OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · [email protected] 2 Professora...
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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
UMA ANÁLISE SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL PARA A PRÁTICA DE LEITURA EM
LÍNGUA INGLESA NO ENSINO FUNDAMENTAL
DLUGOSZ, Cristiana Aparecida Costa 1 CARVALHO, Raquel Cristina Mendes de2
RESUMO: Este artigo toma como objeto de análise a implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola realizada durante o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), do Estado do Paraná, que consiste na aplicação de um conjunto de atividades de leitura por meio de uma Unidade Didática (UD) ancorado nos pressupostos teórico-metodológicos da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) (HALLLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), a partir do gênero discursivo Anúncio Publicitário Institucional (API). O presente texto tem como objetivo analisar e discutir as dificuldades e avanços dos alunos ao construir sentidos para os textos a partir da análise das escolhas feitas pelo autor, durante a resolução das atividades propostas. A análise toma como base as notas de campo produzidas pela professora durante a implementação, onde há relatos e considerações sobre como o trabalho com leitura foi recebido e desenvolvido em uma turma do Ensino Fundamental da rede pública de ensino (Anos Finais), no município de Clevelândia. Em relação às dificuldades apresentadas, constatou-se que os alunos envolvidos na pesquisa apresentam dificuldade para fazer a leitura da linguagem não-verbal e para tecer relações entre as escolhas linguísticas feitas pelo autor e suas implicações na construção de sentidos para o texto e que esta é uma lacuna que ele já traz em sua formação leitora; quanto aos avanços alcançados, foi possível perceber que com estímulo e direcionamento os alunos-leitores conseguiram ampliar o olhar sobre o texto na medida em que a implementação avançava, o que demonstra que eles podem tornar-se leitores críticos desde que desenvolvam a prática da leitura discursiva. PALAVRAS-CHAVE: Linguística Sistêmico Funcional. Leitura discursiva. Anúncio Publicitário Institucional.
1 INTRODUÇÃO
Atualmente o ensino de Língua Estrangeira Moderna (LEM) na escola pública
norteia-se pelas Diretrizes Curriculares Estaduais - DCE (PARANÁ, 2008), que
estabelecem como um dos objetivos da disciplina que o aluno seja capaz de
(re)conhecer nas práticas de leitura, oralidade e escrita os recursos linguísticos e
discursivos empregados na construção do texto e seus efeitos de sentido, refletir
sobre os usos da língua e ter uma atitude responsiva diante dos enunciados que
está lendo/ouvindo (tomando a concepção dialógica de linguagem proposta por
Bakhtin (2004) como referencial teórico).
1 Professora de LEM – Inglês da Rede Pública de Ensino do Paraná, NRE - Pato Branco,
[email protected] 2 Professora Orientadora, do Departamento de Letras da UNICENTRO, Mestre em Língua Inglesa e
Literaturas Correspondentes pela UFSC, [email protected]
Por considerar que as DCE (PARANÁ, 2008) apresentam apenas uma
revisão teórica sobre concepção discursiva da língua com base nos estudos de
Bakhtin (2004), mas não apresentam encaminhamentos metodológicos específicos o
bastante para orientar esse trabalho em sala de aula, buscou-se embasamento
teórico-metodológico na LSF (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004) para a produção
da UD, que foi aplicada nos Anos Finais do Ensino Fundamental, no Colégio
Estadual João XXIII – EFMP, município de Clevelândia – Paraná. A implementação
deu-se em dois momentos: a) primeira etapa - de fevereiro a maio de 2014, num 8º
ano; b) segunda etapa – de março a junho de 2015, na mesma turma que se
encontra no 9º ano. Esta interrupção na implementação no ano de 2014 deu-se pelo
fato da professora ter se afastado por motivo de Licença Maternidade.
Durante o processo de implementação a professora manteve um diário de
notas de campo com relatos e considerações sobre como se deu o trabalho com
leitura de API em sala de aula. Este material constituiu objeto de análise da
pesquisa. Desta forma, analisar nas notas de campo, quais foram as dificuldades e
avanços, bem como os níveis de envolvimento e aprendizagem dos alunos ao
construir sentidos para os textos a partir da análise das escolhas feitas pelo autor,
durante a resolução das atividades propostas foi o objetivo principal do presente
estudo.
Para tanto, num primeiro momento discutimos sobre a concepção de língua e
leitura pretendidas pelas DEC (PARANÁ, 2008) para o ensino de Língua Estrangeira
na rede pública de ensino, bem como os pressupostos teóricos da LSF
(HALLLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), que discorre sobre a relação língua –
funcionalidade e como as escolhas feitas pelo autor (recursos linguísticos e
discursivos) acarreta efeitos de sentido para o texto. Em seguida explicitamos a
metodologia utilizada para a pesquisa. Por fim, com base no método materialista
histórico-dialético é apresentada uma síntese do encaminhamento da pesquisa com
apontamentos dos resultados obtidos e as conclusões a que chegamos.
2 FUNDAMENTAÇAO TEÓRICA
2.1 O papel da linguagem na formação do sujeito crítico sob a ótica da ACD
O grande desafio da escola pública hoje, especificamente da rede de ensino
do Paraná, é que “o currículo da Educação Básica ofereça, ao estudante, a
formação necessária para o enfrentamento com vistas à transformação da realidade
social, econômica e política de seu tempo” (PARANÁ, 2008, p.20). E uma forma de
fazê-lo é instigando os alunos para que “analisem as questões sociais-políticas-
econômicas da nova ordem mundial, suas implicações e que desenvolvam uma
consciência crítica a respeito do papel das línguas na sociedade” (PARANÁ, 2008,
p.55).
É fato que a circulação de textos dentro de uma sociedade pode servir de
meios de dominação através da linguagem. Fairclough (1992) acredita que as
sociedades criam realidades através do discurso que “passam a ter existência
própria, a ser vistas como permanentes, como „senso assim mesmo‟, como naturais”
(MEURER, 2005, p.90). No Brasil, podemos tomar como exemplo a reprodução da
hegemonia capitalista expressa na máxima popular “Manda quem pode, obedece
quem tem juízo”.
De acordo com Meurer e Dellagnelo (2008),
o objetivo primeiro da Análise Crítica do Discurso (ACD) é desconstruir, em diferentes manifestações discursivas, questões de dominação, opressão, manipulação, discriminação, abuso de poder, enfim questões que geram desigualdade social. Desse modo, a análise crítica visa, também, expor as ideologias das(os) produtoras(es) de discurso a partir de suas práticas discursivas para, então, trabalhar na luta contra essa desigualdade com vistas a promover mudança social. (p.39-40)
Para Fairclough (1992) o discurso é uma prática ideológica que estrutura as
relações de poder na sociedade e é por elas estruturado, mantendo ou
transformando identidades e relações sociais. Logo, a linguagem é capaz tanto de
transformar a sociedade, quanto de ser transformada por ela, o que lhe dá um
caráter de atividade dialética. Nesses termos, Meurer e Dellagnelo (2008, p.40)
afirmam que “ao mesmo tempo em que práticas sociais naturalizam-se por meio do
discurso e, assim sendo, são por ele reforçadas e legitimadas, elas também podem
ser desafiadas por esse mesmo meio”.
As DCE (PARANÁ, 2008) enfatizam que um ensino de línguas com vistas à
transformação social deve contribuir com a formação de sujeitos que saibam
questionar o discurso alheio e além disso, engajar-se discursivamente. Para tal o
documento propõe que a prática da leitura em LEM seja trabalhada em sala de aula
na perspectiva da leitura crítica. Em termos gerais, espera-se que o professor
oportunize aos alunos atividades que os instiguem a construir sentidos para o texto,
ancorados nos recursos linguísticos e extralinguísticos, bem como no seu
conhecimento de mundo. Segundo o documento, é importante que o aluno/leitor
“reaja aos textos com os quais se depare e entenda que por trás deles há um
sujeito, uma história, uma ideologia e valores particulares e próprios da comunidade
em que está inserido” (PARANÁ, 2008, p.66).
2.2 A LSF como ferramenta para a análise textual
A LSF desenvolveu-se nos anos 80, tendo como expoente Michael Alexander
Kirkwood Halliday, e apresenta um novo olhar sobre a gramática. Para essa teoria, o
sistema gramatical de uma língua está intrinsicamente relacionado com as
necessidades sociais e pessoais que ela é chamada a desempenhar, a língua está
atrelada ao uso que se pretende fazer dela e figura como prática social.
Para Halliday e Matthiessen (2004), a funcionalidade é intrínseca à
linguagem. Eles explicam que “toda a arquitetura da linguagem se organiza em
linhas funcionais. A linguagem é como é por causa das funções em que se
desenvolveu na espécie humana” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p.31,
tradução nossa).3
Segundo Eggins (1995), na perspectiva teórica da LSF a língua é constituída
por quatro pontos centrais que devem ser analisados: a) o uso de uma língua é
sempre funcional; b) as funções são para fazer sentidos; c) os sentidos são
influenciados pelo contexto social e cultural do qual tomam parte; e d) o processo de
uso da linguagem é um processo semiótico, um processo de produzir significado
pelas escolhas linguísticas realizadas.
Para a LSF, ao nos comunicarmos por meio de textos, sejam eles escritos ou
orais, fazemos escolhas dentro do arsenal de opções disponíveis no sistema
linguístico e a língua se organiza em torno dessas redes de escolhas, que são
determinantes para a construção de significados dos textos.
3 Trecho original: “The entire architecture of language is arranged along functional lines. Language is
as it is because of the functions in which it has evolved in the human species.” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004, p.31)
Nesse contexto, a LSF explora a relação dinâmica entre os significados, as
formas léxico-gramaticais pelas quais esses significados são realizados (as
escolhas) e os contextos que os ativam.
Nessa abordagem, pode-se dizer que a forma está subordinada à função e
que a organização interna da linguagem se dá em termos de funções que ela deve
desempenhar na vida social, assim elencadas por Halliday (HALLIDAY;
MATTHIESSEN, 2004): a) ideacional – refere-se a como as situações são
apresentadas (o que é dito), por meio do Sistema de Transitividade; b) interpessoal
– refere-se à relação estabelecida entre os participantes de uma determinada
situação (de quem para quem é dito), representada pelo Sistema de Modo e
Modalidade e; c) textual – refere-se às formas como o texto é organizado (de que
modo é dito), através do Sistema de Tema. Logo, a oração tem o potencial de
expressar significados experienciais, interpessoais e textuais.
Quanto ao caráter pragmático da linguagem, Fairclough (1992) acredita que o
discurso contribui para a construção das identidades sociais, das relações sociais
entre as pessoas e dos sistemas de conhecimento e crenças e esses três efeitos do
discurso correspondem às três funções da linguagem que ele denomina de
“identitária”, “relacional” e “ideacional”. O autor explica que “as funções identitária e
relacional são reunidas por Halliday (1978) como a função interpessoal”
(FAIRCLOUGH,1992, p.64-65, tradução nossa)4 e que Halliday (1978) ainda
distingue uma terceira função – a função „textual‟ – que pode ser utilmente
acrescentada à sua lista.
De acordo com Meurer e Dellagnelo (2008),
Cada uma das metafunções possibilita fazer algo com a linguagem. Significados ideacionais têm a função de codificar – ou expressar – nossa representação da realidade, o que cria, reflete, reforça e/ou desafia nossos sistemas de conhecimentos e crenças. Significados interpessoais manifestam a forma como estabelecemos identidades e relações sociais. Por fim, os significados textuais, relativos à organização do texto (oral ou escrito), revelam o que os(as) falantes ou escritores(as) salientam – ou não – em seus textos. (p.49)
Em termos pedagógicos, para explicitar a relevância da LSF para o ensino de
Língua Inglesa (LI) pode ser tomada uma experiência vivenciada por Barrionuevo e
Pico (2006). As autoras sugeriram a professores de escolas secundárias da
4 Trecho original: “The identity and relational functions are grouped together by Halliday (1978) as the
„interpersonal‟ function.” (FAIRCLOUGH, 1992, p.64-65)
Argentina que utilizassem os fundamentos teórico-metodológicos dessa abordagem
em sua prática docente. Dessa experiência elas concluíram que
a LSF não apenas pode instruir os professores sobre como preparar textos para seus alunos lerem, mas também pode fornecer uma estrutura para analisar o domínio que os estudantes têm da língua e identificar as áreas que eles precisam desenvolver mais. Através da análise pela LSF, os alunos poderiam ver a relação entre língua e contexto e entender o papel da experiência social nas escolhas linguísticas feitas pelos escritores.
(BARRIONUEVO; PICO, 2006, tradução nossa)5
Dessa forma, acredita-se que, por trabalhar com a língua atrelada ao seu uso
e por ocupar-se de textos autênticos considerando os contextos em que foram
produzidos, a LSF pode ser uma importante ferramenta na leitura de textos em LI
numa abordagem de gêneros discursivos e leitura crítica.
2.3 Leitura em LEM
2.3.1 Leitura numa perspectiva discursiva
Para Bakhtin (2004), a palavra é um signo social e ideológico, ou seja, não
tem sentido em si mesmo, mas se constitui a partir das leituras feitas pelo
interlocutor. Tal asserção implica em reconhecer que a compreensão de qualquer
enunciado não deve ser feita com base apenas na palavra escrita ou pronunciada,
mas requer que o interlocutor também faça inferências, a partir do que foi dito pelo
locutor. O resultado desse diálogo entre locutor e interlocutor constitui a
enunciaçãoque é definida por Bakhtin (2004, p.112) como “produto da interação de
dois indivíduos socialmente organizados”.
Definir a enunciação como “produto da interação” é uma boa forma de se
dizer que o trabalho de construir sentidos para o texto não é de responsabilidade
nem só do locutor, nem só do interlocutor, mas um trabalho de parceria uma vez que
o locutor contribui deixando “pistas” no texto, que geralmente são demarcadas tanto
pela escolha do gênero discursivo quanto pelas escolhas linguísticas. Cabe ao
interlocutor, por sua vez, segundo Faiclough (1992), somar as pistas deixadas no
5 Trecho original: “SFL not only can inform educators as they prepare texts for students to read but it
can also provide a framework for analysing students‟ command of language and identifying the areas
in which they need further development. Through an SFL analysis, students could see the relationship
between language and context at the same time they could understand the role of social experience in
the linguistics choices made by writers.” (BARRIONUEVO; PICO, 2006)
texto à análise dos contextos de produção, distribuição e consumo; bem como às
formas como hegemonia e ideologia estão articuladas no texto.
Nesse sentido, qualquer leitura para ser crítica deve ultrapassar os limites da
linearidade do texto e estabelecer um diálogo/confronto entre autor, leitor e texto. O
leitor deve a partir da análise do discurso do outro (feita com base nas escolhas dos
elementos léxico-gramaticais que materializam o discurso no texto, via LSF),
construir seu próprio discurso pois
qualquer tipo genuíno de compreensão deve ser ativo deve conter já o germe de uma resposta. [...] Compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e substanciais forem, mais profunda e real é nossa compreensão. [...] Compreender é opor a palavra do locutor uma contrapalavra. (BAKHTIN; 2004, p.131-132)
Nessa perspectiva, a leitura não deve ser uma atividade passiva, mas um ato
dialógico, que leve à reflexão dos usos da linguagem, pois a compreensão não é
algo pronto, acabado, mas uma espécie de diálogo que se estabelece entre autor-
texto-leitor, ou, em outras palavras, “a compreensão é uma resposta a um signo por
meio de signos” (BAKHTIN, 2004, p.34).
Sobre o fato de o aluno fazer leitura acrítica, e o quão insignificante essa
prática é para o papel social da linguagem que é o de contribuir para a
transformação social, Suassuna (SUASSUNA, 2010, p.52) argumenta que “[...] se
ele lê e não faz disso uma descoberta ou um ato de conhecimento; se ele só
reproduz, nos exercícios a palavra do outro, não há nisso nada que lhe possibilite
uma intervenção sobre aquilo que historicamente está posto”.
Os encaminhamentos metodológicos sugeridos nas DCE (PARANÁ, 2008)
para a prática de leitura em LEM orientam para que em qualquer atividade de leitura
os alunos sejam instigados a questionar quem disse o quê, quando, onde e porque,
pois, dessa forma, perceberão que “as formas linguísticas não são sempre idênticas,
não assumem sempre o mesmo significado, mas são flexíveis e variam conforme o
contexto e a situação em que a situação de uso da língua ocorre” (PARANÁ, 2008,
p. 66). Espera-se, segundo o documento, que os alunos “desenvolvam uma prática
analítica e crítica, ampliem seus conhecimentos linguístico-culturais e percebam as
implicações sociais, históricas e ideológicas presentes num discurso” (PARANÁ,
2008, p. 64) de modo que possam assumir uma atitude crítica e transformadora
diante dos discursos que lhes são apresentados. Em outras palavras, a competência
linguística está mais associada ao conceito de letramento do que ao domínio de uma
norma padrão.
2.3.2 Gênero discursivo e ensino
Para Bakhtin a utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e
escritos), que por sua vez não se processam da mesma forma em todas as
situações de interação verbal, mas moldam-se às necessidades enunciativas do
locutor num dado contexto concreto. Em outras palavras, pode-se dizer que cada
situação de comunicação demanda tipos diferentes e “relativamente estáveis” de
enunciados que Bakhtin convencionou chamar de gêneros do discurso. Segundo o
autor, “para falar utilizamo-nos sempre dos gêneros do discurso [...] todos os nossos
enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de estruturação
de um todo” (BAKHTIN, 1997, p.301).
Esse é um conceito de gênero comum a muitas teorias e abordagens que
hoje se dedicam ao estudo da linguagem e dos gêneros, especificamente. A ACD,
linha teórica que orienta esse estudo, comunga dos pressupostos bakhtinianos e
propõe uma abordagem sócio-semiótica para o estudo de gêneros.
Segundo Meurer (2005),
O termo gênero é usado por Fairclough para designar „um conjunto de convenções relativamente estável que é associado com e, parcialmente realiza, um tipo de atividade socialmente aprovado, como a conversa informal, a compra de produtos em uma loja, uma entrevista de emprego, um documentário de televisão, um poema ou um artigo científico‟ (2001a, p.161). Além disso, „um gênero implica não somente um tipo particular de texto, mas também processos particulares de produção, distribuição e consumo de textos‟ (ibid). Cada gênero, portanto, ocorre em determinado contexto e envolve diferentes agentes que o produzem e consomem (lêem e interpretam). (p.81-82)
Dessa forma, pode-se dizer que os gêneros refletem tanto as relações entre
os membros de uma comunidade, quanto a sua realização via linguagem.
De acordo com Ferreira (2010, p.74), “Halliday (1978) relaciona gênero às
características textuais que determinarão um modo discursivo”. Nesse sentido,
Barros e Nascimento (2007) afirmam que os gêneros funcionam como um certo
horizonte de significação na medida em que dão “pistas” sobre como se processará
a interação, sua estrutura e as regras de conduta esperadas na prática de linguagem
em questão, o que significa que quanto maior for o conhecimento sobre o gênero,
mais proficiente será o sujeito em suas práticas sociais e de linguagem.
Se é através dos gêneros que as pessoas interagem na sociedade
(BAKHTIN, 1997, 2004; MARCUSCHI, 2008; BONINI, MEURER E MOTTA-ROTH,
2005), num ensino de LI que objetiva formar alunos capazes de agir e interagir pela
língua, é fundamental que o texto (autêntico), materializado em diferentes gêneros
discursivos, seja o ponto de partida para a aula. Isso implica, segundo as DCE
(PARANÁ,2008) em uma mudança no objeto de ensino, uma vez que se extrapola o
limite da palavra e da frase para verificar “como os elementos verbais (os recursos
disponíveis da língua), e os elementos extraverbais (as condições e situação de
produção) atuam na construção de sentidos” (PARANÁ, 2008, p.60).
2.3.3 Discussões sobre o gênero discursivo API
É importante destacar que a opção por abordar este gênero textual em nossa
intervenção pedagógica na escola se justifica: a) pela intenção de demonstrar que
qualquer texto produzido e processado por sujeitos sociais e históricos pode
viabilizar uma atividade de leitura crítica, independente de sua extensão, pois ainda
persiste uma falsa crença de que um texto para ser processado como tal deve ser
extenso e utilizar apenas linguagem verbal; b) por acreditar que a escolha de um API
como ferramenta de ensino para a aula de LI corrobora com a formação de leitores
críticos que poderão questionar os discursos subjacentes ao texto e ter uma atitude
responsiva diante dele quando o encontrar em situações reais de uso, uma vez que
esse gênero atualmente é uma tendência da esfera publicitária.
Destacamos também, que na literatura que trata sobre o gênero API,
encontram-se as terminologias “anúncio institucional” e “propaganda institucional”,
porém não há nenhum estudo consistente sobre os conceitos de propaganda e
anúncio. Dessa forma, optamos por usar a terminologia “anúncio publicitário
institucional” nesse trabalho, uma vez que essa foi a nomenclatura adotada por
Botasso e Cristóvão (2007) em suas pesquisas sobre o gênero.
Diante dos desafios enfrentados pela sociedade contemporânea, tais como
problemas sociais, ambientais e éticos, algumas empresas têm se mobilizado para
contribuir com a transformação social. A cada dia cresce o número de API em mídias
impressas e televisivas demonstrando que a empresa anunciante adotou uma
gestão de responsabilidade social e por isso financia algum tipo de programa social,
utiliza recursos sustentáveis em seus processos de produção ou defende
determinado valor ético. Mas será que a real intenção dessas empresas é a
transformação social?
Podem ser tomados como resposta à questão levantada, os objetivos do API
apontados por Nogueira6 (1985, apud BOTASSO e CRISTÓVÃO, 2007, p.224), que
“consistem em conquistar e manter a credibilidade e a aceitação da companhia junto
a seus principais públicos-alvo, de maneira a assegurar à empresa a criação e
projeção de uma imagem institucional positiva, bem como auxiliá-la a alcançar suas
metas de mercado”. Ou seja, se por um lado a empresa está adotando uma postura
socialmente responsável, por outro lado utiliza-se disso para vender uma imagem de
empresa “politicamente correta”, o que indiretamente influenciará na decisão de
compra do consumidor.
De acordo com os estudos realizados por Botasso e Cristóvão (2007, p.230),
as características do gênero API podem ser organizadas dessa forma:
Tabela 1 – Características do gênero API para leitura em LI
Objetivo Vender uma ideia, uma forma de conduta e/ou padrão de comportamento socialmente adequado.
Plano textual global As partes principais são: introdução ao tema, problemática e resolução, compostas por elementos argumentativos determinantes.
Tipo de discurso e sequência
Fusão da narração e do discurso interativo com sequências narrativa e descritiva.
Coesão nominal Uso de anáforas pronominais e nominais. Coesão verbal Predominância do present simple, future simple e present perfect
para descrever, narrar e criticar e imperative form para apresentar resolução (atitude).
Vozes Vozes da instituição, sociedade em geral, mídia e pesquisadores. Escolha lexical Adjetivos, substantivos avaliativos axiológicos (que indicam
julgamento de valor). Fonte: BOTASSO e CRISTÓVÃO, 2007, p.224
Em suma, apesar de transmitir uma mensagem de que sua intenção é “criar
simpatia, formar um conceito, criar uma reputação e iniciar um relacionamento com o
consumidor” (SANTANA, online), o API institucional está, indiretamente, vendendo
um produto. Nesse sentido, Botasso e Cristóvão (2007, p.224) afirmam que “a
propaganda institucional é uma área onde as atividades de relações públicas e de
propaganda interagem”.
6 NOGUEIRA, N.RP: princípios e mecanismos. Mercado Global, São Paulo, 12 (64), p.42-45, jul. /ago.
1985.
3 METODOLOGIA
Este trabalho fundamenta-se no método dialético, onde as coisas são
analisadas em movimento, num constante processo de vir a ser, o que significa que
“nenhuma coisa está „acabada‟, encontrando-se sempre em vias de transformar,
desenvolver, o fim de um processo é sempre o começo de outro” (LAKATOS;
MARCONI, 2005, p.101). Dessa forma, essa abordagem parece-nos apropriada para
conduzir a reflexão sobre a realidade da sala de aula, onde tanto os sujeitos quanto
os contextos envolvidos estão em constante transformação.
Por investigar problemas relacionados ao estudo da linguagem no contexto de
sala de aula, com vistas ao estreitamento da relação teoria e prática e,
consequentemente, à transformação das práticas de ensino de LEM, o trabalho de
investigação desenvolvido inscreve-se como pesquisa-ação e tem a Linguística
Aplicada como perspectiva teórica.
Apesar da pesquisa ter sido planejada no Projeto de Intervenção Pedagógica
na Escola para um 8º ano da Escola Estadual Carmela Bortot – EF, no município de
Pato Branco, a implementação aconteceu no Colégio Estadual João XXIII – EFMP,
Clevelândia – Paraná, porque a professora-pesquisadora passou por processo de
remoção no ano de 2014. Também houve alterações no cronograma porque a
professora esteve de Licença Maternidade em 2014 e precisou realizar a
implementação da UD em dois momentos: a) primeira etapa - de fevereiro a maio
de 2014, num 8º ano; b) segunda etapa – de março a junho de 2015, na mesma
turma que se encontrava no 9º ano; totalizando trinta e cinco horas-aula.
A turma selecionada para a pesquisa era formada por trinta e seis alunos.
Tratava-se de uma turma agitada, porém bastante participativa. Os alunos relataram
que em todo o ensino fundamental não tiveram continuidade no conteúdo de inglês
porque passaram por várias professoras (inclusive no mesmo ano letivo), tendo
ficado um tempo sem professor no 7º ano porque esgotou-se a lista de contratação
de professores PSS. Segundo a turma esta fragmentação no ensino de inglês
prejudicou a aprendizagem e observamos que a autoconfiança também, pois eles
sentiam-se incapazes de ler na língua alvo e utilizar o inglês com proficiência.
Quando questionados sobre os aspectos da língua que apresentam maior
dificuldade, noventa e três por cento respondeu que apresenta dificuldade em
“leitura, tradução e compreensão de texto” (palavras deles).
Por conta dos percalços que aconteceram durante a implementação, por
vezes houve a necessidade de propor aos alunos uma revisão da proposta, bem
como dos conteúdos abordados. Também se fez necessário propor avaliações
formais (provas) e recuperação de estudos e paralela para cumprir uma exigência da
escola posta no Projeto Político Pedagógico. A equipe pedagógica tomou ciência
dos problemas surgidos durante a implementação e acompanhou as adequações
feitas no sentido de saná-los, bem como o trabalho desenvolvido em sala de aula.
No tocante aos instrumentos para coleta de dados, durante o processo de
implementação a professora manteve um diário de notas de campo com relatos e
considerações sobre como se deu o trabalho com leitura de API em sala de aula -
como as atividades de leitura foram recebidas pelos alunos, os níveis de
envolvimento e aprendizagem. Este material constituiu o objeto de análise e
discussão da pesquisa.
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
A análise pretendida contempla os dados coletados durante a implementação
do Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola (diário de notas de campo). Quanto
à observação de como se desenvolveu a aplicação da Unidade Didática (UD)
“INSTITUTIONAL ADVERTISEMENT: reflecting about citizenship”, esta se deu em
momentos distintos, considerando os níveis de envolvimento e aprendizagem, bem
como as capacidades linguística, discursiva e linguístico-discursiva dos alunos no
decorrer de cada bloco de atividades proposto no material didático, desta forma as
observações feitas no diário seguem a mesma organização da UD, a saber:
Tabela 2 – Organização da Unidade Didática Pedagógica
MODULE I – Finding out about the communicative contexts
-Leitura de um texto do gênero API. -Atividades orais e escritas que explorem a situação de comunicação em que este gênero se configura (contexto de produção, autor, possível leitor, onde é veiculado, intencionalidade) e seus elementos composicionais.
MODULE II – Thinking about the genre
-Atividades de reconhecimento do gênero, sua função social e elementos composicionais a partir da leitura de dois anúncios.
MODULE III - Fun & games
-Dinâmica em grupos para reconhecimento do gênero com base na análise do tema, na intencionalidade e no autor/propositor dos textos. -Elaboração, em grupos, de listas com as características do gênero
que são recorrentes no corpus de textos analisados durante a dinâmica. -Apresentação das listas ao grande grupo, discussão e elaboração de uma lista da turma. -Confecção de um cartaz contendo as características pontuadas (exposto na sala de aula durante a implementação).
MODULE IV – Thinking about the context and content
-Leitura de três textos do gênero API. -Pesquisa sobre os autores/propositores dos textos estudados (ONG). -Atividades sobre o tema e interpretação da linguagem não-verbal.
MODULE V - Planning text production
-Em grupos, planejamento da produção escrita (tema, possíveis leitores, onde o anúncio será veiculado, quando, com que finalidade).
MODULE VI – Thinking about text organization and language
-Estudo dos elementos discursivos e linguístico-discursivos dos textos estudados: tipo de sequência, tempo verbal recorrente, tipo de discurso (implicado ou não-implicado), partes de um API (problema e solução), tipo de argumentos usados nesse gênero, layout do texto.
MODULE VII – Working in the text production
-Estudo da frase de impacto (sua relação com a linguagem não-verbal, Simple Present, produção de frases de impacto). -Estudo da frase que sugere a solução para o problema (sua relação com a frase de impacto, Imperativo, produção de frases que apresentem uma solução para os problemas apresentados). -Estudo da linguagem não-verbal (importância da linguagem não-verbal para a construção de sentidos do texto, - relação entre a linguagem não-verbal e verbal em API, significado das cores e recursos gráficos). -Estudo de slogan e logotipo.
MODULE VIII – Writing an Institutional Ad
-Escrita: produção do texto considerando os elementos estudados (frase de impacto, apresentação de uma solução, linguagem não-verbal relevante para o tema, logo e slogan).
MODULE IX - Improving your text production:
-Atividade de reescrita do texto: análise do texto produzido a partir dos critérios/características elencados no cartaz com as características do gênero (produzido no Módulo III) e de uma “check-list”. -Reescrita: retomada do texto para fazer as adequações necessárias.
Fonte: Acervo da Professora Pesquisadora
Observamos no quadro acima que cada módulo se dedica a um aspecto da
língua ou do gênero, no entanto salientamos que a leitura de textos perpassa e é a
base de todos eles. Podemos sintetizar desta forma as considerações feitas durante
a realização das atividades, no que diz respeito a:
Tabela 3 – Síntese das observações feitas no diário de notas de campo
Reconhecimento da situação de comunicação e função social do gênero (MÓDULO I)
A maioria dos alunos demonstrou dificuldade para ler tanto os enunciados quanto o texto. Observou-se que as dificuldades apresentadas são de duas ordens: falta de vocabulário e insegurança para fazer inferências. Em contrapartida, não tiveram problemas para reconhecer o gênero, sua função social e a situação de comunicação.
Estudo dos elementos composicionais do gênero (MÓDULO II)
Neste módulo os alunos deveriam analisar duas propagandas propostas por uma mesma empresa, sendo uma API e outra “Merchandising”. Quando se depararam com o texto a maioria imediatamente deduziu seu conteúdo temático com base apenas nas figuras e no que conhecia sobre a marca, sem ao menos fazer uma leitura da parte que compreendia a linguagem verbal dos anúncios,
observar o lay-out (ponto relevante para a compreensão do “Merchandising”) ou questionar a intencionalidade de cada texto.
Reconhecimento do gênero e sua estrutura (MÓDULO III)
A dinâmica tornou a atividade de reconhecimento do gênero, bem como de sua estrutura e elementos composicionais significativa e prazerosa para os alunos. Gerou discussão entre os grupos, que acertaram a classificação de quase todos os textos contidos no corpus selecionado para análise. Observa-se, no entanto, que não reconhecerem elementos linguísticos, nem recursos gráficos.
Reconhecimento do conteúdo temático do texto (MÓDULO IV)
A realização da atividade de pesquisa sobre os autores dos textos foi importante para que os alunos percebessem que estavam lendo textos autênticos e se interessassem em saber mais sobre as ONG pesquisadas; a maior dificuldade foi alguns problemas técnicos do laboratório de informática (lentidão e número insuficiente de máquinas funcionando). Em relação a capacidade de tradução e interpretação dos enunciados, constatou-se que nesta etapa da UD eles já se sentiam mais à vontade para inferir significados e que já reconheciam palavras recorrentes nas atividades anteriores. Todavia, na leitura dos textos demonstraram dificuldade para interpretar as imagens (leitura não-verbal).
Planejamento da produção de um API (MÓDULE V)
Os alunos optaram por desenvolver campanhas em prol de causas da própria escola (7 grupos: 02 sobre o uso consciente de celular na escola; 02 para motivar o uso das lixeiras de reciclável; 01 para estimular o empréstimo de livros na biblioteca; 01 para solicitar que a administração melhore a merenda escolar; 01 para manter os banheiros limpos). Observou-se que esse planejamento foi bastante significativo para eles, se envolveram na discussão, tomaram as decisões com seriedade e de forma democrática.
Estudo dos elementos discursivos e linguístico-discursivos (MÓDULO VI)
Este foi o bloco de atividades que os alunos apresentaram maior dificuldade, sobretudo para relacionar os elementos linguísticos à sua função em API: a) não conseguiram perceber a diferença entre relatar, descrever, explicar e expor (tipos de sequência); b) não souberam explicar o porquê da repetição de palavras (anáforas nominal e verbal) e c) não reconheceram a palavra que indicava se o autor estava implicado ou não no discurso (discurso implicado e não-implicado). Em relação as questões de reconhecimento do problema, da solução sugerida e do tipo de argumento utilizado, não apresentaram dificuldade.
Estudo dos elementos composicionais do gênero (MÓDULO VII)
Neste módulo os alunos leram diversos API para analisar as possibilidades de produção de cada um dos elementos do API (frase de impacto, frase sugerindo a solução do problema, linguagem não-verbal, logotipo e slogan) e como eles podem se organizar no texto; ainda desenvolveram atividades de escrita para cada elemento. Percebemos que as atividades propostas foram importantes para que os alunos efetivamente entendessem a função de cada um dos elementos citados para o API.
Escrita de um API (MÓDULO VIII)
A produção textual norteou-se pelo plano de escrita desenvolvido no Módulo V. Também foram criados alguns critérios que deveriam ser analisados durante a elaboração de cada um dos elementos do API: a) coerência com o conteúdo temático e entre todos os elementos do anúncio; b) articulação entre as escolhas feitas pelo autor e a intencionalidade do texto; c) uso de um argumento consistente e d) criatividade. Houve momentos em que os esboços dos textos foram colocados para análise do grande grupo e todos contribuíram com a produção de todos. Em relação ao texto verbal (frase de impacto, frase sugerindo a solução do problema, nome da ONG e slogan), eles sentiram necessidade de escrever primeiro em português para depois traduzir e isso gerou uma certa dificuldade porque algumas frases perderam o brilho quando traduzidas ou porque não conseguiram escolher no dicionário a palavra que melhor se aplicava ao contexto. Quanto à linguagem não-verbal, coerência entre os elementos do
API, lay-out e criatividade, os alunos se sobressaíram.
Reescrita do texto (MÓDULO IX)
A maioria dos grupos demonstrou satisfação em relação aos próprios textos. Apenas dois grupos sentiram necessidade de fazer adequações no lay-out e parte que compreendia a linguagem não-verbal do texto. Também foram feitas algumas correções ortográficas com a ajuda do dicionário e da professora. Concluídas, as produções foram expostas em um painel disposto na entrada do refeitório da escola.
Fonte: Acervo da Professora Pesquisadora
Com base nas observações acima levantadas, podemos concluir no que se
refere à leitura que os alunos, ora resistiram a fazer inferências na construção de
sentidos para os enunciados e textos propostos na UD, ora as fizeram de forma
aleatória. Acredita-se que isso acontece porque eles sentem-se inseguros em
relação à língua alvo. Em alguns momentos que foram questionados sobre a
temática do texto, imediatamente fizeram suposições com base apenas em um dos
elementos do texto (provavelmente o que lhes chamou mais atenção). Esta prática
nos faz acreditar que muitas vezes o aluno não lê o todo do texto, é como se alguns
elementos estivessem invisíveis para ele, mas na verdade, são esses elementos que
podem fazer toda a diferença para a construção de sentidos.
Neste sentido, destaca-se também a importância da linguagem não-verbal
para a compreensão de API. Por vezes, nesse gênero, a imagem fala mais do que
as palavras, a ponto de haver textos em que algum dos elementos expressos pela
linguagem verbal se faz desnecessário tamanho o grau de persuasão e/ou
criatividade da imagem. Todavia, os alunos demonstraram, de um modo geral,
dificuldade tanto para interpretar as imagens quanto para estabelecer relações entre
as linguagens verbal e não-verbal de cada anúncio analisado (Módulo IV), o que
acabou dificultando a construção de sentidos para o texto. O que se pode concluir
desta lacuna na leitura da linguagem não-verbal é que os alunos provavelmente não
estejam habituados a dar a devida atenção a este aspecto do texto, nem a
questionar a intencionalidade do autor subjacente a escolha de cada um dos
elementos visuais e tipográficos dos anúncios que leem no dia-a-dia.
Em relação à análise linguística, percebemos que os alunos não têm o hábito
de questionar a função da língua no texto (ver considerações do Módulo - VI) e que
é mais fácil para eles responder questões sobre o gênero do que sobre língua. Ao
receber um texto, imediatamente faziam uma leitura muito rápida e superficial, sem
analisar as escolhas do autor e o que isso acarretaria para a construção de sentido
do texto.
Em relação ao gênero, de um modo geral os alunos não apresentaram grande
dificuldade porque já tinham um conhecimento de anúncios em sua língua materna,
todavia quando indagados sobre as diferenças entre um API e um anúncio de
“Merchandising” (Módulo II) percebemos que não costumam, enquanto leitores,
fazer este tipo de análise, nem questionar a função social do anúncio e a
intencionalidade do autor. Ao término do Módulo II, os alunos conseguiram perceber
o quanto um mesmo gênero textual (anúncio) pode apresentar peculiaridades.
Em relação a escrita, podemos dizer que o estudo de cada um dos elementos
que compõe o API em forma de atividades de leitura e escrita de diferentes textos,
contendo diferentes estilos e tipos de argumento (Módulo VII) contribuíram para que
os alunos ampliassem seu olhar sobre o texto e lhes deu segurança e conhecimento
para desenvolver a produção textual proposta no Módulo VIII com mais propriedade.
Durante todas as etapas da escrita os alunos demonstraram-se entusiasmados e
envolvidos com o trabalho. Cada um queria dar o melhor de si e fazer o texto mais
criativo, criou-se até um clima de competitividade na sala, em contrapartida todos
colaboraram com os outros grupos no momento em que foi solicitado um olhar
coletivo sobre a produção do colega. Esta atividade só reforçou nossa crença de que
é possível sim trabalhar com escrita em sala de aula, desde que esta atividade seja
planejada, orientada e significativa para os alunos.
Durante a implementação da Unidade Didática foram aplicadas duas provas
bimestrais e uma prova de Recuperação Paralela para atender a uma disposição do
Projeto Político Pedagógico da escola, que determina a obrigatoriedade de no
mínimo uma avaliação escrita (prova) por bimestre. A primeira prova bimestral
consistia num grupo de atividades de leitura a partir de um texto do gênero API que
compreendia questões de reconhecimento dos elementos composicionais do
gênero, intencionalidade, análise linguística e análise da linguagem não-verbal.
Comparando os resultados obtidos nesta avaliação com o desempenho dos alunos
durante a resolução e discussão das atividades da UD, percebemos que seu
desempenho durante as aulas foi superior ao obtido na avaliação formal. Constatou-
se que os alunos apresentaram maior dificuldade para responder questões que
exigiam uma análise das escolhas feitas pelo autor (recursos linguísticos) e sua
possível intencionalidade, o que demonstra que provavelmente já trazem essa
dificuldade em sua formação escolar. Em relação à prova de Recuperação Paralela
houve uma melhora considerável nas notas, porém continuaram apresentando
dificuldade nas questões que exigiam a leitura da linguagem não-verbal e sua
articulação com a frase de impacto. Na segunda avaliação eles não tiveram
dificuldade para ler os enunciados, pelo contrário, demonstraram-se familiarizados
com eles; responderam com facilidade questões referentes aos elementos
constitutivos do gênero, mas, em contrapartida, continuaram apresentando
dificuldade ao construir sentidos para a parte do texto que compreende a linguagem
não-verbal, e tecer relações com a linguagem verbal. Houve um progresso
significativo nas questões de análise linguística.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nossas considerações finais são tanto de ordem teórica quanto prática. No
tocante à teoria, podemos dizer que na medida em que as DCE (PARANÁ, 2008)
colocam como objetivo para o ensino de LEM na escola pública que o aluno analise
e questione os discursos dos textos que lhe são viabilizados, a fim de que possa
construir seu próprio discurso e se tornar, dessa forma, um cidadão crítico e
autônomo, capaz de “refratar” (BAKHTIN, 2004) a realidade e transformá-la por meio
da linguagem; a ACD também acredita que ao instrumentalizar o sujeito para que
possa desnaturalizar discursos e ideologias que sirvam de suporte a estruturas de
poder, estará contribuindo para a transformação social (FAIRCLOUGH, 1992).
Dessa forma, acreditamos ser possível estabelecer um diálogo entre os
pressupostos teórico-metodológicos apresentados nas DCE (PARANÁ, 2008) e os
fundamentos teórico-filosóficos da ACD. Podemos dizer mais, que a LSF pode servir
como modelo de análise textual para a produção de material didático desenvolvido
nessa perspectiva teórica, uma vez que ela se ocupa de estudar como a língua atua
no contexto social e como é influenciada por ele, ou seja, como texto e contexto se
relacionam.
Em relação à prática, o presente estudo pode ser analisado em dois
momentos: no processo de produção do material didático (UD) e na sua aplicação
em sala de aula (relatada no diário de notas de campo). Primeiramente podemos
dizer que produzir material didático teoricamente embasado deveria ser uma das
atribuições do professor, todavia sabemos que no dia-a-dia da escola é uma prática
difícil, considerando sua carga horária, o número reduzido de horas-atividades e
todas as mazelas que rondam a escola pública, o que torna este momento de
estudos no PDE um momento especial. É muito prazeroso quando temos
consciência do trabalho que estamos desenvolvendo, e do seu papel político, e
conseguimos estabelecer objetivos que efetivamente orientem nossa prática
pedagógica. É certo que a produção exigiu desta pesquisadora muita leitura,
pesquisa e reflexão para tornar toda a teoria estudada em práxis, mas acreditamos
que é possível sim produzir nosso próprio material atentando para os pressupostos
teóricos que nos propomos a seguir. Em relação à implementação da UD,
observamos que nossos alunos têm uma formação leitora um tanto quanto
tradicional, apresentando muita dificuldade para ler nas entrelinhas do texto,
construir sentido para as imagens (linguagem não-verbal) e analisar as escolhas
feitas pelo autor e suas implicações para o discurso. Na medida em que a
implementação foi avançando conseguimos quebrar alguns paradigmas que eles
tinham em relação ao conceito de texto e língua, bem como ampliar seus olhares
sobre o texto. Todavia, acreditamos que há muito ainda a ser feito nesse sentido; o
importante é que, assim como os alunos, possamos utilizar esta experiência para
ampliar nosso olhar, sobretudo para a prática pedagógica, de modo que as aulas de
LI se tornem um espaço de reflexão sobre o uso da língua e suas implicações em
relações de poder.
REFERÊNCIAS
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