O TURISMO RURAL NA COMUNIDADE DE TRÊS PICOS – NOVA FRIBURGO: POTENCIALIDADES E LIMITES
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7/24/2019 O TURISMO RURAL NA COMUNIDADE DE TRS PICOS NOVA FRIBURGO: POTENCIALIDADES E LIMITES
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE TURISMO E HOTELARIA
DEPARTAMENTO DE TURISMO
VIVIANNE MATOS DE ANDRADE MOROR
O TURISMO RURAL NA COMUNIDADE DE TRS PICOS
NOVAFRIBURGO: POTENCIALIDADES E LIMITES
Niteri
2015
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VIVIANNE MATOS DE ANDRADE MOROR
O TURISMO RURAL NA COMUNIDADE DE TRS PICOSNOVA
FRIBURGO: POTENCIALIDADES E LIMITES
Niteri
2015
Trabalho de concluso de curso apresentadoao Curso de Turismo da Universidade FederalFluminense, como requisito parcial deavaliao para a obteno do grau deBacharel em Turismo.
Orientadora: Prof. Dr. Helena CatoHenriques Ferreira
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O TURISMO RURAL NA COMUNIDADE DE TRS PICOSNOVA
FRIBURGO: POTENCIALIDADES E LIMITES
POR
VIVIANNE MATOS DE ANDRADE MOROR
F
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________
Prof. Dr Helena Cato Henriques FerreiraOrientadora
______________________________________________________________
Prof.Dr. Ari da Silva Fonseca FilhoDepartamento de Turismo
______________________________________________________________
Prof. Dr. Marcello de Barros Tom MachadoDepartamento de Turismo
Niteri, junho de 2015
Trabalho de concluso de curso apresentadoao Curso de Turismo da Universidade FederalFluminense, como requisito parcial deavaliao para a obteno do grau deBacharel em Turismo.
Orientadora: Prof. Dr. Helena CatoHenriques Ferreira
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AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Ana e Moror, que apesar das dificuldades, sempre meofereceram o melhor possvel, contribuindo para a minha formao tica e me
ensinando que com esforo e perseverana se chega a qualquer lugar. Tambm sou
grata ao Vincius, meu irmo, e ao Victor pelo apoio e pelas conversas filosficas
sobre meus dilemas acadmicos, no apenas durante a construo deste trabalho,
mas ao longo da minha graduao como turismloga.
Helena, minha orientadora e parceira nessa pesquisa, que com muita
sensibilidade e gentileza me ajudou a conduzir as reflexes levantadas ao longo
dessa monografia.
Aos moradores de Trs Picos, em especial ao Pedro e sua famlia, que muito
cordialmente nos receberam em suas casas e falaram de suas vidas.
Por ltimo, porm, sem dvidas, no menos importante, agradeo a todos os
professores e colegas de classe que conheci ao longo da minha trajetria na
Universidade Federal Fluminense e na Universidade Nova de Lisboa, pessoas que
maravilhosamente contriburam para minha formao pessoal e profissional durante
o tempo de estudo que tivemos a oportunidade de compartilhar.
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RESUMO
As configuraes do mundo rural contemporneo fazem com que esse espaoestabelea trocas e fronteiras cada vez mais flexveis com a realidade urbana.Nesse sentido, juntamente ao contexto de crise agrcola no Brasil e em outrospases do mundo, novas funes e formas de trabalho foram atribudas ao campo,com destaque para seu papel como lugar de lazer, consumo e proteo ambiental.Diante do enfraquecimento da agricultura familiar como atividade econmica, otrabalho com turismo passa a representar uma oportunidade de complemento renda obtida com a produo. Alm disso, o turismo no meio rural ressignifica asprticas e tradies locais ao consider-las atrativas, valorizando-as e contribuindopara o fortalecimento da identidade campesina. Tendo como base essas reflexes ea realidade observada no vilarejo de Trs Picos, localizado em Nova Friburgo (RJ), a
premissa central desse trabalho compreender at que ponto a pluriatividade com oturismo rural oferece s famlias produtoras a possibilidade de manter o espao ruralda agricultura familiar como lugar de moradia e trabalho, e como a organizaocomunitria da atividade colabora para esse processo. Por meio de uma pesquisaqualitativa com base etnogrfica, estruturada em entrevistas e observao direta,trazemos aqui os elementos apreendidos na localidade em estudo, a fim decontribuir para o debate terico acerca do turismo rural, entendendo a atividadeturstica como um fenmeno social complexo que, apesar de suas contradies, capaz de se opor desvalorizao econmica e simblica da profisso de agricultore reforar os laos sociais do atual espao rural.
Palavras-chave:Turismo rural. Agricultura familiar. Pluriatividade. Trs Picos.
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ABSTRACT
The configurations of the contemporary rural world make this space establishexchanges and increasingly flexible boundaries with the urban reality. In this sense,alongside the context of agricultural crisis in Brazil and other countries of the world,new functions and forms of labour were assigned to the countryside, highlighting itsrole as a place of leisure, consumption and environmental protection. Because of theundermining of family farming as an economic activity, working with tourism becomesan opportunity to supplement the income from agricultural production. In addition,tourism in rural areas re-signifies local practices and traditions by considering them atourist attraction, what make them more valuable and contribute to the strengtheningof local identity. Based on these reflections the reality observed in the village of theTrs Picos (Three Peaks), located in Nova Friburgo (RJ), the central premise of this
work is to understand how tourism as pluriactivity offers a way of maintaining thefamily farms countryside as a place of residence/work, and how the communityorganization of tourism contributes to this process. Therefore, through a qualitativeresearch with ethnographic basis, using interviews and direct observation, we bringhere elements of fieldwork in order to contribute to the theoretical debate about ruraltourism, understanding this activity as a complex social phenomenon that (despite itscontradictions) is able to oppose the economic and symbolic devaluation of thefarming profession and to strengthen the social ties of the current countryside.
Keywords: Rural tourism. Family agriculture. Plural activities. Trs Picos.
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SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................... 8
1. TURISMO RURAL E AGRICULTURA FAMILIAR ........................................................... 121.1 RURAL E URBANO ....................................................................................................... 17
1.2 TURISMO, AGRICULTURA FAMILIAR E PLURIATIVIDADE: A
MULTIFUNCIONALIDADE EM QUESTO .......................................................................... 21
1.2.1 As mltiplas funes do rural e da agricultura....................................................... 26
1.3.O RURAL PRESERVADO: O CONTEXTO DE VALORIZAO DE REAS
NATURAIS...... ..................................................................................................................... 31
1.4 A SUSTENTABILIDADE NO CAMPO: TURISMO SUSTENTVEL, ECOTURISMO E
TURISMO RURAL ............................................................................................................... 38
1.5 O TURISMO NO ESPAO RURAL: O JOGO DE SUBCATEGORIAS ........................... 431.5.1 Breve histrico: bero europeu ............................................................................... 44
1.5.2 Abordagens conceituais: adaptaes realidade brasileira................................. 47
1.6 O TURISMO DE BASE COMUNITRIA: APLICAES REALIDADE RURAL ........... 54
1.6.1 Roteirizao turstica: o associativismo e os circuitos de turismo rural.............. 61
2. SERRA FLUMINENSE E NOVA FRIBURGO: PECULIARIDADES DE UM ESTADO
URBANO ............................................................................................................................. 64
2.1 DA URBANIZAO PRESERVAO: UM PANORAMA SOCIOECONMICO DE
NOVA FRIBURGO ............................................................................................................... 69
2.2 CAMPO DO COELHO E A COMUNIDADE DE TRS PICOS:O RURALFRIBURGUENSE ................................................................................................................ 76
2.3 O PARQUE ESTADUAL DE TRS PICOS: A PRESERVAO DE UM ESPAO
PBLICO ............................................................................................................................. 80
3. TURISMO RURAL, AGRICULTURA E PROTEO AMBIENTAL: REFLEXES A
PARTIR DA COMUNIDADE DE TRS PICOS .................................................................... 85
3.1 O PROCESSO DE APROXIMAO DA REALIDADE LOCAL: INSPIRAES
ETNOGRTICAS ................................................................................................................ 86
3.2 DO MONTANHISMO AO TURISMO RURAL: POSSIBILIDADES DE
DEMOCRATIZAO DA ATIVIDADE ................................................................................. 913.2.1 Influncias externas e o perfil do visitante: dificuldades e oportunidades para o
turismo rural comunitrio ................................................................................................. 95
3.2.2 O Circuito Trs Picos e a organizao do turismo local...................................... 105
3.3 PARQUE ESTADUAL DOS TRS PICOS: DA RELAO DE AMEAA
CONSTRUO DO PENSAMENTO AMBIENTAL E DO TURISMO LOCAL ..................... 113
3.3.1 Transformaes na agricultura: prticas agroecolgicas e o turismo como
pluriatividade ................................................................................................................... 114
3.3.2 Adaptaes, novos olhares e valorizao da vida rural...................................... 120
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 126
REFERNCIAS ................................................................................................................. 130
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INTRODUO
As experincias pioneiras de turismo no espao rural brasileiro partiramprincipalmente de reas economicamente prejudicadas por crises agropecurias. A
difuso dessas experincias, no entanto, vai alm das dificuldades enfrentadas pelo
campo e se relaciona s mudanas de paradigmas vividas pela sociedade, que
passa a refletir sobre questes como o desenvolvimento sustentvel, diante dos
efeitos do modelo de produo voltado estritamente para o desenvolvimento
econmico. Nessa direo, o mundo rural ganha novos significados, e passa a ser
visto como lugar da natureza, de tranquilidade e de qualidade de vida, demandandoa preservao de suas especificidades. No turismo, frente preocupao com os
impactos socioambientais da atividade e ao fluxo de pessoas interessadas em reas
rurais, esse contexto levou ao surgimento de segmentos que se consideram opostos
ao turismo de massa, como o turismo rural, o ecoturismo e o agroturismo, etc.
Baseadas na noo de turismo sustentvel, essas tipologias partem da premissa de
integrar as populaes locais s prticas tursticas, e estabelecer relaes mais
equilibradas com seus modos de vida e os recursos naturais.Concomitantemente a esses processos, a agricultura familiar enfrenta as
consequncias de um passado recente de desvalorizao econmica e social. E a
pluriatividade, a partir da atividade turstica, ao menos em tese, se coloca como
oportunidade para que os pequenos produtores complementem sua renda. A
premissa de que o turismo capaz de gerar um novo fluxo de pessoas e postos de
trabalho por onde se instala, fazendo com que as populaes encontrem em suas
localidades fontes de renda alternativas e avanos nos servios pblicos essenciais.
H divergncias sobre essa questo. Alguns autores acreditam que o turismo
rural pode sim contribuir para a melhora nas condies de vida das famlias
agricultoras e para o reforo de identidades campesinas. Afinal, trata-se de uma
atividade baseada no patrimnio rural material e imaterial, tendo como atrativos a
paisagem natural e construda, com lavouras, cachoeiras, montanhas e a arquitetura
de casas locais, bem como as prticas tradicionais da vida no campo (RAMIRO;
ROMERO, 2013). Por outro lado, para outros, o discurso do turismo rural como
atividade promissora e fonte de renda para as famlias agricultoras pode ser
apropriado por atores sociais mais interessados na gerao de lucro do que no
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desenvolvimento rural. Para Candiotto (2013), esse contexto pode gerar uma
insero arbitrria do turismo no espao rural, no contemplando o objetivo dessa
forma de pluriatividade: a melhoria de qualidade de vida dos agricultores envolvidos.
Tomando como base essas discusses, o objetivo central deste estudo reside
na identificao da presena, das particularidades e da importncia do turismo rural
para a comunidade habitante no vilarejo de Trs Picos, localizado na zona rural do
3 distrito de Nova Friburgo, municpio do estado do Rio de Janeiro.
Este trabalho se justifica pela necessidade de estudos que contribuam com o
entendimento da noo de turismo rural e sua ligao com a agricultura familiar com
vistas um turismo mais justo, inclusivo e sustentvel por meio da anlise crtica da
realidade atual. Assim sendo, com metodologia qualitativa de base etnogrfica,utilizando entrevistas e tcnicas de observao direta, os dados levantados ao longo
da pesquisa de campo realizada em Trs Picos so aqui analisados luz dos
principais debates tericos que perpassam o turismo rural e a agricultura familiar.
A questo central colocada a de entender em que medida o turismo
representa uma atividade pluriativa acessvel aos agricultores familiares, e suas
possibilidades e limites em contribuir para o desenvolvimento socioeconmico local.
Com base nos estudos sobre o tema, a hiptese levantada foi a de que o turismorural pode colaborar para a melhoria de vida das famlias agricultoras e para a
valorizao de suas prticas e tradies, desde que siga um modelo capaz de incluir
a populao local na organizao da atividade.
O uso pleno do potencial do turismo rural como fonte de renda e de
valorizao das tradies rurais depende de uma srie de variveis, sobretudo da
participao dos grupos sociais locais no planejamento, na gesto e na contnua
avaliao da atividade turstica que desejam promover. Assim sendo, odesenvolvimento do turismo rural precisa partir de uma motivao endgena, dos
prprios moradores, pois, caso contrrio, a atividade no dar conta de alcanar as
demandas locais que surgem em relao a ela (IRVING, 2009) e dificilmente
cumprir o seu objetivo de gerar postos de trabalho e valorizao social para a
fragilizada categoria agricultor familiar.
Pela pesquisa realizada em campo, percebeu-se que a vontade de se inserir
no turismo uma realidade para muitos agricultores locais. A defasagem entre os
discursos correntes sobre os benefcios do turismo rural e as dificuldades existentes
em sua prtica, no entanto, tem gerado certa frustao perante a atividade. Em Trs
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Picos, alguns agricultores j vivenciam a realidade do trabalho com o turismo, que
se mostra muito mais complexo do que na teoria. Ainda assim, as famlias locais tm
enfrentado o desafio de trabalhar em conjunto para se fortalecer como destino
turstico, buscando a coeso social em uma comunidade composta por pessoas com
diferentes interesses e pontos de vista. A formao do Circuito Trs Picos, entre
outros fatores, demonstra avanos nessa direo, caracterizando-se como uma
iniciativa dos prprios moradores para organizar o fluxo turstico que ocorre na
regio.
Para facilitar o entendimento dos processos reflexivos que nos levaram a
essa anlise, este trabalho foi estruturado em trs partes:
No primeiro captulo, trabalha-se com o debate terico sobre os principaistemas que envolvem a compreenso do turismo no meio rural e o contexto
socioeconmico que conduz os produtores familiares s prticas no agrcolas,
sobretudo ao turismo. Assim, so abordadas as tnues fronteiras entre o mundo
rural e urbano, a crise agrcola e o enfraquecimento da agricultura familiar frente
modernizao do campo, alm dos problemas ambientais, sociais e econmicos
gerados por essa conjuntura. Tambm so trabalhadas as noes de turismo e
sustentabilidade, j que o turismo rural faz parte de tipologias de turismo tidas comoecolgicas e socialmente responsveis e pela situao de proteo ambiental que
envolve a localidade em estudo, com a criao do Parque Estadual de Trs Picos.
O captulo finalizado com o debate sobre o turismo de base comunitria e suas
possibilidades de articulao com o turismo rural, de modo a estabelecer uma forma
de turismo mais inclusiva e acessvel s comunidades receptoras.
O segundo captulo procura desenvolver uma contextualizao de Nova
Friburgo como um municpio majoritariamente urbano, mas que se comparado sconfiguraes do estado do Rio de Janeiro, ainda possui uma relevante produo
agrcola familiar. Alm disso, de um modo geral, a Regio Serrana do estado e
especificamente o municpio de Nova Friburgo (RJ) so espaos consolidados pelo
turismo, com muitas pousadas, restaurantes e atrativos naturais. Analisa-se essa
conjuntura como propcia pluriatividade pelo turismo rural para os agricultores
locais que tm enfrentado problemas para garantir seu sustento. Nessa parte do
trabalho tambm so apresentadas as principais caractersticas e objetivos do
Parque Estadual de Trs Picos, componente que altera a lgica de vida do vilarejo
em estudo, inclusive pelo fluxo de visitantes que traz para sua rea e seu entorno.
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No terceiro e ltimo captulo h o enfoque para o trabalho de campo realizado
em Trs Picos entre os meses de outubro de 2014 e fevereiro de 2015. Neste
perodo, trs visitas foram realizadas localidade, totalizando dez dias de pesquisa.
Por meio de visitas s residncias de moradores, ao todo 21 pessoas foram
entrevistadas. Na aproximao com os atores locais foram privilegiadas entrevistas
informais e a observao direta de suas prticas cotidianas, de modo a compreender
os significados e as expectativas relacionadas ao turismo presente no vilarejo. Neste
captulo, tambm so pontuadas consideraes sobre o turismo rural baseadas na
realidade observada em Trs Picos, que levaram a ponderao da atividade como
um potencial vetor de desenvolvimento socioeconmico para as famlias locais,
incluindo os pequenos produtores.
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1. TURISMO RURAL E AGRICULTURA FAMILIAR
Diversas questes se cruzam e se colocam como importantes ao estudarmos
o segmento denominado como Turismo Rural. Em primeiro lugar necessrio levar
em conta as vrias interferncias responsveis pelas transformaes vividas no
campo.
E, neste sentido, destaca-se a necessidade de tentar compreender os fatores
que conduziram e ainda conduzem os agricultores s atividades no agrcolas.
Tambm necessrio refletir sobre o contexto de valorizao e conservao de
reas naturais (e, consequentemente, rurais) na atualidade, no qual formas
alternativas de turismo, tais como o ecoturismo e o turismo rural emergem. Entender
o turismo envolve ainda a anlise da sociedade em que ele est inserido.
Agricultores, moradores, neorrurais1, turistas, ambientalistas, poder pblico:
diferentes atores coexistem no meio rural, atribuindo diferentes significados e
funes a esse espao e ao turismo nele praticado.
Logo, em consonncia com um espao rural em ressignificao que se
prope, neste primeiro captulo, a discusso terica dos temas e conceitos
pertinentes ao objetivo central deste trabalho: a apreenso dos limites e das
potencialidades do turismo praticado na localidade de Trs Picos.
Rural e urbano, agricultura familiar, pluriatividade, ecoturismo e turismo rural,
unidades de conservao ambiental, desenvolvimento sustentvel e de base local,
so essas, portanto, as ideias-chave que ajudam a articular os paradigmas aqui
analisados.
Campo e cidade sempre estiveram conectados. No Brasil, at a dcada de
1960, tinha-se em vista uma relao dicotmica entre esses espaos. Aps esse
perodo, presenciou-se uma relativa ruptura dessa dualidade. O aumento dasinterferncias do capitalismo no meio rural, especificamente dada mecanizao e
insero do modelo produtivista no campo, leva meno do surgimento de
processos classificados como urbanizao do campo e rurbanizao2 (RAMIRO;
ROMERO, 2013).
1 A noo de neorrurais se refere aos citadinos que decidem morar no campo, motivados pelaqualidade de vida por eles identificada no meio rural.2 A noo de rurbanizao se conecta ao processo de transformaes do campo e de atividadesconsideradas rurais diante de uma crescente integrao entre populaes urbanas e rurais.
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Atendendo s necessidades de uma economia e de uma sociedade
globalizadas, esses espaos se desenvolvem a partir da lgica do capitalismo e por
meio de polticas do Estado. Por isso, deixam de representar uma dicotomia para
serem, cada vez mais, realidades complementares (RAMIRO; ROMERO, 2013).
Assim sendo, cabe pensar o rural como parte de um territrio alargado, que
tambm urbano e globalizado. Sendo parte de um processo histrico de
movimentos populacionais, o rural vai alm de categoria absoluta e contraposta a
realidade citadina. O campo visto dessa forma permite aprofundar os significados
que o compem e questionar suas mutaes socioculturais (CRISTVO;
PEREIRO, 2012).
A interao entre campo e cidade, espaos anteriormente dados comoopostos, seja por suas especificidades econmicas, sociais e culturais, promove
trocas entre ambos. No campo, a emergncia de um novo cenrio comea pelo
surgimento da pluriatividade. Ramiro e Romero (2013) destacam a modificao da
identidade do agricultor a partir da insero de atividades no agrcolas em seu
cotidiano.
Nesse contexto, o turismo se destaca por vrios motivos. A atividade
intensifica o fluxo de citadinos no campo, aproximando ainda mais os contextosurbano e rural. Esse contato, intensificado e contnuo, proporciona ondas de
transformaes sociais, acelerando o ritmo das mudanas j em processo no meio
rural. Tal fator pode ser entendido como ameaa s identidades e tradies locais.
No entanto, Ramiro e Romero (2013) chamam ateno para a oportunidade inversa
que o turismo rural na agricultura familiar oferece.
As autoras citadas entendem o turismo como um facilitador para que o
espao rural da agricultura familiar se mantenha como local de moradia e trabalhodo agricultor. Como a pluriatividade ocorre dentro do estabelecimento familiar,
possibilita-se o fortalecimento da identidade campesina, que baseada no cotidiano
da vida rural (RAMIRO; ROMERO 2013). A essa perspectiva, soma-se o fato de as
tradies rurais representarem um dos principais atrativos dessa forma de turismo,
sendo mais um fator de fortalecimento da identidade local.
O turismo rural se baseia, assim como a agricultura familiar, no patrimnio
rural material e imaterial, com as paisagens dos campos de produo e a arquitetura
das casas locais, os recursos naturais cachoeiras, lagos, montes e as prticas
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tradicionais3de trabalho com a terra. E tambm no estilo de vida do mundo rural,
seus costumes e tradies, e, por isso, tende a valorizar suas particularidades
(RAMIRO; ROMERO 2013).
Para Cristvo e Pereiro (2012), a mistura de agentes sociais de origem
urbana e rural nitidamente um dos fatores de transformao do campo. No
entanto, os autores apontam que tal interao representa tambm um dos motivos
base para que o turismo rural se desenvolva associado s ideologias de
patrimonizao cultural e natural, com o interesse em manter a paisagem rural, as
tradies e os saberes da vida no campo preservados4.
O segmento promove o contato entre os antigos residentes rurais, os novos
habitantes os neorrurais e os visitantes. Esses dois ltimos atores, vindos decontextos externos, adquiriram protagonismo no atual sentido atribudo ao meio
rural. Por estarem motivados pelo rural romntico, tido como fonte de tranquilidade e
qualidade de vida, onde o homem vive em harmonia com a natureza, esses atores
buscam a preservao das especificidades do cotidiano campesino (CRISTVO;
PEREIRO, 2012). Pode-se ligar essa viso retrica de sustentabilidade to em
voga na contemporaneidade.
Aps os degradantes resultados do modelo produtivista, principalmente nascidades, vive-se o contexto de preocupao com a manuteno dos recursos
naturais e de prticas vistas como positivas para o meio ambiente. O campo e suas
paisagens so valorizados por serem considerados espaos menos degradados, e
por isso, se tornam prioridade nesse processo. Esta retrica leva a noo de
desenvolvimento sustentvel para o meio rural, ajudando a legitimar a introduo de
prticas agroecolgicas, unidades de conservao ambiental e atividades
relacionadas ao turismo rural e ao ecoturismo, conciliando, assim, ao menos nodiscurso, as necessidades socioeconmicas da populao rural o e as necessidades
de preservao desse espao.
O turismo no espao rural se legitima no s como um movimento advindo da
sociedade urbana, que cultiva esse imaginrio ligado ao rural, mas tambm a partir
do argumento de que a agricultura, por si s, no bastou para evitar a desertificao
3 Quando se fala em atividades tradicionais, refere-se aqui a prticas tpicas do local. Atividadesaprendidas e ensinadas ao longo das geraes, que se repetem e se tornam caracterstica do grupo
em questo.4 Preservados se relaciona nesta frase com o significado que o senso comum atribui ao termo,ligando preservao ideia de proteo, permanncia de alguma coisa ao longo dos anos semalteraes.
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das reas rurais. A crise da atividade agrcola fez com que parte da populao rural
migrasse para regies industriais e cidades prximas, em busca de melhores
condies de vida e de trabalho. Em dado momento, muitas famlias rurais perderam
a garantia de sua reproduo socioeconmica, contando apenas com o trabalho
agropecurio.
O turismo gera um novo fluxo de pessoas e de postos de trabalho onde se
instala. E por isso, pressupe que as populaes encontrem em suas localidades
formas alternativas de obteno de renda e avano nos servios pblicos
essenciais, melhorando as condies para que essas pessoas permaneam no
espao rural.
O entendimento de que grande o potencial econmico do turismo incentivouque diversos pases o colocassem na pauta do desenvolvimento. O campo e a
agricultura familiar, prejudicados pela intensificao do processo de industrializao
e urbanizao promovido pela sociedade moderna teriam recorrido, ento,
atividade turstica, em busca de desenvolvimento territorial. Em contexto nacional
no foi diferente. No Brasil, as polticas pblicas de turismo e de desenvolvimento
rural tm seguido essa tendncia, olhando para a atividade como passvel de
reaquecer a economia rural e de minimizar as desigualdades sociais presentesnesse espao.
No panorama das polticas brasileiras, as estratgias para manter os
agricultores no campo so focadas no acesso ao crdito para atividades
agropecurias (RAMIRO; ROMERO 2013). Apesar da aderncia do discurso
benfico ao turismo no espao rural pelo governo, so incipientes as iniciativas
pblicas direcionadas para a organizao da atividade, principalmente no que tange
a agricultura familiar.Para alm da questo agrria, o poder pblico tem interferido no espao rural
por meio de polticas ambientais, dado o movimento de revalorizao das reas
naturais. A criao das unidades de conservao (UCs), principalmente em nvel
nacional e estadual, um exemplo dessas interferncias. Tais aes produzem
mudanas na dinmica da vida local e no turismo organizado pelas comunidades no
entorno dessas unidades. Estas mudanas vo desde a proibio de prticas
tradicionais at o aumento ou diminuio do fluxo de visitantes, sem que haja o
dilogo com a populao local. Porm, cada realidade nica e a discusso dessas
aes mais bem compreendida quando estudada caso a caso.
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1.1 RURAL E URBANO
H, ainda em curso, um grande debate sobre o conceito do que hoje se
caracteriza como espao rural. Diversos autores5 traam abordagens acerca deste
tema. Apesar de no se tratar da questo central deste trabalho, dada
complexidade e s contradies existentes na definio do rural, difcil caminhar
na compreenso do turismo na agricultura familiar sem delimitar o conceito de rural
relacionado com as proposies aqui levantadas.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) classifica os domiclios
de acordo com sua rea de localizao. Em situao urbana consideram-se as
reas urbanizadas ou no, correspondentes s cidades (sedes municipais), s vilas
(sedes distritais) ou s reas urbanas isoladas, conforme a Lei Municipal vigente em
31 de julho de 2010. Em contraponto, a situao rural abrange os espaos fora
desses limites (IBGE, 2000). Nessa perspectiva, conforme Marafon (2006), tudo
aquilo que no urbano considerado rural.
Segundo informaes do Censo Demogrfico 20106, 84,36% da populao
brasileira caracterizada como urbana, contra 15,64% dada como rural. Por se
basear em aspectos polticos administrativos, esse clculo passvel de
relativizao. Para uma anlise que se aproxime da realidade atual da cidade e do
campo, faz-se necessrio incluir variveis econmicas, geogrficas, culturais e
sociais no debate acerca das ruralidades e urbanidades.
De acordo com Carneiro (2012), para avanar na definio do que hoje
representa o rural, no possvel embasar as discusses na antiga dualidade entre
rural e urbano. Ou seja, a partir da dicotomia em que campo7e cidade aparecem
como realidades espaciais e sociais descontnuas, estando o rural subordinado urbanidade. O mundo contemporneo cada vez mais atravessado pelos processos
de globalizao e as delimitaes territoriais so a cada vez mais tnues. Porm,
no possvel afirmar a dissoluo das diferenas entre as duas categorias em
jogo.
5Dentre eles, Wanderley (2000), Carneiro (1998), Marafon (2006), Graziano da Silva (2001).6
Informao disponvel em: http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/caracteristicas-da-populacao Acesso em: 12 jun. 20147Utiliza-se a palavra campo e campons como sinnimo de rural e agricultor, abstendo-se de debatesmais aprofundados sobre os dois termos.
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Cabe analisar o aumento do contato entre os dois espaos como fonte de
mudanas, de reforos de diversidades e do aparecimento de novas identidades
socioculturais. Assim, novas dinmicas e atores sociais so incorporados na
categoria analtica rural.
A modernizao da agricultura, o desenvolvimento de infraestrutura de apoio
no meio rural como melhoria de estradas e saneamento bsico , a mudana no
ritmo do xodo para a cidade e o surgimento de novas formas de trabalho no campo
so fatores que vm ampliando as relaes de sociabilidade entre a populao rural
e urbana, e esse novo quadro suficiente para que se justifique a atualizao
terica sobre esses espaos.
Para a anlise aqui proposta, o enfoque est em adotar uma concepo derural que incorpore questes relativas economia, sociedade, cultura e ao
territrio classificado como rural. A ideia unir conceitos complementares para que
seja possvel identificar as transformaes vividas pelo campo e a sua situao
atual.
Dado esse objetivo, a partir das pesquisas de Carneiro (2012), entende-se
que o rural representa mais do que lugar isolado, de baixa densidade demogrfica,
ou de formas simples e rudimentares de viver. Afinal, nas ltimas dcadas, apopulao do campo passou a ter acesso a bens e servios consumidos, a priori, no
meio urbano. Alm disso, houve uma reverso no ritmo do xodo do campo para
cidade, devido valorizao do primeiro como lugar de qualidade de vida, atraindo
visitantes e moradores de origem urbana.
Carneiro (2012) chama ateno para o fato de o rural contemporneo estar
baseado em atividades tpicas do meio urbano, tais como as do setor de servios,
com ocupaes caractersticas do meio rural, ou seja, agrcolas.Atualmente, convivem no rural a agricultura, o turismo, o comrcio,
prestaes de servios, aes de proteo ambiental e de desenvolvimento
econmico. Coexistem tambm a populao local, representantes das polticas
pblicas e da iniciativa privada, turistas e residentes de origem urbana, entre outros.
Trata-se, portanto, de um espao dinmico que busca conciliar mltiplas
funes e no qual diversos grupos interagem e se influenciam. Contudo, conforme
Carneiro (2012), o agricultor e o trabalho com a terra ainda representam a principal
referncia das relaes sociais e das identidades locais. Segue-se tal anlise pela
compreenso de que a realidade do campo no se dissolve diante da interao com
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atores exgenos, mas que encontra na alteridade uma forma de reforo de suas
tradies e especificidades como grupo sociocultural.
A conceituao aqui utilizada considera o rpido ritmo de mudana do meio
rural, que incorporou e incorpora novos elementos ao seu modo tradicional de viver.
No entanto, procura-se relativizar a generalizao de que a introduo de
tecnologias dentro e fora da produo agrcola, as influncias trazidas por pessoas
da cidade e a ampliao de ocupaes no agrcolas resultam na urbanizao ou a
descaracterizao dos costumes rurais.
De fato, transformaes e ressignificaes caracterizam a ruralidade
contempornea. Porm, aes de resistncia e manuteno de tradies tambm
integram esse quadro. A pluriatividade praticada juntamente com a agricultura, porexemplo, pode se identificada como uma dessas aes. Carneiro (2007) ressalta
que a adaptao de famlias do campo sociedade industrial e cidade no
significa uma opo por esse modo de vida e tampouco o desaparecimento de
prticas tpicas das localidades rurais.
Conforme j mencionado, necessrio problematizar a perspectiva que v o
rural como o lugar da agricultura, do atraso e que enxerga o urbano como lugar da
indstria e da civilizao, dominando o campo por seus avanos. preciso rompercom essa viso dicotmica entre o rural e o urbano, que define uma categoria em
funo da negao da outra, e a anlise do rural em termos territoriais de grande
ajuda nesse caminho.
Ao optar pela noo de territrio8 amplia-se a lente de observao da
realidade rural contempornea, entendendo-a como composta por vrios atores
sociais que lhe atribuem diferentes sentidos e funes. Atores estes que, mesmo
estando presentes em espaos tidos como rurais, muitas vezes no so vistos ouincorporados aos projetos de desenvolvimento local9, por no serem identificados
com a imagem clssica (e limitada) do rural (CARNEIRO, 2007).
8A noo de territrio pensada em diversos campos de estudo, principalmente da Geografia e daAntropologia, sendo inclusive alvo de vises diferenciadas e polmicas. Por no ser o objetivo desteestudo, no trataremos dela em sua amplitude. Trabalha-se aqui com a ideia de territrio no sentidode apropriao material e simblica de um espao fsico. Nesse sentido, a noo de territrio remeteao sentimento de pertencimento, de lugar de prticas cotidianas e luta pela reproduo social(FERREIRA, 2004)9A noo de desenvolvimento local est relacionada a um processo que visa construo do poder
endgeno, de modo que a populao seja capaz de integrar e liderar a transformao estrutural deseu territrio, baseando-se em iniciativas compartilhadas, inovao local e empreendimentoscomunitrios, combinando esforos de polticas pblicas, privadas e das comunidades locais (CIF,2015).
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Nesta linha de discusso, torna-se possvel olhar para uma localidade rural e
compreender como cada grupo social nela presente define seus territrios de
maneira prpria. E como esses grupos reelaboraram os significados dos bens
materiais e imateriais do espao rural, dado o aumento da interao entre universos
culturais distintos (campo e cidade), construindo uma nova realidade rural
(CARNEIRO, 2007).
Portanto, trabalha-se aqui com o conceito de novas ruralidades
(WANDERLEY, 2000), pela premissa que os espaos rurais e urbanos transitam e
fazem trocas entre si, indo alm de anlises feitas a partir de categorias
engessadas. De acordo com Wanderley (2000), o recorte rural-urbano, em suas
novas e modernas formas, permanece como um recorte pertinente para analisar asdiferenas espaciais e sociais das sociedades modernas, apontando no para o fim
do mundo rural, mas para a emergncia de uma nova ruralidade (WANDERLEY,
2000, p. 90) (destaque da autora).
Cristvo e Pereiro (2012) tambm adotam o conceito de novas ruralidades
como ferramenta analtica para compreender as transformaes rurais
contemporneas. Para eles, o novo contexto rural foi alimentado por processos
sociais, econmicos e ideolgicos em emergncia na sociedade ps-moderna.Dessa forma, fala-se novamente de uma abordagem que questiona a simplista
dicotomia entre rural e urbano, uma vez que se observa a mistura de agentes sociais
na reconstruo dos tradicionalmente chamados espaos rurais (CRISTVO;
PEREIRO, 2012).
Dentre vrios fenmenos de mudana no campo citados por Cristvo e
Pereiro (2012), h o destaque para o impulso do capitalismo tardio; a globalizao; o
consumismo; as novas culturas de mobilidade urbano-rural; a preocupao com adegradao ambiental; o desejo de fuga do estresse urbano; os movimentos sociais
alternativos; as novas valorizaes de espaos naturais e de produtos
agroecolgicos; e o repovoamento de zonas rurais.
Esses movimentos no esto livres de certo grau de idealizao e
romantismo que mitificam as tradies rurais, frequentemente desassociadas das
reais dificuldades vividas pela populao local. E neste quadro de reconverso
simblica que se pautam diversas intervenes no campo tradicional, como as reas
de proteo ambiental e, nomeadamente, o surgimento de prticas pluriativas com o
turismo rural (CRISTVO; PEREIRO, 2012).
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As observaes at aqui feitas, ressaltam a concordncia com a viso de
Carneiro (2007) de que as categorias rurale urbanono designam o espao fsico,
mas representaes sociais e formas de apropriao diversas dos recursos
materiais, naturais e simblicos (CARNEIRO, 2007). Concorda-se com Carneiro
(2007) na anlise de que uma localidade poltico-administrativa dada como rural,
pode ser costurada por diferentes territrios construdos segundo os diferentes
interesses nela existentes.
Segundo Wanderley (2012 p. 134), [...] est em curso uma nova viso do
rural, que prope uma nova concepo das atividades produtivas, especialmente
daquelas ligadas agropecuria, e uma igualmente nova percepo do ruralcomo
patrimnio a ser usufrudo e a ser preservado.Diante das reflexes sobre do espao rural, entende-se que as definies
levantadas so provisrias e relativas a uma realidade dinmica. Por hora, o
conceito de ruralidade visto como capaz de absorver as transformaes em curso
na realidade rural. No entanto, importante ressaltar que [...] as novas e mltiplas
faces do rural no podem ser vistas como obra acabada (WANDERLEY, 2012 p.
134). Afinal, trata-se de um contexto em mutao.
1.2 TURISMO, AGRICULTURA FAMILIAR E PLURIATIVIDADE: A
MULTIFUNCIONALIDADE EM QUESTO
Conforme abordado, novas atividades, para alm das diretamente ligadas
agricultura, vm sendo praticadas pela populao rural brasileira. Dentre os fatores
histricos que compem esse cenrio, Andrade (2009) aponta a prpria estrutura
fundiria do Brasil, que privilegiou propriedades de grande extenso e excluiu
camadas mais pobres da populao, alm do modelo de modernizao da
agricultura utilizado no pas, fortemente centralizado na industrializao da produo
e responsvel por profundas marcas socioambientais at hoje visveis (ANDRADE,
2009).
Esse padro fez com que muitos trabalhadores perdessem terras para
grandes empresas. Afinal, de acordo com Andrade (2009), faltava aos pequenos
agricultores o capital suficiente para a adequao s novas tecnologias introduzidas
no meio rural.
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Com poucas chances de competir com os grandes latifndios, a agricultura
familiar10enfraqueceu, houve a diminuio de empregos no campo, e o aumento do
fluxo migratrio para a cidade. Andrade (2009) ressalta que o contexto da crise
agrcola gerou desigualdades socioeconmicas e limitou a expanso das tradicionais
prticas agropecurias. Dessa conjuntura surgiram as novas funes atribudas ao
rural e as novas formas de trabalho neste espao, discutidas atravs das noes de
multifuncionalidade e pluriatividade, respectivamente.
Os pequenos produtores observaram em outras atividades econmicas tais
como aquelas voltadas para o lazer, servios e o comrcio uma oportunidade de
complementar a renda obtida com a agricultura. Em mbito terico, essa prtica se
refere pluriatividade.Com base nas reflexes de Carneiro (2012), o termo pluriatividade remete
insero das famlias rurais em diversas atuaes profissionais. Ou seja, a insero
plural desses atores no mercado de trabalho. Alm disso, tange diversificao dos
usos do espao rural, tradicionalmente relacionado atividade agropecuria.
Nesse contexto, de acordo com os objetivos deste estudo, procura-se
compreender a relevncia do turismo, como atividade pluriativa, na lgica de vida
dos pequenos produtores. Portanto, valida aqui a considerao a respeito daimportncia das formas de trabalho na representao de dado grupo social,
conforme a anlise proposta por Cruz (2012).
A autora utiliza a abordagem ontolgica do trabalho, ressaltando-o como
atividade que particulariza o homem como ser social. Afinal, o trabalho se entrelaa
com a identidade, as relaes sociais e a forma de organizao das comunidades.
No caso da agricultura, trata-se cada vez menos de uma atividade restrita
produo material e ao suprimento de necessidades humanas (CRUZ, 2012) quetambm se mantm ativa por suas caractersticas simblicas.
Com base nesse pensamento, o turismo como nova forma de trabalho no
meio rural representa uma interferncia transformadora na ordem socioeconmica e
10Conceito que surgiu, no Brasil, na dcada de 1990, no perodo de redemocratizao da at entochamada pequena produo mercantil ou pequena produo familiar. De acordo com o MDA, aagricultura familiar uma forma de produo onde predomina a interao entre gesto e trabalho;so os agricultores familiares que dirigem o processo produtivo, dando nfase a diversificao e
utilizando o trabalho familiar, eventualmente complementado pelo trabalho assalariado. Disponvelem: http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/bolsa-familia/programas-complementares/beneficiario/agricultura-familiar Acesso: 20 out. 2014
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ambiental dos agricultores. Trata-se de uma atividade capaz de se contrapor ou de
auxiliar na manuteno da agricultura, antes principal elemento na construo das
identidades locais. H argumentos de que os trabalhos pluriativos, incluindo os
relacionados ao turismo, podem diminuir ou esgotar o tempo que o agricultor
necessita para se dedicar agricultura. Porm, a pluriatividade pode caminhar no
sentido inverso, fazendo com que a atividade agrcola se fortalea.
Cruz (2012) retrata a permanncia dos pequenos produtores no trabalho com
a terra como forma de resistncia proletarizao dentro do campo. Nesse
contexto, a pluriatividade pode ser encarada como uma ameaa ao trabalho na
agricultura, mas tambm como uma estratgia para o seu fortalecimento11.
Nesta mesma linha de pensamento, Carneiro (2012) argumenta que adedicao s atividades no agrcolas pode estar sustentada no desejo de manter
vivas as tradies do meio rural. Para a autora, os agricultores exercem a
pluriatividade para garantir o sustento familiar, uma vez que a agricultura se torna
insuficiente no cumprimento desta tarefa. Mas h produtores que usam a
pluriatividade para subsidiar e continuar suas prticas agropecurias. Nessa
abordagem, a pluriatividade reconfigura o espao rural, mas a agricultura permanece
forte base para relaes sociais e h o esforo de conserv-la ativa (CARNEIRO,2012).
Por outro lado, Candiotto (2011) pondera que, no atual contexto das novas
ruralidades, as comunidades rurais esto sujeitas a diversos fatores, dada
interao com o mundo urbano. O aumento da degradao ambiental, a
especulao imobiliria, a desigualdade social, a insero em subempregos so
itens que compe esse quadro. Atravs dessas consideraes, chega-se
ponderao de que os agricultores podem estar em dissonncia com os valorescapitalismo moderno. Esses atores tendem a ser preocupar com o sustento familiar
e a manuteno das prticas tradicionais que consideram importantes, e no com o
acumulo de lucro e riqueza (CANDIOTTO, 2011).
11Diversos autores refletem sobre o tema divergem a respeito dos impactos do turismo. Candiotto(2011) relativiza, a partir de um estudo emprico, a retrica de que a atividade turstica benficapara os agricultores familiares. Para Candiotto (2011), com a insero do turismo, o meio rural passa
a ser local de aes comerciais do trade turstico e poucos moradores locais aproveitam da rendagerada pela atividade. Por outro lado, Ramiro e Romero (2013) apontam para alm da questofinanceira e ressaltam a possibilidade de valorizao de bens naturais e culturais que o turismooferece para o produtor.
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Nesse sentido, Candiotto (2011) arfima que a tentativa de trabalho pluriativo,
principalmente com o turismo, no significa sinnimo de oportunidades positivas
para os agricultores. Dada localidade pode ser impulsionada a receber visitantes e
no ser capaz de gerir os nus da atividade. Alm disso, segundo o autor, h a
presena de empreendedores externos no meio rural, que, geralmente, acabam
como os principais administradores das formas de trabalho relacionadas ao turismo,
excluindo a populao da parte boa do negcio.
A argumentao de Candiotto (2011) se baseia em diversos fatores que
dificultam que pluriatividade por meio do turismo gere benefcios para o territrio
rural e sua populao. Alm da escassez de capital, h a falta de especializao
profissional e a prpria dificuldade de seguir a lgica do mercado. O cenrio geral dotrabalho com o turismo na agricultura familiar gera poucos empregos e centraliza a
renda em pessoas de fora. Com isso, o que fica para a comunidade so os impactos
de uma atividade focada no lucro, pautada, porm, no discurso do potencial
desenvolvimento que pode oferecer aos moradores locais (CANDIOTTO, 2011).
Candiotto (2013) chama ateno para a apropriao do discurso do turismo
como atividade promissora, geradora de renda para as famlias produtoras, pelos
agentes hegemnicos do capitalismo. De acordo com o autor, no s os debatesacadmicos utilizam a retrica da atividade turstica como dinamizadora do espao
rural, vista como potencialmente sustentvel por promover a conservao
ambiental, o resgate da valorizao sociocultural das comunidades envolvidas e
benefcios econmicos para os locais. Outros atores sociais tambm a usam, como
grandes corporaes tursticas e o poder pblico.
Para Candiotto (2013), esse contexto pode gerar prticas verticalizadas12de
insero do turismo no espao rural, no contemplando o objetivo dessa forma depluriatividade: a melhoria de qualidade de vida dos agricultores envolvidos.
De fato, a pluriatividade exercida pelas famlias rurais na prestao de
servios para empresrios citadinos do turismo, dificilmente, representar uma forma
de resistncia do proletariado ou uma forma de revalorizao e manuteno do
modo de vida agrcola. Da mesma forma, um modelo genrico de desenvolvimento
12Prticas verticais/ verticalizadas referem-se s aes que reproduzem, impem uma racionalidadede setores hegemnicos. O antnimo das verticalidades seriam as horizontalidades,
correspondentes a objetivos e aes do lugar, e o fortalecimento das horizontalidades seria crucialpara no combate das desigualdades sociais, intensificadas com o processo de globalizao.(CANDIOTTO, 2013, p. 115)
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de turismo rural oferecido por polticas pblicas, por exemplo, ao no protagonizar a
comunidade e suas peculiaridades, trabalha de forma a favorecer o mercado e no o
desenvolvimento local.
No entanto, parte-se neste trabalho do princpio de que a pluriativade exercida
com o turismo rural na agricultura familiar, se baseada em iniciativas comunitrias e
dentro da lgica do que desenvolvimento para o prprio agricultor, fornece a
possibilidade de reforar e revalorizar identidades locais, representando resistncia
frente ao enfraquecimento de prticas tradicionais, como o caso da agricultura
familiar.
preciso pensar que a ideia acerca dos benefcios do turismo rural como
fonte de renda para os pequenos produtores, assim como aquelas voltadas para odesenvolvimento local, endgeno e sustentvel em todos os setores da sociedade,
so sim incorporadas aos discursos polticos de diversas instituies. E de certo, os
objetivos destas instituies, sendo elas pblicas ou privadas, nem sempre vo ao
encontro dos interesses das comunidades.
Entende-se aqui que as crticas de Candiotto (2013) referem-se s aes de
vis utilitarista e economicista no trabalho do turismo rural na agricultura familiar.
Vis no qual, segundo o autor, a natureza e a cultura so reduzidas mercadoria. Oturismo rural visto apenas com os olhos do mercado, como mais um segmento a ser
explorado, no visaria, em sua concepo, benefcios para a populao onde ele se
instala, no possuindo bases para valorizar e manter ativa a prtica agrcola,
descaracterizando-se como uma forma pluriativa de trabalho.
Concorda-se com Candiotto (2011) no sentido de que, muitas vezes, o
agricultor no est alinhado viso capitalista de acmulo de renda e por isso ele
no se adapta ao modelo de turismo rural posto em prtica a partir de uma lgica demercado, que visa coloc-lo na posio de empreendedor rural, conforme prope
certas iniciativas pblicas13de desenvolvimento rural. No entanto, o agricultor pode
estar motivado trabalhar a atividade turstica por lgicas que ele valoriza, como o
13Candiotto (2013) trabalha com o exemplo das iniciativas do Programa Nacional de Turismo Ruralna Agricultura Familiar (PNTRAF) no Estado do Paran. O autor pondera a retrica excessivamentepositiva dos treinamentos e capacitaes do programa e o uso de modelos de sucesso e a serem
seguidos pelos agricultores, sem que haja a verificao com as populaes sobre a viabilidade e oslimites dessas estratgias pr-formuladas. O que para Candiotto (2013) pode levar os agricultores aentrar em uma lgica mercantil do turismo, com dependncia das exigncias de padronizaopropagadas pelo trade, reduzindo a importncia da agricultura em suas estratgias.
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sustento da famlia, o aumento da sua rede de sociabilidade, ou ainda pela estima
que passa a ser dada s suas tradies.
Ter em mente tais reflexes ser til neste trabalho, em que por meio de
dados empricos, analisar-se- em que medida os agricultores locais so capturados
ou obstinam-se lgica do capital. A proposta verificar at que ponto o turismo
representa oportunidades para beneficiar a qualidade de vida dos produtores e da
comunidade como um todo, ou se constitui como uma forma de explorao dos
recursos locais realizada pelo avano do capitalismo no meio rural.
Torna-se necessrio, portanto, reconhecer que o desenvolvimento de prticas
no agrcolas, principalmente como o turismo, representa mais do que mudanas
econmicas, mas tambm uma srie de transformaes e intervenessocioculturais no meio rural e na vida do agricultor. Conforme j abordado, no se
adota nesta pesquisa a viso simplista da atividade turstica como fator explorador
do agricultor, ou como salvador de seus problemas socioeconmicos.
Entende-se a pluriatividade com o turismo como um processo complexo, que
vem transformando as relaes sociais no campo e que se integra a outro processo
mais amplo, no qual as funes produtivas foram mescladas s novas funes
atribudas ao mundo rural e agricultura. Dada a necessidade de garantir areproduo social dos agricultores, a pluriatividade incorpora prticas de trabalho
fora da agricultura. Porm, outro movimento incorpora prticas alm da agrcola no
meio rural: a multifuncionalidade.
1.2.1 As mltiplas funes do rural e da agricultura
A ideia de multifuncionalidade constitui um novo discurso, que busca
legitimar-se na contemporaneidade, tendo em vista a regulao de atividades
socioeconmicas que afetam diretamente o espao rural. uma aproximao que
compreende a redescoberta do rural por parte dos agentes econmicos, da
administrao pblica e da sociedade em geral, e que gera novas vises sobre esse
espao. Nesta ideia est aderida a j discutida noo de pluriatividade, que emerge
por fora do reconhecimento da importncia de mltiplas inseres profissionais dos
habitantes rurais e das iniciativas de diversificao de fonte de renda no campo,
incluindo a prtica do turismo (ANJOS; CALDAS, 2012).
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A multifuncionalidade representa tambm uma transio de posies sobre a
agricultura. Sai de cena a viso que, inicialmente, no auge da modernizao agrria,
condenava as prticas pluriativas, por elas diminurem o tempo do trabalho do
agricultor, prejudicando a produtividade agrcola. E surge, posteriormente, o discurso
que defende as novas vocaes a serem assumidas pelos habitantes e espaos
rurais (a multifuncionalidade), frente crise da superproduo agrcola e seus
efeitos socioeconmicos e ambientais (ANJOS; CALDAS, 2012).
O comeo desta mudana de paradigmas data o perodo entre os anos de
1960 e 1980, quando houve uma inverso radical na dinmica do setor agrrio. Essa
poca foi marcada pela rpida passagem do estgio de escassez para o estgio de
excesso de alimentos e matrias primas, por conta da Revoluo Verde14. A ofertaagrcola cresceu inspirada no padro fordista de produo, com o auxlio das
tecnologias da modernizao agrcola (ANJOS; CALDAS, 2012). Nessa fase havia a
no aceitao do agricultor exercer suas atividades agrcolas em tempo parcial, por
uma questo produtiva. No havia espao para as atuais prticas pluriativas. O
enfoque era modernizante, comprometido com a expanso ilimitada da produo e
da produtividade (ANJOS; CALDAS, 2012).
Aps a segunda metade dos anos 1980 houve mudana do cenrio poltico eeconmico dos pases industrializados, devido aos efeitos dos excedentes de
produo, a instabilidade dos preos e os aspectos ecolgicos diante da presso
que o modelo de agricultura vigente exercia sob os recursos naturais (ANJOS;
CALDAS, 2012). Desta forma, houve a queda do tradicional setor agrrio como
provedor de alimentos sociedade, o que levou runa dos pilares polticos e ticos
desse esteretipo que marcava o produtor rural (ANJOS; CALDAS, 2012).
neste contexto que surgem as propostas e os elementos inovadoresdestacando o papel da agricultura para o meio ambiente. Nesta fase, surgem
tambm as concesses financeiras orientadas melhoria de renda dos agricultores,
como tentativa de reverter as consequncias financeiras e sociais dos excedentes
de produo (ANJOS; CALDAS, 2012). Surgem ainda as ideias de fomento
diversificao da atividade agrcola junto s propriedades rurais por meio do turismo,
14Processo de modernizao agrcola desenvolvido em meados do sculo XX. Programa idealizadono aumento da produtividade agrcola por meio do uso intensivo de insumos industriais, melhorias
genticas de sementes, fertilizao do solo, mecanizao e reduo do custo de manejo.Disponvel em: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/atitude/conteudo_244070.shtml Acessoem: 29 out. 2014
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do artesanato, da transformao e elaborao de alimentos nas prprias unidades
produtivas e por meio da recuperao de saberes tradicionais (ANJOS; CALDAS,
2012).
No final dos anos 1980, a produo acadmica argumentou a favor do
desenvolvimento rural em contraponto insistncia no contedo eminentemente
agrrio desse espao. Houve a exposio da necessria vinculao entre atividade
agrria e a dimenso ambiental. O espao rural no podia mais ser reduzido
simplesmente ao cumprimento de funes produtivas, diante de seu potencial
decisivo no equilbrio ecolgico e no suporte s atividades de cio e lazer (ANJOS;
CALDAS, 2012).
Assim sendo, conforme Anjos e Caldas (2012), neste momento que o ruralprodutivista e meramente agrrio perde o seu protagonismo para o rural de outras
funes (paisagsticas, tursticas e ecolgicas), matria de alta valorizao pela
sociedade moderna. Desse modo, admite-se de fato no ser mais possvel
assegurar ingressos econmicos para todas as famlias rurais baseando-se nica e
exclusivamente na agricultura.
A agenda de investigao social sobre o rural brasileiro, que levou ao
contexto de apropriao multifuncional do campo e da agricultura no pas, comeoucom a consolidao da agricultura familiar como categoria de anlise e objeto de
polticas pblicas. Houve o reconhecimento das especificidades desse grupo no
sentido de produzirem orientados pela reproduo social da famlia e pela satisfao
das necessidades de consumo dos seus membros. E frente aos problemas do
modelo produtivista na agricultura, houve presso poltica de movimentos sociais por
auxlio governamental situao vigente da agricultura familiar. O que resultou na
criao do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura (PRONAF), em1994, e no fornecimento de crdito financeiro a essas famlias (ANJOS; CALDAS,
2012).
A incorporao das ideias de sustentabilidade tambm contribuiu para a
compreenso multidimensional (socioeconmica, poltica, tica, cultural e ambiental)
do rural, na busca solues para os problemas resultantes dos padres da
agricultura produtivista (excluso social, degradao ambiental, dependncia
tecnolgica, xodo rural, etc.) (ANJOS; CALDAS, 2012).
Segundo Anjos e Caldas (2012), tm-se por ltimo os estudos sobre a nova
ruralidade e a pluriatividade nos anos 1990, perodo no qual novos atores sociais
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surgem no campo, dentre visitantes, aposentados, pensionistas, pessoas cuja
sobrevivncia pouco ou nada depende de prticas rurais. Houve, portanto, por meio
dos fatores citados, a mudana do discurso em favor da modernizao agrcola para
o discurso da multifuncionalidade do espao rural.
Anjos e Caldas (2012) ressaltam que esta inclinao desagrariao do
meio rural no significa uma apologia ao fim da prtica agrcola por parte dos
setores mais vulnerveis da agricultura comunitria (famlias pequenas e mdias).
Esta inclinao estimula a diversificao de fontes de renda buscando agregar valor
aos produtos no seio do prprio estabelecimento ou via explorao de novos nichos
de mercado.
Nesta linha tambm caminharam as prticas do Estado. Houve drsticamudana no plano poltico e institucional dado o novo discurso sobre a agricultura,
no qual foram erguidos os alicerces necessrios para construir um novo discurso
sobre o mundo rural. Surgia assim a multifuncionalidade, um neologismo
rapidamente incorporado ao jargo acadmico e poltico internacional (ANJOS;
CALDAS, 2012).
Anjos e Caldas (2012) apontam que, com a noo de multifuncionalidade, a
unidade de anlise da vida rural deixa de ser o tempo dedicado agricultura. E ocritrio do entendimento das questes agropecurias passa a ser a famlia rural em
sua luta para garantir a reproduo social de seus membros por diversos artifcios,
seja pela combinao de atividades agrcolas e no agrcolas realizadas no interior
ou fora da prpria produo.
Para compreender o processo no qual a multifuncionalidade e a pluriatividade
ora so consideradas boas, ora ruins para o agricultor, sobretudo quando se fala em
turismo, Anjos e Caldas (2012) apontam para a necessidade de refletir sobre asdiferentes apropriaes que se integram no mundo rural contemporneo. Conforme
j citado, novos atores sociais heterogneos estabelecem vrios usos e funes no
espao rural e na agricultura. Destarte, as noes de desenvolvimento em torno do
campo e da agricultura tambm so diversas, e frequentemente, conflituosas.
Com base nesse raciocnio, chega-se reflexo de que so tambm
heterogneas as prticas pluriativas e as atividades tursticas presentes no meio
rural. No Brasil, o turismo rural surge justamente no contexto da modernizao
agrria, na primeira metade dos anos 1980. E o perodo subsequente marcado
pela emergncia da multifuncionalidade (TULIK, 2010).
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A multiplicidade de enfoques e de modalidades de turismo no espao rural,
taus como o agroturismo, ecoturismo, turismo de aventura, turismo rural, demonstra
justamente a presena de distintas lgicas e interesses frente diversidade de
recursos identificados no campo (recursos naturais, paisagsticos, culturais e
simblicos).
O discurso da multifuncionalidade e da pluriatividade englobam a noo de
desenvolvimento rural e, sobretudo, a resoluo de problemas socioeconmicos das
populaes desse espao. E o turismo rural tambm se baseia nessa retrica. No
entanto, conforme anteriormente ponderado, nem todas as prticas pluriativas e
iniciativas ligadas ao turismo no espao rural podem ser consideradas inclusivas,
pois muitas delas podem estar distantes dos interesses da populao local e dadinmica agrcola. De acordo com Carneiro (2007), no h verdades absolutas
compartilhadas pelos atores sociais envolvidos e interessados em um mesmo
espao. Eles so heterogneos e desenvolvem experincias e expectativas
diferentes ao entrarem em contato com uma mesma prtica.
Por essa relativizao, possvel perceber que no se adota aqui a viso
ingnua de que o discurso ambiental e social por trs da multifuncionalidade
representa resistncia frente ao capitalismo. De fato, o turismo rural, a pluriatividadee seus benefcios para o desenvolvimento rural so incorporados a interesses
econmicos e polticos dos agentes hegemnicos da sociedade. Mas esse processo
no desqualifica as prticas positivas, nas quais o turismo se desenvolve com base
nas necessidades locais.
Por representar, na maioria dos casos, o lado mais fraco da rede de poder
que envolve as localidades rurais, o agricultor geralmente no tem as suas
demandas atendidas e acaba vulnervel aos efeitos negativos do fomento doturismo, ou da interveno de polticas ambientais nesse espao, por exemplo. No
entanto, noes como o desenvolvimento rural, a multifuncionalidade e o turismo
rural trazem avanos em relao ao modelo de desenvolvimento anteriormente em
voga, que exerceu forte presso em recursos naturais e isolou social e
economicamente as populaes de regies menos acessveis e menos centrais,
como as zonas rurais.
O essencial na reflexo estimulada nesta seo o entendimento do turismo
rural como uma prtica englobada nas noes de pluriatividade e
multifuncionalidade.Movimentos que reconhecem o esgotamento do modelo que
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via o campo como lugar da agricultura e a agricultura pelo enfoque produtivista. Com
a multifuncionalidade e a pluriatividade, o rural passa a representar um espao de
novas formas de trabalho, pelo setor de servios e pelo comrcio, por exemplo,
passa a representar tambm um espao de novos atores sociais, com os turistas,
neorrurais ambientalistas, extensionistas rurais e agricultores, e um espao de novas
funes para a sociedade, com as funes ambientais, de cio e de lazer. E a
percepo desse novo rural, repleto de vises e interesses heterogneos sobre si,
fornece as bases para que sejam discutidas as abordagens de turismo presentes no
campo e o potencial dessas atividades na resoluo de problemas socioeconmicos
e ambientais das comunidades rurais.
1.3 O RURAL PRESERVADO: O CONTEXTO DE VALORIZAO DE REAS
NATURAIS
Dentre as mudanas de paradigmas sobre o rural at ento discutidas,
destaca-se aqui a funo ambiental atribuda a este espao nas ltimas dcadas.
Embora o debate sobre questes ambientais seja mais antigo, aquele quecoloca em pauta o rural ambiental data o fim dos anos 1980, perodo aps a
resoluo da escassez de alimentos no mundo e no qual se passou a discutir os
impactos das degradadoras prticas agrcolas produtivistas, com o uso de
agroqumicos e a utilizao massiva do solo. Deste debate, uma nova viso
incorporada ao rural, na qual a natureza no apenas um insumo, oferecendo
suporte para a atividade agrcola, mas o lugar de ecossistemas, onde os elementos
ar, terra, gua adquirem importncia (WANDERLEY, 2000).
Essa discusso faz parte do crescente pensamento ambiental na sociedade
como um todo. Quadro favorecido pelos movimentos sociais, eventos15, encontros
polticos e acadmicos cujas ideologias colocaram em questo a percepo sobre a
vida no campo e na cidade, trazendo tona um discurso de valorizao da natureza,
do meio rural e do modo de vida campons (WANDERLEY, 2000).
A partir das progressivas presses sob o meio ambiente exercidas pelo
sistema capitalista de produo agrcola e industrial, surgiram nas sociedades
15Wanderley (2000) faz referncia revolta de maio 68, na Frana, como exemplo de um evento quereinventa os significados do campo e a natureza com o discurso de revalorizao das tradies epaisagens rurais.
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modernas, juntamente com debates ambientais, os movimentos de proteo de
reas naturais, visando disciplinar a utilizao dos recursos da natureza e as
demandas por recreao e lazer ao ar livre das populaes urbanas nesses
espaos.
A sociedade moderna imps uma intensidade e uma rapidez no uso dos
recursos naturais nunca antes experimentados. Para Vianna (2008), a revoluo
industrial e os processos de urbanizao mundiais cristalizaram um sentimento de
separao entre o homem e a natureza j em desenvolvimento no campo das ideias
(com o humanismo e o antropocentrismo), tomando o homem como ser superior no
mundo. Assim, neste perodo, a natureza era percebida como objeto econmico e
matria-prima inesgotvel a ser dominada e explorada pela humanidade.Tal explorao exaustiva dos recursos naturais foi o que acabou induzindo
inverso desse paradigma. Pelas prprias consequncias das aes humanas, se
deu o entendimento da natureza como finita e da necessidade de sua manuteno,
levando emergncia de ideias como a sustentabilidade e a conservao adotadas
pela sociedade atual (VIANNA, 2008).
Vianna (2008) afirma que o estabelecimento de reas naturais protegidas tem
sido uma das principais estratgias de conservao ambiental no mundo. Suacriao corresponde ideia de, por meio de legislao, assegurar a reserva de
reas consideradas como detentoras de aspectos naturais relevantes, de modo a
resguard-las do uso econmico intensivo ou preserv-las (FERREIRA, 2004). De
acordo com Vianna (2008), em funo da biodiversidade, do tamanho e do estado
de degradao das reas naturais de cada pas, so definidos objetivos especficos
para cada um desses lugares de conservao.
As diferenas entre esses objetivos e as estratgias para atingi-los fez comque se criassem vrias categorias de manejo nas reas protegidas, desde aquelas
que supem o uso direto dos recursos disponveis pelo homem de forma sustentada,
at as categorias de uso indireto, em que a interveno humana tolerada no limite
mnimo necessrio para o cumprimento dos objetivos da unidade de conservao
(VIANNA, 2008).
Ferreira (2004) aponta que h na linguagem ambientalista a diferenciao
entre o termo conservao, referente ao uso controlado dos recursos naturais, e o
termo preservao, correspondente ideia de intocabilidade e de manuteno
integral dos biomas. Ainda que o objetivo central de ambas as correntes ambientais
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esteja na proteo dos recursos naturais, h diferenas entre elas. A autora
esclarece que no preservacionismo h a ligao com concepes mais biocntricas,
onde no h uma posio hierrquica de destaque do homem na natureza.
Enquanto no conservacionismo, prevalece uma viso mais antropocntrica, na qual
a conservao da natureza est associada sobrevivncia e ao bem-estar do
homem no mundo.
Esta dualidade influiu nas discusses em torno do processo de criao de
unidades conservao e est, ainda atualmente, presente no debate ambiental,
embora se consolide, cada vez mais, a percepo de que questes sociais esto
presentes nos problemas relativos conservao ambiental. As desigualdades na
distribuio e nos meios de apropriao dos recursos naturais so itens inegveis nohistrico do Brasil, o que gera a necessidade de incremento no desenvolvimento
econmico e social de sua populao e seus territrios. Alm disso, o pas possui
populaes tradicionais e indgenas vivendo em reas destinadas proteo,
fazendo com que as concepes preservacionistas e conservacionistas brasileiras
apresentem peculiaridades frente s concepes internacionais de proteo
ambiental (FERREIRA, 2004).
As unidades de conservao tm enfrentado variadas dificuldades em seusprocessos de implantao no Brasil. A questo ambiental no pas est envolvida em
questes agrrias e fundirias, relacionadas disputa por propriedade de terras e
contestao de populaes nativas pelo uso dos recursos naturais, uma vez que sua
proteo interfere diretamente na sobrevivncia destas pessoas. Alm disso, as Ucs
lidam com problemas operacionais, como a falta de recursos, infraestrutura e
pessoal; com presses imobilirias e de populaes em busca de terra para plantar
e morar, e, frequentemente, com um nmero crescente de visitantes (FERREIRA,2014). Contudo, foi aprovada, em 2000, a Lei 9985/00 do Sistema Nacional de
Unidades de Conservao (SNUC), um marco nos esforos de setores
ambientalistas governamentais e no governamentais no sentido de regulamentar a
criao de unidades de conservao no Brasil. A partir dessa legislao,
estabeleceram-se critrios e normas para a criao e gesto das UCs, unificando
conceitos e regulaes que funcionaram desarticuladamente por um longo perodo
anterior (FERREIRA, 2004).
Atualmente, as reas protegidas no Brasil so organizadas em Unidades de
Proteo Integral e Unidades de Uso Sustentvel. As unidades voltadas para a
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proteo integral tem o objetivo bsico de preservao da natureza, no envolvendo
o consumo, coleta, dano ou distribuio dos recursos naturais disponveis. J
aquelas voltadas para o uso sustentvel tm como objetivo compatibilizar a
conservao da natureza com a utilizao sustentada de parcela de seus recursos
naturais (FERREIRA, 2004). As atividades econmicas, diferentes do ecoturismo,
permitido de forma controlada nos parques, so permitidas apenas nas unidades de
uso sustentvel, assim como a prpria presena de famlias extrativistas ou outras
populaes tradicionais nessas reas (SHIKI, 2013).
Para Ferreira (2004), apesar das unificaes promovidas pelo SNUC, a
implantao deste sistema continua sendo complexa, por conta das dimenses do
territrio brasileiro e da diversidade de conjunturas locais que envolvem as unidadesem nvel nacional. H UCs em estgio avanado no planejamento e na prtica de
aes para o desenvolvimento e para a conservao das reas protegidas, com
conselhos consultivos e deliberativos atuantes sob a gesto das unidades, enquanto
existem aquelas que ainda no tem plano de manejo, nem seus limites bem
definidos.
O SNUC constitudo pelo conjunto das unidades de conservao federais,
estaduais e municipais, tendo como norte os seguintes objetivos:
I - contribuir para a manuteno da diversidade biolgica e dos recursosgenticos no territrio nacional e nas guas jurisdicionais; II - proteger asespcies ameaadas de extino no mbito regional e nacional; III -contribuir para a preservao e a restaurao da diversidade deecossistemas naturais; IV - promover o desenvolvimento sustentvel a partirdos recursos naturais; V - promover a utilizao dos princpios e prticas deconservao da natureza no processo de desenvolvimento; VI - protegerpaisagens naturais e pouco alteradas de notvel beleza cnica; VII -proteger as caractersticas relevantes de natureza geolgica,geomorfolgica, espeleolgica, arqueolgica, paleontolgica e cultural; VIII -
proteger e recuperar recursos hdricos e edficos; IX - recuperar ourestaurar ecossistemas degradados; X - proporcionar meios e incentivospara atividades de pesquisa cientfica, estudos e monitoramento ambiental;XI - valorizar econmica e socialmente a diversidade biolgica; XII -favorecer condies e promover a educao e interpretao ambiental, arecreao em contato com a natureza e o turismo ecolgico; XIII - protegeros recursos naturais necessrios subsistncia de populaes tradicionais,respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-associal e economicamente (BRASIL, 2000). [s.p]
Teixeira (2005) ressalta que, por meio do SNUC, a noo de desenvolvimento
sustentvel foi institucionalizada nas unidades de conservao, justamente comouma soluo para as contradies das restries do uso de recursos naturais em
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reas protegidas e de espaos para moradia impostos s populaes tradicionais.
Fatores esses, de ameaa reproduo social das comunidades locais, geralmente
j expostas pobreza. Segundo a autora, depois do objetivo de proteo da
diversidade biolgica, das espcies ameaadas e dos ecossistemas, o SNUC
estabelece regulamentaes que procuram compatibilizar a conservao da
natureza ocupao humana. Ainda que as necessidades das populaes frente s
Ucs no sejam elencadas por elas mesmas e sim delimitadas pelas instituies
ambientais.
Para Ferreira (2004), uma das principais dificuldades enfrentadas pelas reas
protegidas ao longo de sua histria foi, e de certa forma ainda , a relao de sua
gesto com as populaes humanas que vivem dentro e no entorno de seuszoneamentos. A autora sugere que o prprio termo reas protegidas traz embutido
a ideia de que a ao da sociedade sobre a natureza seja destrutiva e que a
proteo dos recursos naturais, tanto para pesquisas, como para a formao de
banco gentico, ou para a proteo dos recursos hdricos e ainda, para o desfrute
das populaes urbanizadas, depende do isolamento dessas reas de populaes
humanas.
Por essa linha de raciocnio, entende-se que o papel dos rgos ambientaistem sido o de controlar e, por vezes, impedir os usos sociais das unidades de
conservao demandados por populaes residentes ou vizinhas dessas reas.
Todavia, a partir das dcadas de 1960 e 1970, esse assunto passou a ser discutido
por organizaes ambientalistas internacionais, no esforo de resolver as questes
referentes presena de grupos sociais nas reas protegidas. Na dcada de 1980,
j eram recorrentes no debate ambiental mundial as crticas expulso de
populaes tradicionais de reas protegidas. Apesar desse panorama, tais ideiaschegaram posteriormente no Brasil (FERREIRA, 2004).
De acordo com Ferreira (2004), apesar do debate em prol das populaes
tradicionais em reas de proteo ambiental, prevalece o modelo de UC no
democratizado a esses grupos sociais. Mesmo com o SNUC, as unidades de
proteo integral ainda probem a presena de moradores no seu interior. Para a
autora, parece haver ainda aspectos contraditrios entre o discurso e a prtica de
rgos ambientais governamentais quanto questo. J reconhecida a
importncia de incluir as populaes locais nos projetos e objetivos das UCs, o que
representa avanos, porm, esse reconhecimento dado s populaes vizinhas ou
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do entorno das reas de proteo, quando, na maioria dos casos, as UCs so
criadas em espaos que incluem os de populaes nativas.
A criao das UCs tem desencadeado diversos processos de mudanas nas
localidades, uma vez que os moradores dessas reas so levados a modificar suas
formas de apropriao de recursos naturais, devido s regulaes impostas pela lei
e por rgos ambientais. Por esse motivo, muitos conflitos ainda marcam a relao
entre os rgos gestores e comunidades locais (FERREIRA, 2004).
As reas rurais, por sua riqueza de ecossistemas e de reas naturais no
degradadas, so um grande alvo para polticas ambientais e para a criao de
unidades de conservao. Por outro lado, a prtica da agricultura representa uma
das principais atividades econmicas dos moradores desses espaos e,frequentemente, vista com ameaa conservao dos biomas do pas.
Shiki (2010) retrata que no histrico do debate agrrio-ambiental brasileiro, a
agricultura camponesa vinha sempre considerada como sustentvel, por se basear
no manejo sbiodo ecossistema, utilizando tcnicas de fertilizao natural do solo,
praticando a policultura, a queima e o cultivo itinerante, a criao de animais,
resolvendo assim, os seus problemas de abastecimento alimentar por sculos.
As principais crticas ambientais na agricultura esto direcionadas ao modeloagrcola tecnolgico. Para Shiki (2010), este padro leva simplificao de
ecossistemas e eroso das terras de plantio, por meio da difuso das
monoculturas (cana, milho, soja, caf), e tambm leva poluio hdrica e dos solos,
pelo uso de agrotxicos e fertilizantes qumicos na produo. O autor ressalta que,
ao abandonar suas prticas tradicionais de cultivo e ao adotar as prticas de cultivo
da Revoluo Verde (com o uso de sementes melhoradas, agroqumicos e da
mecanizao tratorizada), frente ao pensamento ambientalista, a agricultura familiarcomea a estar sujeita s mesmas crticas e vulnerabilidades do modelo agrcola
tecnolgico.
Outra crtica ambiental colocada ao uso agrcola da terra o seu efeito de
desmatamento, principalmente com atividades pecurias. A agricultura familiar
tambm no est isenta nesta anlise, pois suas formas de ocupao (posse e
assentamento) so vistas como reprodutoras destes padres de uso da terra, com a
extrao de madeira, desmatamento (roa e queimadas) para plantaes e reas
pecurias (SHIKI, 2010).
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Desse contexto, segundo Shiki (2010), surgem associaes entre movimentos
sociais rurais e movimentos ambientalistas, formulando o pensamento de que reas
degradadas pelo modelo agrcola podem ser recuperadas por um modelo alternativo
de produo, o agroecolgico. Assim, retoma-se aqui j citada funo ambiental
recentemente atribuda ao rural e agricultura pela sociedade.
Para Shiki (2010), a agroecologia gera benefcios para a toda populao,
trazendo melhorias para a segurana alimentar dos consumidores e das famlias
agricultoras e mitigando os impactos ambientais da produo, sem a reduo do
retorno financeiro para os produtores, o que representa uma possvel estratgia de
conservao da natureza aliada ao seu uso sustentvel.
Essa alternativa de conservao ambiental tem se tornado recorrente entrecooperaes e organizaes ambientais. O que pode vir a ser um instrumento na
poltica pblica para manter a diversidade de ecossistemas no pas e incluir
produtivamente os mais de trs milhes de camponeses em situao de pobreza no
Brasil (SHIKI, 2010).
H adversidades no fomento a este modelo, diante das resistncias de
interesses industriais do modelo produtivista na agricultura, com a crtica ao retorno
ao passado de atraso tecnolgico e baixa produtividade, da falta de conhecimentocientfico e de tcnicas ecologicamente apropriadas, alm do alto custo da transio
agroecolgica (SHIKI, 2010).
No entanto, para alm da discusso de tais questes, o objetivo das
consideraes aqui colocadas o entendimento de que no h a possibilidade de
ignorar a situao socioeconmica e cultural do rural com a adoo de polticas
ambientais prejudiciais s populaes locais. Assim sendo, as instituies
ambientais tm buscado medidas mais flexveis, como a incluso da noo dedesenvolvimento sustentvel nas UCs e o estmulo s prticas agrcolas
agroecolgicas. E o turismo se apropria dessas mudanas de paradigmas na
sociedade e no campo, se ajustando s noes de desenvolvimento sustentvel,
desenvolvimento endgeno e local, reas protegidas e agroecologia, com o uso de
tipologias como turismo sustentvel, turismo alternativo, turismo de base local,
ecoturismo, agroturismo e turismo rural.
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1.4 A SUSTENTABILIDADE NO CAMPO: TURISMO SUSTENTVEL,
ECOTURISMO E TURISMO RURAL
Entre os anos 1960 e 1970, tem lugar na sociedade o debate sobre
desenvolvimento sustentvel, diante da necessidade de se adotar uma noo capaz
de ir alm da ideia de crescimento econmico, com o objetivo de produzir o bem
estar social da populao e o uso racional dos recursos naturais para geraes
futuras (ASSIS, 2003; MOTTA, 2013; TEIXEIRA, 2005). Deste mesmo debate surge
a concepo de turismo sustentvel, diante do desafio de promover uma atividade
turstica geradora de desenvolvimento socioeconmico, envolvendo as comunidades
locais, sem degradar os recursos naturais utilizados (ASSIS, 2003).
A oficializao da noo de desenvolvimento sustentvel esteve em pauta na
Conferncia das Naes Unidas Sobre o Homem e a Natureza, a Eco-92. A partir
deste evento, o Estado brasileiro e o de outros pases signatrios da Agenda 2116
assumiram o compromisso de adotar essa noo como orientadora para suas
polticas de desenvolvimento ao longo do sculo XXI (ASSIS, 2003; TEIXEIRA
2005). Assim, o desenvolvimento sustentvel, ainda ignorado por muitos governos
no mundo, passa a ser uma tarefa obrigatria nas polticas pblicas, de modo a
incorporar em aes prticas o trip justia social, eficincia econmica e
conservao ambiental (ASSIS, 2003).
No rastro dessas discusses, como uma das atividades econmicas que mais
crescem no mundo, o turismo tambm adota este paradigma como objetivo. Para
Assis (2003), o termo turismo sustentvel corresponde aplicao direta dos
princpios do desenvolvimento sustentvel ao contexto das atividades tursticas.
Dessa forma, diversos atores do turismo, incluindo o trade e o Estado, tm se
organizado para cumprir a proposta da sustentabilidade, com aes que vo desde
o cuidado com desperdcio de insumos, o mantimento da diversidade local, at a
integrao com as comunidades receptoras, qualificando-as como mo-de-obra para
seus empree