade. Uma foice ou um
martelo não podem ter um aspecto inteiramente seguro. Até uma faca de pão
contém uma ameaça implícita.
Estas ferramentas provocam uma certa emoção pela clareza com que manifes
tam a sua função. Há também uma faceta positiva na sua existência foram
feitos para uma determinada missão que sedestina a preencher uma necessidade
real. Se não se for deficiente, não é preciso um comando à distância para a
televisão, mas são precisas estas ferramentas para alterar a face do Mundo.
Podemos não precisar de batatas fritas prontas a ir ao forno, mas para intervir
no Mundo são precisas ferramentas para cortar, fatiar, moer e furar. Não é
surpreendente que os designers gostem tanto de desenhar estas coisas -
desenhar uma ferramenta é partilhar uma necessidade real e agir de acordo
com valores de ajuda ao próximo para a execução de um bom trabalho.
As ferramentas têm também uma imagem de participação colectiva
as funções, que têm inevitavelmente de exprimir, encerram uma cultura do
fazer e uma cultura do poder: o poder de transformar. Assim , perante um
martelo, reconhecemos que serve para pregar, que é uma das ferramentas
fundamentais da civilização ocidental. Um martelo constitui uma necess idade
para construir um abrigo durável; encerra várias associações para transformar
uma parte do Mundo. Uma simples ferramenta amplia, pois, o poder de uma
pessoa. Alguns artefactos são -por comparaçao objectos pacíficos.
Destinam-se ao tempo de lazer, ao descanso, a serem aprec iados.
As ferramentas, por seu lado, são assertivas. E de que maneira! Tome-se como
o Panorama Doméstico Actual
exemplo a arcaica foice. A filósofa Elaine Scarry aborda o assunto no seu livro
"The Body in Pain" (1985). O corte feito por uma foice, escreve ela,
produz uma transfOI mação muito maior do que a passível de ser operada por
um braço trata-se de uma alteração não só de escala mas também de
duração. O cereal ceifado é um testemunho da actividade de uma só pessoa -
conserva-se durante muito tempo depois da pessoa ter abandonado o local.
Mesmo o acto de acender um fósforo deixa um palito queimado como
marca do "acontecilnento".
As ferramentas são também instrumentos de ataque. Consequentemente, não
é muito difícil ver-se em cada ferramenta uma metáfora de uma espada de dois
gumes. Também este aspecto é bem explicado por Elaine Scarry, que aponta
o facto da maior parte das ferramentas serem também almas: "O martelo que
prega um homem numa cruz é uma arma, o utilizado para construir a cruz é
uma ferramenta" 4
Quase todas as ferramentas se podem tornar ai mas; Scarry diz que logo que o
martelo ou a faca tocam carne viva, a ferramenta torna-se alll1a. Quando toca
em carne inanimada, é de novo uma ferramenta: esculpe-se um pedaço de
madeira, fere-se uma pessoa ou um animal.
A mistura de metáforas, moralmente confusa, que ocorre sempre que as ferra
mentas são desenhadas para se parecerem com armas é mais do que um apelo
às emoções machistas; é uma subversão da ordem social e moral que estabe
lece a distinção entre a criação e a mutilação.
Porém, é natural que, sempre que os designers pretendam conferir segurança,
conforto, domesticidade, a expressão de poder seja rapidamente suavizada
ou eliminada. Assim, o automóvel do executivo tem assentos semelhantes
aos da sala e até no mais masculino dos veículos, o camião TIR, essa ima
gem foi suavizada: hoje em dia, pode dizer-se que a direcção extraleve, os
comandos que obedecem a um toque, os assentos do tipo poltrona, o quarto e
ar condicionado integrados fizeram da cabina dos TIR um lugar mais
doméstico, mais pacífico, mais feminino. Esta noção torna-se irrelevante:
o que se obteve foi um ambiente de trabalho mais agradável e eficiente.
A alma da máquina
A civ ilização gerou muitas pseudoferramentas, objectos que se parecem
com ferramentas, funcionam como ferramentas quando utilizados por pro
fissionais, mas que são mais frequentemente adquiridas por amadores que as
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o Panorama Doméstico Actual
compram por comprar. O extraordinário crescimento do lazer e dos hobbies
tem alimentado este fenómeno.
Em alguns casos é difícil dizer o que tem mais importância se o hobby, se
as coisas necessárias à sua prossecução. Na fotografia de amadores, por
exemplo, existe uma grande 'série de máquinas e acessórios para coleccionar. , .
E o hobby ideal para todos os que têm uma queda por "pinchavelhos" de
engenharia complicada; muita gente é fotógrafo amador apenas por causa do
equipamento. Na fotografia, tal como em outras actividades de lazer (pesca,
jardinagem, tiro, vela), o hobby é um bom pretexto para a compra do
equipamento; este, por sua vez, adquire coerência porcausa do hobby. O prazer
está nas emoções potencialmente fetichistas que o equipamento provoca no
utilizador. Um fétiche é a exaltação de um objecto inani.mado levado ao ponto ,
da reverência excessiva ou da adoração. E, por vezes, associado com
irracionalidade, obsessão e, é claro, sexo. E não é preciso muita imaginação
para perceber as conotações sexuais de brincar com uma máquina fotográfica
e tirar fotografias.
Parte deste fétiche é o excesso de qualidade integrada no objecto: qualidade e
desempenho que excedem as necessidades, como velocidades de obturador de
1/4000 e 1/8000 s. Grande parte da qualidade não é só excessiva como também
inutilizável, porque o dono do aparelho não sabe tirar partido dela.
A gama de equipamento à disposição do fotógrafo é muito vasta. Ao amador
nunca falta mais qualquer coisa para comprar, para querer, pela qual tenha de
poupar dinheiro: rebobinadores automáticos, indicadores de velocidade,
carregadores "nicad", bichas, objectivas de vários tamanhos, incluindo grandes
-angulares, objectivas para macrofotografia, filtros (os coloridos e os pola
rizadores) , sistemas deflash, tripés. Sem esquecer todas as caixas eestojos para
guardar tanto material.
Tudo tem um nome e um número e, na linha das observações relativas ao ,
design dirigidos aos sexos, verificamos que o material fotográfico tem uma
nomenclatura militarista: Nikon N4004 Decision Master; Canon F-i AE
Finda; Minolla X-700; Canon EOS 650. Poderia tratar-se de caças
-bombardeiros com asas de geometria variável ou mísseis balísticos inter
continentais de ogivas múltiplas. Se nos dissessem que os Asas de Portugal
voam em Canon F-i AE Finder, até podíamos acreditar.
Falemos apenas no prazer estético de manusear uma vulgar máquina fotográfica
Reflex de 35 mm com uma só objectiva. Primeiro, é poss ível que para os
homens haja paralelo entre a manipulação da máquina trocar as objectivas,
carregare descarregar a película, por exemplo e a operação de carregar uma
o Panorama Doméstico Actual
arma. E a arma tem associações fálicas. De resto, tem havido muitos filmes
na história do cinema e da televisão que exploram, com vários planos acom
panhados de sonorização, a preparação de uma aIllla antes do disparo.
Tanto nas ali nas como nas máquinas, há um triplo prazer ao locar num objecto
metálico (ou, o que é mais frequente hoje em dia, de componentes plásticos de
alta qualidade): constatar que é uma sofisticada obra de engenharia, tomar-lhe
o peso e ouvir os sons dos componentes deslizarem uns sobre os outros quando
rodam, engatam ou são armados. , E esta a sensação de mudar uma objectiva numa máquina de 35 mm: sente-se
o peso da objectiva quando a desbloqueamos e desatarraxamos do corpo da
máquina. Sentimos o peso precioso das duas partes principais, que devem ser
tratadas com cuidado - deixar cair qualquer delas seria danificar uma bela
(e cara) obra de engenharia. A limpeza das peças é aliciante. E há ainda a
riqueza do som das objectivas que entram e assilham no corpo: é um som suave
e cavo, como se batêssemos com duas meias cascas de coco uma na outra. O
encaixe das objectivas no corpo é de uma precisão que dá prazer.
Utilizando a máquina manualmente, um amador a sério pode desfrutar de mais
sons (o utilizador casual, a maioria de nós, serve-se de máquinas inteligentes,
à prova de erros, automáticas, não estimulando os prazeres mais sensoriais do ,
acto de tirar fotografias). E a sensação táctil que a deslocação do cursor da
distância focal provoca, muito diferente do movimento silencioso, suave,
oleado, da lente quando foca automaticamente. Para fazer avançar a película,
os dedos puxam a alavanca para trás, sentindo uma tracção mecânica agra
dável; e, no momento de pressionar o botão do obturador, há um piscar mágico, ,
rapidíssimo. O premir do botão é deliberado, iITeversível. E tão definitivo
como o premir de um gatilho.
Durante séculos, uma das maiores ambições das culturas europeias foi conse
guir uma precisão mecânica sem qualquer defeito (o engenho nos Estados
Unidos acabaria por satisfazer esta ambição em exclusivo, até a Alemanha e,
mais recentemente, o Japão, os terem alcançado). Este século foi bem sucedido
na sua busca da precisão as coisas fazem-se com tolerâncias cada vez
menores. A ciência, essa, tornou-se quase voluptuosa na sua precisão: os
químicos que estudam a fotossíntese das plantas medem as emissões de luz em
milionésimos de segundo. As objectivas e os aparelhos de medição para a
navegação, para a ciência e para a engenharia tornam-se cada vez mais
sofisticados , porque dessa sofisticação e da confiança que neles se pode
depositar depende o êxito de uma viagem, de uma experiência ou de
uma construção.
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o prazer estético e sensorial que nos dão os instrumentos bem feitos é quase
um subproduto da sua função, mas um subproduto de enorme potencial por
causa da relação que tem com um conjunto de valores básicos, associados à
verdade, ao absoluto e à constãncia. A beleza de uma máquina fotográfica de
precisão tem muito a ver com o facto das suas operações mecânicas serem
genuínas (a realidade que as fotografias transmitem é outro assunto). As
tolerâncias previstas não se relacionam simbolicamente com a função do
instrumento, sendo antes a própria função. O trabalho disciplinado da engenha
ria não é apenas expressão de integridade, é o garante da integridade.
Tolerâncias apertadas são prova de um trabalho cuidado; e um trabalho
cuidado produz uma relação moral entre duas pessoas é a prestação de um
serviço positivo e fidedigno. Um mau trabalho é cínico, subversivo, niilista. A .
alma da máquina é a integridade do designer, bem como a do engenheiro e do
artífice que com ele trabalham.
A ironia está em que, como foi referido, no que diz respeito às máquinas
fotográficas, as fotografias não são, frequentemente, importantes. Ou não o
serão pelo seu mérito estético ou documental , mas antes como forma de experi
mentar a máquina, de testar a sua integridade, a sua alma. Fora isso, as foto
grafias não têm muitas vezes qualquer valor, são rapidamente postas de lado.
Uma das razões por que damos tanta atenção aos aspectos sensoriais de um
artefacto moderno, feito à máquina, é corrigir o preconceito de que os produ
tos modernos são falhos de expressividade. Não é verdade que um objecto
produzido industTialmente tenha necessariamente de proporcionar menos
satisfação aos sentidos do que outro feito à mão. •
E, porém, verdade que poucos produtos industriais têm os mesmos atractivos
sensoriais que a máquina fotográfica acima descrita. Aquilo que lhes falta
não resulta necessariamente de imperfeições no desempenho global, nos
acabamentos e, mais raramente ainda, na sua decoração ou no brilhantismo da
sua expressividade. Por exemplo, em anos recentes, a cafeteira eléctrica cilín
drica moldada por injecção tornou-se popular; pode ferver com segurança
uma quantidade pretendida de água e, como a pega está no lado oposto ao
bico, como num jarro, não queimamos os dedos com as últimas baforadas de
vapor, como acontece nas chaleiras convencionais.
Do ponto de vista da expressividade, esta cafeteira é bastante interessante.
Arredondada, bojuda, é semelhante aos utensílios que os astronautas levam
para o espaço (onde os objectos redondos são uma necessidade prática, já que
as arestas vivas são muito mais perigosas nesse ambiente). A cafeteira exprime
segurança. Mas, como objecto para manusear, tem a desvantagem de um
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o Panorama Daméstico Actual
assilhamento desajeitado da tampa e,em alguns casos, de uma certa indefinição
táctil dos interruptores. As peças não são fáceis de di stinguir sensorialmente.
São pormenores, mas neles pode residir o carácter mais ou menos atraente de
um objecto. Não é fácil tirar-lhe a tampa, que cai frequentemente para dentro
do jarro; dá a sensação de que a sua concepção foi mal-intencionada.
No entanto, a qualidade de produção e o design sensato dos objectos são, cada
vez mais, dados adquiridos. E, entretanto, os designers e os fabricantes procu
ram novas maneiras de fazer produtos que, para além de atraentes, sejam
também fantasiosos. No intuito de prenderem a nossa atenção, eles (os que
procuram o nosso dinheiro) deixam-se convencer por estilistas de design de
que devem captar as nossas emoções.
Emoçõesface ao objecto
A geração de designers de produto formados na década de 80 cresceu no
ambiente da estética pós-moderna e tomou parte, apesar de não a ter iniciado,
na revolta contra o cu I to modernista pela forma clássica, considerada ideal.
Como pensam estes novos designers? Um director de design do sector de
pequenos electrodomésticos pediu ao ho landês Alexander Groenewege
ideias para uma gama de secadores de cabelo a comercializar pela Philips na
década de 90. Os produtos teriam de competir com os japoneses (em todo o
Mundo industrializado, é o Japão a dar as cartas). As qualidades gerais que
Groenewege tinha de procurar atingir eram óbvias, mas , de certa maneira,
contraditórias: qualidade sólida, mas com um toque de humor e personalidade. O des ign tinha de estar de acordo com o estatuto social do comprador,
reflectir algo do seu esti lo de vida . Os pormenores tinham de ser perfeitos e
o design inovador.
Não deixa de ser curioso, à luz das considerações tecidas sobre "instrumentos"
e "ferramentas", apreciar os comentários de Groenewege: "Portanto, o que
queremos é uma coisa agradável na mão e à vista e, como é um produto
que se usa perto da cara, a mente rejeita um design que se pareça com uma
pistola".
Groenewege considerou várias imagens; diz que, com o secador que concebeu,
pretende dar grande realce à fantasia: "Ao secar o cabelo, pensa-se em
pa lmeiras ondulantes nas praias do Pacífico, nos bailarinos de flamenco
espanhol, em gueixas japonesas ... Cada um faz as suas próprias associações".
Além disso, pretendia que o design tivesse uma beleza discreta quando fosse
deixado na casa de banho ou no toucador.
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Groenewege relembra os passos que deu para chegar ao seu secador a partir da
imagem do leque, objecto que se segura com a mão e não é tecnológico:
Sequência
- Não obedeci ao dogma "a função detellllina a forma" .
- Comecei pelo vento, não pelo que o produz.
- Em seguida, pensei em coisas que eram empurradas, puxadas, volteadas
pelo vento: penas, aves, aviões, asas, palmeiras, fo lhas.
- Junte-se estilo e vento, e tem-se um pavão,
- A cauda em leque do pavão é como o leque que as espanholas usam
para provocar a circu lação do ar. Mas um leque é também um meio de
comunicação, dependendo de como a mulher o segura, da sua proximi
dade da cara, do modo como é colocado sobre a mesa; se é deixado cair
deliberadamente ao chão, ou se é fechado com um som seco.
- O leque encerra um carácter temperamental: ritmo, flamenco, tensão,
ternura,
- Na minha imaginação, reduzia a distância que nos separa do Japão (um
must de estilo e competitividade para o produto em causa) .
A imagem da pistola estó presente
num número surpreendente de
aparelhos domésticos; mas isto
porque a pistola é uma formo
naturalmente útil. No entanto, este
tip::> de associação loi rejeitado p::>r
Alexonder Groenewege no seu
secador de cabelo Fon, desenhado
paro a Philips. O designer queria
fazer alusão oos leques, à
graciosidade, 00 voo, 00 ar.
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Tecnologia
- Precisava de um corpo vo lumoso para conter o motor. ,
- E habitual o châss is do motor e a caixa exterior formarem uma
só unidade; eu queria-os separados. Isto permite criar outros estilos ,
para a mesma unidade. E um passo em direcção a uma produção
flexível. A mesma unidade pode ser montada numa grande varie
dade de formas, que atraem grupos diferentes de consumidores:
comerciali zação por segmentos.
- Desenhei também o secador de modo a poder dependurar-se pe lo cabo
eléctrico, porque os japoneses gostam de usar os secadores mantendo
as mãos livres.
Para além de ser um bom designer, Groenewege é desarmante na sua hones
tidade. Tendo racionalizado (com certeza correctamente .. . ) a sua rejeição do
fo rmato de "pistola" para o seu secador, reconhece a importância fundamen
tal da diferenciação de produto. Não quer que o seu secador se pareça com
versões ex istentes (e o seu cliente também não). Diz ele que os designs
existentes, como os da Braun ou da Atlantic Design, são muito bons, mas
"demasiado conhecidos ecopiados para que me surpreendam". A novidade -
e não a necessidade é o motor do desenvolvimento de produtos, sobretudo
no caso dos já implantados, ex istentes há muitos anos e relativamente aos
quais um aumento da ordem dos 3 % na quota de mercado pode significar
muito nos lucros da empresa.
Poucos des igners e seus clientes gostam de deixar um produto por melhorar:
estão sempre à procura de "falhas" nos produtos ex istentes para as poderem
"corrigir", justificando assi m um novo desenvolvimento. Nos produtos
implantados, estas falhas só muito raramente são pura imaginação, o que não
quer dizer que sejam fu ndamentais. Neste caso, a Philips tinha pretendido, no
brief de design, um secador com bocal perfeitamente integrado e variável; a
empresa não queria um modelo com bocais externos, de encaixar (que as
pessoas têm tendência para perder) .
Nem todos os produtos do nosso tempo pellnitem ser melhorados pelos
designers com a faci lidade dos aparelhos eléctricos ou electrónicos. Estes, pela
sua natureza, têm uma separação mais pronunciada entre design "abaixo" e
"acima" da linha. A bicicleta, por exemplo, tipifica perfeitamente um
instrumento que funciona como prolongamento do corpo humano e que é
muito difíci l de melhorar apesar das pessoas continuarem a tentar fazê-lo.
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Secador de cobelo poro homens, do Atlanfjc Design (Reino Unido), Claramente masculino no volumetrio e na sugestõo de máquina, vai buscar o seu requinte OOS estilos dos onos 30.
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Graham Vickers, jornalista de design e entusiasta do ciclismo, comenta:
"Basicamente inalterada há meio sécul o, a nossa bem conhecida bicicleta
constitui um desafio único, numa sociedade habituada a ver surgir novas
linhas nos seus objectos mais estimados". A bicicleta é intolerante para com
os caprichos dos designers porque, segundo Vickers, a mais pequena infelici·
dade do des ign provoca imediatamente danos ao c iclista. Tem havido re·
designs bem sucedidos, mas só depois de umareformulação das especificações
de design, como sucedeu ao ex igir-se uma bicicleta leve que se pudesse dobrar
ao meio para facilitar o transporte (o design, construção e especificidades dos
melhores quadros de bicicleta serão debatidos no capítu lo seguinte) .
O quadro da bicicleta é um bom exemplo de objecto modernista e é muito in
teressante verificar como se recusa teimosamente a ser melhorado. Mas o que
é que o designer dos finais do século XX tem a opor ao modernismo? A respos
ta mais imediata é que o des igner pós-moderno é contra o anonimato e o mis
téri o; opõe-se à evidência do objecto e privilegia ass untos bem definidos, o
contar de histórias e a abertura de espírito. O objecto é substituído pela palavra.
Mas a resposta imediata é apenas parcial. Há outras razões que levam a que,
presentemente, se assista a uma procura insistente de objectos e edifícios
cheios de significado. Do ponto de vista intelectual, ex igir que os designers
pensem na expressão de significados e incluam representações metáforas
visuai s no seu trabalho deriva em parte de um certo cepticismo que está na
base do debate generalizado acerca do pós-moderni smo. Os indivíduos,
incluindo os designers, têm de ter justificações e cenários para aquilo que eles estão a fazer: a teoria pós-moderna tirou o tapete a algumas certezas antigas.
O teórico pós-modernista mais em voga na década de 80, pelo menos entre os
ingleses , holandeses e norte-americanos, foi o sociólogo francês Jean
Baudrillard. Este demonstrou, aparentemente, que "verdade" ou "falsidade"
absolutas não existem. Os filósofos já o tinham demonstrado , e teóricos de
outros ramos do conhecimento hav iam também chegado a esta conclusão.
Com efeito, no panorama da nova física, as apreciações subjectivas parecem
ter implicações em acontecimentos supostamente objectivos. Podemos, no
campo da física das pequenas partículas, dizer que a verdade reside nos olhos
e na mente de quem observa 5
Baudrillard concentrou as suas observações em alguns dos fenómenos que
caracteri zam as culturas consumistas contemporâneas: nomeadamente o im
pacte e integração no nosso quotidiano da tecnologia da televisão, do vídeo e
da informática, com toda a info rmação que transmitem. O binómio tecnologia
-informação tem contribuído para reforçar uma situação de "eles e nós", em
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o Panorama Doméstica Actual
que "eles" procuram influenciar-nos a " nós", descobrindo como somos, de
forma a venderem-nos os produtos que gostaríamos de facto de comprar
porque nos agradam. Trata-se de uma situação que se aplica ao fabrico e ao
consumo seja do que for produtos, política, ideias e a própria infollllação.
O ponto de vista defendido por Baudrillard tem aspectos atraentemente
sini stros, porque parece tornar realidade um certo tipo de ficção científica ou
de utopia à imagem do Admirável Mundo Novo, acrescentando-lhe um
estigma de que nos serviríamos alegremente para nos aterroriza! mos e irritarmos
a nós próprios. Baudrillard brinda-nos com uma visão da nossa cultura que a
mostra como uma galeria de espelhos. O sujeito, as imagens e os reflexos são
criados a partir da informação sobre nós próprios - as nossas esperanças,
medos, ambições, amores e desejos. Tudo isto é, aparentemente, reconvertido
em fa ntasias-factos sob a forma de produtos, publicidade e "notícias" . Começa
aqui um jogo de pingue-pongue: quase acreditamos na imagem de nós
próprios. Estas semicrenças tornam-se parte de nós . Este " nós", por sua vez,
é refl ectido e reapresentado pela galeri a de espelhos. Absorvemos um pouco
mais; a " realidade" desaparece e, com ela, a verdade e a fal sidade. Ou, segundo
as próprias palavras deBaudrillard, " no futuro, não seremos capazes de separar
a realidade da projecção, estatística e simulada, que dela fazem os meios de
comunicação" ("Simulacra and Simulations", 1981).
Não deixa de ser irónico, dado que na leitura de Baudrillard a Verdade é qui
mérica, o facto de existir alguma verdade no seu ponto de vi sta. O êxito de
qualquer venda está na habilidade de dar às pessoas aq uilo de que elas gostam
ou querem, ou o que podemos convencê-las a gostar ou querer. Isto implica
não só evidenciar aquilo que torna desejável um objecto ou um político , como
também diluir uma realidade extremamente desagradável.
No entanto, Baudrillard exagera a natureza il usóri a da real idade contemporânea,
telev isivamente organizada, considerando-a absoluta. Não é verdade que não
consigamos fazer a distinção entre mentiras e verdades . Temos que reconhecer
a complexidade dos acontecimentos e da cultura contemporâneos. Mas um
dos aspectos da cultura dos finais do século XX ignorado por Baudrillard é a
extensão da investigação efectuada por uma grande diversidade de grupos de
pressão, ao serviço de quantos procuram desencaminhar-nos, enganar-nos ou
tentar-nos, levando-nos a aceitar o consumismo sem o questionarmos. A reali
dade televisual da cultura ocidental ou ocidentalizada é apenas um aspecto -
dessa cultura. Há muita gente com presença de espírito e capacidade para
se subtrair à galeria de espelhos de Baudrillard, procurando, fora dela, as
pessoas que estão a dirigir toda a estrutura. Existem, em todo o M undo, grupos
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que trabalham para corrigir situações de dor, divulgar a exploração, combater
a tortura, eliminar a crueldade e todas as coisas que "eles" tentam esca
motear. Entre os homens e as mulheres (sobretudo as que procuram desmontar
a galeria de espelhos montada pelos homens), há mais moralidade e mais dese
jo de autonomia e individualidade do que Baudrillard está disposto a admitir.
Valores em mudança
Há designers que têm uma necessidade psicológica de enquadrarem o seu
trabalho em teorias excessivamente elaboradas e de significados complicados
por se sentirem comprometidos pelo seu papel de serv idores do fabricante. O
tornear da questão é um modo de se justificarem em termos criativos, j á que
uma maneira de procurar explicar os excessos e o consumo crescentes é preten
der estar-se a contribuir para as qualidades estéti cas da vida. O design, com
todas as suas elaborações, comercializa a sua própria expansão, sob pretexto
de que é benéfico para o espírito humano.
Os designers e os arquitectos são exemplos típicos de pessoas que dependem
de justificações e significados elaborados para conferirem finalidade e estru
tura ao seu trabalho. Muita da justificação técn ica é linear, assentando em
exigências de segurança, eficiência e economia; mas os estilos associados a
tais ambições técnicas necess itam de justificações mais elaboradas. Por vezes
o estilo, mesmo em arquitectura, vai buscar o seu significado, a sua razão de
ser, a requisitos de marketing ou de identidade institucional. Casos há em que
a ideologia que justifica um determinado estilo, preferindo-o a outro, é mais
elaborada, servindo para estabelecer valores que se pretende que o esti lo em
questão comunique ao grande público. -E notório, por exemplo, que o design de produto e de mobiliário na Dinamarca,
na Suécia, na Finlândia e na Noruega tem sido moldado por ideais sociais
-democratas. Servir o conforto e a segurança do ser humano tem sido um
princípio organi zador do design escandinavo. A acred itar em BaudrilIard, esse
princípio é reforçado pela imagem que os escandinavos têm de si próprios, a
de pessoas preocupadas com um design norteado por princípios de bem-estar
socia l outra faceta da galeria de espelhos é o modo como agimos para pre
enchermos a descrição que fazemos de nós próprios, o que é talvez uma razão
que penn iteencarar a hipocrisia como um instrumento para nos aperfeiçoarmos.
E, contudo, à década de 80 fa ltaram princípios e metáforas claramente
organizados. Até os arq uitectos, mestres na arte de elaborar cenários
o Panorama Doméstico Actual
justificativos, se sentiram desnorteados, como revelam os objectos de consumo
que desenharam.
O reaparecimento do simbolismo na arquitectura e no design foi exaustiva
mente defendido por Charles Jencks, arquitecto e teórico norte-americano a
quem se atribui a invenção, ou pelo menos a popularização, do conceito de pós
-modernismo na arquitecturae no designo Outros, sobretudo o arquitecto norte-
-americano Robert Venturi , contribuíram substancial mente para a teoria de
design pós-modernista. Mas Jencks parece particularmente determinado em
tornar justificados os seus designs, conferindo-lhes uma razão de ser através
do seu significado simbólico. O seu melhor trabalho neste sentido é o interior
da sua casa londrina da época vitoriana, totalmente redesenhado por si.
Eu conhecia a casa só de fotografias. Um dia, Jencks teve a amabilidade de ma
mostrar. A minha impressão geral foi a de uma casa essencialmente simpática. , E confortável, idiossincrática e extrovertida, desde que se ignore parte do
simbolismo; caso contrário, torna-se bastante cansativa.
O cansaço resulta do modo quase desesperado como tudo tem de ter um
"significado" para justificar a sua existência. O interior simbólico torna-se
uma metáfora da neurose pós-moderna: se uma coisa não tem significado, não
devia existir.
Entra-se na casa por uma "Oval Cósmica" o vestíbulo tem um formato
ovóide (nascimento, primórdios do Universo); a toda a volta do tecto está
um fri so de caras, cada uma das quais representa uma figura importante da
história, entre as quai s Pitágoras, Hobbes e Jefferson.
Ciente do potencial absurdo das suas pretensões, Jencks faz um pequeno
exercício de autocrítica, troçando de si próprio naquilo a que chama a sua "casa
de banho cósmica".
Cada divi são da casa tem um tema - Inverno, Primavera, Verão, Outono -
que é desenvolvido por meio de estratagemas decorativos baseados em
referências literárias ou das belas-artes. O lado simpático de tudo isto reside
no facto de Jencks procurar exaltar os aspectos positivos da civili zação;
o interior é um reconhecimento dos frutos da erudição, do martírio , do
empenhamento político e da aplicação nas artes.
Em minha opinião, e apesar de Jencks revelar grandes ambições relativamente
à qualidade dos acabamentos, à decoração e ao design, o resultado físico
parece-me decepcionante. Jencks fala, com grande soma de conhecimentos,
sobre a importância de uma divisão ser composta por vários tipos de materiais,
de como o designer deve estar alerta para os diferentes modos como esses
materiais reflectem ou difractam a luz e de como esta pode modificar um
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Vista parciol da Solo de Verõo do coso de Cherles Jencks e MJggie Keswick, em Londres.
As cadeiras $un sôo fe itas de placas sobrepostos de MDF.
o Panorama Doméstico Actual
ambiente . Mas as superfícies de Jencks não têm muito bom aspecto. Ele ou os
seus artífices parecem não conhecer os materiais ou não terem deles a
percepção necessária quase todas as superfícies são pintadas e há pouca
utilização de materiais naturais (ver também o capítulo 6).
A casa Jencks falha, quanto a mim, porque ele não demonstrou ter suficientes
conhecimentos do ofício e porque as ideias expressas tendem a ser excessi
vamente literárias; falha também porque é neuroticamente sobre-rotulada.
Mas não deixa de ser significativa: ao procurar encontrar uma maneira do
design ser simultaneamente inovador e coerente, ao tentar uma abordagem que
exalte as realizações culturais e as experiências humanas inatas dos prazeres
das estações do ano, da convivialidade, etc., Charles Jencks oferece-nos uma
alternativa ao cepticismo pós-modernista de Baudrillard.
Jencks sabe que a maioria das pessoas está ainda pouco à vontade com a noção
de objectos inúteis que não têm referências para além do que são - muita da
pintura e da escultura modernistas é perturbadora devido à sua falta de signi
ficado. Claro que há muita gente que aceita bem o facto de um arranjo floral
ou de um seixo apanhado na praia não terem qualquer significado para além
de si próprios. Mas os artefactos realizados pelo Homem que não têm qual
quer interpretação para lá de si próprios são desestabilizadores. A escultura é
mais bem tolerada se as suas formas forem familiares e se se relacionar com
um acontecimento, um mito, uma experiência religiosa, ou se, de algum modo,
representar qualquer coisa.
Há, no entanto, excepções importantes e reveladoras a uma tal generalização.
Este capítulo deteve-se no prazer estético da máquina fotográfica , realçando
as suas qual idades fetichistas enquanto objecto por direito próprio. E, em certa
medida, os prazeres experimentados pelo amador fotográfico ao sentir a forma
da máquina não são muito diferentes dos produzidos por determinados tipos
de escultura - são prazeres inerentes ao mundo dos próprios objectos. Desde
que um objecto tenha uma função, por mais nominal ou circunstancial que seja,
o simples facto de ter um significado basta para justificar a sua existência. Essa
justificação é então posta de parte, usufruindo-se o objecto.
O escultor William Tucker, no seu ensaio ''The Object" 6, começa por dizer:
"Se há palavra que sintetiza as aspirações do modernismo, desde cerca de
1870 até à Segunda Guerra Mundial, ela é certamente objecto". E, ev i
dentemente, não foram apenas as belas-artes que alimentaram o culto do
objecto; com efeito, este culto tornou-se uma influência poderosa no design
industrial, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, quando o objecto de
consumo doméstico passou a ser comercializado como uma coisa em si.
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o trabalho de Dieter Rams (ver capítulo 2) é herança da escultura modernista;
trá-Ia para o interior das casas, criando assim um certo tipo de aJ1e doméstica.
A procura das característ icas intrínsecas do objecto foi, segundo Tucker, idea
li sta. Tratava-se da procura de uma entidade cláss ica, da clareza e de um
absoluto que era, tal como uma lei científica, uno e independente de uma
personalidade, de um criador individual. Não se tratava de um compromisso,
e não se articulava nada que não fosse considerado belo.
Uma das razões pelas quais as ferramentas e instrumentos simples são tão
admirados , mesmo (sobretudo) por aqueles que não os utili zam, é a sua estética
formal, o seu arde existirem por si sós. Isto é sobretudo verdade no equipamento
de cozinha, em que é praticamente irrelevante o que as coisas são, dada a
importância de que se reveste a sua beleza formal.
Marcel Duchamp entusiasmou-se com um suporte de garrafas. William
Tucker é de opinião que Duchamp era especialmente sensível à integridade
formal que possuíam objectos como os seus famosos "prontos a usar" (os
alvéolos de suporte de garrafas, a pá para a neve e o suporte para chapéus). A
integridade era típica de um grande número de objectos úteis muito generali
zados a partir do século XIX, objectos cuja economia e eficácia tinham sido os
únicos determinantes do designo
Tucker declarou, entusiasmado: "O poder formal e abstracto do suporte
para garrafas enquanto configuração total, ainda não encontrou paralelo na
escultura ... " (escreveu isto em 1972 e, se bem que possa haver pessoas que
o considerem tendencioso, parece-me uma definição do êxito - e das
limitações da escultura modernista) .
Uma das consequências da preocupação do modernismo pela procura de abso
lutos estéticos é, em retrospectiva, extraordinariamente óbvia, o que torna a
mudança e a variedade mais difíceis de justificar. Se partirmos do princípio de
que esta série de formas e só ela, de que este tipo de texturas e só ele são os ideais
(negando todos os restantes), acabamos por fazer com que tudo se torne muito
parec ido. Foi o que aconteceu à arte abstracta e o que se passou com a arqui
tectura cláss ica. Falando sem rodeios, esta uniformização é prejudicial para
o negócio. Os produtos começam a parecer-se entre si, dificultando a
dinâmica do capitalismo concorrencial não só no sector fabril mas
também na arte.
A expressão-chave "diferenciação de produtos" interessa a todos quantos tra
balham em regime concorrencial, sejam eles pintores, escultores ou fabricantes
de máquinas fotográficas ou secadores de cabelo. Robert Blaich, director
executi vo de design industrial na Philips, disse a Alix Freedman do Wall Street
o Panorama Doméstico Actual
lournal: "Os produtos são, hoje em dia, de tal maneira idênticos que, se lhes
tirássemos as etiquetas, não saberíamos qual a empresa que os produziu" 7
E assim se chega à semântica do produto, tema em que os Estados Unidos estão
a ser pioneiros. Este conceito refere-se aos produtos que patenteiam o que são,
o que fazem e o seu modo de utilização. Talvez os melhores exemplos de
produtos semânticos sejam, de facto, os das cozinhas do século XIX , e
imposs ível imaginar (num contexto de familiaridade com a cultura material,
evidentemente) um aparelho cuja finalidade fosse mais evidente do que um
batedor de claras manual.
Mas o design de objectos evidentes e de fácil utilização foi dificultado, no final
deste século, pela utilização da electrónica. O designer não lhe conhece a
finalidade nem tem a auxiliá-lo um imaginário que lhe permita transmitir a
função ao utilizador. Os dispositivos com rodas, engrenagens e manípulos
possuem uma lógica clara sobre o seu modo de operação, mas, mesmo se
desmontarmos as caixas do nosso computador, telefone, rádio, televisor,
vídeo ou telecopiador para lhes ver as entranhas, estas continuam a ter, para
a maioria das pessoas, o mesmo significado que os órgãos internos tinham
para os anatomistas do Renascimento.
Estamos, no entanto, perante dois aspectos diferentes: um é a intenção de
desenhar objectos funcionais e de utilização óbvia; outro, a diferenciação de
produtos. O artigo de Freedman no Wall Streetlournalfocou um ponto muito
revelador, que tem talvez mais sentido para os europeus do que para os norte
-americanos: cita Michael S. McCoy, do Departamento deDesign da Academia
de Arte de Cranbrook, que afinflou que as primeiras tentativas de design
"expressivo" não tiveram necessariamente muito a ver com uma expressão
genuína da máquina. Os grandes estabilizadores traseiros dos carros norte
-americanos dos anos 50 sugeriam velocidade, davam ideia de existirem para
ajudar a manter a estabilidade de um automóvel veloz. Na realidade, não
tinham qualquer justificação científica. Hoje, diz McCoy, a nova geração de
automóveis exprime os seus bons desempenhos através das linhas cienti
ficamente estudadas da carroçaria. Mas estes carros (como o F ord Taurus) são
ainda uma minoria nos Estados Unidos. Têm um aspecto diferente dos da
concorrência. No Noroeste da Europa, onde a ciência e a expressão se fundiram ,
no design automóvel, os carros parecem todos iguais. E este o problema da ,
ciência e dos absolutos: gera-se um único tipo de sol ução. E, frequentemente,
uma resposta muito expressiva, mas distorce as regras da economia capital ista
da concorrência. Os fabricantes europeus de automóveis estão a braços com
um grande problema de diferenciação de produtos. Consequentemente, assi ste-
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o Panorama Doméstico Actual
-se a um frenes im na produção de diversos tipos de acabamentos de pintura,
carros de "edição especial" com nomes exóticos, com adição de grafismo e
com jantes trabalhadas. Não se trata propriamente de uma conspiração, na
medida em que as pessoas gostam de ser diferentes (até certo ponto) e que a
diversidade revitali za apetências adollllecidas. No entanto, tentar estabe lecer
diferenças nas motivações dos fabricantes e saber até que ponto querem
satisfazer os desejos ex istentes ou pretendem estimular novas apetências faz
com que o cepticismo de Baudrillard sobre a irrealidade do real se torne mais
aceitável aos nossos olhos .
Os objectos estáticos, ou aq ueles com que andamos de um lado para o outro,
e -que têm'entranhas eléctricas, são mais fáceis de abordar, já que as duas
intenções serem funcionalmente expressivos e terem um aspecto diferente
dos da concorrência se podem combinar, sem perda de integridade de
design nem de dinâmica de marketing. Os rádios e as estereofonias, por
exemplo, não transportam pessoas de um lado para o outro: são objectos que
não interferem mecanicamente com o Mundo, como acontece com os
automóveis. Não há perda de função pelo facto de se dar mais expressão
plástica a um rádio ou estereofonia; mas há potencialmente mais perdas, em
termos de eficiência e até de segurança, quando se decide aplicar a arte a
objectos que interagem mecanicamente com o ser humano e o mundo natural.
Os objectos estáticos e os manuseáveis dão-nos mais liberdade para fazermos
interpretações simbólicas, seguu mos os caprichos da moda ou os estilismos do
marketing (ou uma combinação dos três factores; as coisas, como as ideias, não
provêm de uma só fonte). Os designers defendem que, ao fazer com que um
produto exprima a sua função, há também que evitar torná-lo muito literal,
introduzindo-lhe uma nota de humor ou estabelecendo um paralelo entre o produto
e outro objecto (exemplo óbvio deste tipo de intervenção é o Phonebook de Lisa
Krohn e Tucker Viemeister, com a forma de uma agenda telefónica pág. 16).
O humor, a expressão e o paralelismo proporcionam boas hipóteses de tomar o
produto num elo entre dois imaginários o do des igner e o do utilizador. Os
objectos com estas características tornam-se, quase literalmente, poesia, porque
esta (como defende Philip LarkiIl 8) é o modo de descobrir as metáforas
apropriadas para estabelecer um elo entre a experiência de duas pessoas distintas.
Um dos exemplos que mais interesse suscitou no mundo do design foi uma im
pressora de agu lhas desenhada em 1987 pelo norte-americano L10yd Moore.
As impressoras deste tipo eram quase semprefeiase terrivelmente barulhentas.
Claro que, a princípio, suportava-se a fealdade e o barulho. Mais, quase não se
dava por isso, porque a sati sfação devida à enolme eficác ia da máquina
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Estudos paro uma pequeno máquina fotogrófico dos designers Ross lovegrove e Julian Brown (Reino Unido). A estético da
escultura "abstrocto ' modern ista foi al iado às necessidades fís icos do util izodor: o formo de pedra achotodo
tornai) agradável de segurar e utilizar . Não há, neste caso, qualquer imogético agressiva.
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o Panorama Doméstico Actual
relegava para segundo plano quaisquer outras considerações: de facto, a com
binação microcomputador/tratamento de texto/impressora de agulhas revolu
cionou a escrita. A necessidade constante de mudança e de melhoramento aca
ba, porém, por se afirmar; depois de termos uma máquina que funciona bem,
o objectivo seguinte é encontrar a melhor forma de relacionamento com ela.
A impressora de Moore é uma "escultura" assente num pedestal, fazendo
lembrar um púlpito. Pretende reproduzir a imagem do papel de impressão a
desfilar e capta igualmente a sua tensão firme e delicada, bem como a sua
(in)substancialidade. Como peça de design, é digna de aplauso. Curiosamente,
e se nos lembrarmos que este objecto é apontado como um bom exemplo de
"semântica", a impressora recebeu o nome de Elaine. Será que este objecto
expressivo é de facto um bom exemplo do que Forty e Hardyment, entre outras
pessoas, criticavam no design destinado às domésticas? Afinal de contas,
Elaine destina-se a tornar o local de trabalho mais agradável; mas quem é,
quase sempre, que bate à máquina? Uma mulher. E porquê chamar-lhe Elaine?
O design fica assim com a marca de uma série de pressupostos masculinos e
torna explícito um sexismo que estaria, de outro modo, oculto. A bela Elaine,
bonita de se ver, boa de tocar e trabalhadora leal os estruturalistas dos
departamentos de literatura das universidades de todo o Mundo teriam aqui
sem dúvida pano para mangas 9.
Posto isto, faz parte dos deveres do designer melhorar o mundo material
construído pelas pessoas em todos os seus aspectos, funcionais e emocionais.
A impressora de Moore, silenciosa, de fácil manutenção e bem construída
(não estava em produção na altura em que este livro foi escrito), representa um
melhoramento significativo .
A defesa, de cariz utilitário, da semântica de produto tornar algo mais fácil
de utilizar é sem dúvida positiva. No design do habitáculo de um
automóvel, da cabina de uma locomotiva ou de um cockpit, a finalidade do
design auto-explicativo é poupar vidas. Existe também (como foi dito já a
propósito de Jencks e do simbolismo) a necessidade de dar significados aos
nossos objectos e ambientes para assim criar uma certa sensação de finalidade.
Algumas discussões surgidas no debate do pós-modernismo/semântica de
produto são um pouco risíveis, pelo menos tanto como a autolatria da mais
nova geração de designers com o seu desejo de provocar emoções e de se •
exprimir através dos objectos. E duvidoso que a necessidade de um design
simbólico seja sempre tão premente como defendem alguns designers e que
as pessoas se deixem confundir durante muito tempo pela semelhança de
formas entre um micro-ondas e um televisor. Já a confusão dos comandos
de um e de outro é outra questão; e continua a ser importante desenhar
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o Panorama Doméstico Actual
instrumentos extremamente seguros e utilizáveis por deficientes e idosos.
A "ciência" da semântica de produto (o professor Reinhart F. H. Burter, da
Universidade do Estado do Ohio, afi rma que a sua equ ipa está a analisar o
assunto de uma forma sistemática, para lhe "retirar o componente de acaso")
parece correr o perigo de não dar a devida atenção a temas de design ainda mais
importantes. Por exemplo, Bill Stumpf, cujo trabalho para Herman Miller é
bem conhecido, fez uma palestra em Amesterdão, em 1987 10, em que manifes
tou as suas reservas sobre a nova moda de realçar a metáfora no designo
Stumpf não rejeita o papel da metáfora no des igno O trabalho que executou para
Herman Miller gira em torno da domesticidade, diversão e idiossincrasia no ,
local de trabalho. E sua opinião que há demasiados produtos que impedem a
interferência humana nas máquinas. Argumenta que é cada vez mais difícil
para cada um de nós fazer a manutenção do nosso próprio equipamento. Insiste
que as coisas deveriam funcionar melhor (ver também págs. 142 e 143),
conceito que engloba a possibilidade de podermos substituir peças avariadas
sem termos de recorrer a pessoal técnico especializado. Este tipo de re
avaliação do design desafia, evidentemente, a hegemonia dos fabricantes -
uma hegemonia, um poder que assenta na obrigatoriedade de deitarmos fora
coisas que, "aparentemente, não vale a pena arranjar".
Pode bem acontecer que osdes igners, enquanto estilistas, estejam simplesmente
a substituir um tipo de caixa plástica por outro, demonstrando, uma vez mais,
o poder que o dinheiro (através de grandes empórios industriai s) tem de alterar
sucessivamente a "cara" daquilo que apresenta ao público, ao mesmo tempo
que mantém o controlo do seu principal interesse fabricar em grandes
quantidades, da forma mais conveniente e proveitosa possível para si próprio.
Stumpf porém, subverte intencionalmente ou não algo que os novos ,
designers muito prezam: a sua impoluta honestidade. E que não há margem
para dúv idas que a semântica de produto não só diferencia o fabricante, como
reflecte a identidade do designer. Quanto mais elaborado for o objecto, mais
evidentemente funcionará, para o designer, como veículo publicitário. O
design é também um negócio concorrencial de grandes dimensões e o trabalho
de Stumpf traz implícita uma grande dose de subversão relativamente a esta
atitude. Na referida conferência de Amesterdão, em que explorou a relação
entre educação e des ign , afirmou que o conforto é uma característica da boa
educação e definiu-o como uma ausência de irritação. O conforto ex iste
quando as infra-estruturas são dados adquiridos , quando não há imposição.
Deverá, então, o design ser confortável? Ser impositivo ou manter-se em
segundo plano? Servindo, mas sem irritar? Não será me lhor deixar o espalha
fato para os artistas?
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5
DESIGN DE LUXO
o uxo do design
Os desafios que o consumismo coloca à ecologia resultam claramente da
escala a que é praticado. De uma maneira geral, quem desenha e produz para
os muito ricos não corre o risco de trazer grandes males ao Mundo, porque o
clube dos ricos não é assim tão grande (claro que a utilização continuada do
marfim, peles raras e embutidos de madeiras exóticas são excepções a uma tal
generalização l. E, no entanto, desenhar para os muito ricos é um quebra-cabeças com interesse.
Porque se os designers têm de criar - de acordo com a expectativa da maioria
dos seus clientes artefactos com ar de serem verdadeiramente caros,
luxuosos e até únicos, que devem eles fazer para conseguirem preencher
requisitos tão exigentes?
Mais intrigante ainda é este aspecto: como imaginar objectos que valem
mesmo muito dinheiro? Por exemplo, uma refeição que custe 50 dólares pode
considerar-se melhor do que outra que custe 25. Mas será possível que, custan-•
do 500 dólares, seja 20 vezes melhor? E óbvio que, para além de um certo limiar - bas tan te baix o - , se começa a pagar mais do que a necess idade
básica de uma alimentação adequada. Os ricos, como a maioria de nós, entram
rapidamente numa espiral aquisitiva. Mas, mesmo assim, haverá um ponto em
que o espírito inventivo do designer não consegue acompanhar esse ritmo e
em que a sua capacidade para criar novos estímulos esmorece. Aquilo que fica , aos ricos por comprar é a Natureza, a arte e as outras pessoas. E, contudo, os
designers, os retalhistas e os próprios ricos não desistem. O mundo do design
de luxo desenvolve-se num esforço cada vez maior para ir buscar lucros aos
ricos e manter uma distância feita de exclusividade e luxo relativamente
ao resto do mercado consumista.
I A expressão "design de luxo" é utilizada aqui para abranger duas categorias
principais de design e produção de objectos domésticos ou de lazer, a que
demos o nome de objectos paradisíacos e objectos de figuração.
Objectos paradisíacos: objectos destinados a serem comprados pelos ricos.
Objectos de figuração: objectos destinados a serem comprados pelos que
gostavam de ser ricos.
OSDM-8
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Design de Luxo
Há muitos exemplos de objectos paradisíacos que apenas podem ser com
prados pelos ri cos, de que os automóveis fe itos à mão, os ve le iros da classe
America's Cup e os aviões particulares são os mais notóri os. Ex iste também
todo um universo de versões caras de objectos vulgares : malas de viagem,
vestuário, acessórios ebibelols . Todos eles são dirigidos ao clube internacional
dos ricos . Ex istem subdivisões no interior deste clube, incluindo a que
distingue ricos e novos-ricos. Os novos-ricos, ai nda des lumbrados com a
novidade do facto, têm proporcionado uma miríade de oportunidades comerciais.
Nicholas Coleridge, no seu livro "The Fashiol1 COl1spiracy" (1988), refere o
cúmulo do exagero na elaboração das listas de presentes de Natal "Para
homem" e "Para senhora" da loja Nierman-Marcus, de Dallas :
1960: avionetas (para ele e para ela)
196 1: juncos chineses (para e le e para ela)
1967: camelos (para ele e para ela)
1970: Thunderbirds (para ele e para ela)
197 1: sarcófagos (para ele e para ela)
O hábito mantém-se hoje em dia, mas há também muitos exemplos de
objectos como os sedutores objets d' ar! de Aless i que são caros mas
dirigidos tanto aos profissionai s liberais com rendimentos confo rtáveis ou com
acesso ao créd ito como aos ricos propriamente ditos. Sem que isto implique
uma crítica a Alessi (referi mos os seus produtos por serem de facto muito
desejáveis), constatamos que os seus objectos estão para um consumidor
cri terioso mas de poucas posses como os da loja de um museu para um
consumidor que, embora conhecedor de arte, seja relati vamente pobre.
Visitem-se grandes museus, actual mente com um estatuto próx imo do das
igrejas (como o Metropolitan Museum de Nova Iorque) e admirem-se os seus
tesouros , cuja posse é quase tão inacessível como o reino dos céus. No entanto,
podemos ir à loja do museu e comprar uma lembrança, uma figuração daquilo
que não podemos possui r. Os artefactos de Alessi oferecem o mesmo género
de possibil idade, a compra de uma figuração de um mundo onde não consegu i
mos entrar, o mundo dos verdadeiramente ricos.
Em 1982, dois empresários norte-americanos, Addie Powell e Nan Swid,
fundaram uma empresa em Nova Iorque que organiza colecções de serviços
de mesa desenhados por arqui tectos famosos. Segundo Powell, produzem
"s ímbolos de sta!U a preços acessíveis". Num anúncio de uma das lojas podia
ler-se: "Leve para casa um original de Richard Meier por muito menos
Design de luxo
dinheiro" I Tanto o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque como o
Metropolitan têm artigos das colecções de Swid Powell.
Querer "produzir símbolos de statu a preços acessíveis" não é necessaria
mente mau existe uma falta de generos idade em troçar das pessoas que
querem ter qualquer coisa para se ex ibirem, sobretudo quando a maioria de
nós gosta de as possuir. Além disso, nada indica que desenhar símbolos de
status acessíveis conduz a um design inferior tudo depende do ponto de
partida do designer.
Por exemplo, o BMW 316i é um símbolo de statu acessível; é o modelo mais
barato da BMW (é evidente que acessível é um termo relativo, mas este
automóvel, quando comparado com um Rolls-Royce, um Ferrari ou um
Porsche nos automóveis, os mais óbvios símbolos de statu , o 3l6i
manifesta o mesmo tipo de qualidade a um custo muito inferior). Tem-se
descrito o BMW como parecendo ter sido esculpido a partir de um bloco de aço
maciço. Comprar um não só revela bom gosto, mas representa também uma
compra acertada: é um bom produto no que diz respeito à segurança, à qual idade técnica e aos acabamentos. Os designers tomaram como ponto de
partida a concepção de um bom automóvel cuja qualidade perceptível iria
agradar aos potenciais clientes. Por outro lado, a maior parte do design de
invólucros exteriores seduz o comprador, prometendo-lhe mais do que o
objecto na realidade oferece.
Existe outra categoria ou subcategoria do design de luxo que inclui produtos
como as bicicletas feitas à mão bicicletas fabricadas individualmente,
segundo os requi sitos do cliente, para que possam ter um desempenho pelo
menos tão bom como qualquer outra para a finalidade pretendida, por exemplo,
para cicloturismo ou provas de montanha. Outros exemplos são as canas de
pesca, as armas de fogo e os arcos-e-flecha de fabrico especial. O que determi
na a pertença ao grupo dos possuidores deste tipo de objecto não é a riqueza
por si só, nem o desejo de se lhe associar, mas sim o conhecimento profundo
de um passatempo levado a sério, ao ponto da paixão. Assim, uma pessoa de
parcos recursos poderá poupar bastante ou privar-se de outras coisas para
obter o objecto que a fará alcançar os melhores resultados no passatempo da
sua preferência.
O elemento-chave em coisas como as boas bicicletas de corrida ou de turismo
tem a ver com a primazia da função. Se o desempenho de um instrumento for
de importância crucial, as considerações de tipo metafórico, de sensualidade,
cultura, marketing e exibicionismo não têm grandes hipóteses de integrar o
design nem sequer o estilo do produto. A bicicleta especializada é disto exem-
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Design de luxo
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A tecnologia e o morkeling criaram um estilo que opregoo ·culturo· e -dinheiro·. Actuolmente, os museus trotom este
tipo de objectos de uma forma que tende o elev6·los à categoria de ·orte" .
pio. Além disso, as qualidades técnica , de design e de acabamento necessárias
ao fabrico de uma boa bicicleta funcional colocam-na numa classe à parte.
Graham Vickers escreveu muito sobre design de velocípedes e criticou os
fabricantes e designers que tentaram melhorar a concepção bás ica da bici
cleta. Têm vindo a surgir alguns designs engenhosos, mas, afirma Vickers,
trata-se normalmente de soluções inteligentes para problemas criados pelos
próprios designers. O essenc ial numa boa bicicleta, quer seja de corrida ou de
passeio, é o quadro. Vickers explica que as suas qualidades são a rigidez e a
leveza. As variáveis incluem os ângu los do quadro, que são determinados pela
finalidade a que se destina a bicicleta. "Variam-se os ângu los do quadro para
permitir diferentes tipos de resposta ... Um quadro com um ângulo de 74° e um
garfo de 1,5 polegada permite uma resposta rápida ao esforço muscular". Mas
uma tal configuração é desconfortável num terreno acidentado em que " um
ângulo de 71 ° ou 72° e um garfo até 2,5 polegadas conferem uma melhor
absorção do choque, mas uma resposta mais lenta".
Claro que a qualidade do trabalho do artífice é importante. Diz Vickers: "No
Reino Unido, as empresas familiares de construção de quadros funcionam
muitas vezes quase em rotura financeira. E contudo o artesão trad icional conti
nua a orgulhar-se de fazer um bom trabalho".
Design de Luxo
Em todas as categori as do design de luxo, o conceito de perícia profissional do
artesão é importante . Os barcos à vela são feitos à mão; as malas de couro são •
muitas vezes de produção manual; sapatos, choco lates e equipamento despor-
tivo são fe itos ou acabados à mão. Frequentemente, a produção manual é, em
termos económicos, a única alternati va. Se um produto tiver uma clientela
restri ta (mas suficientemente ri ca para poder pagar bem), sai mais barato
uti lizar artesãos doque investir em maquinaria " inteligente", mui tod ispendiosa.
De qualquer modo , chega-se à conclusão de que ter uma fábrica che ia de
máquinas inteligentes muito dispendiosas ex ige uma mão-de-obra mui to
dispendiosa e inteligente (se bem que em número reduzido) para a manter
operacional.
Mas, para além da sua necessidade económica, a presença de mão-de-obra
manual ind icia a presença de um ti po especial de serviço. Como disse David
Pye (ver págs. 140 a 144), grande parte do trabalho artesanal implica um ri sco
de falhas, pelo que o trabalhador tem de estar especialmente alerta. Além
disso, faze r bem seja o que for, manualmente (embora recorrendo a tantas
máquinas e d ispositivos quanto poss ível), requer de facto. uma grande dose de
altruísmo - o artesão está frequentemente a trabalhar integrado numa equi pa
e existe um empenhamento no produto que está muito para além do interesse
pessoa l do artesão individual.
No entanto, e sem tentar sugerir que o capitali smo é prejudicial ao design, é
absolutamente verdade que uma das características subjacentes ao design de
luxo para além de criar os melhores arte factos poss íveis fazendo uso das
melhores capacidades humanas é fazer alarde do dinheiro.
A deificação do dinheiro
O primeiro aspecto com que deparamos ao apreciar o esquema mental dos ri cos
é o facto destes constitu írem uma entidade que ignora fronteiras nacionais. Os
retalhistas de Londres, Paris, Nova Iorque e Milão sabem que os ricos, seja qual
for a sua nacionalidade, têm mais em comum entre si do que em relação às
classes mais desfavorecidas dos seus próprios países. O norte-americano
Lewis H. Lapham, editor da revista Harpers e autor de "Money and Class in
America" (publicado em 1988)2, descreve, com conhecimento de causa, a
sensação de se ser ri co. Afirma que se parte do princípio de que "o Mundo
existe para nos apaparicar" . O Mundo sorri aos ricos . Os chefes de mesa
ex istem para representar a opinião do M undo e "a sua deferência amável
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Design de Luxo
Existe um sem-número de obiectos de consumo com elevados desempenhos e excelente qual idade de fabrico ó disposição de q uem os posso pagar. Q uem seNe os ricos esforço-se por dor-lhes "exclusividade". Esta máquina Nikon é fol heado o ouro.
No página 00 lodo: Jorro desenhado por fv\orcello fv\orondini (Itália, 1983) poro a empresa cerâmico alemã
Rosenthol. Troto-se de um bibelotde prooução limitado.
confirma a cada homem a imagem que este tem de si próprio". Lapham
argumenta que, nos EUA, o dinheiro tudo pode e é um fim em si mesmo. Os
objectos que compramos, por mais elaborados que sejam, nunca conseguem
fazer justiça plena ao deus-dinheiro. Sugere que, para os norte-americanos, o
simples facto de uma coisa ser mais cara contribui para a sua imagem de
eficácia: assim, um avião de transporte de 13 biliões de dólares terá necessa
riamente de ser melhor do que um de 10 biliões. Nos Estados Unidos da
América, o dinheiro tem um poder imenso: os muito ricos podem comprar as
coisas mais extraordinárias "é difícil imaginarmos algo que não possa ser
comprado ou vendido nos EUA: a Presidência, uma cadeia de televisão, uma
vida mais longa, um juiz concelhio, um lugar de embaixador. .. " . Se os
europeus ricos têm ou não mais limitações no que podem comprar com
dinheiro é di scutível. Podem comprar cadeias de televisão e de jornai s, e são
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120
Design de luxo
hábeis na "compra" de situações que lhes conferem um poder suficiente para
defender a sua esfera de interesses.
Segundo Lapham, o facto de possuírem muito dinheiro faz com que os ricos
se sintam diferentes quanto à sua própria mortalidade. Ousaria Deus abater as
figuras de proa da Mobil Oil, da IBM, dos Estados Unidos? E Lapham acres-,
centa uma nota interessante: "E precisamente esta superstição que está na
origem de toda a tinta que continua a correr a propósito do naufrágio do Titanic.
Tal como o navio, que era feito à sua imagem e semelhança, os magnatas que
se encontravam a bordo, entre eles um Astor e um Widener, eram suposta
mente invencíveis ... Dois dias depois, em 17 de Abril de 1912, o Empress of
lreland afundou-se no estuário do rio São Lourenço, afogando 1000 passageiros.
Ninguém recorda o acontecimento, porque as vítimas faziam parte de um
estrato anónimo, sem projecção social".
Os r icos podem dar-se ao luxo de requi s itar trabalhos especiais e
desnecessários dois ou três criados de mesa, homens ou mulheres cosendo
manualmente os estofos de pele que irão equ ipar os seus automóveis, eles
próprios laboriosamente feitos à mão.
Se um cesto de comida se destinar a piqueniques, é importante que seja feito
à mão. A exclusividade, característica que ser rico permite desfrutar, resume
-se normalmente a poder comprar-se os serviços e o servilismo de outras
pessoas. Isto não significa necessariamente que quem serve os ricos seja sobre
explorado; pode até ser bem pago e merecer a estima e o respeito dos seus cole
gas artífices. Pode inclusivamente, já que o dinheiro não é obstáculo, ter a sorte
de exercitar o melhor das suas capacidades na produção de coisas para os ricos.
O poder de deter direitos exclusivos sobre o trabalho de outra pessoa é atraente,
porque a posse do tempo de outrem é inestimável. Todos as restantes vertentes
de um objecto podem ser copiadas, produzidas em série e mesmo horror
dos horrores popularizadas. ;
É isto que marca a diferença entre a década de 1980 e a de 1890, a de 1909 e
até a de 1949 a capacidade do design industrial e dos fabricantes produ
zirem bens que não podem ser melhorados, independentemente do dinheiro
que se tenha. Os ricos sentem a sua exclusiv idade constantemente ameaçada.
Não deixa de ser irónico o facto do presidente da Aston Martin Lagonda,
construtora de automóveis exclusivos, vir declarar que um BMW é tão bem
concebido do ponto de vista técnico como qualquer dos seus próprios auto
móveis, quando a diferença de preço pode atingir os 100 mil dólares. Mas,
numa época como a nossa que é tão notável na capacidade de produzir bons
artigos para as massas (veja-se a lata de Coca-Cola), a diferença qualitativa
Design de Luxo
da maior parte dos objectos é inevitavelmente muito reduzida. Este é, ironi
camente para o socialismo, um dos êx itos do capitalismo.
Para além de determinado preço, relativamente baixo (quando comparado com
outros períodos da hi stória), os ricos não podem comprar melhores máquinas
fotográficas , computadores pessoais, chaleiras eléctricas, televisores ou grava
dores de vídeo do que o leitor ou eu. O que podem, isso sim e é o que faz , .
o comerCIO - , é acrescentar "extras" desnecessários ao objecto. Pode
mandar-se dourar uma máquina fotográfica, ou mandar pôr uma pega de rubi
na chaleira. Por outras palavras, pode inventar-se um produto exclusivo e é o
que fazem algumas lojas. O elemento de design nunca é inovador; dá-se a um
design existente uma roupagem exótica a um preço intimidatório. No Natal de
1988, a Dunhill, uma das lojas para ricos mais sofisticadas, com sucursais
espalhadas pelo Mundo inteiro , propunha, sob a designação "The emft of
Giftmanship" ("A arte de bem presentear"), uma grande variedade de artigos
de luxo , tais como uma carteira de homem de pele de avestruz, uma garrafa de
bolso com forro da mesma pele, uma caixa de charutos de tuia e um relógio
milenar com mostrador Champagne. Até os nomes faziam parte do valor acres
centado: "champagne", por exemplo, designa a cor do mostrador do relógio.
Objectos paradisíacos
Na Europa, os objectos paradisíacos mais conhecidos, que transpiram qualidade
e exclusividade, são os veículos automóveis. Em 1988, a Landor Associates
realizou um inquérito acerca de marcas, regido por dois critérios: a familia
ridade do consumidor com a marca; em que conta o consumidor tinha o
produto. Na Europa, a Rolls-Royce atingiu o 15.0 lugar em termos de familia
ridade, mas o 1.° em termos de qualidade. Por outro lado , a Coca-Cola, a única
marca mundial que está na boca do Mundo, ficou no 66.0 lugar em termos de
qualidade talvez porque, como comentou a revista The Economist, as
pessoas se preocupavam com o seu teor de açúcar.
A Porsche é uma das marcas que se associam aos muito ricos e à qualidade. A
maioria das pessoas conhece-a através dos automóveis Porsche. Mas existe
também uma empresa separada, a Porsche Design, cujo gabinete é em Zellam-,
-See, na Austria. Os seus designs para empresas como a Poltrona Fmu (Itália),
a Artemide (Itália) e a InterProfil (Alemanha) abrangem a iluminação, o mobi
liário e os acessórios. Estes acessórios, tai s como sacos e malas de mão, óculos
de sol e cachimbos, são comprados pelos ricos e pelos que a isso aspiram. São
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Design de Luxo
Paro quem tenho posses pa ro adquirir O Kjneo, os afirmações promocionais do Porsche, do tipo·O espaço tem limites.
A liberdade também ", sôo uma confirmação reconfortante do legitimidade do privi légio .
bem fabricados, exactos e rigorosos no seu design pequenos objectos de
peIieição que publicitam, eles próprios, o seu êxi to e excl usividade. Este gabi
nete de design também desenhou "brinquedos" só acessíveis aos ricos,
incluindo um barco de recreio com motor fora de borda, o Kineo .
O Kineo tem um design cuja metáfora fundamental é a estética da máquina;
parece-se com o tipo de máquina que só o dono de um empório industrial ,
poderia apreciar devidamente. E como que uma síntese visual da eficiência
germânica, da obsessão futurista pela velocidade e doflirt do pós-modernismo ,
anterior à Segunda Guerra Mundial. E intimidatório e agressivamente fálico.
Aplicam-se, com demasiada facilidade, conotações sexuais ao des ign de alta
tecnologia. Mas este objecto transmite uma imagem de afirmação sexual e de ,
pujança que só a beleza, o dinheiro e ajuventude podem dar. E um objecto ideal
para desfrutar as alegrias do Mundo.
E is a descrição do Kineo, incluída no catálogo Porsche intitulado "Liberties
and Limits" (1986/7): "O design invulgardo seu convés é baseado em critérios
puramente ergonómicos e funcionais (sobretudo no que diz respeito à liberdade
de movimentos sob o convés), contendo igualmente alusões estéticas a sím
bolos de agressividade, tais como submarinos e torpedos. Estes elementos,
Design de luxo
ASTON MARTIN
/
A As/on NkJrlin lagando constrói corros desportivos velozes e de excelente qualidade. feitos à mÕo. Idealmente, um
As/of] Mar/in deve pertencer o um jovem piloto aviador, louro, inglês, herdeiro do memório do Botalho de Inglaterra e do Spitfire.
funcionalmente exteriores, foram esti listicamente incorporados nele". A men-,
sagem é sobranceira e desafiadora. E interessante notar também o tipo de
exclusividade irradiado pelo catálogo, que demonstra elitismo intelectual e ,
patenteia a raridade da riqueza. E quase fi losófico, quase intelectual no seu
rigor é como se Kant se tivesse tornado ch iquee Wittgenstein um designer
-herói (o que está a acontecer, aliás 3). Vejam-se as afirmações e citações em
vários pontos da brochura. Por exemplo:
o espaço tem limites. A liberdade também.
A liberdade pode parecer ilimitada, mas claro que não é. Rudolf Virchow,
médico e erudito , disse: "A liberdade não é o capricho de fazer o que nos
apetece, mas sim saber agir de forma razoável".
A razão ostensiva para a inclusão no catálogo destas e de outras citações é
sugerir, sem excessos de argumentação, a adequação do design Porsche. Este
tem as suas raízes no estilo depurado da Bauhaus. Emprega um certo ar de
simplicidade como representação da razão e da lógica, ao mesmo tempo que
introduz uma série de pormenores estéticos que não podem ser justificados
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Design de luxo
pela razão (cf. pág. 142 e a análise de David Pye das contradições inerentes à
habitual argumentação "a função determina a forma"). As referências à
liberdade e aos seus limites são, assim, uma maneira elegante de ir contra o pós
-modernismo (como o demonstrou Graves) e as experiências excessivamente
permiss ivas; admitindo simultaneamente que, embora o design Porsche tenha
as suas raízes nos ensinamentos da Bauhaus, não adere rigorosamente ao
"antiquado" dogma modernista.
Igualmente significativo é o alcance político destes comentários: dirigem-se
não a meros consumidores, mas à classe social superior, que detém o poder e
para quem o debate sobre limites é, mais do que uma especulação filosófica, ,
um tema de interesse prático. E quase como se as metáforas empregues pelo
design Porsche sugerissem um propósito oculto um design que articula
poder, controlo e domínio de um modo semelhante ao das pinturas ou estátuas
equestres ao longo dos séculos.
No Aston Martin, de design britânico, as metáforas visuais são semelhantes:
o Aston Martin V8 e o V8 Vantage Volante são veículos grandes e agressivos.
No entanto, as metáforas ocultas estão lá. O fabricante de automóveis Aston
Martin Lagonda produz o único carro do Mundo inteiramente feito à mão (não
confundir com os apenas montados à mão). Existem alguns carros de luxo, de
grande qualidade, em que se faz manualmente a montagem de peças prensadas
ou fabricadas por máquinas. No Aston Martin, o châssis e a carroçaria são
formatados e moldados por operários que batem as peças com malhos. Grande
parte do motor (que é montado à mão) é fabricado nas próprias instal ações a
partir de peças em bruto fornecidas por uma empresa subcontratada. As caixas
de velocidade, a transmissão e o equipamento eléctrico são também fornecidos
do exterior é que fazer à mão a lâmpada de um farol seria uma idioss in
crasia invulgar, mesmo para um britânico.
Se uma pessoa quiser, pode visitar a fábrica e assistir à construção do seu
próprio carro. Poderá então gozar todos os prazeres associados ao facto de estar
tanta gente a exercer as suas extraordinárias capacidades especialmente para
si. Uma experiência que não é, evidentemente, barata.
Feitos à mão
Seria errado pensar-se que os artesãos envolvidos na criação de artefactos
dispensiosos e únicos para os ricos são necessariamente subservientes; não
são, com certeza, explorados. Com efeito, a criação de um artefacto por uma
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•
Design de Luxo
equipa de pessoas altamente qualif icadas e habilidosas que trabalham para
um indivíduo é complexa e, enquanto acto laboral , envolve valores que po
dem ser muito estimáveis . Vamos, pois, analisar mais pormenorizadamente a
criação de um outro tipo de "objectos paradisíacos": a tapeçaria moderna.
A transfOI Illação de quadros em tapeçarias para os ricos é um negóc io flores
cente. Pintores como Helen Frankenthaler (EUA), David Hockney (GBI
lEU A), Sir Eduardo Paolozzi (GB) e Frank Stella (EUA) viram já os seus
quadros passados a tapeçaria. Porquê? E por que razão •
sem com ISSO
desmerecer os eminentes artistas atrás referidos seria particularmente
surpreendente ver o trabalho de Georg Baselitz passado a tapeçaria? As obras
dos pintores acima referidos, e de muitos mais ainda, foram traduzidas pela
Edinburgh Tapestry Company, uma das poucas empresas de tapeçaria do
M undo 4 A PepsiCola, por exemplo, encomendou-lhes um conjunto de onze
tapeçarias, cada uma delas baseada numa ilustração de Frank Stell a.
A tapeçaria difere da pintura porque o tipo de estruturação e construção da
superfície encaixa mais facilmente e se identifica com mais naturalidade com
outras superfícies presentes numa sa la, feitas ou fOljadas pelo Homem. Ao
passo que um quadro constitui , diz-se, um ambiente em si mesmo ,
- sotem
a ver consigo próprio, não com os restantes objectos da divisão em que está 5.
Os efeitos da refracçãci e da reflexão da luz são também diferentes. A superfície
não porosa da tinta reflecte a luz; os fios da tapeçaria absorvem-na e ela parece
dançar no seu interior. A cor é, assim, av ivada, razão pela qual a tapeçaria pode
ser um meio de extraordinária riqueza. A crueza dos materiais, o tipo de fio
utili zado, bem como a densidade da urdidura são factores determinantes da
natureza da textura. E, ao alterar a textura, pode-se, literalmente, modelar a luz.
O dinamismo da superfície têxtil e a riqueza das cores entusiasmam os pin
tores. Na Edinburgh Company, o directorexecutivo, James More, explica que
ele e os colaboradores passam tempo a conversar com o artista, falando sobre
o trabalho e debatendo possíveis imagens para serem transfollnadas em
tapeçarias. Gostam, como é natural , de viver por momentos a experiência de
um arti sta.
Depois de escolhida uma imagem, é realizado um cartão e os fios da urdidura
no tear são impressos com uma cópia a tinta. Os tecelões guiam-se pelas
marcas de tinta à medida que avançam, centímetro a centímetro, pela imagem
fora. O primeiro quarto da tapeçaria é fu ndamental , porque detellflina a gama
de matizes, tons e texturas do resto da composição. Ao contrário da pintura, a
tapeçaria não é um suporte que se possa ir trabalhando em toda a extensão;
implica, sim, um percurso linear, passo a passo como escalar uma
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Design de Luxo
montanha. Na Edinburgh, trabalham três ou quatro tecelões numa mesma
tapeçaria; estabelecem um consenso que "encadeia" o trabalho de cada um no
dos outros e que, fazendo constantemente referência ao trabalho original do
pintor, os impede de fugirem cada um para seu lado.
Os tecelões insistem em que fazem traduções e não cópias. Odeiam a repro
dução servil de uma imagem pintada. A utilização de texturas análogas e a
criação da cor é, evidentemente, crucial. Sabe-se que na fábrica Gobelins, em
França, há fios de L7 000 matizes diferentes, mas a Edinburgh possui apenas
cerca de 1500. Os teceLões têm que misturar fios e, com a combinação de três
ou quatro de várias cores, entrelaçados de modo mais ou menos apertado, é
possível conseguirem-se matizes subtis. A técnica de misturar cores em
tapeçaria é, de certa maneira, pontilhista.
O processo mental de traduzir um quadro de Frankenthaler ou de Stella numa
tapeçaria situa-se entre os dois extremos da cópia e da invenção. Por um Lado.
os tecelões seguem o pensamento de outra pessoa; por outro. têm de raLer ul3~
trabalho de interpretação na criação da tapeça ria. -
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pinta, sabemos que a superfície que resulta ~la s suas pinceladas se deve tanto
a factos acidentais como a uma deliberada e consc iente dec isão do artista. Por
exemplo, se dermos uma cor e a suavizarmos com outra aplicada por cima -
cobrindo-a parcialmente não poderá dizer-se que tenhamos escolhido cada
centímetro do efeito resultante antes de termos pintado, ou mesmo enquanto
pintávamos. Podemos gostar do resultado global e decidirmos deixá-lo como
está, mas não foi nossa a escolha de todas as justapos ições visíveis, ponto por
ponto. O mestre tecelão, no entanto, ao recriar na tela essa zona esbatida, tem
que pensar cu idadosamente em todas as coisas que o pintor " resolveu de uma
assentada"; tem que recriar os efeitos acidentalmente criados pelo pintor em
actos deliberados, como os causados inicialmente pela velocidade do pincel, -pela gravidade, pela consistência da tinta e pela temperatura da sala. E por esta
razão que as tapeçarias têm geralmente um ar ligeiramente hirto; não são
produtos espontâneos.
Com efeito, e apesar de acharem que se trata de uma tradução e não de uma
cópia, os tecelões da Edinburgh mantêm-se fiéis aos esbatidos, aos pingos, às -linhas quebradas e às sobreposições . E sem dúvida um trabalho de inteli-
gência e interpretação, contendo porém um factor de cópia. A tapeçaria não
tenta nem pode afastar-se da pintura original: não é um fac-símile
daquela, nem a pintura é apenas um esboço da tapeçaria. As ideias do pintor,
as suas escolhas e percepções constituem a maior parte do universo do tecelão.
Design de Luxo
Os mestres tecelões demonstram capacidades e uma perícia de virtuosos, tão
raros nas belas-artes actualmente, Eis algumas:
- profundo conhecimento da cor;
- capac idade para interpretar as texturas;
- sensibilidade para as linhas;
- excelente capacidade de observação.
Nenhuma destas capacidades se ganha por rotina, cada uma exige uma com
binação de experiência, aprendizagem e intuição. Requerem inteligência e o
dom de uma imaginação sensível e emotiva que permite ao artífice colocar-se
no lugar do artista. Os mestres tecelões não são desprovidos de ego, mas o seu
objectivo é de natureza colectiva fazer jus à obra original. São, pois, na
melhor acepção do termo, servidores da pintura e co-Iaboradores do pintor.
Conseguiram este estatuto não por se terem tornado artistas, mas através do
rigor na aplicação das suas capacidades e do seu trabalho. Depois de um artista
decidir que quer uma obra traduzida para tapeçaria, passa a estar nas mãos,
olhos e imaginação do artífice. Este estatuto de igualdade decorre do desempenho
de papéis diferentes.
Não obstante, a moda contemporânea, na generalidade, opõe-se ao artesão e ao
virtuosismo. Considera tais manifestações um saber de segunda categoria.
Independentemente das outras qualidades que possam ter, as pinturas de
Julian Schnabel e de Georg Baselitz não podem ter pretensões a grandes
manifestações de virtuosismo.
Os tipos de pintura preferidos como motivo para tapeçarias pertencem a uma
de duas categorias, ou a ambas: optimismo e decoração. Os quadros de David
Hockney são normalmente optimistas e decorativos - as suas representações
dos efeitos da luz sobre os objectos, as suas pinturas de flores ou de naturezas
mortas de sabor doméstico têm a intensidade de um instante capturado na tela.
Outras obras, como as de Frank Stella ou Helen Frankenthaler, são certamente
decorativas e não são subversivas. Muita da pintura abstracta, independen
temente das teorias que rodearam o seu aparecimento enquanto produções de
arte, é na verdade uma glorificação do papel de parede - sem que sejam piores •
por ISSO. ,
A própria tapeçaria é uma arte decorativa. E um objecto que se relaciona com
outros, que "encaixa" bem com eles é um revestimento mural.
Mas a facilidade de transformar um Hockney ou um Stella em tapeçaria e a difi
culdade de o fazer a um Baselitz tem raízes mais fundas. Fazer uma tapeçaria
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Design de Luxo
é um acto construtivo e deriva de um enorme empenhamento humano: anos de
aprendizagem de técnicas, seguidos de centenas, talvez milhares de horas
passadas na realização de uma só tapeçaria. Um tal investimento em tempo e
habilidade revela uma crença no valor do objecto como algo que merece a ,
pena produzir. E, por conseguinte, um meio completamente inadequado para
manifestações subversivas, para intervenções antiarte, ou para gestos de
troça (tão em moda) contra a burguesia. Passar um Baselitz para tapeçaria
seria provocar um choque entre dois sistemas incompatíveis de valores. O
trabalho colectivo, recolhido, construtivo e laborioso dos mestres tecelões não
tem nada em comum com o desprezo pelo cuidado, atenção e escrupulosidade.
Retiraria também a um Baselitz aquilo que mais claramente tem a seu favor:
um carácter imediato, que põe quem o contempla em contacto directo com o
gesto físico do artista.
Claro que, por arrastamento, poderíamos redireccionar os valores da arte
decorativa, que incluem frequentemente uma demonstração de perícia e a
intenção de trabalhar para agradar. A importância do gosto colectivo pela
perícia é assunto para o próximo capítulo.
Então, porque é que as pessoas compram tapeçarias de Stella? Desde meados
dos anos 50 que os grandes quadros abstractos têm tido excelente receptividade
por parte de grandes clientes institucionais. Grandes e coloridas, muitas vezes
sem tema definido, são abstracções que ligam bem com outros artefactos
contemporâneos, como as cadeiras Barcelona.
As tapeçarias podem ser mais do que isto: cliente e passantes dão-se conta do
valor monetário de tanta perícia e trabalho manual. Como investimento, as
tapeçarias têm a vantagem de, mesmo que as pessoas detestem o tema, terem
de reconhecer a perícia posta na sua execução. O contabilista da empresa pode
estabelecera preço do que foi comprado em termos de horas, contos, centímetros .
Uma tapeçaria fornece muita materialidade a um mundo materialista.
Melhor ainda é a combinação da rica e virtuosa substancial idade da tapeçaria .
com o facto de provir de um artista conhecido. Assim, as tapeçarias Had
Gadya, de Stella, reali zadas para a PepsiCola, são acompanhadas por um catá
logo bem concebido , que contém o historiai da Colecção PepsiCola, de Frank
Stella, da Edinburgh Tapestry Company e das ilustrações para as tapeçarias.
Stella é apresentado como inovador; os tecelões, com toda a propriedade,
como mestres artesãos. Mas, não vá dar-se o caso de alguém pensar que a obra
de Stella surge da nada, explicam-se os antecedentes históricos do seu tra-,
balho. E-nos dito que a sua série de quadros se baseia no imaginátioconstrutivista
russo e na canção-parábola da Páscoa judaica, Had Gadya. A linhagem dos
Design de luxo
tecelões de Edimburgo tem as suas raízes mais profundas no estúdio de
William Morris, de Merton Abbey.
As tapeçarias têm outras qualidades, como a durabilidade. Uma tapeçaria
moderna durará, com toda a probabilidade, 500 anos, e pinturas com um déci
mo desta idade estão já a causar dores de cabeça a muitos restauradores. Tem
ainda vantagens práticas, como a de suavizar a acústica de uma sala.
Mais importante que tudo o resto, são acessórios agradáveis. Na generalidade,
os objectos cuidadosamente realizados podem causar emoção, podem ser
kitsch mas raramente são cínicos, se é que alguma vez o são.
O design de luxo, sobretudo na área da arte e do artesanato, é geralmente con
servador e não subversivo, circunstância que se deve em parte ao facto deste
tipo de trabalho ser encomendado. Poucas pessoas ou empresas se dispõem a
encomendar obras que ameacem ou subvertam a sua escala de valores.
Existe uma distinção entre o trabalho desnecessário que é executado por ser
ventes ou por artesãos tradicionais ou quase tradicionais e aquele que é reali
zado por artesãos-artistas. O tipo de trabalho manual de que os ricos gostam
destina-se a agradar-lhes a eles, não ao artífice. O "artista" ou "designer
-artífice", que analisaremos no próximo capítulo, é independente de mais para
poder ser considerado como pertencendo à categoria do design de luxo. Os
produtos de fabrico manual comprados pelos ricos são conformistas, conser
vadores e claramente em sintonia com o capricho do cliente, não resultando
de um impulso de criatividade por parte do artífice. O design de luxo é
conservador porque os membros do clube dos ricos, para além de quererem
parecer diferentes dos pobres, procuram ser vistos como pertencendo ao seu
próprio grupo. Afinal, um dos denominadores comuns da sociedade é o facto
de quase toda a gente querer pertencer a uma classe ou grupo; a função dos
objectos materiais é representar essa pertença.
Objectos de figuração
Alguns dos objectos que adiante veremos são de marcas conhecidas em alguns
países da Europa ou em alguns Estados dos EUA, nos meios das profissões
liberais, dos aspirantes a ricos edos jovens atentos ao design e que a ele aspiram
(e, portanto, a um estatuto). Entre estes objectos de marca contam-se a Mont
Blanc, a Bang & Olufsen, a Bodum, a televisão de bolso Panasonic, a fotoco
piadora de mão Copy Jack 96 e a máquina de barbear Braun.
O aparecimento, na década de 80, do "design" como actividade na qual partici-
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Design de luxo
par, como co isa a adquirir, acompanhar ou discutir, parece ter paralelo no
interesse que despontou nas décadas de 60 e 70 pelas belas-artes. Nessa altura,
as belas-artes tornaram-se um bem de consumo de massas, por via dos milha
res de livros, dos milhões de postais e da cobertura agressiva, pedagógica e
impositiva, se bem que contraditó ri a, que as belas-artes receberam nos jornai s
e nas rev istas. Houve mesmo um período no início da década de 70 em que o
slogan era: "Somos todos artistas" . O design ainda não chegou tão longe.
No entanto, surgiu como um sério "objecto" cultural por direito próprio. Hoje
em dia, passa-se com o design o mesmo que com as obras de arte, que encerram
em si a possibi lidade de serem, elas próprias ou outras semelhantes, colocadas
num museu e, portanto, levadas a sério, como exemplo profundo da cultura
contemporânea. Antigamente, os objectos vul gares de uso quotidi ano só rara
mente acabavam por ir parar a um museu; mas, hoje em dia, desde que a sua
proveniência obedeça aos padrões da moda, há toda uma variedade de objectos
"estilo design" máq uinas de escrever, de barbear, chaleiras eléctricas,
microcomputadores, te lev isões de bolso, canetas que são coleccionados,
ex ibidos, catalogados, classificados e elog iados . O design não é apenas comér
cio, coisa do aqui e agora: graças à cultura museológica, é também cultura, é
também intemporal, é também clássico a palavra de louvor preferida.
A maioria das pessoas não pod ia, até ao presente, sonhar em possuir objectos
com um tal status.
Senão, vejamos: os museus coleccionam e ex ibem os mesmos produtos que
enchem as pág inas de rev istas de luxo e sobre os quais escrevem os gurus. E,
se estivermos sufi cientemente atentos, podemos comprar exactamente as
mesmas coisas: a projecção feita não só pelos meios de comunicação mas
também pelas entidades oficiais relativamente à chaleira Alessi, à caneta
Mont Blanc, à copiadora de bolso Copy Jack 96 torna cada um destes objectos
numa metáfora de si próprios. Ao comprarmos um, estamos a adquirir uma
fracção de algo com mu ito maiores dimensões a cultura contemporânea
oficial.
Tem-se o privilégio de possuir uma coisa que está presente nos melhores am
bientes e é co leccionada pela melhor soc iedade. E este privilégio é um bónus
para o facto de o objecto (tal como os acima referidos) ser, ele próprio, bem
feito, bem desenhado e tanto em termos funcionais como estéticos
verdadeiramente bom.
E aqui está outro aspecto que torna estes objectos de fi guração desejáveis. O
consumismo é alimentado, tornado fascinante, pela publicidade. Os estrata
gemas publicitários e promocionais cri am expectati vas, que, sobretudo anti-
Design de luxo
gamente, eram geralmente ilusórias . Os objectos reais não conseguiam pre
encher as expectativas que neles se colocavam, em parte porque elas funcio
navamcomo "objectos" em si produtos da imaginação que, porconseguinte,
existiam apenas na mente dos consumidores individuais. Por outro lado,
alguns dos produtos do final do século XX estão muito próximos da per
feição em termos de forma, tacto e modo de funcionamento; e, o que é mais,
preenchem pelo menos as expectativas materiais anunciadas pela public idade.
Não modificam a vida, mas é verdade que, cada vez mais, a fonte de desa
pontamento não é o produto em si. Até agora, pensava-se que só os ricos
podiam comprar o tipo de coisas que não nos desapontam. Como já se disse,
um dos crescentes êx itos da tecnologia é proporcionar uma democratização
da excelência.
A qualidade do design beneficiou e continua a beneficiar desta interessante
aura cultural. Investe-se muito talento na produção de objectos de todo o tipo,
mesmo os mais "vulgares", que não só são bem desenhados, mas também
bonitos. Entre eles contam-se talheres, puxadores de portas, máquinas de
escrever, relógios e canetas. O facto de haver quem os coleccione, quem sobre
eles escreva, de serem objecto de debate, analisados em pOl menor, bem como
o facto de se reconhecer existir uma iconografia do design, um vocabulário,
deu seriedade ao assunto e ao fabrico em série. Estas qualidades diferem, na
escala e na profundidade de investigação, de tudo o que antes ex istiu, incluindo
a Bauhaus.
O cepticismo, é claro, abunda. No final de 1987, a revista norte-americana Spy
publicou um artigo sobre design, a que chamou Yuppy Porn. A introdução
diz quase tudo:
, , , E compacto. E sintético. E muito discreto. , E duro, mas pode ter o toque da borracha. , E preto ou branco ou cinzento ou prateado.
Foi desenhado por alemães ou italianos, ou por pessoas que gostavam
de ser alemãs ou italianas. , E provavelmente electrónico, talvez digital.
Não ex istia quando éramos crianças.
A sua qualidade é elevada mais elevada do que o necessário.
Não é uma necess idade. Precisa de ser exp li cado.
Não foi barato.
Sentimo-nos um pouco tolos e entusiamados quando o comprámos.
Sentimo-nos um pouco culpados, mas orgulhosos de o exibirmos.
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Design de Luxo
o artigo sustenta (e quem o negaria!) que estes objectos são usados como
emblemas para afirmar o estatuto dos seus proprietários. São também sinais de
pertença.
Podemos ser levados, por uma questão de rivalidade ou inveja, a querer
competir com os nossos amigos, comprando objectos de design de luxo; mas
querer ser associado a determinado grupo é perfeitamente compreensível e
funciona, num certo sentido, como reverso da rivalidade.
Existe também uma outra particularidade: na medida em que a publicidade é
o conto de fadas dos adultos, há qualquer coisa de desestabilizador na noção
de tornar reais os bonecos dos anúncios esses objectos lindos e de os
fazer passar do papel ou do écran para as nossas mãos. A fantas ia e o objecto
real tornam-se um só. Mas pode ainda ser pior que isso. A maior parte dos
objectos acima referidos não encerra qualquer componente de necessidade;
são concebidos não para servir, mas para provocar excitação. São, e les
próprios, objectos da fantas ia. E assim, a sua criação, promoção, aquisição e ,
louvor tornam-se um estranho exercício de estimulação e satisfação. E aqui
que pode aplicar-se a metáfora da "pornografia".
Mas relacionar o design de luxo e a decoração Uá que estas são a versão
moderna de uma arte aplicada) com a pornografia parece ser um pouco
excessivo. A pornografia será uma actividade privada, introvertida o seu
vocabulário poderá ser partilhado, mas os seus objectivos são furtivos. O
mundo da pornografia não parece deixar margem para "cortesia", "espírito" ou
"encanto", conceitos que trazem implícito no seu significado noções de
"partilha" e "comunidade" . O des ign base ia-se no acto de partilhar: é uma
actividade colectiva, como o são os seus objectivos; não procura a sati sfação
furt iva do indivíduo, mas o gozo público de muitos indivíduos.
Na Europa, designers como George Sowden (GBlltáli a) e Matteo Thun ,
(Austrialltália) estão empenhados numa abordagem de des ign que está na mo-
da, é actual e mesmo yuppy, mas que é também exaltante e bem-humorada -
é um design bem-intencionado. Nenhum de les acredita na abordagem ortodoxa
do design de produto, orientada por estudos de mercado. Thun e Sowden não
desenham de acordo com os conceitos dos vendedores . Ambos troçam, ainda
que suavemente, da abordagem dos alemães, eficiente, redutora e totalmente
condicionada pelo mercado. Distanciam-se da estética quase bauhausiana que
se diz caracterizar a Braun. Com efeito, Thun chega ao ponto de negar ser
um designer de produto: "Sou um arqu itecto. Não sou um designer industrial
ou de produto conforme ao modelo alemão. As abordagens são muito diferentes.
Não se trata de ser ' melhor ', mas é como se estivéssemos a comparar vinho a
3eorge Sowden desenhou esta máquina de café em aço inoxidável poro a Bodum, em J 987. Sowden exploro métodos de produção avançados poro :onseguir designs decorativos o preço razoóvel. O raio de ocção do artesõo continuo o reslr ingir-$e,
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Design de luxo
Coca-Cola". O objectivo de Thun é fazer com que o seu trabalho promova ou
apoie o "bem-estar", enquanto George Sowden pretende retirar a violência do
âmbito do designo "Quero objectos que me façam sentir feli z, em segurança.
Nos anos 70, o design de produto era cheio de violência ... até os telefones
pareciam prestes a acelerar como o Concorde".
Sowden, tal como Thun, formou -se em arquitectura. Na sua sociedade de
design com Nathalie du Pasquier retira uma enorme satisfação da universa
lidade do seu trabalho desenhou sapatos, tapetes, relógios, mobiliário e
teclados para computador. O seu trabalho para a Bodum é particularmente
interessante, porque se serve de tecnologia avançada para imitar o trabalho
artesanal. A cafeteira, as fruteiras e os suportes para copos que Sowden
desenhou para a Bodum são feitos de aço inoxidável. O metal é perfurado e
cortado em plano, utilizando um scanner para ler o desenho e um laser para
realizar a decoração perfurada. A gama de decorações possíveis é enorme e é
económico produzir umas quantas peças com um padrão e outras tantas de
outro. Diz Sowden: "Faz-se à máquina algo que até há pouco tempo só podia
ser feito através de técnicas de artesanato. O que significa que falar de uma
estética da máquina deixou de fazer sentido". Além disso, baralha o conceito
de estética do artesanato. Contudo, o polimento destes produtos Bodum é feito
14 manualmente e é o componente mais dispensioso do processo.
A parte mais rica da estética de Sowden reside na decoração que usa paraembe
lezar a superfície ou nela penetrar.
Matteo Thun procura comunicar através da forma e não de um padrão. Pegando
no bule que desenhara, Thun disse: "Repare. Aqui, a pega é uma varanda. A
tampaé o telhado, a baseéa cave. O primeiro andar está aqui". E, seguidamente,
pegando num tabuleiro: "A pega é como uma ponte. Uma ponte permite-nos
andar entre dois pontos. Debruçallllo-nos. Olhar."
Tanto Thun como Sowden tentaram fazer a síntese entre a perfeição possível
conseguida através do uso da máquinae a intervenção potencialmente anárquica
do artista, designer ou artífice. Procuraram uma estética de design que se pre
tende reconfortante, não subversiva, criando, em quem o aprecia, uma sensação
de segurança e bem-estar. Esta estética tem um charme di screto e reflecte as
aparências quotidianas da vida contemporânea; adopta as marcas superficiais
dos materiais modernos, das paisagens urbanas e da tecnologia electrónica,
tornando-as numa decoração abstracta e não nostálgica.
O design suave, aliado aos antecedentes cul turais do design e do fabrico de
alta qualidade, atinge tipos sucess ivos de objectos. A fábrica alemã FSB, que
produz maçanetas de portas, empregou vários arquitectos e designers europeus
Design de luxo
I
. A fábrica alemã FSB organizou um concurso, convidando alguns dos mais famosos arquitectos e designers do /35
Mundo o produzir uma linho de maçanetas poro portos. As do fotografia SÕO de Hons Hol1ein (Áustria).
de renome para revitalizar a sua gama. Alessandro Mendini, Dieter Rams,
Mario Botta e Hans Hollein são alguns deles. Dos Estados Unidos, trouxe Peter
Eisenman e, do Japão, Shoji Hayashiu e Arata Isokazi. Estes e outros foram
reunidos em 1986 num seminário para debater com a FSB a filosofia do design
e a respectiva aplicação a maçanetas de portas.
Quando chegou a altura de lançar as gamas do produto, a FSB editou um
livro-catálogo que documenta o seminário. Esta publicação, chamada "Door
Handles - Workshop in Brakel", traça uma panorâmica das bases inte lectuais
e culturais da sua produção, que eleva a modesta maçaneta ao nível de um ,
objecto cultural plenamente idealizado. E um esquema fascinante e com
muitas vertentes: associa personalidades importantes e de alto nível cultural,
o que é bom marketing; dá uma imagem de seriedade à forma como a em
presa encara o design, o que é igualmente bom marketing; tem uma base sólida,
porque os designs, com toda a probabilidade, são de facto bons. A FSB existe
para ganhar dinheiro, mas fá-lo através de bons produtos. Além disso, faz sen
tido considerar-se que a atenção di spensada aos pOllllenores físicos e mate-
•
" ,- - ---
Design de luxo
riais contribui para fazer com que as pessoas se sintam melhor. As maçanetas
bonitas ficam assim justificadas.
O nosso exemplo, com pessoas a discutirem os méritos de maçanetas, não
deixa de ser engraçado. Além de que o catálogo contém exemplos perfeitos
de estereótipos nacionais: Dieter Rams, alemão muito lógico, vê o processo
de design em tellllOS de um triângulo equilátero; o designer italiano Mendini,
por seu lado, considera-o labiríntico, enquanto o norte-americano Peter
Eisenman fala com fervor de experiências "verdadeiras" e "autênticas".
Outro exemplo diz respeito ao fabricante alemão de cerâmicas, Rosenthal, que
encomendou trabalhos à ceramista e designer têxtil norte-americana Dorothy
Hafner. Esta goza de sólida reputação no mundo do artesanato dos EUA e
trabalhou para a Tiffany and Co. Como George Sowden, tem especial talen
to para a decoração de superfícies.
O envolvimento cultural que costuma acompanhar um trabalho de talento
como o seu é interessante. Em 1987, uma exposição itinerante organizada pelo
museu Het Kruithuis, dos Países Baixos, apresentou obras suas e um crítico
norte-americano, John Perrault, escreveu um ensaio que é um bom exemplo
de como a "alta cultura" está desejosa de se tornar uma forma de marketing.
Já falámos do catálogo Porsche, com a sua utilização de assuntos filosóficos ,
136 e políticos aplicados como decalques para conferir decoração conceptual aos
-, " "
produtos, e vimos também o caso do seminário da FSB. Em Inglaterra, a
agência de publicidade de grande êxito Saatchi and Saatchi já prefaciou os
seus relatórios anuais com ensaios eruditos de apoio ao elevado valor moral da
publicidade enquanto actividade 6. Um desses ensaios foi buscar inspiração
a excertos do "King Leal''' , de Shakespeare. Mas neste ensaio de John Perrault
as referências culturais são ainda mais transparentes. Por exemplo, em relação
ao trabalho de Hafner, Perrault não coloca uma questão intelectual; lança sim
um desafio de publicitário: "Qual é melhor como arte? Um grande quadro
destinado a ser encerrado num grande museu citadino, onde só pode ser visto
a certas horas e depois do visitante ter comprado um bilhete? Ou a loiça com
que estamos em contacto diário? O prato , a chávena e o pires, a travessa em
que podemos tocar, usar para além de olhar?".
Neste contexto, claro que sabemos qual será a resposta. Dêem-nos o serviço de
loiça! Tudo aquilo de que o "ensaio" necessitava para ganhar cariz publi
citário era uma frase do tipo daquelas a que os leitores britânicos e norte
-americanos estão habituados, e que os incita vivamente a comunicarem o
número do seu cartão de crédito: "Sim, mandem-me já o meu serviço de
jantar exclusivo de Hafner!!!".
Design de luxo
o carácter genéri co, fraqueza do ensaio de Perrault, é também o seu ponto
forte. Porque não nos detemos sobre a expressão " um grande quadro",
tentando imaginar qual dos muitos grandes quadros deveríamos estar a
considerar. Um trabalho de Jackson Pollock? De Gustav Courbet, Titiano ou
Balthus? Serão todos os grandes quadros de valor e conteúdo equivalentes?
Admirável como é o trabalho de Hafner, é provável que ela fosse a primeira
a dizer que não hesitaria na escolha entre os seus pratos e, digamos, um
Courbet. Suponho que Perraultse referia apenas aos grandes quadros modernos,
muitos deles com tanto significado como um serviço de loiça. Perrault preten
de que a sua argumentação gire em torno do conceito de propriedade. E é o
conceito de propriedade individual que caracteriza o consumismo e o designo
A propriedade tornou-se um valor e um fim em si mesma. Em termos consu
mistas, é extraordinariamente importante poder-se manusear, tocar, acariciar ,
e contemplar qualquer coisa que seja nossa. E uma característica necessária
do design de consumo e não da verdadeira arte. Não interessa minimamente se
somos donos do Vermeer para que estamos a olhar ou do retábulo de altar
feito pelo alemão Tilman Riemenschneider. O nosso relacionamento imagina
tivo com a obra ou o nosso entendimento do seu conteúdo espiritual ou em
pírico não é afectado pelo facto de sermos, ou não, seu proprietário. .
O design, no entanto, tem outra intenção e comerciali zação. Destina-se a ser
vendido e consumido individualmente . Acontece que uma das tácticas do
marketing moderno consiste em tentar elevar tais objectos ao nível de arte,
comparando-os a ela e, claro, como já referimos, convertendo-os em divisa
forte da cultura através da sua exposição em museus.
A acreditar no argumento de Perrault (e ele não está só), para fazer com que a estratégia funcione, é prec iso fingir que não há hierarquias na arte. Se somos
capazes de afi, mar que a escolha não se faz entre o sério e o banal, mas entre
a "arte" que está nos museus e a "arte" que está em casa, estamos a dar a ideia
de que um prato é equivalente a qualquer outra obra artística. Uma tal equiva
lência, a pretensa democracia de objectos "de arte", é uma estratégia útil para
comerciali zar o design como design de luxo.
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6
-VALORIZAR A PRODUÇAO MANUAL
Artesanato de ate ier e significado do seu esti o
Um dos argumentos do capítulo anterior era que a expressão "feito à mão" era
poderosa porque implica uma relação de poder entre o comprador e o exe
cutante. Esta relação é tradicional; é antiquíssima e nela o cliente exprime a
sua superioridade financeira (e "moral") sobre outrem, exercendo a sua
capacidade de comprar trabalho desnecessário. Outro argumento, não con
traditório e contemporizador, refere-se à capacidade dos artesãos trabalharem
em equipa com um artista ou um designer-chefe, colocando o projecto do
grupo acima da sua própria expressão criativa, entusiástica e livremente.
Mas o tema deste capítulo é diferente. Nele abordaremos a inserção soc ial de
outro tipo de artesãos, cuja actividade, apesar de aparentemente tradicional, é
de facto uma invenção do século XX. Trata-se do trabalho desenvolvido pelo
artista ou designer-artesão de classe média, também chamado artesão de
atelier. O ponto de partida é a reali zação da criatividade e da expressão pessoal
do artesão, que, acima de tudo, segue os seus próprios designs e não os do
cliente, ou de outro artista ou designer.
O debate central faz-se em redor do fabricante individual e não do cliente.
Apesar disso, o papel do consumidor destas peças de artesanato de atelier
não deixa de ter importância e interesse.
A actividade artesanal é intrigante. Em certa medida é artificial, mas há a
realçar, como aspecto pos itivo, o facto de proporcionar uma alternativa esté
tica ao design industrial e apresentar uma nova perspectiva num Mundo
por vezes excessivamente povoado pelas "realidades" do cepticismo deste
final de século. O artesanato é uma entre várias estratégias populares, que
permite aos homenS e mulheres inteligentes voltarem costas ao cepticismo e
enveredarem por caminhos de esperança.
O capítulo começa por uma breve descrição do trabalho e das ideias do
professor DavidPye. Os valores de que ele fala nos seus livros e que demonstra
no seu trabalho de marcenaria (nos torneados e entalhes) são fundamen
tai s para a ideologia da principal corrente do artesanato moderno. Além disso,
as suas ideias são de grande utilidade porque abrangem quero artesanato, quer
___ o
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Valarizar a Produçãa Manual
o design industrial. Segue-se uma panorâmica geral do artesanato de atelier.
Apresento em seguida a minha teoriade que o artesanato contemporâneo é uma
invenção do século XX, debatendo o papel positivo daquilo a que chamei
"artesanato conservador". O papel do artesanato enquanto conjunto de esté
tica alternativa encerra o capítulo.
David Pye ------_ ... , As vezes, trago comigo uma pequena caixa redonda de madeira. Cabe à von-
, tade no-eel,se. E uma bonita peça de artesanato, feita à mão, uma bela mani-
festação de inteligência na execução que encanta muita gente. A tampa tem um
padrão de estrias bem marcadas que reflectem a luz, ao abrir-se a caixa. O
rebordo da tampa tem pequenas pérolas esculpidas, que se destacam nitida
mente da superfície; a sua fOI ma é perfe ita, não se alterando sequer no ponto
de contacto com a base da tampa.
O impecável encaixe da tampa transmite uma agradável sensação quando
a separamos do resto da caixa. O interior desta é liso, escuro e bem acabado;
o exterior tem uma suavidade que lhe é dada pelo efeito da luz em parte
reflectida e em parte absorvida sobre o pau-rosa delicadamente aceti
nado, com tons de avelã e um toque de lilás.
A caixa é minúscula e tem pouca utilidade prática, salvo para guardar objectos
mínimos, mas é uma lição sobre as possibilidades de tratamento de superfícies
e um testemunho do alto valor da habilidade humana.
As manifestações de virtuosismo têm grande valor em si mesmas. Não preci
samos de justificar ou tentar explicar o nosso enlevo ao escutallllOS um
brilhante violinista; do mesmo modo, a evidência física de como a mente, os
olhos e as mãos de alguém produziram, contra todas as dificuldades, um
trabalho de grande qualidade pode transmitir-nos um grande prazer. Aquilo
que admiramos é a capacidade de criar beleza no limite do risco. A essência de
trabalhar o risco está na emoção de evitar o fracasso.
Foi David Pye quem fez esta caixa. Pye nasceu em 1914. Formou-se em arqui
tectura na Architectural Association de Londres e, até se alistar na Marinha,
durante a Segunda Guerra Mundial, especializou-se em projectos de edifícios
de madeira. Depois da guerra, foi convidado a ensinar na Escola de Design de
Mobiliário do Royal College of Art, onde passou a ser professor de Design de
Mobiliário, em 1963. Reforlllou-se em 1974. Em 1968, publicou "The Nature
andArt ofWorkmanship" e, em 1978, "The Nature andAesthetics ofDesign" _
,
Valarizar a Produção Manual
David Pye, escritor, designer e artesão, é famoso pelo extroOldinôrio qoolidodedos suoscoixos esculpidos em madeiro.
iVleslre do superfície de madeiro, constatou que o conhecimento que os pessoas têm dos superfícies se encontro
otrofiodo pelo hábito de recorrerem o fotogrofias, em vez de efectuorem um reconhecimento empírico.
Há quatro áreas em que a influência de Pye, enquanto artesão, escritor e
professor, se revela frutuosa: sistematizou as noções de habilidade e as reais
diferenças e não as supostamente existentes entre o processo de fabrico
em série e a produção exclusiva ou limitada. Questionou, a nível prático e
filosófico, os conceitos de função e utilidade. Chamou a atenção para a
importância da superfície e de diversas superfícies em particular. Não deixou
que as suas ideias, nem as dos seus estudantes, se transviassem da trilogia que,
necessariamente, molda o design a saber, as propriedades científicas do
material, os conhecimentos do artesão e as qualidades que procuramos para
alcançallllos a civilização.
Mas se, para além das suas caixas e taças esculpidas, David Pye fosse recor
dado por uma única coisa, essa seria sem dúvida a sua afirmação de que ex iste
uma distinção entre o trabalho do risco e o trabalho da certeza.
Vejamos, como exemplo, o acto de escrever com uma caneta. Corre-se sempre
o risco de borrar o papel ou de que a mão escorregue enquanto se escreve -
é o trabalho do risco. Do mesmo modo, quando apreciamos um violinista e nos
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Valorizar a Produção Manual
maravilhamos com a sua destreza, admiramos também a coragem de enfrentar
a possibilidade de fracassar. Com o trabalho da certeza, porém, depois de mon
tado o processo de produção, os resultados são prev isíveis: se "x", logo,
necessariamente, "y".
Não obstante, fri sa Pye, existe no trabalhar a certeza uma certa dose de
risco os dispositivos e as máquinas (e agora o software de computador) que
proporcionam a certeza foram, também eles, produzidos através de diferentes
graus de tentativa e erro. Inversamente, a maioria do pessoal que confia na
relação que existe entre as mãos e o cérebro seja a fabricar mobiliário, potes
de barro ou painéis de carroçaria para um sofisticado carro de desporto -, inventa toda uma série de máquinas para lhes limitar o risco.
A utilidade comercial de trabalhar o risco está constantemente a ser reduzida
em indústrias evoluídas, à medida que os fabri cantes procuram mais sofis
ticação para reduzir os fracassos. Mesmo assim, em projectos únicos e de
grandes dimensões, como a construção de centrais nucleares, trabalhar o
risco é muito valioso, porque grande parte do trabalho é novidade o design
ex iste, mas passá-lo à prática pela primeira vez requer a resolução de problemas.
Muito haverá que não foi previsto pelos engenheiros.
Ao estabelecer-se a di stinção risco/certeza, a subtileza está em desmontar a
falsa oposição mão/máquina constata-se então que usar ou não usar a
máquina é um mero pormenor. A característica fundamental que distingue
um tipo de trabalho do outro é o ponto da manufactura em que opera a
escolha criativa.
Pye destrói as opiniões vigentes. No seu livro "The Nature and Aesthetics of
Design" evidencia uma grave contradição contida na ideia de que "a função
determina a fo rma" (ideia feita que continua a ter muitos seguidores) . Faz ver
que o designer tem mais liberdade relativamente à forma do que à função,
subvertendo o único princípio moderni sta que se mantinha inviolável.
Argumenta ele que a capacidade dos dispositivos para trabalharem e produ
zirem resultados depende menos da sua fo rma do que se pensa (mesmo num
par de esferas de rolamento "idênticas" há diferenças entre elas; além disso,
não são esféricas) e todos os nossos dispositivos têm tendência para funcionar
de modos que não são os desejados (os pneus dos automóveis gastam-se, os
tampos das mesas riscam-se, as facas perdem o fio, os aviões caem).
O debate sobre design, de tão repetido , tornou-se análogo à crítica literári a;
perguntamo-nos "o que querd izerdesign?" e não "o que faz?". E, concentrando
-nos no significado, perdemo-nos num mar de palavras; o objecto real é esque
cido, escapando a uma verdadeira análi se de aspectos como a durabilidade, as
-
Valorizar a Produção Manual
sensações transmitidas, ou mesmo a segurança. A "finalidade" é concebida
pela mente humana, os "resultados" existem nas coisas. Pye diz que é prefe
rível estabelecer uma prática de design baseada em resultados a adoptar uma
teoria assente em intenções.
Meio a brincar, Pye acha que passamos muito tempo a embelezar certas
coisas para compensar o facto de elas não funcionarem suficientemente bem. , E efectivamente só uma meia brincadeira, porque defende a seguir: "Dizer de
um des ign 'funciona!' não é mais meritório nem desprimoroso do que dizer
que determinado indivíduo nunca aldrabou ninguém". Em termos funcionais,
todos as improvisações funcionam, acabando por "desenrascar", mas o que ele
pretende de facto alcançar é um mundo em que as superfícies que trabalha
mos revelem perícia e sejam imaginativamente civilizadas.
As superfícies são tudo para Pye, porque é na realidade o que podemos ver e
tocar. Em "The Nalure and Arl ofWorkmanship" ,diz: "A extrema pobreza de
nomes para designar as qualidades das superfícies tem, provavelmente, tido
o efeito de impedir uma compreensão generali zada de que elas existem como
domínio independente e completo, quer a nível da experiência estética, quer
de terceiro estado por direito próprio".
Pye diz que aquilo que pretendemos de uma superfície não é a expressão das
propriedades do material, mas as qualidades. As propriedades - continua -
estão lá e são imutáveis; as qualidades são subjectivas e encontram-se na
nossa mente. Podemos testar esta afillIlação muito rapidamente: ao dizer
mos do carvalho velho polido que é quente, agradável e intemporal não
estamos a referir propriedades; trata-se de qualidades projectadas por nós (o
facto de existir uma relação causa-efeito comum a um grande número de
pessoas face a um pedaço de carvalho é assunto que merece ser analisado à
parte). A resistência à tracção ou a combustibilidade de um pedaço de madeira
são propriedades. Com efeito, a argumentação de Pye precisa aqui de ser
qualificada: os designers e os engenheiros esforçam-se de certo modo por
expressar determinados tipos de propriedades - uma barra de aço pode ser
feita de modo a desempenhar a sua função como componente de uma
construção e, simultaneamente, ao desempenhá-la, exprimir a sua flex ibilidade.
Seja como for, o artesão, ao trabalhar uma superfície, é em certo sentido um
artista: deixa a sua marca subjectiva no modo como decidiu tratar a superfície.
Um artesão deve também ser "cientista", além de artista. O que nos remete de
novo para o trabalho do próprio Pye enquanto artesão. Para se produzirem as
melhores superfícies e desempenhos, é preciso conhecer a fundo o material
com que se trabalha: o que é e como se comporta. Não se pode fazer, como
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Valorizar a Produção Manual
muitos designers e arquitectos, como se se estivesse a olhar o Mundo do alto,
especificando o que é ideal. Veja-se a profundidade dos conhecimentos de Pye
em relação à madeira neste pequeno extracto de um artigo escrito para a revista
era/ts, em Janeiro de 1981. Nesse artigo, Pye fala do estado de atrofia a que
chegou o conhecimento das pessoas relativamente à superfície, devido a
recon'erem a fotografias em vez de observarem directamente o objecto em si.
Fala, seguidamente, da maneira de preparar a superfície da madeira para o poli
mento: "Todas as madeiras de folhosas têm canais de seiva ou poros, que são
tubos ocos que percorrem a árvore de alto a baixo. Se se aparelhar um cilindro
de madeira com esses canais dispostos paralelamente ao torno mecânico, os
poros ficarão expostos, aparecendo como pequenos sulcos, geralmente curtos.
Mas se, sobre esse cilindro, actuar uma raspadeira, assente horizontalmente
sobre um suporte em T, a sua extremidade, sendo paralela à maior parte dos
sulcos, prende em cada um deles à medida que estes rodam, retirando lascas
microscópicas da sua superfície".
o percurso do artesão
o trabalho de David Pye contém elementos do designer e do artesão. As suas
taças e caixas são f 011 nas fáceis de compreender, não apresentando qualquer
das complexidades com que alguns tipos de arte contemporânea desafiam o
entendimento;.Ele representa o design e não a arte aplicada ao artesanato. , E que, em tennos gerais, o mundo do artesanato contemporâneo divide-se
entre as pessoas que fazem objectos que podetn ser utilizados, ou que parecem
poder ser· utilizados, e as que produzem objectos que são manifestamente não
utilizáveis e que têm ambições de serem levados a sério como peças de arte.
Trata-se de uma distinção bastante imprecisa, porque mesmo em relação à
função pode haver um compromisso.
Por exemplo, os entusiastas do artesanato podem apreciar uma'função fracas
sada. Uma famosa ceramista nOIte-americana, Betty Woodman, produziu
umas chávenas gràndes, lindas e abauladas. Sendo um prazer segurá-Ias com
ambas as mãos, tiveram grande êxito; mas eram terrivelmente ' instáveis
quando assentes nos pires. Nunca isso teve a menor importância. Um com
prador declarou mesmo que essa falha das chávenas o tornava mais cuidadoso;
obrigava-o a fazer uma pausa e a pensar sobre o acto de beber o chá, tornando
-o uma espécie de ritual. Porém, importa reconhecer que, apesar de grande
parte do artesanato ter a função num lugar bastante mais baixo na sua lista de
-
Valorizar a Produção Manual
prioridades do que seria admissível no design, persiste em grande número
de ceramistas, tecelões e fabricantes de mobiliário a noção de que um bom
serviço ao cliente passa por um objecto ser capaz de bons desempenhos.
O mundo do artesanato divide-se entre os que têm uma ideologia conserva
dora, dos quais Pye é um bom exemplo, e os que procuram uma vanguarda
das artes decorativas frequentemente baseada numa negação não só da função
mas também da primazia da habilidade. Assistimos, na década de 80, a um
acentuado crescimento da categoria dos arte factos não utilizáveis uma
proliferação de objectos que tendem para a pintura ou para a escultura.
Se bem que não gostassem de o ouvir~Bernard Leach e Michael Cardew são
um pouco os pais do crescimento verificado nos objectos de artesanato de arte.
Isto porque, desde o momento em que as pessoas se dispuseram a comprar
potes feitos à mão, não porque fossem baratos e úteis, mas porque gostavam
da sua aparência, surgiu uma tendência que permitia que os objectos de
artesanato se vendessem apenas pelo mérito da sua estética. E depois de
iniciado este processo, era (e ainda é) pouco claro onde se deve parar. Depois
de ter sido posta de parte a função como critério determinante, o artesão entra
por um caminho peculiar, em que não há regras: se um objecto já não tiver que
conter sopa, que suportar uma pessoa sentada ou que aquecer, porque não dar-.
-lhe uma fOllna qualquer, segundo a fantasia do seu criador?
Vejamos, por exemplo, o caso dos Estados Unidos. Existe neste país um dos
melhores artesanatos do Mundo e o artesão tradicional ou, melhor dito,
quase tradicional - nos EUA é uma figura prestigiada. Paralelamente, existe
uma significativa e crescente indústria <lê artesanato, quase todo abstracto
ou não figurativo, todo ele não funcional. O desenvolvimento deste fenómeno
nos Estados Unidos não é surpreendente, porque tem raízes numa invenção
peculiarmente americana: o expressionismo abstracto ' .
. Claro que o artesão, sobretudo o formado em escolas de arte, estava fadado a
fascinar-se pela evolução deste tipo de pintura mais ainda do que com a
pintura eUl·opeia abstracta dos anos 20 e 30, de características mais formais -
dev ido à presença do gesto, da marca da mão e do braço. A marca da mão é um
elemento muito importante no artesanato do século XX, como veremos
adiante. Os artesãos, ao olharem para a pintura moderna, aperceberam-se de
que a pintura não estava já a desempenhar nenhuma função particular,
limitando-se a estar presente. Quando reflectiram sobre o papel do trabalho de
artesanato, descobriram que, retirando a uma peça a sua função, o que resta é ...
uma coisa: "coisa" no mesmo sentido em que um Jackson Pollock é uma
"coisa" e, para todos os efeitos, sem muito conteúdo.
OSDM- l0
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Valorizar a Produção Manual
,
Poucos materiais sõo tõo maleáveis como o borro; poucos permitem ao artista imortaljzar instantaneamente o gesto
de um momento em três dimensões. Este exemplo de cerõmico gestual é um traba lho de Irene Vonck !Países Baixosl.
Depois, como viram os artesãos, o que dá conteúdo a um Pollock ou a um
Kline é o gesto e a "expressividade" naturalmente, o artesão pensou: "Isso
posso eu fazer". O expressionismo possibilitou vários tipos de abstracções -, formalismos em que a textura, a cor, a fOllna e as linhas são elementos
fundamentais. De facto, era bastante próximo do que se passa com um arranjo
de flores.
Como não podia deixar de ser, muita gente envolvida em actividades artesanais
enveredou por esse caminho. Por exemplo, a ceramista holandesa lrene Vonck
faz recipientes a partir de rolos de barro. Não se trata de uma actividade que
requeira muita habilidade, apesar dos resultados serem extremamente atra
entes para o meu gosto. Toscos e espontâneos, são um "pastiche" : à primeira
vista pensamos que foram ricamente embelezados pela modelação; olhando
mais atentamente, podemos ver os sulcos ondulados que as mãos da autora
produziram ao penetrarem no barro húmido e repuxando-o.
Valorizar a Produçao Manual
Libertação face ao mercado
o final do século XX oferece ao artesão um ambiente económico especial para
trabalhar. O artesanato da cerâmica, da tecelagem ou da marcenaria da nossa
época é feito em condições diferentes das de outros tempos. Deixaram de ser
misteres, mudaram de categoria. Já não são executados pelas classes trabalha
doras, pe los artesãos tradicionais e tornaram-se numa actividade criativa, ,
aparentada com a arte, realizada pela classe média. E aparentada com a arte,
no sentido em que os objectos produzidos são feitos e comprados sobretudo
para fins contemplativos . Além di sso, o sofrimento fís ico e moral que parece
ter feito parte, mesmo que só até certo ponto, da actividade do mister foi substi
tuído pela liberdade criativa.
A libertação do sofrimento é uma das características que distingue a moderna
sociedade civilizada; pellllite uma cri atividade muito maior e é o fundamento
do prazer. As palavras de Elaine Scarry em "The Body in Pain", sobre o sofri
mento no trabalho , são relevantes para o modo como vemos o trabalho do
artesão (ver capítulo 4, págs. 84 a 88).
Scarry de fende que o sofrimento intenso, como o da tortura, é destrutivo: à
medida que a dor aumenta, a nossa capacidade de pensar noutra coisa vai desa
parecendo. "O sinal, contínuo e sintomático, de que o corpo sofre, simul
taneamente tão vazio, indiferenciado e cheio de gritante advers idade, contém
não só a sensação de que 'o meu corpo dói' mas também ade que 'o meu corpo
está a magoar-me''',
A dor repetitiva, como a que é induzida por certos tipos de trabalho ou
doenças, reduz sem dúvida o nosso mundo, já porque apresenta uma barreira
entre nós e o Mundo, já porque vira o corpo sobre si mesmo sem cessar,
ameaçando constantemente negar-nos o mundo maior das ideias e dos prazeres.
Também o trabalho é uma espéc ie de sofrimento. Há-o de vários tipos, e o pior,
muito próximo da verdadeira tortura, é descrito por Karl Marx n' O Capita/ 2 ,
que documenta a rotina de uma mulher que, com 24 anos, fazia doi s mil
tijolos por dia. Era ajudada por duas crianças que transportavam dez toneladas
de barro, em viagens que se repetiam ao longo do dia; trepavam, por uma
vereda a pique, dez penosos metros, subindo pelas paredes molhadas do
barreiro e percorrendo ainda uma di stância de 35 metros. Um suplício.
A industrialização tornou provavelmente menos dolorosos determinados
tipos de trabalho, mas, como sabemos, estes eram e são um fardo para muita
gente. Simone Wei l, fi lósofa francesa cristã, trabalhou em fábricas na década
de 30. Num apelo aos operários que produziam componentes de fogões,
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Valorizar a Produção Manual
escreveu: "Se o trabalho vos faz sofrer, gritem-no. Se há alturas em que não
o podem suportar; se por vezes a monotonia do trabalho vos agonia;
se detestam sentir-se obrigados a trabalhar depressa; se odeiam estar sempre
debaixo das ordens dos capatazes, gritem-no".
Mesmo no trabalho criativo, o prazer depende das condições em que ele é
feito. Em "The Nature alld Art 0/ Workmallship", David Pye recorda uma
conversa com um velho carpinteiro que trabalhava ao torno e fabricava
colheres de pau que eram vendidas nas feiras por tuta-e-meia: "Por esse preço,
só dava tempo para, acabada uma colher, dar uma olhadela para aconcha, outra
para o exterior e atirá- Ia, por cima do ombro, para a pilha, e passar à seguinte".
Pye duvida que possa haver prazer em tal trabalho, apesar das colheres serem,
sem dúvida, um regalo para a vista. No entanto, quando lemos a descrição do
trabalho de Pye feita por si próprio, vemos um homem embrenhado no seu ,
trabalho, gozando a minúcia que ele exige. E um prazer lê-la porque o trabalho
que descreve está isento de stress, salvo o relativo à concentração, necessária
em todo o trabalho do risco.
Quando um processo de trabalho se torna comercialmente redundante, desperta
novo interesse naqueles para quem os aspectos comerc iais não são importantes.
Na Europa dos anos 20, houve um renovado interesse pela tecelagem, a tingi
dura e a olaria manuais. Este interesse, manifestado pelas pessoas da classe
média, verificou-se numa altura em que estas artes tinham quase desapareci
do e a produção de panos e potes tinha passado a ser feita mecanicamente.
Na sua autobiografia "A Piolleer Potter" (publicada postumamente, em
1988), Michael Cardew explica que, quando em 1926, adquiriu a olaria
Willchcombe, em Inglaterra, era ainda possível produzir rendivelmente as
linhas básicas, como os alguidares e os vasos para flores de grandes dimensões.
Mas Cardew enfrentava a concorrência do comércio organizado. Os alguidares
tornaram-se menos populares, presumivelmente porque as fábricas podiam
fornecer alguidares metálicos mais baratos (com a vantagem acresc ida de se
rem mais leves e resistentes do que os de cerâmica). Quanto aos vasos maiores,
constatou que também estes não podiam ser produzidos de forma com
petitiva as fábricas faziam-nos mais baratos. Mas Cardew descobriu que a
produção de um objecto intermédio (entre o prático e a arte) era viável. Nasceu
assim uma gama de frascos decorados de grande utilidade, que se venderam
bem durante algum tempo não havia ninguém a competir neste campo.
Cardew, no entanto, não tinha deixado a Universidade de Oxford, nem largado
a sua vida académica e musical (era um apaixonado de Mozart) para ganhar a
vida como oleiro. Não lhe interessava a olaria como um negócio em si se
assim fosse, teria deitado mãos à obra para industrializar os processos. O que
•
Valorizar a Produção Manual
ele queria fazer (apesar de não existir um mercado para o produto) eram gran
des botelhas de barro para cidra. Levou esse projecto por diante e fez algumas.
Apresentou doze das melhores a que tinha atribuído preços por ele consi
derados muito inflacionados ,na expos ição anual da recém-formada (1931)
National Society of Painters, Sculptors, Engravers and Potters (Sociedade
Nacional de Pintores, Escultores, Gravadores e Ceramistas) . A maior parte
vendeu-se no primeiro dia. Um triunfo e, também, uma libertação.
A libertação reportava-se às restrições da concorrência comercial. Os objectos
que são vendidos pelo seu valor estético não estão sujeitos à concorrência dos
preços. Este facto, só por si, tem implicações na natureza do processo de
trabalho. Retirarmos um produto do mundo da concorrência dos preços afasta
-nos da alienação ilustrada por David Pye com o exemplo do fabricante de ,
colheres. E também facto r integrante de mais liberdade e autonomia no proces-
so de trabalho, libertando-lhe assim parte da sua carga de sofrimento. Se puder
mos vender algumas coisas pelo seu mérito intrínseco, independentemente dos
que outros produtores estão a fazer, podemos então ter tempo para fazer o
produto como queremos . Mas; na-concorrência comercial, a economia com
petitiva é como uma máquina, sendo ela, e não nós, que dita as leis.
Daí que um processo de trabalho só se torne interessante para um praticante da
classe média quando o elemento concorrencial desaparece; quando as res
trições comerciais e económicas do preço e da eficiência produtiva são
fundamentais, a margem de manobra da autonomia, da livre escolha e da
criatividade vêem-se muito reduzidas.
Podemos resumir esta posição do seguinte modo:
O artesanato contemporâneo é necessariamente periférico relativamente
ao grosso da actividade económica. Se se tornar demasiado próximo da
actividade comercial, tanto a natureza do trabalho do artesão como a do
artefacto ficam comprometidas pela necessidade de serem competitivas,
em tel mos de preço, com o comércio.
Fazer artesanato é hoje muito diferente do que quando o artesanato era
um mister. O artesanato é hoje produzido como resultado de uma
escolha da classe média, como expressão de vontade própria destinada
a um público com dinheiro e informação suficiente para adquirir
objectos inúteis, destinados a serem contemplados. O que distingue o
artesanato do comércio é uma dim inuição da quantidade de dor associada
ao processo de produção e um aumento muito considerável do coeficiente
de prazer e de realização pessoal.
149
Valorizar a Produção Manual
Há outro factor a considerar. Muitos artesãos vão buscar apenas uma parte -
às vezes muito pequena da sua subsistência ao artesanato, se bem que este
possa preencher os aspectos mais importantes da sua vida. A sua subsistência
pode ser assegurada pelo cônjuge ou pelo ensino. Alguns fazem desta actividade
um emprego a tempo inteiro, sobretudo nos locais onde a economia é sufi
cientemente forte para permitir a existência de um número bastante de clientes
com poder de compra ou onde, como por exemplo nas cidades de Nova Iorque,
Chicago e Los Angeles, haja comerciantes e galeristas interessados em cons
truir, para o artesanato, um mercado análogo ao da arte.
Realização pessoal
Examinemos com mais pormenor o prazer criativo e outros proporcionados
pelo artesanato de feição consyrvadora, pondo de lado o artesanato artístico,
movimento vanguardi sta por vezes contrário ao exercício da habilidade e ao
respeito pela função.
Entendo por conservador aquilo que tem formas imediatamente reconhecíveis ,
familiares; em que a perícia é valorizada; em que se verifica um desejo cons-
i50 ciente de servir o cliente, a par de uma intervenção criativa.
O que atrai as pessoas para o artesanato é a promessa de um "trabalho que re
presenta um fim gratificante em si mesmo". Trata-se de actividades em que nos
embrenhamos de livre vontade, pelo prazer de termos a nossa atenção física e
mental completamente absorvida. "Perdermo-nos" no trabalho é entrar numa
espécie de alheamento activo. Todas as outras ambições que não a de prestar
atenção à execução e ao desenrolar do trabalho são temporariamente banidas.
Aos artesãos impressiona a ideia de um trabalho criativo e autónomo ávido de
ideais e ídolos do moderno trabalho criativo. Na sua procura de ideais e ídolos
do trabalho criativo, o artesão europeu e norte-americano tem procurado heróis
em potência, sobretudo no Japão. Na cerâmica, os mestres contemporâneos,
como o oleiro japonês Shoji Hamada, são adulados, sobretudo entre os norte
-americanos, não só pelo que produzem mas pelo modo como trabalham; os
oleiros como Hamada têm uma actividade que é a verdadeira antítese do
penoso trabalho nas fábricas incluindo o sofrimento do trabalho organizado
das fábricas japonesas de automóveis, por exemplo. Um livro panegírico sobre
Hamada, intitulado "A Potler' s Way and Work" , da autoria de Susan Peterson,
torna claro que são de admirar, em pé de igualdade, tanto os artefactos como
O modo de produção. Hamada goza de uma grande liberdade no seu trabalho.
~
-
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Valorizar a Produção Manual
Um do~ moiores prazeres é entregormo-nos comp!etamente ao trabalho deixando-nos absorver por ele. A entrega é a principal meto do artesão moderno. A fotografia moslroJim Potterson 00 suo fábrica de papel em Wotchel, condado
de Somerset [Reino Unido).
• •
Tem tempo para decidir o que fazer, quando fazê- lo e a que ritmo (ao contrário ,
do fabricante de colheres de Pye) . E muito dado a comentários aforÍsticos
do género: "Estes são os melhores potes, se puderem ser feitos nas melhores
alturas" ou "fazer uma taça para chá significa não pensar em fazer uma taça
para chá".
E Susan Peterson passa à descrição de Hamada a fazer potes: "Com o pau, faz
girar a roda, que atinge seis revoluções antes de abrandar. O cone de barro
emerge irregularmente, mas é isso que ele pretende. Abre, com a sua mão ,
esquerda, uma forma no topo do monte. A medida que a taça surge, em forma
de sino, força ligeiramente o barro, provocando uma espiral irregular. De vez
em quando, apoia a palma da mão e dois dedos ao lado esquerdo da mole
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Valorizar a Produção Manual
de barro e empurra-a suavemente, o que descentra a taça, dando origem a um
tremor ou provocando uma in'egularidade no topo. Hamada graceja com o
assistente e fala aos visitantes, explicando como se serve das mãos. Quando as
pessoas saem, acalma-se e fala, num tom diferente, sobre o seu amigo Kanjiro
Kawai e da poesia que escrevia, sobre o que costumavam fazer juntos. As
taças parecem surgir sozinhas do barro, sem pensar, que é a maneira que ele diz
ser a correcta".
Este tipo de abordagem quase mística pode ser exagerado: atrai muitos ociden
tais e deve ser encarada com um pouco de cepticismo. No entanto, patenteia
uma realização pessoal que parece de facto ideal, desde que consigamos ler
nas entrelinhas Hamada beneficia de um grande apoio por parte dos apren
dizes e da família, sobretudo da sua mulher. Sendo japonês, pôde contar com
a subserviência das mulheres que o rodeiam.
Percebe-se bem que uma opção como a de Hamada, verdadeira retirada para
um universo de auto-suficiência, o do trabalho dirigido por si próprio, seja atra
ente. Uma das características da cultura contemporânea é exigir que o indiví
duo se questione constantemente a si próprio e à sociedade, acto que não só
pode trazer vantagens como é também um instrumento necessário para a
sobrevivência cultural (ver págs. 100 e 101). Mas não há indivíduo nem cul
tura que possam sujeitar-se a um questionamento exagerado: para que uma
actividade possa ser desenvolvida com alguma seriedade há que acreditar nos
seus valores inatos. As melhores actividades do Mundo são, obviamente,
aquelas de que gostamos. Nelas haverá trabalho que é não criativo; mas
também é possível gostar-se de trabalho não criativo, o que constitui um
importante aspecto do artesanato.
Na sua autobiografia, Michael Cardew analisa o esforço rotineiro de amassar
e preparar o barro antes de o colocar na roda. Escreve: "Cedo descobri que se
o fizesse com o ritmo e a cadência adequados, servindo-me do peso do corpo
em vez de apenas os músculos do braço, podia amassar barro durante muito
tempo sem me cansar. .. Cheguei à conclusão de que era um dos tais processos
manuais, automáticos, que funcionam como um bónus inesperado para o arte
são". O conceito de trabalho gratificante, seja ele de natureza mecânica ou de
tipo francamente criativo, é uma aspiração de todas as classes de trabalha
dores, mas que os trabalhadores mecânicos raramente atingem, porque o
prazer no trabalho, como todos os outros, depende (normalmente) da liber
dade de esco lha.
O que para Cardew torna o trabalho menor de amassar o barro num prazer
é uma combinação de intel igência, habilidade e, sobretudo, liberdade de
•
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Valorizar a Produção Manual
escolha. O que conta é o facto de ele ter querido fazer os potes, em vez de ter
sido obrigado a fazê-los. A preparação do barro não era uma obrigação
moral sua, já que tinha sido ele próprio a chamar a si esse trabalho: ninguém
lho tinha imposto.
O artesanato de atelier não resulta normalmente de uma divisão de tarefas: o
prazer, para o artesão, reside no facto de ser ele a encarregar-se de todo o
processo de produção porque, ao fazê-lo, está a opor-se ao método que coloca
a fábrica ou a instituição sobre o indivíduo, oposição que equivale a uma liber
tação. O oleiro moderno, que na Europa é quase exclusivamente originário
da classe média, retira a sua liberdade filosófica e prática do facto de domi
nar todo o processo. Alguns oleiros vão ao ponto de cavar o seu próprio barro.
No entanto, são poucos os que conseguem levar a sua independência até ao
I imite: seria preciso ser-se extremista para tentar produzir o gás ou a electricidade
que alimenta o forno, ou para tentar moer os minerais (previamente extraídos
pelo próprio) de modo a produzir o vidrado. A verdade é que qualquer cultura
fabril exige algum trabalho de cooperação e divisão de competências.
O facto do artesão moderno decidir trabalhar mais (em vez de menos) porque
isso lhe agrada é uma manifestação da sua liberdade económica.
O artesanato é um exemplo claro de uma instituição em que, segundo
Baudrillard, "a ideologia da competição dá lugar a uma filosofia de auto
_ realização" 3
No entanto, no artesanato conservador, do tipo do de Pye, a realização pessoal é uma actividade tão pública como privada. A realização advém do facto de se
fazer um trabalho que os outros podem julgar, utilizando critérios geral
mente aceites e partilhados por todos. A comunhão de critérios ajuda a redu
zir o risco de arbitrariedade ao tomar decisões relativas ao próprio trabalho. ,
E a base do conhecimento.
O conhecimento técnico na arte ou no artesanato é comunicado pelo menos
de duas manei ras: como modo de tornar mais claro o conceito de metáfora
do trabalho e como "coisa" a ser admirada por direito próprio. Se, por exemplo,
adoptalll1os a olaria manual para fazer chávenas, canecas, frascos ou
tigelas estaremos a fazer coisas que encaixam numa tradição. Esta tradição
é rica e diversificada nas culturas que para ela contribuíram. Além disso,
as tradições fornecem critérios claros através dos quais se pode julgar
o trabalho contemporâneo.
Assim, quando dizemos que esta tigela é melhor do que aquela, conseguimos
estar de acordo sobre o que estamos a apreciar: talvez a tige la seja um pouco
atarracada, menos graciosa, talvez a proporção da base ao bordo nos pareça
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Valorizar a Produção Manual
menos feliz. Ou, em presença de um frasco com tampa, podemos argumentar
que esta não encaixa bem, que a pega é desagradável de segurar, ou que todo
o conjunto é pesado de mais para o seu tamanho. Ao olharmos para a deco
ração, podemos avaliar a qualidade gráfica do motivo. Podemos tecer uma
série de considerações sobre a natureza e critérios que regem a decoração. O
facto de se conhecerem os critérios, o universo de "regras" existente, imprime
confiança e conduz a um bom trabalho. O artesanato deste tipo oferece uma
estrutura clara, objectivos consensuais, metas comuns.
Os critérios parti I hados são a base do reconhecimento da competência e, apesar
de apenas algumas pessoas possuírem a inteligência e destreza necessárias
para fazer um bom trabalho de talha ou de olaria, muita gente pode usufruir do
produto acabado. O prazer que experimentamos pode ser bastante intenso. O
que me entusiasma na pequena caixa esculpida descrita no início deste capí
tulo é a sua demonstração de integridade a demonstração de um homem
que ama o seu trabalho, que o leva o mais a sério que pode. Ficamos com a
sensação de conhecer alguém através do seu trabalho. A ensaísta norte
-americana Vicki Hearne, no seu livro "Adarn' s Task" (1986), escreve:
"Normalmente, a nossa percepção de que alguém sabe ou desconhece
determinado assunto tem, entre outras coisas, que ver com o nosso maior ou
menor interesse e respeito pelo assunto o que tem tanto a ver com a inteli-,
gência como com a integridade. E preferível que o mecânico que nos trata do
automóvel seja alguém que gosta de carros ... ".
Se fizermos qualquer coisa para que outra pessoa goste e perceba, os critérios ,
para o êxito deixam de ser arbitrários e passam a ser colectivos. E-nos pedido
que utilizemos a nossa imaginação moral e estética, colocando-nos perguntas ,
como: esta cadeira é confortável? E resistente? Fácil de deslocar? Qual é a sen-
sação ao agarrá-la? A sua decoração faz sentido? A decoração está presente
para embelezar ou antes para enganar, disfarçando a pobreza do design ou,
pior, uma deficiente execução?
Seria induzir as pessoas em erTO se, ao descrever o artesanato contemporâneo
como uma actividade da classe média, se desse a impressão de que se trata de
uma actividade elistista. Para começar, a "classe média" constitui a maioria na
Europa e nos Estados Unidos. Depois, uma das grandes atracções do artesanato
é poder ser levado a grandes níveis de perfeição como actividade amadora,
desenvolvida a meio tempo. O que dá força ao artesanato é a sua natureza
participativa; faz pouco sentido falar de um designer industrial amador.
David Pye chama ao tipo de amadores a que me refiro "profissionais a meio
tempo", mas estamos a falar do mesmo. Pye, no seu "The Nature and Art of
-•
,
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Valorizar a Produção Manual
, Workmanship", escreve: "E vulgar pensar-se que um homem não pode
aprender a fazer um trabalho em condições se, à partida, não depender dele
para a sua subsistência e se não adquirir depois uma longa experiência. Não é
verdade. Dois minutos de experiência ensinam muito mais a um homem ,
ávido de saber do que duas semanas conseguem ensinar a um indiferente. E
possível manter os períodos remunerados e os de criatividade separados, o que
pode até constituir uma vantagem". O próprio Pye é um amador; ganha
a vida como professor e escritor - nos seus tempos livres , esculpe objectos
de madeira.
Uma das características de uma revista como a Fine Woodworkillg é agregar
uma grande quantidade de pontos de vista concordantes, objectivos comuns e
até estruturas, partilhados pelos seus leitores (grande parte deles amadores). A
revista encoraja contributos tanto do público leitor amador como do pro
fissional (encorajamento que não ocorreria numa revista de belas-artes de
estatuto equ ivalente). Esta área da actividade artesanal não é polémica nem ,
céptica. E inteligente e funciona dentro de um conjunto de regras estabelecidas.
Há uma diferença importante entre quem persegue um hobby e um amador.
Este não ganha a vida com este tipo de trabalho, mas poderá querer na
generalidade dos casos fá- lo mesmo vender a sua produção a um . -------
consumidor; o primeiro pode apenas querer fazer coisas pelo gozo que elas 155
lhe dão, não precisando de ser especialmente exigente consigo próprio.
o estilo do artesanato
Mas o que há então no estilo do artesanato contemporâneo conservador que
faz com que os consumidores o queiram, apesar da indústria contemplar
tão inteligentemente os seus desejos e necessidades?
O escritor mexicano Octavio Paz, no seu ensaio "Seeing and Using: Ar! and
Craftsmanship" (Col1vergences, 1987) aborda um ponto interessante. Dizele:
"O objecto industrial tende a desaparecer como forma para se identificar com
a função .. . O objecto industrial proíbe o supérfluo; o trabalho do artesão deli
cia-se com o embelezamento. A sua predilecção pela decoração viola o prin
cípio da utilidade" 4 Paz não é cem por cento rigoroso . O design e a indústria
ultrapassaram essa fase como vimos, o aparecimento das máquinas
comandadas por computadores fez surgir de novo a decoração, apesar de,
fazendo justiça ao escritor, não ter tido nunca a intenção de interferir com a
perfeita funcionalidade do produto. Em muitos produtos feitos à mão, o
-
."----/56
C hávena e p ires feitos à mõo por ljerko N jers, ceramista do Jugoslávio, demonstrativos do papel que podem ter os
a rtigos domésticos de produção manual: o de preencherem uma necessidade de individua lismo e idiossinc rasia. Este
trabalho não subverte os valores decorativos tradicionais, ontes se base ia neles, dondo-Ihes destoque
No página ao lado: Venda o retalho. Esta cena de mercado, colhido em Fi ladélfia, é outro aspecto do estético anH
-industrial adaptada pelo artesanoto.
embelezamento pode prejudicar a função, o que é sobretudo verdade na
grande variedade de pegas não ergonómicas que podemos encontrar em
objectos de barro e de vidro.
Mas a chamada de atenção de Paz para o facto de o objecto industrial ,
desaparecer na sua função é vital. E a este "desaparecimento" que o artesão-
-designer (permanece a dificuldade em encontrar uma terminologia
apropriada) resiste activamente. Assim, o artesanato dos movimentos do
século XX opõe-se ao design industrial em vez de o servi r ou valorizar.
O metaforismo do artesanato reside na sua expressão como modo de trabalho
e de vida, raro no panorama fabril moderno e nas economias ocidentais ou de
estilo ocidental. Os artesãos deste século serviram-se muitas vezes do exagero
de certas características iconoclastas do seu trabalho como uma diferenciação
de produto. Uma linha hesitante aqui , uma pega ligeiramente torta acolá
recordam ao consumidor que o objecto em presença é produto da mão.
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Nas sociedades fabri s e consumistas contemporâneas é relativamente fácil
ser-se iconoclasta no estilo: qualquer desvio da estandardização quase per
feita da produção industrial é encarado ora como uma coisa estranha ora
especiaL A perfeição da superfície é sinal de uma cultura industrial: nas
fábricas, querestas produzam automóveis ou barras de chocolate, as superfícies
com defeito serão rejeitadas pelo departamento de controlo de qualidade,
independentemente de isso afectar ou não o desempenho do produto, a sua
durabilidade ou o seu sabor.
Os pequenos defeitos são mal tolerados no design "abaixo da linha" e a sua
presença é intolerável sempre que atente contra a segurança ou eficiente
funcionamento de uma máquina. E em todos os artefactos de que depende a
nossa saúde, segurança ou a própria vida, podemos ver que as linhas e
acabamento evitam qualquer suspe ita de imperfeição. As linhas dos
equipamentos de transporte, médicos, industriais e domésticos sugerem
suavidade, eficiência e ordem. Desde que sejam cumpridas as exigências de
suavidade da nossa sociedade suavidade das superfícies, suavidade de
funcionamento, design industrial de suave segurança e confiança podemos
dar-nos ao luxo da imperfeição.
A cerâmica e o vidro produzidos manualmente, em particular, têm feito da
"imperfeição" uma virtude. Podemos ver nestas páginas uma jarra de Lucie
Em Cimo: Serviço de chá de fv\o rcello
tv\orondini (Itália), desenhado poro a
Rosenlhol (Alemanha).
À direito: A rudeza do jorro de lucie Rie
(Áustria/Reino Unido) só pode resultar
porque, no século XX, lemos garantido o
suavidade no maior porte do nosso
consumo.
No pógino 00 lodo: O ceramista norte
-americano Flonk Fleming responde, por
meio do suo produção manual, â
necessidade insacióvel que se experimento
nos Estados Unidos por objectos com
conteúdo narrativo,
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Va lorizar a Producõo Manual
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Valorizar a Produção Manual
Rie, que é uma ode à imperfeição; uma chávena e um pires do fabricante
alemão Rosenthal, que é um óptimo exemplo de um bom design, perfeito,
previsível, sem falhas; e finalmente uma placa de grande qualidade de
execução, mas claramente feita à mão, cheia de conteúdo narrativo, do oleiro
norte-americano Frank Fleming.
A Rosenthal representa a estandardização e é a sua existência que permite a
produções como as de Rie sobreviver e prosperar. Se não tivéssemos ainda
atingido a perfeição dos artigos da Rosenthal, ninguém quereria as superfícies
esburacadas de Rie.
Extasiamo-nos perante as suas "imperfeições" porque sabemos que há sempre
uma alternativa. A procura de artesanato, como a de design, baseia-se na
necessidade de nos diferenciallllos dos impulsos gerais da sociedade, embora
sabendo que pertencemos a ela. Assim, para quem tem um armário cheio de
produtos industriais bons e bem comportados, o artesanato de atelier oferece
um extra reconfortante: uma valorização da estética do lar ou, se preferi! mos,
um contraste.
Existe ainda outra categoria de artesanato em que os objectos demonstram um
extraordinário virtuosismo e uma perfeição minuciosa com uma tal redun-•
dância de perfeição, que sabemos terem sido necessariamente feitos à mão, e
esta produção manual, das duas uma: ou foi levada a efeito sem ter em conta
imperativos económicos ou alguém muito rico se dispôs a patrociná-Ia. Podem
encontrar-se exemplos destes em algumas peças de joalharia e em trabalhos
de madeira ou metal.
De facto, um dos resultados interessantes da concorrência entre o artesanato e
o fabrico industrial é o de, em certas áreas do artesanato contemporâneo no
mobiliário de madeira, por exemplo , estatlllOS a assi stir a provas de
virtuosismo sem paralelo no tTabalho de artesãos de séculos passados. Os
modernos marceneiros decidiram competir com o rigor e previsibilidade dos
trabalhos industriais, indo a pormenores cada vez mais minuciosos. Samblagens
perfeitas não são já suficientes para distinguir o trabalho de uma máquina
moderna do da mão do artesão, já que são hoje em dia o produto rotineiro de
tupias automáticas. Alguns artesãos produtores de mobiliário em madeira,
sobretudo os norte-americanos, levaram muito longe a sua perícia técnica,
devido à perseguição que lhes é movida pelo constante aperfeiçoamento da
indústria. AdopG;am, pois, estilos que revelam deliberadamente samblagens
engenhosas, ou que requerem que a madeira seja trabalhada (esculpida,
dobrada ou torcida) de modo a produzir formas orgânicas ou intrigantes
superfícies geométricas. Muitas das grandes figuras contemporâneas da
-
.--
Os cestos, como as pontes de ferro sem embelezamentos, evidenciam o lógica da sua rozôo de ser, coisa que poocos orlefoeles produzidos industrialmente cooseguem. Exemplor de David Drew, Reino Unido.
marcenaria são norte-americanas, entre elas Wendell Castle e Sam Maloof.
"Perfeito" e "imperfeito" são termos comparativos. Nem tudo o que é simul
taneamente "não li so" e feito à mão é imperfeito. A cestaria de vime, por
exemplo, registou um renascimento nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha e
há uma perfeição "rude" nos objectos desta indústria que é mais do que
aparente. Um cesto feito à mão é um dos exemplos em que o estilo, a beleza
da superfície, o design "abaixo da linha" e a manufactura se fundem com uma
função bem definida e uma grande durabilidade.
Um cesto feito à mão, como o de David Drew que se pode ver acima, peca
apenas pelo custo da mão-de-obra que implica.
Além de serem termos comparativos, "perfeito" e "imperfeito" são também
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Valor izar a Produção Manual
culturalmente específicos. Por exemplo, o tipo de cerâmica utili zado pelos
japoneses na sua cerimónia do chá é considerado muito bonito por eles, se bem
que aos olhos oc identais possa parecer deformado e primário.
Uma estética de oposição'!
, A que se res ume o mundo do artesanato na Europa e nos Estados Un idos? E
uma das tais "instituições" sem contornos definidos, que as soc iedades ri cas
com culturas amadurecidas podem suportar e que oferece um refúgio para as
inúmeras pessoas que, de uma maneira ou de outra, se opõem à sociedade em
que estão inseridas ou que, pelo menos, vivem descontentes com ela. Nada há
de automaticamente subvers ivo em tal opos ição, nem significa uma rejeição
total da soc iedade. O que o fenómeno do mundo artesanal contemporâneo ofe
rece às pessoas é um pouco mais de espaço para se organizarem do modo que
desejam. Ao nível mais básico do artesanato como hohhy, podemos ver que a
actividade oferece aos indivíduos conformistas e conservadores uma opor
tunidade de construírem o seu próprio mundo no tempo que lhes sobra, depois
de servirem a sociedade como escriturários, professores, técnicos de telefones,
etc. Outras pessoas foram mais longe, montando uma oficina de anesanato,
através da qual tentam, por vezes com êxito, viver todo o seu tempo de acordo
com um padrão e uma ordem que elas próprias determ inam e regulam. , E provável que outras pessoas, igualmente inteligentes e criativas, tenham
inveja dos artesãos; mas. por uma série de razões práticas ou de dever, seguem
carre iras sujeitas a ritmos impostos por tercei ros. E são estes "escravos" do
sa lário. inteligentes mas conrormistas, que formam a clientela dos artesãos
contemporâneos. O que os conformistas pretendem e lhes é fornecido por
tantos artesãos é uma estéti ca artesanal viva, revestida de formas
familiares: cerâmica com aspecto de ter sido feita à mão, com uma presença
animada e uma certa textura, mas quase tradicional no que respeita à forola;
o mesmo se passa com o mob il iári o e com os têxteis. , A sua maneira, este trabalho faz parte de uma estética do artesanato de opo-
s ição: opõe-se e é diferente daquilo que as lojas da Baixa e a tecno logia ofere
cem. Estas podem fornecer perfeição; o artesanato inclui algumas fa lhas s im
páticas (o artesanato contemporâneo, porque não precisa de ser funcional, pode
conter falhas de design ou de execução). O objectivo de grande parte do artesa
nato não é a perfeição prosa ica, que podemos sempre adquirir noutro lugar.
Tem muito mais a ver com pôr outra vez as pessoas a comunicar entre si.
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Valorizar a Produção Manual
o virtuosismo daquilo que é feito à mão também é comunicação entre pessoas.
O mundo da tecnologia é que é mudo. Saber que alguém está a fazer uma co isa
espec ialmente para nós é importante, tal como é, do ponto de vista psicoló
gico, ver num trabalho a marca da mão do executante. A tecnologia é efic iente,
mas profundamente anónima . .
O aspecto ant iquado da maior parte do artesanato é um componente essencial
para o seu êxito económico. Se a tecnologia se tivesse desenvo lvido de outra •
maneIra revestindo-se de texturas e formas de uma estética irregular,
orgânica, por exemplo -, o artesanato teria de contrapor um acabamento
suave e um aspecto de "feito à máquina".
Seri a, no entanto, inexacto concluir daqu i que há uma ruptura total entre o
artesanato e o design industrial. Estão em opos ição, mas não em todos os
pontos. De certa maneira, as formas do artesanato tiveram influência na
corrente principal de design influênci a que é poderosa na Escandinávia e
que, nos Estados Un idos, aparece e desaparece para vo ltar a aparecer de novo.
Uma breve análise do design escand inavo do século XX mostra-nos que o
design para o lar cerâmica, vidro, serviços de mesa, mobiliário e
estofos tem uma linguagem muito próxima da do artesanato. Mesmo
quando são feitos à máquina, os objectos conservam um aspecto de "feito à
mão". Se pensarmos que os países escandinavos tiveram quase sempre /63
governos soc iais-democratas nos últimos cinquenta anos, seguindo uma
política de bem-estar social tendente a criar um Estado ideal de classe média,
e se levarmos em conta que a metáfora do artesanato conservador é
acolhedora, humanista, reconfortante, não é surpreendente que a estética do
seu artesanato tenha conservado uma posição de domínio.
A influência do design escandinavo com a sua ênfase na ideia do côncavo,
da forma envolvente . é popular nos Estados Un idos desde a década de 20.
A apoteose da influência do design artesanal/côncavo/escandinavo sobre o
design norte-americano foi atingida nas formas do mobiliário apresentado
pordesigners como Charles Eames e Eero Saarinennos anos 40 e no princípio
da década de 50. Os seus designs continuam a ter influência: com efe ito, a
forma orgânica, a concavidade e o ventre materno são ainda poderosas
metáforas no design none-americano contemporâneo e não há dúvida de que
a década de 90 assiste a um revivalismo ou reinterpretação do !ook de Eames.
Persiste um outro subtema na história do artesanato, sobretudo nos Estados
Unidos, na Alemanha, nos Países Ba ixos e no Reino Unido. Tem havido
alguma oposição, por parte de certos artesãos, em aderir à corrente que pre
tende serv ir o lar com formas famil iares: um número significativo de artesãos
•
Valorizar a Produção Manual
tem rejeitado os valores conservadores e o artesanato conservador. Daí
surgiu um movimento anti perfeição e, sobretudo, um movimento anti
-artesanato como produto de consumo.
No Reino Unido, na Alemanha e nos Países Baixos, homens como Ron Arad
(IsraeljReino Unido) e grupos como o Hard Werken (Países Baixos) têm
defendido que as ide ias são muitas vezes mais importantes do que os objectos.
Sobretudo em Inglaterra, registou-se um forte movimento na década de 70 para recusar o perfeccionismo. A maioria da geração de recém-formados de
escolas de arte inglesas não tem grande capacidade para desenhar, modelar ou
fazer bem seja o que for. Uma das razões para a (temporária) subalterni zação
da habilidade como ingred iente importante do artesanato está ligada com uma
atitude política. Se a maior parte do artesanato era comprada pela burguesia,
isso devia-se ao facto de encontrarem nele um certo consolo.
Havia um número significativo de artesãos que, nas décadas de 70 e 80, não
queriam proporcionar conforto aos seus clientes; preferiam incomodá-los. Os
jovens artesãos repudiaram a técnica porque esta era uma ex igência burguesa
e, sobretudo, porque era mais cómodo ignorá-la. Foram também eles que
subverteram as formas familiares.
Do ponto de vista conservador, a recusa de perfeição é mal vista. O reverso da
164 questão é que o vocabulário posto à disposição do artesão contemporâneo se
alargou. Existe hoje no Ocidente (especialmente em países cOmO o Reino
Unido ou os Estados Unidos, em que as velhas indústrias passaram, subita
mente, à história) muito material "antigo" que fi cou de fora do mundo
tecnológico. Este "lixo" antiquado da indústria do século XX, que era, ainda
há tri nta anos , tecnologia competitiva, está agora disponível para ser
retrabalhado pelo artesanato como parte de um movimento estéti co de
oposição à actual tecnologia. Assim, o equipamento eléctrico primitivo e as
peças das antigas máquinas estão agora a ser integradas em objectos de
artesanato, por artesãos jovens.
A nostalgia, ingrediente tão importante no artesanato, ganhou terreno. Pode
também dizer-se que os artesãos que adoptaram essas técnicas de montagem
nos anos 80 estavam a repetir a estratégia de alguns dos primeil"Os arti stas
da "idade da máquina", como Marcel Duchamp fascinado pela beleza
da maquinaria e dos utensílios de cozinha do final da era vitoriana, e que o
demonstl"Ou cOm a sua recuperação do suporte metálico para garrafas,
em 1914.
O imaginário e os artefactos das indústrias do período do carvão são agora tão
ricos em significado artesanal potencial como as velhas olarias e cestarias.
Valorizar a Produção Manual
Os jovens foram radicais, fil trando no entul ho urbano o imaginário anti
burguês. Na essência, ajudaram o mundo do artesanato a alcançar a históri a
moderna. Em certa medida, o artesanato adaptou-se ao ritmo da mudança .
O mundo do artesanato é uma instituição reactiva - reage a mudanças e a
tendências, procurando oferecer uma vi são alternativa
de metáforas .
, . e uma nova sene
Na complexidade do artesanato contemporâneo existem outros ex tremos,
como seja a realização de objectos únicos, que patenteiam ostensivamente o
tempo que levaram a ser feitos e que se destinam a adquirir um estatuto de
"arte" de nível idêntico à síndroma do ovo de Fabergé.
Nos Estados Unidos, alguns escultores como Wendell Castle voltaram-se, com
êxito, para a produção de mobiliário e em seguida, à medida que evolu íram,
procuraram alcançar o estatuto de arte para as suas peças, produzindo mobi l iário
ostentatóri o, fabuloso na períc ia e nos materiais, qual encomenda de marajá
caprichoso. Castle, no entanto, não se deixou arrastar completamente pela
corrente da tendênc ia efémera, ao contrári o de mu itos outros designers
-executantes, para quem o moderni smo tem sido uma grande fonte de
encantamento.
Sendo o pós-moderni smo encarado pelos arquitectos, des igners e pessoas da
área das artes aplicadas como uma extravagância optimista ou uma série de /65
golpes de mão à história para roubar bagatelas a esti los passados, não deixa de
ser irónico que, entre os académicos, o debate pós-modernista tenha gerado
opiniões que raiam o niili smo. Os excessos pós-moderni stas no artesanato
norte-americano cri aram uma "caldeirada" : bo las co loridas, pirâmides,
pormenores egípcios e/ou romanos e outro tipo de decoração gratuita foram
requisitados para tornarem os objectos fe itos à mão em quase-esculturas.
E assim, talvez com algum pessimismo, o final do século XX vem encontrar
os arti stas, os designers, os artesãos e talvez a maiori a de nós debatendo-se com
uma situação desestabilizadora. Somos excluídos da verdadeira vanguarda da
cultura contemporânea; fomos todos marginalizados . O fulcro da vanguarda
contemporânea no Ocidente não é o artesanato ou a arte nem o debate entre
moderni smo e pós-modernismo; o fulcro é a física teórica e a tecnologia apli
cada. Quantos de nós estaremos aptos a penetrar no panorama conceptual da
nova física ou à vontade na construção de software para computador?
E ainda há mais. Porque, estando à margem da principal corrente da cultura A
contemporanea excluídos não por falta de talento mas por completa
ignorância , estamos livres para encontrar interesses e diversão onde
pudermos. Daqui o êx ito continuado do artesanato do sécul o XX.
•
7
OS FUTUROS DO DESIGN
Conservacõo e conservadorismo ,
Na década de 1990, mais designers e fabricantes irão descobrir o que alguns
já afirmaram: que há dinheiro e consideração a ganhar em assuntos
ligados ao ambiente. Os políticos estão cada vez mais Verdes e o conceito
lato de design que contempla todas as implicações do fabrico, desde as
matérias-primas até ao fim da vida útil dos objectos, constituirá, nos finais da
década de 90, uma parte importante da ortodoxia do design e da empresa. Os
princípios de tal prática farão parte do ensino dos diferentes cursos de arte,
design, tecnologia e gestão. E os designers passarão mesmo a questionar-se
(sem necessidade de intervenção dos grupos de pressão) sobre o impacto do
seu trabalho no ambiente.
No Ocidente, é impossível um design holístico e sensível aos valores ambien-
tais, sem envolver cons iderações materiais. O que vai acontecer - e está já
a acontecer é bem claro: as pessoas vão querer ser mais saudáveis e
conservar a diversidade da Natureza, integrando-a no seu crescente bem-estar
material e desejo de variedade.
Em certa medida, a preocupação pela conservação e ecologia decorre natu
ralmente do fenómeno consumistado período que se seguiu à Segunda Guerra
Mundial. No capítu lo 5, assinalámos que existe hoje uma democratização
no design industrial que faz com que a tecnologia ofereça produtos de uma
qualidade que nem mesmo os ricos, com o seu maior poder de compra, podem
ultrapassar. No entanto, se os ricos tiverem acesso a um melhor ambiente, a
lógica do alargamento da qualidade para os menos ricos fará do ambiente e
dos benefícios que este proprociona a próxima etapa de interesse para o
consumidor. Cada vez mais pessoas se mostram descontentes com o que
aconteceu aos lugares onde passavam as suas férias no estrangeiro, aos locais
de lazer dos seus fins-de-semana, à qualidade de vida das ruas onde moram.
Depois de terern enchido as suas casas e garagens, dirigem agora o olhar
para o exterior. A inveja e a recusa em se deixarem ficar para trás são
ingredientes tão úteis para devolver o verde ao Mundo como o foram para o
fazer chegar ao estado actual.
A hegemonia do publicitário objecto tanto de entusiasmo como de repulsa
/67
7
Os Futuros do Design
por parte dos teóricos pós-modernistas sofrerá um revés parcial, que não
se deverá à autodisc iplina ou à legislação, mas aos esforços insistentes de
grupos de pressão variados; estes poderão apresentar aos consumidores os seus
pontos de vista, procurando influenciá-los, desde queos meios de comunicação
se conservem relativamente livres. Uma tal situação, por sua vez, irá influen
ciar os retalhistas, que colocarão novas exigências aos fornecedores.
A crescente consciencialização do mundo como objecto em si mesmo, que tem
de ser considerado, acarinhado e protegido, é um exemplo de pensamento
positivo que rebate o pess imismo tão em voga e a ironia elitista desenvolvida
por alguns teóricos pós-modernistas dos anos 80.
Não é provável (nem desejável) que diminuam as necessidades que as pessoas
têm de variedade, de distracções e, naturalmente, de emprego. Mas é possível,
até provável , que a moda em design privilegie objectos de maior durabilidade
e com maior qualidade. Já há hoje quem considere que o pós-modernismo está
a ficar ultrapassado; fa la-se de um novo tipo de moderni smo, de linhas mais
sofisticadas, mas integrando mais durabilidade e melhor qualidade de cons
trução no design e na especificação de produto. Grande parte do design pós
-modernista, especialmente na arqu itectura, parece excessivamente temporário
e in substancial. A insubstancialidade não serve uma geração que está consciente
168 da vulnerabi lidade do planeta. Em presença de um consenso cada vez maior
quanto à necessidade de conservar, protegere desenvolver com cuidado, pode
mos com realismo prever o aparecimento de um estilo que expresse valores
conservadores, em vez de irónicos.
Publicidade e ideologia
Muito se tem escrito sobre o poder da publicidade. Em "The Want Makers"
(1988), Eric Clark anali sa sistemas utilizados para orientar produtos em função
de grupos específicos de pessoas, entre eles o ACORN (A Classification of
Residencial Neighbourhoods) e o V ALS (Values andLifestyles). Estes sistemas
identificam quem quer o quê e quem tem posses para o adqu irir. Como diz
Clark: "Só funciona nos casos em que a quantidade de dados reunidos sobre
as pessoas é quase inimaginável e em que há computadores para os ordenarem
e processarem de inúmeras maneiras e de acordo com outras tantas com
binações". O facto é que estas informações e os meios de as tratar existem e
são utilizadas no ACORN e outras classificações do mesmo tipo.
Como sabemos, há vários tipos de publicidade, cobrindo um espectro sofis-
Os Futuros do Design
ticado e de qualidade, que vai dos Sp01S de 45 segundos às promoções do tipo
"está aqui, venha buscar". Comparada com a da Europa do Noroeste, a publi
cidade tel ev isiva nos Estados Unidos é directa, curta e centrada em preços
baixos. Mas, nas suas fOI mas mais elaboradas, um anúncio ilustra todo um
mundo: apresenta o serviço ou o bem a vender, numa situação em que todos
os restantes elementos e pessoas (ou animais) foram cuidadosamente
seleccionados, trabalhados, iluminados e ensaiados. Isto é óbvio-quando nos
detemos sobre o assunto. Mas é importante, apesar de tudo, porque é esse
controlo total do minimundo apresentado no anúncio que o torna atraente,
raiando a emoção, através da beleza tocante que se vê mas que é inatingível. ,
A publicidade é um mundo complexo. E verdade que os criadores publicitários
lidam com ficções, mas estas têm de sensibilizar pessoas reais de um mundo
real. Vimos que Jean Baudrillard, na sua teoria da "galeria de espelhos" (págs.
100 e 101), defende que somos cada vez menos capazes de fazer a distinção
entre quem somos e as representações que essas ficções fazem de nós. Mas será
verdade? Diz-nos a experiência que somos realmente capazes de fazer essa
distinção, e que por vezes ela nos magoa.
Tomemos, como exemplo, a fealdade. Tal como a cor da pele, condiciona a vi
da das pessoas de maneiras que elas preferem não reconhecer. Quem diz que .
as aparências não importam e que o que contaé a beleza interior não está aretra- 169
tar a prática do quotidiano. A fealdade é repulsiva; a repulsão faz parte do signi -
ficado de fealdade. Assim sendo, as pessoas feias são condicionadas quer pela
rejeição, quer pela necessidade de adoptar estratégias através das quais possam
ultrapassar a sua fa lta de atractivos físicos, recorrendo a outros meios. Podem,
por exemplo, procurar ser mais simpáticas do que a general idade das pessoas ou
tentar obter uma riqueza material superior à média (e, assim, comprar favores).
As pessoas feias são inevitavelmente de segunda classe nas modernas socieda-
des consumistas. Todos os dias, nas revistas, na televisão e no cinema, lhes é
recordado o que não têm e não terão nunca: beleza. A felicidade material
centra-se na beleza e nos concomitantes prazeres da carne. Todos os haveres
materiais são, por comparação, meros paliativos. O consumismo baseia-se na
venda desses paliativos e, no coração do consumismo, está a fotografia.
A fotografia profissional, um negócio cujo pivot é a publicidade, vende dois
bens - a beleza e o produto específico que está a ser publicitado. A fotografia
profissional alimenta a dor com o prazer. A dor é a impossibilidade de as
pessoas feias se tornarem bonitas; o prazer está em ver a beleza (ver beleza é
sempre um prazer). Prazer que, evidentemente, é destruído pela pena e o
sentido de perda.
•
Os Futuros do Design
No seu li vro "Beauty in History" (1988), Arthur Marwick explica que, a partir
da década de 60 caracteri zada pelas viagens internacionais, pela info rmação
electrónica e pela tecnologia dos satélites ,a explosão verificada no campo
da in formação visual e a comerc ialização da juventude têm fe ito aumentar
enormemente a nossa percepção da beleza e fornec ido oportun idades inéditas
para a formulação de comparações. O nosso sentido da discrepância, da
imperfeição fís ica, tem sido potenciado.
A fotografia ocupa um lugar de especial importância no consumismo; as foto
grafias profissionais estabelecem padrões de beleza,"fixam" o bem de consumo:
estamos dentro do padrão ou falhámos. Em contrad ição com Baudrill ard,
estamos francamente cientes da diferença entre o real e a ficção, ou entre o real
e outro aspecto do real. , E fác il distinguirmos como somos de como "eles" são num anúncio, porque
conhecemos os factos. Sabemos como vivemos, com que nos parecemos,
quanto di nheiro temos e estamos, portanto, consc ientes da di stância que
nos separa da ficção que nos é apresentada. Mas, fora isto, ficamos à mercê do
poder da publicidade; a não ser que tomemos uma postura activa. Por exemplo,
a menos que saibamos como é fabricado determinado produto, não fazemos
ideia da moral que lhe está assoc iada. Há um grande número de consum íveis
/70 que encerram uma série de verdades ocultas: os produtos de limpeza domés
ti ca líquidos, abras ivos, ceras são altamente nocivos para o meio
ambiente, tanto na sua produção como na sua inutili zação (lançados para os
esgotos e, portanto, rios e mares); são também testados exaustivamente em
an imais, provocando muito sofrimento. O mesmo se passa com diversos
produtos de higiene. Claro que nada di sto transparece no anúncio. A função da
publicidade é garantir que várias realidades desagradáveis sejam perfeita
mente separadas das agradáveis.
Apesar di sso e do design gráfico não ser tema neste li vro, vale a pena referir
que os designers gráficos têm desempenhado um papel de interface entre o
anúncio e a real idade . As be las embalagens que produzem transpõem para o
quotidiano do supermercado um pouco de brilho. Povoam-nas de animais
brincalhões, trabalhadores felizes, ou qualquer outro elemento que desem
penhe um papel na di sjunção entre ambas as realidades .
Mas a publicidade, sobretudo a telev isiva na Europa, está a deslocar os seus ,
centros de interesse. E mais ou menos ponto assente, em doi s dos três pólos
mundiais de public idade, Nova Iorque e Tóquio, que o terceiro, Londres, é o
centro cri ati vo. Uma das razões é a extraordinári a quantidade de dinhe iro gasta
pelo Governo britânico em publicidade telev isiva, durante a década de 80,
Os Futuros do Design
para promover a venda das grandes empresas estatais de serviços. Depois de
privatizadas, mantiveram, em geral, a publicidade como parte de um vasto
programa de promoção, no que foram imitadas por outros sectores. Os
anúnc ios não vendem apenas um objecto ou conjunto de serviços, vendem
também uma ideologia. A Imperial Chemical Induslries, a British Petroleum
e a British Gas procuram por todos os meios demonstrar que têm do Mundo
uma visão moderna, que conjuga humanismo e tecnologia. Valem-se de
produções grandiosas, herdei ras de uma tradição de cinema britânico que
teve início na propaganda sóbria do Post Office Film Unil do final dos anos 30.
A evolução da publicidade ideológica é interessante, porque reforça a ideia
de que as pessoas - o público , os consumidores - se preocupam, de facto,
com os valores. Até que ponto estaremos dispostos a acreditar numa ideologia
de empresa protectora, humana e ambientalista é mais discutível (sendo
mesmo desejável um certo ceptici smo vigilante). Seja como for, numa época
que alguns escritores caracterizaram já como desprovida de valores ou
preocupada apenas com o materialismo, é de realçar o crescimento da
propaganda dos valores registado nos anos 80.
Ouro de lei
O publ ic itário está em vantagem relativamente ao designer de produto. Os
objectos do designer têm de fu ncionar; podemos testá-los e encontrar-lhes
fa lhas. Além disso, as expectativas do consumidor são cada vez maiores . O
designer passa a vida a responder à questão: "Porque é que as coisas não
funcionam melhor?"
Na produção, cada vez menos é deixado ao acaso; a década de 90 assistirá
seguramente ao crescimento de sistemas sofisticados programas
informati zados, que delineiam estratégias, desenvolvem tácticas, codificam
procedimentos e os decompõem em sistemas lógicos. Podem aplicar-se a
quase todos os processos produtivos, incluindo o ensino e a medicina. ,
Também o design se pode incluir nesta categoria. A medida que os fabri-
cantes e os consumidores se tornam mais exigentes, diminui a margem de
aceitação relativamente a deslizes do designeI'. E tal como os médicos de
clínica geral que podem recorrer às vantagens proporcionadas por
sistemas informáticos avançados , que os ajudam a lembrar-se de questões
vitai s, contribuindo para um diagnóstico correcto , também os designers
beneficiarão de apoios semelhantes. Vem, portanto, a propósito relembrar
171
.... ----172
Os Futuros do Design
o tema da semântica de produto, que tratámos no capítulo 4.
Klaus Krippendorf, catedrático de Comunicações na Universidade da
Pensilvânia, e Reinhart Butter, catedrático de Design Industrial na Universidade
do Estado do Ohio, têm, em conjunto com os seus departamentos, trabalhado
na exploração das qualidades simbólicas e ergonómicas das formas . Essencial
mente, a semântica de produto explora a relação entre o designer, o objecto e
o utilizador, e a que ex iste entre o objecto/utilizador e o meio. Como dizem
Krippendorf e Butter: "O designe r cria formas que são auto-explanativas". A
evidência faz parte da utilidade das estratégias e sistemas avançados, porque
em design é o óbvio que tende a dar asneira . Por exemplo:
- Fazer com que objectos diferentes tenham aparências diferentes .
Quando são demasiado parecidos, podem provocar desastres. Exemplos
disso são os equipamentos de emergência ou as situações potencial
mente críticas no habitáculo de uma locomotiva, nos cockpits de
aeronaves, nas salas de operações e de controlo de centrais eléctricas.
- Fazer um objecto de utilização segura. O regulador quente/frio dos
chuveiros é, manifestamente, uma área de perigo a água a escaldar
pode matar. Outras preocupações incluem certificar-se de que o utili
zador sabe que parte de um objecto se destina a ser por ele manipulada
e quais as que lhe estão vedadas.
- Ajudar as pessoas a tirar o melhor partido de um objecto. Os progra
mas de soft.vare para microcomputadores são, na sua maior parte,
subutilizados.
- Ajudar as pessoas a sentirem-se bem.
Krippendorf e Butter dizem t que não se dedicam à produção de estilos; e que,
tão-pouco, o seu trabalho se prende com uma nova espécie de funcionalismo
psicológico. Passemos por cima destas declarações. Seja por que razão for,
quem põe em prática a semântica de produto preocupa-se muito com a imagem
e emprega uma linguagem decalcada da científica.
Mas a deficiente promoção da semântica de produto não deve escamotear a
importância do seu conteúdo. O conteúdo simbólico dos objectos pode tomar
-se o aspecto mais importante de um design, ao ponto do sImbolismo com
prometer a utilização (mas nunca a segurança). Claro que o simbolismo, a
estética e o gosto se fundem num só; mas é surpreendente o número de objectos
pouco conseguidos que são muito aprec iados, apesar do seu deficiente
desempenho ou de estarem ultrapassados.
Os Futuros do Design
Encontram-se alguns exemplos clássicos nos meios de transporte. Há pessoas
que preferem guiar o Volkswagen "carocha", barulhento, feio e pouco espaçoso,
cuja origem remonta ao final dos anos 30. No Reino Unido, ainda há quem
queira comprar o Citroen 2CV, caixote de cartão sobre rodas, trepidante e ins
tável. Nos EUA, apesar das imitações japonesas, mais baratas e tecnologica
mente mais evoluídas, a Harley Davidson é imbatível em popularidade.
Vale a pena frisar que, em certos tipos de objectos, especialmente os associa
dos ao trabalho ou à cozinha, a fealdade é uma vantagem simbólica. Funciona
de várias maneiras. No exemplo do "carocha" ou do 2CV, faz parte a estética
da resistência os carros destacam-se dos restantes veículos e, sobretudo
no caso do 2CV, é sinal de que o condutor não leva a sério a condução
nem idolatra os automóveis. No entanto, a fealdade pode ser reveladora da
primazia da segurança sobre a estética, como vimos no capítulo 4, no exemplo
da cafeteira (págs. 94 e 95). Dentro de certos limites, a fealdade pode também
transmitir avanço tecnológico: tem um aspecto horrível, mas isso é porque
a novidade não permitiu ainda habituarmo-nos ao objecto.
O simbolismo desempenha um papel importante na desmistificação dos
objectos tão popular entre os jovens designers do final dos anos 80, dando-,
-lhes uma razão para existir (capítulo 1, pág. 17 e capítulo 4, pág. 94). E
absolutamente verdade que a tecnologia evolui a um ritmo que a nossa /73
compreensão não consegue acompanhar; mais ainda, há tanta tecnologia
invisível (capítulo 4, pág. 81). A invisibilidade não é necessariamente sinónimo
de compreensão difícil, mas, se não virmos como uma coisa se move, é difícil
adivinhar-lhe as entranhas. O interior de um transístor antigo não diz nada à
maioria das pessoas, excepto quando se acciona o botão de selecção de banda
e se vêem as peças do condensador mover-se. "Procurar o posto" tem, assim,
um significado visível.
Mas a menor compreensão dos objectos gerados pelas novas tecnologias não
nos deixa inconsoláveis: as suas vantagens são muitas e estamos muito ocupa
dos com outras coisas que não o modo de funcionamento dos aparelhos
electrónicos. Desde que sejamos capazes de os pôr a funcionar. ..
O microcomputador é um dos exemplos mais interessantes de um aparelho
cujo funcionamento é incompreensível e com o qual é difícil trabalhar. Na qua
lidade de cidadãos sensíveis e vigilantes, fazem-nos falta garantias sobre as no
vas tecnologias, especialmente a informática. Queremos ter a certeza, por
exemplo, de que o computador não está a ser utilizado contra nós. Não há
design de hardware nem semântica de produto que possam compensar o temor
ou a suspeita de que esta ou aquela máquina seja, de algum modo, mal-
• I N
Os Futuros do Design
-intencionada ou traiçoe ira. A poss ibil idade do Estado ou do nosso banco
se servir do computador em prej uízo dos nossos interesses é uma questão
fundamental de po lít ica e dos dire itos do cidadão e que ultrapassa a
competência do designo
No entanto , os designers podem contri bu ir para que utili zemos o computador
na sua plenitude. Raros são os microcomputadores util izados para mais do que
o simples tratamento de texto, e poucos são os programas de tratamento de
tex to utili zados em pleno. Nem o hardware nem o software são concebidos
para se rem de fác i I ap rend izagem (apesar do panorama se ter alterado bastante
com as inovações da App le Macintosh).
O des igner moderno está perante um enorme problema: tem de encontrar for
mas e processos que permitam a indivíduos cujas competências, capacidade de
concentração e tolerância são imprevisíveis utilizar sistemas que, na sua
essência, são extremamente complicados. A tarefa do designer não é de modo
nenhUlll facilitada pe la circunstância de as culturas europeia e norte-americana
terem reso lvido que tudo. inclu indo a aprendi zagem, pode ser isento de dificu l
dades. O que nem sempre é ve rdade . Apesar de tudo. esperamos que "coisas"
e "processos" sejam concebidos de forma a que a compreensão dos primeiros
níveis seja fácil; e que a transição de um níve l de complex idade para o seguinte
seja lógica e tenha Ullla imaginação moral baseada naquilo que o utilizador já terá presum ivelmente apreendido. Emprego o termo "moral " dei iberadamente,
porque " moral" implica o acto solidário e imaginativo de nos "pormos na pele
do outro" que é a base de todo o ensino.
As tarefas dos designers são ainda mais dificultadas pelo facto dos grupos de
consumidores se rem compostos por gerações dife rentes, com níve is de " leitura
de produto" também dife rentes . Os adolescentes de hoje são ve rsados em
computadores de muitas mane iras as tex turas, sons e formatos dos
computadores são-lhes fami li ares. Muitas pessoas mais velhas, apesar de
terem já "reparado" no equipamento. tê- Io-ão ignorado e continua a não
lhes ser familiar.
As pessoas mais ve lhas podem ter necessidades psicológicas e emoc ionais
di ferentes das dos jovens; podem não aceitar bem as manifestações visíveis da
mudança. Podemos caricaturar esta situação pensando no caso de consumidores
que vêem com bons ol hos o forno micro-ondas , mas que o preferem com a
aparência dos fogões ant igos. A verdade é que muitas pessoas, inclui ndo as
crianças (sobretudo as muito novas). prefe rem ordem e estabilidade a modi
ficações constantes. Enquanto membros de uma sociedade saturada de telev isão
e de vídeos, podemos ter-nos habituado a alterações súbitas do imaginário e por
isso gostar da artificia lidade dada pelas image ns da telev isão; mas, uma vez
Os Futuros do Design
que somos capazes de estabelecer a di stinção entre a TV e o nosso mundo (pese
embora Baud rillard), parecemos preferira constância e a ordem (desenvolvendo
grandes esforços para as consegui r).
o design e as raízes da sociedade
Independe ntemente do que possamos dizer sobre a re lação existente entre um
objecto e as emoções, a mente e a imaginação de um consumidor, vale a pena
observar a relação que o design tem com a ideologia da cultura que o produz.
Com efe ito, é a relação ideológica entre o objecto e o consumidor que está
subjacente aos debates sobre o design e os ri cos (capítulo 5) e sobre artesa
nato versus design (capítulo 6) .
No se u ensaio "Whal is aI Slake in lhe Dehale on Poslmodernism?" (1987) 2,
Warren Montag salienta o facto de apesar das visões da soc iedade contempo
rânea patenteadas pelos principais intervenientes no debate serem muito inte
ressantes e importantes elas se "s ituam a uma di stância de tal modo grande
dos diversos objectos que pretendem descrever que as reai s espec ificidades
acabam por fi car amalgamadas num conj unto harmonioso mas imprec iso".
Entre essas espec if icidades contam-se as que se re lacionam com as insti tuições
e estruturas que conferem signifi cado, ordem e autoridade ao nosso quoti
diano. Será o mesmo questionarmo-nos sobre o al cance do capitali smo em s i
e, no extremo oposto, sobre o vocabulário da forma de um objecto (onde pôr
os interruptores)? A prime ira abordagem é demasiado di stante, a outra próx i
ma de mais. O que é que gera as ideologias que fornecem a base para o
s ignificado e em que se fundamentam os valores do nosso trabalho des ign,
ciência, arte, fabrico?
As nossas raízes não se encontram na public idade nem na te levisão; estes
gémeos são de facto refl exo das ideologias que nos mantêm unidos, mas não
são geradores de va lores - partem do que já ex iste.
Poder-se-ia pensar ser o final do século XX a era do ceptic ismo; a ser verdade,
a sociedade oc idental estaria perante uma cri se moral. Porque, na sua forma
ex trema, o cepticismo mina tudo e todos; leg itima todos os actos de crueldade,
neg ligência e intolerância, porque nega a tudo a razão de ser ou a finalidade.
Os valores são destruídos se os fin s forem a bitola. Deus dava-nos um pro
pósi to, Marx também. Hoje vivemos uma s ituação pós-Deus (alguns de nós)
ou pós-Marx.
No entanto, ex iste uma diferença profunda entre a teori a céptica e a ex peri ência
humana. As vidas humanas contêm uma grande vari edade de experiênc ias que
175
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Os Futuros do Design
não dependem da noção de finalidade. Perguntar qual é o objectivo do amor
que se tem pelos filhos não tem, em termos práticos, qualquer significado. A
emoção posta na crença, compromisso ou participação naquilo que podemos
definir como "fins em si mesmos" rebate o cepticismo, tomando a própria
questão céptica vazia de significado.
São fins em si mesmos, por exemplo: uma profissão interessante, jardina
gem, desporto, companheirismo, ouvir histórias ou tentar descobrir como
funcionam os quarks. A maior parte, senão todas as coisas que nos dão prazer
e são um fim em si mesmas, depende da cooperação de outras pessoas ou da
sua concordância sobre o "direito" que nos assiste de levá-las por diante.
Os nossos direitos, no entanto, são garantidos pelas limitações e regras
contidas nas nossas instituições sociais.
O filósofo contemporâneo que melhor compreendeu e articu lou a importância
das raízes, e que melhor do que ninguém explicou o conceito de instituição, é
Roger Scruton, professor de Estética no Birbeck College de Londres. O seu
livro "The Meaning ofConservantism" (1980) contém um capítulo chamado
"The Autonomous Institution", que me foi muito útil 3.
Scruton cita vários exemplos de instituições, como o desporto de competição,
a família, o direito e a educação. Vejamos o que ele nos diz acerca do desporto
(e confronte-se com as págs. 150 a 155 deste livro): "O objectivo de uma
equipa é, evidentemente, ganhar. Mas a vitória é definida pelas regras do jogo
e não pode ser alcançada fora da instituição que a define ... Os elementos de uma
equipa podem ganhar dinheiro; mas, para os aficionados, o interesse do futebol
reside no jogo e no seu resultado ... O futebo l (o hóquei, o basquetebol , etc.) é ,
também uma instituição. E uma estrutura que sobreviverá aos praticantes
individuais e que estabelece entre eles um laço transcendente de pertença".
Mais adiante, no mesmo capítulo, Scruton fala de um exemplo mais lato, mas
igualmente coerente. "Veja-se a sociedade rural dos EUA. Não é nem bárbara,
nem civilizada, nem decadente. Não tem qualquer interesse especial para o
Mundo em geral; mas, apesar disso, parece viver bem consigo própria. Pode
mos encontrar nesta sociedade uma prol iferação de clubes e associações e
mesmo de velhos hábitos artesanai s que desapareceram na Europa. Este facto
deve-se em parte à falta de interferência governamental. O Estado federal não
é dado a arregimentar os seus cidadãos de formas que lhes sejam estranhas. E
embora o caos resultante, feito de excentricidades infantis, possa ser pouco
atraente para quem está de fora, é manifesto que tem um grande poder de
consolação para todos os que nele participam".
Alcançamos os nossos valores e significados através da grande variedade de
•
-
-
Os Futuros do Design
actividades colectivas e empresariais; retiramos consolo e prazer da procura
dos fins em si mesmos. Louvamos as nossas instituições e os valores que elas
defendem através de rituais, de decorações e do seu tratamento simbólico em
artefactos e naarquitectura. As instituições são fonte de significados simbólicos.
Os bons designers institucionais compreendem implicitamente o conceito de
ideologia da instituição. O design institucional, sobretudo as suas manifes
tações do final da década de 80, oferece mais às empresas do que uma alteração
de logotipo. Hoje em dia, quando um gabinete de design recebe uma encomenda
para reformular a imagem de uma empresa, os designers começam por fazer
um levantamento dos valores defendidos pela empresa. Fazem perguntas ao
pessoal e à Administração sobre o trabalho que desenvolvem, sobre o moral,
os objectivos da empresa, a qualidade da comunicação interna e as caracterís
ticas específicas da empresa. A finalidade do exercício é preparar um relatório
destinado à Administração, que incide sobre o momento que a empresa
atravessa e o estado em que ela se encontra, ajudando-a a aproximar-se dos
seus ideais; e criar designs que representem ideais e ideologia, tanto inter
namente, junto dos empregados, como externamente, junto do público. Entre
os valores genéricos, contam-se o serviço, a eficiência, a confiança e a cortesia.
O design da identidade institucional não se cinge a este levantamento interno
e à representação gráfica dos ideais da empresa; é também a aceitação do 177
facto de todas as organizações, sejam elas privadas, públicas ou estatais, se
fundarem nas grandes instituições sociais, incluindo a Lei. Há, sem dúvida,
muita hipocrisia em certas empresas que, como algumas pessoas, apenas
fingem agir de acordo com os valores que o público gostaria de as ver seguir.
Contudo, este fenómeno está para além do nosso âmbito.
Para os designers, o que interessa é que, numa era de cepticismo, as socieda
des prestam uma atenção cada vez maior às regras, obrigações e instituições
sociais que garantem continuidade e proporcionam serviços em toda a sua
complexidade moral. Nunca tantas pessoas sejam elas descritas como
cidadãos ou consumidores - foram tão bem servidas, protegidas, apoiadas
(o facto de não o serem em quantidade ou qualidade suficientes é outra
questão; no cômputo geral, tem-se registado um certo progresso l. Além disso,
neste final de século, assiste-se a um grande interesse pela resolução das
obrigações sociais a nível supranacional, como é o caso das questões ambientais
acima referidas.
Se atentarmos na casa simbólica de Charles Jencks (págs. 103 e 104 l, podemos
dizer que o contexto, a instituição de que ele se serviu para dar significado ao
seu design era demasiado grande toda a civilização do M undo, com uma
OSDM-12
Os Futuros do Design
significati va porção do Cosmos à mistura para que nada fa ltasse. Mas a sua
intuição estava correcta; e, de certo modo , a necessidade de definir o presente
através de referências simbólicas ao passado é um ingred iente que pode con
tribuir para a aceitação e humanização de todo o design, sobretudo o do lar.
Uma das acções mais importantes ao alcance dos des igners é simbolizarem
a continuidade e manifestarem quer na forma, quer nos materiais e
processos utilizados para moldar o design o reconhec imento de que o
objecto tem um determinado impacte no Mundo. Não se trata aq ui de defender ,
o saudosismo, ou ceder às ex igências das modas. E, sim, defender a importância
de garantir a familiaridade do des ign e de pôr em prática a imaginação moral.
S6 uma imaginação deste tipo está em condições de garant ir que um design terá
utilidade prática e que considerações mais vastas, incluindo as ambientai s,
serão inc luídas na prossecução dos objectivos de des igno
An imador é constatar que o empenho moral em querer mudar as coisas para
melhor é maior do que nunca. E mais importante ainda que um tal
empenho é equili brado pelo reconhec imento de que todas as mudanças
devem ser cuidadosas e baseadas, não no capricho momentâneo, mas
no conhecimento sobretudo no que deri va da investigação e da ciênc ia
aplicada das implicações do nosso querer sobre a nossa saúde, as outras
/78 espéc ies e o Mundo em geral.
NOTAS
CAPÍTULO 2
I Sehama, Si mon, "Tlle Embarrass/IIelll oj Riclles", Collins, 1987.
2 Hayek, F. A. "Tlle Road to Sel/do/ll", Ark. 1986, p. 27.
3 Hayek, F. A., oI' cir .
4 Ver: Barnell, Corre lli, "Tile AI/dir of War", Maemillan, 1986, para elementos
sobre este assunto, relativamento à indústria britânica de armamento.
5 MeCoy. Esther, "Tlle Ratiol/alisr Period", in catálogo High Style, edição
conjunta do Withney Museum 01' American Art, de Nova Iorque e de Martin
Books, Nova Iorque, 1985, p. 131. Diz ela: "A exactidão era uma necessidade
do design de grande parte do mate rial ut ilizado em combate durante a Segunda
Guerra Mundial e, como era de esperar, o hábi to de utili zar tolerâncias decimais
prossegui u no design do tempo de paz".
6 Kennedy, Paul , "Til e Rise ({Ird Fali oftlle Grear POlI'ers", Unwin Hyman , 1988.
p. 359. Foi no desempenho do seu papel de "polícia do Mundo" que os EUA se
tornaram uma ameaça para a integridade de outras cu lturas. O Japão, por seu
lado, tem s istematicamente evitado tomar panido nos negóc ios estrange iros, /79
talvez porque seja prej udicial para o comércio.
7 "Desigll Maga:ille", Junho de 1985.
8 Braun, Emily, "I/(Ilian Arr ill rire 20rll Cellll/ry", Prestei, 1989.
9 Sottsass, Ettore, "Design and Theory'·. in catálogo "Desig ll Sillce
Ph iladelphia Museum of Art, 1983, p. 3.
1945" ,
10 Hebd idge, Dick, "J-/iding ill rhe Ligllr", Routledge, 1988, pp. 77- 115. Hebdidge
escreveu o que chama um dossier sobre a motorizada italiana, que inclui um
debate animado sobre o sexo das máquinas.
11 Kennedy, Paul, OI'. cit., pp. 355-356.
CAPÍTULO 3
I Manzini , Ezio, "Tile Morerial ojll1\'e11lio,,", Areadia, 1988, p. 131 ("A Matéria
da Invenção", Centro Português de Design, 1993). O livro contém um grande
número de abordagens poéticas a vários assuntos: "A domest icação do fogo, que
começou há tantos milhares de anos, está agora concluída. O novo objecto
quente doméstico já não nos queima os dedos".
180
Nolas
2 Gordon, J. E., "The New Science ofStrong Materiais", Pengu in, 1976, pp. 173-
-205. Ver também Fiore, L. e Gianotti , G., "Designing Malter", in "The
Material of Invention" (versões italiana e inglesa), op. cito
3 Mack, John, "Advanced Polymer Composites", in revista Materiais Edge de
Janeiro de 1988, pp. 17-23, e edições seguintes desta revista bimensal publicada
por Metal Bulletin Joumals Ltd.
4 Waterman, Neil , "Materiais for Profit", in revista Engineering de Janeiro de
1988, pp. 16- 18.
5 Mack, John, "Advanced Polymer Composifes" , op . cito
6 Mack, John, "Passion, Power and Polymers: improved materiais in cars", in
rev istaMaterials EdgedeMarço/Abril de 1988, pp. 33-42. O automóvel TreserI
é fabricado por uma pequena empresa dirigida por WalterTreser, um dos "pais"
do Audi Quattro. A utilização de compósitos na indústri a automóvel está a
ganharforça. Prevê-se (Financiai Times, de 23 de Agosto de 1988, p.12) que a
produção em série de carros famili ares, com utilização de quantidades
significat ivas de materiais termoplásticos, seja importante na década de 90.
O exemplo em questão é um protótipo chamado The Vector, produzido por GE
Plastics - notável porque demonstra que a produção em grande escala é
exequ ível, mas, mai s interessante ainda, que os termoplásticos podem ser
reciclados: "Os painéis do corpo, depoi s de terem desempenhado um importante
papel, dando forma e protecção na sua primeira vida, podem ser derretidos sem
que o mate ria l perca uma grande percentagem das suas propriedades. Assim,
numa segunda vida, pode tomar-se, por exemplo, um componente do acabamento
interior do veículo".
7 Ver também Bloch, Robin, "Advanced Composite Materiais" , tese apresentada
para o doutoramento em Planeamento Urbano (Departamento de Planeamento
Urbano e Regional da Universidade da Califórnia), Berkeley, 1984. Bloch
explora a re lação entre o desenvolvimento de novos compósitos e a indústri a do
armamento. Na altura em que preparava esta tese, os compósitos pareciam ter
poucas hipóteses fora da esfera da defesa e do armamento, mas o final dos anos
80 viu ressurg ir o investimento no sector.
8 Manzini , Ezio, "The Material of Invenfion" , op. cit., p. 66.
9 Dawkins, Richard, "The Blind Watchmaker", Pengu in , 1988; "The Selfish
Gene", Oxford University Press , 1976.
10 Harris, Myles, "Pygmalion Moulds a Mind: Computers and artificial
intelligence", in rev ista Spectator de 14 de Maio de 1988, pp. 9-12.
II Harris, ibid.
12 Gordon, J. E., "The New Science of Strong Materiais" , op. cito
•
Notas
13 Ver: Bellow, Saul, "More Die of Hearlbreak" (botânica); McEwan, Ian,
"A Child in Time" (matemática, física); Stoppard, Tom, "Hapgood" (física das
pequenas partículas); e Updike, John , "Roger' s Versiol!".
CAPÍTULO 4
I Cf. Bloom, Allan, "The Closillg of lhe Americal! Mil!d" , Simon and Schuster,
1987, pp. 75-77 . Bloom descreve a sua consternação ao constatar que, havendo
gra ndes cabeças a investir esforço político, c ientífi co e cultura l em
empreend imentos grandiosos, os resultados práticos, em tennos de consumo,
são de uma mediocridade espantosa.
2 Anon , "A Funher Notion or Two abolir Domestic BUss", 1870, c itado por
Hardyment, Christina in "FromMal!gle to Microwave" , Polity Press, 1988, p.l .
3 Hardyment, Christina, "From Mangle lO Microwave" , op. cil ., pp. 1-19 .
4 Scarry, Elaine, The Body in Pain, Oxford Uni versily Press, 1985, sobretudo o
capítulo Pail! and Imagining.
5 A explicação mais imaginativa do comportamento subjectivo das pequenas
partículas na física é-nos dada pelo dramaturgo Tom Stoppard na sua peça
"Hapgood" , Faber, 1988. Vertambém: Hawk ing, Stephen W. , "A BriefHistory
of Time", Bantam Press, 1988, pp. 53-61.
6 Tucker, William, "The Object", in revislaSllIdio Inlemational, de Fevereiro de
1973, pp. 66-69.
7 Freedman, Al ix M., "Forsaking lhe Black Box: Designers Wrap Producrs in
Visual Melaphors", in Wall Srreel Journal, de 2 1 de Abril de 1987. Roberl
Blaich, di rector executivo do Departamento de Design Industrial da Philips, é
citado por Freedman. Blaich vi u veladas algumas ideias pelo Departamento de
Marketing, como a de um rádio em forma de dois batuques africanos. Blaich
disse a Freedman: "O maior risco não é tecnológico, mas psicológico. Somos
ainda uma grande empresa com muitos conservadores na gestão de produtos".
8 Larkin , Philip, "Required Writing: Miscellaneous Pieees 1955-1982", Faber
and Faber, 1983, pp. 80-82.
9 Para saber qual a interpretação de um romancista sobre o que um estruturalista
faria com Elaine, deve ler-se "Niee Work" , de David Lodge, Secker& Warburg,
1988. Lodge, professor de literatura e conhecedor do processo de desconstrução,
demonstra-nos, de maneira lúc ida e divertida, a importânc ia de encontrar um
bom nome para um produto (pp. 154-156). "Elaine" é manifestamente um mau
nome.
-
/8/
-
' . . -,. 182
Notas
10 Stumpf, William, "Are melaphors ellollgh lo keep )'011 warm 011 a cold
winter's l1igh!?". Palestra apresentada no Congresso de Design Icograda/
/I CS ID/ I FI, em Amesterdão, Julho de 1987. Stumpf receia que a centralização
na imagética visual e nas metáforas prejudique a func ionalidade.
CAPÍTULO 5
I Reed. J. D. e Tynan, W., "Tileir Plales are Smasili/lg", rev ista Time, de 17 de
Dezembro de 1984, p. 90.
2 Lapham, Lewis H. , ';MoJ1ey and Class il/ America: Notes anel ObSerVGliol1s 011
oI/r Ci\'i/ Religio/l" , Weidenfeld & Nicholson, 1988. Lapham dec lara estar
interessado na "melanco lia habitual de cidadãos que se proc lamam os mai s
fel izes e libertos de todos os que pisaram a Terra. Nunca na história da
humanidade tantos foram tão ricos; nunca na história da humanidade as mesmas
pessoas se sentiram tão pobres",
3 Ver Duffy, Bruce, "Tile World as I FOl//ld Ir", romance publicado por Secker
& Warburg, 1988.
4 A Edi/lbl/rgil Tapes/r)' Campan)', também conhec ida por Doveco/ S/I/dios,
mergu lha as suas raízes numa companhia fundada em 1912 pelo 4.º Marquês de
BlIte. Foi influenc iada pe las ofic inas de William Morris, em Merton Abbey,
perto de Wimbledon (Londres) . Os primeiros doi s mestres artesãos dos estúdios
Dovecot vieram de Merton Abbey.
5 Dormer, Peter, "Fra/lk S/ella Pai/1/i/lgs as Tapes/ri ', in Apallo , Fevereiro de
1989, p. 110. l ames More, directorda Edinburgh Company, vê a tapeçaria como
uma peça de mobiliário.
6 Dormer, Peter, UThe New Adl'errising", in revista Creati\'e Revirlv, Dezembro
de 1987, pp. 14-17. A través da judic iosa uti I i zação da ci tação do "K i/lg Lear"
(Shakespeare) "Reason not the need", a célebre agênciade public idade Saalchi
& Sao/c!Ji defendia, no seu relatório anual de 1982, que a publicidade
competiti va era provavelmente a maneira mais efi caz de fa zer com que
o design, bom ou mau, chegasse ao grande público.
CA PÍTULO 6
I Como contraponto, ver Harrison, Charles, "Abs/rac/ Expressionislll 11", in
revista Sflldio In/emarianal, Fevereiro de 1973, pp. 53-60.
2 Marx , Karl , "O Capi/al", entrada 593.
,
Notas
3 Baudrillard, Jean, "The System ofOhjects" (1968), in Se/ected Writings, Poli ty
Press, 1988 , p. 12.
4 Paz, Octav io, "Col1vergences", Bloomsbury, 1987, pp. 50-67. Paz tem uma
atitude descomplexadamente romântica re lat ivamente ao artesanato. Por
exemplo: "O artesão não se define a si próprio em termos da nac ionalidade ou
rel igião. Não é leal a uma ideia ou imagem, mas a uma prática: a sua arte".
CAPÍTULO 7
I Ver documentação relativa à conferência Producl Semantics, real izada em
Helsínquia, na Uni versidade das Artes Industriais, de 16 a 19 de Ma io de 1989.
A expressão "semântica de produto" é atr ibuída a Reinhart Bulter.
2 Mantag, Warren, "Whal is at Slake in lhe Dehate 011 Postmodernism ?" ,
in "Postmodernism and its Crilics", ed ição de E. Ann Kaplan, Verso, 1988.
Montag capta a essência da incerteza pós-modernista ao dizer: "Actuamos no
âmbi to de uma conjuntura específica que vemos transformar-se perante os
nossos olhos. Será talvez por via da nossa própria inte rvenção, mas a
transformação dá-se de maneiras que acabam sempre por escapar às nossas
intenções ou controlo, requerendo ass im intervenções ad injinilum".
3 Scruton, Roger, "The AulOl1omous Institution", in The Meaning ofCol1serva
tism, Penguin, 1980, pp. 14 1-60.
-ILUSTRACOES ,
Ed Barber, págs. 27, 29 e 15 1; União Britânica para a Abolição da Vivissecção
(organismo inteiramente pacífico ' ), págs. 12 e 7 1; Fisher Fine Art Ltd., Londres,
pág. 6; Hori zon (fotografi a de Malcolm Hughes), pág. 119; Andy Keate, pág. 18;
Galeria Yu Chee Chong, Londres, pág. 49 (fotografia de David Cripps), pág. 75 .
---/83
. -.
, INOICE REMISSIVO
Os nLÍmeros em itálico referem-se a ilustrações .
A "abaixo da linha" 11, 13, 16,20,35 ,58,68,82, 158
"acima da linha" 11 , 20, 68
a arte de bem presentear 120-1
a função determina a fonna 17-8, 142-3
Aalto, A. 42
ACORN 168
AEG 47-8
Airbus A310 65
Alcan 65
Alessi 114, 130;25
alumínio 63-5
amador 144-5; ver Ib. hobby; bricolagem
americanização 42
Andreasen, H. 60
184 animais 70-4; 71
anonimato 11 ,60, 162
antropomorfismo 73
Apple Macintosh 174
aprender, aprendizagem 174
Arad, R. 163
aram ida 66
artesanato 9
artesanato de atelier 153
Art Déco 45 ,47-8
arte ver belas-artes
Artemide 121
artesão-artista 129
artigos básicos 13,88
aspirações 36
Aston Martin 120, 124; 123
AT&T 23
Atlanric Design 98; 99
autonomia 149, 150
B barulho 88
Baselitz, G. 125, 127-8
batatas fritas 8 1-2
Baudrillard, J. 100- 1, 105,108, 153, 169, 170,174
Bauhaus 17, 45,47-8,123-4, 131-2
Bedin , M. 56
Bel Geddes, N. 45
belas-artes 8
beleza 169, 170
Bernal , J. D. 69
Bertone Xl/9 64; 65
bicicletas 98, 100, 115-6
bioquímicos 68
Blaich, R. 106
BMW 11 5, 120
Bodum 133
Bolta, M. 134
Butter, R.F.H. 111 , 172
c cadeira mexicana 76
caixa preta, estética da 17,19, 20,21
Cardew, M. 145 , 148, 152
Castle, W. 160,165, 177
Centro Português de Design, ver "A Matéria da In vellção"
cepticisll10 139, 175
Challenger (vaivém espacial) 13-4
Chemobyl 14
Clark, E. 168
Coca-Cola 29
colectivo (critério; trabalho) 41, 154
Coleridge, Nicholas 114
compósitos 62-6
computadores 67 , 70; v(rus 74
concorrência 34
conhecimentos 127, 153; ver lb . feito à mão, trabalho de alta qualidade
conservação 41 , 167
conservador 150, 163
COnSUlTIlSmO, consumo 7, 8, 9, 31, 36, 38
Le Corbusier 21
Courbet, G. 136-7
crescimento económico 31
critérios 153-4
cultura capitalista 3 1
cultura cristã 72
____ o
185
·c _____ _
índ ice
D design de luxo 9, la, 11 5-37
design popular 24
design: alemão 50- 1 . ,
escandinavo 43' ,
europeu
francês
hol ístico
ital iano
47-55;
54' ,
58, 167;
51-4' ,
por sexo 84, 89 , 95-8;
o design quase arte 137;
o design, objeclo cultural 130; orgânico 42,46
ver rIJ. EUA, metáfora, simbolismo
dinhe iro 11 7-121
dor 147
Orew, O. 16 1; /6/
Oreyfuss, H. 46
Orult , H. 22
Ouchamp, M. 106,] 64
Ounhi ll 12 1
Ou Pasquier, N. 134
/86 E
Eames, C. 42-3
ecológico 8
economia de mercado 40
Ed inburgh Text i]e Company 125
Eisenman, P. 134-6
electricidade 44
empresa. a 34, 35, 37. 46
Empress of Ire land 120
engenharia 11- L 3
engenharia genética 68
"escravos" do salário 162
cscultura 105.] la
estética ela caixa preta 17, 19, 21
estética de oposição, o artesanato como 162-5
esti lo doméstico norte-americano 22
esti lo, eSlilismo 10-30 EUA: capitalismo 33; economia 41-7: dinheiro 11 8; gosto popular 22-4;
Se2.unda Guerra Mundial 32.36.40-2 ~
Europa 47
excesso 7
exclusividade 120-3
!
express ionismo 146
express ionismo abstracto 145
expressiv idade 19,20, 139; Fel' Ih. design por sexo, metáfora
F fami liaridade (de fonmas) 30, 105
fea ldade 169, 173
feito à mão, trabalho manual 29, 11 7, 124-9, 139, 148
ferramentas, instrumentos, utensílios 83-91 , 95, 100
Ferrari I 15
fe rro 78
fétiche 92, 105
finalidade, propósi to 175
fins em si mesmos 176
Fleming, F. 160; 158
Forty, A. 44,86, 110
Frankenthaler, H. 126-7
Freedman, A. 106
FSB 134-5; 135
G gestão 37-8
Gobelins 126
Godley, G. 57
Gordon, J. E. 63
Graves, M. 22, 124; 24
Groenewege, A. 95-98; 9ó-7
grupos de pressão 101
H habi lidade, ver conhecimentos, períc ia
Hafner, D. 136
Hamada, S. 152
Hand Werken 163
Hardyment, C. 85, 88, 110
Harris, M. 73
Hayashiu, S. 134
Hayek, F. A. 33-4,38-41
Hearne, V. 154
Herman Miller I 11
Hiesinger, K. B. 32
hipocrisia 100- 1
I/Obby, bricolagem 92, 95, 162
Hockney, D. 125
índice
___ o
187
.•. •
188
, Ind ice
Hollein, H. 134; 135
humor 26, 27, 108
I l avicoli, V. 55,53
identidade institucional 37, 177
imaginação 14
imaginação moral 175
imaginário, imagética 96; ver Ih. metáfora, individualismo 38,10 1-2, 152-3
indústri a agrícola, agro-indústria 68
indústria pesada 31
InterProfil 121
Isozaki, A. 134
J JAL 16
Japão 55-8,95-8
Jencks, C. 103-5, 110; 104
Jiricna, E. 79
Johnson, P. 47
justificações 102-3
K Karte ll 77 Katz, S. 50
Kawai , k. 152
Kennedy, P. 4 1-4,54-5
Krippendorf, K. 172
Krohn, L. 24, 108; 26
L Landor Associates 12 1
Lapham, L. H. 117
Larkin , P. 108
Leach, B. 145
lealdade 37
liberalismo 33-4
ligeira (estrutura) 69,63
Linhas Aéreas Japonesas 16
Lippincott, J. G. 33
Loewy, R. 45
Lovegrove, R e Brown, J. 109
luxo, ver design de luxo
M mães, maternidade 88
Maloof, S. 160
Manzini , E. 62, 69
marcenaria de alta qualidade; revista Fine Woodworking 155
marketing 20
marketing por segmentos 20
Marwick, A. 170
Marx, K. 147,175
marxista- leninista 3 1
Maugh 11 , T. H. 65
Mayo, G. 35
McCoy, E. 37
McCoy, M. S. 107
Meier, R. 114
Memphis 8, 22, 46
Mendini, A. 134, 136
metáfora 13, 16, 19,30,56, 78,9 1, 110, 124, 156, 163;
e significados 102-11 ; 18;
ver Ih. imaginário, simbolismo
microcomputador 174
moda 20
, Indice
modem s/yle 47 189
MOMA 42, 114
Montag, W. 175
More, L. 108 •
Morandini , M. 119; 159
More,J. 125
museus 8
N
Nader, R. 50
narrativa no des ign 22-3,26
NASA 13
natural/não-natural 72-4
Nikon 1/8
Njers, L. 156
Nouve1, J. 77
Noyes, E. 46
o objectivo 100
objecto, características intrínsecas do 98, 107-8
.•... ~. - - --/90
índice
objeclOs de fig uração. w'r design de luxo
objecros paradisíacos, I'el" design de luxo
obsolência 32
p
Paolozzi , E. 125
Patterson, J. 15 1
Paz, O. 155
PepsiCola 125, 128
perFe ição 16
períc ia do artesão 27-8,42, 103;
ver lb. qualidade de acabamento, conhec imentos, habil idade
Perreault , J.
peSS lIllI smo
Peterson, S.
136-7
168
151
Philips 95,98 , 106
planeamento central 31 -3,38
Plano Marshall 36
plásticos 50,59-66
Po llock, 1. 136, 145-6
Poltrona Frau 121
pornografia 132
Porsche Design Company 12 1-4; 52, /22
portabi lidade (transportabi lidade) 80
pós-moderno 94-5,10 1, 165, 175
Powell , A. 11 4
precisão 93-4
propriedade 137
propriedades das superfíc ies 143-4; imperfei to/perfeito 58,158-160
protóti po IS
publicidade 8,23,46, 132, 169, 170- 1
Pye, D. 20- 1, 123, 140-4; /4/, 154-S
Q
qual idade 92-5 ;
ver th. trabalho de al ta qualidade, períc ia, conhecimentos
R radiotransístor-vela 23
Rams, D. SO, lOS, 135-6
real ização pessoal 150-5
retalhislas 119- 120
revista Crafts 144
ricos, os 114-5; I'U tb. dinheiro
Rie, L. 158; /59
Riernenschncidcr, T. 137
Rogoysha, M. 28
Rolls-Royce 64, 12 1
Roselll",,1 136, 160; /59
Rowe, S. 86
Rú ss ia, ver URSS
5 Saarincn, Ecro 42, 163; 43
Saatch i & Saatehi 136
Scarry.E.9 1, 147
Scham<l, S. 32
Schnabcl. J. 127
Scruton. R. 176
segurança social 33
semântica de produto 106-7. 110, 172-4
servidores R5-7
silício 66
simbolismo 1 03-R; l'er 117. metáfora
sistemas avançados 17 1-2
sobrevivênc ia 7
social -democracia 49
Sottsass , E. 52
Sowdcn. G. 132, 134, 136; /33
Sp-" 13 1
Stella, F. 125. 127-8
Stopparcl. T. 80
Slorey, P. 6
.\'lreamlilliJ/g 45
StU lllpf. W. III
substituição. reI" plüstico
Suécia 49
supercondutiviclade 66-8
Swid,N. 114
T táctil 61
tapeçaria 125-8
tarefas caseiras 83-8 Tarkovsky. A. 32
Taylo r. F. W. 34
Teague. W. D. 45
tecnologia I 1- 17, 59-80
, Indice
19/
!
índ ice
tentativa e erro J 5
T hackara, J. 48
T hun, M. 132, 134
T itanic 120
trabalho 30,35 , 116, 120
trabalho de alta qualidade 94; traba lhar o risco 14 1-4; trabalhar a certeza 14 1
trabalho doméstico 83-8
tradição 30
T resser-! Roadster 65
Tucker, W. 106
U Ulm 50
União Europeia 39,40, 47,5 1,58
URSS 14, 38,42, 48,78
V valores em mudança 102; partilhados 8,9, 177
VALS 168
vanguarda 8, 48,78, 145, 149, 165
Venturi, R. 22, 103
Vera, P. e A. 49
/92 Vickers , G . 100, 11 6
Viemeister, T. 24, 108; 26
virtuosismo 140, 160, 162
vivissecção
Vonck, I.
W
/2
146; 146
Warhol, A. 22
Waterman, N. 63
Wei l, D. 26-7; 27
Wei l, S. 147
Woodman, B. 148
y
Yuppy Porn 131
Biblioteca - Unesp - Bauru Processo: 521/45/01/07 C R$S-3po Procedência: Marcos Antonio da Silva Torres - ME Ltda FAAC . Incorporado em: • 'W'-<.IG'G
-
. •
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0801066121
PORTO EDITORA
•
9
CÓD , 41481 , 10 lS8N 971 · 9445 ·0 5·1
Oep. L8QIII N~ 9329J/9~
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