Os Guardas do Túmulo
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1
Os guardas do túmulo
William Lane Craig
2
A narrativa de Mateus sobre a guarda junto ao túmulo de Jesus é
amplamente considerada como lenda apologética. Embora
algumas das razões dadas em apoio a esse julgamento não sejam
importantes, duas são mais sérias: (1) a história é encontrada
somente em Mateus e (2) a história pressupõe que Jesus previu
sua ressurreição e que somente os líderes judeus compreenderam
aquelas predições. Mas a ausência da história nos outros
Evangelhos pode ser devida à falta de interesse deles em polêmica
judaico-cristã. Não há boas razões para se negar que Jesus
predisse sua ressurreição e, nesse caso, a segunda objeção se
torna basicamente um argumento a partir do silêncio. Do lado
positivo, a historicidade da narrativa é apoiada por duas
considerações: (1) como apologia, a história não é resposta
infalível à acusação de rapto do corpo e (2) uma reconstrução da
história de tradição que subjaz à polêmica judaico-cristã torna
improvável a ficcionalidade dos guardas.
Dentre os Evangelhos canônicos, somente Mateus relata a
intrigante história da colocação de guardas junto ao túmulo de
Jesus (Mt. 27.62-66; 28.4, 11-15). A história serve para propósito
apologético: a refutação da alegação de que os próprios discípulos
tinham roubado o corpo de Jesus e, assim, forjaram sua
ressurreição. Por trás da história, como Mateus a conta, parece
haver uma história de tradição de polêmica judaica e cristã, um
padrão de afirmação e contra-afirmação, em desenvolvimento: 2
Cristão: 'O Senhor ressuscitou!'
Judeu: 'Não, os discípulos roubaram o corpo.'
Cristão: 'Os guardas junto ao túmulo teriam evitado tal roubo.'
Judeu: 'Não, os discípulos roubaram o corpo enquanto os guardas
dormiam. '
Cristão: 'Os principais sacerdotes subornaram os guardas para
dizer isso. '
3
Embora, dentre os quatro evangelistas, somente Mateus mencione
os guardas junto ao túmulo (João menciona os guardas em
conexão com a prisão de Jesus; cf. Mc. 14.44), o Evangelho de
Pedro também relata a história dos guardas do túmulo, e sua
narrativa pode muito bem ser independente de Mateus, já que as
similaridades verbais são praticamente nulas3.
Conforme a versão de Mateus, no sábado — ou seja, no Sabá —,
que ele estranhamente circunavega chamando-o de o dia depois
do dia da Preparação, os principais sacerdotes e fariseus pediram
a Pilatos uma guarda para proteger o túmulo, a fim de impedir os
discípulos de roubarem o corpo e, assim, de "cumprir-se" a
predição de Jesus sobre ressuscitar ao terceiro dia. Pilatos disse-
lhes: "Tendes uma guarda; ide e dai-lhe a segurança que
puderdes". Não fica claro se isso significa que Pilatos lhes deu
uma guarda romana ou se lhes falou para usar sua própria guarda
do templo. O Evangelho de Pedro emprega uma guarda romana,
mas isso é provavelmente inserido na tradição e pode ter sido
concebido para enfatizar a força da guarda. Caso se queira
mencionar uma consideração psicológica, Pilatos provavelmente
estaria, a essa altura, tão enojado com os judeus que pode muito
bem ter-lhes repelido; mas lendas não conhecem quaisquer
limites psicológicos. Se Pilatos repeliu os judeus, pode-se, então,
questionar por que essa parte da história foi contada, de qualquer
maneira; mas, se os judeus realmente foram até Pilatos, talvez,
então, esse detalhe foi lembrado. Se Pilatos lhes deu uma guarda,
é estranho que Mateus não tenha tornado isso explícito, como o
fez o Evangelho de Pedro, uma vez que fortaleceria sua
apologética. O fato de que os guardas retornaram aos principais
sacerdotes é evidência de que se pretende uma guarda judaica;
contraste com o Evangelho de Pedro, em que a guarda romana
relata a Pilatos os eventos que ocorreram junto ao túmulo. A
menção do governador no v. 14 pode indicar uma guarda romana;
mas, no caso, não estaria claro como os judeus poderiam fazer
4
algo para livrá-los do problema. O fato de que os guardas
romanos poderiam ser executados, ao dormirem durante a vigia, e
o aceitar suborno poderiam, ainda mais, apontar para uma guarda
judaica. No Evangelho de Pedro, o suborno e a história do sono
são eliminados; Pilatos simplesmente ordena que a guarda
romana mantenha silêncio. Caso de dê à história o benefício da
dúvida, pode-se supor que a guarda era judaica; mas, se alguém
está convencido de que a história é lenda insignificante, nada
poderia evitar que se considere a guarda como romana. Assim, a
guarda é fixada e o sepulcro, selado. Diz-se que Mateus omite o
tema da unção, por causa da guarda e do selamento4; porém, isso
não mantém qualquer apoio, pois as mulheres eram
completamente desconhecedoras de que tais ações haviam sido
tomadas no Sabá. Pelo contrário, poderia ser que Mateus estivesse
seguindo diferentes tradições, nesse caso, visto que o v. 15 torna
evidente que há uma história de tradição por trás da narrativa de
Mateus5. Antes de as mulheres chegaram, um anjo do Senhor rola
de volta a pedra, e os guardas ficam paralisados com medo. Não
se diz que os guardas viram a ressurreição ou mesmo que esse é o
momento da ressurreição6. Depois de as mulheres partirem,
alguns da guarda foram até as autoridades judaicas, que os
subornaram para dizer que os discípulos roubaram o corpo. Essa
história tem sido espalhada entre os judeus até este dia,
acrescenta Mateus.
O relato de Mateus tem sido quase universalmente rejeitado pelos
críticos como sendo uma lenda apologética. Os valores para tal
julgamento, entretanto, são de peso muito desigual. Por exemplo,
o fato de que a história é uma resposta apologética à alegação de
que os discípulos roubaram o corpo não significa, pois, que ela
seja anistórica. A melhor maneira de responder a essa acusação
não seria inventando ficções, mas narrando a verdadeira história
do que aconteceu. Similarmente, de nada vale insistir na objeção
teológica à história, como se faz frequentemente, de que ela vai
além do testemunho restante do Novo Testamento, segundo o
qual Jesus apareceu somente para os seus, mas permaneceu
oculto aos inimigos dele7.
5
Alguns teólogos ficam horrorizados com o pensamento de que
guardas pagãos possam ter visto o "Cristo Ressurreto"8. Mas a
narrativa não fala absolutamente nada sobre qualquer aparição de
Jesus aos guardas. Pelo contrário, o anjo expressamente diz: "Ele
não está aqui, porque ressurgiu"; mas o túmulo é,
presumivelmente, aberto para que as mulheres possam vir e ver
"o lugar onde jazia" (Mt. 28.6). E, em qualquer caso, o testemunho
do Novo Testamento é que Jesus realmente apareceu a céticos, a
descrentes e até mesmo a inimigos (Tomé, Tiago e Paulo). A ideia
de que somente o olho da fé poderia ver o Jesus ressurreto é
estranha aos Evangelhos e a Paulo, pois todos eles concordam a
respeito da natureza física das aparições da ressurreição9. Às
vezes, insiste-se que os principais sacerdotes e fariseus não iriam
até Pilatos no dia de Sabá. Mas tal inferência não é muito séria, já
que não se diz que eles foram em massa, mas meramente se
reuniram ali10, e não se diz que eles adentraram ao pretório (cf.
Jo. 18.28). De qualquer maneira, a objeção subestima a hipocrisia
de homens que, ao menos de acordo com o relato do Evangelho,
poderiam atar nos outros fardos pesados, mas eles mesmos não
moveriam nem um dedo para ajudar. Nem é muito persuasivo
objetar à história, por ela conter absurdos inerentes — por
exemplo, que os guardas não saberiam que eram os discípulos
porque estavam dormindo ou que uma guarda romana nunca
concordaria em espalhar história pela qual poderiam ser
executados11. A primeira supõe que os judeus não poderiam ter
inventado uma estúpida história para encobrir tudo; realmente,
essa história era tão boa quanto qualquer outra. Pelo menos, a
inferência de que foram os discípulos de Jesus não era tão
forçado. Pois quem mais poderia roubar o corpo? O segundo
absurdo supõe que a guarda era romana, para o que a evidência
positiva é débil. E, mesmo que a guarda fosse romana, talvez a
promessa dos judeus de "satisfazer ao governador" significava
contar-lhe a verdade sobre o leal serviço dos guardas, caso
concordassem em mentir ao povo.
6
Muito pelo contrário, as dificuldades mais sérias desta história
são duas: (1) não é relatada na história pré-marcana da paixão,
nem nos outros Evangelhos e (2) pressupõe não somente que
Jesus tenha predito sua ressurreição ao terceiro dia, mas também
que os judeus entenderam isso claramente, enquanto os
discípulos permaneceram na ignorância. Em relação à primeira, é
excessivamente estranho que os outros Evangelhos nada
soubessem de tão importante evento como a colocação de uma
guarda ao redor do túmulo. Isso sugere que o relato é uma lenda
posterior, refletindo anos da polêmica judaico-cristã. A
designação de Jesus como impostor é, de fato, marca da polêmica
judaica contra o Cristianismo (Diálogo com Trifão 208, de Justino;
Testamento dos Doze Patriarcas (Levi) 16.3). Mas, talvez, esse
polêmico interesse fornece a própria razão de por que esse
evento, mesmo se histórico, não foi incluído na história pré-
marcana da paixão. Pois a história pré- marcana da paixão surgiu
na vida da Urgemeinde [comunidade], antes da
Auseinandersetzung [disputa] com o Judaísmo e, assim, antedata
a polêmica judaico-cristã. Já que os guardas desempenharam
virtualmente nenhum papel nos eventos da descoberta do túmulo
vazio — na realidade, o relato mateano não exclui que a guarda já
havia partido antes de as mulheres chegarem — a história pré-
marcana da paixão pode simplesmente omiti-los. Se a calúnia
segundo a qual os discípulos roubaram o corpo estava restrita a
certos grupos ("essa história tem-se divulgado entre os judeus
[para Ioudaiois] até os dias de hoje"), não se pode, então, excluir
que Lucas ou João poderiam não ter essas tradições. E os
evangelistas, com frequência, inexplicavelmente omitem o que
parecem ser incidentes importantes que podem lhes ter sido
conhecidos (por exemplo, a grande omissão de Lucas, de Mc. 6.45
— 8.26), de modo que é perigoso usar uma omissão como teste
para historicidade. Quanto à segunda objeção, devemos ser
cuidadosos para não excluir, a priori, a possibilidade de que Jesus
realmente predisse sua ressurreição, já que de antemão eliminá-
la seria retornar ao racionalismo teológico do século XVIII em sua
pressuposição contra o sobrenatural. E, se pressuposições
filosóficas não podem excluir a predição de Jesus, tampouco o
7
podem as teológicas — por exemplo, de que isso representa uma
espécie de "triunfalismo" que minimiza a extensão do sacrifício de
Jesus, uma vez que ele sabia que ressuscitaria. Concepções
teológicas sobre o que é "apropriado" para a pessoa e obra de
Jesus não podem ditar à história o que deve ter acontecido; antes,
concepções teológicas podem simplesmente ter de mudar à luz da
história, isso sendo atraente ou não às nossas sensibilidades
religiosas. A única base para aceitar ou rejeitar as predições de
Jesus como históricas deve ser empírica.
Quais, então, são as bases empíricas para se pensar que Jesus não
predisse sua ressurreição? Às vezes, assevera-se que a predição de
Jesus sobre sua ressurreição é incompatível com o desespero e
desesperança dos discípulos. Mas isso falha em contar com as
declarações de que os discípulos não podiam entender como um
Messias prestes a morrer e ressuscitar seria possível (Mc. 8.32,
9.10). O conceito lhes era totalmente estranho e não fazia sentido
de acordo com as concepções do triunfante Rei de Israel, ainda
que — Marcos enfatiza — Jesus lhes tenha dito abertamente que
sofreria, seria morto e ressuscitaria (Mc. 8.32). É interessante que,
quando Jesus diz a Marta que Lázaro ressuscitará, sua reação é:
"Sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia" (Jo.
11.24). Os discípulos podem não ter tido qualquer expectativa de
que a profetizada ressurreição de Jesus seria diferente; na
realidade, isso fica implícito na questão deles concernente à vinda
escatológica de Elias, anterior à ressurreição (Mc. 9.10,11)12.
Assim, o fato de que os discípulos falharam em compreender o
significado das predições é, realmente, muito plausível e nisso
não se pode insistir contra a historicidade delas.
Talvez, possa afirmar-se que a linguagem das predições é ex
ecclesia e que, portanto, são escritas remontando à vida de Jesus.
Mas, de fato, não há palavras nessas predições que o próprio
Jesus poderia não ter usado. O uso de "terceiro dia" poderia ter
significado somente um curto período13.
8
Mas mesmo se esse detalhe foi acrescentado a partir do querigma,
não se acarreta que Jesus poderia não ter predito sua
ressurreição. Da mesma maneira, o discurso dos judeus a Pilatos
na construção de Mateus, e o tema do terceiro dia refletem a
formulação querigmática de I Coríntios 15.4. Na verdade, os
judeus podem ter pedido uma guarda para ali ser posicionada
durante período indeterminado de tempo, ou durante a festa. As
predições da ressurreição terem tomado coloração querigmática
não prova que elas não foram proferidas.
Talvez, a mais séria dificuldade com a história da guarda,
contudo, é que, se os discípulos não compreenderam o sentido
das predições da ressurreição, tampouco os judeus, que tinha
muito menos contato com Jesus, entenderiam. Esse é, entretanto,
essencialmente um argumento do silêncio, uma vez que Mateus
não conta como os judeus souberam da predição de Jesus. Supõe
que se têm registrado nos Evangelhos todos os casos em que
Jesus falou de sua ressurreição ou que, se essa predição foi levada
sub- repticiamente aos judeus, devemos saber sobre isso. É
possível que as ações dos judeus não foram motivadas, de modo
algum, por qualquer conhecimento das profecias da ressurreição,
mas foram simplesmente pensamento posterior para prevenir
qualquer problema que pudesse ser causado pelos discípulos,
junto ao túmulo, durante a festa. Tomada em conjunto, essas
considerações têm peso cumulativo, entretanto, e por si mesmas
provavelmente levariam alguém ao ceticismo quanto à
historicidade da narrativa da guarda.
Porém, há outras considerações que ficam positivamente a favor
dela. Por exemplo, se a história é uma ficção apologética
concebida para excluir o roubo do corpo pelos discípulos, a
história não é inteiramente bem-sucedida, pois existe óbvio
período de tempo durante o qual os discípulos poderiam ter
roubado o corpo sem ser detectado — a saber, entre seis horas de
sexta-feira à noite e algum momento de sábado de manhã. Por o
túmulo já estar vazio quando os guardas o abriram, é possível que
já estivesse vazio quando os guardas selaram a pedra. Mateus se
esquece de dizer que o sepulcro foi aberto e checado antes de ser
9
selado, de modo que é possível que os discípulos tenham
removido o corpo e recolocado a pedra na sexta-feira à noite, após
a partida de José. É claro que consideraríamos tal artifício como
historicamente absurdo, mas a questão é que, se a guarda é uma
invenção cristã visando a refutar a alegação judaica de que os
conspiradores discípulos tinham roubado o corpo, o escrito não
fez um trabalho muito bom. Para a maneira como uma lenda
apologética lida com essa história, veja o Evangelho de Pedro: os
escribas, fariseus e anciãos dirigiram-se ao sepulcro, e todos eles
rolaram a grande pedra pela entrada do túmulo (sem menção de
José de Arimateia, apesar de tudo!), selaram-no sete vezes e
mantiveram vigilância. No domingo de manhã, o próprio Jesus é
visto saindo do túmulo com dois anjos, e as testemunhas
incluíram não somente os soldados e os anciãos, mas também
multidão de Jerusalém e do interior que viera para ver o sepulcro!
Essa é apologética infalível: os romanos e os judeus são os
responsáveis pelo sepultamento de Jesus no mesmo dia da morte
dele, permanecem ali sem interrupção e, quando o túmulo se abre,
não está vazio, mas Jesus sai de lá diante dos olhos de multidão
de testemunhas.
Em contraste, no relato de Mateus, a guarda é consideração
posterior; o fato de que não foram considerados e colocados ali
até o próximo dia poderia refletir o fato de que somente na sexta-
feira à noite os judeus souberam que José tinha, contrariamente
às expectativas, colocado o corpo em um túmulo, em vez de
permitir que fosse descartado em vala comum. Isso poderia ter
motivado a incomum visita deles a Pilatos, no dia seguinte.
Mas, talvez, a mais forte consideração a favor da historicidade da
guarda é a história da polêmica pressuposta nesse relato. A
calúnia judaica de que os discípulos haviam roubado o corpo era,
provavelmente, a reação à proclamação cristã de que Jesus
ressuscitara14. Essa alegação judaica também é mencionada no
Diálogo com Trifão 108, de Justino. Para desmentir tal acusação,
os cristãos precisariam apenas de indicar que a guarda junto ao
túmulo teria evitado o roubo e que ficaram imobilizados com
medo, quando o anjo apareceu.
10
Nesse estágio da controvérsia, não há necessidade de se
mencionar o suborno à guarda. Isso surge apenas quando a
polêmica judaica responde que os guardas tinham caído no sono,
permitindo, assim, que os discípulos roubassem o corpo. O sono
dos guardas poderia simplesmente ter sido desenvolvimento
judaico, uma vez que não serviria a qualquer propósito para a
polêmica cristã. A resposta cristã foi que os judeus subornaram a
guarda para dizer isso, e é nesse ponto que a controvérsia
permaneceu no tempo da escrita de Mateus. Porém, se essa é
provável reconstrução da história da polêmica, fica difícil
acreditar que a guarda é anistórica15. Em primeiro lugar, é
improvável que os cristãos inventariam uma ficção como a
guarda, que todos, especialmente os oponentes judeus,
perceberiam nunca ter existido. Mentiras são a mais frágil espécie
de apologética que pode haver. Uma vez que a controvérsia
judaico-cristã sem dúvida se originou em Jerusalém, é difícil
entender como os cristãos poderiam ter tentado refutar a
acusação dos oponentes deles, com uma falsificação que teria
sido evidentemente irreal, já que nas redondezas não havia
guardas que afirmaram ter se postado junto ao túmulo.
Mas, em segundo lugar, é ainda mais improvável que,
confrontados com mentira tão palpável, os judeus teriam, em vez
de expô-la e denunciá-la como tal, começado a criar outra mentira,
mais estúpida, de que os guardas caíram no sono enquanto os
discípulos violaram o túmulo e foram embora com o corpo. Se a
existência da guarda fosse falsa, a polêmica judaica nunca teria
tomado o rumo que tomou. Antes, a controvérsia teria parado ali
mesmo, com a renúncia de que a guarda havia sido fixada pelos
judeus. Nunca chegaria ao ponto em que os cristãos teriam de
inventar uma terceira mentira, a de que os judeus subornaram a
fictícia guarda. Então, enquanto há razões para se duvidar da
existência da guarda junto ao túmulo, há igualmente sérias
considerações a seu favor. Parece melhor deixar a questão em
aberto. Ironicamente, o valor do relato de Mateus para as
evidências a favor da ressurreição nada tem a ver com a guarda,
de maneira alguma, ou com a intenção dele de refutar a alegação
11
de que os discípulos roubaram o corpo. A teoria da conspiração
tem sido universalmente rejeitada com bases morais e
psicológicas, de modo que a narrativa da guarda, como tal, é de
fato muito supérflua. Com guarda ou sem guarda, nenhum crítico
atual acredita que os discípulos poderiam ter roubado o túmulo e
falseado a ressurreição. Antes, o verdadeiro valor do relato de
Mateus é informação incidental — e por essa razão muito mais
confiável — de que a polêmica judaica nunca negou que o túmulo
estivesse vazio, mas em vez disso tentou explicar a situação.
Portanto, os próprios antigos oponentes dos cristãos dão
testemunho ao fato do túmulo vazio16.
Bibliografia
1 Esta discussão provém de pesquisa conduzida na Universidade
de Munique, com apoio da Fundação Alexander von Humboldt.
2 Cf. Paul Rohrbach, Die Berichte über die Auferstehung Jesu
Christi (Berlim: Georg Reimer, 1898), p. 79.
3 Conforme B. A. Johnson, "The Empty Tomb in the Gospel of
Peter Related to Mt. 28.1-7" (dissertação de doutorado,
Universidade Harvard, 1966), p. 17. Isso não compromete alguém
com a visão de Johnson de que essa era uma tradição de aparição.
4 Kirsopp Lake, The Historical Evidence for the Resurrection of
Jesus Christ (Londres: Williams & Norgate, 1907; Nova Iorque: G.
P. Putnam's Sons, 1907), p. 61; Walter Grundmann, Das
Evangelium nach Mathäus, 3rd ed., THKNT I (Berlim: Evangelische
Verlagsanstalt, 1972), p. 568; Josef Blinzter, 'Die Grablegung Jesu
in historischer Sicht', in Resurrexit, ed. Edouard Dhanis (Roma:
Libreria Editrice Vaticana, 1974), p. 82.
5 Evidências de tradição pré-mateana também são encontradas
em várias palavras que são hapax legomena para o Novo
Testamento: epaurion, paraskeue, planos/plane, kaustodia,
asphalizo; igualmente, a expressão "os principais sacerdotes e
fariseus" (cf. 21.45) é incomum em Mateus e nunca aparece em
12
Marcos ou Lucas, mas é comum em João (7.32, 45; 9.47,57; 18.3).
Para discussão, veja I. Broer, Die Urgemeinde und das Grab Jesu,
SANT 31 (Munique: Kösel Verlag, 1972), pp., 69-78; F. Neirynck,
'Les femmes au tombeau: Étude de la rédaction mathéenne', NTS
15 (1968-9): pp. 168-90. Sobre a independência de Mateus e
Marcos, veja E. Ruckstuhl and J. Pfammatter, Die Auferstehung
Jesu Christi (Lucerna e Munique: Rex, 1968).
6 Contraste o Evangelho de Pedro 8.35-42
Ora, na noite em que o dia do Senhor alvoreceu, quando os
soldados, dois a dois em cada turno, mantinham a guarda,
ressoou alta voz no céu, e viram os céus abertos e dois homens de
lá desceram em grande brilho e se aproximaram ao sepulcro. A
pedra que havia sido colocada junto à entrada do sepulcro
começou, por si mesma, a rolar, e moveu-se para o lado; e o
sepulcro foi aberto, e ambos os jovens entraram nele. Quando,
então, os soldados viram isso, despertaram o centurião e os
anciãos — pois eles também estavam lá para ajudar na vigilância.
E, enquanto relatavam o que tinham visto, viram novamente três
homens saindo do sepulcro, e dois deles sustentando o outro, e
uma cruz os seguindo, e as cabeças dos dois chegando até o céu;
mas aquele que, pelas mãos, era levado por eles ultrapassava os
céus. E ouviram uma voz dos céus, gritando: 'Pregaste aos que
dormem?', e da cruz ouviu-se a resposta 'Sim'."e a Ascensão de
Isaías 3.16:
"Gabriel, o Anjo do Espírito Santo, e Miguel, o chefe dos santos
anjos, ao terceiro dia abrirão o sepulcro: e o Amado sentado sobre
seus ombros se revelará".
7 Grundmann, Matthäus, p. 565; John E. Alsup, The Post-
Resurrection Appearance Stories of the Gospel- Tradition, CTM A5
(Stuttgart: Calwer Verlag. 1975), p. 117.
13
8 Assim, Grass diz que, além das particularidades, a história da
guarda é inacreditável, porque guardas pagãos teriam visto a
ressurreição (Hans Grass, Ostergeschehen und Osterberichte, 4.
ed. [Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1970], p. 25.). Von
Campenhausen também declara que a história implica que
guardas pagãos seriam testemunhas da ressurreição, e não
podemos concordar que isso deveria acontecer (Hans Freiheirr
von Campenhausen, Der Ablauf der Osterereignisse und das leere
Grab, 3. ed. rev., SHAW [Heidelberg: Carl Winter, 1966], p. 29).
Similarmente, O'Collins faz a estarrecedora asserção de que, se
Anás e Caifás estivessem com os discípulos quando Jesus
apareceu, eles não teriam visto nada (Gerald O'Collins, The Easter
Jesus [Londres: Carton, Longman & Todd, 1973], p. 59). E isso
apesar do que Grass repetidamente descreve como o "realismo
massivo" dos Evangelhos! Cf. Koch, Auferstehung, pp. 59-60, 204,
que se escandaliza com a objetividade das aparições do
evangelho, as quais ele em vão tenta construir em categorias
completamente subjetivas
9 Sobre a concordância entre Paulo e os Evangelhos acerca da
natureza do corpo da ressurreição, veja Robert H. Gundry, Soma
in Biblical Theology (Cambridge: Cambridge University Press,
1976), pp. 159-83; Ronald J. Sider, 'The Pauline Conception of the
Resurrection Body in I Corinthians XV.35-54', NTS 21 (1975): pp.
428-39; Alexander Sand, Der Begriff 'Fleisch' in den paulinischen
Hauptbriefen, BU 2 (Regensburg: Friedrich Pustet, 1967), pp. 152-
3; Jean Héring, La première épitre de saint Paul aux Corinthiens, 2.
ed., CNT 7 (Neuchatel, Suíça: Delachaux et Niestlé, 1959), pp. 146-
8; H. Clavier, 'Brèves remarques sur la notion de soma
pneumatikon', in The Background of the New Testament and Its
Eschatology, ed. W. D. Davies e W. Daube (Cambridge University
Press, 1956), pp. 342-62; Wilhelm Michaelis, Die Erscheinungen
der Auferstandenen (Basileia: Heinrich Majer, 1944), p. 96.
14
10 Veja Ernst Lohmeyer, Das Evangelium des Matthäus, 4. ed., ed.
W. Schmauch, KEKNT (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1967),
p. 400.
11 Lake, Evidence, p. 178; Willi Marxsen, The Resurrection of Jesus
of Nazareth, trad. Margaret Kohl (Londres: SCM, 1970), p. 46;
Grundmann, Mätthaus, p. 571. Orr pensa que os guardas
aceitando suborno não é algo tão forçado, uma vez que a fuga
deles já era violação de dever (James Orr, The Resurrection of
Jesus (Londres: Hodder & Stoughton, 1909], p. 160). Von
Campenhausen levanta outros absurdos, tal como o fato de que a
guarda se reportou aos judeus e que os cristãos, apesar da
mentira dos guardas, sabiam de tudo (Von Campenhausen,
'Ablauf', p. 29). Mas o primeiro ponto é evidência de que a guarda
era judaica; o segundo não nos deve surpreender, já que
conspirações secretas quase sempre vêm à luz. De qualquer
maneira, a conversa dos judeus com Pilatos é provavelmente uma
imaginativa reconstrução cristã do que eles inferiram ter
acontecido, o que explicaria o tema do terceiro dia e a linguagem
querigmática empregada.Perry considera a colocação de uma
guarda judaica junto ao túmulo, pelos judeus, sem conhecimento
da predição de Jesus, como historicamente defensável (Michael
Perry, The Easter Enigma, com Introdução de Austin Farrer
[Londres: Faber & Faber, 1959], pp. 98-9).
12 Embora a doutrina da ressurreição seja atestada no Antigo
Testamento e tenha florescido no período intertestamentário, a
concepção judaica sempre era de uma ressurreição geral e
escatológica. Em lugar algum, encontra-se qualquer noção da
ressurreição de um indivíduo isolado ou de uma ressurreição
antes do fim do mundo (Veja as observações de Ulrich Wilckens,
Auferstehung, TT 4 [Stuttgart e Berlim: Kreuz Verlag, 1970], p. 31;
Joachim Jeremias, 'Die älteste Schicht der Osterüberlieferung', in
Resurrexit, p. 194). Portanto, o equívoco dos discípulos tem
conotação histórica.
15
13 Barnabas Lindars, New Testament Apologetic: The Doctrinal
Significance of Old Testament Quotations (Filadélfia: Westminster
Press, 1961; Londres: SCM Press, 1961), pp. 59- 72; O'Collins,
Easter, p. 12. Ainda que se concorde com Lehmann que o tema do
terceiro dia é expressão teológica, retirada da LXX e
posteriormente elaborada na exegese rabínica, significando o dia
da libertação, vitória e tomada de controle da parte de Deus (Karl
Lehmann, Auferweckt am dritten Tag nach der Schrift, QD 38
[Friburgo: Herder, 1968], pp. 262-90), não há motivo, se a igreja
primitiva poderia ter usado essa expressão, para que Jesus não a
pudesse ter usado com o mesmo sentido, ao predizer sua
ressurreição. Hooke também nos lembra que todos os ditos
escatológicos de Jesus pressupõem sua ressurreição, como o
fazem suas declarações durante a Última Ceia (S. H. Hooke, The
Resurrection of Christ as History and Experience [Londres:
Darton, Longman & Todd, 1967], p. 30; cf. Michael Ramsey, The
Resurrection of Christ [Londres: Centenary Press, 1945], pp. 38-9).
14 A proclamação pode ter sido nas palavras duas vezes repetidas
em Mt. 27.64; 28.7: "Ele ressuscitou dos mortos". Contrariamente
a Grass, Ostergeschehen, p. 23, isso poderia evocar a reação de
que os discípulos roubaram o corpo, se o próprio túmulo vazio
era argumento apologético.
15 O argumento pressupõe que ou que a tradição subjacente é
pré-mateana ou que o próprio evangelho foi escrito antes de 70
AD, pois depois desse tempo as pessoas em posição de saber a
verdade teriam sido mortas ou dispersadas. Que a tradição seja
pré-mateana fica claro: (1) a polêmica judaica por trás da história
muito provavelmente surgiu da própria Jerusalém, em reação à
proclamação apostólica da ressurreição. (2) Uma reconstrução da
história da polêmica mostra que Mateus herdou a controvérsia
sobre a guarda. Que ele não tenha inventado a guarda desde o
princípio para contra-atuar diante da simples acusação judaica de
roubo fica evidente a partir dos elementos do sono e do suborno
dos guardas.
16
(3) A própria narrativa contém características não-mateanas, como
indicado na nota 5. Que o Evangelho de Pedro conheça tradição
não- mateana da história da guarda também indica que a história
não se originou com Mateus. Uma vez que a controvérsia, dessa
maneira, antedata a destruição de Jerusalém, é muito difícil
construí-la como calorosa discussão sobre uma entidade
imaginária. Essa conclusão só é reforçada se o próprio Mateus foi
escrito antes de 70 AD, como sustentado, por exemplo, por Bo
Reicke, 'Synoptic Prophecies on the Destruction of Jerusalem', in
Studies in New Testament and Early Christian Literature, ed. D. E.
Aune (Leiden: E. J. Brill, 1972), pp. 121-34; J. A. T. Robinson,
Redating the New Testament (Londres: SCM Press, 1976), pp. 19-
26, 86-117.
16 Mahoney objeta que os judeus argumentaram como fizeram
somente porque teria sido "sem graça" dizer que o túmulo era
desconhecido ou estava perdido (Robert Mahoney, Two Disciples
at the Tomb, TW 6 [Berna: Herbert Lang, 1974], p. 100). Mas nisso
Grass está correto: se o sepulcro fosse desconhecido ou estivesse
perdido, os pregadores da ressurreição teriam se deparado com a
reação de Atos 2.13: "Eles estão embriagados com vinho".
Seriamente duvido se o ser "sem graça", incolor, seria considerado
pela hierarquia judaica como algo tão grosseiro que eles
preferiram inventar o túmulo vazio para os cristãos. E, se o local
do sepultamento de Jesus era conhecido, como é provável
(Blinzler, 'Grablegung', pp. 94-6, 101-2), a reação dos judeus se
torna ainda mais problemática: pois, em vez de apontarem para o
túmulo de Jesus ou exporem o cadáver, eles se emaranharam em
desesperada série de absurdos, tentando explicar a ausência do
corpo dele. O fato de os inimigos do Cristianismo terem se
sentido obrigados a explicar o túmulo vazio mostra não somente
que o túmulo era conhecido (confirmação da história do
sepultamento), mas também que estava vazio.
17
Originalmente publicado como: "The Guard at the Tomb", New
Testament Studies 30 (1984): 273-81.
Texto reproduzido na íntegra em:
reasonablefaith.org/site/News2?page=NewsArticle&id=5211.
Traduzido por - Djair Dias Filho (maio-junho/2009).
© William Lane Craig