Os Almotacés de Lisboa (Século XVIII)
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Departamento de Sociologia
Os Almotacs de Lisboa (sculo XVIII)
Paulo Jorge da Costa Pereira Ferreira
Dissertao submetida como requisito parcial para obteno do grau de
Mestre em Histria Moderna e Contempornea,
especialidade Poltica, Cultura e Cidadania
Orientador:
Doutor Nuno Gonalo Monteiro, Professor associado convidado com agregao,
ISCTE Instituto Universitrio de Lisboa
Outubro, 2012
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i
AGRADECIMENTOS
Quero manifestar o meu agradecimento a todos os que me auxiliaram, contribuindo para esta
realizao. Em primeiro lugar ao meu mano, Lus Miguel Ferreira, pelo inexcedvel apoio. minha
colega Margarida Portela, por uma preciosa dica bibliogrfica online. Filomena Arajo, pela recolha
de informao na biblioteca do Instituto de Cincias Sociais. minha universidade, o ISCTE, pelo
timo ambiente de trabalho. Aos meus professores do Mestrado em Histria Moderna e
Contempornea, pela sua atitude sempre prxima e disponvel. Aos funcionrios do Arquivo
Municipal de Lisboa e do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, pelo zelo e simpatia no cumprimento
das suas funes. Aos moradores do labirntico bairro de Alfama que, nas passadas festas do Santo
Antnio, me ajudaram a encontrar o acanhado Beco do Almotac. Uma palavra especial de gratido ao
meu orientador, Prof. Doutor Nuno Gonalo Monteiro, pela confiana que sempre me transmitiu.
Finalmente, gostaria de dedicar este trabalho cidade de Lisboa, onde nasci.
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ii
RESUMO
Os Almotacs de Lisboa (sculo XVIII)
Aps estabelecer uma contextualizao histrica a partir de referncias ao edil curul do Imprio
Romano, aos muthasib islmicos e s Ordenaes do Reino, a presente dissertao estabelece o
enquadramento do cargo de almotac em Lisboa durante o sculo XVIII, no que se refere s suas
competncias, modos de acesso, prazo dos mandatos e renovao, alm das condies remuneratrias.
comum dizer-se que as pessoas fazem os cargos muito mais do que os cargos fazem as pessoas.
Mediante o levantamento dos nomes dos seiscentos e cinquenta almotacs da Lisboa setecentista
pretende-se identificar, personalizadamente, cada um desses protagonistas da histria municipal
lisbonense. Aps uma incurso pela teoria dos ofcios, procede-se caracterizao do cargo sob a
perspetiva da apetncia pelo mesmo - quem o requeria e quem dele se escusava - e procura
estabelecer-se a descrio de um perfil tpico do almotac setecentista visando determinar se o mesmo
corresponde a uma categoria social.
Ao traar-se o quadro evolutivo da atividade regulatria a partir do terramoto de 1755, dando
especial ateno s alteraes introduzidas em Lisboa pela administrao centralista de Sebastio Jos
de Carvalho e Melo, perspetivam-se as implicaes para o exerccio dos almotacs que decorreram da
transferncia de poderes e competncias da esfera municipal para a Junta do Comrcio e Intendncia
Geral da Polcia.
Por fim, enfoca-se a perda de estatuto do cargo e as consequentes mudanas no modo do seu
funcionamento, relacionando-as com os novos ventos de mudana que propiciavam a queda do antigo
regime.
Palavras-chave: Almotac, Ofcios, Lisboa, Regulao.
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iii
ABSTRACT
Lisbon Almotacs (18th
century)
After establishing an historical contextualization from references to the curule aedile of the Roman
Empire, the islamic muthasib and the Ordenaes do Reino (Ordinances of the Kingdom), the present
dissertation establishes the framework of the position of almotac in Lisbon during the 18th century, in
terms of its attributions, career access path, mandate duration and renewal, and remuneration.
It is a common thing to say that man makes the position more often than the position makes the
man. The compilation of the names of the six hundred and fifty almotacs of 18th century Lisbon
intends to identify each and every one of such protagonists of the municipal history of Lisbon. After a
review of the theory of crafts, a characterization of the office position is made in terms of its
attractiveness those who requested it, and those who avoided it and an attempt is made to establish
the typical profile of the 18th century almotac, aiming to determine if a correspondence exists with a
particular social category.
By depicting the evolutionary framework of the regulatory activity beginning with the 1755
earthquake, taking into special consideration the changes introduced in Lisbon by the centralist
administration of Sebastio Jos de Carvalho e Melo, a perspective is given on the implications for the
activity of the almotacs decurring from the transfer of powers and competences from the municipal
sphere to the Junta do Comrcio and Intendncia Geral da Polcia.
Lastly, the loss of social status that affected the office position and the consequent changes in its
way of functioning are brought into sharp focus, in connection with the winds of change that
propitiated the fall of the old regime.
Keywords: Almotac, Crafts, Lisbon, Regulation.
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iv
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v
ndice RESUMO ............................................................................................................................................ ii
SIGLAS ............................................................................................................................................. vii
I. INTRODUO........................................................................................................................... 1
II. CONTEXTUALIZAO HISTRICA ..................................................................................... 5
III. AS COMPETNCIAS .......................................................................................................... 11
1. O mercado ............................................................................................................................. 11
2. O construtivo ......................................................................................................................... 23
3. O sanitrio ............................................................................................................................. 24
4. Atos de publicitao e procisses .......................................................................................... 29
IV. O CARGO E O OFCIO: SUA NATUREZA ....................................................................... 31
1. O cargo (almotacs das execues da almotaaria)............................................................... 31
2. O ofcio (almotacs das execues da limpeza) .................................................................... 43
V. OFICIAIS DAS ALMOTAARIAS E OUTROS COLABORADORES ................................ 49
1. Escrives da almotaaria (das execues e da limpeza) ........................................................ 49
2. Zeladores da almotaaria ....................................................................................................... 53
3. Requerente da almotaaria .................................................................................................... 55
4. Meirinho da cidade ................................................................................................................ 56
5. Depositrio da almotaaria .................................................................................................... 56
6. Homens da vara da almotaaria (das execues e da limpeza) ............................................. 58
7. Administrador geral da almotaaria e novas licenas ........................................................... 59
8. Contratador das condenaes da almotaaria ........................................................................ 61
9. Contratador da limpeza ......................................................................................................... 65
VI. ALMOTACS DO TERMO ................................................................................................. 69
1. O termo .................................................................................................................................. 69
2. Periodicidade, durao e localizao das correies do termo .............................................. 70
3. Critrios de seleo e competncias ...................................................................................... 76
VII. PERFIL SOCIAL DOS ALMOTACS DE LISBOA .......................................................... 79
1. Nota prvia ............................................................................................................................ 79
2. Requisitos da eleio ............................................................................................................. 80
3. A certido de bons servios ................................................................................................... 83
4. A mobilidade social ............................................................................................................... 86
VIII. O DECLNIO ........................................................................................................................ 91
CONCLUSO .................................................................................................................................. 99
FONTES .......................................................................................................................................... 101
1. Fontes de arquivo ................................................................................................................ 101
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vi
2. Sites da Web ........................................................................................................................ 101
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................. 103
3. Estudos em livro .................................................................................................................. 103
4. Artigos em revistas ou coletneas ....................................................................................... 104
5. Teses de mestrado ou doutoramento ................................................................................... 105
6. Literatura ou memrias ....................................................................................................... 105
7. Coletneas de Legislao .................................................................................................... 105
ANEXO A ............................................................................................................................................ I
ANEXO B ......................................................................................................................................... III
ANEXO C ......................................................................................................................................... IX
ANEXO D ...................................................................................................................................... XIII
ANEXO E ..................................................................................................................................... XXV
ndice de Quadros
Quadro VII.1 - Nmero de almotacs das execues e da limpeza (sc. XVIII) .................................. 79
Quadro VII.2 - Origem geogrfica dos almotacs de Lisboa (sc. XVIII) ........................................... 80
Quadro VII.3 - Almotacs com grau acadmico ................................................................................... 80
Quadro VII.4 - Nmero de provises por almotac (das execues) .................................................... 83
Quadro VII.5 - Nmero de almotacs de Lisboa reconduzidos, por funo - Sculo XVIII ................ 84
ndice de Figuras
Figura VII.1 - Ttulos e referncias de nobreza dos almotacs de Lisboa (sc. XVIII) ........................ 82
Figura VII.2 - Ofcios dos almotacs de Lisboa no sc. XVIII ............................................................. 87
Figura VIII.1 - Mandatos na cidade e no termo (por dcadas) .............................................................. 96
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vii
SIGLAS
AML. AH Arquivo Municipal de Lisboa. Arquivo Histrico
ANTT Arquivo Nacional da Torre do Tombo
HOC Habilitaes para cavaleiro da Ordem de Cristo
FSO Familiares do Santo Ofcio
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viii
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1
"Quand on aime la vie,
on aime le pass, parce que c'est le prsent
tel qu'il a survcu dans la mmoire humaine".
Marguerite Yourcenar
I. INTRODUO
A ideia do tema para esta dissertao surgiu no ms de janeiro de 2011, com a entrega do trabalho
final para O Governo da Cidade Instituies e Poderes Locais, uma das unidades curriculares do
presente curso de mestrado, ministrada no ISCTE pelo Prof. Dr. Nuno Gonalo Monteiro. Intitulava-se
Os almotacs de Lisboa no sculo XVIII e partiu de um trabalho biogrfico que eu vinha escrevendo
por autoiniciativa, de modo que, chegado o momento de encetar o projeto de tese, alguma da pesquisa
j se achava realizada.
O perodo temporal considerado na presente dissertao situa-se algures entre dois marcos
institucionais: o Alvar rgio de 5 de abril de 1618,1 que define a qualidade das pessoas a serem eleitas
como almotacs (gente nobre, e dos melhores da terra), e o Decreto de Mouzinho da Silveira de 3 de
dezembro de 1832, que extinguiu o cargo. Uma vez que a esta periodizao se faria corresponder um
lapso de tempo excessivamente amplo (e ainda que se tomasse como ponto de partida o Regimento da
Cmara de Lisboa de 5 de setembro de 1671 que veio reformar o anterior Regimento de 30 de julho
de 1591), optei por contrair o intervalo, fazendo-o corresponder durao de apenas um sculo, o
XVIII, onde no pontua qualquer marco legislativo de rutura institucional para o ofcio de almotac,
sem prejuzo das intervenes casusticas que foram caracterizando o perodo da administrao
iluminista em Lisboa.
Para fazer o retrato completo do almotac setecentista importava conhec-lo a partir de ngulos
diversos, desde a natureza e finalidade das respetivas funes, ao estatuto do cargo que exercia,
passando pelo modo como se enquadrava no trabalho camarrio interagindo com os seus principais
colaboradores, at ir procura de saber quem foram em concreto os almotacs de Lisboa, que outras
ocupaes lhes pertenciam, qual o seu perfil social, procurando, se possvel, detetar uma linha de
evoluo do cargo ao longo do referido sculo.
1 Alvar de 5 de abril de 1618, em Silva, Jos Justino de Andrade e (1854) (comp. e anot.), Colleco
Chronologica da Legislao Portugueza - 1613-1619, Lisboa, pp. 279-280.
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2
As fontes utilizadas para esta investigao foram sobretudo provenientes do acervo do Arquivo
Histrico da Cmara Municipal de Lisboa, por consulta direta, mas tambm por via dos Elementos
Para a Histria do Municpio de Lisboa, que as colige em boa parte. No primeiro caso, para alm da
seleo de documentos digitalizados disponveis online, e da consulta in loco de outros manuscritos
sumariados no stio do Arquivo (nomeadamente, da Chancelaria Rgia de D. Pedro II, D. Joo V e D.
Jos) procedi ao levantamento de toda a documentao considerada til para o presente trabalho,
nomeadamente, os livros de Assentos, de cartas e de ordens do Senado e todos os livros de Consultas,
Decretos, Avisos e Cartas respeitantes aos anos do reinado de D. Maria I em setecentos - i.e., entre
1777 e 1800 inclusive. Para este perodo, o levantamento completo das fontes manuscritas tornou-se
necessrio uma vez que o final do ltimo tomo dos Elementos coincide com o comeo desse
reinado, enquanto para o perodo compreendido entre 1701 e 1777 foi valioso o recurso dita
compilao que, conforme refere o seu autor, no exaustiva:
(...) tentmos o trabalho de sumariar e agrupar, obedecendo a um determinado princpio, todos os
documentos importantes e curiosos que temos compulsado no precioso arquivo da cidade, e que at agora
andavam muito dispersos, facilitando assim o estudo para a histria do primeiro municpio do pas, e,
porventura, da legislao ptria. 2
A pesquisa realizada teve, pois, presente que os Elementos no contemplam toda a
documentao entre 1701 e 1777, mas somente a que foi selecionada por Eduardo Freire de Oliveira,
segundo o critrio enunciado. Tambm a quantidade de informao documental disponibilizada no
endereo http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/, embora seja crescente, est ainda longe de abarcar
todo o acervo do respetivo Arquivo Histrico de Lisboa. Da o recurso complementar a outras fontes
manuscritas originais, como os livros de Cartas, Informaes e Ordens do Senado.
Outra fonte, que serviu ao mesmo tempo de mote para o desenvolvimento da presente dissertao,
foi a obra do poeta Joo Dias Talaya Sotomaior, um almotac das execues que nos deixou trs
sonetos de expressiva relevncia para o conhecimento do tema. Ficaram de fora desta investigao
todos os volumes da Chancelaria da Cidade com exceo dos livros de Assentos do Senado, j
referidos -, que s pontualmente tero relevncia para o objeto em estudo.
comum dizer-se que as pessoas fazem os cargos muito mais do que os cargos fazem as pessoas.
Para a melhor caracterizao dos almotacs importava conhecer a apetncia pelo ofcio, quem o
requeria e quem dele se escusava, e procurar estabelecer a caracterizao de um perfil tpico do
2 Oliveira, Eduardo Freire de, Elementos para a Histria do Municpio de Lisboa (1885), Prefcio, tomo I,
Lisboa, p. 363.
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3
almotac setecentista, visando determinar se o mesmo corresponde a uma categoria social. Alm disso,
pretendi que este levantamento pudesse contribuir para o conhecimento sobre determinado segmento
da sociedade lisboeta de setecentos, evidenciando, em particular, a sua mobilidade social - ainda que
outros vectores dele possam emanar. Neste sentido, com o intuito de fazer o levantamento completo
dos nomes dos almotacs de Lisboa no sc. XVIII, foram detalhadamente vistos os livros dos Assentos
do Senado todos os referentes ao sculo XVIII -, onde constam os autos de juramento e posse dos
almotacs e, bem assim, os livros de Cartas e Ordens do Senado, a ttulo supletivo. Deste trabalho
resultou a lista dos almotacs de Lisboa, que se apresenta como anexo D. A mesma, uma vez
confrontada com outros documentos do acervo do Arquivo Nacional da Torre do Tombo que
completam o registo informativo, designadamente, as habilitaes para cavaleiro da Ordem de Cristo e
as habilitaes para familiar do Santo Ofcio, e tambm com determinadas relaes de nomes que se
acham em estudos j publicados - incluindo a lista dos vereadores e dos procuradores (da cidade e do
povo) e a lista de militares das ordenanas e milcias - permite apresentar concluses sobre as
caractersticas pessoais e sociais dos almotacs de Lisboa (idade, filiao, origem geogrfica, outros
ofcios exercidos, ttulos nobilirquicos ou outros) no perodo considerado. Para esta caracterizao,
foram ainda utilizadas cartas de mercs e tambm fontes secundrias, nomeadamente excertos de
antigas obras bibliogrficas hoje disponveis online, a partir de uma busca por cada um dos nomes dos
diversos almotacs. Para superar o problema da homonmia - porquanto o mesmo nome pode,
frequentemente, corresponder a pessoas diferentes - estabeleci alguns critrios para filtragem da
informao obtida, de modo que so estabelecidos trs nveis diferentes para o respetivo grau de
certeza sobre a correspondncia identitria: elevado, mdio e baixo. O primeiro teve em vista,
principalmente, os casos em que as habilitaes referem de forma explcita o passado dos requerentes
como almotacs. O segundo resulta de um grau de probabilidade razovel, decorrente da
complexidade dos nomes, associada plausibilidade das datas. O terceiro impe uma reserva que
decorre da simplicidade ou vulgaridade dos nomes em apreo.
Relativamente s fontes secundrias, a dissertao apoia-se em diversos estudos historiogrficos
sobre o municipalismo em Portugal, as reformas pombalinas da administrao e do comrcio e a
natureza dos ofcios municipais, que constituem o ncleo central do estado da arte relativo ao tema.
Para o efeito da sua recolha, a Biblioteca Nacional foi o local mais visitado, sem prejuzo da utilizao
das bibliotecas do ICS e do ISCTE. Tambm a internet dispe de importantes recursos acadmicos,
quer da historiografia nacional quer brasileira, designadamente artigos publicados em revistas
cientficas, a que no deixei de recorrer.
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4
Foi dada particular ateno legislao rgia que estabelece o enquadramento jurdico do cargo de
almotac e, bem assim, s consultas do Senado da Cmara ao rei, aos assentos da vereao e aos
avisos do mesmo Senado, que determinam o comportamento a adotar em casos particulares (para o
que utilizei coletneas diversas, por exemplo: os Elementos para a histria do Municpio de Lisboa, a
Colleco da Legislao Portugueza desde a ltima Compilao das Ordenaes, entre outras).
No que se refere ao modo de apresentao dos contedos, em benefcio da sua melhor
sistematizao o texto no segue um critrio cronolgico, exceto nos casos em que tal opo pareceu
necessria, e que so explicitamente apontados. No mesmo sentido, por razes de economia, optei por
empregar somente uma referncia documental para ilustrar cada facto ou inferncia, a menos que se
tornasse especialmente relevante a apresentao de outros exemplos.
Nas transcries dos excertos de manuscritos procedi atualizao da ortografia e da pontuao
quando isso se apresentou vantajoso para a melhor compreenso do texto, contanto que no afetasse o
contedo; utilizei parnteses retos para condensar as partes que em virtude da sua dificuldade ou
extenso no pudessem ser literalmente reproduzidas, ou quando se impusesse uma frmula
interpretativa.
Este texto segue o novo acordo ortogrfico.
Quanto s citaes bibliogrficas, s na primeira referncia elas so completas.
Por ltimo, o captulo sobre os ofcios da almotaaria foi escrito com base em material recolhido
nas pesquisas sobre os almotacs, somente. Um estudo mais desenvolvido merecer uma investigao
prpria sobre o tema.
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5
II. CONTEXTUALIZAO HISTRICA
Sendo uma instituio muito antiga a almotaaria fundava-se numa longa experincia, conformadora
da respetiva natureza. Para uma compreenso abrangente sobre a mesma torna-se, pois, necessria a
busca dos seus antecedentes histricos, perspetivando uma dinmica evolutiva.
A organizao das sociedades urbanas, ao estabelecer-se segundo determinado modelo tico
tutelado por uma autoridade, central ou local, procura conformar a teia de relaes em que indivduos
e coletivo disputam vantagens para si. O mercado, o construtivo e o sanitrio constituem as esferas de
atuao tradicionalmente sujeitas disciplina do municpio e correspondem ao campo de atuao da
almotaaria, antiga instituio ibrica a quem competia a regulao das trocas e da utilizao do
espao pblico. O protagonista desta interveno foi o almotac, oficial cujas caractersticas principais
remontam de forma direta ao al muthasib da ocupao muulmana que, por sua vez, as ter recebido
do edil curul do imprio romano, o magistrado que tinha por misso aprovisionar a urbe de cereais e
fixar os seus preos de venda, bem como regular o trfico urbano, zelar pelo abastecimento de gua,
superintender na conservao e limpeza das ruas, alm de organizar os jogos pblicos, assegurando o
seu financiamento.3 Agaranome era a designao para o seu homlogo bizantino.
Na cidade muulmana havia a Hisba, instituio urbana cuja jurisdio compreendia funes
anlogas: a verificao dos pesos e medidas, a superviso das relaes mercantis, a fiscalizao da
qualidade dos comestveis transacionados, a sindicncia dos ofcios e a regulao da limpeza. Tambm
inclua a disciplina das obras, garantindo a observncia das normas de construo e dirimindo os
eventuais conflitos de vizinhana. (al) Muthasib era o nome rabe para o titular da Hisba, da tendo
passado forma portuguesa almotacel ou, mais recentemente, almotac. As atribuies da Hisba
acompanhariam a almotaaria crist ao longo dos seus sete sculos de existncia.
Originariamente, os almotacs eram nomeados pelo rei, que destarte fazia chegar a sua influncia
junto das populaes, garantindo a centralizao do poder. Com a crescente autonomizao dos
concelhos esta prerrogativa viria a passar para os municpios. Em Lisboa, foi s no reinado de D.
Afonso IV que a almotaaria passou a ser uma jurisdio do Senado da Cmara, ficando os almotacs
integrados na estrutura municipal; mas o foral dado cidade por D. Afonso Henriques, em 1179, ainda
que mantendo a sua qualidade de funcionrios rgios, j previa que o concelho fizesse autonomamente
3 Finer, S. E. (1997), The History of Government From the Earliest Times, Volume I, Nova York, Oxford
University Press, pp. 403-404.
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6
a eleio destes oficiais - um privilgio que tambm pertencia s cidades de Santarm e Coimbra e que
em breve se generalizaria aos demais concelhos.4 Durante esse perodo medieval a Cmara elegia dois
almotacs grandes sendo um cidado e o outro cavaleiro, os quais, por sua vez, elegiam dois
almotacs pequenos, para mandatos de apenas um ms. Ainda entrada da poca moderna, pela
carta rgia de 24 de junho de 1491, D. Manuel I determinava que a Cmara de Lisboa continuasse a
eleger os almotacs como sempre fizera - pois em a cidade ser b limpa vay muyta parte da saude
della. 5
No sculo XV, as Ordenaes Afonsinas fariam reunir as anteriores disposies regimentais sobre
almotaaria, a mais antiga das quais consta de uma coleo de posturas e portarias do reino, datada dos
sculos XIII e XIV. Nesta fase, os oficiais ainda dirimiam os conflitos reportando-se tradio e ao
costume, algo que iria mudar com as Ordenaes Manuelinas (sculo XVI), quando a jurisdio dos
almotacs passou a ser exercida tendo por referncia os textos das posturas municipais. Apesar disso,
as suas competncias mantiveram-se intactas, no essencial, desde o perodo muulmano. E as
Ordenaes Filipinas no alterariam este cenrio, porquanto se limitaram a reproduzir o que j fora
estabelecido anteriormente.
Para a generalidade dos concelhos valia o processo de eleio dos almotacs estabelecido em 1595
pelas Ordenaes Filipinas (Livro 1 Tit. 67, 13), de acordo com a seguinte distribuio temporal: no
primeiro trimestre do ano o cargo era exercido pelos dois juzes do ano anterior no primeiro ms, os
dois vereadores mais antigos no segundo ms, e um vereador e o procurador no terceiro ms.
Distintamente, nos concelhos com quatro vereadores haveriam de servir no terceiro ms os outros dois
vereadores, i.e., os mais recentes, e no quarto ms serviria o procurador com outra pessoa eleita. Nos
restantes meses do ano seriam eleitos nove pares de homens bons do concelho. A capital do reino,
porm, viria a conhecer alguns desvios no procedimento para a eleio dos almotacs relativamente ao
quadro legal previsto nas ordenaes.
Pelo alvar de 7 de fevereiro de 1548 D. Joo III ordenou que passassem a ser eleitos pela Cmara
de Lisboa mais dois almotacs, num total de quatro; este procedimento sofreu uma alterao com a
governao filipina, quando a eleio dos almotacs passou a ser feita pelos vice-reis, sob proposta do
4 Pereira, Magnus Roberto de Mello (2001). Almuthasib Consideraes sobre o direito de almotaaria nas
cidades de Portugal e nas suas colnias, Universidade Federal do Paran, Revista Brasileira de Histria,
(Online), XXI (42), p. 373.
Disponvel em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v21n42/a06v2142.pdf
5 Carta rgia de 24 de junho de 1491, em Oliveira, Elementos, tomo I, Lisboa, p. 363.
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7
Senado (da Cmara).6 A prerrogativa da eleio dos almotacs acabaria, no entanto, por ser devolvida
edilidade, com a Restaurao, atravs da resoluo de D. Joo IV de 21 de julho de 1646.7
Na capital, o mandato dos almotacs das execues era de quatro meses, conforme se pode
verificar na consulta da Cmara a D. Joo IV, de 28 de maro de 1644.8 Atendendo ao crescimento da
populao de Lisboa, seu filho e sucessor D. Pedro II aumentaria o nmero de almotacs para oito, por
via do regimento da Cmara de 5 de setembro de 1671 (havendo considerao grandeza desta
cidade)9- um desenvolvimento que no iria vingar porquanto entrada do sculo XVIII os almotacs
empossados seriam apenas quatro (este nmero de referncia manteve-se ao longo de todo o perodo
setecentista e nem mesmo a diviso de Lisboa entre cidade ocidental e cidade oriental, ocorrida entre
1717 e 1740, iria pr em causa a sua prevalncia ao longo do sculo XVIII10
). Simultaneamente,
estabeleciam-se critrios de elevada seleo social para as pessoas a eleger (pessoas muito nobres
() ainda que tenham o foro de fidalgos); tais requisitos, alis, haviam sido consagrados j no
perodo filipino.11
No obstante a sua condio privilegiada, os indivduos que fossem eleitos para o
cargo de almotac das execues eram obrigados a exerc-lo efetivamente, determinao esta que era
acatada sem resistncia, porquanto o esquivar-se podia significar a priso.12
Ademais, a preferncia de
que os almotacs em exerccio gozavam no acesso aos ofcios da Cmara tornava o cargo apetecvel.
Reagindo ao descuido com a observncia dos critrios de nomeao, o mesmo D. Pedro II, por decreto
de 9 de janeiro de 1675, veio exigir ao Senado que lhe fornecesse informao acerca da qualidade das
pessoas a eleger, tendo em muitos casos passado a ser ele prprio, o monarca, a nomear diretamente os
6 AML. AH, Chancelaria Rgia, Livro X de Registo de Consultas de D. Maria I, 5-9-1800, Consulta sobre o
provimento dos almotacs, fls. 97. 7Ibidem.
8 Consulta da Cmara a el-rei em 23 de maro de 1645, em Oliveira, Elementos, tomo IV, p. 539.
9 Alvar de 5 de setembro de 1671, em Sousa, Jos Roberto Monteiro de Campos Coelho e (1783) (org.),
Systema, ou colleco dos regimentos reaes, Lisboa, pp. 140 e segs.
Disponvel em: http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=114&id_obra=74&pagina=165
10 Cfr.: AML. AH, Livro V de Assentos do Senado, 1717-1745 (Lisboa Ocidental) e Livro VI de Assentos do
Senado, 1729-1753.
V. tb.: Fernandes, Paulo Jorge Azevedo (1999), As Faces de Proteu. Elites Urbanas e o Poder Municipal em
Lisboa de finais do Sculo XVIII a 1851, Cmara Municipal de Lisboa, Lisboa, pp. 29-30.
11 Alvar de 5 de abril de 1618, em Colleco Chronologica da Legislao Portugueza - 1613-1619, de Jos
Justino de Andrade e Silva (1854) (comp. e anot.), Lisboa, pp. 279-280.
Disponvel em: http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt/verlivro.php?id_parte=95&id_obra=63&pagina=1028
12 Captulo da carta rgia de 21 de janeiro de 1606 e Consulta da Cmara a el-rei em 28 de maro de 1644,
tomo II, p. 154 e tomo IV, pp. 539-540, respetivamente, de Oliveira, Elementos, Lisboa.
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8
almotacs, ou a indicar as pessoas que o Senado deveria investir no cargo.13
Tal procedimento
correspondia, alis, singularidade do estatuto jurdico-administrativo do municpio de Lisboa, o
nico na monarquia portuguesa, cujos vereadores no eram eleitos.14
As maiores dimenses da corte, ao nvel territorial e demogrfico, suscitaram o aparecimento de
uma especialidade, o almotac da limpeza, que se replicou em outras cidades grandes do reino.
Segundo o historiador brasileiro Jaime Larry Benchimol, a resoluo do Senado da Cmara de
Salvador que instituiu a criao do dito ofcio nesta cidade colonial teve como fundamento aquela
mesma considerao: era muito conveniente que se fizessem almotacs da limpeza a exemplo das
cidades mais populosas de Portugal.15 Em 4 de julho de 1509 D. Manuel I nomeou Vasco do Couto,
criado da rainha D. Leonor, como almotac da limpeza da cidade de Lisboa, de modo a que houvesse
a dois desses oficiais, repondo o cargo que havia extinguido sete anos antes.16
Posteriormente esse
nmero foi aumentado, tendo passado de quatro para seis pelo alvar de 20 de novembro de 1577.17
As
suas principais funes, autonomizadas, consistiam em fiscalizar a limpeza das ruas e locais de venda,
acompanhar os bandos pblicos (que anunciavam os editais populao), assegurar a limpeza das
obras e a remoo dos lixos e entulhos. Neste sentido, podemos falar em almotaarias, no plural,
porquanto para l da almotaaria das execues propriamente dita, havia uma outra, pertencente ao
pelouro da limpeza.
13
AML. AH, Chancelaria Rgia, Livro X de Registo de Consultas de D. Maria I, 45-9-1800, Consulta sobre o
provimento dos almotacs, fls. 97. 14
Fernandes, Paulo Jorge (1996), A Organizao Municipal de Lisboa, em Histria dos Municpios e do
Poder Local: dos finais da Idade Mdia Unio Europeia, em Csar Oliveira et al (orgs.), Lisboa, Temas e
Debates , pp. 103-105.
15 Benchimol, Jaime Larry (1992), Pereira Passos: Um Haussmann tropical, Rio de Janeiro, Secretaria
Municipal de Cultura, apud Enes, Thiago (2010), De Como Administrar Cidades e Governar Imprios:
almotaaria portuguesa, os mineiros e o poder, (1745 1808), Dissertao de Mestrado em Histria Social
Moderna, Universidade Federal Fluminense, Niteri, p. 52. Disponvel em:
http://www.historia.uff.br/stricto/td/1294.pdf
16 AML. AH, Chancelaria da Cidade, Livro I de Provimento de Ofcios, 1509-07-04, doc. 122, fls. 130-130 v. e
AML. AH, Chancelaria Rgia, Livro I de D. Manuel, 1502-05-16, doc. 91, respetivamente.
17 Sousa, Joaquim Jos Caetano Pereira e, (1825), Almotac, Esboo de hum diccionario juridico, theoretico, e
practico, remissivo s leis compiladas e extravagantes, Tomo I, Lisboa, Typographia Rollandiana.
Disponvel em: http://books.google.pt/books?id=t2ZFAAAAcAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-
PT&source=gbs_atb#v=onepage&q&f=false
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9
Quer os almotacs das execues da limpeza, quer os almotacs das execues da almotaaria,
detinham o poder de julgar, nas casinhas da almotaaria, as acusaes e denncias que lhes eram
trazidas pelos oficiais da cidade. O peclio arrecadado nas multas aplicadas aos transgressores das
posturas constitua a renda da almotaaria - das execues, ou da limpeza - que muitas vezes era dada
de arrendamento a um particular mediante licitao.18
Tambm designados por juzes almotacs, os
almotacs das execues da almotaaria conheciam das causas at 600 ris que pertencessem ao foro
das suas atribuies, embora as sentenas que proferiam fossem suscetveis de recurso para o Senado
da Cmara. Esta tutela dos vereadores sobretudo os da almotaaria ou da limpeza, consoante fosse o
caso - acompanhava o mandato de um almotac desde a sua gnese, porquanto eram eles que o
elegiam e superintendiam na sua atividade por via da devassa anual que lhe tiravam (segundo a
definio de Eduardo Freire de Oliveira, Devassa era o ato jurdico pelo qual se inquiria do
comportamento de qualquer funcionrio, para saber se no desempenho do seu cargo ou ofcio
observara inteiramente os seus deveres, procedendo com honra, integridade e zelo.19). Esta ao
fiscalizadora abrangia tambm os almotacs da limpeza, de acordo com o alvar rgio de 9 de abril de
1575.20
Traado, por ora, um quadro caracterizador do ofcio de almotac nos seus contornos e
antecedentes fundamentais dar-se-, seguidamente, nota do papel regulador que esta magistratura
urbana desempenhou na vida econmica da cidade de Lisboa, tendo por referncia o sculo XVIII: o
ltimo a ser percorrido, aps sete sculos de vigncia, por uma instituio tpica que no iria
sobreviver queda do Antigo Regime.
18
Oliveira, Elementos, tomo I, pp. 126-127. 19
Oliveira, Elementos, tomo II, p. 64. 20
Oliveira, Elementos, tomo XI, nota 2, pp. 115-116.
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10
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11
III. AS COMPETNCIAS
1. O mercado
A ameaa da ocorrncia de crises de subsistncia constituiu, desde sempre, um agente indutor de
medidas de regulao, fosse por via de uma suposta preocupao com o bem-estar das populaes,
fosse pelo receio de alteraes na ordem pblica, nomeadamente em economias caracterizadas por
uma baixa produtividade agrcola. No Portugal de setecentos variadas causas contribuam para a
persistncia de um dfice cerealfero, relevando Jos Vicente Serro, especificadamente, as condies
edafo-climticas do territrio, pouco favorveis para a agricultura, as condies tcnicas e
socioeconmicas da produo, as ms condies de circulao e as barreiras legais a essa circulao.21
Ainda assim, no contexto da poca, Lisboa aparentava uma condio excecional, privilegiada, no que
se referia ao seu abastecimento, porquanto, ao invs de outras cidades do pas e da Europa, a corte
portuguesa no conheceu revoltas frumentrias de assinalar. Nuno Gonalo Monteiro encontra na
regulao dos mercados a explicao para esta singularidade:
(...) Com efeito, apesar de desde os sculos XIII/XIV o abastecimento de po depender, quase sempre,
da importao de cereais, do trigo em particular, e apesar dos recorrentes registos de escassez, e at anos
de fome, ainda no sculo XVIII, o facto de existir um sistema de importao de cereais e uma instituio
reguladora o Terreiro do Trigo parece ter contribudo para atenuar o impacto social das crises de
subsistncias. Claramente, por aquilo que se conhece, no emerge no cenrio urbano lisboeta uma cultura
de revolta ligada ao po barato to presente em outros cenrios europeus, como em Inglaterra, ou em
Frana, por exemplo, no processo que culminou na guerra das farinhas de 1775. 22
Dos seis pelouros da vereao - Sade, Limpeza, Obras, Carnes, Terreiro do Trigo e Almotaaria -,
este ltimo concorreu terminantemente para a eficcia dessa ao reguladora, atravs da influncia
direta que exerceu sobre o funcionamento do mercado, quer fosse para assegurar o suprimento da
cidade com os gneros de que necessitava, quer fosse no sentido de conter o aumento dos preos
resultante de eventuais movimentos especulativos; era assim que, prevenindo-o, o Senado da Cmara
determinava, aos almotacs das execues, no deixassem ir trigo algum para fora da cidade sem a
21
Serro, Jos Vicente (1994), O quadro econmico, Histria de Portugal, volume 4 (O Antigo Regime,
1620-1807), Lisboa, Editorial Estampa, pp. 81-82.
22 Monteiro, Nuno Gonalo (2011), Violncia urbana, mobilizao e domesticidade, em Jos Mattoso e Nuno
Gonalo Monteiro (orgs.), Histria da Vida Privada em Portugal, A Idade Moderna, Maia, Crculo de
Leitores e Temas e Debates, p. 413.
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12
licena deste tribunal.23
Tambm por altura dos meados do sculo XVIII, em Londres, a coberto de
uma tradio de mercado que via nos aambarcadores de cereais inimigos de Deus e dos homens, o
lbi urbano exercia presses no sentido de serem abolidos os incentivos s exportaes e, bem assim,
impelia suspenso destas em pocas de escassez.24
Uma das circunstncias em que os almotacs de Lisboa habitualmente intervinham com o propsito
de conter a travessia de gneros (i.e., o aambarcamento e a monopolizao) era a chegada do
carvo ao cais da Ribeira. As posturas mandavam que o profcuo mineral fosse descarregado dos
barcos apenas no dito cais e nunca durante a noite, evitando-se assim o seu descaminho para as mos
dos especuladores e o inerente prejuzo para o abastecimento da cidade. Tambm nesse sentido era
proibida a estiva feita com animais de carga que no fossem os pertencentes aos mercadores
responsveis pela importao em causa. Toda a operao era fiscalizada pelo almotac, atravs de
bilhetes e despachos de remessa: chegada da mercadoria o transportador entregava ao almotac uma
declarao jurada pelo destinatrio, que ficava na posse do escrivo da casinha da almotaaria; uma
vez completo o transbordo, o encaminhamento para o dito destinatrio era atestado por juramento
prestado pelos capatazes das companhias de descarga. Competia ao escrivo dar-lhe assento em livro
prprio.25
O cais da Ribeira era igualmente o cenrio onde o almotac cobrava os impostos devidos por
ocasio do desembarque das mercadorias,
Ao almotac das execues da almotaaria que assiste na casinha da Ribeira avisei da ordem do Senado
para que ele e todos os mais que lhe sucederem ponham todo o cuidado na cobrana do novo imposto dos
vinhos que entram pelo mar, dando todas as clarezas aos oficiais como Vossa merc aponta no seu aviso,
o que lhe participo para que lhe seja presente. Deus guarde a Vossa merc; do Senado Ocidental, vinte e
trs de dezembro de 1739; M R. Palhares; Senhor Roberto Freire de Andrade 26
Esta particularidade no permite apontar o almotac como um cobrador de impostos qua tale, pois
eram de outro tipo as funes que melhor servem para caracterizar o cargo - mas reforam-lhe a
versatilidade. Portanto, o grosso das receitas por si arrecadadas para o errio pblico provinha, em
geral, das multas que cobrava aos infratores das normas municipais. Para assegurar o cumprimento
23
AML. AH, Livro V de Registo de Cartas e Ordens do Senado Oriental, 28/11/1733, fls. 139.
24 Thompson, E. P. (2008), A economia moral da multido na Inglaterra do sculo XVIII, Lisboa, Antgona, p.
52.
25 Decreto de 17 de julho de 1753, em Oliveira, Elementos, tomo XV, p. 441.
26 AML. AH, Livro III de Registo de Cartas - Senado Ocidental, 23/12/1739, fls. 59.
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dessas posturas, os almotacs saam diariamente em correio pelas ruas da cidade e subrbios
(fazendo-se excecionalmente acompanhar pelo zelador e pelo meirinho27
) levando a incumbncia de
visitar todas as lojas, bem como as oficinas dos trabalhadores mecnicos (i.e., os artfices), a quem
deviam solicitar a exibio das licenas camarrias que no caso fossem exigveis, e proceder
inspeo dos pesos e medidas.28
Tais correies iniciavam-se pelas seis horas da manh no horrio de
vero (de 1 de abril a 30 de setembro) e a partir das sete da manh no de inverno (de 1 de outubro a 31
de maro), durando at o meio-dia. A parte da tarde era destinada s audincias para julgar as
infraes detetadas durante a manh e realizavam-se no perodo que ia das duas da tarde at noite.29
O giro dos almotacs era distribudo semanalmente a cada um dos quatro em funes, comeando um
a sua semana na casinha da Ribeira (junto Feira da Ladra), outro na correio da cidade (que inclua
a correio do mar30
), outro na casinha do Rossio (junto Praa da Figueira) e, finalmente, o quarto
nos Aougues.31
E rodavam entre eles:
(...) o almotac que acabar a sua semana de correio ficar obrigado a comunicar ao da seguinte, at
onde findou a sua correio, para o outro saber aonde h-de principiar a sua: E da mesma sorte os mais
que se forem seguindo, at findarem o crculo da cidade, vindo assim a ser sempre visitada pelas
correies; por ser presente no mesmo tribunal haverem muitas partes aonde nunca chegaram e se
acharem muitas pessoas usando de ocupaes e tratos sem sua licena; o que V. M.c
far presente ao seu
almotac [etc.] Deus Guarde a V. M.c
, Lx 23 de nov. 1765; Pedro Correia Manuel de Aboim, [ao] Sr.
Manuel Nunes Colares [escrivo da casa real] 32
Ao longo de todo o sculo XVIII os almotacs no somente aplicaram multas como tambm
exerceram o poder, que detinham, de prender os transgressores para impor a ordem. Nomeadamente, a
5 de outubro de 1712, o Senado cominava com o encarceramento os mercadores que desobedecessem
s posturas: (...) a todos os mercadores que forem contra as posturas os mandem logo meter na cadeia
condenando-os na forma que elas declaram. 33 Estas penas privativas da liberdade conheciam efetiva
aplicao, conforme se verifica em informao do almotac Joo lvares Vieira, prestando
27
AML. AH, Livro IV de Registo das Cartas - Senado Oriental, 23/03/1715, fls. 15.
28 Decreto de 3 de Novembro de 1742, em Oliveira, Elementos, tomo XIV, p. 121, Lisboa.
29 Consulta da Cmara a el-rei em 2 de dezembro de 1719, de Oliveira, Elementos, tomo XI, p. 373 e AML.
AH, Livro II de Registo de Cartas e Ordens do Senado Oriental, 28/06/1702, fls. 25.
30 AML. AH, Livro II de Registo das Ordens do Senado Ocidental, 15/05/1726, fls. 5 v.
31 AML. AH, Livro XVI de Cartas, 18/01/1748, fls. 90.
32 AML. AH, Livro XII de Registo de Cartas - Senado Ocidental, 23/11/1765, fls. 50 v.
33 AML. AH, Livro III de Registo de Cartas e Ordens do Senado Oriental, 5/10/1712, fls. 115 v.
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esclarecimentos, ao vereador do pelouro, acerca da condenao que impusera a um comerciante
estrangeiro por venda de trigo sem licena do Senado; conclua assim:
() em cujos termos, a requerimento do denunciante, requerente da cidade e zelador, o condenei nas
penas da postura estabelecida para este caso, que so vinte mil ris, perdimento do trigo, e trinta dias de
cadeia, para onde logo o mandei. () Este foi o meu procedimento, e o meu parecer. V. S.ia mandar o
que for servido. Lisboa Ocidental, 26 de junho de 1730.34
A ameaa de priso podia tambm constituir um meio de prevenir a desobedincia s ordens que os
almotacs davam no terreno; por exemplo, em carta de 12 de outubro de 1782, o almotac Jos de
Melo Quaresma Cirne recebia instrues para ir verificar uma situao de carvo oculto para
aambarcamento, que deveria mandar pr no local de venda apropriado, garantindo o seu acesso ao
povo e ficando o transporte custa do transgressor - com ordem de mandar prender quem se opusesse
a esta determinao. Este poder de decretar a priso conhecia, porm, um limite, conforme
estabelecido no texto do aviso de 15 de agosto de 1788: os "Almotacs no podem prender pessoas
privilegiadas, seno em flagrante delicto"; no obstante, daqui resultava a contrario sensu que os
almotacs podiam mandar prender essas pessoas, uma vez surpreendidas a transgredir.35
Alm disso, conforme se l em carta escrita pelo almotac das execues Incio Jos de
Figueiredo, no ano de 1746 dando informao, ao Senado, sobre a condenao que fez por certo
tendeiro haver excedido os preos tabelados - as penas aplicadas pelos almotacs poderiam incluir os
castigos corporais:
(...) me vi obrigado a cingir-me com a lei, e a condenar o suplicante em quatro mil reis e aoites pelas
ruas pblicas, como manda a postura e alvar rgio: como semelhantes penas no se aplicam aos que
andam soltos sem se recolherem a priso () mandei parte da publicada a Vossa Merc fosse o
suplicante recolhido a priso para ouvir da cadeia. 36
Ora, pelo ano de 1774 no s os castigos corporais pareciam estar arredados em matria de
almotaaria como tambm a priso deixava de ser permitida para coagir ao pagamento das multas
34
AML. AH, Livro IV de Cartas e Informaes, 26/06/1730, fls. 50.
35 Aviso de 15 de agosto de 1788 em Toms, Manuel Fernandes (1815), Repertrio geral ou ndice alphabetico
das leis extravagantes do reino de Portugal, vol. 1, Imprensa Real da Universidade de Coimbra, p. 45.
Disponvel em:
books.google.pt/books/about/Repertorio_geral_ou_indice_alphabetico_d.html?id=l11FAAAAcAAJ&redir_e
sc=y
36 AML. AH, Livro XIX de Cartas, 18/08/1746, fls. 27 a 29.
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(embora se mantivesse a ttulo de pena), de acordo com a recente legislao pombalina que veio
extinguir a priso por dvidas:37
Que pelas multas e condenaes pecunirias que eles [almotacs] impem pela transgresso das
posturas, no procedam a priso contra os sujeitos que condenarem, porque essa execuo a pessoas est
extinta pela dita lei, (...) que unicamente possam mandar prender os transgressores das posturas quando
nestas se ordenar a mesma priso como pena ou como parte da pena, e que no sejam os rus detidos na
priso pela pena pecuniria, (...) ficando as sentenas com a execuo para se haver a pecuniria pelos
bens dos devedores, assim presentes como futuros; porque o assento [de 18 de agosto] declarou que com
a sua imposio estava a justia satisfeita, e ficava a pena reduzida a dvida que s podia ser paga pelos
bens e no pela pessoa dos devedores, (...) 38
Na sua funo de sindicar o comrcio pertencia ainda aos almotacs fazer cumprir o tabelamento
de preos periodicamente fixados pela Cmara, segundo um regime de planeamento central do
mercado que se fazia sustentar em uma convico moral radicada na tradio. O primado da
necessidade de provimento do povo de Lisboa a sobrelevar aos interesses negociais de alguns
apresentava-se como valor consensualmente aceite na prtica administrativa. Achamo-lo refletido,
nomeadamente, nas satisfaes que o Senado da Cmara entendia dever exigir aos seus almotacs, a
fim de poder vigiar as respetivas decises; por exemplo, na ordem de 26 de agosto de 1720, que lhes
determinou que viessem indicar a razo porque no obrigaram por termo aos arrais dos barcos que
traziam a palha para particulares que trouxessem outro barco com a dita palha para a fornecer tambm
ao povo.39
Assim, enquanto em Londres e noutros pontos da Europa a economia moral dos pobres marcava a
sua dominncia pela via proto democrtica dos motins e da taxation populaire, em Lisboa a
almotaaria afirmava-se como pea fundamental de uma cultura poltica em que os governantes se
incumbiam de proteger os mais fracos propondo-se, atravs do tabelamento dos preos, assegurar o
abastecimento da cidade e prevenir carestias, porquanto estas podiam significar a fome.40
37 Marcos, Rui Manuel de Figueiredo (2006), A Legislao Pombalina - Alguns Aspectos Fundamentais,
Coimbra, Almedina, pp. 140-143.
38 Despacho do Senado de 3 de outubro de 1774, em Oliveira, Elementos, tomo XVII, pp. 449-463.
39 AML. AH, Livro I de Taxas e Ordens do Senado, 26/08/1720, fls. 167.
40 Thompson, A Economia Moral da Multido, pp. 77-78. Sobre as formas e objetivos da regulamentao da
atividade econmica desde a poca medieval, cfr. Hespanha, Antnio Manuel (1982), Histria das
instituies: pocas medieval e moderna, Coimbra, Almedina, pp. 192-195.
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Ouvi o mandado dos vereadores, procuradores destas cidades de Lisboa Ocidental e Oriental, e
procuradores dos mesteres delas, que toda a pessoa, da publicao deste em diante, no vender cada
melo dos maiores por maior preo que o de trinta ris e cada melo dos meiais [dos mdios] por quinze
ris sob pena de incorrer nas penas de priso, de dinheiro e aoites que dispem as provises de S. Mag.de
e posturas das cidades contra os transgressores das taxas. E os almotacs das execues da almotaaria o
faro logo publicar nas partes pblicas e costumadas para que chegue notcia de todos e no possam
alegar ignorncia, e o faro registar nos livros da almotaaria, de que remetero certido aos Senados nas
costas deste. Lisboa Ocidental, 6 de agosto de 1723. Manuel Rebelo de Palhares 41
Fundamental instrumento da regulao, o tabelamento era praticado para a generalidade dos bens
comerciveis, em termos de preos mximo, mdio e mnimo, segundo diferentes gamas de qualidade.
Ao invs, no caso dos vinhos, o preo estabelecido era uniforme, o que conduzia perda de qualidade
no fabrico e afastava o interesse dos vinicultores em refinar a sua produo, resultando em prejuzo
para a economia do reino; com efeito, era no vinho importado que os consumidores mais exigentes
acabavam por encontrar satisfao.42
A partir de 1759, todavia, os almotacs receberiam ordens para
deixar de instaurar procedimentos por motivo da segmentao de preos no vinho, em cumprimento de
uma determinao camarria que, abolindo o regime de preo nico, ia contra o privilgio da
Companhia da Agricultura das Vinhas do Alto Douro.43
No somente eram tabelados os preos dos gneros como, tambm, as remuneraes dos ofcios;
por exemplo, o aviso do Senado de 24 julho de 1733 sujeitava o almotac das execues da casinha da
Ribeira a fazer observar, quer as taxas de remunerao para os ofcios de pedreiro e carpinteiro (o
mximo de trezentos ris por dia, segundo o assento de 2 de setembro daquele ano), quer o
tabelamento dos preos dos materiais de construo (cal, tijolo, telha).44
Por essa altura, salvo casos excecionais,45
todo o aspirante a exercer um ofcio era sujeito ao exame
que o Senado lhe fazia atravs dos juzes do ofcio respetivo.46
Estes tinham igualmente a funo de
41
AML. AH, Livro III de Ordens, Taxas e Posturas da Cidade, 06/08/1723, fls. 21.
42 Consulta da Cmara a el-rei em 7 de abril de 1759, em Oliveira, Elementos, tomo XVI, p. 399.
43 Soares, Srgio Cunha (1985), Aspectos da poltica municipal pombalina: a Cmara de Viseu no reinado de D.
Jos, em Separata da Revista Portuguesa de Histria, 21, Coimbra: Fac. Letras - Inst. Histria Econmica e
Social, pp. 32-33.
44 Carta do escrivo da Cmara ao almotac da casinha da Ribeira, 30 de julho de 1733, em Oliveira,
Elementos, tomo XII, pp. 515 e 516. 45
Assim, por exemplo, os alugadores de seges, cfr. AML. AH, Livro VII de Registo de Ordens do Senado
Ocidental, 08/08/1753, fls. 84 v.
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fiscalizar a confeo dos produtos, cabendo ao almotac de servio aplicar as penas que tivessem lugar
por incumprimento de normas regimentais da corporao em causa:
"E os juzes [do ofcio de pasteleiro] tero [en]cargo de quinze em quinze dias visitar as tendas dos
oficiais do dito ofcio, e fazer correio com seu escrivo; e os pastis que acharem que no so feitos
como devem, os tomaro e levaro aos almotacs das execues para fazerem nisso o que for justia, e
darem o castigo oficial, conforme a culpa que lhe for achada;" 47
Para no se sujeitarem ao exame de ofcio, muitos oficiais mecnicos iam renovando junto do
Senado as suas licenas provisrias, de seis em seis meses, sob pena de multa e dias de cadeia.48
O
montante das coimas era aplicado em uma metade para as obras da cidade e a outra metade para as
despesas do mesmo ofcio ou bandeira.49
Alm do certificado de habilitao para a sua atividade, os artesos eram obrigados a exibir uma
outra licena que lhes permitia vender ao pblico os produtos de seu fabrico. No caso de a mesma
estar em falta, a diferena entre produzir para si e trabalhar para o povo poderia decidir que o ru
fosse absolvido na pertinente ao, conforme se verifica em uma carta de 2 de julho de 1733 que relata
certa audincia presidida pelo almotac da casinha do Rossio:
(...) Notificara o Escrivo do mesmo ofcio assim homens como mulheres para virem sua presena [do
almotac] mostrar cada um a licena que tinha dos Senados, ou a carta de examinao para usarem do
dito ofcio e que vindo com efeito, alguns absolvera, um por lhe mostrar licena dos Senados, e outro
contestando a ao com o fundamento de ser menos verdade trabalhar para o povo (). 50
Neste contexto, havia pessoas dispensadas de obter as licenas de comrcio por expressa
determinao rgia, e ofcios que delas estavam isentos por uso imemorial, nomeadamente:51
Os mercadores da rua Nova, rua dos Escudeiros, rua dos Douradores, Conceio e rua dos Mercadores,
que vendem fazendas de vara e cvado, e os das lojinhas de retrs e de botes da mesma rua Nova e
Pelourinho; Os lavradores que vm vender os seus frutos a estas cidades, e na mesma forma os que
46
Vd., por exemplo, a Consulta da Cmara a el-Rei em 9 de agosto de 1701, em Oliveira, Elementos, tomo
X, p. 84.
47 Consulta da Cmara a el-rei em 21 de junho de 1763, em Oliveira, Elementos, tomo XVI, p. 541.
48 Consulta da Cmara a el-rei em 5 de dezembro de 1718, em Oliveira, Elementos, tomo XI, pp. 294 e segs.
49 Ordem do Senado de 14 de dezembro de 1767, em Oliveira, Elementos, tomo XVII, pp. 196-198.
50 AML. AH, Livro I de Registo das Cartas - Senado Ocidental, 02/07/1733, fls. 106.
51 AML. AH, Livro X de Consultas, Decretos e Avisos de D. Jos I, Aviso sobre uma condenao feita pelo
almotac e oficiais do Senado, 1756/09/28 1756/10/05, fls. 13 a 14.
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venderem os criadores; Os fanqueiros da Fancaria; Os que vm vender a estas cidades loia da terra ou da
Panasqueira, Caldas, Aveiro, Estremoz e Alcanede; Os que vendem obras dos ofcios mecnicos, de que
vivam; [etc.] 52
Embora este ltimo caso - dos ofcios mecnicos - parea contradizer o que antes ficou dito sobre a
exigncia que sujeitava os artesos a serem portadores de uma licena para poderem vender os
produtos do seu fabrico, certo que o dito privilgio, de estarem isentos do contrato da almotaaria,
era pertena somente dos ofcios embandeirados, i.e., aqueles aos quais ele tivesse sido alguma vez
reconhecido.53
A fim de constiturem simultaneamente um instrumento de penalizao e uma fonte de receita para
o errio municipal o valor das coimas aplicadas pelos almotacs representava, geralmente, um
sacrifcio com bastante significado para a bolsa do homem mdio. Em 1741 um comerciante
surpreendido a trabalhar sem licena vlida era condenado na quantia de oito mil ris, ou seja, o
equivalente a, por exemplo, mais de metade do salrio auferido em Lisboa pelo cirurgio da sade.54
Contudo, os almotacs gozavam de alguma discricionariedade na determinao da medida da pena:
O suplicante Francisco de Sousa foi denunciado pelo zelador, e requerente das cidades, por se achar com
casa pblica de Taberna e Comestveis sem primeiro ter os papis correntes, nem ter pago ao Marco,
como devia, e sendo esta a verdade que o suplicante no nega; como Executor das posturas, e leis dos
Senados, achei que o devia condenar em oito mil ris, e o condenei s por quatro por me suplicar ser
pobre. () 55
A pobreza era, alis, uma circunstncia atenuante frequentemente considerada nas sentenas do
juzo da almotaaria; por exemplo, ao detetarem prticas ilegais no mbito da correio da pesca
fossem elas o desrespeito do perodo de defeso, ou o facto de as redes terem malha mais apertada do
que o permitido , os almotacs determinavam, e faziam aplicar, penas de alguma severidade,
nomeadamente, a apreenso dos barcos e das redes, a queima dos mesmos artefactos, a multa e o
crcere.56
Ora, em 1725, quando os pescadores de Frielas recorreram para o Senado pedindo que este
52
Carta do escrivo do Senado da Cmara ao almotac das execues da almotaaria Domingos Ferreira Sotto,
23 de julho de 1737, em Oliveira, Elementos, tomo XIII, pp. 271 e segs. 53
Consulta da Cmara a el-rei em 15 de setembro de 1756, em Oliveira, Elementos, tomo XVI, p. 270. 54
Alvar rgio [de Regimento dos Ordenados do Senado da Cmara de Lisboa] com fora de lei de 23 de
maro de 1754, em Oliveira, Elementos, tomo XV, p. 509. 55
AML. AH, Livro XVII de cartas 1741, 25/04/1741, fls. 73.
56 Sobre o enquadramento da atividade piscatria neste perodo vd. Ventura, Antnio Gonalves (2007), A
Banda DAlm e a Cidade de Lisboa durante o Antigo Regime: uma Perspetiva de Histria Econmica
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obstasse aplicao das referidas sanes, o mesmo tribunal deu parecer favorvel ao rei para que a
execuo se limitasse queima das redes, afastando a queima dos barcos e a priso, atendendo
pobreza dos suplicantes. Cumpre dizer que, ao procederem a tais correies, os almotacs corriam
riscos srios para a sua integridade fsica, porquanto a via judicial nem sempre constitua o meio de
defesa preferencialmente empregue pelos visados:
(...) o repugnaram com tal excesso os barqueiros das ditas barcas, que no s dentro destas se
defenderam com paus e pedras, mas passaram a fazer a mais formal e escandalosa resistncia, saindo dos
barcos com os remos e varas deles, em forma de motim, de que resultou maltratarem a vrios oficiais,
fazendo mais impresso em Manuel da Silva Colao, escrivo do dito almotac, a quem feriram
gravemente na cara; () 57
A partir da postura de 13 de setembro de 1771 passou igualmente a caber aos almotacs de Lisboa
assegurarem a observncia da proibio de descarga e venda de peixe fora dos stios de Belm, da
nova Ribeira e de Sacavm, nos quais estavam as casas com os oficiais competentes (escrives) para o
exame das guias e arrecadao dos direitos.58
Na medida em que as posturas determinavam regras na utilizao do espao destinado aos
mercados de rua as correies dos almotacs compreendiam a inspeo desses locais. Uma das suas
incumbncias era fazer a observar as proibies relativas atividade dos intermedirios, conforme
eram ditadas pelo quadro mental caracterstico dessa poca: De acordo com este modelo, a
comercializao deveria ser direta (tanto quanto possvel), do agricultor ao consumidor. Os
agricultores deveriam trazer os seus cereais a granel at ao mercado local; no deveriam vend-los no
campo nem deveriam guard-los, na expetativa de que os preos subissem. 59 A censura moral sobre a
dupla venda com fins comerciais ganhava consagrao jurdica, nomeadamente, na proibio de
vender gneros alimentcios que tivessem sido comprados antes das nove horas da manh;60
do mesmo
modo, ao proibir-se a presena de vendedores na Praa da Figueira, assim de dia, como de noite,
excecionavam-se os lavradores e criadores que faziam a venda direta dos bens que produziam, com
excluso de todos os demais, que deviam ser conduzidos presena do almotac a fim de serem
Regional Comparada, Tese de doutoramento em Histria Moderna, Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, pp. 292-294. Disponvel em: http://hdl.handle.net/10451/536
57 Consulta da Cmara a el-rei em 12 d'outubro de 1728, em Oliveira, Elementos, tomo XII, p. 187.
58 Postura de 13 de setembro de 1771, em Oliveira, Elementos, tomo XVII, pp. 326-327.
59 Thompson, A economia moral da multido, p. 30.
60 AML. AH, Livro VIII de Registo de Ordens do Senado Ocidental, 30/07/1754, fls. 13.
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condenados - para que por uma vez fique limpa a referida praa de semelhantes indivduos (). 61
Ainda no mbito da vigilncia sobre estes lugares de negcio, competia aos almotacs zelar pelo
respeito da lei divina aplicando as penas correspondentes a quem quer que exercesse o comrcio aos
domingos e dias santos.62
Outrossim, as limitaes podiam referir-se aos gneros admitidos para
venda:
(...) nenhuma pessoa poder vender em a feira da Ladra do stio da Ribeira, e seu limite, fatos novos e
velhos usados, nem outra alguma coisa que no for comestvel, ainda que para a dita venda tenha
alcanado licenas do Senado que por este h derrogadas; e toda a pessoa que continuar na dita venda,
ser condenada na forma das posturas estabelecidas contra as pessoas que sem licena vendem
publicamente qualquer gnero." 63
Alm da posse da(s) licena(s), uma outra exigncia burocrtica referia-se obrigao de exibir o
bilhete com o preo semanalmente fixado para o principal comestvel, o po, em todos os locais em
que ele estivesse venda, nomeadamente, tendas, tabernas e lugares de peo. Deste dever estavam
isentas as saloias que vinham vender o po cidade, ao abrigo de o fazerem em regime de avena.64
Em 20 de maro de 1793, dando resposta a um expediente considerado fraudulento, o Senado
publicou uma portaria dando ordem aos almotacs para cassarem toda a licena onde no constasse o
nome do vendedor para quem fora emitida, assim se impedindo a sua cedncia a terceiros, por forma a
garantir a cobrana da taxa devida sobre cada emisso. Mas as irregularidades tambm eram
suscetveis de proceder da prpria Cmara: por vezes o requerente havia pago a taxa correspondente a
uma licena para vender vrios gneros e alguns deles no constavam no respetivo documento, o que
tinha como efeito sujeitar o titular da licena (com grande probabilidade, um iletrado) a ser
injustamente autuado pelo almotac por venda no autorizada:
(...) Ordena que da data desta em diante aquelas pessoas que na mesa da arrecadao das novas licenas
tm obrigao de encher os mencionados bilhetes declarem neles todos os gneros de que cada uma das
partes faz o seu devido pagamento sem que falte um s gnero e que no alto dos mesmos bilhetes lhes
declarem por algarismo a quantia total que pagou. () 65
61
AML. AH, Livro XIV de Registo de Ordens do Senado Ocidental, 30/08/1790, fls. 104.
62 AML. AH, Livro X de Registo de Consultas de D. Maria I, 26/10/1799, fls. 17.
63 Assento de vereao de 30 de julho de 1755, em Oliveira, Elementos, tomo XVI, p. 98.
64 AML. AH, Livro XII de Registo de Ordens do Senado Ocidental, 29/11/1783, fls. 136 v.
65 AML. AH, Livro XV de Registo de Ordens do Senado Ocidental, 20/03/1793, fls. 16 v. e 17.
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Importa salientar que toda esta atividade de policiamento do comrcio fundamentava o seu discurso
legitimador, sobretudo, na ideia de defesa do povo - contra eventuais extorses por parte de
especuladores e comerciantes sem escrpulos -, menos at do que no primado da ordem pblica:
() Que o privilgio do tabaco se estenda a todos os casos, se no deve entender nem ainda presumir,
porque, se o privilgio isentasse aos estanqueiros de serem pelos almotacs visitados e examinadas as
balanas e pesos, e, achando-os por aferir ou diminutos, serem na forma da postura, castigados, com toda
a liberdade roubariam o povo os estanqueiros, () 66
Aos almotacs competia-lhes, no apenas, assegurarem-se de que os instrumentos de medida se
achavam devidamente aferidos pelo aferidor da cidade,67
mandando-os entregar a este, para
esclarecimento, quando os pesos lhes parecessem reduzidos - e condenando os transgressores em caso
afirmativo68
- como, igualmente, lhes pertencia examinarem o peso dos produtos. Tratando-se da
venda do po, a falta do peso tabelado semanalmente69
podia inclusive determinar a sua apreenso:
(...) dois mil cento e vinte e nove pes que se lhe haviam apreendido [a Francisco Vieira, padeiro]
com o pretexto de falta de peso.70 O mesmo cuidado era tido na correio dos aougues, onde os
almotacs verificavam a qualidade e condio das carnes e a fidelidade dos pesos na venda.71
Porquanto o zelo que aplicavam nas atividades inspetivas nem sempre correspondia s expetaes,
a aluso troca de favores entre almotacs e comerciantes ou oficiais mecnicos representava motivo
de cuidado para os responsveis camarrios, oferecendo-se tambm como fonte de inspirao para
mordazes epigramas. A ilustr-lo, uma das stiras taurinas que Antnio Lobo de Carvalho (Guimares,
1730? - Lisboa, 1787?) dirigiu a Joo Dias Talaya Sotomaior, capito, almotac de Lisboa, poeta,
bacharel e toureiro (Ajuda, 1732 Sacavm, 1798), onde se insinua que o mesmo Talaya angariara a
sua ativa claque concedendo favores entre as padeiras que estavam sob a sua jurisdio:
66
Consulta da Cmara a el-rei em 30 de outubro de 1750, em Oliveira, Elementos, tomo XV, p. 194. 67
Idem ibidem, pp. 187 e segs.
68 () condenar [o] na forma das posturas toda a pessoa que acharem com balanas e pesos sem serem
aferidos, nesta cidade e termo. Cfr. AML. AH, Livro XX de Cartas, 26/04/1743, fls. 105. 69
AML. AH, Livro VIII de Registo de Consultas de D. Maria I, 19/09/1791, fls. 22.
70 AML. AH, Livro XII de Registo de Ordens do Senado Ocidental, 09/12/1780, fls. 2.
71 AML. AH, Livro XI de Registo de Ordens do Senado Ocidental, 11/04/1778, fls. 105-105 v.
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Ao Talaia, toureando por ltima vez na praa de Joo Gomes, onde se fez a funo como se esperava
SONETO XLVIII
Talaya, que tens tu coa Padaria
Que esquentada trincheira em co fundo,
Desde que h toiros bravos neste mundo,
Nunca se fez to blasfema gritaria?
() 72
Com efeito, os padeiros dispunham de expedientes diversos para obterem lucros indevidos na
venda do seu produto, nomeadamente: peso deficitrio do po, adulterao, mistura de farinha barata
e em ms condies; ora, a tolerncia ofertada pelo almotac merecia ser retribuda com alguma
expresso de agradecimento.73
Todavia, na sua misso de defesa dos consumidores, os almotacs
exerciam poderes vinculados, no podendo deixar de assegurar a observncia dos cdigos de tica
comercial sem arriscarem punio:
Os almotacs das execues da almotaaria mandem notificar a todas as mulheres que vendem castanhas
que as no escolham, e todo o almotac que dissimular esta ordem ser castigado asperssimamente. E as
mulheres que no derem a execuo mesma ordem sero suspensas do tal exerccio e no entraro mais
nas ditas ocupaes de venderem castanhas. Esta ordem se registar, [etc.] Mesa, 20 de abril de 1704
[assinaturas] 74
No mbito do poder jurisdicional que exerciam nas casinhas da almotaaria, alm de julgarem as
aes relativas violao de posturas camarrias, interpostas pelo meirinho, pelo zelador ou pelo
requerente da cidade, cabia aos almotacs de Lisboa o arbtrio, em processo sumrio, sobre causas de
dvidas at 600 ris.75
Este valor de alada manteve-se sem reviso desde as ordenaes filipinas
(Livro 1 Tit. 68, 2) conforme se l na ordem que, em 14 de outubro de 1765, o Senado deu ao
almotac Incio Monteiro de Sousa: Ordena o Senado diga a Vossa Merc que os almotacs das
execues no podem tomar conhecimento de dvida alguma que exceda a quantia de seiscentos reis
72
Carvalho, Antnio Lobo de (1852), Poesias joviaes e satyricas, Colligidas e pela primeira vez impressas,
Cadix, Soneto XLIV, p. 48.
73 Thompson, A Economia Moral da Multido, p. 68.
74 AML. AH, Livro II de Registo de Cartas e Ordens do Senado Oriental, 20/04/1704, fls. 61.
75 Torres, Rui de Abreu (1992), Dicionrio de Histria de Portugal, Almotac, Porto, Livraria Figueirinhas, v.
4, p. 121.
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na forma da lei porque excedendo da dita quantia pertence ao conhecimento a diferente juzo (). 76
As sentenas que os almotacs proferiam eram suscetveis de recurso para o Senado da Cmara, que
podia ordenar a restituio das importncias injustamente cobradas a ttulo de multa.77
Esse papel do almotac como mediador de conflitos remonta s origens do cargo na Pennsula
Ibrica, quando inclua entre as suas competncias a resoluo dos diferendos que frequentemente
surgiam entre os vizinhos proprietrios de paredes meeiras, moradores em casas geminadas.78
Com
efeito, embora a ao reguladora dos almotacs ao nvel do mercado fosse mais preponderante,
ela estendia-se tambm ao construtivo e ao sanitrio - as outras duas grandes agendas do viver
urbano, segundo a classificao enunciada por Magnus Roberto de Melo Pereira.79
2. O construtivo
Acerca do construtivo na Lisboa setecentista, as competncias dos almotacs das execues
incluam no somente o controlo dos preos dos materiais de construo mas, tambm, assegurar as
condies de fornecimento necessrias para o desenrolar das obras pblicas;80
por exemplo, em 7 de
outubro de 1735 eles recebiam instrues do Senado para mandar prover toda a lenha e tojo de que
Apolinrio da Silva precisasse para a sua incumbncia de mandar cozer o tijolo necessrio para as
caladas.81
Os almotacs podiam igualmente ser chamados a acompanhar obras que fossem suscetveis
de causar perturbao na ordem pblica. Assim sucedeu, por exemplo, em novembro de 1757, quando
o Senado ordenou a demolio das paredes que em resultado do terramoto estivessem perigosas,
dando indicao para que os almotacs integrassem as equipas que deveriam acompanhar os
vereadores nas ditas operaes: (...) chamando para este fim, alm dos seus almotacs e escrives, os
mais oficiais de justia que lhes parecer, e os mestres pedreiros que j tiverem servido de juzes do seu
ofcio." 82
O texto ora citado no permite esclarecer se, neste caso, eram convocados para a dita obra
76
AML. AH, Livro XII de Registo de Cartas - Senado Ocidental, 14/10/1765, fls. 42.
77 Pelo seu interesse, no apenas historiogrfico, mas tambm jurdico (relativo clusula rebus sic stantibus),
cfr. a Consulta da Cmara a el-rei em 19 de setembro de 1753, acerca da petio de D. Catharina Ricart,
neveira da casa real e contratadora da neve da cidade, em Oliveira, Elementos, tomo XV, pp. 460-464. 78
Enes, Thiago (2010), De Como Administrar Cidades e Governar Imprios: almotaaria portuguesa, os
mineiros e o poder, (1745 1808), Dissertao de Mestrado em Histria Social Moderna, Universidade
Federal Fluminense, Niteri, p. 53. Disponvel em:
http://www.historia.uff.br/stricto/td/1294.pdf.
79 Pereira, Almuthasib, p. 366.
80 AML. AH, Livro I de Registo de Cartas do Senado Oriental, 30/07/1733, fls. 70 v.
81 AML. AH, Livro III de Ordens, Taxas e Posturas da Cidade, 07/10/1735, fls. 141.
82 Assento de vereao de 29 de novembro de 1757, em Oliveira, Elementos, tomo XVI, pp. 341- 342.
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os almotacs das execues do pelouro da almotaaria ou, em vez destes, os almotacs das execues
do pelouro da limpeza, sendo que as respetivas competncias se distinguiam em funo das matrias a
que respeitassem as posturas camarrias: (...) que as posturas deste Senado se distribuem pelos seus
executores (...), segundo a matria (...): as da almotaaria vo a executar aos almotacs das execues,
as da limpeza aos seus almotacs;83 Entretanto, uma outra ordem do Senado, emitida no ano seguinte,
de 1758, permite dar resposta a essa interrogao, como deixa tambm claro que os almotacs do
pelouro da limpeza tinham competncia prpria para mandar demolir edificaes que oferecessem
risco para a segurana das pessoas: O almotac das execues da limpeza do bairro de Alfama faa
logo apear uma parede das casas do M.mo
e Ex.mo
Conde de Val de Reis, que est com evidente perigo
e de o haver assim executado dar conta ao Senado. Lisboa, dois de junho de 1758. [assinam] 84
Ademais, ao serem investidos na sua misso de zelar pelas condies do saneamento urbano, os
almotacs da limpeza fiscalizavam as obras, detendo o poder de as embargar:
O mestre das obras da Casa da Misericrdia desta corte principiou a mandar abrir um cano que d
serventia ao recolhimento da dita Misericrdia e preciso abrir-se para esse efeito toda a rua que vi do
mesmo recolhimento at praia. Como se no pediu licena em razo dos entulhos que precisamente
resultaram da dita obra para mandar depositar penhor correspondente e nem me apresentam licena do Sr.
Desembargador vereador das obras; embarguei-a, de que se trata lhe dar conta a V. Senhoria, e para que
no suceda como j sucedeu no mesmo caso a meu antecessor que por no dar idntica conta foi
compelido a tirar sua custa entulhos. V. S.i mandar o que for servido. Lisboa, 29 de janeiro de 1745. O
almotac [da limpeza] do bairro da Ribeira, Caetano Manuel de Barros 85
3. O sanitrio
At ordem do Senado de 25 de agosto de 1745,86
que lhes subtraiu essa competncia, aos almotacs
da limpeza pertenceu conceder licenas para se fazer obra, mais precisamente, atribuindo locais para
vazadouros de obras, porquanto as calias e os entulhos eram suscetveis de criar entupimentos no
escoamento das guas pluviais ou obstruir a livre circulao das pessoas e dos veculos de trao
animal. Da que os almotacs tivessem instrues para prender os mestres pedreiros enquanto estes
83
Consulta da Cmara a el-rei em 19 de dezembro de 1744, em Oliveira, Elementos, tomo XIV, pp. 363-
364.
84 AML. AH, Livro IX de Registo de Ordens do Senado Ocidental, 02/06/1758, fls. 58.
85 AML. AH, Livro XXI de Cartas e Ordens do Senado, 29/01/1745, fls. 319.
86 AML. AH, Livro V de Registo de Ordens do Senado Ocidental, 25/08/1745, fls. 79.
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no fizessem remover das ruas os tais detritos.87
Os prprios almotacs da limpeza estavam sujeitos a
serem suspensos do seu exerccio, ou a terem de proceder remoo daqueles materiais a suas
prprias expensas, quando lhes faltasse a determinao exigvel para fazerem cumprir as ditas
instrues e, podiam, at, ser mandados para a priso, nos casos de maior gravidade.88
Alm disso,
asseguravam que a lama era atempadamente removida das ruas de Lisboa para os vazadouros que
fossem permitidos, nomeadamente, algumas praias especificadas (por exemplo, as praias de S. Paulo e
da Boavista), para dali ser carregada em barcas que a despejavam no mar.89
Neste sentido, o almotac
das execues da limpeza do bairro da Rua Nova, Joo Serqueira de Arajo, fez ao Senado uma
representao, em 3 agosto de 1726, queixando-se da falta de vazadouros e de meios capazes de
manter o ritmo de transportes para uma remoo das lamas em tempo til:
(...) Agora represento a V. S.ia que suposto continuem as barcas com o referido expediente, nem por isso
a corte experimenta melhor limpeza, porque, havendo tanta dilao e mediando-se tanto tempo, como se
d de mar a mar, sem haver vazadouros certos, pararo no entanto as fbricas [i.e., os meios de
limpeza], e ficaro as cidades inabitveis. 90
As ruas deveriam estar, tambm, desembaraadas de animais solta (nomeadamente, porcos que
vagueassem dispersos pela cidade) ou que estivessem mortos.91
Quando se desse este caso, segundo o
87
Cfr. respetivamente:
Licenas para se fazer obra - AML. AH, Livro III de Registo de Ordens do Senado Ocidental, 03/06/1737,
fls. 60.
Licenas para vazadouros - AML. AH, Livro VI de Registo de Ordens do Senado Ocidental, 05/10/1727, fls.
24 v.
Priso dos mestres pedreiros - AML. AH, Recompilao de Posturas da Almotaaria da Limpeza, ordem do
Senado de 19/01/1707, fls. 10.
88 Cfr. respetivamente:
Suspenso do almotac AML. AH, Recompilao de Posturas da Almotaaria da Limpeza, ordem do
Senado de 19/01/1707, fls. 10.
Remoo dos materiais a prprias expensas do almotac - AML. AH, Livro II de Registo de Cartas e Ordens
do Senado Oriental, 29/10/1703, fls. 52.
Priso do almotac - AML. AH, Livro IV de Registo das Cartas - Senado Oriental, 14/12/1720, fls. 128 v.
89 Cfr. respetivamente:
Vazadouros em praias - AML. AH, Livro V de Registo de Cartas e Ordens do Senado Oriental, 30/04/1735,
fls. 53.
Despejo no mar AML. AH, Livro IV de Registo das Cartas - Senado Oriental, 11/01/1717, fls. 46 v. 90
Carta do escrivo do Senado da Cmara ao secretrio de estado Diogo de Mendona Corte Real, em
Oliveira, Elementos, tomo XII, pp. 79 e 80. 91
AML. AH, Livro XIV de Registo de Ordens do Senado Ocidental, 05/09/1789, fls. 78 v.
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alvar de regimento dos ordenados do Senado da Cmara, de 23 de maro de 1754, os almotacs da
limpeza tinham o prazo de duas horas para lanar fora qualquer animal que se achasse morto em rua
que pertencesse ao bairro da sua repartio.92
E, bem assim, dirigida pelo Senado ao almotac Cludio
Jos Antnio de Figueiredo, uma carta datada de 20 de agosto de 1768 mantinha-lhe a obrigao de
deitar fora da cidade, sua custa, os animais mortos, sob pena de suspenso.93
Embora o saneamento bsico tivesse estado no centro das preocupaes de Manuel da Maia,
engenheiro-mor do reino, ao projetar o novo plano para a cidade de Lisboa,94
dir-se- que nem mesmo
a reedificao parece ter bastado para aquietar certas vozes, como a de Jcome Ratton, que
continuaram a apontar graves carncias ao nvel da salubridade: (...) mas o que imperdovel nesta
nova reedificao que todas as ruas no tenham, e todas as casas, cloacas, para o despejo das
primeiras imundcies. Ao que acrescentava, o mesmo industrial luso-francs, em tom de maior
indignao:
(...) [providncias sem as quais] a fedorenta cidade de Lisboa ser sempre um manancial de molstias, a
vergonha da Nao e um objeto asqueroso, pelos montes de imundcies acumuladas nas ruas, por efeito
do descuido inveterado de se no varrerem e se no tirarem [as sujeiras] com a devida regularidade, no
obstante as rendas que h destinadas para isso. 95
Independentemente da eventual justeza deste parecer, o facto que o Senado da Cmara
diligenciava no sentido de permitir um maior controlo sobre a limpeza das ruas, nomeadamente,
incentivando a denncia dos prevaricadores por via da oferta de recompensas. Assim, no dia 16 de
dezembro de 1779, o Senado fixava em metade do valor da multa o prmio a atribuir pela informao
aos almotacs (da limpeza) sobre qualquer comportamento que violasse o disposto no edital afixado
para a limpeza da Rua Nova.96
Igual prstimo se deteta, por exemplo, na ordem de 6 de setembro de
1788:
O Senado da Cmara ordena ao almotac do Bairro da Mouraria faa notificar os habitantes da rua da
Inveja que fabricam cordas de violas para no deitarem na rua as guas imundas com os mais fragmentos
92
Alvar rgio [de Regimento dos Ordenados do Senado da Cmara de Lisboa] com fora de lei de 23 de
maro de 1754, em Oliveira, Elementos, tomo XV, p. 509. 93
AML. AH, Livro XII de Registo de Cartas - Senado Ocidental, 20/08/1768, fls. 113.
94 Pinheiro, Magda (2011), Biografia de Lisboa, A Esfera dos Livros, Lisboa, pp. 169-170.
95 Ratton, Jcome (1813), Recordaoens: sobre occurrencias do seu tempo em Portugal durante o lapso de
sesenta e trs annos e meio, alias de Maio 1747 a Setembro de 1810 que rezidio em Lisboa, Londres, H.
Bryer, 1813, pp. 296-297.
96 AML. AH, Livro XI de Registo de Ordens do Senado Ocidental, Mesa, 16/12/1779, fls. 200 v.
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corruptos da dita manufatura, pena ao que transgredir de ser castigado na forma das posturas tantas vezes
quantas forem as ditas transgresses: e o almotac tenha todo o cuidado em fazer observar esta portaria
estranhando-se-lhe muito no ter feito executar as posturas e ordens que h sobre a limpeza, e ficando
advertido que se o tribunal lhe conhecer a menor omisso na execuo desta proceder suspenso do seu
ofcio; esta se registar na secretaria e lhe remeta para assim se executar. Mesa, 6 de setembro de 1788
[assinam].
Tambm para assegurar a limpeza das ruas, por uma Proviso de D. Filipe II, os almotacs eram
levados a fazer correies noturnas pela cidade a fim de dissuadirem os habitantes de deitarem fora as
imundcies pela janela97
- medida que, aparentemente, no ter tido um sucesso por a alm.98
Esta
responsabilidade direta dos almotacs pelo asseio da cidade preponderava sempre que a limpeza no
estivesse entregue a um arrematador (concessionrio); ento, a limpeza por administrao (e no por
contrato) ficava ao cuidado dos almotacs, que a faziam com recurso fbrica da Cmara, i.e., aos
meios que o municpio disponibilizava para o efeito (varredores, vassouras, ancinhos, bestas, etc.); nos
seguintes termos:99
Vendo-se no Senado a conta que Vossa Merc deu sobre a falta que tinha para se
fazer a limpeza do bairro da Rua Nova, resolveu o Senado dissesse a V. M.c
que na dita limpeza pode
meter [alugar] seis bestas para continuar a limpeza do mesmo bairro. Deus Guarde a V. M.c
, Senado
11 de fevereiro de 1764. 100 O facto que o saneamento da cidade estava, normalmente, ao encargo
do contratador, pertencendo aos almotacs da limpeza vigiarem sobre o cumprimento do respetivo
contrato:
"Estando as ruas imundas, o Senado ordena que cada um dos almotacs, na sua repartio, obrigue o
contratador que faa a limpeza, como obrigatrio, pelo que respeita extrao dos lixos, e, pelo que
toca aos mais entulhos e calias, procedam contra os donos das obras, tudo de sorte que em tempo breve
fique a cidade com a limpeza e desembarao com que deve estar;" 101
Neste sentido e semelhana dos almotacs da almotaaria, os da limpeza detinham um relevante
meio de coao para assegurar a observncia das posturas, qual fosse, o poder de mandar prender os
prevaricadores: O almotac das execues da limpeza da Rua Nova meta na cadeia toda a pessoa que
97
AML. AH, Recompilao de Posturas da Almotaaria da Limpeza, Proviso de 03/03/1596, fls. 12 a 14.
98 Pinheiro, Biografia de Lisboa, p. 140.
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