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FICHA PARA CATÁLOGO PRODUÇÃO DIDÁTICO PEDAGÓGICA
Título: A visão de Vygotski, Luria e Leontiev sobre a contribuição da aprendizagem
conceitual, da imaginação e da criação no desenvolvimento humano.
Autor EMERSON LEMKE QUELUZ
Escola de Atuação CEEBJA DOUTOR MÁRIO FARACO
Município da escola PIRAQUARA
Núcleo Regional de Educação ÁREA METROPOLITANA NORTE
Orientador TANIA STOLTZ
Instituição de Ensino Superior UFPR
Disciplina/Área (entrada no PDE) ARTE
Produção Didático-pedagógica UNIDADE DIDÁTICA
Relação Interdisciplinar
(indicar, caso haja, as diferentes disciplinas compreendidas no trabalho)
Público Alvo
(indicar o grupo com o qual o professor PDE desenvolveu o trabalho: professores, alunos, comunidade...)
PROFESSORES
Localização
(identificar nome e endereço da escola de implementação)
CEEBJA DOUTOR MÁRIO FARACO
Avenida Brasília, s/nº, Piraquara , Paraná.
Apresentação:
(descrever a justificativa, objetivos e metodologia utilizada. A informação deverá conter no máximo 1300 caracteres, ou 200 palavras, fonte Arial ou Times New Roman, tamanho 12 e espaçamento simples)
Com este material didático buscar-se-á mediar a
aproximação dos (as) professores (as) da Escola Pública
com a Psicologia e a Pedagogia Histórico-Cultural da
“Escola de Vygotski”, focando, em especial a
aprendizagem conceitual, a imaginação e a criação no
Desenvolvimento Humano.
Os (as) trabalhadores (as) da educação têm a
possibilidade de qualificar a ação pedagógica a ser
desenvolvida com o aprofundamento da compreensão
do modo de funcionamento do psiquismo humano,
entendendo como o adequado uso de recursos, que é
possível denominar ferramentas psicológicas, aqui
especificamente a criação, a imaginação e a
aprendizagem conceitual, quando devidamente
estudados, conhecidos e utilizados, contribuem para esta
qualificação.
Palavras-chave (3 a 5 palavras) Imaginação, criação, aprendizagem conceitual, Vygotski
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
SUPERINTENDÊNCIA DE EDUCAÇÃO
DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL
EMERSON LEMKE QUELUZ
A VISÃO DE VYGOTSKI, LURIA E LEONTIEV SOBRE A CONTRIBUIÇÃO
DA APRENDIZAGEM CONCEITUAL, DA IMAGINAÇÃO E DA CRIAÇÃO NO
DESENVOLVIMENTO HUMANO
Produção Didático-Pedagógica
apresentada ao Programa de
Desenvolvimento Educacional, Diretoria
de Políticas e Programas Educacionais,
Superintendência de Educação da
Secretaria de Estado da Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Tania Stoltz
CURITIBA
2011
EMERSON LEMKE QUELUZ
A VISÃO DE VYGOTSKI, LURIA E LEONTIEV SOBRE A CONTRIBUIÇÃO
DA APRENDIZAGEM CONCEITUAL, DA IMAGINAÇÃO E DA CRIAÇÃO NO
DESENVOLVIMENTO HUMANO.
Produção Didático-Pedagógica
apresentada ao Programa de
Desenvolvimento Educacional, Diretoria
de Políticas e Programas Educacionais,
Superintendência de Educação da
Secretaria de Estado da Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Tania Stoltz
CURITIBA
2011
SUMÁRIO
SUMÁRIO
i
APRESENTAÇÃO 2 INTRODUÇÃO 5 UNIDADE I CONTEXTUALIZANDO ESTE ESTUDO
6
UNIDADE II QUAL A VISÃO DE VYGOTSKI SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA IMAGINAÇÃO, DA CRIAÇÃO E DA APRENDIZAGEM CONCEITUAL NO DESENVOLVIMENTO HUMANO?
9
UNIDADE III QUAL O PAPEL DA IMAGINAÇÃO E DA CRIAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO HUMANO?
11 UNIDADE IV EM BUSCA DAS RAÍZES DA PSICOLOGIA E DA PEDAGOGIA DA “ESCOLA DE VYGOTSKI”
20 UNIDADE V QUAL HOMEM, QUAL MULHER E PARA QUE MUNDO?
23
UNIDADE VI DELINEANDO ASPECTOS DA REALIDADE ESPECÍFICA “CELA DE AULA” PRESENÇA DA EXPERIÊNCIA ESCOLAR ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO ESPAÇO PRISIONAL EM MEIO A CONTRADIÇÕES: MUITAS IGUALDADES LEGAIS E MUITAS DESIGUALDADES SOCIAIS PENSANDO A NECESSIDADE DE EDUCAÇÃO CRIATIVA NA “CELA DE AULA” NA PERSPECTIVA DE VYGOTSKI REFERÊNCIAS ORIENTAÇÕES E AVALIAÇÃO
26
26 27
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36
39
2
APRESENTAÇÃO
Caro (a) professor (a)!
Ao elaborar esta Produção Didático-Pedagógica vai parecendo
importante situá-lo (a), o mais que for possível, de sua gênese ainda que,
aparentemente, mais remota.
Adentrar, vasculhar, experimentar, refletir, analisar uma teoria e uma
prática pedagógicas referenciadas na Psicologia e na Pedagogia Histórico-
Cultural tendo, em especial, a prática pedagógica que se tem a
responsabilidade de planejar, concretizar e avaliar no dia a dia da escola, como
objeto de estudo será a empreitada a ser realizada pelos (as) que participarem
desta vivência.
Desde os momentos que antecederam a fase inicial da atuação com a
ação educativa no trabalho educativo escolar, em especial, enquanto
estudante, estagiário na área da pesquisa estatística educacional no Estado do
Paraná, no final da década de 1970 e início da década de 1980, algumas
provocações dos estudiosos com os quais se convivia na manipulação dos
relatórios que compilavam os dados, predominantemente quantitativos, que
eram produzidos, faziam pensar na necessidade de se produzir pesquisa
qualitativa.
Saber quantos entravam na escola, com que idade, como se dava o
percurso escolar quanto a aprovação e reprovação, quantos concluíam ou
acabavam excluídos, qual a formação dos profissionais, trabalhadores da
educação, responsáveis por este processo, que era o que a referida pesquisa
possibilitava, produzia uma aproximação relativamente tímida quanto à
qualidade.
Ao longo dos anos de exercício profissional esta necessidade foi
ganhando espaço nas análises, nos questionamentos, nos estudos para
respondê-los e nas efetivas ações com os (as) estudantes em busca de
qualificar a prática pedagógica no sentido de formar seres humanos, homens e
mulheres inseridos (as) no mundo e capazes de compreendê-lo e transformá-lo
3
na perspectiva de serem novos homens e novas mulheres e de produzirem um
outro mundo possível, em processo permanente de emancipação.
Neste percurso alguns grandes legados podem e devem ser lembrados
aqui e com certeza isto possibilitará delinear um perfil de formação profissional
pessoal, mas, ao mesmo tempo, melhor socializá-lo, e justificar o foco desta
Produção Didático-Pedagógica.
O primeiro destes é o da contribuição anônima, inclusive pelo tamanho e
intensidade, e que foi profundamente enfatizada por VYGOTSKI na dimensão
coletiva, histórica da criação humana quando afirma que
Se levarmos em conta a presença da imaginação coletiva, que une todos esses grãozinhos não raro insignificantes da criação individual, veremos que grande parte de tudo o que foi criado pela humanidade pertence exatamente ao trabalho criador anônimo e coletivo de inventores desconhecidos. (VYGOTSKI, 2009, p.16).
Um segundo, o do grande homem PAULO FREIRE, inspirador profundo
dos passos iniciais, especialmente quando menciona não haver ensino sem
pesquisa e nem pesquisa sem ensino e quando explicita isto lembrando que
Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador. (FREIRE, 2005, p.29).
E, por fim, o do educador CELESTIN FREINET pela perseverança e
lucidez quando explicita em um dos textos de sua obra ser aquele trabalho algo
que
se destina especialmente aos educadores do povo, àqueles que, como eu, são oriundos da massa trabalhadora da qual não quiseram desertar e que devem resolver, de um modo ou de outro, as contradições inseridas no grande problema da educação em seus aspectos intelectuais, sociais e humanos num meio que pode ser revisto. (FREINET, 1998, p.03).
Nesta caminhada algo que foi se constituindo com grande intensidade é
a necessidade de compreender como se dá a concretização de um processo
de ensino e de aprendizagem que coopere para a existência do ser humano e
do mundo almejados. Nestes últimos anos, na busca de satisfação desta
necessidade, o encontro com a “Escola de Vygotski”, com as concepções
4
elaboradas por Vygotski, Luria, e Leontiev, em especial, e seus colaboradores
vem possibilitando aprofundar esta compreensão.
É exatamente parte do processo de pesquisa fruto deste encontro nas
buscas destes últimos anos que se constituirá em objeto de estudo nesta
produção.
A busca, com esta produção e com o projeto de implementação que ela
complementa, é de compartilhar, em cooperação com aqueles (as) que o
quiserem, um aprofundamento teórico-prático que possibilite a revisão e a
reorganização das ações educativas que vem sendo concretizadas, no sentido
de qualificá-las.
5
INTRODUÇÃO
Com este material didático buscar-se-á mediar a aproximação (que
eventualmente poderá ser uma reaproximação) dos (as) professores (as) da
Escola Pública com a Psicologia e a Pedagogia Histórico-Cultural da “Escola
de Vygotski”, focando, em especial a aprendizagem conceitual, a imaginação e
a criação no Desenvolvimento Humano
A ideia com a qual se trabalhará é a de que se constitua num recurso
provocador, desencadeador e que referencie uma concentração intensa no
tema de estudo.
Acredita-se que esta empreitada faz necessária a indagação de como se
dá ou não a presença da criação, da imaginação e da aprendizagem conceitual
na prática educativa dos (as) professores (as) e também trabalhar a categoria
de organização Zona de Desenvolvimento Próximo – ZDP, da Pedagogia
Histórico-Cultural, que possibilita compreender e concretizar uma prática
educativa que produza desenvolvimento humano.
Professor (a), com o objetivo de se ter o mais claro possível o ponto de
partida e o ponto de chegada do seu conhecimento nesta empreitada responda
as seguintes questões:
Cite uma situação de sua prática pedagógica que evidencia a
possibilidade de emprego da imaginação na realização de uma atividade
proposta.
Os seres humanos ao longo de sua história de vida tem necessidade de
efetuar a criação de algo. Como na prática educativa é possível vivenciar
situações em que esteja presente a criação?
O trabalho com os conceitos na atividade escolar é algo fundamental.
Como organizar a ação educativa de modo que se efetive o aprendizado dos
conceitos?
6
UNIDADE I
CONTEXTUALIZANDO ESTE ESTUDO
A humanidade, ao longo de sua existência, passou por diferentes
estágios de desenvolvimento que os estudos científicos, especialmente os
antropológicos, possibilitaram ser descobertos e que, de certo modo, permitem,
para além do espanto e da admiração, a constatação de ser a espécie humana
a única que, fruto do seu exercício de existir, em especial de coexistir, isto é, do
existir com o (a) outro (a), com a cultura enquanto produção cultural dos (as)
demais e dele (a), também, pode desenvolver níveis de conhecimento, de
consciência, instrumentos materiais e culturais de elaboração do modo de vida,
do conhecimento e da consciência, que se constituíram e se constituem em
base, patamar para aspirar novos e mais avançados estágios de
desenvolvimento.
Segundo estes mesmos estudos acima mencionados, sabe-se que há
alguns milhões de anos atrás os humanos foram muito próximos, em seu modo
de existir, dos demais animais. Acredita-se que o algo que os diferenciou dos
demais foi a possibilidade material concreta, inscrita em sua estrutura biológica,
de tomar consciência de seu modo de ser, de estar concretamente no mundo e
de transformá-lo, levando em consideração o nível de desenvolvimento em que
se encontram.
Em VYGOTSKI; LURIA (1996) encontram-se três ensaios que tem por
objetivo apresentar de forma sistemática o caminho de evolução psicológica
segundo a ideia do desenvolvimento. Neste sentido, de modo profundamente
original, os autores retomam estudos de outros pesquisadores, entre eles,
Köhler, Bühler, Pavlov, Lévy-Bruhl, Thurnwald, Blonskii, Marx, Engels, etc. que
aliados aos seus e de colaboradores diretos, possibilitaram uma elaboração
teórica que aqui será chamada “Escola de Vygotski”.
Na referida obra os autores mencionam que a novidade deste trabalho é
a tentativa de descrição do vínculo que interliga as três linhas de
desenvolvimento: filogenética, histórica e ontogenética. Respondendo às
questões sobre as relações entre ontogênese e filogênese entendem que elas
7
seriam melhor definidas como um paralelismo dos dois processos. Assumem
como principal tarefa “mostrar as regularidades e a essência independentes e
específicas de cada um dos tipos de desenvolvimento.” Entendem existir uma
conexão entre os três processos a qual se materializa na maneira pela qual um
processo prepara dialeticamente o outro, não de forma linear, mas crendo “que
cada tipo superior de desenvolvimento começa no ponto em que termina o
anterior como sua continuação em nova direção”. (VYGOTSKI, L.S.; LURIA,
A.R. 1994, p.52-53).
Pensar uma teoria pedagógica na perspectiva Histórico-Cultural, tendo
a Psicologia da “Escola de Vygotski” como instrumento e ao mesmo como
objeto de estudo, exige um mergulho num campo de investigação que por
muito tempo esteve, em grande parte, vedado ao mundo externo ao
comunismo real implantado na União Soviética e concomitantemente proibido,
por questões ideológicas, ao campo de estudo dos pesquisadores do bloco
capitalista.
Neste estudo buscar-se-á aprofundar as concepções de ser humano e
de mundo implícitas a esta teoria pedagógica o que implicará no desvelar das
bases teóricas que sustentaram a sua elaboração, em pensar o compromisso
com a transformação da sociedade soviética assumido pela revolução
socialista, e em dimensionar o papel da educação neste processo
revolucionário, focando especialmente a concepção vygotskiana da
aprendizagem conceitual, da imaginação e da criação no desenvolvimento
humano.
Esta tarefa aqui assumida poderá propiciar, por certo, uma aproximação
do trabalho de análise feito por Vygotski e seus colaboradores ao vasculharem
a produção teórica das demais teorias psicológicas e pedagógicas com as
quais muito provavelmente já se teve algum tipo de aproximação e mesmo de
rever o aprofundamento que eventualmente possa ter existido com estas e com
a teoria vygotskiana.
Exigirá, também, a clareza dos que o buscarem de ser coerentes quanto
aos limites e possibilidades na prática do teorizado e na teorização da prática.
8
Em Tuleski (2008, p.30) temos uma busca de realizar um “diálogo” entre
intérpretes de Vygotski com o objetivo de “agregar esforços na difícil tarefa de
compreender a Teoria Histórico-Cultural como uma teoria produzida em
circunstâncias históricas inéditas”, o que pode servir de alerta para os que
tiveram a aproximação mediada por versões que constituíam “resumos” e
“coletâneas” orientadas por editores e tradutores que descontextualizaram a
elaboração de Vygotski, Luria e colaboradores.
A apreciação do filme “A Greve” (1924) do cineasta russo Eisenstein
possibilitará um transitar entre a realidade brasileira na qual se está inserido e
a russa do período pré-revolucionário. Depois de vivenciar esta apreciação,
deverá ser elaborado, em dupla, um texto que trace paralelos possíveis entre
as duas realidades.
9
UNIDADE II
QUAL A VISÃO DE VYGOTSKI SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA
IMAGINAÇÃO, DA CRIAÇÃO E DA APRENDIZAGEM CONCEITUAL NO
DESENVOLVIMENTO HUMANO?
Ao longo de toda a história educacional escolar da qual se faz parte, seja
como estudantes, pais, trabalhadores (as) da educação, ou como outra
categoria de participante, pesquisador (a), dirigente governamental, por
exemplo, é possível buscar compreender a ação educativa que acontece na
instituição escola e as diferentes expectativas que a determinam. Fazê-lo o
mais objetivamente que se conseguir, pensando num ser humano, numa
humanidade que se quer ser e num mundo que será produzido por ele (a) e
tendo a perspectiva da escolha das possibilidades, dentre tantas, que, a
princípio, se apresentam e que contribuirão para a concretização desta ação,
do ato de educar (-se, inclusive), pode ser feito, como aqui se buscará pensar e
viabilizar, tendo a imaginação, a criação e a aprendizagem conceitual no
desenvolvimento humano como foco.
Em Vygotski, nos estudos realizados por ele e pelos seus colaboradores,
buscando compreender o funcionamento do psiquismo humano, em especial
no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, buscar-se-á a
referência maior, destacando-se aqui que esta escolha se deu em função do
caminho metodológico percorrido por este grupo de pesquisadores, numa
sociedade que se propunha uma transformação revolucionária capaz de
produzir um novo homem, uma nova mulher, num outro mundo possível e que,
com certeza, são perspectivas da classe trabalhadora, maioria esmagadora
que frequenta a escola pública brasileira.
Em STOLTZ (2010, p.173) se encontra que
As funções psicológicas superiores, que distinguem o homem de outros animais e que se desenvolvem em um processo sócio-histórico são: ações conscientemente controladas; atenção voluntária; memorização ativa; pensamento abstrato; comportamento intencional. Essas funções têm uma base biológica, o cérebro, e podem ser observadas no desenvolvimento da espécie e do indivíduo. Vygotski propõe a adoção de um método genético ou evolutivo para o estudo das funções psicológicas superiores (Van der Veer&Valsiner, 1994). As linhas social e cultural do desenvolvimento explicam o aparecimento das funções psicológicas superiores.
10
O ato de pensar a ação educativa a ser realizada pode ser feito como
um exercício de aprendizagem conceitual, de imaginação e de criação. Para
fazê-lo recorrendo à Psicologia e à Pedagogia Histórico-Cultural tem-se o
desafio de fazê-lo buscando a compreensão do método de pesquisa
empregado por Vygotski e seus colaboradores. Lembrando que na obra de L.S.
Vygotski como é trazido por Leontiev
... o problema da metodologia é central... A dialética interna sempre constitui um traço característico de sua forma de pensar. Basta recordar seus primeiros trabalhos, (por exemplo, Psicologia da Arte). Liev Semiónovitch não temia destacar como traço principal, determinante, de nossa percepção das obras de arte precisamente a contradição inerente à própria obra. Essa postura aparece claramente em sua forma de analisar um fenômeno, destacando os fatores contrapostos que lutam entre si e vendo nessa luta a força motora do desenvolvimento. (LEONTIEV, 1999, p.444 - 445).
Vygotski (2010) afirma a preponderância do meio social na ação
educativa. “O meio social é a verdadeira alavanca do processo educacional e
todo o papel do mestre consiste em direcionar esta alavanca.” (p. 67). Desta
maneira o papel do (a) professor (a) de pensar e organizar este processo
ganha uma dimensão fundamental.
É muito importante que se ressalte aqui que em Vygotski (2010, p.63) “a
experiência pessoal do educando se torna a base principal do trabalho
pedagógico.” Ele destaca que “é o maior pecado do ponto de vista científico,”
(p.64) subestimar a experiência pessoal do aluno.
Como levar em consideração na prática pedagógica a experiência
pessoal dos (as) estudantes?
11
UNIDADE III
QUAL O PAPEL DA IMAGINAÇÃO E DA CRIAÇÃO NO
DESENVOLVIMENTO HUMANO?
O estudo da publicação “Imaginación y creación em la edad infantil”, de
L.S.Vygotski, possibilita o aprofundamento da concepção deste autor sobre a
contribuição da imaginação e da criação no desenvolvimento da humanidade.
Nela Vygotski sustenta que a atividade criadora do ser humano, fundamentada
na capacidade de combinar do cérebro, é chamada pela psicologia de
imaginação ou fantasia. Ela, como fundamento de toda a atividade criadora,
manifesta-se em todos os aspectos da vida cultural e possibilita a criação
artística, científica e técnica. Com base nisto é possível constatar que tudo o
que foi feito pelas mãos humanas, toda a produção cultural encontrada ao
redor de si pela humanidade resulta da imaginação. (VYGOTSKI, 1999, p.04).
Os (as) trabalhadores (as) da educação têm a possibilidade de qualificar
a ação pedagógica a ser desenvolvida com o aprofundamento da compreensão
do modo de funcionamento do psiquismo humano, entendendo como o
adequado uso de recursos, que é possível denominar ferramentas
psicológicas, aqui especificamente a criação, a imaginação e a aprendizagem
conceitual, quando devidamente estudados, conhecidos e utilizados,
contribuem para esta qualificação.
Em VYGOTSKI encontra-se que
Entretanto, A. S Puchkin*, já dizia com todo acerto que a imaginação era tão necessária para a geometria como para a poesia. Tudo aquilo que na vida real precisa ser elaborado com espírito criador, tudo aquilo que está relacionado com a inventiva e a criação do novo, necessita irremissivelmente a participação da fantasia. Neste sentido, alguns autores contrapõem corretamente com bom critério a fantasia, como imaginação criadora da memória, à imaginação reprodutora.
O essencialmente novo no desenvolvimento da fantasia na idade de transição consiste precisamente em que a imaginação do adolescente inicia estreita relação com o pensamento por conceitos, se intelectualiza, se integra no sistema da atividade intelectual e começa a desempenhar uma função totalmente nova na nova estrutura da
______________________ * Alexandr Serguéievich Puchkin, grande poeta russo do século XIX (N. da T.)
12
personalidade do adolescente. T. Ribot (1901), ao esboçar a curva de desenvolvimento da imaginação adolescente, dizia: o período de transição se caracteriza pelo fato de que a curva de desenvolvimento da imaginação, que até aquele momento seguia um caminho separado da curva do desenvolvimento do intelecto, se aproxima agora a ela e suas trajetórias são paralelas. (1995, p. 161 – 162, tradução do autor)¹.
Em VYGOTSKI (1999, p.04) encontra-se que a criação não existe
unicamente onde se criam grandes obras históricas, mas também onde quer
que o ser humano imagine, combine, transforme e crie algo novo. Apresenta-
se, nesta perspectiva, uma rica possibilidade de análise e estruturação da
prática que acontece no campo pedagógico e que poderá qualificá-la enquanto
ação educativa, teórica e prática, que produza desenvolvimento humano.
É fundamental que se considere como atividade criadora qualquer tipo
de atividade humana que crie algo novo, ou seja, qualquer coisa do mundo
exterior da atividade ou certa organização do pensamento ou dos sentimentos
que atue ou esteja presente somente no ser humano. Já a atividade
reprodutora guarda estreita relação com a memória, consistindo na reprodução
ou repetição de normas de condutas formadas e criadas anteriormente
(VYGOTSKI, 1999, p.03).
__________________
¹Sin embargo, A. S. Puchkin* decía ya con todo acierto que la imaginación era tan necesaria para la geometría como para la poesía. Todo aquello que en la vida real precisa ser elaborado con espíritu creador, todo aquello que está relacionado con la inventiva y creación de lo nuevo, necesita irremisiblemente la participación de la fantasía. En ese sentido, algunos autores contraponen correctamente con buen criterio la fantasía, como imaginación creadora de la memoria, a la imaginación reproductora.
Lo esencialmente nuevo en el desarrollo de la fantasía en la edad de transición consiste precisamente en que la imaginación del adolescente entabla estrecha relación con el pensamiento en conceptos, se intelectualiza, se integra en el sistema de la actividad intelectual y empieza a desempeñar una función totalmente nueva en l nueva estructura de la personalidad del adolescente. T. Ribot (1901), al esbozar la curva del desarrollo de la imaginación adolescente, decía: el período de transición se caracteriza por el hecho de que la curva del desarrollo de la imaginación, que hasta aquel entonces seguía un camino alejado de la curva del desarrollo del intelecto, se aproxima ahora a ella y sus trayectorias son paralelas.
* Alexandr Serguéievich Puchkin, gran poeta ruso del siglo XIX (N. de la T.)
13
Abordando a plasticidade da substância nervosa e do cérebro humanos,
qualidade entendida como a propriedade que têm de se transformar e de
conservar as marcas desta transformação, sob excitação suficientemente forte
e frequente, ressalte-se aqui que, segundo Vygotski, o cérebro e os nervos
possuem enorme plasticidade, tanto para a reprodução como para a criação.
(1999, p.04).
Deve-se destacar que neste conceito de plasticidade cerebral, as
funções mentais superiores, especificamente humanas, são construídas ao
longo da evolução da espécie (filogênese), da história social da humanidade e
do desenvolvimento de cada sujeito (ontogênese).
No senso comum se tem por imaginação aquilo que não é real, portanto,
desconsiderado cientificamente, ou ainda a criação é representada como o
patrimônio de uns poucos eleitos, os gênios, criadores de grandes obras,
grandes descobridores e inventores. Entretanto toda a produção cotidiana
constitui a imaginação cristalizada.(VYGOTSKI, 1999, p.04)
Vygotski ainda menciona que
Com toda justeza alguns autores ressaltam que as raízes desta combinação criadora podem ser vistas até nos jogos dos animais. O jogo de um animal resulta com muita frequência um produto da imaginação motora. Entretanto, os rudimentos da imaginação criadora nos animais não podem receber nas condições de sua vida nenhum desenvolvimento sólido, solitário o homem desenvolveu esta forma de atividade até sua verdadeira dimensão. (1999, p.06)
Analisando “Imaginação e realidade” VYGOTSKI lança duas indagações:
“Como se produz a atividade criadora que se baseia na capacidade de
combinação? De onde surge, pelo que está condicionada e a que leis se
subordina em seu curso?” Aponta que a análise psicológica desta atividade
indica sua grande complexidade. Menciona que ela “não surge de imediato,
senão muito lenta e paulatinamente, se desenvolve partindo das formas mais
simples e elementares até as mais complexas”. Afirma ainda que cada nível de
idade tem sua expressão particular e a cada período da infância corresponde
(lhe é inerente) sua forma de criação. “Posteriormente não se mantém dividida
(repartida), na conduta humana, dependendo de outras formas de nossa
14
atividade, em especial da acumulação de experiências.” (VYGOTSKI,1999,
p.06)
Vygotski afirma que na busca de “compreender o mecanismo psicológico
da imaginação e da atividade criadora tão ligada a ela, é melhor começar com
a determinação da relação que existe entre a fantasia e a realidade na conduta
humana.” Deixa claro que considera incorreto o ponto de vista que divide na
vida, a fantasia e a realidade com uma linha inviolável e aponta quatro formas
principais que relacionam a atividade da imaginação e a realidade sustentando
que pode ajudar compreender a imaginação como uma função vital e
necessária, negando-a como atividade que flutua no ar ou como
entretenimento festivo. (VYGOTSKI, 1999, p.06)
A primeira forma de relação consiste em que toda a criação da
imaginação sempre se estrutura com elementos tomados da realidade e que se
conservam da experiência anterior do ser humano (VYGOTSKI, 1999, p.06)
Vygotski menciona que somente as ideias religiosas e místicas sobre a
natureza humana poderiam atribuir a uma força alheia sobrenatural o
surgimento dos produtos da imaginação, considerando que “os deuses ou os
espíritos induzem o sonho nas pessoas, as ideias nos poetas e nos
legisladores inculcam os dez mandamentos.” Analisar as criações fantásticas
mais afastadas da realidade (fábulas, mitos, lendas) confirma não serem estas
outra coisa que uma nova combinação dos elementos extraídos da realidade e
submetidos à atividade modificadora e transformadora da imaginação.
(VYGOTSKI, 1999, p.06)
Desta forma a imaginação sempre está estruturada pelos materiais que
apresenta a realidade. Analisando-se as produções da imaginação constata-se
que ela pode criar graus de combinações cada vez mais novos e mais
afastados da realidade, porém é com os elementos da realidade que elas são
produzidas.
Aqui descobrimos a primeira lei a qual subordina a atividade da
imaginação e que pode formular-se desta forma: a atividade criadora anterior
do ser humano, já que esta experiência apresenta o material com o qual se
estrutura a fantasia, quanto mais rica seja a experiência deste maior será o
material com que contará a imaginação. Vygotski conclui que é por isso que a
15
imaginação da criança é mais pobre que a do adulto, devendo-se isto ao menor
grau de experiência que possui.
“O seguimento da história das grandes invenções, quase sempre
possibilita estabelecer que foram o resultado de uma grande experiência
acumulada anteriormente;” toda a imaginação começa precisamente pela
acumulação de experiência, “quanto mais rica seja a experiência, mais rica
deve ser, em iguais condições, a imaginação” (VYGOTSKI, 1999, p.07)
Citando Ribot, Vygotski apresenta que depois do momento de
acumulação da experiência começa o período de maturação ou encubação. No
texto são trazidos os exemplos de Newton, Hamilton e Darwin. Os dois
primeiros levaram 17 e 15 anos, respectivamente, em suas elaborações
criativas. Já “Darwin compilou materiais em suas viagens, observou
detidamente plantas e animais e depois a leitura de um livro de Maltus
impactou e determinou decididamente sua teoria” (VYGOTSKY, 1999, p.07).
“Daqui surge a conclusão pedagógica sobre a necessidade de ampliar a
experiência da criança se queremos criar bases suficientemente sólidas para
sua atividade criadora”. Há uma proporcionalidade direta entre o acúmulo do
visto, escutado e vivido, de elementos da realidade em sua experiência, de
conhecimento, entendimento e a importância e produtividade da atividade de
sua imaginação, ressalte-se aqui, em outras condições (VYGOTSKI, 1999,
p.08).
No texto vem apontado que nesta primeira forma de relação entre a
fantasia e a realidade pode-se observar com facilidade a incorreção da
contraposição entre uma e outra e em que grau isto se dá. A atividade
combinadora do nosso cérebro se baseia na conservação das marcas de
excitações anteriores e toda a novidade desta função se reduz ao fato de que
ao contar com marcas destas excitações, o cérebro as combina em formas que
não são conhecidas em sua experiência real.
“A segunda forma de relação entre fantasia e realidade é mais complexa, porém desta vez não se produz entre elementos de ambas, senão entre o produto terminado da fantasia e algum fenômeno complexo da realidade. Quando eu, baseando-me nos estudos e relatos de historiadores ou viajantes, imagino o quadro da grande Revolução Francesa ou do deserto do Saara, em ambos os casos o panorama é fruto da função criadora da imaginação” (VYGOTSKI, 1999, p.08).
16
“Ela não reproduz o que foi percebido por mim numa experiência
anterior, mas cria novas combinações dessa experiência.” (VYGOTSKI, 2009,
p.23-24).
No texto vem destacada a importância da existência de “uma grande
reserva de experiência anterior” para, a partir dela, existir a possibilidade de
construção de imagens. É preciso que se tenha ideia de algo para criar imagem
daquilo. (2009, p.24). Vygotski afirma que relacionar imaginação e realidade
“torna-se possível somente graças à experiência alheia ou experiência social.”
(2009, p.24). Somente o conhecimento e a experiência de alguém mediarão a
produção pela imaginação de uma coincidência com realidade (VYGOTSKI,
2009, p.24-25).
Para Vygotski o papel da imaginação é de muita importância no
comportamento e no desenvolvimento humano, transformando-se em meio de
ampliação da experiência individual pela assimilação, auxiliada pela
imaginação, da experiência histórica ou social de outras pessoas. Ao acessar a
informação por diferentes meios a imaginação serve à experiência. Neste caso
a experiência apoia-se na imaginação (VYGOTSKI, 2009, p.25).
Uma “terceira forma de relação entre a atividade de imaginação e a
realidade é de caráter emocional.” O estado de ânimo com que se está, seja
ele de alegria ou de desgraça, faz olhar para as coisas diferentemente.
Fenômeno notado há muito pelos psicólogos, que o denominaram dupla
expressão dos sentimentos, frise-se que qualquer sentimento tem expressão
externa, no corpo, e interna, “na seleção de ideias, imagens, impressões.”
(VYGOTSKI, 2009, p.25-26). Esta influência do fator emocional sobre a
fantasia é denominada pelos psicólogos como “lei do signo emocional comum”.
(VYGOTSKI, 2009, p.26).
Vygotski cita Ribot para descrever um tipo de combinação onde imagens
afetivas com tom afetivo comum unem-se. Alegria, tristeza, amor, ódio,
espanto, tédio, orgulho, cansaço etc. podem tornar-se centros de gravidade os
quais agrupam impressões ou acontecimentos sem vínculo racional, mas com
o mesmo signo ou traço emocional. Associar cores e sensações térmicas
afirmando que determinada cor é fria ou outra é quente, por exemplo, “o tom
azul-claro é frio e o vermelho é quente”, neste caso “a fantasia guiada pelo
17
fator emocional – pela lógica interna do sentimento – constituirá o tipo de
imaginação mais subjetivo, mais interno.” (VYGOTSKI, 2009, p.27-28).
No texto é mencionada uma relação inversa em que “a imaginação influi
no sentimento”. Novamente Vygotski traz Ribot: “Todas as formas de
imaginação criativa contém em si elementos afetivos”. Significando isto “que
qualquer construção da fantasia influi inversamente sobre nossos sentimentos
e, a despeito de esta construção por si só não corresponder à realidade, todo
sentimento que provoca é verdadeiro”. Vygotski exemplifica:
Vamos imaginar um simples caso de ilusão. Entrando no quarto, ao entardecer, uma criança, ilusoriamente percebe um vestido pendurado como se fosse alguém estranho ou um bandido que entrou na casa. A imagem do bandido criada pela fantasia da criança, é irreal, mas o medo e o susto que vivencia são verdadeiros, são vivências reais para ela. Algo semelhante ocorre com qualquer construção fantasiosa. É essa lei psicológica que pode nos explicar por que as obras de arte criadas pela fantasia de seus autores, exercem uma ação bastante forte em nós. (VYGOTSKI, 2009, p.28)
A ocorrência disto é explicada por Vygotski porque imagens artísticas
fantásticas de um livro ou de uma cena de teatro, uma obra musical, provocam,
na pessoa que as frui, emoções “completamente reais [...] vividas de verdade,
franca e profundamente”. No texto vem mencionado que a ampliação e o
aprofundamento dos sentimentos descritos, “sua reconstrução criativa, formam
a base psicológica da arte da música”. (VYGOTSKI, 2009, p.29).
A quarta e última forma de relação liga-se, por um lado, intimamente
com a anterior (Não existindo realmente, produz efeito real) e, por outro, de
maneira substancial, diferencia-se dela. Explicitando-a Vygotski diz que
A sua essência consiste em que a construção da fantasia pode ser algo completamente novo, que nunca aconteceu na experiência de uma pessoa e sem nenhuma correspondência com algum objeto de fato existente; no entanto ao ser externamente encarnada, ao adquirir uma concretude material, essa imaginação “cristalizada”, que se faz objeto, começa a existir realmente no mundo e a influir sobre outras coisas. (VYGOTSKI, 2009, p.29)
Ela constitui a imaginação cristalizada ou encarnada. Dela serve como
exemplo qualquer dispositivo técnico (máquina ou instrumento) criado pela
imaginação combinadora do ser humano e que não corresponde a nada que
existe na natureza embora mantenha “uma relação persuasiva, ágil e prática
com a realidade” e influa realmente no mundo que o cerca (VYGOTSKI, 2009,
p.29).
18
Para esquematizá-los Vygotski afirma que se pode dizer que estes
produtos da imaginação descrevem um círculo, em seu desenvolvimento, ao
passarem por uma longa história. Os elementos que os constituem foram
hauridos da realidade por quem os elaborou. Internamente, no pensamento do
(a) elaborador (a), transformam-se em produtos da imaginação, numa
complexa reelaboração e, finalmente “retornam à realidade com uma nova
força ativa que a modifica. Assim é o círculo completo da atividade criativa da
imaginação”. (VYGOTSKI, 2009, p.29-30).
No círculo completo da imaginação os fatores emocional e intelectual
mostram-se necessários para a criação. Pensamento e sentimento movem a
criação humana (VYGOTSKI, 2009, p.30)
Recorrendo novamente a Ribot VYGOTSKI traz a questão de
pensamento e sentimento serem inseparáveis enfocando-a a partir da citação
do texto onde são analisados o “pensamento preponderante” e o “sentimento
preponderante” como quase equivalentes (VYGOTSKI, 2009, p.30).
Finalizando o capítulo são analisadas a necessidade e a influência da
arte nas ideias humanas. No texto VYGOTSKI faz sua análise baseado na
criação literária e teatral. O comentário de Ana Luiza Smolka, incluído nesta
edição brasileira da obra, à margem do texto, destaca que, embora a análise
seja feita baseando-se nestas duas formas de criação, VYGOTSKI “aponta que
a obra de arte não se reduz a essas formas” (SMOLKA in VYGOTSKI, 2009,
p.33).
VYGOTSKI destaca que as produções artísticas
podem exercer [...] influência sobre a consciência social das pessoas apenas porque possuem sua própria lógica interna. O autor de qualquer obra artística [...] combina imagens da fantasia não à toa e sem propósito ou amontoando-as casualmente, como num sonho ou num delírio. Pelo contrário, as obras de arte seguem a lógica interna das imagens em desenvolvimento, lógica essa que se condiciona à relação que a obra estabelece entre o seu próprio mundo e o mundo externo.
Tal consideração realça, do ponto de vista pedagógico, especialmente
quando se trabalha com a obra de arte, a importância do cuidado de fazê-lo
buscando compreender a especificidade deste tipo de produção ao fruí-la.
Encontra-se em KOSIK que nas etapas históricas do seu
desenvolvimento a humanidade o integra no presente, mediante sua atividade
criativa, mediante sua práxis, num processo que é ao mesmo tempo crítica e
19
avaliação do passado. Tanto a objetividade quanto a subjetividade incluem-se
neste processo criando natureza humana, que vem impregnada ao mesmo
tempo das relações materiais, das forças objetivas e da faculdade de
compreender o mundo subjetivamente – científica, artística, filosófica,
poeticamente, etc. (2002, p.150).
Frise-se ainda a perspectiva de que este estudo vai sendo feito no
sentido de cooperar para que as discussões e reflexões realizadas ganhem
concretamente a possibilidade de ser efetivadas nas ações pedagógicas
pensadas, organizadas e praticadas pelos (as) profissionais da educação com
os (as) estudantes, implementando-as de fato.
Propõe-se a elaboração de uma atividade focando, em especial, o conteúdo
desta na aplicação teórico-prática do estudo da imaginação e criação realizado.
20
UNIDADE IV
EM BUSCA DAS RAÍZES DA PSICOLOGIA E DA PEDAGOGIA DA
“ESCOLA DE VYGOTSKI”
O recurso à Psicologia e à Pedagogia Histórico-Cultural da “Escola de
Vygotski” exige um aprofundamento teórico no materialismo dialético e no
materialismo histórico, raízes das concepções elaboradas por Vygotski e seus
colaboradores, o que será feito aqui, de modo sintético, reconhecendo-se o
grande desafio que constitui tal empreitada.
Base filosófica do marxismo o materialismo dialético tenta “... buscar
explicações coerentes, lógicas e racionais para os fenômenos da natureza, da
sociedade e do pensamento.” Tem uma longa tradição na filosofia materialista
e baseia-se numa interpretação dialética do mundo, raízes do pensamento
humano, que se unindo nesta corrente do pensamento constituem uma
concepção científica da realidade aprofundada com a prática social humana.
Buscando ser uma teoria orientadora da revolução do proletariado, tem como
princípios a matéria, a dialética e a prática social. Como pensar filosófico se
propõe como fundamento “... o estudo das leis mais gerais que regem a
natureza a sociedade e o pensamento...”. O materialismo dialético mostra
como se dá a transformação da matéria e a realização da passagem das
formas inferiores às superiores. Uma de suas ideias mais originais talvez seja
ter ressaltado a importância da prática social como critério da verdade na teoria
do conhecimento. Enfocando historicamente o conhecimento destaca o relativo
e o absoluto interconectados. Assim, as verdades científicas, geralmente, tem o
significado de graus de conhecimento, com a limitação histórica, não
significando este relativismo o reconhecimento da incapacidade humana de
atingir a posse da verdade. (TRIVIÑOS, 2010, p.51)
Já o materialismo histórico como ciência filosófica do marxismo estuda
as leis sociológicas que caracterizam a vida em sociedade, sua evolução
histórica e a prática social dos homens no desenvolvimento da humanidade.
Ele “... significou uma mudança fundamental na interpretação dos fenômenos
sociais que, até o nascimento do marxismo, se apoiavam em concepções
idealistas da sociedade humana.” Suas bases foram colocadas pela primeira
21
vez por Marx e Engels em sua obra A ideologia alemã. Nesta obra teciam
críticas à compreensão da história dos jovens seguidores de Hegel e a de
Feuerbach como “resultado das ideologias e da presença dos “heróis”, ao invés
de buscar nas relações de produção os fundamentos das sociedades.” Esta
concepção ressalta que as ideias têm força capaz de produzir a introdução de
mudanças nas bases econômicas pelas quais foram originadas. Desta forma,
coloca em destaque a ação político-partidária e dos agrupamentos humanos,
entre outras, como ações capazes de produzir transformações de importância
nos fundamentos materiais dos grupos sociais. No materialismo histórico são
esclarecidos conceitos como ser social, ”consciência social”, meios de
produção, força produtivas, relações de produção e modos de produção. (Ibid.,
p.51 - 52).
Ao analisar os fenômenos o pensamento de Vygotski tem como
propriedade o historicismo, sendo importante lembrar as raízes humanistas de
sua obra, buscadas na crítica literária de A. A. Potevniá. Isto “... ajudou-o a
alcançar a dialética marxista, a dominar o método histórico marxista.” Esta
realização elevou o seu “modo de pensar a uma fase qualitativamente nova.”
(LEONTIEV, 1999, p.445).
Como ideia básica de Vygotski se tem que nas funções psíquicas
determinados “instrumentos psicológicos” agem como mediadores. Isto tinha
sentido somente porque as próprias funções eram “contempladas como
formações integrais com uma complicada estrutura interna”. Tal formulação
suprimia de imediato a “análise atomística” e abria-se a partir daí “a perspectiva
de um enfoque materialista global e objetivo na análise do psíquico, que era
interpretado como um sistema não-fechado, estruturado de forma complexa,
aberto ao mundo exterior”. (Ibid.)
22
Tendo como referência as questões formuladas a seguir é proposta a
vivência de um seminário que deverá ser organizado e realizado
cooperativamente:
Em sua formação profissional houve estudos aprofundados na História,
na Filosofia, na Sociologia, na Pedagogia e na Psicologia?
Se houve, que enfoque ideológico estes estudos tinham? Aproximaram-
se em algum momento do materialismo dialético e do materialismo histórico?
Se não houve ou se foram estudos superficiais quais as consequências
que isto trouxe para a sua formação?
Sua prática pedagógica, a elaboração teórica que a sustenta foram
influenciadas de algum modo pela sua formação profissional?
Obs.: No coletivo de professores onde for concretizada esta vivência poderá se buscar a mediação de alguém ou de
alguma produção (texto, filme, ou outra qualquer) que aprofunde o embasamento do coletivo.
23
UNIDADE V
QUAL HOMEM, QUAL MULHER E PARA QUE MUNDO?
Pensar o ser humano jovem e adulto, homem ou mulher, no seu
processo de desenvolvimento exige uma tomada de posição teórica, o assumir
uma concepção de desenvolvimento e de humanidade. Aqui, em consonância
com a teoria em estudo, são tomados por base os pressupostos do
materialismo histórico-dialético o qual considera que o ser humano que nasce
hoje em quase nada se diferencia de seus antepassados. Todo o
desenvolvimento intelectual produzido ao longo da história não é herdado
biologicamente destes antepassados. “Sua herança é social, herda uma forma
de ser consubstanciada nos instrumentos, na linguagem, nos costumes, enfim
tem em seu entorno uma cultura” (SFORNI, 2004, p.86). Na afirmação de
Leontiev (in Ibid., p.86) “... cada indivíduo aprende a ser homem. O que a
natureza lhe dá ao nascer não lhe basta para viver em sociedade. É-lhe ainda
preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico
da sociedade humana”.
Embora esteja presente na produção material e ideal (do campo das
ideias) da atividade humana, este desenvolvimento, a apropriação dele
somente se dá por meio de ações motoras e mentais tendo todas elas a
necessidade de serem “descobertas” pelo indivíduo. Bruner destaca: “... o
mundo que emerge frente a nós já é conceitual” (in Ibid., p.87).
Na compreensão de Leontiev o apropriar-se do mundo real, conceitual,
se fazer homem, constitui-se num constante problema a ser solucionado pelo
indivíduo:
O mundo real, imediato, do homem, que mais do que tudo determina a sua vida, é um
mundo transformado e criado pela atividade humana. Todavia, ele não é dado
imediatamente ao indivíduo, enquanto mundo de objetos sociais, de objetos
encarnando aptidões humanas formadas no decurso do desenvolvimento da prática
sócio-histórica; enquanto tal, apresenta-se a cada indivíduo como um problema a
resolver (LEONTIEV, in Ibid., p.87).
O conceito de atividade trazido por Leontiev busca explicar o processo
de apropriação da experiência social no modo tratado por Marx e Engels:
24
Mesmo os instrumentos ou utensílios da vida cotidiana mais elementares têm de ser
descobertos ativamente na sua qualidade específica pela criança, quando esta os
encontra pela primeira vez. Por outras palavras, a criança tem de efetuar a seu respeito
uma atividade prática ou cognitiva que responda de maneira adequada (o que não quer
dizer de maneira forçosamente idêntica) à atividade humana que eles encarnam
(LEONTIEV, in Ibid., p.88).
Esta apropriação está ligada à participação do indivíduo na coletividade
onde o instrumento ou signo tem significação social, estando ele imerso em
processos interpsíquicos (de interação psíquica entre pessoas). Pelo processo
de interiorização dá-se a assimilação da atividade social, dos seus
procedimentos de realização e o domínio no uso dos meios que possibilitam o
direcionamento do comportamento, mas agora se formam no indivíduo nos
processos intrapsíquicos (na estrutura psíquica da própria pessoa).
Numa perspectiva de enraizamento cultural, a qual supõe o domínio dos
mecanismos para tornar-se uma pessoa culta e realimentar com sua obra o
enriquecimento, a afirmação e a renovação do patrimônio cultural (FARIÑAS,
2004, p.12), torna-se importante deixar claro que aqui se está trabalhando com
o conceito antropológico de cultura no qual ela é constituída por toda a ação
humana sobre a natureza, transformando-a em si, enquanto natureza humana
e ao seu redor.
Quando se trabalha a educação do ser humano criança, adolescente
homem ou mulher, na expectativa de reeducação permanente, o enfoque
Histórico-Cultural se constitui na rica possibilidade de organização, de
planejamento e de concretização desta ação educativa reconsiderando-se
aspectos aparentemente individuais, fruto de escolhas pessoais isoladas de um
todo, como coletivos, resultantes de como o meio social, do qual se faz parte,
está estruturado. Neste enfoque, como ser humano se é produto de tempos e
de lugares, da cultura destes, que quanto mais são sentidos, percebidos,
compreendidos e controlados conscientemente mais trazem em si
possibilidades de desenvolvimento.
Encontra-se em Vygotski, conforme MOURA (2006, p.166), a
fundamentação para a compreensão dos sujeitos em processo de
alfabetização e a crença em suas possibilidades de desenvolvimento
intelectual, entendendo o cérebro como sistema aberto, de grande plasticidade,
25
com estrutura e maneira de funcionar moldáveis ao longo da história humana e
do desenvolvimento do indivíduo.
As investigações de Vygotski, sobre o desenvolvimento das funções da
memória, atenção, percepção, abstração, pensamento e formação de
conceitos, empregando o método “histórico-genético”, levam-no a descobrir a
linguagem como signo especial, mediador por excelência, tendo raiz social e
biológica, diferenciando o ser humano dos demais animais, com uma
estruturação orgânica que possibilita o desenvolvimento dos mecanismos de
linguagem. Essa possibilidade associada à vivência sociocultural torna possível
o desenvolvimento psicológico (MOURA, 2006, p.156).
Considera-se aqui a aprendizagem conceitual enquanto categoria de
compreensão e de organização do processo de educação escolar na
concepção histórico-cultural. Pensa-se, com Vygotski que
O desenvolvimento dos processos que finalmente culminam na formação de conceitos
começa na fase mais precoce da infância, mas as funções intelectuais que, numa
combinação específica, constituem a base psicológica do processo de formação de
conceitos amadurecem, configuram-se e se desenvolvem somente na puberdade
(VYGOTSKI, 2000, p.167).
Partindo deste pressuposto, portanto, quando se trabalha com
estudantes a faixa etária e em especial o estágio de desenvolvimento real
atingido por eles (as) torna-se um dado fundamental, seja como ponto de
partida ou como ponto de chegada da ação educativa da qual participam.
Como concretizar isto considerando as condições objetivas e subjetivas com
as quais se tem a necessidade real de lidar como professor (a)?
Obs.: É proposto aqui que aconteça uma elaboração de texto coletiva, considerando pelo menos as categorias tempo, espaço, número de estudantes e estágio de desenvolvimento.
26
UNIDADE VI²
DELINEANDO ASPECTOS DA REALIDADE ESPECÍFICA “CELA DE
AULA”³
Um (a) profissional de educação que tem o desafio de concretizar um
trabalho educativo escolar com homens e mulheres privados de liberdade
encontra no perfil destes (as) estudantes e no tipo de instituição onde acontece
o trabalho algumas características que terão grande influência na realização da
ação educativa.
PRESENÇA DA EXPERIÊNCIA ESCOLAR
A pequena frequência à escola fora do sistema prisional, e o
afastamento da escolarização há pelo menos dez anos, antes da prisão,
apontados pelos (as) estudantes em Queluz, tendo-se em consideração a faixa
etária com predominância dos mais jovens (2006, p.32) faz indagar como se dá
o processo de formação de conceitos neste segmento da população.
Ponderando ainda com Vygotski o fato de que
...onde o meio não cria os problemas correspondentes, não apresenta novas
exigências, não motiva nem estimula com novos objetivos o desenvolvimento do
intelecto, o pensamento do adolescente não desenvolve todas as potencialidades que
efetivamente contém, não atinge as formas superiores ou chega a elas com um
extremo atraso. (VYGOTSKI, 2000, p.171).
Há que ser observada a defasagem cultural, educacional, fruto da
situação de exclusão concreta a que esteve e ainda está sujeito este segmento
social, observação que exigirá, sempre, dos trabalhadores da educação uma
atenção especial no rumo da superação desta defasagem, desta exclusão.
__________________
²Nesta unidade busca-se direcionar o estudo a ser realizado inserindo as especificidades Psicológicas e Pedagógicas do espaço prisional e mediar esta ação com os pressupostos da “Escola de Vygotski”.
³“Cela de aula” é uma metáfora elaborada e utilizada por QUELUZ (2006).
27
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO ESPAÇO PRISIONAL
Além disto, vale lembrar que em GOFFMAN (2005, p.17) penitenciárias
vem apresentadas como instituições totais, organizadas “para proteger a
comunidade contra os perigos intencionais, e o bem estar das pessoas assim
isoladas não constitui problema imediato”. Incluem-se na mesma categoria
institucional campos de prisioneiros de guerra e campos de concentração. No
mesmo autor, quando descreve estas instituições, encontramos que
Uma disposição básica da sociedade moderna é que o indivíduo tende a dormir, brincar e trabalhar em diferentes lugares, com diferentes coparticipantes, sob diferentes autoridades e sem um plano racional geral. O aspecto central das instituições totais pode ser descrito com a ruptura das barreiras que comumente separam essas três esferas da vida. Em primeiro lugar, todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local e sob uma única autoridade. Em segundo lugar, cada fase da atividade diária do participante é realizada, na companhia imediata de um grupo relativamente grande de pessoas, todas elas tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas coisas em conjunto. Em terceiro lugar, todas as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horário, pois uma atividade leva, em tempo pré-determinado, à seguinte e toda a sequência de atividades é imposta de cima, por um sistema de regras formais explícitas e um grupo de funcionários. Finalmente, as várias atividades obrigatórias são reunidas num plano racional único, supostamente planejado para atender aos objetivos oficiais da instituição (GOFFMAN, 2005, p. 17 - 18).
Cabe destacar aqui a maior necessidade de vida do homem e da mulher
em privação de liberdade como se encontra citado em QUELUZ:
Os Projetos Político-Pedagógicos das escolas públicas costumam trazer um
perfil dos (as) estudantes por elas atendidos. Você conhece o perfil traçado na
sua escola? Você concorda com ele?
Como você trabalha normalmente com o perfil do (a) estudante na
organização da prática pedagógica pela qual é responsável?
Que aspectos são relevantes na constituição deste perfil como dados que
contribuam para a qualificação da ação educativa a ser realizada?
No espaço prisional é comum serem realçados aspectos da ação criminal
destes (as) homens e mulheres. Como trabalhar com esta situação
pedagogicamente, na perspectiva de reintegração à vida em liberdade?
Obs.: Em grupos, poderá ser buscado o acesso ao Projeto Político Pedagógico de sua escola.
28
Manifestavam como expectativa de vida mais marcante a liberdade e na sequência
coisas ligadas a ela: o recebimento de visitas (uma vez por semana, no dia da visita, no
máximo três vezes ao mês); o trabalho nos setores (cada três dias trabalhados,
portanto vinte e quatro horas reduz um dia de pena); a escola (cada doze horas de
frequência à escola reduz um dia de pena, a partir da conclusão do curso); a
alimentação e a atividade física; e [...] participação em cursos profissionalizantes (2006,
p.26).
Como consequência pedagógica tal situação vem mostrar que na
hierarquia de necessidades destes (as) a escola ocupa como já ocorreu
anteriormente quando da interrupção dos seus estudos, um papel secundário,
agora também em função da necessidade maior que é a superação da
privação de liberdade.
Manifesta-se como um grande desafio para quem trabalha a educação
na escola prisional a busca de reorientação desta expectativa acima descrita,
descortinando, para além da função de “moeda de troca” direta pela liberdade,
a condição de desenvolvimento psicológico que o acesso ao mundo do
conhecimento pode trazer num processo de aquisição das formas de cultura
historicamente elaboradas.
Em JERANOSKI (2005, p.34) encontra-se que
... os detentos, agora em liberdade, após cumprimento da pena julgada,
reincidem menos em delitos se, enquanto reclusos, participaram de atividades
educacionais, disponibilizadas. [...] Comparando as taxas de reincidentes entre
os que se submeteram a um programa educacional e aqueles que não
participaram deste programa, o resultado obtido apurou que o coeficiente de
reincidência é de 42 % entre os participantes e de 58 % para os não
participantes da escola. Estes dados por si só já demonstrariam a importância
da escola no sistema penitenciário. Dando continuidade à pesquisa, levantou-
se os dados da escolaridade dentre esses 42 % de possíveis reincidentes e
obteve-se um coeficiente de apenas 2,68 % de reincidentes entre aqueles que
permaneceram mais tempo no ambiente escolar e chegaram a concluir o
Ensino Médio. Após entrevista com 13 dos 14 internos, concluiu-se que o
índice é ainda menor, visto que os relatórios incluem dentre os 14 internos,
alguns que não tinham o perfil de reincidente conforme art. 63 e 64 do Código
Penal. O resultado sugere, por conseguinte, que a educação se presta à
diminuição das taxas de reincidência penitenciária e à necessidade de
incrementar o atendimento aos privados de liberdade que ainda não participam
das atividades escolares. (JERANOSKI, 2005, p.34).
As conclusões desta pesquisa, acima trazida, com certeza, cooperam,
primeiramente e de maneira contundente, para evidenciar a tese da “Escola de
29
Vygotski” de que o “bom ensino” se antecipa ao desenvolvimento humano
(VYGOTSKI, 2006, p. 114) e ainda denotam com profunda clareza a
importância da oferta de educação de qualidade tanto fora como dentro do
sistema penitenciário. Constituem-se, portanto, num rico recurso de
argumentação a favor da educação tanto prisional como extra prisional.
EM MEIO A CONTRADIÇÕES: MUITAS IGUALDADES LEGAIS E
MUITAS DESIGUALDADES SOCIAIS
Considerando-se apenas o Estado do Paraná, algo em torno de 25 mil
homens e mulheres (elas, provavelmente, não chegam a cinco por cento deste
total) presos (as) e quantos (as) efetivamente podem ser atendidos (as) dentro
dos moldes do que propõe a Lei?
No caso da educação prisional há que ser considerada a situação de
que, de conformidade com a Lei de Execução Penal – LEP Nº 7210, de
11/07/84, artigos 10º e 11º, onde se lê, respectivamente: “A assistência ao
preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar
o retorno à convivência em sociedade.” e “A assistência será: [...] IV –
educacional” (BRASIL, 1984), a ressocialização que visa à reintegração na vida
em sociedade dos (as) homens e mulheres privados (as) de liberdade tem na
assistência educacional, no trabalho educativo escolar, uma possibilidade
efetiva de acontecer, embora a avaliação da qualidade com que esta ação
efetivamente contribui para a reintegração ainda careça de um aprofundamento
mais objetivo. (BRASIL, 1984)
Como fazê-lo?
Elabore um texto apresentando sua proposta. Socialize-o como os demais
profissionais.
Obs.: sugere-se aqui a retomada deste estudo de JERANOSKI (2005) e que algum (uns) dos
possíveis enfoques do texto a ser elaborado seja (m) alguma (s) forma (s) de busca de
superação da compreensão da escola prisional como “moeda de troca” pela liberdade.
30
Neste sentido, se tem aqui o reforço da necessidade de que haja um
“bom ensino” que, lembrando sempre, segundo Vygotski (2006, p.114) “é o que
se adianta ao desenvolvimento”.
A compreensão do conceito Zona de Desenvolvimento Próximo,
entendido como a distância entre o Desenvolvimento Real, evidenciado naquilo
que a pessoa que aprende pode realizar sozinha e o Desenvolvimento
Potencial, percebido no que realiza com a ajuda de outra pessoa que já domine
o conhecimento objeto da aprendizagem, possibilita que o ensino esteja
organizado propiciando aos (às) estudantes o desenvolvimento de funções que
estão em processo de amadurecimento. Faz-se necessário que este ensino se
estruture de modo que as funções cognitivas que se espera desenvolver sejam
realizadas pelo professor e pelos (as) estudantes, isto é, no plano interpsíquico,
até que gradualmente, cada indivíduo as desenvolva no plano intrapsíquico.
(VYGOTSKI, in SFORNI, 2004, p.41).
Outro grande desafio se constitui, portanto, na compreensão e
decorrentes dela na organização, na realização e na avaliação da prática
pedagógica que acontece na educação da escola dos (as) privados (as) de
liberdade com a profundidade e a responsabilidade que tal prática necessita.
Como trabalhador da educação, professor, que vem atuando nos últimos
seis anos com a educação formal de homens e mulheres privados (as) de
liberdade na fase inicial da escolarização, fase I, na qual a maior parte dos (as)
estudantes está completando seu processo de alfabetização este desafio vem
ganhando, de dois anos para cá, a contribuição dos estudos, das pesquisas,
das descobertas da teoria Histórico-Cultural.
Segundo SFORNI, embora nas últimas décadas verifique-se nas
propostas de ensino a presença das teorias construtivistas e histórico-cultural,
referenciadas em PIAGET E VYGOTSKI, respectivamente, esta presença não
consegue incidir além do discurso pedagógico, o que é reconhecido pelos
próprios professores segundo esta pesquisadora. Ainda, segundo a mesma
autora, difícil é o estabelecimento de uma postura que manifeste um novo olhar
sobre o ser humano perante o desenvolvimento e a aprendizagem (SFORNI,
2004, p.27). É mais ou menos como diz a canção: “A lição sabemos de cor/Só
31
nos resta aprender”. Para SFORNI as concepções de desenvolvimento
presentes nos meios educacionais “... são um emaranhado de proposições
decorrentes de teorias psicológicas construídas a partir do século XIX.” Estas
concepções movimentam-se entre duas delas: a inatista, que coloca na
deficiência do processo maturacional do (a)estudante a razão para o não
aprendizado, e a ambientalista que o põe no ambiente social, e aqui
estranhamente excluindo-se a escola como parte deste ambiente (2004, p.27 e
28).
Como possibilidade de enfrentamento desta situação, no sentido de
superação desta bipolarização provocadora de estagnação, há um pouco mais
de dois anos, os (as) professores (as) da Rede Estadual de Educação do
Paraná, na Semana Pedagógica do início do ano letivo, foram provocados (as)
pela fala da professora Marta Sueli de Faria Sforni a repensar o trabalho
educativo escolar que tem o desafio de realizar desde o seu planejamento, sua
concepção, até a sua concretização.
O reconhecimento da profundidade desta fala, em especial, pelo
conteúdo do livro “Aprendizagem conceitual e organização do ensino:
contribuições da teoria da atividade”, com o qual se começou a ter uma
interação a partir do capítulo “Os conceitos científicos na formação do
pensamento teórico” que foi proposto como objeto de estudo para todos (as) os
(as) professores (as) da rede estadual, naquele momento provoca a retomada
de um percurso de aprendizagem no sentido do aprender a aprender
buscando-o como unidade complexa de análise (FARIÑAS, 2004, p.14).
“O enfoque histórico cultural, segundo Fariñas, se caracteriza por sua
visão complexa, integradora e flexível do ser humano, e também por sua
penetração na explicação do desenvolvimento humano (FARIÑAS, p.21)”.
Busca-se o enfrentamento e a superação dos obstáculos de uma
eventual situação de estudo que pode ser uma primeira aproximação com os
conceitos desta concepção pedagógica. Torna-se necessário destacar aqui
tratar-se de um processo bastante exigente inclusive quanto à revisão de toda
a formação até aqui realizada e muito provavelmente bem pouco referenciada
32
no materialismo histórico e no materialismo dialético enquanto instrumentos de
análise e de compreensão da realidade.
A compreensão de que a aprendizagem conceitual na abordagem
Histórico-Cultural possa cooperar para isto efetivamente direciona este estudo
para o processo de formação de conceitos.
Segundo Sforni, numa pesquisa realizada por Oliveira, em dois grupos, o
primeiro deles com estudantes adultos pouco escolarizados, com baixo nível de
instrução e o segundo com estudantes de curso superior, a intervenção
diferenciada em cada um dos grupos revelou-se mais relevante que o nível
instrucional e
os dados da pesquisa revelam que a organização conceitual não é um estado definitivo
de organização do pensamento, mas um movimento constante; conceitos são
reestruturados, re-significados com base nas reflexões que são promovidas em
situações interpessoais (SFORNI, 2004, p.44).
Torna-se importante, desta forma, considerar que um grupo de
trabalhadores da educação,professores, com formação mínima de
especialização a nível de pós-graduação, tenha a vivência de uma intervenção
pedagógica diferenciada que lhe possibilite desenvolvimento.
Para SFORNI (2004, p.48) quando Vygotski falava em cultura ele “tinha
a intenção de reforçar a tese de que as práticas culturais são constitutivas do
psiquismo.” A mesma autora destaca que “os fenômenos culturais não podem
ser considerados como produção simbólica alheia aos conflitos econômicos e
políticos presentes nas relações sociais onde adquirem significado.” (SFORNI,
p.48).
A cultura de massa com a qual nos deparamos hoje produz homens e
mulheres alienados e o instrumento de divulgação desta cultura, a mídia, nos
seus diferentes meios, fortalece esta forma de alienação.
Pensamos aqui com SFORNI que
A cultura é, dessa forma, objeto de ensino, seu conteúdo e sua justificativa. Se os signos e instrumentos culturais são simples e imediatamente vinculados à atividade que lhes deu origem, podem ser aprendidos de forma direta, presencial, por meio da observação e do uso. Se, entretanto, a organização social é complexa, se conta com níveis de divisão de trabalho, se as relações com a natureza são indiretas, maiores são as necessidades de situações específicas de ensino e de ambientes especiais –
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escolas – que coloquem à disposição dos indivíduos os signos e instrumentos produzidos socialmente (2004, p.21 - 22).
Os (as) professores que atuam com estudantes do sistema prisional
necessitam ter o mais claro possível a compreensão do papel que o trabalho
educativo escolar que pensam, planejam e concretizam têm de oportunizar aos
(às) alunos e alunas quanto ao acesso à cultura e, não raro, para parte deles,
como única e grande oportunidade de formação.
PENSANDO A NECESSIDADE DE EDUCAÇÃO CRIATIVA NA “CELA
DE AULA” NA PERSPECTIVA DE VYGOTSKI
Os que trabalham com a educação dos (as) privados de liberdade
recebem indagações como: - Vale à pena trabalhar com este tipo de gente? O
trabalho que é feito com eles (as) produz algum resultado? O gasto (com
certeza caberia melhor investimento) que o estado faz tem algum retorno
positivo? É bem provável que este tipo de questionamento tenha origens as
mais diversas, inclusive nas concepções neoliberais de estado mínimo com as
quais se convive na contemporaneidade, e que hoje são intensamente
defendidas por setores mais conservadores da sociedade, especialmente pela
mídia. Quando ele é feito dentro do próprio sistema prisional, por profissionais
que deveriam estar ocupados com a organização e a concretização do
processo de recuperação do homem e da mulher em privação de liberdade isto
é no mínimo preocupante.
Os (as) presos (as) trazem conceitos conservadores como estes
arraigados em sua formação e que necessariamente deverão e poderão ser
trabalhados na perspectiva de sua superação. Esta tem na ação educativa da
escola prisional a possibilidade de ser efetivamente alcançada.
Nas Semanas Pedagógicas e nos demais momentos de formação continuada
tem-se encontrado a oportunidade de pensar e de reelaborar o trabalho
educativo escolar que se tem o desafio de concretizar?
Como os trabalhadores da educação tem assumido este compromisso de
relevante responsabilidade social que a sua função demanda?
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Pensar como os (as) estudantes presidiários (as) veem o trabalho de
escolarização, visão levantada em Queluz, ilustra a visão conservadora acima
mencionada e possibilita afirmar que têm
...representação bastante formal de ensino-aprendizagem, como: quanto mais se copia,
quanto mais se enche o quadro de textos para serem copiados, e o caderno de cópias,
mais “qualidade” tem o trabalho, mais se aprende, melhor é o professor (2006, p.37).
Vygotski (1999, p.03) afirma que a atividade reprodutora guarda estreita
relação com a memória, consistindo na reprodução ou repetição de normas de
condutas formadas e criadas anteriormente ou no reviver de traços de
impressões anteriores. Sustenta que
Sucede o mesmo quando copiamos do natural, escrevemos ou fazemos algo seguindo um modelo dado, em todos estes casos reproduzimos só o que existe ante nós o que foi assimilado ou criado anteriormente, nossa atividade não cria nada novo, o principal, sua base, é a repetição com maior ou menor exatidão de algo passado (VYGOTSKI, 1999 p.03).
Exercitar o pensamento pedagógico dos (as) profissionais de educação
que têm a função de educar e reeducar estes homens e mulheres se apresenta
como algo possível, necessário e interessante quando se pensa na importância
do exercício desta função para a existência do novo homem e da nova mulher
que a ressocialização demanda.
Comente, num texto, esta afirmação, pensando no equilíbrio necessário entre
preservar e transformar a cultura humana, especialmente a cultura escolar.
Sinta-se convidado (a) a elaborar uma atividade para algum dos grupos de
estudantes com que trabalha, inserindo nesta elaboração aspectos que o
presente estudo proporcionou serem incorporados em sua prática pedagógica.
Obs.: Sugere-se aqui o estudo do texto apresentado no tópico 3 (LEONTIEV, 2004, p.286-290)
do Capítulo O HOMEM E A CULTURA, do livro O desenvolvimento do psiquismo, de Alexis
Leontiev, referenciado neste material didático.
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Caro (a) Professor (a)!
Socializar esta singela produção, haurida ao longo deste ano de
afastamento para a participação no Programa de Desenvolvimento Educacional
- PDE - do Estado do Paraná, aqui busca ser feito com a consciência de ser
esta ação um retorno que é ao mesmo tempo uma obrigação assumida quando
se aceita participar do referido programa e uma profunda esperança de que
possa ser de valia para o seu exercício profissional.
Esta pérola preciosa que é o PDE possibilita aos (às) que dele
participam e o fazem focados (as) nisto, um aprofundamento teórico e o
repensar da prática educacional da qual são, por certo, no mínimo, coautores
(as).
É necessário deixar manifestado aqui que os limites e possibilidades que
ela, como qualquer produção humana, de qualquer área, traz, poderão ser
trabalhados pela sua aceitação em conhecê-la e experimentá-la. Isto
constituirá uma parceria que produzirá um prazer e a aprendizagem e o
desenvolvimento que só pode experimentar quem arriscar vivê-la.
Desejo-lhe um rico e produtivo processo de conhecimento e
experimentação colocando-me à disposição para eventuais interações pelo e-
Fraternamente, Emerson Lemke Queluz.