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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES CURSO DE HISTÓRIA O TEOR POLÍTICO NA OBRA EPITOMA REI MILITARIS: A PROPOSTA DE RESTAURAÇÃO DA INSTITUIÇÃO MILITAR NA OBRA DO ARISTOCRATA FLAVIUS VEGETIUS RENATUS CURITIBA 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

CURSO DE HISTÓRIA

O TEOR POLÍTICO NA OBRA EPITOMA REI MILITARIS:

A PROPOSTA DE RESTAURAÇÃO DA INSTITUIÇÃO MILITAR NA OBRA DO ARISTOCRATA FLAVIUS VEGETIUS RENATUS

CURITIBA 2004

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RODRIGO BICHARA

O TEOR POLÍTICO NA OBRA EPITOMA REI MILITARIS:

A PROPOSTA DE RESTAURAÇÃO DA INSTITUIÇÃO MILITAR NA OBRA DO ARISTOCRATA FLAVIUS VEGETIUS RENATUS

Monografia apresentada à disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica, como requisito parcial à conclusão do Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Renan Frighetto

CURITIBA 2004

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Dedico este trabalho aos romanos e seus deuses; à Ana, ao Arthur, a meus pais, ao Nei, à Hélia e Laura; a meus amigos, que estão sempre comigo; a todos aqueles que amo.

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AGRADECIMENTOS

A todos que tornaram possível concretizar este trabalho.

Ao caríssimo Prof. Dr. Renan Frighetto, meu orientador, pelas longas e

produtivas conversas.

Ana Vaz, minha namorada, por tudo, inútil tentar listar.

Loide e Nilo, meus pais.

A todos os professores, que me acompanharam todos esses anos,

uns mais que outros.

Ao Serginho, Secretário do Curso.

Ao Bruno Zétola, pela tradução emprestada.

Cida Vieira, pela ajuda e pela paciência.

A todo o pessoal da faculdade e todos mais, que de algum modo

tenham me ajudado.

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Igitur qui deiderat pacem, praeparet bellum.

Portanto, quem deseja a paz prepare a guerra.

Flavius Vegetius Renatus

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RESUMO

Análise da obra Epitoma Rei Militaris de Flavius Vegetius Renatus, breviário histórico-militar escrito por um aristocrata romano no ano 390. O trabalho apresenta uma contextualização geral do processo de transformações sócio-políticas do mundo romano nos séculos III e IV, destacando influências germânicas. Procede-se a uma explanação pormenorizada da situação política da época, suas origens na chamada crise do século III e a consolidação dos elementos germanizados nas aristocracias senatoriais, oriundos das instituições militares. Também se busca expor algumas posições conservadoras das aristocracias senatoriais tradicionais e as relações entre as estruturas dos poderes imperial e senatorial e as instituições militares, e a proposta de defesa e restauração destas posições e valores. Analisa o discurso subjetivo da obra, e também as críticas à estrutura militar e administrativa da época do autor, e ainda, o contraste entre o modelo por ele proposto e a realidade militar e administrativa daquele momento. Expõe-se, também, os modelos defendidos, baseados em um passado idealizado. Palavras-chave: Breviário, Aristocracia Senatorial, Instituições Militares Romanas, Germânicos.

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ABSTRACT

Analysis of the work Epitoma Rei Militaris, of Flavius Vegetius Renatus, historical-military breviary written by a Roman aristocrat in the year 390. The work presents a general view of the process of social and political transformations of the roman world in the 3rd and 4th centuries, highlighting germanic influences. This work proceeds on a detailed explanation of the political situation of that time, its origins in the so called 3rd century´s crisis, and the consolidation of the germanized elements in the senatorial aristocracies, derived from military institutions. Also tries to display some conservative views of the traditional senatorial aristocracies and the relations between the structures of the imperial and senatorial powers and the military institutions, and the proposal of defense and restoration of that views and values. The work also analyzes the subjective speech of the text, and also the critics to the military and administrative structure of the author´s time, the opposition between the model proposed by Vegetius and the military and political reality of that moment. Also exposes the models sustained by that author, based on an idealized past. Key-words: Breviary, Senatorial Aristocracy, Roman Military Institutions, Germanics.

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SUMÁRIO

RESUMO

ABSTRACT

INTRODUÇÃO ........................................................................................ 1

CAPÍTULO I ............................................................................................ 7

CAPÍTULO II ........................................................................................... 17

CAPÍTULO III .......................................................................................... 27

CONCLUSÃO ......................................................................................... 33

GLOSSÁRIO .......................................................................................... 38

REFERÊNCIAS ...................................................................................... 42

ANEXO I – ILUSTRAÇÕES .................................................................. 44

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INTRODUÇÃO

O século IV é um período de dinâmica transição em diferentes esferas da

sociedade romana. Um dos elementos relevantes deste período é o fenômeno da

consolidação de novos grupos senatoriais de origens estrangeiras, caracterizado por

uma crescente influência e aceitação destas elites nos círculos mais próximos ao

poder. No século IV, a identidade do corpo social e administrativo romano está, mais

do que em qualquer período anterior de sua história, diretamente ligada ao exército

e à guerra. Nesta época não se ascendia aos tronos do Ocidente ou Oriente com

legitimidade se não se fosse um líder militar de reconhecidas qualidades, e não se

tivesse a aclamação de uma ou mais legiões, que suplantara a do Senado.

Não surpreende, nestas condições, que pagãos e cristãos lutem tão violentamente,

através do século IV, por saber qual devia ser a verdadeira paideia, a verdadeira

educação, se a literatura, se o cristianismo; ambos os partidos esperavam salvar-se

mediante a educação. 1

Ora, pode-se identificar o elemento cristão citado por Brown, em parte com as

novas aristocracias senatoriais e comandantes militares de origens germânicas, de

credo ariano, e o elemento pagão com as aristocracias senatoriais tradicionais

romanas. O ideal do homem cinzelado pelos antigos clássicos, retratado amiúde

com um livro entre as mãos, projeta-se na imagem do santo, o bispo cristão cercado

por escrituras.

Sobre Flavius Vegetius Renatus, pouco pode ser afirmado. Apenas duas de

suas obras chegaram até nós; Epitoma Rei Militaris, a obra que ora é objeto de

estudo, e Digesta Artis Mvlomedicinalis De Cvris Bovm Epitoma, um tratado sobre

veterinária eqüina e de rebanho. Desta, no presente trabalho, apreendemos seu

amor e conhecimento pelos cavalos. Segundo Mezzabotta, em seu estudo sobre

esta segunda obra de Vegetius, pode-se supor, com alguma segurança, que ele

fosse um abastado possuidor de propriedades rurais, nas quais dedicava-se à

criação de eqüinos, o que reforça a hipótese de que pertenceria a uma camada

1 BROWN, 1972: p.34

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social elevada. Algumas passagens de sua obra veterinária fazem menções a

regiões fornecedoras de animais como Dalmácia, Épiro, Samária, Pérsia, além de

cavalos hunos, o que pode ajudar a situar o autor como pertencente à Pars

Orientalis do Império Romano (Fig. 1, anexo 1).

Embora permaneça um desconhecido no que diz respeito a sua identidade, é

citado por Rafael de Volterra sob o título um pouco duvidoso de Comes2 de

Constantinopla (Fig. 2, Anexo 1), e alguns manuscritos posteriores imputam-lhe a

alcunha de Conde e Varão Ilustre, o que faz supor que ele gozasse de um status

social considerável. “ El nombramiento (illustris) llevava consigo la incorporación

automática de los elegidos a una clase similar a la de los senadores. ”3

Pode-se afirmar que ele não só era um cidadão do Império, por ser referido e

expressar-se em termos que dão margem a tal afirmação, como era também um

homem letrado, pois sua obra consiste, quase que inteiramente, de uma compilação

de informações contidas em obras de autores clássicos, como Catão o Velho,

Cornelius Celsus, Paternus e Frontinus, e regulamentos de Augusto, Trajano e

Adriano. A despeito de quem precisamente tenha sido este homem, sua obra reflete

uma formação clássica, construída com fundamentos nos eruditos pagãos do mundo

greco-romano, e está impregnada por uma perspectiva característica do universo

social ao qual ele pertencia.

O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como conseqüência a

propensão em considerar o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural.

Tal tendência (...) é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de

numerosos conflitos sociais. 4

A abordagem deste autor se dá a partir de um ponto de vista etnocêntrico,

pois é imbuida de um juízo de valores próprio das elites tradicionais, as quais vêem

2 Conde. 3 A nomeação (illustris) trazia consigo a incorporação automática dos eleitos a uma classe similar à

dos senadores. Trad. Rodrigo Bichara. MAIER, 1972: p.32 4 LARAIA, 1986 : p.75

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sinais de decadência das virtudes morais na adoção de certas práticas e no

abandono de outras, neste caso em particular, nas chamadas artes militares.

Associados aos mais altos cargos da administração imperial, e, posteriormente, régia,

os nobres illustres eram os mais honrados de todos os elementos que formavam

parte da nobreza laica do ocidente tardo-antigo.

As fontes oferecem-nos, primeiramente, um destaque à riqueza patrimonial fundiária

possuída pelos viri illustri. De fato, esta realidade sócio-econômica faz-nos remontar

às suas raízes baixo-imperiais. Com efeito, os viri illustri constituíam a camada mais

elevada da ordem senatorial baixo-imperial, sendo detentores de amplas

concentrações de villas e de fundi. 5

No decorrer da leitura de sua obra, é possível apreender com clareza

indicações de suas crenças religiosas. Vegetius provavelmente era um pagão, e

traça de forma contínua em seus escritos seu próprio perfil de saudosista da época

dos antigos romanos, aprendida com os autores clássicos. A proposta defendida em

sua obra, dirigida possivelmente a Valentiniano II, é promover uma reorganização do

exército através da aplicação dos conselhos ali contidos, e uma conseqüente

restauração do esplendor idealizado da Roma de outrora.

O Imperador aparentemente é cristão, e Vegetius denota coerência com o

momento em que produz sua obra, em que os grupos senatoriais e militares que se

estruturaram a partir do século II e ao longo do século III estão consolidados e

gozam de uma condição legitimada e amplamente aceita dentro da sociedade. O

discurso de Vegetius contém elementos que refletem a legitimidade das instituições

de sua época; elementos contrastantes à tradição idealizada que o grupo a que ele

parece pertencer valoriza. Há, em sua obra, uma passagem que demonstra isso,

referente à incorporação de novos recrutas: “Iurant autem per Deum et Christum et

5 FRIGHETTO, 2000: pp. 67- 68.

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sanctum Spiritum et per maiestatem imperatoris, quae secundum Deum generi

humano diligenda est et colenda.”6

Esta passagem traz em si alguns valores que permeavam as relações

institucionais da época: a Santíssima Trindade constituída como um objeto notório

de culto, porém o Imperador caracterizado como um elemento a ser igualmente

venerado, dando continuidade à traditio7, elemento constituinte do conceito de

civilidade e de identidade para as aristocracias tradicionais romanas.

“Comportamentos etnocêntricos resultaram também em apreciações negativas dos

padrões culturais de povos diferentes. Práticas de outros sistemas culturais são

catalogadas como absurdas, deprimentes e imorais. ”8

É interessante notar também este juramento como uma releitura do conceito

pagão de iuramentum, o pacto com os deuses, necessário para bem fazer a guerra,

e portanto necessário para a manutenção da ordem social, uma vez que dentro

deste conceito, a guerra serve para afastar o que é mau para a sociedade, os

inimigos externos e internos que possam ameaçar a integridade da civilitas.

Este é um contexto de conflito de valores, em que os novos elementos das

aristocracias senatoriais, de raízes estrangeiras, que buscam consolidar uma

identidade própria e os elementos tradicionais que tentam resgatar os valores de um

passado idealizado. Estes elementos travam um embate pela coexistência e gradual

superposição do outro. O aristocrata Vegetius, influenciado por autores clássicos,

escreve a respeito dos valores que julga importantes e dignos de resgate.

Este recorte de um panorama de relações sociais particularmente instáveis,

naquele momento não constitui uma exceção. Bastante semelhança com esta

6 “Juram eles por Deus, por Cristo e pelo Espírito Santo; e pela majestade do Imperador, quem

depois de Deus deve ser o objeto de amor e veneração da humanidade”. Trad. Gilson César Cardoso

de Souza. 7 Tradição, conceito estritamente ligado à moral, a preservação dos valores dos ancestrais. 8 LARAIA, 1986: p. 76

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situação se observa na correspondência enviada por Símaco, prefeito de Roma em

384, para os imperadores Valentiniano II, Teodósio e Arcádio, pedindo a restituição

do Altar da Vitória no Senado de Roma, em cumprimento dos antigos costumes. A

este gesto respondeu o Bispo de Milão, Ambrósio, com duas cartas a Valentiniano II,

acusando Símaco de sacrilégio, e de por em perigo o que ele chama de Senado dos

Cristãos. O que estes exemplos têm em comum é o conflito de interesses entre

representantes de grupos distintos, que buscavam influenciar a maior autoridade da

instituição romana, a figura do Imperador, e conseqüentemente seus próprios

destinos.

Dadas as características das obras que podem ser classificadas como

pertencentes à categoria dos breviários de história romana, especialmente aqueles

produzidos no século IV, parece ser possível identificar a obra de Vegetius como um

breviário, pois traz em si elementos históricos a título de referência para o

estabelecimento de um conjunto de práticas restauradoras a serem implementadas

na instituição militar.

Elemento próprio dos breviários é o direcionamento a um grupo ou grupos de

grande relevância política, como as elites senatoriais ou altos dignatários,

comandantes militares e imperadores. O Imperador é identificado à época como o

agente máximo da Res Publica, ele é a representação da instituição e a virtude é

uma de suas atribuições, pois dela depende a integridade e a perpetuação da

própria civilização. O instrumento de sustentação da Res Publica é a instituição

militar, cuja função se crê, na época de Vegetius seja defender o mundo romano da

barbárie, da destruição na forma de invasões estrangeiras, sublevações provinciais,

guerras civis e usurpações. “ El ejército no solo era, como em los dias de Augusto, la

base del poder imperial (...) Ahora intervenia directamente en las decisiones

políticas. ”9

9 O Exército não só era, como nos tempos de Augusto, a base do poder imperial (...) Agora intervinha

diretamente nas decisões políticas. Trad. Rodrigo Bichara. MAIER, 1972: p.16

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MAIER dá definições importantes acerca das relações entre instituição militar

e instituição administrativa; Ao Imperador, como comandante em chefe do exército,

estavam subordinados os mais importantes líderes militares, os magistri militum. A

partir do século III, o corpo de elite do exército imperial é o exercitus comitatensis,

um exército móvel de campanha, em estado de prontidão permanente. “Esta tropa

de élite, generalmente de a caballo, estaba formada esencialmente por mercenarios

extranjeros, sobre todo germanos. ”10

Segundo MAIER, o contingente das legiões, em meados do século III, havia

sido reduzido a um terço do número total, e a importância das tropas auxiliares

bárbaras crescia continuamente, e o principal elemento de choque do exército passa

a ser a cavalaria couraçada pesada, os vexillationis.

MAIER expõe ainda que após a definição deste novo modelo de estado, cujas

bases políticas se assentavam sobre a organização militar e o comando político

estava centralizado na figura do Imperador, ao cidadão é imputada uma condição

unicamente de súdito, que trabalha em função da manutenção da instituição

imperial. Esta conformação institucional se define ainda no século III, se

apresentando solidamente estabelecida no século IV, e Vegetius, apesar de sua

condição aristocrática, identifica a si próprio na condição de súdito do Imperador, e

retrata detalhadamente em seu discurso a maneira pela qual o poder está

representado e centralizado na figura imperial.

10 Esta tropa de elite, geralmente a cavalo, estava formada essencialmente por mercenários

estrangeiros, sobretudo germânicos. Trad. Rodrigo Bichara. MAIER, 1972: p.36

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CAPÍTULO I

Como se faz comum, segundo GONÇALVES, nos breviários do século IV,

também na obra de Vegetius procede-se ao resgate de valores de um passado

idealizado, adequado à instrumentalização de um discurso presente nas posições

defendidas pela categoria social que o autor integra. Isso pode ser feito tanto pela

exaltação de personagens ou instituições que tragam em si exemplos dos valores

que se quer defender, como pela citação de práticas virtuosas ou eficazes por parte

dos “antigos”, quer no campo da política, da guerra, da religião ou de qualquer outro

elemento constituinte do conceito adequado de civilização.

Vegetius assume uma postura que se identifica, em muitos aspectos, com as

das elites senatoriais tradicionais, pagãs e partidárias dos valores idealizados ou

projetados em um passado romano por excelência.

Talvez a riqueza fosse o pilar que melhor demonstrasse o poder exercido de facto por

este grupo nobiliárquico, pois esta calcava-se especialmente na posse mais ampla

possível de grandes propriedades fundiárias. Mas certamente que o passado familiar

e o cargo administrativo que desempenhavam nas estruturas políticas (...)

contribuíam a que elementos deste grupo fizessem parte do setor dirigente da

sociedade. 11

Ele busca elaborar um instrumento explicativo de base referencial histórica

para o campo social que aparentemente lhe era familiar: a arte militar. A instituição

militar, percebida pelo autor como o próprio sustentáculo do modelo de organização

social a que ele pertence, traz na própria história, idealizada ou não, referências de

épocas de glória, conquista e vitória.

11 FRIGHETTO, 2000: pp. 65 – 66.

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De exertitio Gnei Pompei Magni Sallustius memorat ´cum alacribus saltu, cum

uelocibus cursu, cum ualidis uecte certabat´. Neque enim ille aliter potuisset par esse

Sertorio, nisi seque et milites frequentibus exercitiis praeparasset ad proelia.

Salústio, referindo-se aos exércitos do grande Cneu Pompeu, afirma:

“Emulava os mais ágeis no salto e os mais céleres na corrida; lutava com os mais

vigorosos. ”Se ele não houvesse preparado para o combate seus soldados,

mediante reiterado exercício, não teria podido derrotar Sertório. 12

O autor parece associar estes momentos de grandeza militar com uma

grandeza idealizada da própria romanidade, e seu breviário intenta resgatar os

elementos deste passado de glória, para assim restaurar este ideal de grandeza ao

presente, através da restituição de um modelo militar há muito desaparecido.

Durante a chamada crise do século III, há uma coincidência entre a intensificação

das incursões bárbaras no limes do Reno e do Danúbio e o decréscimo da disciplina

das legiões.

O contexto político em que o autor e seu grupo social estavam inseridos

representa um momento de insegurança quanto à manutenção do status quo deste

grupo.

(...) a denominada “crise do século III”, que muitos especialistas já indicam como

presente desde o final do século II no mundo greco-romano, rompeu com um

processo histórico calcado naquela polis/ciuitas clássico-helenística que acabou por

sofrer uma diminuição de suas funções político-administrativas de cunho imperial

principalmente em sua pars occidentalis, área que, por certo, recebeu um impacto

mais severo quer das usurpações contra o poder imperial romano, quer das tribos

germânicas que penetram em território ocidental romano e que já prenunciam um

futuro mais difícil para o poder imperial romano. 13

Este elemento, a proposta de restauração pela contemplação de modelos do

passado, é um dos pontos que torna possível identificar a obra Epitoma Rei Militaris

12 Trad. Gilson César Cardoso de Souza. 13 FRIGHETTO, 2000: pp. 45-46

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como pertencente à categoria de “breviário”, através da análise de GONÇALVES,

que procede à descrição das características relacionadas a este tipo de obra. Como

os breviários analisados por GONÇALVES, este encerra um sentido político, pois

visa instigar o governante a introduzir mudanças substanciais na organização da

instituição militar, através da emulação dos exemplos elencados. Semelhante

propósito é explanado pela autora nas seguintes passagens:

A principal preocupação (...) era manter viva a chama do conhecimento do passado

de Roma, pois da crise do século III haviam emergido novos grupos senatoriais, cujos

elementos tinham dificuldades de recordar os fatos mais simples da História

Romana.14

Pode-se perceber, pelas características deste tipo de produção textual, que o

pensamento dos grupos sociais a que pertenciam estes autores, tinha como

premissa do conceito de identidade o respeito e o resgate das ligações com o

passado histórico, ainda que este fosse concebido de maneira idealizada. No

entanto, é possível perceber este fenômeno como uma reação a uma percepção

correta, ao menos em parte, do panorama sócio-político caracterizado à época.

(...) podemos constatar ao longo do século IV uma certa tendência à autonomia

política em relação a Roma, das províncias gálicas, especialmente daquelas mais

afastadas da área mediterrânica, e britânicas. (...) Não obstante, afirmar

categoricamente que as demais prouincias ocidentais permaneceram fiéis ao poder

imperial romano poderia parecer um exagero (...) Ao lado desse problema, que

envolveu o crescente fortalecimento dos poderes regionais e locais frente ao poder

político imperial, centralizador surge a questão da penetração e fixação de grupos

germânicos no interior dos territórios romanos ocidentais. Por certo que a entrada e o

estabelecimento de pequenos grupos de barbaros no mundo romano foi uma

constante ao longo da época imperial e mais intensamente a partir do século III.15

O cenário era, portanto, de uma história ainda recente em fins do século IV,

de uma amplamente perceptível instabilidade política e institucional. Daí poderia

advir um pensamento de receio em relação à segurança social, de ameaça à 14 GONÇALVES, 2001: p. 27 15 FRIGHETTO, 2000: pp. 47- 48.

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civilitas. Como aponta Frighetto, as origens deste período turbulento para as

instituições remontam a princípios do século III, quiçá fins do século II. Porém um

elemento fundamental desta ordem está bem estabelecido no século III:

Na realidade é o exército quem designa o imperador, pois ele é quem detém a força.

Por vezes chegou a acontecer ter tomado a iniciativa de pedir ao Senado para ser

este a escolher, mas um tal pedido ocultou sempre uma ordem ou uma armadilha. 16

Esse elemento que indica uma diminuição do real poder de interferência das

aristocracias senatoriais nos rumos da política. E também uma transferência de

papéis ou funções destes grupos sociais na direção de um modelo de funcionalismo

cortesão administrativo, em detrimento do conceito de serviço público, em particular

durante o principado de Diocleciano. Ainda que nos tempos do início da instituição

imperial “(...) Na capital, o imperador também não dispõe, nos inícios do principado,

de verdadeiros funcionários de administração central. “17

Nas décadas que precederam a obra de Vegetius (390), esta relação de

valores já havia se transformado. À época de Diocleciano, o Senado se apresentava

já como uma instituição bastante enfraquecida, apesar de seu prestígio. Assim o

apresenta LOT, e acrescenta que Diocleciano optou por alijá-lo das funções

legislativas e administrativas que ainda detinha, e substituiu o elemento de suporte

prestado pelo Senado primeiro pela diarquia, depois pela tetrarquia.

O modelo da tetrarquia vem legitimar de uma maneira sem precedentes o

papel dos magistri militum como detentores e sucessores do Imperium vitalício. “

Pela força das coisas, o “império” viera a tornar-se de uma magistratura num poder

monárquico. “18

16 LOT, 1980: pp. 22-23 17 LOT, 1980: p. 21 18 LOT, 1980: p. 29

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A ascensão de elementos de origem estrangeira dentro da estrutura sócio-

política do mundo romano mostra-se um fenômeno real, e como tal perceptível,

especialmente por aqueles que de algum modo são afetados por ele.

(...) se modifica la estructura del ejército, que acoge cada vez mayor número de

bárbaros. En vez de por itálicos, la espina dorsal de las reservas militares está

formada por subditos semi-romanizados del imperio, como los ilirios, pero tanbién por

partos y germanos. Al mismo tiempo los legados de la clase senatorial fueron

substituidos en los cargos directivos del ejército por oficiales de carrera,

desapareciendo con ello definitivamente la estructura romana del mando.

(...) se modifica a estrutura do exército, que acolhe cada vez maior

número de bárbaros. Em vez de por itálicos, a espinha dorsal das

reservas militares está formada por súditos semi-romanizados do

Império, como os ilírios, mas também por partos e germanos. Ao

mesmo tempo os legados da clesse senatorial foram substituídos nos

cargos de direção do exército por oficiais de carreira, desaparecendo

com eles a estrutura romana de mando. 19

Compreendendo-se as dimensões destas transformações tal como elas

realmente foram, faz-se possível avaliar as formas pelas quais estas eram

percebidas pelos sujeitos destas transformações.

(...) importantes atribuciones passaran al consilium principis, el consejo de estado

del emperador. En lugar de la vieja aristocracia, ocupó el senado la noblesa de

espada provienente del ejército y, a menudo, superficialmente romanizada.

(...) importantes atribuições passaram ao consilium principis, o

conselho de estado do imperador. Em lugar da velha aristocracia,

ocupou o senado a nobresa de espada proveniente do exército e,

freqüentemente, superficialmente romanizada. 20

19 Trad. Rodrigo Bichara. MAIER, 1972: p.22 20 Trad. Rodrigo Bichara. MAIER, 1972: p . 2 3

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É de se supor que as aristocracias senatoriais tradicionais, de origens

romanizadas, tendo consciência dessa insegurança, cultivassem posições políticas e

ideológicas conservadoras, como forma de tentar preservar suas posições sociais e

políticas. As aristocracias tradicionais, no entanto, já no século III tinham perdido

muito de sua representatividade junto à ordem senatorial, pois à época de Marco

Aurélio, segundo ALFÖLDY, elementos oriundos de camadas superiores das

cidades e filhos de cavaleiros ou antigos cavaleiros, os homini novi, já compunham

mais da metade dos cerca de seiscentos senadores.

Embora no início da época imperial muitos “homens novos” fossem ainda oriundos da

Itália, logo no início do século I d.C. o recrutamento de novos senadores nas cidades

da península começou a regredir; sobretudo as dificuldades económicas da Itália

entravavam cada vez mais o aparecimento de novas famílias de grandes

proprietários de terras. (...) e acompanhando a integração das províncias no Império,

um número cada vez maior de hominis novi provinciais começou a ter acesso ao

Senado. (...) A extinção de muitas das antigas famílias itálicas de senadores veio

ainda acelerar todo esse processo de renovação da ordem senatorial. 21

Esta formação de novas elites se torna relevante no século III, e está

intrinsecamente ligada à transformação da estrutura da instituição proconsular, até

Séptimo Severo, restrita ao âmbito das campanhas militares fora da Península

Itálica. E a transformação das relações de poder entre o Senado e o Imperium dos

procônsules acompanha o processo do turbulento período do século III durante o

qual sucessivos imperadores22 são aclamados pelas legiões e por estas

assassinados.

E é precisamente no termo deste reinado, com o assassínio de Alexandre Severo e

de sua mãe, que rebenta a tremenda crise que esteve a ponto de levar à total

desagregação do mundo romano, e a pôr, assim, termo à sua civilização, a qual nos

princípios do século III, era ainda tão notavelmente brilhante.

21 ALFÖLDY, 1989: p. 135 22 LOT, 1980: p. 22

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Este processo de turbulência política denota muito mais uma crise interna no

sistema administrativo da Romania do que um embate centrado em influências

externas;

Las rivalidades por el poder de algunos Augustos se vieron avivadas por conflictos

paralelos entre los prefectos civiles y los comandantes del ejército, subordinados al

emperador respectivo, que adquirieron en aquella situación política un amplio margen

de decisión propia. Resultó mas grave el hecho de que, en ciertas provincias, el

orgullo de los poderosos locales, unido a una nova conciencia que despertaba

lentamente en ciertas regiones del imperio, condujese a una abierta rebelión y a

esporádicas secesiones del poder central.

As rivalidades pelo poder de alguns Augustos se viram avivadas por

conflitos paralelos entre os prefeitos civis e os comandantes do

exército, subordinados ao imperador respectivo, que adquiriram

naquela situação política uma ampla margem de decisão própria.

Resultou mais grave o fato de que, em certas províncias, o orgulho dos

poderosos locais, unido a uma nova consciência que despertava

lentamente em certas regiões do império, conduzisse a uma aberta

rebelião e a esporádicas secessões do poder central. 23

Parece plausível portanto, supor que os elementos das aristocracias

tradicionais detivessem uma percepção, em maior ou menor profundidade, destas

transformações. Talvez este pensamento ou esta percepção seja bem exemplificado

pelo pedido do prefeito Símaco, que clama pelo resgate de uma prática suplantada

pelos valores destes novos grupos que se consolidavam nas posições sociais

próximas aos detentores do poder, e influenciavam os rumos da vida social e política

no mundo romano;

Rightly does the Senate censure those who have preferred their own power to the

reputation of the prince. But it is our task to watch on behalf of your Graces. For to

what is it more suitable that we defend the institutions of our ancestors, and the rights

and destiny of our country, than to the glory of these times, which is all the greater

when you understand that you may not do anything contrary to the custom of your

23 Trad. Rodrigo Bichara. MAIER, 1972: pp. 101-102

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ancestors? We demand then the restoration of that condition of religious affairs which

was so long advantageous to the state. Let the rulers of each sect and of each

opinion be counted up; a late one practised the ceremonies of his ancestors, a later

did not put them away. If the religion of old times does not make a precedent, let the

connivance of the last do so. (…) Who is so friendly with the barbarians as not to

require an Altar of Victory? (…) That altar preserves the concord of all, that altar

appeals to the good faith of each, and nothing gives more authority to our decrees

than that the whole of our order issues every decree as it were under the sanction of

an oath. So that a place will be opened to perjury, and this will be determined by my

illustrious Princes, whose honour is defended by a public oath. (…) We ask, then, for

peace for the gods of our fathers and of our country. (…) And let no one think that I

am defending the cause of religion only. For from deeds of this kind have arisen all

the misfortunes of the Roman race. (…) A general famine followed upon this, and a

poor harvest disappointed the hopes of all the provinces. (…) the year failed through

the sacrilege, for it was necessary that what was refused to religion should be denied

to all.

Corretamente age o Senado em censurar aqueles que preferiram seu

próprio poder à reputação do príncipe. Mas é nossa tarefa zelar em

favor de suas Graças. Pois o que é mais adequado do que

defendermos as instituições de nossos ancestrais, e os direitos e

destino de nossa nação, na glória destes tempos, que é maior quando

vós compreendeis que não podes fazer nada contrário ao costume de

seus ancestrais? Nós clamamos então pela restauração da condição

das práticas religiosas que por tanto tempo foi vantajosa para o Estado.

Permita que os líderes de cada partido e de cada opinião sejam

reconhecidosados; que alguém tendo praticado as cerimônias de seus

ancestrais, posteriormente não venha alguém a desfazê-las. Se a

religião dos tempos antigos não traz precedentes, que a conivência da

nova o faça. (...) Quem é tão amistoso para com os bárbaros a ponto

de não desejar um Altar da Vitória? (...) Aquele altar preserva a

harmonia de tudo, apela para a boa fé de cada um, e nada concede

mais autoridade a nossos decretos do que a nossa obrigação de

submetê-los à sanção de um juramento. De tal forma que um caminho

estará aberto para o perjúrio, e isso será determinado por meus ilustres

Príncipes, cuja honra é defendida por um juramento público. (...) Nós

pedimos então, por paz para os deuses de nossos pais e nossa nação.

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(...) E que ninguém pense que estou eu defendendo somente a causa

da religião.Pois de disposições deste tipo advieram todos os infortúnios

do povo romano. (...) Uma fome geral se seguiu a isso, e uma colheita

pobre contrariou as espectativas de todas as províncias. (...) o ano [a

produção] falhou pelo sacrilégio, pois se fez necessário que aquilo que

foi negado à religião fosse negado a todos. 24

Símaco usa uma estratégia bastante semelhante àquela utilizada por

Vegetius: endereça seu pedido diretamente ao imperador, exaltando a suma

importância da imediata implementação de seu pedido. Apesar disso, naturalmente

existem diferenças entre a forma que as demandas de ambos são apresentadas,

Símaco, de modo semelhante a Paulo Orósio, traça relações de ordem teológica

entre a destituição dos valores por ele defendido e os males a serem combatidos

pela sua proposta;

“ For salvation is not sure unless everyone worship in truth the true God, that is the

God of the Christians, under Whose sway are all things; for He alone is the true God,

Who is to be worshipped from the bottom of the heart; for "the gods of the heathen,"

as Scripture says, "are devils." (…) For no one deceives God, to whom all things,

even the hidden things of the heart, are manifest. (…) And they are complaining of

their losses, who never spared our blood, who destroyed the very buildings of the

churches. And they petition you to grant them privileges (…) Here the whole Senate

of Christians is in danger. (…) If to-day any heathen Emperor should build an altar,

which God forbid, to idols (…) Are these Christians, when you are Emperor,

compelled to swear at a heathen altar? Wherefore, O Emperor, since you see that if

you decree anything of that kind, injury will be done (…) I implore you to do that which

you know will be profitable to your salvation before God.”

Pois a salvação não é certa se não houver culto sincero por parte de

todos ao verdadeiro Deus, que é o Deus dos Cristãos, Quem governa

todas as coisas; pois Ele somente é o verdadeiro Deus, a Quem

devemos venerar do fundo de nossos corações; pois “os deuses dos

pagãos”, dizem as Escrituras, “são demônios.” (...) Pois ninguém

engana a Deus, para quem todas as coisa, mesmo aquelas escondidas

24

Trad. Rodrigo Bichara. SÌMACO, s.d.: s.p.

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no coração, são manifestas. (...) E eles reclamam de suas perdas, eles

que nunca pouparam nosso sangue, que destruíram mesmo os

edifícios das igrejas. E eles pedem-lhe que conceda-lhes privilégios (...)

Agora todo o Senado dos Cristãos está em perigo. (...) Se hoje em dia

algum Imperador pagão construísse um altar, o que Deus proíbe, aos

ídolos (...) Serão estes Cristãos, sendo vós Imperador, obrigados a

jurar em um altar pagão? Desta forma, Ó Imperador, como vês que

qalquer decreto deste tipo, será uma ofensa (...) Eu lhe imploro que

faça aquilo que sabes será vantajoso para sua salvação perante Deus.

25

Já o discurso explícito na obra de Vegetius é pautado por uma espécie de

racionalismo, que busca demonstrar quais são as falhas de organização e estrutura

do presente modelo que estariam conduzindo a integridade do Império e do próprio

mundo romano para caminhos incertos e indesejáveis, e propõe as soluções que

paercem ser as mais adequadas no seu entender, para refrear este processo de

desintegração das instituições tradicionais e posteriormente reestabelecer a

grandeza dos dias antigos.

25 Trad. Rodrigo Bichara. SÌMACO, s.d.: s.p.

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CAPÍTULO II

Fatos recentes da história militar romana podem ter ajudado a construir a

mentalidade do grupo social de Vegetius; Tal seria o caso da malfadada batalha de

Adrianopla em 9 de Agosto de 378, na qual o imperador Valente, da Pars Orientalis

do Império é derrotado e morto em combate contra as forças góticas, juntamente

com um significativo contingente de suas tropas, estimado em aproximadamente

40.000 homens, segundo o relato de Amiano Marcelino, feito à época.

Levando-se em consideração que o autor ora estudado muito possivelmente

vivia na porção oriental do Império, quiçá nas proximidades de Constantinopla, como

sugere seu título, Comes Constantinopolitanus, e que a cidade de Adrianopla dista

pouco mais de 200 quilômetros da capital oriental, pode-se supor que este evento

tão funesto para os romanos tenha influenciado de forma significativa a formação do

pensamento para várias camadas dos contingentes políticos e militares,

principalmente aquelas mais próximas do centro administrativo oriental, como parece

ser o caso de Vegetius. O autor não faz qualquer referência à batalha de Adrianopla

em sua obra, mas possivelmente esta passagem da história recente das campanhas

militares imperiais foi propositalmente omitida, pois está explícito na obra um esforço

para obter a apreciação e a aprovação do Princeps.

Haec fidei ac deuotionis intuiti, imperator invicte, de universis auctoribus, qui re

militaris disciplinam litteris mandauerunt, in hunc libellum enucleata congessi, ut in

dilectu atque exercitatione tironum si quis diligens uelit existere, ad antiquae uirtutis

imitationem facile conroborare possit exercitum. (...) Longum est, si uniuersarum

prouinciarum uires enumerare contendam, cum omnes in Romani imperii dicione

consistant.

Esses argumentos, tratados por todos os autores que, em seus

escritos, transmitiram a ciência militar, eu os extrapolei e reuni no

presente opúsculo, ó Invicto Imperador, para vos exprimir a minha fé e

a minha devoção. Pois, na seleção e instrução dos recrutas, a ser-se

diligente, o Exército com facilidade emulará o antigo valor. (...) Muito

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me estenderia se intentasse enumerar as forças de todas as províncias

que estão avassaladas ao poderio do Império Romano.26

A obra é elaborada com um discurso de combate aos inimigos externos da

Romania, porém traz implícita a idéia de combate aos adversários políticos do grupo

social a que o autor pertence, dentro do universo da romanidade.

Segundo ALFÖLDY, os homini novi que ingressavam na ordem senatorial,

faziam-no quase sempre pelo reconhecimento de suas qualidades e por esforços

próprios em se integrar à aristocracia romana. Para isso, prestavam serviços

administrativos importantes ao Império.

(...) eram também muito protegidos do Imperador, pois devido à sua estreita ligação

com a casa imperial constituíam um suporte particularmente leal da monarquia. (...) A

decisão de atribuição desse privilégio social competia sempre ao Imperador. 27

Daí podemos apreender que aquele que porventura conseguisse exercer

alguma influencia junto ao imperador, tentando interferir no juízo que esse

mantivesse acerca dos elementos a serem nomeados, poderia eventualmente

influenciar a própria condição social. O número de clarissimi a compor a ordem

senatorial girava, de forma estável, em torno de 600, e desde o século II, contava

com um número continuamente crescente destes elementos denominados homini

novi. Conseqüentemente, as aristocracias senatoriais tradicionais, de origens

romanas mais antigas, expressam por vezes posições conservadoras, pois

percebem estes elementos de origens estrangeiras como uma ameaça concreta à

estabilidade de sua posição.

Ora, uma vez que parte significativa dos homini novi era oriunda da instituição

militar, principalmente através do Ordo Equester, talvez isso constituísse um motivo

para Vegetius tentar impor ao imperador , através de sua obra, uma sutil doutrinação

contra a ascenção social de elementos dessa origem;

26 Trad. Gilson César Cardoso de Souza. 27 ALFÖLDY, 1989: p. 134

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Ex quo intellegitur magis reipublicae necessarios pedites, qui possunt ubique

prodesse (...) Uerum ipsi pedites in duas diuisi sunt partes, hoc est in auxilia et

legiones. Sed auxilia a sociis uel foederatis gentibus mittebantur; Romana autem

uirtus praecipue in legionum ordinatione praepollet.

Dessas considerações fácil é deduzir que, para o Estado, mais

necessária se faz a infantaria, útil em qualquer terreno. (...) Na

verdade, os próprios infantes se dividem em duas partes, a saber,

“legionários” e “auxiliares”. Os auxiliares eram fornecidos por aliados ou

povos federados. A virtude romana, porém, exprime-se sobretudo na

disposição das legiões. 28

Mostra-se bastante nítida nesta passagem da obra de Vegetius uma distinção

de categorias entre legiões e auxiliares, romanos e não-romanos, civilizados e

bárbaros. Aos romanos atribui-se a virtude, elemento constituinte da civilidade,

conceito subjetivamente negado às tropas dos povos aliados ou federados. Vegetius

não usa o termo barbaris senão para designar povos em guerra contra o Império,

mas o teor desta classificação parece estar presente na construção do elemento

não-romano. É possível supor que no início dessa passagem haja uma crítica velada

à ordem dos cavaleiros, posto que o autor ressalta o valor da infantaria sobre a

cavalaria.

Segundo ALFÖLDY, Essa pode ser uma maneira de tentar diminuir o prestigio

desta classe perante o Imperador, uma vez que esta é uma das principais portas de

acesso dos elementos “recém-romanizados”, oriundos das províncias do limes do

Império ou novi homini, à carreira senatorial. Além disso, de forma geral a cavalaria

constitui o pilar central das organizações militares dos povos ditos bárbaros, de

origens germânicas.

Os hunos, que a esta época têm contingentes constituindo os grupos de

povos dentro da categoria de foederati do Império, como atestam pactos

28 Trad. Gilson César Cardoso de Souza.

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recentemente renovados, são um elemento presente no imaginário de grupos como

aquele ao qual Vegetius pertence, em especial na parte oriental do Império, aonde

estaria situado o autor, como indica Mezzabotta em seu estudo;

(...) for Vegetius, there were “barbarians” and “barbarians”. Sense can be made of

the apparent contradiction only if we assume that Vegetius differentiated in his mind

between those non-Greek or non-Latin speakers living in settled communities, like the

Persians, and those who, like the Huns, lived a nomadic existence. So the

barbarorum consuetudo of the second prologue, wich Vegetius condemns as

dangerously negligent, is associated specifically with the Huns, and the gentes aliae

are other nomadic tribes. The literary records of the time show that the imaginations of

Vegetius´s contemporarys were fired by the Huns themselves and their habits.

(...) para Vegetius, haviam “bárbaros” e “bárbaros”. Essa aparente

contradição só faz sentido se assumirmos que Vegetius traçava uma

diferenciação de conceitos entre aqueles não falantes de Grego ou

Latim vivendo em comunidades assentadas, como os Persas, e

aqueles que, como os Hunos, viviam uma existência nômade. Então o

barbarorum consuetudo do segundo prólogo, [de Mulomedicina] que

Vegetius considera como perigosamente negligente, é associado

especificamente com os Hunos, e as gentes aliae eram outras tribos

nômades. Os registros literários da época mostram que a imaginação

de seus contemporâneos estavam inflamadas pelos próprios Hunos e

seus hábitos. 29

Parece adequada a colocação de que a fragorosa derrota das legiões de

Valente em Adrianopla (Fig. 2, Anexo 1), em um passado tão recente quanto doze

anos em uma região relativamente próxima da capital oriental, deu-se pela atuação

das cavalarias pesadas de Visigodos e Ostrogodos, contra a infantaria que constituia

a principal força romana, e contra a cavalaria leve romana, incapaz de lhes fazer

frente. Ora, Vegetius defende, apresentando para tanto argumentos de ordem

técnica, que a força do próprio Estado deva sobre a infantaria, em detrimento da

cavalaria, e que mesmo no âmbito da primeira, fazem-se necessárias distinções

29 Trad. Rodrigo Bichara. MEZZABOTTA, 1998: p. 60.

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claras entre corpos auxiliares e legiões, posto que estas são compostas por

romanos, teoricamente livres, portanto, de elementos exteriores à romanidade, e

detêm a virtude romana, essência da civilitas.

É certo que o modelo da organização militar enfrentava uma série de lentas,

porém francas e irreversíveis transformações, e a batalha de Adrianopla parece ser

um exemplo claro da obsolescência da estrutura persistente de uma força de

combate centrada na infantaria. Com o crescente uso da cavalaria em combate, a

guerra caminha para modelos nos quais a mobilidade desempenha papel central,

tendo maior relevância que a força de choque, característica principal da infantaria.

Porém, seguindo a filosofia central de sua obra, a de propor o regate de modelos

superados como solução para as inadequações do momento presente, Vegetius

aborda o conceito do modelo ideal de infantaria, há muito em desuso;

Legio autempropriis cohortibus plena cum grauem armaturam (...)Sed ante signa et

circa signa nec non etiam in prima acie dimicantes principes uocabantur (, hoc est

ordinarii ceterique principales ). Haec erat grauis armatura, quia habebante cassides

catafractas ocreas scuta gladios maiores, quos spathas uocant, et alios minores,

quos semispatha nominant, plumbatas quinas positas in sutis, quas primo impetu

iaciunt, item bina missilibia (...) Prima acies principum (, secunda hastatorum )armis

talibus docetur instructa.

Por outro lado, a legião costumava prevalecer sobre quaisquer

conjuntos de inimigos por ser completa com suas coortes próprias,

homens pesadamente armados (...) Os que combatiam na frente e ao

redor dos estandartes, bem como os da primeira linha, chamavam-se

“príncipes” (...) Essa era a “armadura pesada”, pois seus integrantes

traziam elmo, corselete, grevas, escudo, o punhal longo chamado

espada, outro menor conhecido como meia–espada e cinco dardos

chumbados presos ao escudo, a serem desferidos logo ao primeiro

assalto. Tinham, ademais, duas armas de arremesso (...) É sabido que

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a primeira linha, ocupada pelos príncipes, e a segunda, guarnecida

pelos hastatos, empunhavam essas armas.30

Como citado anteriormente, semelhante modelo de organização e dotação

militar pelos contingentes combatentes do Império Romano, já não era mais

observado desde a época posterior a Augusto, ainda no século I, e mesmo sob o

reinado daquele imperador, este modelo não era tão uniforme nem livre de defeitos,

o que implica tratar-se de um modelo idealizado retratado na concepção de

Vegetius.

Nulla enim alia re uidemus populum Romanum orbem subegisse terrarum nisi

armorum exercitio, disciplina castrorum usuque militiae.. (...) Sed longae securitas

pacis homines partim ad delectationem otii partim ad ciuilia transduxit officia. Ita cura

exercitii militaris primo neglegentius agi, postea dissimulari, ad postremum olim in

obliuionem (...) Semper ergo legendi et exercendi sunt iuniores. Uilius enim constat

erudire armis suos quam alienos mercede conducere.

Os romanos submeteram o mundo todo, exclusivamente, pela

proficiência no manejo das armas, pela organização disciplinar nos

acampamentos e pelo emprego do exército. (...) Entretanto, a

segurança da longa paz arrastou parte dos homens aos prazeres do

ócio, parte às ocupações civis, de sorte que primeiro se descurou do

adestramento militar e depois se lhe simulou a prática, que afinal caiu

no esquecimento total. (...) Deve-se, pois, escolher e preparar sempre

os mais jovens, pois é mais útil e louvável instruir nas armas soldados

próprios que recorrer a mercenários estrangeiros. 31

Este trecho da obra de Vegetius tem uma característica comum a várias

passagens de seu livro; ele trata sobre elementos de adestramento e composição do

exército, mantendo um discurso ideológico subjetivo. Defende aqui os valores da

guerra contínua, ao criticar a longa paz, e ressalta o declínio dos valores militares

tradicionais romanos, que dá a tônica de sua obra. Também pode-se notar a

30 Trad. Gilson César Cardoso de Souza. 31 Trad. Gilson César Cardoso de Souza.

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exaltação do elemento de origem romana na composição das legiões, em detrimento

dos elementos identificados como não pertencentes a esta categoria.

Vegetius retorna à mesma idéia de defesa dos valores tradicionais e da

virtude diversas vezes, em uma estratégia retórica voltada para o convencimento de

seu leitor, para efetivamente formar um juízo de valores favorável à causa que ele

defende. Esta restauração almejada por Vegetius, como já foi mencionado, baseia-

se em uma estrutura de valores idealizados, baseados em um discurso histórico

construído com essa específica finalidade, de exaltar os valores tradicionais

romanos. Um elemento histórico constituinte dos valores ideais é o processo de

guerras contínuas, para manter as fronteiras do Império estáveis ou mesmo para

ampliá-las, e preservar os territórios de incursões “bárbaras”. Novamente trata-se de

um elemento legado a um passado idealizado, e um elemento diversas vezes

visitado por Vegetius em seu discurso. A guerra em si aparece como um valor para o

autor, mas para bem executá-la seria necessário o exercício, a disciplina e a arte,

representada pela própria obra em questão.

Igitur qui deiderat pacem, praeparet bellum; qui uictoriam cupit, milites inbuat

diligenter; qui secundus optat euentus, dimicet arte, non casu. Nemo prouocare,

nemo audet offendere quem intellegit superiorem esse, si pugnet.

Portanto, quem deseja a paz prepare a guerra. Quem aspira à vitória,

discipline convenientemente os soldados. Quem pretende um desfecho

auspicioso, combata com arte e não ao acaso. Ninguém ousará

provocar ou ofender aquele que considera superior em combate. 32

Retomando-se a questão da Batalha de Adrianopla, poderia aquela ser

considerada o exemplo que representaria a antítese do pensamento sintetizado no

trecho supracitado. Amiano Marcelino apresenta-nos uma narrativa minuciosa deste

evento, a qual traz em si um intrincado juízo de valores que com bastante segurança

pode-se afirmar, é compartilhado em vários aspectos por Vegetios ou por aqueles

que pertencessem ao grupo social deste;

32 Trad. Gilson César Cardoso de Souza.

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(...) while all necessary preparations were being made for the battle, a presbyter of

the Christian religion (as he called himself), having been sent by Fritigern [King of the

Visigoths] as his ambassador, came, with some colleagues of low rank, to the

emperor's camp; and having been received with courtesy, he presented a letter from

that chieftain, openly requesting that the emperor would grant to him and to his

followers, who were now exiles from their native homes, from which they had been

driven by the rapid invasions of savage nations, Thrace, with all its flocks and all its

crops, for a habitation. And if Valens would consent to this, Fritigern would agree to a

perpetual truce.

Enquanto todas as preparações necessárias para a batalha estavam

sendo feitas, um presbítero da religião Cristã (assim ele se

denominou), tendo sido enviado por Fritigern [rei dos Visigodos] como

seu embaixador, veio, com alguns companheiros de baixo escalão, ao

campo do imperador, e tendo sido recebido com cortesia, ele

apresentou uma carta daquele chefe, exigindo abertamente que o

imperador concedesse a ele e seus seguidores, agora exilados de suas

terras de origem, das quais haviam sido expulsos pelas rápidas

invasões de nações selvagens, a Trácia e todos seus rebanhos e

plantações, para habitação. E se Valente consentisse nisso, Fritigern

concordaria com uma trégua perpétua.33

Parece seguro supor que tal narrativa exponha um ponto nevrálgico do

pensamento de determinados grupos sociais, onde Amiano poderia ser localizado.

Certamente na memória coletiva destes grupos, e no imaginário dos mesmos,

nunca, pelo menos em um intervalo recente da história romana, a civilitas estivera

tão seriamente ameaçada. Não somente os Godos cruzaram o Danúbio em 376,

como o fizeram, ainda de acordo com a narrativa de Amiano Marcelino, com o

consentimento e auxílio de tropas romanas. Isso somente já poderia ser motivo de

acerbas críticas por parte de grupos sociais tradicionais.

33 Trad. Rodrigo Bichara. MARCELINO, 1911: s.p.

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Quiçá esta instabilidade no ocidente romano [a crise do século III] tenha provocado

um constante deslocamento, entre os séculos IV e V, do eixo do poder imperial em

direção aos territórios orientais, menos afetados pelos problemas ocorridos no século

III e menos propensos às usurpações tirânicas na medida em que se apresentavam

mais unidos à volta da idéia de um Império Romano “salvador” da própria civilização.

Talvez isso possa nos explicar a fundação de Constantinopla em 323 por

Constantino, além é claro, da importância estratégica da “nova Roma” localizada

exatamente sobre os alicerces da antiga Bizâncio numa rota que interligava comercial

e culturalmente o Mediterrâneo greco-romano.34

Parece ser propriamente essa idéia de restauração de um “ Império Romano

salvador”, apontada por FRIGHETTO, que orienta e impulsiona a proposta de

Vegetius. Se de fato, como anteriormente mencionado, o grupo social em que

Vegetius estava inserido, ou ele próprio, se situava nas proximidades de

Constantinopla, no centro da Pars Orientalis, possivelmente estaria imerso neste

contexto ideológico, aparentemente refletido em sua obra.

E a ousadia daquele povo bárbaro se revela tamanha na narrativa de Amiano,

que o governante bárbaro não somente recusa a submissão de seu povo ao Império

romano, como o faz após sua população deslocar-se de maneira consentida para o

interior do limes, e chega ao extremo de apresentar uma exigência desta proporção

ao próprio imperador da Pars Orientalis. Uma tal derrota, imposta por um povo

recém adentrado às fronteiras do mundo romano, capaz de desafiar e combater de

tal forma, como narra Amiano, a autoridade e o próprio imperador, naturalmente

inspiraria os mais diversos temores para aqueles que prezassem pela segurança,

pela unidade e pela própria continuidade do Império e da civilitas.

Vegetius, Amiano Marcelino, Símaco, entre diversos autores do mesmo

período podem ser identificados como pertencentes a uma mesma corrente de

pensamento ampla, representada em várias localidades dentro do Império e em

diferentes grupos sociais, que defende a restauração de valores legados à

superação, no processo corrente de transformações das relações sociais no mundo

34 FRIGHETTO, 2000: pp. 46-47.

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romano. Como dito anteriormente, o modelo de obra que visa à explanação de

exemplos de acontecimentos históricos do passado romano, tratando-se geralmente

de exemplos que remetem a concepções idealizadas ou distorcidas do passado que

se pretenda mostrar, em geral com o intuito de construir um discurso de legitimação

das posições defendidas pelos grupos sociais a que os autores pertencem.

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CAPÍTULO III

Uma obra que possui características semelhantes àquelas encontradas nas

obra de Vegetius e outros autores, que talvez possa ser também classificada como

um breviário histórico com funções doutrinárias, ainda que elaborada por um

elemento pertencente a um grupo social e uma corrente de pensamento distintos

dos exemplos supracitados: Paulo Orósio, presbítero natural de Bracara Augusta,

exilado de sua terra, autor da obra História Contra os Pagãos. Fazendo-se uma

breve análise dos livos V e VII, ( a obra é composta de sete livros, possivelmente por

sugestão de Agostinho de Hipona, com quem Orósio estudou ) percebe-se no

discurso do autor a instrumentalização de uma retórica legitimadora da corrente

social e filosófica cristã, que não tem raízes tão aprofundadas em um passado

exclusivamente romano.

Esta obra de Orósio tem como característica criticar a dinâmica militar do

passado romano e traçar um perfil de impiedade para todos os imperadores que

tenham perseguido cristãos, buscando legitimar a posição do grupo social que

defende com argumentos baseados em parte em uma interpretação teológica dos

elementos históricos narrados. Além de defender a corrente de pensamento em que

está inserido, Orósio apresenta argumentos que estão relacionados com suas

origens, e com o apreço que ele tem por sua terra natal e pela Península, de uma

forma geral. Tal é expresso por exemplo na sua narrativa da derrota do povo da

Numância (Fig.4, anexo 1) pelos exércitos de Cipião Africano;

Novamente os Romanos, ao lutarem contra os Numantinos, teriam experimentado a

fuga, se, acaso, não tivesem lutado sob o comando de Cipião.

Morreram em combate os mais galhardos dos Numantinos. Então, os sobreviventes

abandonam o campo de batalha e desertam. No entanto, os combatentes logram

restabelecer as linhas de combate — e regressam à cidade como se não tivessem

debandado. Recusaram-se a receber os corpos dos companheiros mortos — apesar

de os inimigos quererem entregar-lhes para lhes darem sepultura.

Perdida a última esperança de salvação, atingem as raias do desespero. Todos à

uma decidem suicidar-se. Fecharam a cidade por dentro — e, pelas suas prórias

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mãos, atearam o fogo a tudo. E todos têm morte igual. Uns sucumbem varados pela

própria espada; outros suicidam-se tomando veneno; outros, finalmente, fazem-se

tochas a si próprios e são consumidos pelas chamas do fogo que atearam.

Nada os Romanos obtiveram rigorosamente destes vencidos além da sua própria

segurança. Na verdade, com a destruição de Numância, Roma chegou à conclusão

de que as suas tropas davam mais a sensação de haverem fugido que de terem

derrotado os Numantinos. Nem um só aborígene de Numância logrou o Romano

vencedor pôr a ferros.

Assim, não foi Roma que venceu Numância. Deu-se-lhe um triunfo.35

Nessa narrativa, Orósio se utiliza de um recurso que constitui um dos

principais utilizado ao longo de todo o V e VII livro de sua obra; a depreciação do

passado de conquistas militares romanas. Nesse trecho em particular não por se

tratar de um feito contra seguidores do cristianismo, como muitos outros feitos do

passado romano por ele criticado, mas por ter essa derrota sido inflingida a um povo

ibérico, e o autor advogar em favor dos povos e das terras da Península.

Segundo CRAVEIRO, em seu prefácio à obra de Orósio, apesar de ele

manifestar um apreço muito grande pela Hispania (Fig.3, Anexo 1), o ideal cristão

que orienta seu pensamento o dispõe a apresentar argumentos em favor da

cristandade de uma forma ampla, desconsiderando limites geográficos ou culturais;

Foi a sua condição de fugido e exilado, o bom acolhimento recebido ( por parte de

Agostinho de Hipona) e a sua mentalidade cristã que o levaram a definir as novas

condições de vida num mundo em transformação e a sentir-se cidadão de uma pátria

nova, sem exclusivismos. Nela pairavam o mesmo Deus, as mesmas leis e a mesma

religião. 36

Orósio expressa em sua obra uma certa consciência do preceito da

universalidade cristã, que coloca em um patamar de igualdade aqueles que aceitem

a veracidade do mito cristão, não fazendo muita distinção entre os grupos sociais ou

a nacionalidade de origem dos fiéis. Ele busca ressaltar a igualdade dos povos, em

oposição ao que fazem outros autores aqui citados que se utilizam do mesmo tipo de

35 ORÓSIO, 1986: p. 254. 36 CRAVEIRO, in ORÒSIO, 1986: p. 11.

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construção literária, que de forma geral exaltam a premência do povo romano sobre

outros povos, e têm em alta conta os valores da virtude e das tradições dos

romanos.

Uma vez tendo deixado sua província de origem, Orósio parece dedicar-se a

um ideal universalista, de uma identidade unificada por um aspecto cultural, o

cristianismo. Ele estabelece uma identidade com este conceito mais amplo, que

suplanta as identidades regionais, apesar de demonstrar certo apego à Hispania, e

expressa isso em sua obra. Ele exalta os valores do caráter universalista do

cristianismo em oposição às bases históricas tradicionais da cultura romana, e nas

palavras de CRAVEIRO:

Nota os defeitos, as inferioridades dos romanos; mostra até certa simpatia pelos

bárbaros invasores, defende-os daqueles que os julgam seres odiosos, narra como

se por vezes se arrependeram das atrocidades e como se acomodaram a uma vida

normal e agrícola. Muitos, diz, até preferiram servir aos invasores com uma liberdade

limitada do que a Roma com o tributo. Antevê a conversão dos bárbaros à verdade

fecundados pelo Cristianismo. Agostinho louva os patrícios romanos, Orósio

vergasta-os.

CRAVEIRO aponta a obra de Orósio como sendo direcionada a leitores

pagãos, e a obra teria esse direcionamento pois seu autor perceberia, assim como

Vegetius, um declínio das instituições tradicionais romanas, porém ao invés de

propor a restauração de modelos que estariam desaparecendo, o autor propõe uma

releitura da dinâmica histórica romana, agora centrada na revelação cristã e na

encarnação de Cristo. Dando um sentido teológico cristão para a história, Orósio

possivelmente pretendia dar a seus leitores pagãos, a quem sua obra seria

direcionada, uma nova compreensão e orientação, pois a percepção das

transformações das estruturas do mundo romano os deixaria desorientados.

Orósio vai responder a essa dificuldade e na resposta nem sempre foi inteligente.

Muitas vezes ilude os factos, outras exagera as desgraças do mundo antigo e foca

isoladamente alguns aspectos favoráveis dos tempos presentes. Guerras? Sempre

as houve. Desgraças? Houve-as maiores noutros tempos. Todas essas guerras e

desgraças nasceram do pecado e da soberba. Para os homens vencerem essa

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soberba e aprenderem o caminho da paz precisam de um mestre, e foi por isso que

Cristo nasceu no tempo de César Augusto. 37

Neste aspecto, o de ter um propósito definido em de certa forma doutrinar os

leitores ao qual é direcionado, o trabalho de Orósio se assemelha ao de Vegetius.

Isso também fortalece a idéia de que a História Contra os Pagãos contém

características próprias dos breviários, pois pretende tirar lições de exemplos de um

passado histórico. Aqui se trata de um passado deliberadamente depreciado, e não

exaltado e idealizado como em Vegetius ou Símaco.

Orósio expressa no decorrer de seus livros, reiteradas vezes a idéia de que a

Divina Providência reserva para a humanidade, uma vez que a religião cristã foi

revelada e passa a reger a existência desta, um futuro melhor, em contraste direto

com um passado marcado pelas desgraças naturais, fomes, pestes, pelas guerras,

como consequência da iniqüidade e impiedade de pagãos e apóstatas.

Este autor não deixa, apesar de tudo, de se pautar também em certa medida

nos clássicos, comose esperaria de um erudito do período em que produz sua obra,

e abertamente menciona ter recorrido, entre outros, a Suetônio e Tácito. Porém, um

dos elementos mais marcantes de seu discurso é a forma como metódicamente

deprecia todos os imperadores que tenham de alguma forma perseguido os cristãos

e trabalhado contra a institucionalização das organizações cristãs. E o faz de

maneira direta, aplicando-lhes os adjetivos mais pejorativos adequados à construção

do modelo de anti-imperador;

No ano 790 da fundação da cidade [Roma], começou a reinar Caio Calígula – o

terceiro Imperaddor desde Augusto. Esteve na administração do Império não mais

chegou a 4 anos completos. Foi o homem mais ignóbil de todos quantos viveram

antes de si. (...) Vou fazer uma breve resenha dos actos em que ele revela o seu

descomedido sadismo. (...) Mandou sobretudo que se profanasse o famoso Templo

de Jerusalém – onde se fariam sacrifícios aos deuses pagãos.38

37 CRAVEIRO, in ORÒSIO, 1986: p. 14. 38 ORÓSIO, 1986: pp. 373-374.

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Alguns chega a descrever com desproporcional exagero sobre os

monstruosos vícios que praticavam, e ressalta de maneira detalhada quaisquer

crimes cometidos contra a cristandade;

Nero César (...) foi um pecador. Foi criminosamente petulante, libidinoso, devasso ,

ambicioso e sádico. (...) Era de tal modo devasso que se casou com um homem que

o recebeu como se sua esposa fosse. (...) Por fim, ateou o incêndio à cidade de

Roma (...) Envergando o traje de um ator de tragédia, deslumbrado com a beleza do

incêndio de Roma, declamava a ILÍADA. (...) mandou assassinar a maior parte do

Senado – e destruiu quase toda a ordem equestre. (...) Na verdade, Nero foi o

primeiro que em Roma supliciou os cristãos e os condenou à morte. Além disso

ordenou que os cristãos sofressem a mesma perseguição e as mesmas torturas e

morte. E em todas as províncias. (...) Assim, mandou matar os bem- aventurados

apóstolos de Cristo – Pedro e Paulo: a Pedro mandou-o crucificar; a Paulo tirar a vida

à espada. 39

Desse modo, Orósio discorre de forma monótona sobre os anti-imperadores

(para utilizar um termo próprio do presente trabalho), com especial ênfase naqueles

que tenham perseguido cristãos, de qualquer forma. Sem deixar de exaltar àqueles

que de algum modo tenham contribuído para o desenvolvimento ou a proteção das

instituições cristãs.

Os Imperadores Vespasiano e Tito entraram em Roma fazendo um magnífico cortejo

triunfal pela sua vitória alcançada sobre os Judeus. (...) É, sem dúvida, um belo

espectáculo terem sido transportados num só e mesmo carro triunfal o pai e o filho por

haverem alcançado uma assaz retumbante vitória – e haverem sido conduzidos nesse

carro por aqueles [os judeus] que ofenderam o Pai e o Filho [Deus e Cristo]. (...) Então

acharam por bem que deviam exibir o O Templo de Jano de Duplo Rosto com as portas

encerradas.

Acontecia pela 6ª vez desde a fundação da cidade que se fechava o Templo de Jano.

À vingança da Paixão do Senhor dedicou-se a mesma honra que tinha sido atribuída à

sua Natividade.40

39 ORÓSIO, 1986: pp. 378-379. 40 ORÓSIO, 1986: p. 384.

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Nessa exaltação aos imperadores que não somente fizeram a guerra contra

os judeus, “crucificadores de Cristo”, como também fecharam as portas do Templo

de Jano, Orósio chega mesmo a tecer uma breve comparação elogiosa, como

aponta CRAVEIRO, ao usar em proximidade as imagens de Vespasiano e Tito, pai e

filho, e Deus e Cristo, Pai e Filho.

Tratam-se de exemplos altamente louváveis na concepção expressa por

Orósio, pois os imperadores empreenderam uma campanha contra um povo que

para o autor deve ser considerado naturalmente inimigo dos cristãos, pois na

concepção por ele adotada “crucificaram o Salvador“, e encerraram as portas do

Templo de Jano. Isso significa que os imperadores em uma mesma campanha

agiram contra uma instituição judaica, Jerusalém, e uma instituição pagã, e ao atingir

elementos antagônicos ao cristianismo, colaboravam com fortalecimento deste,

assim ao menos interpretava Orósio.

Estes são padrões que podem ser percebidos na obra orosiana, a

depreciação de elementos do passado que sejam incompatíveis ou contrários à

legitimação dos valores que lhe são caros, e a exaltação dos elementos que

convenham à construção de seu discurso, fazendo uso de omissões ou exageros

quando se mostram adequados. Tem portanto uma forma bastante semelhante à da

estrutura presente na obra Epitoma Rei Militaris, uma forma característica deste tipo

de manual histórico produzido à época.

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CONCLUSÃO

O que se pode perceber estudando a obra Epitoma Rei Militaris, e estudando

o contexto em questão, é que a estabilidade social do grupo representado por

Vegetius se encontrava abalada, isso era perceptível de forma ampla, e tem reflexos

diretos em seu discurso, principalmente nas proposições subjetivas contidas em seu

texto.

(...) a situação era já bastante diferente quanto às funções e ao poder político dos

senadores. Apesar de os clarissimi terem conservado o seu prestígio e a sua fortuna,

perderam o poder de que gozavam no Alto Império nos principais órgãos executivos

do governo imperial. (...) os imperadores viram-se forçados a a recorrer a um círculo

mais lato de pessoas qualificadas, em vez de se restringirem aos membros da ordem

senatorial. ALFÖLDY, 179

Já à época do reinado de Diocleciano, a estrutura das relações entre os

poderes imperial e senatorial e as instituições militares tinha se alterado

sensivelmente, a sustentação do poder do imperador fora deslocada do Senado

para as legiões. A ordem senatorial passava portanto a uma condição submissa à

figura do imperador.

Instituta maiorum partis armatae plenissime clementiam uestram peritissimeque

retinere continuis declaratur uictoribus ac triumphis (...)Igitur cum haec litteris breuiter

conprehendere maiestati uestrae non tam discenda quam recognoscenda praeciperer

(...)domitori omnium gentium barbararum, aliquid de usu ac disciplina insinuare

bellorum, nisi forte iussisset fieri, quod ipse gessisset?

Que Vossa Clemência haja conservado cuidadosamente e com largo

engenho as instituições militares dos antigos, testemunham-nos vitórias

e seguidos triunfos (...) Por isso, havendo-me ordenado Vossa

Majestade que compilasse brevemente, num volume, os ditos

argumentos - não tanto para aprendê-los quanto para recordá-los (...)

Que maior audácia haveria, com efeito, do que pretender ensinar os

usos e disciplinas da guerra (...) ao dominador de todos os povos

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bárbaros se não me tivesse ordenado registrar o que ele próprio

realizou?41

O trecho em questão demonstra o posicionamento do autor, e possivelmente

de seu grupo social, perante a figura do imperador, caracterizando uma relação

própria de súdito perante um monarca, percebida nos termos com que o autor afirma

estar atendendo a uma ordem, e exalta a magnanimidade do príncipe.

O que sugere também uma estratégia de aproximação ideológica para com

esse elemento detentor e orientador do poder político, tendo por objetivo influenciá-

lo em suas posturas quanto à permissividade para com os elementos de

procedências consideradas impróprias ou indesejadas para o grupo social do autor.

Quanto à postura de não aceitação e o juízo de inadequação dos elementos

exógenos para as instituições militares tal como concebidos pela corrente ideológica

representada por Vegetius, cabe mais um exemplo, que se segue;

Auxiliares cum ducuntur ad proelium, ex diuersis locis, ex diuersis numeris uenientes,

nec disciplina inter se nec notitia nec affectione consentiunt. Alia instituta, alius inter

eos est usus armorum. Necesse est autem tardius ad uictoriam peruenire qui

discrepant, antequam dimicent. Denique cum in expeditionibus plurimum prosit

omnes milites unius praecepti significatione conuerti, non possunt aequaliter iussa

conplere qui ante pariter non fuerunt.

Os auxiliares marcham para o combate vindos de diferentes

localidades e encarregados de diferentes tarefas. Não são unidos entre

si pela disciplina, pelo mútuo conhecimento ou pelo sentimento. Há

entre eles instituições disparatadas e não usam as mesmas armas. É

natural, portanto, que cheguem menos depressa à vitória, de vez que

não se entendem já no começo da batalha. Ademais, dado que nas

expedições convém que todos os soldados sejam mantidos juntos por

um único preceito, aqueles que anteriormente viviam em condições

41 Trad. Gilson César Cardoso de Souza.

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desiguais não conseguem seguir do mesmo modo as mesmas

ordens.42

Aqui o autor retorna de maneira veemente à admoestação contra aqueles que

seu grupo considera bárbaros, depreciando suas instituições, sua organização e

mesmo suas disposições morais, pois considera que lhes falta um preceito moral

orientador, seja esse a civilidade própria dos romanos.

Como ele deixa claro por repetidas vezes em diferentes passagens de sua

obra, um dos problemas mais sérios que percebe nas instituições militares romanas

de seus dias, é a contínua e crescente aceitação e influências de elementos e

contingentes recém romanizados, ou mesmo de origem estrangeira dentro dos

corpos de combatentes do império.

O estrato social em que se localizam Vegetius, Símaco e Amiano Marcelino

parece estar imbuído de um modelo de pensamento contrário à incorporação destes

elementos e contingentes ao corpo social romano, propriamente dito. Pois ainda que

fosse majoritariamente nas instituições militares que se desse esta penetração de

elementos externos no mundo romano, isso teria consequências naturais em outras

esferas da sociedade.

Apesar de provavelmente não terem convivido em um mesmo espaço físico,

ou sequer conhecido uns aos outros, os autores supracitados podem ser elencados

como expoentes de uma corrente de pensamento, permitindo mesmo supor a

presença de um conceito como identidade de grupo nas obres destes.

A consolidação dos elementos germanizados dentro da sociedade romana se

dava basicamente da seguinte forma: os naturais e imigrantes das províncias mais

próximas do limes, também chamados de homini novi, apesar de gozarem do status

de cidadãos do Império, freqüentemente haviam sido recentemente romanizados,

42 Trad. Gilson César Cardoso de Souza.

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mas a cidadania abria-lhes o caminho da carreira militar, e por vezes a instituição

militar servia de porta de entrada para a carreira senatorial.

Uma vez que a instituição senatorial comportava somente pouco mais que

600 elementos, e os contingentes de homini novi a compor o Senado cresciam

continuamente desde o séc. II, naturalmente as aristocracias senatoriais tradicionais,

provável grupo de insersão social de Vegetius, adotam algumas posições

conservadoras, contrárias à aceitação destes homini novi, pois percebem sua

estabilidade ameaçada de fato por estes elementos externos.

Legionum nomen in exercitu permanet hodieque, sed per neglegentiam superiorum

temporum robur infractum est, cum uirtutis praemia occuparet ambitio et per gratiam

promouerentur milites, qui promoueri consueuerunt per laborem. Deinde

contubernalibus conpletis stipendiis per testimoniales ex more dimissis non sunt alii

substituti.

Ainda hoje prevalece no exército o nome de legião, mas, por

desconhecimento das coisas antigas, diminuiu muito a sua potência. A

ambição usurpou o prêmio da virtude, sendo hoje promovidos por favor

os militares que, antes, só o eram pelo mérito. A isso se acrescente

que não mais são substituídos os camaradas que se licenciam findo o

serviço.43

Tal citação expressa com clareza a percepção da decadência das instituições

militares tradicionais em Flavius Vegetius Renatus. Seu saudosismo é patente na

referência à perda da potência da legião, e à não reposição dos elementos

afastados, sendo que como foi mencionado anteriormente, este modelo de legião

por ele exaltado e descrito em detalhes já se modificou profundamente há séculos,

desde os dias de César Augusto.

Sua crítica à substituição, pela ambição, da virtude, valor que para ele

pertence aos romanos e somente a estes, bem como às promoções por favores, ou

43 Trad. Gilson César Cardoso de Souza.

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seja, de ordem política, parece conter uma exortação velada ao imperador para que

cesse ou obstrua a ascendência hierárquica destes elementos, eventualmente até

as portas da carreira senatorial.

A obra de Vegetius, portanto, se enquadra em um modelo de pensamento

próprio do cenário sócio-político em que foi produzida, sendo comum este tipo de

obra, as Epitomae ou Breviários não apenas ao grupo social do autor. A Epitoma Rei

Militaris é um trabalho que reflete temores e anseios característicos do grupo social

ao qual seu autor pertencia. É uma resposta à forma como estes autores

idealizavam o passado de sua sociedade, compreendiam o seu presente e

concebiam seu futuro.

Esta abordagem mostra Vegetius como um expoente do pensamento do

grupo social em que estava inserido, um autor que através de seu discurso sobre um

campo da realidade sócio-política que julgava conhecer, expressou, com uma

retórica própria sua, mas fiel à identidade de seu grupo social, um apelo à

restauração e preservação de valores que lhes eram tão caros.

Por trás do aspecto de simples compilação de estratégias e práticas militares

da obra Epitoma Rei Militaris, está estruturado um instrumento de defesa e resgate

de um conjunto de valores próprios do grupo social do autor, valores estes já então

inatingíveis e legados a um passado idealizado.

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GLOSSÁRIO

Adrianopla: Cidade da Trácia, na parte oriental do império romano. Atual Edirne, na

Turquia.

Auxiliares: Tropas que auxiliavam as Legiões, normalmente de origens não-

romanas.

Augusto: Título hierárquico e honorífico máximo concedido aos imperadores

romanos.

Barbaris: Bárbaros, bárbaras.

Bárbaro: Não pertencente ao universo cultural romano, não romanizado.

Bracara Augusta: Cidade da Hispania, província do império romano, atual Braga, em

Portugal.

Breviário: Manual histórico com função doutrinária, forma literéria romana

característica do século IV.

Civilitas: Termo latino para designar o conceito de civilização, civilidade.

Clarissimi: Título concedido aos membros do Senado.

Comes: Conde, título nobiliárquico romano.

Comes Constantinopolitanus: Conde de Constantinopla.

Constantinopla: Capital da Pars Orientalis do império romano, atual Istambul, capital

da Turquia.

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Cônsul: Cargo máximo dentro da carreira senatorial romana.

Dalmácia: Região ao Leste do Adriático, na parte oriental do império romano.

Danúbio: Rio que deságua no Mar Negro, e constituía parte do limes do império

romano.

Digesta Artis Mvlomedicinalis De Cvris Bovm Epitoma: Tratado Sobre a Arte da

Medicina Eqüina e dos Rebanhos, obra escrita por Flavius Vegetius Renatus.

Épiro: Província situada na região da Moesia, na parte oriental do império romano.

Epitoma Rei Militaris: Breviário das Coisas Militares, livro escrito em 390 d.C. por

Flavius Vegetius Renatus.

Escrituras: Conjunto de documentos de origens alegadamente divinas ou inspiradas,

fundamento do credo cristão.

Etnocêntrico: Centrado em um conjunto de valores e conceitos culturais próprios.

Exercitus Comitatensis: Tropa de elite do exército romano, composto basicamente

por cavaleiros.

Foederati: Povos federados ao império romano.

Gentes aliae: Povos aliados ao império romano.

Germanos: Povos bárbaros de origens étnicas comuns, originários da Europa

Centro- Ocidental.

Godos: Denominação geral de Ostrogodos e Visigodos.

Góticas: Relativas aos Godos.

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Hastatos: Posto de combate dentro da formação de batalha do exército romano

característico da época do imperador Augusto.

Hipona: Cidade do império romano, situada na África.

Hispania: Provincia do império romano, situada na Península Ibérica.

Hunos: Povo bárbaro proveniente da Ásia Central.

Imperium: Comando das legiões em campanha; posteriormente, mando militar e

político vitalício sobre o Estado romano.

Ilírios: Provenientes do Illirycum, provincia romana no Mar adriático.

Iuramentum: Juramento

Legião: Corpo central do exército romano, composta por infantaria, normalmente por

elementos romanizados, cidadãos do império romano.

Legionários: Infantes, soldados da legião.

Limes: Limites do império romano. Fronteira exterior que separava as províncias dos

territórios estrangeiros.

Magistri militum: Mestres da milícia; líderes militares romanos.

Novi homini: Homens novos, aqueles que recém adquiriram a cidadania romana.

Numância: Do latim Numantia, região da Hispania.

Numantinos: Naturais da Numância

Ordo Equester: Instituição militar eqüestre.

Ostrogodos: Povo bárbaro originário das proximidades do Mar Negro.

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Pars Orientalis: Divisão política, parte oriental do império romano.

Partos: Povo bárbaro oriundo de região da Pérsia.

Presbítero: Sacerdote cristão católico.

Princeps: Prícipe, imperador.

Príncipes: No vocabulário militar romano, infantes que compunham a linha de frente

da formação de batalha.

Procônsul: Cônsul encarregado de governar uma província. Em caso de liderança de

legiões em campanha, era investido do Imperium enquanto durasse a campanha.

Província: Unidade administrativa territorial politicamente delimitada do império

romano.

Res Publica: Instituição política, Estado romano.

Romania: Termo latino empregado para designar a civilização romana.

Samária: Região no centro da província da Palestina, na parte oriental do império

romano.

Trácia: Província da parte oriental do império romano.

Traditio: Tradição, conjunto de costumes longamente estabelecidos.

Vexillationis: Posto do exército romano; aqueles que usam velles, isto é, estandartes.

Visigodos: Povo bárbaro de origens próximas às dos Ostrogodos.

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ANEXO 1 - ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - “ O Império Romano no ano 400 d.C.” (Extraído de www.euratlas.com )

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Figura. 1 Legenda

Parte de um estado: diocese romana

Subdivisão de um estado: província

Fronteira entre estados independentes

Fronteiras entre partes de estados

Fronteiras entre subdivisões de estados

Fronteiras imprecisas

Territórios bravios

Região desconhecida

População ou status parcialmente conhecidos

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Figura . 2 - “ Detalhe da Pars Orientalis do Império, com a localização das cidades de Constantinopla e Adrianopla, a região da Trácia, o rio Danúbio, o Mar Egeu e o

Mar Negro.” (Extraído de http://www.yorku.ca/kdenning/3000/3000Nmar12.htm )

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Figura . 3 - “ Hispania romana à época de Paulo Orósio” (Extraído de ORÓSIO, Paulo. História Contra os Pagãos. Esboço de uma História da

Antiguidade Oriental e Clássica. Minho: Universidade do Minho, 1986.)