O século - vista aérea

O SÉCULO:Vista aéreaOlhar panorâmico

HOBSBAWM, Eric J. O século: vista aérea. Olhar panorâmico. In: ______. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 11-26.

A destruição do passado é um dos fenômenos mais característicos do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Nesse sentido, é função dos historiadores lembrar o que os outros esqueceram, sendo mais que simples cronistas, memorialistas ou compiladores. (p. 13)

O objetivo do texto não é contar a história da época abarcada pelo “breve século XX” (1914-1991), mas sim compreender e explicar porque as coisas deram no que deram, e como elas se relacionam entre si. Nisso, estabelece uma visão a partir de atores sociais que viveram este tempo, no que chegam a estabelecer uma empresa autobiográfica. (p. 13)


Mas não apenas um velho historiador tem o passado como parte de seu presente permanente. Em vastas extensões do globo, todas as pessoas de determinada idade, independentemente de origens e histórias pessoais, passaram pelas mesmas experiências centrais. Foram experiências que nos marcaram a todos, em certa medida e da mesma forma. O mundo que se esfacelou no fim da década de 1980 foi o mundo formado pelo impacto da Revolução Russa de 1917. Fomos todos marcados por ela, por exemplo na medida em que nos habituamos a pensar na moderna economia industrial em termos de opostos binários, “capitalismo” e “socialismo”. (p. 14)

Nesse sentido, quais serão as principais armadilhas da história do tempo presente?


Mesmo o mundo que sobreviveu ao fim da Revolução de Outubro é um mundo de instituições e crenças que foram moldadas pelos que pertenciam ao lado vencedor da Segunda Guerra Mundial. Os que estavam do lado perdedor ou a ele se associavam não apenas ficaram em silêncio ou foram silenciados, como foram praticamente riscados da história e da vida intelectual, investidos do papel de “o inimigo” no drama moral do Bem versus o Mal. (p. 14)

A discussão dos maniqueísmos em História: existe o “Bem” e o “Mal”? Que discursos historiográficos constroem esses paradigmas? De que lado estão os escritores da História e o que esse lado depõe em suas opiniões?


A principal tarefa do historiador não é julgar, mas compreender, mesmo o que temos mais dificuldade para compreender. O que dificulta a compreensão, no entanto, não são apenas nossas convicções apaixonadas, mas também a experiência histórica que as formou. Compreender a era nazista na história alemã e enquadrá-la em seu contexto histórico não é perdoar o genocídio. De toda forma, não é provável que uma pessoa que tenha vivido este século extraordinário se abstenha de julgar. O difícil é compreender” (p. 15)

Será possível olhar para os fatos sem estabelecer juízo de valor? Qual o grau de distanciamento que podemos manter em relação ao acontecido? Um distanciamento muito grande ou muito pequeno é realmente saudável para o estudo?


A estrutura adotada pelo autor para estudar o século XX é de uma espécie de tríptico ou sanduíche histórico. A uma Era da Catástrofe (1914-1945) seguiram-se cerca de 25 anos de extraordinário crescimento econômico e transformação social (Era de Ouro), que se encerra no início da década de 1970. Nessa última parte, o século foi uma nova era de decomposição, incertezas e crise – e, para a estrutura de regiões como a África, a ex-URSS e as partes anteriormente socialistas da Europa, de catástrofe. Com a década de 1980 dando lugar aos anos 1990, começa o sentimento melancólico de fim de século, e de incertezas pra com o século seguinte. (p. 15-16)


Dessa forma, Hobsbawm estabelece um olhar estruturalista para o século XX, colocando que existiu um momento de crise (1914-1945), um momento de relativa estabilidade (da década de 1950 ao início dos anos 1970) e mais uma era de turbulências (dos anos 1970 aos 1990).

Mesmo assim, o autor foge da perspectiva do marxismo tradicional, e nega a visão apocalíptica de “fim da história”, com o fim do regime comunista.


O livro se inicia com a Primeira Guerra Mundial e o colapso da civilização ocidental, do século XIX. A época de certezas que vigoravam na civilização capitalista de então, de economia liberal na estrutural legal e constitucional; burguesa na imagem de sua classe hegemônica, confiante nos avanços da ciência, do conhecimento, da educação e do progresso material. A centralidade europeia, no campo das ciências, das artes e da política é posta em xeque, nos quarenta primeiros anos de um século no qual este continente passa de calamidade em calamidade. (p. 16)


Nesse mesmo período, o capitalismo e a democracia também são postos em questão, diante da crise econômica que abala o mundo, onde se questiona o ideal do laissez-faire, ideal da economia liberal pregado pelos iluministas. A ascensão de regimes totalitários, como o fascismo e o nazismo, bem como alguns dentre os vários regimes comunistas que afloram, surgem como alternativas a um regime que se imagina cansado e prestes a desabar. (p. 19)

O livro chega ao fim com o início dos anos 1990, onde é enunciada a perspectiva da dúvida: se uma parte do mundo entrava em colapso (o lado socialista) produzia uma nova zona de incertezas políticas e econômicas, onde um modelo econômico supranacional (o capitalismo) poderia vir a suplantar até mesmo a soberania dos Estados nacionais. (p. 20)


Mas não apenas uma visão pessimista envolve o século XX: acontece um crescimento visível da população mundial que, apesar das diversas guerras e catástrofes em diversos países, é mais longeva, bem alimentada e saudável que seus pais. Pela primeira vez na História, a maioria dos seres humanos poderia ser descrita como alfabetizada, pelo menos nas estatísticas oficiais. O mundo estava repleto de uma tecnologia revolucionária, denotando o triunfo da ciência. (p. 22)

Diante de todas essas questões, que motivos poderiam levar a população mundial a tal estado de inquietação e incertezas?


Não podemos, portanto, comparar o mundo do final do século XX ao mundo de seu início, uma vez que ele é um mundo qualitativa diferente em pelo menos três aspectos:

1. O mundo deixa ser eurocêntrico. A Europa deixa de ser o único bastião cultural da “civilização ocidental”, uma vez que, devastados por inúmeras guerras, e mediante o crescimento de outras regiões, os europeus terminaram reduzidos de um terço a um sexto da população mundial;


2. O processo de mundialização das informações passa a ocorrer. O globo se torna, cada vez mais, uma unidade operacional única, estando as “economias nacionais” fadadas ao desaparecimento;

3. Ocorre um processo de desintegração dos velhos padrões de relacionamento social humano, e, com ela, a quebra do elo entre gerações. Isso se dá como uma relação com as outras estruturas, o fim do egocentrismo e a conexão cada vez maior entre indivíduos, levando à emergência de novos sujeitos sociais, com novos padrões de comportamento, ética e estética.


O autor encerra o texto trazendo um olhar marxista a respeito da desintegração dos velhos valores sociais: afirma que o capitalismo era uma força revolucionária, permanente e contínua, e que viria, fatalmente a destruir todas as estruturas pré-capitalistas existentes.

Hobsbawm, defende, por fim, que as revoluções causadas no século XX são sem prescendentes, e que colocam o passado num lugar em que perdeu completamente seu papel – ou seja, em nada mais influenciaria a vida social (p. 25)


Questionamentos finais:

Como foi possível perceber, o texto de Eric Hobsbawm segue uma linha de pensamento marxista: ou seja, coloca o lado econômico como norteador das estruturas da sociedade. A economia pode ser, então, vista como elemento mais importante para definição das questões históricas?

O século XX é visto pelo autor como uma época de transformação em diversas estruturas sociais – a política e a economia formatando transformações nas relações da sociedade. Na visão da turma, quais as principais transformações, nos campos sociais, culturais, de pensamento, etc, que podemos observar, vistos a partir do século XX?

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