OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE … · prazer de ler, alimentar e estimular o...
Transcript of OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE … · prazer de ler, alimentar e estimular o...
Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
DESCOBRINDO VALORES: LITERATURA E DENÚNCIA SOCIAL
Autora: Maria Celoí Pedroso1
Orientador: Dr. Fábio Augusto Steyer2
Resumo: O presente artigo aborda o ensino-aprendizagem da leitura de textos
literários, visando a formação de leitores proficientes. Sabe-se que um dos
principais compromissos da Língua Portuguesa e Literatura é o de trabalhar
com os alunos a leitura de forma reflexiva, explorando seus múltiplos sentidos,
compreender e interpretar. Numa realidade dinâmica como a nossa, que se
transforma na mesma velocidade com que se disseminam informações nos
meios eletrônicos, é essencial o papel que a literatura desempenha na
educação. Isso tendo em vista que a leitura num contexto brasileiro vive crises
maiores, presentes em nossa sociedade, como a injustiça, a desigualdade, a
fome e a falta de liberdade e democracia. Dessa forma, é fácil encontrar
pessoas que não têm acesso à informação de qualidade, devendo-se a isso a
ausência do domínio da leitura compreensiva. Portanto, cabe à escola fornecer
condições necessárias para acontecer à leitura e produção com proficiência.
Assim, priorizou-se trabalhar com alunos da Terceira Série do curso de
Educação Geral, poema e fragmentos literários, instigando neles o desejo de
conhecer a obra no todo. A relevância desse trabalho reside na abordagem do
tema, a denúncia social que permeia as obras literárias, através da
sensibilidade, conseguir leitores assíduos, aptos a perceber os valores
essenciais para a vida, como afetividade, respeito, solidariedade, participação
social. Explorar textos que permitam ao aluno uma leitura crítica, debater as
ideias e a ideologias neles contidas, a fim de (re) construir suas identidades e
realidades sociopolíticas e consequentemente interferir na sociedade em que
vivem. Uma vez que se busca pela leitura, adquirir novos conhecimentos,
descobrindo na arte literária a emoção, o prazer, o compromisso social.
Entender melhor o meio em que se vive, pensando no outro e na sua realidade
e dessa maneira conhecer-se a si mesmo e os valores necessários para ser
um cidadão melhor, mais atuante e participativo.
Palavras chaves: Literatura, denúncia social, valores, formação do leitor.
___________________
1Professora Especialista sob a orientação da Professora Doutora Marileia Gärtner. Leciona a
disciplina de Língua Portuguesa e Literatura na Rede Pública de Ensino do Estado do Paraná.
Inserida no Programa de Desenvolvimento de Desenvovimento Educacional – PDE 2013. E-
mail: [email protected]
*2 Professor Doutor em Literatura (UFRGS).
Introdução
Este artigo apresenta um trabalho de Língua Portuguesa voltado para a
Literatura, abordando a temática da denúncia social em poemas e fragmentos
de obras literárias. Assim, priorizou-se um trabalho de leitura reflexiva de
textos, levantando questionamentos sobre as questões e relações da literatura
e a sociedade. Também pensando em melhorar a prática em sala de aula,
buscou-se alternativas de envolver, motivar e aprimorar nos alunos o interesse
pela leitura de livros, de emocionar-se pela força de expressão presentes nas
obras literárias, e quanto mais lê mais se sente instigado. Com isso conseguir
impulsionar no leitor o desejo de sair das amarras, de ler o mundo, de
efetivamente participar da construção de sentido, enquanto sujeitos envolvidos.
As obras objetos de estudo deste artigo fazem parte da Produção
Didático-Pedagógica, requisito do Programa de Desenvolvimento Educacional
PDE da Secretaria de Estado da Educação – SEED, cuja implementação
ocorreu no primeiro semestre de 2014, que corresponde ao terceiro período do
PDE-2013
O trabalho foi realizado no Colégio Estadual Santo Antonio, no município
de Imbituva, com alunos da Terceira Série do curso de Educação Geral.
Procurou-se desenvolver a prática da leitura significativa, pois sabe-se que nós
professores precisamos refletir sobre as metodologias do ensino da leitura
praticadas em sala de aula, uma vez que a Língua Portuguesa tem papel
relevante no desenvolvimento do cidadão crítico e competente
linguisticamente. Constata-se que a prática de leitura em que o professor inicia
com uma leitura silenciosa de fragmentos de obras literárias, faz a leitura em
voz alta ou até dramatiza, mechendo com o emocional do aluno este passa a
dar significado para o texto, incentiva-o a compreensão de mundo. Segundo
Morin:
Há duas formas de compreensão: a compreeensão intelectual ou objetiva e a
compreensão humana intersubjetiva [...] A compreensão intelectual passa pela
inteligibilidade e pela explicação. A compreensão humana vai além da
explicação. [...] Esta comporta um conhecimento de sujeito a sujeito. Por
conseguinte, se vejo uma criança chorando, vou compreendê-la, não por medir
o grau de salinidade de suas lágrimas, mas por buscar em mim, minhas
aflições infantis, identificando-a comigo e identificando-me com ela. (MORIN,
2002, p.p. 94-95).
Pensando assim, buscou-se com este estudo a formação de leitores
praticantes de leitura e não apenas sujeitos que decifram o código escrito.
Leitura de forma significativa, por meio da contextualização e atemporalidade
de obras literárias.
Abordagem teórica
Para a realização deste trabalho foram selecionados textos que abordam
a mesma temática em que a realidade e a beleza da arte literária se fundem.
O trabalho proposto de fragmentos literários foi para motivar o aluno o
prazer de ler, alimentar e estimular o imaginário, pensar, discutir sobre valores
e princípios, opinar, posicionar-se diante das ideias apresentadas numa atitude
crítica e instigar pelo interesse despertado a vontade de conhecer a obra no
todo. E, aguçando a curiosidade, estaremos “pescando” leitores,
sensibilizando-os a refletir sobre a importância de ler e compreender para o seu
crescimento intelectual e humano. Cândido afirma ser “a literatura um dos fatos
indispensável à humanização”:
Entendo aqui por humanização [...] o processo que confirma no homem
aqueles traços que reputamos essenciais, como exercício da reflexão, a
aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das
emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza,
a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A
literatura desenvolve em nós a cota de humanidade na medida em que nos
torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o
semelhante. (CÂNDIDO, 2004, p.180)
A implementação aconteceu em sala de aula onde, primeiramente, a
leitura ganhou um importante reforço, com vista ao desenvolvimento das
capacidades leitoras dos alunos com textos de diferentes épocas de autores
brasileiros, motivando-os à participação. Certamente o trabalho serviu para
ampliar conhecimento na arte literária abrindo maior espaço para os gêneros
orais públicos, como o debate, o seminário, a mesa-redonda, entre outros. A
partir disso, é possível que vislumbremos de modo consciente a literatura como
expressão da realidade: “é desafio do professor, portanto, compartilhar a
experiência da interação entre a obra e o leitor, como sujeito ativo capaz de
refletir sobre o que leu, emitir juízos e, principalmente, ampliar seus horizontes
de expectativa em relação à obra lida.” ( DIRETRIZES CURRICULARES,
2006,p.38). A literatura participa ativamente do desenvolvimento das
habilidades, principalmente daquelas relacionadas com a produção de textos
orais e escritos. Neste trabalho o aluno expôs e defendeu um ponto de vista
pessoal, buscou relações de causa e efeito, de interpretação, como afirma
Cândido: “... em face do texto, surgem no nosso espírito certos estados de
prazer, tristezas, constatação, serenidade, reprovação, simples interesse.”
(CÂNDIDO, 2000, p.31).
As obras analisadas foram os fragmentos de Vidas Secas, de Graciliano
Ramos, O Quinze, de Rachel de Queiroz, o poema O bicho, de Manuel
Bandeira, e também o trecho de O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, de
Jorge Amado. Dessa forma propiciou-se aos alunos, com este estudo, o
contato com tais obras, buscando uma melhor compreensão da sociedade e
sua participação nela.
Nas obras desses autores buscou-se subsídios para o desenvolvimento
deste trabalho, além daquelas que estão citadas nas referências.
Formar alunos leitores é uma tarefa muito difícil, porque as pessoas
recebem muitas informações através de outras formas, trazidas pela evolução
digital, por isso, neste trabalho com fragmentos, procurou-se despertar através
da sensibilidade a leitura de obras literárias na íntegra. A prática social da
leitura tem sido defendida como ato de libertação, e segundo o escritor Ivan
Ângelo:
Quanto maior vontade consciente de liberdade, maior índice de leitura. Um dos
efeitos da leitura é o aprimoramento da linguagem, da expressão, nos níveis
individual e coletivo. Uma sociedade que sabe se expressar, sabe dizer o que
quer, é menos manobrável (apud SILVA, 1985: p. 43).
Pensando nisso, realizamos as atividades em vários momentos,
iniciando com o poema O bicho, de Manuel Bandeira, tendo como objetivo
conhecer a vida do autor traçando um panorama geral sobre a vida e algumas
obras do poeta. Em seguida, juntamente com os alunos, levantaram-se
questões para reflexão sobre a vida do autor. Os alunos receberam a biografia
de Manuel Bandeira em folhas digitadas, abrindo espaço para um breve
comentário oral e escrito em pequenos grupos de como foi à vida de Manuel
Bandeira? Como Bandeira se descobriu como poeta? Manuel Bandeira foi um
autor importante para o Modernismo brasileiro? Os alunos manifestaram a sua
opinião. Na sequência debateram sobre o que foi trabalhado e produziram um
pequeno texto sobre o que já conheciam do poeta e quais as impressões que
agora tem dele. Então, num segundo momento, fizemos a leitura silenciosa do
poema O bicho, pois é uma forma de todos se interarem do texto; e oral com o
propósito de perceber a ênfase, a entonação e sentir o poder que a palavra
exerce na sociedade, refletir e ampliar a compreensão da realidade,
apontando-lhe formas concretas de participação social.
Para esta atividade foi usada a tevê multimídia apresentando imagens
da beleza da natureza, campos, árvores, jardins fazendo um constraste com
imagens de sujeira e lixo. Também imagens de pessoas sorridentes, felizes e
de pessoas que moram nas ruas, passam fome e catam comidas nos lixões
para sobreviver. Na sequência levantaram-se questionamentos professor/aluno
e aluno/professor, sobre as imagens vistas expondo as ideias oralmente. É
interessante destacar que os momentos foram divididos em conversa informal
sobre o texto com os alunos no sentido de despertá-los para a leitura, biografia
do autor, leitura silenciosa, reflexão, compreensão, interpretação,
intertextualidade, exploração da oralidade e produção textual.
Convém salientar que foram levantados questionamentos, no sentido de
provocar o aluno para a leitura do texto. Assim que o poema foi dramatizado,
percebeu-se a expressão de tristeza demonstrada pelos alunos e, com relação
a oralidade, foram colocadas questões sobre a denúncia social feita na obra e
se é possível ocorrer uma transformação social. Isso gerou bastante discussão
na turma.
Como produção inicial o professor instigou o conhecimento prévio dos
alunos, fazendo a contextualização e a atemporalidade da obra de Manuel
Bandeira. Neste momento os estudantes escreveram um pequeno comentário
sobre o que sentiram com a leitura e qual a denúncia social presente no
poema. Em seguida foi passado sugestões de sites para a pesquisa sobre o
autor. Durante o estudo do poema, percebe-se a denúncia social e a questão
de valores que gera discussão sobre a realidade da sociedade em que
vivemos. Sente-se a magia que a leitura reflexiva propicia, a viagem que ela
proporciona, experimentando situações sem tê-las vivido.
De acordo com as Diretrizes Currículares da Educação Básica (2008)
entende-se a leitura como um processo de produção de sentidos que se dá a
partir de interações sociais ou relações dialógicas que acontecem entre o texto
e o leitor:
Segundo Kleiman (2000) destaca-se a importância da leitura, das experiências,
dos conhecimentos prévios do leitor, que lhe permitem fazer previsões e
inferências sobre o texto. O leitor constrói e não apenas recebe um significado
global para o texto: ele procura pistas formais, formula e reformula hipóteses,
aceita ou rejeita conclusões, usa estratégias baseadas no seu conhecimento
linguístico e na sua vivência sociocultural, seu conhecimento de mundo.
Portanto, o primeiro passo é a recepção do texto, há que se levar em
conta o diálogo, as relações estabelecidas entre as leituras realizadas,
multiplicando as possibilidades dialógicas entre o autor, a obra e o leitor.
Confrontando a obra com a sua experiência de vida.
Num primeiro momento o aluno/leitor fará uma interpretação do que se
encontar explícito no texto para num segundo momento perceber o texto com
um novo olhar, questionando sobre o que lê, refletir e fazer proliferar o
pensamento.
Neste estudo entende-se a leitura como um processo de produção de
sentidos que se dá a partir de interações sociais. Segundo FREIRE (2005, p.
11), “o ato de ler não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da
linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo.”
Assim o sujeito leitor, a partir de suas vivências e de experiências de leitura,
confronta os textos lidos com o objetivo de construir seu significado. O texto faz
a mediação para a comunicação ou interação entre dois contextos do autor e
do leitor. A leitura não é um processo passivo, ela exige descoberta e recriação
e a possível transformação do leitor. Assim, se entende a leitura onde o leitor
se posiciona diante do texto de forma consciente e crítica.
Para viabilizar o estudo com os fragmentos das obras literárias, as
atividades foram organizadas no material Didático-Pedagógico
sistematicamente, e no caso deste artigo as atividades se voltaram para um
tema, a denúncia social nas obras literárias.
No terceiro momento do trabalho, com o objetivo de aprofundar o
conhecimento no estudo dos autores modernistas, Manuel Bandeira, Raquel de
Queiroz, Graciliano Ramos, levantamos informações sobre o Romance de 30 e
o Modernismo num plano histórico mais geral. Para realizar a atividade fomos
ao laboratório de informática pesquisar nos sites previstos e à biblioteca,
fazendo o estudo em livros, com questões já pré-definidas para a pesquisa,
como: Quais os temas mais explorados pelos modernistas? O romance de
trinta trilhou diferentes caminhos. E qual deles é o mais importante? Você
conseguiu perceber outras linhas temáticas no Romance de 30? Quais?
Os alunos gostaram muito dessa atividade no laboratório de informática
e biblioteca, se ajudaram para que todos pudessem responder as questões
propostas. Na sequencia lemos a biografia de Rachel de Queiroz e suas
principais obras. Após a leitura realizada, foram feitas atividades sobre a vida
da escritora e a importância da sua arte para a literatura brasileira. Rachel de
Queiroz foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras.
Salientando o espaço conseguido pela mulher como escritora e a preocupação
revelada pela autora em fazer de sua obra uma denúncia social.
A leitura de textos literários deve ser entendida por suas características
de emocionar e de aguçar a imaginação do leitor, mas ela vai além. A leitura
produtiva é aquela que consegue reorganizar as experiências e gerar muitos
conflitos que serão reorganizados e transformados. Ele ensina, ainda que de
forma sublimada, como é a vida, como são as pessoas, seus sentimentos, suas
reações e atitudes diante da realidade. Temos aqui a importância da leitura de
obras literárias para ampliar o universo do leitor. A leitura de textos de diversos
autores é uma estratégia para aparecer o texto de vida, de valores como
solidariedade, ética, respeito, cidadania, de interesses e participação social.
Além de a literatura instigar a imaginação ela humaniza, atribui significados
melhorando a capacidade de ideias, de transformação de ideais e causas nas
quais se acredita. Na sequência das atividades, estudou-se o fragmento da
obra O Quinze, de Rachel de Queiroz, páginas 69 e 70, com o objetivo de
aprimorar a capacidades dos alunos de leitura/audição, compreensão e
interpretação de textos quanto à denúncia social presentes neles. Fizemos a
leitura do fragmento, primeiro silenciosa e depois oral. Percebemos na leitura
do texto a aridez da terra em que vive o sertanejo citado na obra e a miséria
das personagens.
Neste momento analisamos a imagem da obra Retirantes (1944), de
Clóvis Graciano. Os alunos receberam xerox do fragmento da obra O Quinze
(1930). O texto foi lido pela professora e em seguida foi feita uma análise
escrita pelos alunos. Vale acrescentar que tanto a professora quanto os alunos
se emocionaram com a leitura do fragmento. Em seguida fizemos a
compreensão e interpretação do texto. Haja vista que a obra é caracterizada
por vários tipos de emoção. A questão visual e da oralidade pode ser muito
bem trabalhada, ela propiciou aos alunos, de modo mais forte, o sentimento de
tristeza, de revolta, indignação e o desejo de mudança foi sentido pela maneira
que os alunos se expressaram.
A leitura reflexiva estabelece um diálogo entre o autor, suas ideias,
posicionamentos, histórias e o leitor que procura dar significado ao texto lido a
partir de suas experiências pessoais, de suas ideias e posicionamentos. Depois
desse momento de reflexão e produção, partiu-se para um debate em forma de
seminário para que cada aluno tivesse a oportunidade de se expressar
oralmente. Dando significado para aquilo que acabou de ler/ouvir e também
seu pensamento vai sendo elaborado, reforçando-se ou alterando-se.
Analisando criticamente o texto com a própria realidade e o que contêm de
reflexão sobre a miséria, a desigualdade social, o direito que é negado ao
homem na nossa sociedade. Estudamos também o contexto histórico que a
obra leva o título, bem como a biografia da autora.
Após a leitura e os comentários já citados, realizamos a compreensão do
texto, pensando na relevância que tem a obra ao se trabalhar a denúncia
social.
No estudo realizado do fragmento, voltou-se a atenção para a
compreensão auditiva, oralidade, leitura e escrita com o objetivo de uma
melhor compreensão da temática abordada. Pensamos juntos as questões da
desigualdade social em nosso meio. Com questões que levaram os alunos a
pensar seriamente sobre o drama vivido pelas famílias de retirantes.
A leitura é um precioso instrumento de reaproximação à vida, faz com
que o leitor possa atualizar o texto no ângulo da sua historicidade, de sua
experiência. É dando oportunidade para os alunos se manifestarem oralmente
que eles vão percebendo a necessidade de se adequar a fala de acordo com a
situação, conforme preconiza os Parâmetros Currículares Nacionais. Portanto,
toda leitura altera o leitor de algumas formas, pois novas experiências vão
sendo somadas às anteriores. Como afirma CANDIDO:
A receptividade e a expressividade da obra [...] depende da ação de fatores do
meio, que se exprimem na obra em graus diversos de sublimação; e produz
sobre os indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta e concepção
do mundo, ou reforçando neles sentimentos dos valores sociais [...] (CANDIDO,
2006, p.30).
Portanto, a linguagem oral ou escrita é indispensável na construção de
valores essencias para a vida cidadã, já que ela permeia todas as atividades
humanas, em todas as esferas sociais. Estudar, refletir, analisar e construir
valores importantes para a nossa vida e formação, como ética, solidariedade,
autonomia, afetividade, respeito, participação social. Desenvolvendo as
capacidades leitoras dos alunos. Segundo LAJOLO (2010, p. 15), “ou o texto
dá sentido ao mundo, ou não tem sentido nenhum.” Com isso percebe-se que a
verdadeira leitura deve levar a sua plurisignificatividade e sua abertura,
multiplicando as possibilidades de sentido, caso contrário, o professor estará
ensinando os seus alunos apenas a decifrarem os códigos.
No que concerne ao quinto momento do trabalho, tratamos novamente o
gênero literário; desta vez do célebre escritor Graciliano Ramos. Estudamos
um fragmento da famosa obra Vidas Secas, com objetivo de ampliar a
compreensão da denúncia social feita nas obras de Raquel de Queiroz e
Graciliano Ramos, por meio das quais o aluno toma consciência de que pode,
como cidadão, manifestar seus pontos de vista, aguçando sua capacidade de
reflexão e análise crítica da realidade.
Deu-se como encaminhamento metodológico a apresentação para os
alunos do livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos, para que fosse observada já
num primeiro momento a capa do livro, deixando claro para os alunos que a
obra está disponível na biblioteca do colégio e, da importância de uma futura
leitura da obra no todo. Antes, porém, de adentrarmos na leitura do fragmento,
é sempre aconselhável conhecer a vida literária do autor. Realizamos então, a
leitura da biografia do grande escritor brasileiro de todos os tempos.
Salientando o valor das suas obras para a nossa literatura. Também, teceu-se
comentários sobre quem foi Graciliano Ramos em termos de construção do
romance e arte do estilo. Neste momento foi feita uma reflexão com os alunos
sobre o valor social ao ato de ler. No Brasil a literatura não é incentivada pelos
meios de comunicação de massa, que tem uma enorme abrangência, fica,
portanto, essa incumbência aos bancos escolares.
Parte-se do princípio que a leitura de literatura é aprendida, que vai além da
simples fruição e de experiências e sensações. Aprende-se a ler literatura com
análise coletivas do texto. E é pensando nesse aprendizado que este material
poderá contribuir para a formação do ser mais reflexivo, com espaço de expor
e defender um ponto de vista pessoal sobre assuntos diversos e polêmicos,
capaz de interagir na realidade em que vivemos. Como afirma SILVA, (2010, p.
13), deve se “ler para compreender como funciona a sociedade e para
compreender-mos criticamente dentro dela.” Após esta explicação foi feita a
leitura silenciosa do texto e depois oral pela professora, dando ênfase, com o
intuito de prender a atenção dos alunos para o episódio de Vidas Secas. Ao
lermos este texto de Graciliano Ramos, percebemos outra vez a denúncia
social que a obra tráz, retratando a rudeza da vida do sertanejo. Observando
esses dois trechos:
“Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o tiraria dali (...) estava plantado.”
“Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia! Engano.”
Ocorre nesses trechos uma mudança no interior do pensamento de
Fabiano, como se tomasse consciência da sua real condição. E em nós ao
lermos uma obra tão grandiosa, ocorre também a mudança de pensamento?
Fizemos então a relação que faz a literatura dos anos 30 com a vida real de
muitos brasileiros ainda hoje. Refletindo sobre essas questões, fizemos a
compreensão e interpretação, contextualizando o texto. Depois de lançadas às
questões sobre o tema da obra e a questão de valores essencias para que o
homem se sinta inserido na sociedade, percebeu-se o envolvimento da turma
com o tema proposto.
Refletimos também sobre os valores pregados pela sociedade que
excluem o homem do seu meio. Já na produção textual os alunos fizeram a
relação da arte literária com a sua experiência pessoal ou uma situação já
conhecida. Em seguida apresentaram em forma de seminário a sua produção,
desse modo puderam trocar e sintetizar as ideias.
Sabe-se que o leitor não é passivo, mesmo aquele com pouca
experiência, sempre procura estabelecer sentidos da leitura pelos seus
conhecimentos prévios. O leitor crítico reage, problematiza, questiona,
posiciona-se diante das ideias levando-o à construção de um novo texto, o seu
próprio texto. Quando se realiza a leitura compartilhada existe a possibilidade
de criação e criar, inventar, descobrir é um caminho para a autonomia, para a
autoafirmação e, claro, para a transformação.
Segundo GERALDI (2003, p. 171), “atitudes produtivas na leitura e que
fazem da leitura uma produção de sentidos pela mobilização dos „fios‟ dos
textos e de nossos próprios „fios‟ podem ser recuperadas de nossa história de
leituras externas à escola”.
O leitor vai nascendo um pouco a cada nova leitura e dificilmente estará
pronto no ensino médio, ele precisa ser ensinado e este é um trabalho
demorado. O aluno/leitor deve perceber em cada texto um sujeito que interage
com o leitor, proporcionando novos pensamentos.
Para que o aluno não ficasse com a ideia de que a denúncia social e a
questão de valores fossem encontradas nas obras mais “tristes”, que narram o
homem em situações sub-humanas de sobrevivência, acreditou-se ser
importante estudar neste momento, uma história de amor. O Gato Malhado e a
Andorinha Sinhá. Uma História de Amor do grande autor contemporâneo Jorge
Amado. Dessa forma, proporcionar aos alunos a oportunidade de pensar a arte
literária como representação de ideias, de valores sociais impregnados na
sociedade capitalista num romance de leitura mais “suave”.
O encaminhamento metodológico foi de apresentar o livro, reforçando
mais uma vez que é interessante ler a obra no todo e que está disponível na
biblioteca do colégio. Realizamos a leitura da biografia do autor, salientando
que Jorge Amado escreveu o livro para dar de presente para o seu filho,
quando este completava oito anos de idade. Em seguida a professora fez a
leitura do fragmento da obra, páginas 36 e 37 para os alunos. Fez-se um
momento de silêncio para reflexão individual, e em seguida a discussão e
análise do texto.
A proposta foi de realizar um trabalho em equipes de até quatro alunos.
O grupo escolheu um relator para escrever e apresentar para a classe o
parecer da equipe. Ao lermos o texto O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá,
pudemos perceber que é o retrato dos valores impostos pela sociedade, a
questão da desigualdade social. A temática explorada na obra está explícita já
no título, mas que os alunos encontram muitas dificuldades em perceber isso.
Sente-se muito gritante a falta de leitura de livros e de mundo. É grande a
dificuldade que os alunos têm de fazer a relação do que leem com os seus
conhecimentos prévios.
No decorrer da implementação deste trabalho, constatou-se a grande
dificuldade enfrentada pelos alunos quanta à leitura, compreensão e
interpretação de textos. Isso se deve à falta de conhecimentos, a falta de
leitura. É preciso trabalhar muito em sala de aula para que nosso educando
possa sentir que a literatura é capaz de nos proporcionar prazer, deixar o
espírito leve, provocar sentimentos, emoções, reflexão, tristeza, revolta e que o
ato de ler é um compromisso social. Apresenta uma visão pessoal de mundo e
de dimensão podendo contribuir para a transformação social.
A literatura é uma produção humana e está ligada à vida social. Para
Antônio Cândido (1972), citado nas Diretrizes Curriculares do Estado do
Paraná (2008 p.p. 57-58): “a literatura é vista como arte que transforma e
humaniza o homem e a sociedade”. O autor confere à literatura três funções
que são: a psicológica, a formadora e a social.
Diante disso, no que diz respeito à função formadora, podemos afirmar
que está na escola a necessidade de despertar no aluno o interesse pela
leitura, visto que a maioria deles só chega a ter contato com livros no ambiente
escolar. Sabe-se, também, que há uma cobrança muito grande junto aos
professores de Língua Portuguesa, no que diz respeito à temática da leitura,
somos vistos como os únicos responsáveis pelos maus êxitos, ou seja, os
baixos índices de aproveitamento que entremeiam a escola. Apontam como a
falta de leitura, pela maioria dos alunos, pela dificuldade encontrada na
interpretação. Então, faz-se necessário um comprometimento de todos os
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem com o objetivo de alcançar a
melhoria na formação do educandos através da prática da leitura, pois,
Segundo SILVA (2002, p. 24) “A promoção da leitura é uma responsabilidade
de todo o corpo docente de uma escola e não apenas dos professores de
Língua Portuguesa. Não se supera uma dificuldade ou uma crise com ações
isoladas”.
Por outro lado, necessário se faz que as aulas sejam ministradas com
qualidade e isso só é possível com muito estudo, pesquisa, dedicação,
objetivos e remuneração condizentes a dedicação do profissional da educação.
Antes, porém, para que o professor possa incentivar bons leitores, é
preciso que ele mesmo seja um leitor assíduo, que mostre para seus alunos a
sua paixão pelos livros, especialmente por leituras de obras literárias. É nesta
abordagem pedagógica que este trabalho encaminhou-se, procurando
descobrir a importância de trabalhar as obras literárias em fragmentos e assim
conseguir leitores da obra na íntegra. Reafirmando a importância e o papel da
literatura na formação dos jovens, na consolidação social e subjetiva do ser
humano. É preciso que nós professores divulguemos a literatura como uma luz
e que realmente acreditemos que a leitura é capaz de promover uma
participação mais efetiva na sociedade.
Considerações finais
Através dste estudo de textos literários que trazem como tema a
denúncia social, compartilhamos e construimos conhecimentos, na prática de
leitura reflexiva. Os espaços abertos para a análise e discussão foram muito
válidos, onde o aluno pode refletir sobre a importância de ler como uma
poderosa arma de transformação social. Acredita-se que o trabalho realizado
fez com que os alunos pensassem de forma mais aprofundada sobre a
realidade que os cercam e a perceberem que o tema abordado nas obras
escritas há tanto tempo continuam atual.
Para formar leitores autônomos é necessário capacitar os alunos a
compreensão de textos e construir significados dando vida ao que leu, como
sujeito capaz de fazer proliferar o pensamento pela multiplicidade das relações
possíveis. Partindo da realidade, essa reflexão possibilitará um entendimento
melhor sobre as práticas históricas e atuais, numa contínua construção de
consistência argumentativa e proliferação do pensamento.
Um professor de Literatura deverá ser contínuo leitor e capaz de
selecionar textos, estimular associações e estabelecer conexões entre os
textos e o contexto presente. Nós professores temos a função social de
compartilhar e construir conhecimentos que auxiliem o aluno a fazer suas
próprias escolhas, nas situações de uso da língua e da linguagem como arma
de transformação social. Porém, a família tem papel importante na formação do
leitor. Segundo SILVA:
A formação do gosto pela leitura depende do conjunto de interações, do circuito
educativo em torno dos livros, senso que todas as pessoas envolvidas no processo
(bibliotecários, professores, pais, pedagogos,...) precisam conhecer os referenciais
pretendidos pelas obras, precisam sentir a beleza da palavra literária, precisam viver -
na prática – o prazer da leitura. Isso se consegue através da interação e do diálogo
entre pessoas que realmente curtem a fruição das obras. SILVA (1999, p. 95)
Compartilhamos o pensamento do autor citado acima, de que a família
desempenha um papel essencial no desenvolvimento de um bom leitor. Mas o
que vemos na nossa prática em sala de aula é que são poucos os privilegiados
que chega a escola trazendo de casa o gosto pela a leitura. Nesse caso, a
escola tem a função de apresentar a esse futuro leitor a magia do livro e do
conhecimento.
A nossa preocupação enquanto professores é tornar os nossos jovens
seres mais conscientes, críticos e transformadores, reafirmando a importância
da literatura na consolidação social e subjetiva do ser humano. O trabalho
realizado propiciou um despertar da sensibilidade para a compreensão de si
próprio, do outro e de uma leitura de mundo.
Segundo CANDIDO (2004, p.180), “a literatura desenvolve em nós a
cota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e
abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”.
REFERÊNCIAS
AMADO, Jorge. Trajetória de Jorge Amado une literatura, política e exílio.
Disponível em: >http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u14774.shtml>. Acesso em 26 de set.
2013.
AMADO, Jorge. O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá: uma história de amor.
27ed. Rio de Janeiro: Record, 1997.
BANDEIRA, Manuel. Vida e obras deste autor. Disponível em:
<http://www.suapesquisa.com/biografias/manuelbandeira/> Acesso em: 10 de set.
2013 as 15:37.
<http://www.brasilescola.com/biografia/raquel-queiroz.htm >. Acesso em: 10 de set.
2013.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BANDEIRA, Manuel. O bicho. Rio de Janeiro: s/e, 1947.
CANDIDO, Antônio. “O Direito à Literatura”. In: Vários escritos. 4 ed. São
Paulo: Duas Cidades, 2004.
________. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos.6 ed. Belo
Horizonte: Editora Itatiaia Ltda, 2000.
________. Literatura e Sociedade. 9 ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul.
2006.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 46 ed. São Paulo: Cortez, 2005.
GERALDI, João Wanderley. Postos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura de mundo. São Paulo:
Ática, 2010.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução
de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez/Brasília:
UNESCO, 2000.
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação/Superintendência da Educação.
Diretrizes Curriculares da Educação Básica. Língua Portuguesa. Curitiba:
SEED/DEE, 2008.
QUEIROZ, Raquel. O Quinze, Rio de Janeiro: J. Olympio, s.d..
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. São Paulo: Martins Fontes, 1970.
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura e realidade brasileira. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1985.
___________. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova
pedagogia da leitura. 10. Ed. São Paulo: Cortez,2005
____________. A Produção da leitura na Escola Pesquisa x Proposta. São
Paulo: Ática, 2010.