Os Contos de Fada No Processo

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    OS CONTOS DE FADA NO PROCESSO

    DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

    Joana Raquel Paraguass Junqueira Villela(UNINCOR)

    INTRODUOPodem-se perguntar as razes pelas quais a psicologia junguiana se interessa por mitos econtos de fada. O Dr. Jung, disse certa vez, que nos contos de fada onde melhor se podeestudar a anatomia comparada da psique. Nos mitos, lendas ou qualquer outro materialmitolgico mais elaborado obtm-se as estruturas bsicas da psique humana atravs dagrande quantidade de material cultural. Mas nos contos de fada, existe um materialconsciente culturalmente muito menos especfico e, conseqentemente, eles oferecem umaimagem mais clara das estruturas psquicas (FRANZ, 1990: 25).

    Divididos entre o bem e o mal, representados por prncipes, fadas e tambm por monstros, lobos e bruxasapavorantes, os contos de fadas encantam as crianas e os adultos desde a sua criao, que data da pocamedieval. Mas a sua funo no pra a, pois alm do entretenimento, transmitem ainda valores e costumes eajudam a elaborar a prpria vida atravs de situaes conflitantes e fantsticas. Mitos e contos de fadasexpressam processos inconscientes. A narrao dos contos revitaliza esses processos e restabelece a simbioseentre consciente e inconsciente - j havia dito Carl Gustav Jung, famoso psicanalista e discpulo de Freud(apudCEZARETTI, 1989: 24).Segundo Bettelheim, (apudCEZARETTI, 1989: 24), que analisa as histrias mais conhecidas, todos osproblemas e ansiedades infantis, como a necessidade do amor, do medo e do desamparo, da rejeio e damorte, so colocados nos contos em lugares fora do tempo e do espao, mas muito reais para crianas. Asoluo geralmente encontrada na histria e quase sempre leva a um final feliz, indica a forma de se construirum relacionamento satisfatrio com as pessoas ao redor. Mas evidentemente, para se chegar ao final nem tudo so flores. Os contos esto repletos de problemas comoa presena do bem e do mal, e partindo desse ponto pretendemos desenvolver uma reflexo sobre a fantasia esuas imagens simblicas nos contos de fada como recursos fundamentais no desenvolvimento humano, o queconstituem o contedo do presente trabalho.

    DESENVOLVIMENTOA origem dos contos de fadas, segundo Marie Louise Von Franz ( apudGIGLIO, 1991: 3), parece residir em umapotencialidade humana arquetpica (alis, no somente os contos de fada, como todas as fantasias).Antigamente os pastores, lenhadores e caadores, passavam bom tempo de suas vidas sozinhos nas florestas,campos e montanhas. Acontecia que repentinamente eram assaltados por uma viso interior muito forte, que

    os alvoroava por inteiro. Corriam ento de volta a suas aldeias e relatavam o que lhes tinha acontecido atodos que o quisessem ouvir. Daquela viso inicial, iam -se formando lendas, e mais tarde contosmaravilhosos. O pensamento mtico, no caso dessas vises espontneas, compreendido como umpensamento essencialmente pr-lgico, elementar e arquetpico. Os arquetpicos por definio, so fatores emotivos que ordenam os elementos psquicos em imagens, de modo tpico. Como afirma Jung (apudGIGLIO, 1991: 15), os contos de fada constituram atravs dos sculos instrumentospara a expresso do pensamento mtico, perpetuando-se no tempo por desempenharem uma funo psquicaimportante relacionada ao processo da individuao: atravs deles toma-se conscincia e vivencia-searqutipos do inconsciente coletivo. Esses arqutipos, por sua vez, ao serem trazidos consc incia edramaticamente vivenciados permitem a Psique cumprir as etapas de integrao progressiva dodesenvolvimento da persona, conscientizao da sombra, confrontao com a anima / animus e outrosarqutipos, e finalmente atingir um estado onde a comunicao Ego-Self seja fluente e criativa (apudTHOMPSON, 1969: 152). Ainda a partir de uma perspectiva junguiana, ( apudTHOMPSON, 1969: 152) existeum lado masculino e um lado feminino em cada um de ns. Se o masculino dominante, o feminino recalcado. O indivduo bem conformado necessita desenvolver ambos os aspectos. Tambm existem quatrocaractersticas principais em cada um de ns: pensamento, sentimento, sensao e intuio. Constituem pares

    de oponentes. Nos homens o pensamento e a sensao constituem, habitualmente, caractersticas conscientes,ao passo que o sentimento e a intuio encontram-se recalcados. Nas mulheres, sentimentos e intuio sopredominantes. O lado feminino recalcado do homem denominado anima, o lado masculino da mulher o seuanimus.Em Franz (apudGIGLIO, 1991: 6), os contos de fada numa viso junguiana so uma representao simblicade problemas gerais humanos e suas solues possveis, ou seja, as representaes da fantasia so toprimrias e originais como os prprios desejos e instintos. Nos contedos dos contos de fada possvel veruma projeo dos estgios originais e arquetpicos do desenvolvimento da conscincia humana. Nos smbolosdo inconsciente, nos sonhos e fantasias, encontram-se os mesmos princpios da expresso dos mitos e contosde fada, o que, representa um recurso fundamental no processo do desenvolvimento humano.

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    Conforme Arajo (1980: 39), para Jung certas lendas, mitos e smbolos tm origem na infncia da humanidadeem que faltando recursos intelectuais, o homem apresentava uma disposio natural para aceitar osobrenatural. Seria assim uma necessidade psicolgica de buscar solues mgicas e de criar seres fantsticospara superar uma realidade que lhe impunha limitaes. O inconsciente coletivo, guarda ria assim, umanecessidade de retorno as origens do homem revivendo experincias anteriores da humanidade. luz da psicanlise, os contos de fadas revelam os conflitos de cada um e a forma de super -los e recuperar aharmonia existencial. Assim a to famosa dicotomia entre o bem e o mal, presta-se numa terapia, a umaanlise mais contundente da personalidade, na qual se permite trabalhar com sentimentos inconscientes que

    revelam a verdadeira personalidade (CEZARETTI, 1989: 26).Diz Bettelheim (1980: 16):

    Para dominar os problemas psicolgicos do crescimento - separar decepes narcisistas,dilemas edpicos, rivalidades fraternas, ser capaz de abandonar dependncias infantis; obterum sentimento de individualidade e de autovalorizao, e um sentido de obrig ao moral - acriana necessita entender o que se est passando dentro de seu eu inconsciente. Ela podeatingir essa compreenso, e com isto a habilidade de lidar com as coisas, no atravs dacompreenso racional da natureza e contedo de seu inconsciente, mas familiarizando-secom ele atravs de devaneios prolongados - ruminando, reorganizando e fantasiando sobreelementos adequados da estria em resposta a presses inconscientes. Com isto, a crianaadequa o contedo inconsciente s fantasias conscientes, o que a capacita a lidar com estecontedo. aqui que os contos de fadas tm um valor inigualvel, conquanto oferecemnovas dimenses imaginao da criana que ela no poderia descobrir verdadeiramentepor si s. Ajuda mais importante: a forma e estrutura dos contos de fadas sugerem imagens criana com as quais ela pode estruturar seus devaneios e com eles dar melhor direo sua vida.

    A psicloga e psicoterapeuta Sophia Rozzana Caracushansky, doutora em Psicologia pela USP (apudCEZARETTI, 1989: 26), afirma que os contos de fadas, usados em terapia, fornecem o estilo e a personalidade.Sua utilidade deu-se primeiramente, pelo criador da Psicanlise, Sigmund Freud, que, a ttulo de estudo,analisou a vida de personalidades como Leonardo da Vinci atravs do confronto com mitos.

    A psicanlise freudiana prope que, numa anlise, confronta-se o aqui e agora do pacientecom sua histria passada luz dos contos de fadas. Tal sistemtica permite que se reviva aprimeira impresso, aquela que causou o trauma, a base do conflito (edipiano) queassemelha-se sempre a um conflito existente em um conto de fadas. A partir da localizaodo problema, o paciente pode ser tratado adequadamente - explica Sophia Caracushansky(apudCEZARETTI, 1989: 26).

    J dentro do enfoque oferecido pelo psicanalista Carl Gustav Jung ( apudCEZARETTI, 1989: 26), a anliseteraputica tem por base os sonhos que fornecem uma indicao precisa da problemtica. Analisando os

    sonhos o terapeuta consegue precisar ou localizar o conflito do paciente, ou o conto de fadas que estvivendo, orientando-o para enfrentar os obstculos sua realizao. Para a Dra. Sophia, (apudCEZARETTI, 1989: 26) a anlise junguiana propicia ao analisando uma viso maislcida sobre os bloqueios que impedem sua felicidade, muitas vezes resultantes de um parto difcil, umarejeio do sexo da criana no nascimento e outros. Alm disso, desmascara no indivduo a persona, afachada social, destinada a agradar e coloca em relevo o eu interior, levando em conta sempre a problemticaindividual e o momento de vida da pessoa

    CONCLUSOA anlise de dados obtidos e as reflexes que ela nos levou, remeteu-nos concluso que o lidar com afantasia nos contos de fadas, um recurso fundamental no processo do desenvolvimento humano porquefavorece a comunicao via imagens simblicas com as dimenses mais profundas da Psiqu. Atravs doscontos de fadas adentramos magicamente a penumbra misteriosa do nosso inconsciente, condio bsica parase conhecer o significado profundo de nossa vida. Finalmente, cabe apontar que este estudo permite constatar que a fora criadora e a sabedoria profundapresentes nos contos de fadas e seu contedo arquetpico, pode ajudar os homens a encontrar o caminho paraa realizao de seus poderes criativos latentes.

    REFERNCIA BIBLIOGRFICAARAJO, Henry Ribeiro Correa. Especificidades da Literatura Infantil. Belo Horizonte: Centro de EducaoPermanente Prof. Luiz de Bessa / Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1980.

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    BETTELHEIM, Bruno. A Psicanlise nos contos de fadas. Trad. Arlene Caetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1980.CEZARETTI, Maria Elisa. Nem s de fantasias vivem os contos de fadas. Famlia Crist.So Paulo, p. 24-26,maio 1989.FRANZ, Marie-Louise Von. A Interpretao dos Contos de Fada. 3 ed. Trad. Maria Elci Spaccaquerque Barbosa.So Paulo: Paulus, 1990. ------. A Sombra e o Mal nos Contos de Fadas.So Paulo: Paulinas, 1985.GIGLIO, Zula Garcia (org). Contos Maravilhosos: Expresso do Desenvolvimento Humano. Campinas:NEP/UNICAMP, 1991.THOMPSON, Clara. Evoluo da Psicanlise. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.