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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
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1 Professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná. E-mail: [email protected].
2 Orientadora PDE da Universidade UEL. E-mail: [email protected].
A CRÔNICA COMO PRÁTICA DE LEITURA
Autora: Noelí Cividini1 Orientadora: Profª Drª Isabel Cristina Cordeiro2
Resumo O presente trabalho é resultado das reflexões realizadas, a princípio, na escola, e depois com os encontros realizados pelo Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, sobre as dificuldades de leitura e interpretação de texto, que é uma das maiores preocupações dos profissionais que atuam no ensino da Língua Portuguesa. São dificuldades que, de acordo com análise dos resultados dos programas de avaliação do ensino no país, demonstram que os alunos não conseguem localizar informações implícitas e não são capazes de fazer comparações, estabelecer conexões ou interpretar textos. Assim, partiu-se da noção bakhtiniana de gênero discursivo e do princípio de que é preciso desenvolver mecanismos que proporcionem aos alunos situações de leitura em que eles possam utilizar estratégias de leitura e a ativar seus conhecimentos prévios para a construção de sentidos do texto. Procurou-se elaborar um trabalho pedagógico com atividades interessantes, utilizando textos com temas ligados à vida cotidiana, com uma linguagem subjetiva e pessoal, objetivando desenvolver a capacidade de leitura crítica necessária para a formação de leitores competentes e maduros.
Palavras-chave: Crônica. Poema. Estratégias de leitura.
1 INTRODUÇÃO
No ambiente escolar, em todas as áreas do conhecimento, inclusive nas aulas
de Língua Portuguesa, observamos um déficit quanto à leitura e à interpretação de
texto. A leitura é motivo de preocupação constante dos profissionais que atuam na
educação, vivenciamos a “crise da leitura”, ou seja, uma desmotivação para as
leituras que mobilizem sensibilização, reflexão e posicionamentos críticos.
Os governantes têm realizado programas de avaliação do ensino no país,
com objetivo de avaliar o nível de aprendizagem dos alunos, como as provas do
SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e SAEP (Sistema de Avaliação
da Educação do Paraná), e por meio da análise dos resultados, percebemos que os
alunos não conseguem localizar informações implícitas e não são capazes de fazer
comparações, estabelecer conexões ou interpretar os textos.
Tendo em vista os resultados obtidos e a observação de que os alunos não
são incentivados à leitura ou ao contato com os livros pela família, e que muitos têm
acesso ao arsenal tecnológico, de natureza imediata, porém, muitas vezes,
reproduzem ideias como sendo definitivas, desconsiderando possibilidades críticas e
reflexivas, há que se reconhecer que a escola, na maioria das vezes, não privilegia a
leitura, não apresenta objetivos de leitura bem definidos, nem apresenta estratégias
de leituras planejadas e eficientes que permitam ao aluno um ensino e
aprendizagem de leitura mais significativa.
Todo o processo de leitura requer uma resposta do leitor ao que lê, desse
modo o processo é dialógico e acontece em um determinado tempo e espaço. No
ato de leitura, um texto leva a outro e o leitor convocado pelo texto elabora
significados, utilizando o que já sabe, com experiências adquiridas ao longo da vida
que são relevantes na leitura, conforme afirma Kleiman (2013).
Ainda de acordo com Kleiman (2013), a leitura é um processo que se
evidencia por meio da interação dos diversos níveis de conhecimentos do leitor: o
conhecimento linguístico (o código, as regras e os conceitos sobre a língua), o
conhecimento textual (reconhecer a estrutura, as características e os componentes
dos diferentes gêneros textuais) e o conhecimento de mundo (conhecimentos
adquiridos ao longo da vida de cada leitor). Sendo assim, tais conhecimentos levam
o leitor a construir sentido para o texto, por isso o ato de leitura define-se como um
processo interativo.
Segundo Freire (2005), para compreender a palavra, é necessário
compreender o mundo, utilizando seus conhecimentos anteriores o leitor
estabelecerá uma relação integrada com o texto atribuindo significados.
Ainda sobre a importância do conhecimento prévio na compreensão de
textos, acredita-se que o leitor nunca vá sozinho ao encontro dele. Ele sempre leva
consigo experiências e conhecimentos obtidos durante sua vida, das mais diversas
formas que são essenciais no processo de leitura e compreensão de um texto, como
assegura Kleiman (2013).
O presente artigo apresenta o trabalho realizado com o 1º ano A do Ensino
Médio, no Colégio Estadual Abraham Lincoln- Ensino Fundamental e Médio,
município de Kaloré – PR, tendo como tema o ensino e aprendizagem de leitura. O
trabalho pretende mostrar como é possível ensinar estratégias de leitura mediante
os gêneros textuais que circulam nas diversas esferas sociais, por meio de
atividades com foco nas práticas de linguagem, levando os alunos à interpretação de
cada texto de forma mais ampla, mostrando-lhes o caminho para superar suas
dificuldades na compreensão de textos e com o desenvolvimento de atividades que
incentivem o gosto pela leitura. O trabalho teve como objetivos contribuir para
desenvolver a capacidade de leitura crítica necessária para a formação de leitores
competentes e maduros, que saibam não só decodificar os textos, mas compreendê-
los efetivamente, construindo sentidos para cada gênero textual lido e,
principalmente, que consigam estabelecer relações dialógicas entre eles. É preciso
repensar sempre sobre as práticas de leitura que a escola perpetua, e a partir disso,
construir outra metodologia de ensino de leitura, buscando refletir que a leitura é
uma atividade cognitiva, e que antes, durante e depois da leitura podem ser
ensinadas estratégias aos alunos para que possam extrair o máximo dessa
interação.
2 O TRABALHO FOI ENCAMINHADO METODOLOGICAMENTE A PARTIR DAS
SEGUINTES REFLEXÕES
A leitura é um hábito saudável, a ser preservado e disseminado, e de suma
importância na chamada sociedade de informação em que vivemos. O papel da
escola é fundamental nesse processo. E quem melhor que o professor para
despertar no aluno o prazer da leitura? São muitas as atividades que podem ser
desenvolvidas em sala de aula com esse objetivo. Como defende Solé (1998) “O
processo de leitura deve garantir que o leitor compreenda os diversos textos que se
propõe a ler. É um processo interno, porém deve ser ensinado”.
No sociointeracionismo, o papel do professor é o de mediador, ele precisa
interagir com os alunos por meio da linguagem, num processo dialógico. Exige-se
que o professor seja o possibilitador, dando condições para que o aluno atribua
sentidos a sua aprendizagem. A leitura também deve ser vista como um ato
dialógico e de interação, que acontece por meio da construção de sentidos do texto
entre o autor e o leitor e cabe à escola permitir o acesso do aluno ao mundo da
leitura.
A leitura deve ser funcional, pois o leitor constrói um sentido para o texto. “O
leitor utiliza na leitura, o que ele já sabe, o conhecimento prévio ou informação não-
visual adquirida ao longo da vida. É mediante a interação de diversos níveis de
conhecimento que o leitor compreende um texto”. (CORDEIRO, 2007).
Para Smith (1989), “a leitura não é uma atividade meramente visual (...) é o
resultado da interação entre o que leitor já sabe e o que ele retira do texto”.
E porque o leitor utiliza diversos níveis de conhecimento, que interagem entre
si, a leitura é considerada um processo interativo. Então, podemos considerar que a
leitura é o resultado da interação entre as informações contidas no texto
(informações visuais) e o conhecimento prévio do leitor (informações não-visuais),
que, para Smith (1999), pode ser representada conforme a “fórmula” a seguir:
LER = IV + InV
De acordo com Cordeiro (2007), o processo de leitura é considerado ativo
porque inclui predição, elaboração de hipóteses, previsões a respeito do texto e o
leitor observa os recursos visuais, gráficos e sonoros (títulos, ilustração, gráfico,
silhueta, tipo de letra etc) e levanta uma série de hipóteses e começa a testá-las.
Nesse sentido, Kleiman (2013) afirma que a leitura é uma atividade cognitiva,
tem caráter multifacetado e multidimensionado, sendo um processo que envolve
percepção, atenção, memória e inferência. Em um texto há mais de implícito de que
explícito, de modo que cabe ao leitor captar as intenções do autor e inferir,
preenchendo as lacunas de um texto tornando-o mais significativo e compreensível.
Em Cordeiro (2007), vemos que muitas teorias, dentre elas a concepção
estruturalista, a leitura sem mediação sonora, o modelo das múltiplas hipóteses, o
modelo reconstrutor e outras citadas por Kato (1985), tentam explicar de que forma
um leitor apreende informações de um texto, embora, basicamente, todas elas
possam ser classificadas em três grupos: o modelo de processamento ascendente
(bottom-up), o modelo descendente (top-down) e o modelo interacionista de leitura
(interactive).
No modelo de leitura ascendente, o leitor aborda o texto por meio de
pequenas unidades (letras, palavras, frases, sentenças etc.) e esse procedimento de
aproximação do texto passa a ser automático. Dessa maneira, os leitores praticam a
leitura de forma inconsciente e decodificar passa a ser uma prática fundamental.
Além disso, a leitura se processa numa única direção: da micro para a
macroestrutura.
No modelo descendente, o leitor faz adequações do texto aos seus
conhecimentos sintáticos, linguísticos e históricos, depois volta ao texto para
confirmar suas expectativas de leitura e verificar se aparece uma informação nova.
Concebe, assim, a leitura como verificação de informações e, ainda, processa a
leitura na direção da macro para a microestrutura.
Já o modelo interativo consiste no processo de leitura em que a construção
do significado do texto realiza-se pela interação entre o leitor e texto. A leitura
praticada, dessa maneira, seria a leitura como interação; nesse modelo, o leitor
acessa esquemas que ele possui em sua mente. Além disso, usa também
inferências que só são possíveis se ele entender as normas socioculturais expressas
no texto e as relações que o texto expressa. Aqui, a leitura é um ato perceptual e
cognitivo, a compreensão do texto vem a partir de informações gerais que se têm
guardadas na memória. As informações são as colaboradoras para o amplo
entendimento daquilo que se lê. O fluxo de informações vai do leitor para o texto e
vice-versa, simultaneamente.
Kato (id) afirma que o leitor maduro é aquele que usa de forma adequada e
no momento apropriado, os dois processos, o ascendente e o descendente de
maneira que um complementa o outro no ato da leitura, pois não poderá haver
compreensão sem decodificação, e decodificação sem compreensão.
2.1 As Estratégias de Leitura
Partindo do princípio de que a leitura é um processo de ação e interação entre
o texto, o leitor e o autor, ela torna-se efetiva quando o leitor se utiliza de várias
estratégias com a finalidade de compreender e interpretar o texto lido. Para aprender
as estratégias, o aluno deve integrá-las a uma atividade de leitura que seja
realmente significativa, assim, é preciso articular situações de ensino de leitura que
garantam sua aprendizagem, por meio de textos do cotidiano do aluno.
Nesse sentido, Solé (1998) entende que, antes da leitura, podem ser
ensinadas estratégias aos alunos para que se possa extrair o máximo dessa
interação. Ela esclarece que as estratégias têm como finalidade ajudar o leitor na
escolha de outros caminhos, quando se depara com problemas na leitura e
acrescenta que segundo seu entendimento:
As situações de ensino/aprendizagem que se articulam em torno das estratégias de leitura como processos de construção conjunta, nos quais se estabelece uma prática guiada através da qual o professor proporciona aos alunos os “andaimes” necessários para que possam dominar progressivamente essas estratégias e utilizá-las depois da retirada das ajudas iniciais. (1998, p.77)
Solé (id) refere-se às estratégias de leitura como ferramentas necessárias
para o desenvolvimento da leitura proficiente. Sua utilização permite compreender e
interpretar de forma autônoma os textos lidos e pretende despertar o professor para
a importância de desenvolver um trabalho efetivo no sentido de formar um leitor
independente, crítico e reflexivo.
Segundo Kleiman (2013), as estratégias do leitor são classificadas em
Estratégias Cognitivas e Estratégias Metacognitivas. “A capacidade de estabelecer
objetivos na leitura é considerada uma estratégia metacognitiva, isto é uma
estratégia de controle e regulamento do próprio conhecimento”.
Cordeiro (2007) ressalta:
Independentemente do objetivo de leitura e do tipo de tarefa, os leitores utilizam estratégias de leitura, operações utilizadas para abordar o texto, as quais podem ser cognitivas– operações inconscientes – e metacognitivas – passíveis de controle consciente, pois partem do senso comum. São as estratégias que particularizam a construção do sentido da leitura, uma vez que ler exige a ativação de diferentes competências e esquemas apropriados. Trata-se do conhecimento de cada leitor, trabalhando de forma ativa e determinando como o texto será compreendido.
Assim sendo, cabe ao professor, em sala de aula, levar o aluno a estabelecer
objetivos para suas leituras para que possa se apropriar das estratégias de leitura e
perceber os sujeitos que existem em cada texto e, assim, tomar atitude responsiva
diante dele.
2.3 Gêneros Textuais
O estudo dos gêneros textuais não é novo. Desde a Antiguidade Clássica
achava-se concentrado na literatura, mas toma novo formato ligado às práticas
sociais à luz de várias correntes teóricas, especialmente, do interacionismo social de
linha bakhtiniana. Se antes se restringiam à Literatura, atualmente vêm para a
Linguística, porém com enfoque no discurso.
O estudo dos gêneros textuais é muito antigo e achava-se concentrado na literatura. Como vimos ele surgiu com Platão e Aristóteles, tendo origem em Platão a tradição poética e em Aristóteles a tradição retórica. Agora sai dessas fronteiras e vem para a linguística de maneira geral, mas em particular nas perspectivas discursivas. (MARCUSCHI, 2008, p. 152)
Um primeiro conceito necessário para se entender a noção de gênero é o de
enunciado concreto: “O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais
e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo
da atividade humana” (BAKHTIN, 2003, p. 261).
Outro conceito importante para a reflexão sobre a questão da leitura é o
conceito de dialogismo, na visão de Bakhtin/Volochinov (1992) como efeito da
interação entre os indivíduos envolvidos no ato da comunicação. Assim, a
compreensão de um enunciado é sempre uma resposta, na medida em que introduz
o objeto de compreensão num contexto.
Uma das principais ideias de Bakhtin (2003, p. 279) trata-se do conceito de
gêneros: “cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente
estáveis de enunciados”.
Nesse sentido, Cordeiro (2007) comenta: pode-se perceber a utilização da
língua como um processo com múltiplas e heterogêneas maneiras de realização.
Para a compreensão do ponto de partida proposto por Bakhtin, é fundamental
conceituar gênero do discurso. Para o autor, o ser humano, em quaisquer de suas
atividades, vai servir-se da língua e, a partir do interesse, intencionalidade e
finalidade específicos de cada atividade, o fazer enunciativo realizar-se-á de
maneiras diversas. A estas diferentes formas de manifestação dos enunciados, o
autor denomina gêneros do discurso.
2.4 A Crônica
A palavra “crônica” tem origem grega, vem do termo khrónos, que sugere uma
noção de tempo, por isso tal gênero textual recebeu este nome, por registrar fatos
num tempo e espaço determinados. Assim, a crônica assume o papel de relatar os
acontecimentos da realidade social das comunidades humanas. O cronista, com
leveza e graça acrescenta doses de humor, ironia, sensibilidade, crítica e lirismo aos
fatos do cotidiano.
De acordo com Sá (1987), o primeiro cronista do Brasil foi Pero Vaz de
Caminha; a carta dele ao Rei D. Manuel configura-se como sendo a criação de um
cronista. A carta tinha a missão de relatar toda a trajetória dos viajantes e contar o
que se via na viagem. De fato, podemos considerar tal relato como uma crônica
histórica. Para Sá (id), “A crônica apesar de toda a sua aparente simplicidade só
pode ser valorizada quando a lemos criticamente, descobrindo a sua significação”.
2.5 Desenvolvimento e análise dos resultados
A proposta de implementação foi desenvolvida no Colégio Estadual Abraham
Lincoln, com a participação de 35 alunos do 1º ano A, do período matutino. Após a
apresentação da proposta e da unidade didática para a Direção, Equipe Pedagógica
e Professores do colégio, foi realizada a apresentação e a implementação do projeto
aos alunos. Durante a implementação aos alunos, os professores da rede pública
puderam apreciá-la através do GTR (Grupo de Trabalho em Rede), que é uma das
atividades do PDE e caracteriza-se pela interação a distância entre o professor que
participa do Programa de Desenvolvimento Educacional e os professores da rede
pública estadual, com muitos benefícios para o professor em sua prática docente.
Durante a realização das atividades propostas no GTR os cursistas participantes
interagiram e forneceram subsídios ao professor-tutor para que a implementação
fosse desenvolvida com êxito.
A primeira atividade foi um levantamento prévio dos alunos, a respeito do
gênero crônica e o gosto pela leitura, para provocar uma desestabilização de
hipóteses e também, para a ampliação de conhecimento sobre a crônica, através de
um questionário com algumas questões, o qual foi respondido e depois exposto
oralmente. Dos alunos que responderam a maioria disse que não gostava de ler,
embora achando que hoje é impossível viver sem a leitura e que eles têm o hábito
de ler e escrever, mas só nas redes sociais, com leituras não significativas para
aquisição do conhecimento.
Quanto à concepção sobre crônica, eles disseram não se lembrar das
crônicas lidas, somente um aluno disse que gosta e tem o costume de ler crônicas
em jornal ou blogs da internet e conhecia alguns cronistas brasileiros. Porém, depois
de discutidas e observadas as respostas, a maioria demonstrou interesse em
estudar sobre esse gênero textual e que tinham expectativas boas para esse
trabalho, uma vez que, é um gênero cobrado nos vestibulares e que achavam que
seria muito prazeroso; e como alunos do ensino médio precisavam se apropriar da
prática de uma leitura reflexiva e diversificada.
Fizemos um breve relato sobre o um gênero textual crônica, seus aspectos
históricos, explorou-se o conhecimento prévio que os alunos possuíam sobre o
assunto, ocasionando uma troca de informações e iniciamos o processo de
caracterização do gênero a ser estudado. Explorando suas características, sua
esfera de circulação, sua estrutura e os componentes linguísticos e a importância da
leitura dos gêneros que a língua é capaz de produzir. Os alunos tiveram uma noção
do que seria o trabalho e como seria realizado.
Antes da leitura da crônica “O lixo” de Luís Fernando Veríssimo, o título foi
colocado no quadro e os alunos foram convidados a levantar hipóteses sobre o
possível assunto, levando-os, assim, a exercitarem a estratégia de leitura de criação
de hipóteses a partir do título. A atividade foi muito interessante, pois com base nas
hipóteses, anteciparam o tema e ficaram curiosos para a leitura, já que ninguém
conhecia a crônica. Distribuídas cópias da crônica, fizemos primeiramente a leitura
silenciosa, e durante a leitura, visualizaram o local, os personagens e o que estava
sendo dito implicitamente.
A segunda leitura foi compartilhada, em que a entonação e a pontuação
contribuíram para uma leitura divertida e prazerosa. Depois da leitura, os alunos
foram levados a inferir os sentidos explícitos e implícitos que o texto apresentava
com atividades de interpretação escrita: tipo narrativo, biografia do autor, estrutura
composicional do gênero e análise linguística.
Após a realização de todas essas atividades envolvendo a questão social do
lixo e sua disposição final, os alunos trouxeram para a sala de aula os resultados
obtidos e em grupos refletiram sobre a quantidade de lixo produzida todos os dias e
sobre a reciclagem desse lixo. Assim puderam perceber como o lixo produzido no
colégio poderia ser tratado, levando-os a mudanças de atitudes, como não jogar lixo
no pátio, pela janela da sala, utilizando os cestos disponíveis pelo colégio.
Após a realização dessa atividade, foram trabalhadas as outras duas crônicas
“Protesto tímido” e “Menino de rua”, ambas do cronista Fernando Sabino, visto que,
a primeira contém um episódio que se assemelha ao da segunda. Na primeira
crônica foi verificado o conhecimento de mundo e a opinião dos alunos em relação
ao assunto a ser lido.
Na realização do trabalho foram exploradas estratégias de leitura para ativar
o conhecimento prévio dos alunos sobre o tema e estimular à leitura com algumas
perguntas orais. Depois da leitura, foi feito um levantamento das opiniões dos alunos
em relação ao tema, trazendo à sala uma discussão polêmica a quem caberia
resolver o problema social tratado nas crônicas. Foi muito interessante, pois os
alunos perceberam a relação entre os temas abordados, conseguiram inferir e
contextualizar sob a forma que o autor recorre ao poético para fazer valer sua crítica,
mas não conseguiram perceber a intertextualidade presente de modo explícito no
próprio título protesto tímido e no trecho da crônica, muito menos perceber que ela
dialoga também com um outro poema, O bicho de Manuel Bandeira, de modo
implícito, pelo fato dos alunos não conseguirem ativar seu conhecimento prévio, pois
ele representa um fator decisivo na análise da intertextualidade.
Assim, quanto mais amplo o cabedal de conhecimentos do leitor maior será
sua competência para perceber que o texto dialoga com outros, por meio de
referências, alusões ou citações, e mais ampla será sua compreensão. Sendo o
conhecimento prévio muito importante no processo de leitura, aprenderam que para
a compreensão de um texto, alguns aspectos devem ser considerados como o
conhecimento prévio do leitor e a intertextualidade; conscientes disso, os alunos
compreenderam suas próprias estratégias de leitura, ou seja, o quê e como fizeram
para alcançar a compreensão das crônicas.
Em seguida foram trabalhadas atividades escritas de interpretação e dos
elementos composicionais do gênero, explorando as características estruturais, tipo
de narrador, ponto de vista do narrador, e análise linguística. Com pesquisas de
palavras homônimas e polissêmicas, figuras de linguagem e orações coordenadas e
os conectivos, resultando em atividades significativas e de interesse do aluno.
Para dar sequência ao trabalho, o foco principal foi apresentar o poema e a
relação intertextual. Os mesmos procedimentos de estratégias de leitura foram
aplicados ao gênero poema. Para introduzir o estudo, foram feitos alguns
questionamentos sobre a concepção de poema e poesia com os alunos e também
informações sobre o poeta Carlos Drummond de Andrade e seu estilo. Ao ler o
poema, o enfoque foi na exploração da intertextualidade com a crônica de Sabino de
modo bastante direto.
As atividades propostas aos alunos propiciaram reflexões sobre as questões
sociais presentes nas crônicas e a forma como o autor compôs a denúncia social.
Frente às respostas dadas criou-se em sala de aula um clima favorável para a
discussão de problemas sociais. Perceberam que a crítica do cronista, teria que ser
mesmo através da crônica, um gênero que trata das amenidades cotidianas. Os
alunos fizeram relações, refletindo sobre si, seu mundo e o mundo do outro,
perceberam que para escrever uma crônica é necessário estar atento para sua
própria vida e ver com um olhar sensível o que acontece no dia a dia. Que a crônica
traz em seus temas fatos do cotidiano, o que representa um ponto positivo no que
diz respeito a cativar leitores.
Para continuar o trabalho de intertextualidade foi proposta a leitura do poema
O bicho de Manuel Bandeira, antes, fizeram uma pesquisa da biografia do autor e
sua poesia social, perceberam que ele também através da arte destacava o social e
relatava os acontecimentos do cotidiano de uma maneira muito simples. Nessa
atividade os alunos conseguiram perceber a intertextualidade, o que ajudou na
compreensão e promoveram uma socialização sobre o tema.
Foi realizado também, um trabalho sobre questões pertinentes ao texto,
explorando o conhecimento prévio dos alunos, eles inferiram as informações
implícitas e conseguiram chegar a conclusões a partir das informações presentes no
poema, proporcionando a troca de informações com o grupo envolvido nas
discussões em sala de aula; concluíram a relação entre o texto “O lixo” com o
poema “O bicho”, em que os dois falam do lixo: no primeiro, o lixo é descartado pelo
homem, no segundo o lixo é utilizado para matar a fome do homem. Na exploração
dos aspectos linguísticos do texto, alguns alunos apresentaram dificuldades
relacionadas às questões. No entanto, à medida que foram fazendo a releitura, as
dificuldades foram sendo amenizadas.
Para dar continuidade ao projeto e promover leituras, foram trazidas pelos
alunos para a sala de aula, fotos de crianças trabalhando em diversos tipos de
atividades. As fotos de revistas, jornais, internet serviram para ativar os
conhecimentos prévios. Em seguida foi solicitada a leitura da crônica “Na escuridão
miserável” de Fernando Sabino, sendo possível fazer uma reflexão sobre quem são
as crianças que trabalham na escola, e que tipo de trabalho elas exercem.
Perceberam a relação entre os temas abordados nas crônicas já trabalhadas e
alguns alunos fizeram a relação intertextual nas expressões “de um bicho”, “como de
um animalzinho”. Depois das discussões, os alunos foram orientados para
analisarem a interpretação e os elementos composicionais da crônica.
O último texto trabalhado foi a crônica “Notícia de jornal” de Fernando Sabino.
Da mesma forma, o trabalho teve início com a exploração do título usando a
estratégia do conhecimento prévio e da criação de hipóteses para chegarem ao
tema da mesma. É interessante destacar que foi possível perceber uma certa
familiarização dos alunos com a prática de reflexão sobre o título a partir da
exploração do conhecimento prévio. Eles conseguiram relacionar o tema e as
personagens das crônicas: Protesto tímido, Menino de rua e Na escuridão miserável,
sendo crianças em condição total de carência social. Concluímos que o
conhecimento prévio é realmente essencial para uma boa leitura. Utilizaram a
estratégia de leitura, que é a inferência no trecho “um bicho, uma coisa – não é um
homem” para relacionar a intertextualidade entre o poema “ O bicho”, já estudado.
Perceberam que levantar hipóteses, comparar, analisar, inferir são passos que
auxiliam no ato da leitura e essas habilidades ajudam na interpretação do texto.
Para finalizar o trabalho, culminou com a proposta de produção de uma
crônica a partir de notícia de jornal ou tema livre. Para tanto, foi enfatizado que a
crônica possui características e que deveriam ser seguidas. Com base nestas
informações, dispuseram-se, então, a produzir a crônica com temas escolhidos por
eles.
Como já foi dito anteriormente, a turma era numerosa, bastante indisciplinada
e que alguns apresentavam dificuldades na escrita, leitura e interpretação. O maior
avanço desse projeto não está propriamente na produção da crônica em si, pois o
tempo para aplicação foi muito corrido, por ser um ano atípico, e isso prejudicou o
seu andamento. Porém, a grande evolução está na participação e envolvimento dos
alunos nas discussões e nas análises propostas durante as aulas. Na utilização de
estratégias de leitura e ativação de seus conhecimentos prévios para a construção
de sentidos do texto, nas relações intertextuais com o outro gênero, com temas
ligados à vida cotidiana do aluno e com a valorização da interação autor/leitor. Além
do empenho dos alunos na realização das atividades foi observado o espírito de
cooperação entre os grupos.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao ingressar no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) em 2014,
indiquei em minha linha de estudo: ensino e aprendizagem de leitura, porque a
preocupação maior, enquanto professora, é com o ensino da leitura. A meu ver,
ensinar a leitura é função da escola, mas na maioria das vezes, não privilegia a
leitura, não apresenta objetivos de leitura bem definidos, nem apresenta estratégias
de leituras planejadas e eficientes que permitam ao aluno uma aprendizagem mais
significativa. E que por mais que buscássemos trabalhar com a leitura, descobrimos
pelas avaliações realizadas pelos programas de avaliação oficiais do país, que tudo
que fazemos não tem gerado bons resultados, pois, na maioria das vezes, eles não
conseguem localizar informações implícitas e não são capazes de fazer
comparações e interpretar os textos. Assim, através do PDE, tive a oportunidade de
estudar sobre a Teoria Cognitiva da Leitura que busca tornar conscientes os
processos mentais que todo o leitor ativa em seu cérebro no ato da leitura. São
estratégias utilizadas no inconsciente, mas que ao torná-las conscientes o leitor
compreende os sentidos do texto. São estratégias que podem ser ensinadas pelos
professores, porém a grande maioria dos professores não tem acesso a essas
informações e, às vezes, deixam de trabalhar atividade que pode contribuir para a
melhoria da qualidade do ensino e aprendizagem da leitura.
Percebemos que o professor precisa explorar com seus alunos algumas
estratégias de leituras (que podem ser ensinadas) como: título do texto, o
conhecimento prévio (de mundo/textual/linguístico/partilhado), criação de hipóteses
sobre o tema, as inferências que o texto apresenta, bem como a intertextualidade
que se manifesta no texto. Deixar bem claro quais são os objetivos do leitor no
momento da leitura, ensinar que em alguns momentos o leitor antecipa as
informações que serão abordadas no texto. São as estratégias que particularizam a
construção do sentido da leitura, uma vez que ler exige ativação de diferentes
competências e esquemas apropriados.
As ações propostas e desenvolvidas neste trabalho proporcionaram, com
certeza, um novo olhar ao ensino da leitura, por meio dos gêneros textuais “crônica”
e „poema”. Através do trabalho com esses gêneros, foi possível desenvolver no
aluno a capacidade de lidar com textos que circulam socialmente, com temas do dia
a dia, enfocando humor e fazendo refletir sobre a realidade social. Por meio das
estratégias de leitura propostas, pode-se afirmar que os gêneros estudados
ajudaram na formação de alunos leitores competentes e maduros, tornando-os
capazes de localizar informações implícitas nos textos, mostrando caminhos para
superação de suas dificuldades na compreensão de textos, incentivando-os ao gosto
pela leitura.
Outro ponto importante a ser citado durante a aplicação do projeto foi a
valorização das estratégias cognitivas, o conhecimento prévio de cada aluno e a
aplicabilidade da proposta sociointeracionista, em que as atividades realizadas em
grupo possibilitaram uma maior interação entre os alunos, resultando em um bom
trabalho de leitura de textos e especificamente dos textos crônicas. O professor
também procurou interagir com os alunos através da linguagem, num processo
dialógico.
Desta forma, este trabalho fundamentou-se teoricamente em vários autores
que proporcionaram ao professor estudos para o ensino e aprendizagem da leitura
em sua prática docente. Através de atividades que realmente envolveram o aluno,
levando-o a compreender e interpretar de maneira autônoma os textos lidos, no
sentido de contribuir para a formação de leitor independente, proporcionando-lhe
desenvolver atitudes críticas diante das situações impostas.
Vale ressaltar que o projeto “A crônica como prática de leitura” foi
desenvolvido num tempo relativamente curto, como já citei, num ano atípico,
movimentado pela greve da escola estadual e tudo foi muito “atropelado”. No
entanto, mesmo assim, foi possível perceber um grande interesse por parte dos
alunos pelos textos a serem lidos, tiveram uma participação ativa e uma melhor
compreensão de texto. A metodologia utilizada permitiu ao professor verificar que os
objetivos propostos foram alcançados de maneira dinâmica, contínua e atrativa,
voltada para a aprendizagem do aluno.
Para finalizar, se um dos objetivos ao ingressar no PDE, era descobrir através
das abordagens teóricas, alternativas metodológicas que contribuíssem para a
melhoria do ensino e aprendizagem da leitura nas escolas públicas, foi possível
concluir que as estratégias de leitura fundamentadas na Teoria Cognitiva de Leitura,
certamente, podem ser um mecanismo muito pertinente de aprendizagem que leva o
aluno a desenvolver o gosto pela leitura e, consequentemente, um leitor competente
e maduro.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes,
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